ISSN 2176 7785
NÚMERO 6
2O SEMESTRE DE 2012
Copyright©2012 by Núcleo de Publicações Acadêmicas do Centro Universitário Newton Paiva Número 6 2 semestre de 2012 O
Pós em Revista / Belo Horizonte: Centro Universitário Newton Paiva, 2012. Disponível na Internet: < http://npa.newtonpaiva.br/pos/> n.1.Semestral ISSN 2176-7785 1. Periódicos. 2. Revista Científica. I. Centro Universitário Newton Paiva CDU 001.891
(Ficha catalográfica elaborada pelo Núcleo de Bibliotecas do Centro Universitário Newton Paiva) 2 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
ComitÊ eDitoriaL EdiToRA GERAL Roberta dias Rodrigues Rocha SECRETÁRiA Cláudia Aparecida Simões
ÁREA dE CoNHECiMENTo- CiÊNCiAS SoCiAiS APLiCAdAS Maria do Carmo Resende Teixeira Guerra Laurindo Souza de deus Filho Fernando Ferreira dias Filho Marcos Eugênio Vale leão iremar Nunes Lima
ÁREA dE CoNHECiMENTo- CiÊNCiAS HUMANAS Bruno Luciano de Paiva Silva
ÁREA dE CoNHECiMENTo- CiÊNCiAS dA SAÚdE Sérgio Fernando de oliveira Gomes Elias Borges do Nascimento Júnior Marta Marques Gontijo Aguiar Roberta dias Rodrigues Rocha
ÁREA dE CoNHECiMENTo- CiÊNCiAS dA ENGENHARiA Alexandre Souza Lopes
estrutura FormaL Da instituição
PRESidENTE do GRUPo SPLiCE Antônio Roberto Beldi
REiToR João Paulo Beldi
ViCE-REiToRA Juliana Salvador Ferreira
PRÓ-REiToR ACAdÊMiCo Sudário Papa Filho
SECRETÁRiA GERAL dorian Gray Rodrigues Alves
Centro Universitário Newton Paiva Rua do Trevo, s/n - Bairro Caiçara - CEP 31230 010 Belo Horizonte - Minas Gerais - Brasil 4 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
eXpeDiente
APoio TÉCNiCo Núcleo de Publicações Acadêmicas do Centro Universitário Newton Paiva Cinthia Mara da Fonseca Pacheco Emerson Luiz de Castro Eustáquio Trindade Netto Juniele Rabêlo de Almeida Marialice Nogueira Emboava
EdiToRA dE ARTE E PRoJETo GRÁFiCo Helô Costa - 127/MG diAGRAMAÇÃo: Fillipe Gibram, Geisiane de oliveira e Nayara Perez (estagiários da Central de Produção Jornalística da Newton Paiva - CPJ)
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 5
apresentação Prezado Leitor, Temos a satisfação de divulgar a sexta edição da “Pós em Revista”. Esta revista nasceu em 2010, de uma iniciativa do Programa de Pós Graduação do Centro Universitário Newton Paiva, na pessoa do professor Emerson Luiz de Castro, que vislumbrou esse espaço a ser preenchido por uma revista eletrônica. Com a intenção de despertar a comunidade acadêmica para a divulgação científica, desde então, oferece aos estudantes e aos professores uma forma de tornar público a sua produção acadêmica e científica, obedecendo sempre normas pré-estabelecidas para publicação. A cada edição, a Pós em Revista busca maturidade, indo ao encontro da qualificação de cada publicação e do reconhecimento como meio de divulgação de qualidade entre os alunos, professores e profissionais do Centro Universitário Newton Paiva e fora da instituição. Nesta sexta edição, por meio da mídia eletrônica, a revista traz cinquenta e três artigos, resultantes de trabalhos científicos, interdisciplinares, de conclusão de curso e de revisão da literatura que possuem relevância em suas respectivas áreas do saber científico: ciências sociais e humanas, ciências da saúde e ciências exatas. Aproveitamos a oportunidade para agradecer aos Autores dos trabalhos que abrilhantaram esta edição. Nós, da Equipe Editorial estamos felizes por mais uma edição publicada e desejamos a participação, interação e divulgação de nossos alunos, professores e leitores para seguirmos crescendo no cenário da divulgação do conhecimento através da publicação desta revista. Queremos ainda, convidar aos professores e alunos que desenvolvem trabalhos que se enquadram em nosso escopo editorial para o envio de seus artigos para análise editorial, para quem sabe, compor a nossa sétima edição, no mês de julho de 2012. Boa leitura! Roberta Dias Rodrigues Rocha Editora-Geral PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 7
sumário ADMINISTRAÇÃO A LOGÍSTICA REVERSA DE PÓS-CONSUMO E A POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS DERIVADOS DOS SERVIÇOS DE SAÚDE Claudiomiro Werner Chagas, Abraão Soares Dias dos Santos Gracco...................................................................................................14 EMPREENDEDORISMO: restaurante sustentável, uma boa ideia de negócio? Erika Veiga de Souza Moreira, Jonathan Godinho Pereira, Matheus Felicio dos Santos, Paulo Roberto R. de Abreu, Rafael Filipe Soares Fernandes, Vinicius Luã Silva Pereira, Viviana Antunes Machado, Marcos E. V. Leão................................................................23 GERENCIAMENTO DE FILAS VIRTUAIS: uma abordagem qualitativa da complexidade de organização e de controle de aspectos tangíveis do ambiente físico para filas de espera em operações de call Center. Eduardo Bomfim Machado, Marcela Gleice Vilela França......................................................................................................................29 GESTÃO EMPREENDEDORA EM EMPRESA DE TRANSPORTE RODOVIÁRIO Emmanuelle Januário Pacheco , Josoelito da Silva Lima, Leandro Hiroshi Minoda, Pablo de Azevedo Alves, Paulo Henrique Souza, Vander José Alves dos Santos Professor Tutor: Helbert Góes, Professora Orientadora: Laila Hamdan...................................................................................................40 GESTÃO EMPREENDEDORA: ANÁLISE DE UMA EMPRESA DE TRANSPORTE COLETIVO EM BELO HORIZONTE Alexandre Afonso Pereira de Paula, Filipe Mesquita de Lima Venâncio, Júlio César Costa Vicente, Samira Lima Viana Professor Tutor: Helbert José de Goes, Professora Orientadora: Laila Hamdan......................................................49 PROFISSIONAL DE SECRETARIADO: competências e habilidades no mundo corporativo Jennifer Cristina D. do Amaral, Amanda Mota Ennes Baldan, Viviane Raimunda Batista, Lorena Reis do Carmo, Sabrina Alzira Gomes Helmer, Edna Paula Teixeira da Silva, Marcos Eugênio Vale Leão.......................................................................56
CIÊNCIAS BIOLÓGICAS O LIXO E A RECICLAGEM COMO INSTRUMENTOS DA CONSCIENTIZAÇÃO E PRESERVAÇÃO AMBIENTAL NA ESCOLA Sérgio Geraldo Torquato de Oliveira.......................................................................................................................................................62
DIREITO A INCOMPATIBILIDADE DA INCIDÊNCIA DA MULTA DO ARTIGO 475-J DO CPC EM SEDE DE EXECUÇÃO PROVISÓRIA: Reflexão doutrinária e jurisprudencial Bernardo Câmara, Alexandre Varela de Oliveira......................................................................................................................................67 A RIQUEZA É EM SI MESMA UM VALOR? Contraposição entre Richard Posner e Ronald Dworkin sobre o “valor” da riqueza Leonardo Goulart Pimenta.......................................................................................................................................................................86 A VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE EM FACE DO REGIME OBRIGATÓRIO DE SEPARAÇÃO DE BENS DO MAIOR DE SETENTA ANOS Leandro Henrique Simões Goulart, Rosane Monteiro Barbosa...............................................................................................................91
DESCUMPRIMENTO DAS LEIS: óbice ao desenvolvimento do Brasil Rogério Medeiros Garcia de Lima.........................................................................................................................................................104 DIREITO CONSTITUCIONAL PENAL E A RESERVA LEGAL: reflexões sobre a proposta da capacidade e responsabilidade penal das pessoas jurídicas no Direito Comparado Weser Francisco Ferreira Neto...............................................................................................................................................................116 O MÍNIMO EXISTENCIAL COMO INSTRUMENTO DE GARANTIA DA EFICÁCIA DAS NORMAS PROGRAMÁTICAS: um estudo do direito à saúde Francislene Lucia Martins Silva, Sofia Alves Valle...................................................................................................................................123 PREQUESTIONAMENTO versus CAUSA DECIDIDA: desfazendo mitos Bernardo Câmara..................................................................................................................................................................................130
ENFERMAGEM PERFURAÇÃO INTESTINAL POR ARMA DE FOGO E SUAS COMPLICAÇÕES: relato de caso e revisão de literatura Bruna Lívia Bento, Camila Daiana, Claudiomara Kelly Camargo, Cibelle Martinez CarneiroAraújo, Daniel Arthur Sales, Glauciane Oliveira Magalhães Carvalho,Jakeline Gomes Alves, Kenia Fernanda Oliveira, Tatiana Bedran...........................................................140
ENGENHARIA CONTRIBUIÇÃO DA INTEGRAÇÃO DOS DADOS DE LEVANTAMENTO A LASER, AEROFOTOGRAMETRICOS E LEVANTAMENTOS TOPOGRAFICOS. Francisco Chagas Lopes, Gilberto de Alcântara Lopes, Ronie da Silva Procópio, Sidnei dos Anjos Silva...........................................146 GESTÃO DE REJEITOS DE MADEIRA NA CONSTRUÇÃO CIVIL: Impactos no Empreendimento Way Pampulha Andrew Motta Daher, Érika Silva Fabri...................................................................................................................................................151 REAPROVEITAMENTO DE RESÍDUOS DE ARDÓSIA NA FABRICAÇÃO DE PEÇAS CERÂMICAS PELA TÉCNICA DE COLAGEM DE BARBOTINAS Luciana Boaventura Palhares, Bruno Henrique Martins Moreira, Patrícia Cristina Dias Perini...............................................................157 RECICLAGEM DE RESÍDUOS DA CONSTRUÇÃO CIVIL: Estação SLU – Estoril/Belo Horizonte/MG Caroline Moreira Nogueira, Guilherme Campolina, Laís Lorena Ribeiro, Luiz Eduardo de Melo Guadanini, Matheus Lopo Madureira Barbosa, Érika Silva Fabri........................................................................162
FARMÁCIA A IMPORTÂNCIA DAS METALOPROTEINASES NO REMODELAMENTO DO MIOCÁRDIO Nayara Ingrid de Medeiros, Juliana de Assis Silva Gomes e Rafaelle Christine Gomes Fares..............................................................167 ALELO ɛ4 DA APOLIPOPROTEÍNA E: fator de risco para o desenvolvimento da doença de Alzheimer Gisele Santos Gonçalves, Vivian Proença Lara, Arthur Gonçalves Assini, Ana Paula Fernandes, Karina Braga Gomes, Josianne Nicácio Silveira, Maria das Graças Carvalho .........................................................................................................................171 ANEMIA MEGALOBLÁSTCA: aspectos clínicos e laboratoriais Brenda Pechir Tomich, Roberta D. Rodrigues Rocha, Mônica de F. Ribeiro Ferreira..........................................................................176
BIOTENSOATIVOS: uma alternativa mais limpa para as indústrias de cosméticos Izabella Branco Santos de Morais , Lucia Helena de Angelis...............................................................................................................186 DETECÇÃO E QUANTIFICAÇÃO DA ATIVIDADE ENZIMÁTICA DAS METALOPROTEINASES E DE SEUS INIBIDORES ATRAVÉS DA TÉCNICA DE ZIMOGRAFIA Nayara Ingrid de Medeiros, Juliana de Assis Silva Gomes, Rafaelle Christine Gomes Fares................................................................195 DIEDROS CONFORMACIONAIS E SUA APLICAÇÃO NO ESTUDO DE ESTABILIDADE DE BIOMOLÉCULAS Anderson Hollerbach Klier, George Schayer Sabino, Sonaly Cristine Leal, Ana Flávia Arantes Pereira, Liege Aparecida Mapa, Luna Elisabeth Carvalho Ferreira, Nathália Martins Moreira,Paula Guimarães Chiesa....................................................................................199 DISTRIBUIÇÃO E TRANSPORTE DE MEDICAMENTOS Gabriel Beggiato CORRÊA , Marta M Gontijo AGUIAR...........................................................................................................................210 ESPOROTRICOSE: aspectos clínicos, laboratoriais e caso clínico Carina Hugo, Roberta Dias Rodrigues Rocha........................................................................................................................................217 ESTUDO DE PRÉ-FORMULAÇÃO DE UM DENTIFRÍCIO INFANTIL SEM FLÚOR CONTENDO XILITOL Natália Gomes Lobato, Nayara Ingrid de Medeiros, Thiago Carvalho de Assis, Verônica Barros Machado de Castro Alves, Luciane de Abreu Ferreira......................................................................................................................................................................223 HEPATITE B: aspectos clínicos e laboratoriais Luciana Vinhal dos Santos, Moônica Ribeiro, Roberta Dias Rodrigues Rocha......................................................................................227 LEVANTAMENTO SOBRE O USO RACIONAL DE PLANTAS MEDICINAIS NO CENTRO DE REFERÊNCIA DA PESSOA IDOSA DE BELO HORIZONTE Amanda Rodrigues de Freitas, Camila Morais Semião, Grazielle Souza Damasceno, Larissa Barbosa Vieira, Lílian Chaves Pereira, Marcela Elisa Pena Belém, Francielda Queiroz Oliveira.........................................................................................................................236 PLANTAS MEDICINAIS: o uso popular e a identificação botânica Kyrlah Jeronymo de Moraes, Fernanda Cristina Silva Cardoso Cerqueira.............................................................................................242 VALIDAÇÃO DE MÉTODO ALTERNATIVO PARA PESQUISA DE COLIFORMES TOTAIS E Escherichia coli NA ÁGUA. Karina TEIXEIRA PONTELO, Marta M Gontijo de AGUIAR.....................................................................................................................246
FILOSOFIA As Novas Tecnologias da Educação e o Ensino de Filosofia: Possibilidades, Problemas e Desafios Bruno Luciano de Paiva Silva................................................................................................................................................................253
FISIOTERAPIA COMPARAÇÃO DOS EFEITOS DO EXERCÍCIO AERÓBICO REALIZADOS EM DIAS DE DIÁLISE E EM DIAS DE NÃO DIÁLISE: Revisão da literatura. Giselle Aparecida Silva Melgaço, Jaqueline Vieira Rabelo de Freitas, Lidiane Aparecida Pereira de Sousa, Regina Márcia Faria de Moura...............................................................................................................................................................260
EFEITOS DO TREINAMENTO AERÓBICO DURANTE A HEMODIÁLISE EM UM INDIVÍDUO COM INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA: estudo de caso Regina Márcia Faria de Moura; Renata Cristina Magalhães Lima; Patrícia Cunha Barros; Talita Oliveira Souza...................................265 TRATAMENTO FISIOTERÁPICO NA ESCOLIOSE Adriane Lopes Alves; George Schayer Sabino; Raphael Borges de Oliveira Gomes; Diogo Carvalho Felício......................................274
LETRAS O FANTÁSTICO SURREALISTA DE MURILO RUBIÃO Virgínia Carvalho de Assis Costa...........................................................................................................................................................283 A TEMPORALIDADE NOS CONTOS “AS MARGENS DA ALEGRIA” E “OS CIMOS”, DE GUIMARÃES ROSA Shirley Maria de Jesus...........................................................................................................................................................................288
NUTRIÇÃO DIET & LIGHT: Entenda a diferença Michael Ruberson Ribeiro da Silva, Rosângela Maria Gomes, Taiane Marla Alves dos Santos Rodrigues, Vanessa Oliveira Fróes, Isabela Bruzinga Monge, Adriana Rodrigues da Mata, Maria de Lourdes Mohallem.............................................................................293 PROBIÓTICOS E A PERMEABILIDADE INTESTINAL Márcio Leandro Ribeiro de Souza..........................................................................................................................................................299 PROBIÓTICOS: enfoque na tecnologia de produção dos leites fermentados Anna Carolina Silva Messeder, Felipe Keltke, Sabrina Meire Alves, Maria de Lourdes Mohallem.........................................................307
ODONTOLOGIA SISTEMA INVISALIGN®: uma alternativa ortodôntica estética Caroline Peixoto Temponi Neves, Ignês de Lima Coutinho, Edson Antônio Ferreira, Thaís de Lima Coutinho, Suzana Coulaud da Costa Cruz Miranda...............................................................................................................................................................................314
PEDAGOGIA INSPEÇÃO ESCOLAR: do controle à democratização do ensino Humberto Magela de Abreu...................................................................................................................................................................322 PSICOLOGIA OS DESAFIOS NA ConsultoriA: a resistência à mudança Sheyla Rosane de Almeida Santos, Karina Paes Rabbi.........................................................................................................................329
REDUÇÃO DE DANOS: Utopia ou realidade? Camila Ferreira, Ilda Jardim, Nádja Curvelo, Natália Guerra, Rosângela Nascimento...........................................................................334
RELAÇÕES INTERNACIONAIS A INFLUÊNCIA DOS CONFLITOS RELIGIOSOS NO CENÁRIO POLÍTICO E NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS: conflitos religiosos na Nigéria entre Islamismo e Cristianismo na atualidade e as repercussões em suas relações políticas. Caio Rosa, Messias Santos, Thiago Cardoso, Orientador: Professor Júlio César Buere......................................................................338 A TEOCRACIA IRANIANA E SEUS REFLEXOS NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS Jéssica Maria Maciel Martins, Jéssica Rúbia Gonçalves, Kelly Cristina Rodrigues dos Santos, Orientadora: Simone Gelmini Araújo.....................................................................................................................................................345
SISTEMA DA INFORMAÇÃO ADMINISTRAÇÃO DE DADOS: Uma atividade imprescindível no processo de gestão de dados nas organizações Iremar Nunes de Lima, Geannine Elaudiene Heronville Alves...............................................................................................................349 GOOGLE HACKING Alex Sander de Oliveira Toledo, Sérgio Henrique de Moraes................................................................................................................358 O PROCESSO DE INFORMATIZAÇÃO NO AGRONEGÓCIO Iremar Nunes de Lima...........................................................................................................................................................................368 OS FATORES DE RISCO DA COMPUTAÇÃO EM NUVEM Alex Sander de Oliveira Toledo, André Oliveira Trindade.......................................................................................................................374 SPAM: e-mails não solicitados e indesejáveis Alex sander Alex Sander de Oliveira Toledo, Carlos Henrique de Oliveira Carvalho.................................................................................................380 TÉCNICAS DE SEGURANÇA EM INTERNET BANKING Sávio Santiago Brandão, Iremar Nunes De Lima..................................................................................................................................384
A LOGÍSTICA REVERSA DE PÓS-CONSUMO E A POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS DERIVADOS DOS SERVIÇOS DE SAÚDE Claudiomiro Werner Chagas* Abraão Soares Dias dos Santos Gracco**
RESUMO: Com a crescente exigência de uma gestão economicamente viável, ambientalmente sustentável e socialmente justa, a logística reversa desperta um interesse crescente nas organizações empresariais de modo a internalizar seu desempenho num mercado global, competitivo e em permanente mudança. A logística com seus canais de distribuição tornou-se indispensável, e vem cada vez mais atender a uma demanda oriunda de classes sociais até então sem acesso a determinados bens de consumo, nem por isso menos exigente em termos de prazo, qualidade e pontualidade. Por meio destes canais é possível fazer uma reintegração dos produtos ao ciclo produtivo, ou seja, ao seu reaproveitamento no mercado primário e secundário que surge como um desafio num setor de materiais preponderantemente descartáveis como o hospitalar. Diversos fatores têm contribuindo para o desenvolvimento de uma logística eficiente tais como a globalização do mercado e a alta competitividade que passam a exigir um caminho reverso ao tradicional na realização da integração, entre o consumidor final, o fornecedor e a indústria . Este processo tornou-se normativamente vinculante com o advento da Lei Federal nº 12.305∕2010 e seu regulamento, estipulando a obrigatoriedade de implantação desse ciclo progressivamente em determinados setores, no contexto da Politica Nacional dos Resíduos Sólidos (PNRS). Portanto, esse estudo tem como objetivo em um primeiro momento fazer uma análise sobre a logística reversa e a seguir um estudo de caso sobre resíduos hospitalares. Palavras-chave: Logística - logística reversa - cadeia de pós-consumo – comissões setoriais - resíduos sólidos hospitalares - meio ambiente.
1 INTRODUÇÃO
empresarial que planeja, opera e controla o fluxo e as infor-
A logística possui uma finalidade fundamental que é atingir
mações logísticas correspondentes, do retorno dos bens
um nível de serviço satisfatório para o cliente final pelo menor cus-
de pós-venda e de pós-consumo ao ciclo de negócios”.
to total possível, devido à necessidade estratégica do desempenho logístico. As inovações relacionadas a essa área têm origem na integração das áreas em uma iniciativa estratégica integrada. Neste sentido o objetivo da logística é de atingir, simultane-
Por seu turno, a Lei da Politica Nacional dos Resíduos Sólidos, lei 12.305∕2010, define em seu art. 3º, inciso XI, logística reversa como um
amente, a eficiência e a eficácia nesse processo, conforme Neto
instrumento de desenvolvimento econômico e social ca-
e Junior (2000), a logística é o planejamento, controle, organiza-
racterizado por um conjunto de ações, procedimentos e
ção, armazenagem, distribuição de bens e serviços e o trans-
meios destinados a viabilizar a coleta e a restituição dos
porte. Suas metas são de disponibilizar o produto, quantidade,
resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveita-
momento, local, certo para o cliente, nas condições adequadas
mento, em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos, ou
e por um preço justo.
outra destinação final ambientalmente adequada;
A logística contemporânea além de tratar o fluxo da cadeia produtiva direta, preocupa-se também com o fluxo reverso, ou
A logística reversa de pós-consumo está se destacando
seja, naqueles que fluem no sentido inverso ao da cadeia direta, a
cada vez mais pelo foco nas questões ambientais e jurídicas,
partir dos produtos descartados pela sociedade e pelo consumo.
principalmente ao se considerar o principio do poluidor-paga-
Para Lacerda (2002), o processo da logística reversa está
dor1. Mas, acima de tudo, exige-se uma responsabilidade com-
somente iniciando no Brasil, com a preocupação com as ques-
partilhada pelo ciclo de vida do produto2 que perpassa por novos
tões da responsabilidade ambiental e também a necessidade
padrões de produção e consumo, diante dos limites do planeta.
de reduzir a economia do País precisa identificar qual será a
Na área da saúde há várias situações que contribuem no
destinação aos seus descartes.
aumento da geração de resíduos sólidos em saúde (RSS), como
De acordo com Leite (2006)
por exemplo, as pesquisas médicas, a descoberta de novas
“Entendemos a logística reversa como a área da logística
doenças e também um crescimento acelerado das indústrias
14 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
de medicamentos. Porém esses resíduos devem receber um
2 REFERÊNCIAL TEÓRICO
tratamento diferenciado no momento do descarte. Esses resíduos contaminam a água, o solo, devido à importância desse problema além do Estado, implementar políticas públicas que asseguram a defesa do meio ambiente é necessário que seja adotado pelos empresários políticas de responsabilidade socioambiental, e também o consumidor se conscientizar e contribuir ao realizar o descarte de maneira adequada. O resíduo dos serviços em saúde, além de agredir o meio ambiente (ótica da limpeza urbana), representa um grande risco à saúde dos animais e dos homens (ótica do saneamento básico). Por isso faz-se necessário, técnicas de separação, tratamento e destinação final de forma a não causar prejuízos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como um bem de uso comum do povo (art. 225, caput, da Constituição de República de 1988), ainda sob o paradigma do antropocentrismo mitigado. Assim, o objetivo principal deste artigo é demonstrar a relevância da logística reversa na cadeia de pós-consumo dos resíduos sólidos do laboratório de análises clínicas de um Hospital de Belo Horizonte. Para atingir esse objetivo geral foram estabelecidos três objetivos específicos que é identificar quais são os resíduos sólidos do laboratório de análises clínicas, analisar e descrever os procedimentos e técnicas utilizadas para o manejo dos resíduos sólidos deste laboratório e por fim verificar qual é o impacto ambiental desses resíduos caso não seja respeitado seu marco regulatório. Em relação à metodologia de abordagem, no presente trabalho foi utilizada a leitura de livros, artigos e sítios eletrônicos que tratam da logística convencional e reversa na visão da Teoria Geral da Administração e do sistema jurídico brasileiro. A pesquisa foi realizada pelo processo indireto de se obter dados por meio do processo descritivo e qualitativo realizado mediante a busca de dados de fontes secundárias. Conforme descreve Gill (1996) A pesquisa é desenvolvida mediante o concurso dos conhecimentos disponíveis e a utilização cuidadosa de métodos, técnicas e outros procedimentos científicos. Na realidade, a pesquisa desenvolve-se ao longo de um processo que envolve inúmeras fases, desde a adequada formulação do problema até a satisfatória apresentação dos resultados, para tanto, faz-se necessário um estudo bibliográfico. (GIL, 1996, Pág. 19)
Em termos clássicos a logística limitava-se à distribuição física. Tal visão permaneceu nas décadas de 50 e 60 do século XX. A ampliação deste conceito ocorreu na década de 70, por meio da administração de materiais foi necessária uma visão mais ampla que se estendeu também a administração de materiais. (BALLOU, 1993). Atualmente como forma de competitividade a logística é um fator de vital importância. Esse fator proporciona o aumento considerável da produtividade da empresa, possibilita uma redução significativa nos custos e a junção de vários setores da empresa, podendo assim, ter um maior controle e permitir uma visão mais ampla das atividades desenvolvidas. O controle, organização, planejamento, armazenagem, distribuição e transporte de bens e serviços compõem a logística como um centro nevrálgico do sistema. As atividades pertinentes à logística agregam valor ao produto ou serviço de modo a aumentar os níveis de satisfação dos clientes. Como meta, ao mesmo tempo e num mesmo processo, busca atingir um desempenho eficiente por meios eficazes na obtenção de resultados efetivos, de acordo com o planejamento. Isso deságua no fornecimento de serviço ou produto certo, no lugar certo, no momento certo, para o cliente certo na quantidade certa e a um preço justo. (NETO E JUNIOR, 2000). Para obter eficiência no processo logístico é necessário que se tenha capacidade de planejar e controlar de forma que, o nível de serviço prestado seja satisfatório para o cliente. Concretiza-se uma das características da logística é integração das atividades e fonações, facilitando o entendimento de todos em todas as etapas. Com efeito, a logística é dividida em atividades básicas e de apoio. As atividades primárias (básicas) contribuem com a maior parcela do custo total da logística, essenciais para a coordenação e o cumprimento da tarefa logística. Essas atividades são: transporte, estoque e processamento de pedidos. Por sua vez, considera-se como atividades de apoio: armazenagem, manuseio, embalagem de proteção, obtenção, programação de produtos e manutenção de informações. As atividades de básicas e de apoio possibilitam a obtenção do máximo de vantagens estratégicas pela interação e suplementariedade de uma com a outra, como se fosse um fluxo
A coleta de dados se deu por meio de leitura dos materiais selecionados que fundamentou a necessidade de se reger as formas gerenciais dos resíduos da saúde sua destinação final adequada.
2.1 A Logística
de serviços. A ligação das atividades primárias e atividades de apoio eleva ao máximo a possibilidade de otimização do serviço prestado e isso ocorre se houver uma administração de cada atividade de maneira otimizada.
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 15
2. 2 A Logística Reversa na Política Nacional dos Resíduos
produtivo por meio de canais de distribuições reversas
Sólidos
agregando-lhes valor de diversas naturezas: econômi-
É possível observar que a logística reversa ocupa um espaço muito importante no fluxo de materiais, seja pela sua potência
co, ecológico, logístico, de imagem corporativa entre outros” (LEITE, 2005: 16-17)
econômica, seja pela imagem corporativa ou até mesmo para a preservação do meio ambiente. Uma crescente utilização de
Nesse sentido, ganhos financeiros e logísticos são apenas
produtos com embalagens descartáveis e uma preocupação
um dos benefícios que a logística reversa é capaz de propor-
com a preservação do meio ambiente alerta as organizações no
cionar. Soma-se também os ganhos à imagem institucional da
sentido de reutilizar esses materiais descartáveis.
empresa por adotar uma postura condizentes com os novos
O conceito de logística reversa é a extensão da vida dos
padrões de produção, atraindo a atenção e preferência não
produtos, uma vez que essa não termina na entrega ao consu-
só de clientes, mas dos consumidores finais. Outro benefício
midor final. Eles quando obsoletos, danificados retornam ao seu
igualmente importante, hodiernamente ainda ignorado pelas
ponto de origem, com o objetivo de serem adequadamente se-
empresas, mas que deve ganhar relevância nos próximos anos:
parados, descartados ou até mesmo reaproveitados. (LACER-
o poder da logística reversa para unir a indústria, o atacado/dis-
DA, 2002). A figura 01, abaixo demonstra de maneira detalhada
tribuidor, o varejo e os demais elos da cadeia. Os bens descar-
o processo logístico reverso dos produtos.
tados pela sociedade em geral que, por sua vez retornam ao ciclo de negócios ou ao ciclo produtivo podem ser classificados
Fig.1- Processo Logístico Reverso
como em condições de uso: - Reaproveitamento de componentes/ materiais: reutilização e reciclagem de produtos. - Incentivo à nova aquisição: beneficio proposto na troca de um bem usado para aquisição de um novo. - Revalorização ecológica: decisão de responsabilidade ética empresarial a fim de promover sua imagem vinculada ao destino final adequado dos seus produtos. - Fim de vida útil e resíduos industriais3 Essa nova postura da logística reversa de pós-consumo
Fonte: Atividades do Fluxo logístico Reverso, Lacerda, 2002.
vem trazer o conceito de se administrar não somente a entrega do produto ao cliente, mas também o obrigatório controle de seu retorno, direcionando-o para ser descartado ou reutilizado
Nesse sentido a logística reversa preocupa-se com os aspectos logísticos do retorno ao ciclo produtivo ou de negócios, bens
não mais como uma norma moral (facultas agendi), mas norma jurídica (vinculativa e sancionatória).
de pós-venda e bens de pós-consumo agregando valor de diver-
O fator ambiental passou de algo incomum, para algo de
sas naturezas como econômico, jurídico, ambiental, de responsa-
extrema necessidade para algumas empresas com diversas
bilidade social entre outros. A logística reversa está em evolução
consequências para a sociedade - o destino destes produtos -,
considerando as possibilidades de negócio de grande interesse
e para as empresas - o custo da repercussão negativa em sua
das empresas (LEITE, 2006) e sua crescente complexidade.
imagem corporativa. A maior sensibilidade ecológica na socie-
A logística reversa compõe as necessidades dos fluxos re-
dade provém da visibilidade dos excessos da disposição indevi-
versos de qualquer produto que são objetivos operacionais da
da de produtos, descartáveis nos centros urbanos em geral, dos
logística moderna que situam-se além do fluxo direto dos produ-
quais as embalagens constituem grande parcela.
tos. (BOWERSOX E CLOSS, 2001). Ainda para Leite (2005),
Empresas responsáveis em termos ambientais antecipam ações morais que reduzem os impactos causados por seus pro-
“A logística reversa é a área da logística empresarial que
dutos e processos ao meio ambiente, implantando sistemas de
planeja, opera e controla o fluxo e as informações logísti-
gerenciamento ambiental, como o certificado ISO14000 e outras
cas correspondentes do retorno dos bens de pós-venda
ferramentas empresariais. A figura 2 abaixo apresenta o fluxo da
e de pós-consumo ao ciclo de negócios ou ao ciclo
logística reversa de pós-consumo.
16 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
Fig.2 - Fluxograma da Logística reversa pós-consumo
químicas que apresentam risco à saúde pública ou ao meio ambiente. GRUPO C - (rejeitos radioativos) – materiais radioativos contendo radionuclídeos, que podem ser encontrados em radioterapia, medicina nuclear e laboratório de analises clinicas. GRUPO D - (resíduos comuns) – são aqueles que não necessitam de processos diferentes referente a acondicionamento, tratamento sendo considerados resíduos
Fonte: Leite, 2003.
sólidos urbanos. Podemos considerar parte desse grupo algodão, gazes, compressas, luvas, equipo de soro
Portanto os produtos de pós-consumo são aqueles que
entre outros, mesmo que tenha tido contato com san-
embora encerram sua vida útil para o consumidor que é corres-
gue ou fluido orgânico e outros.
ponsável com o fornecedor e o produtor pela destinação final
GRUPO E – (perfuro cortantes) – São aqueles provenien-
adequada dos produtos, como desmanche, reciclagem e reutili-
tes de serviço a saúde como: agulhas, bisturis, escal-
zação, estendendo assim a própria vida útil do produto ou parte
pes, ampolas de vidro, lamina, objetos que contenha
dele (LEITE, 2003:56).
cantos, pontas, capazes de cortar ou perfurar 4
2.3 Os Resíduos Sólidos da Saúde e seu tratamento na Política Nacional de Resíduos Sólidos A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), por meio da norma técnica NBR 10.004 (1987) define como resíduos sólidos aqueles no estado sólido e semissólido que resultam de atividades da comunidade de origem industrial, doméstica, hospitalar, comercial, agrícola, de serviços e de varrição. Outrossim a periculosidade de um resíduo é caracterizada em função de suas propriedades físicas, químicas ou infectocontagiosas. Assim podem apresentar riscos à saúde pública, provocar ou acentuar, de forma significativa, a mortalidade ou incidência de doenças e riscos ao meio ambiente, quando o resíduo é manu-
Por seu turno, de acordo com a Associação Brasileira de Normas Técnicas - ABNT, os resíduos sólidos em saúde são classificados em três classes: Os infectantes: (biológico; sangue ; cirúrgico; anatomopatológico e exsudado; perfurante e cortante; animal contaminado; assistência ao paciente).; Especial: (rejeito radioativo; resíduo farmacêutico; resíduos químicos perigosos); Comum: (todos aqueles que não se enquadram nas demais classificações e, que, por sua semelhança aos resíduos domésticos, não oferecem riscos adicionais à saúde pública).5
seado ou destinado de forma inadequada. A classificação dos resíduos sólidos de serviços de saúde
No âmbito do plano de Gerenciamento Interno dos Resídu-
faz-se necessária para facilitar na identificação e separação,
os de Serviços de Saúde – GIRSS tem-se na Resolução CO-
uma vez que são de natureza heterogênea, conforme se depre-
NAMA nº 005/93 como do processo para o licenciamento am-
ende das classificações realizadas pelas várias entidades, in-
biental. Esse plano é elaborado com objetivo de orientação das
cluindo o Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA, a
ações relacionadas ao manejo dos resíduos e a organização de
Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA.
maneira uniforme todos os procedimentos referentes ao manejo
Ao analisar as resoluções da Agência Nacional de Vigilância
dos resíduos em saúde. Conforme essa norma regulamentadora
Sanitária – ANVISA (2003) e também do Conselho Nacional do
caberá aos estabelecimentos gerenciar os resíduos apresentan-
Meio Ambiente – CONAMA (2005) pode-se dizer que os resí-
do as etapas de geração, segregação, acondicionamento, cole-
duos foram classificados de forma a facilitar na identificação e
ta interna, armazenamento interno, transporte e destinação final
compreensão em grupos:
atendendo aos requisitos ambientais e de saúde pública.
GRUPO A (potencialmente infectantes) - resíduos com
Segregação e acondicionamento é a etapa de se-
a possível presença de agentes biológicos que podem
paração dos resíduos no momento e no local de sua
apresentar riscos de infecção.
geração.O acondicionamento deve ser feito respeitando
GRUPO B- (químicos) - resíduo contendo substâncias
a classificação mencionada anteriormente e conforme
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 17
está na resolução.
e vegetais de uma região;
Armazenamento interno que é temporário em contêiner
- afetar as condições estéticas ou sanitárias do meio
com identificação devida, onde aguarda a coleta de for-
ambiente;
ma adequada não podendo ultrapassar oito horas.
- causar prejuízo às atividades sociais e econômicas;
Coleta Interna é o transporte dos resíduos no armaze-
- lançar matérias ou energia em desacordo com os pa-
namento interno para o armazenamento externo. Esse
drões ambientais estabelecidos.
transporte deve ocorrer em carros coletadores com as devidas identificações.
Ao considerar o licenciamento ambiental como o proce-
Armazenamento Externo é o abrigo dos resíduos até a
dimento administrativo pelo qual a administração pública, por
coleta externa. Os resíduos permanecem nos contêine-
intermédio do órgão ambiental competente, analisa a proposta
res com as devidas identificações.
apresentada para o empreendimento e o legitima (art. 2º, I, da
A coleta externa deverá ocorrer através dos veículos
Lei Complementar nº 140/11), sendo essa a condição primeva
coletor dotado com as exigências previstas na norma
para o bom gerenciamento de resíduos sólidos.
ABNT-NBR 7500/94, sendo de cor branca e com a sim-
Para a ANVISA foi muito importante a Resolução aprimorada
bologia específica para o transporte de resíduos infec-
e atualizada da CONAMA nº 283/01, que definiu a elaboração
tantes.6
do Plano de Gerenciamento de seus resíduos sólidos, onde se
A desativação eletrotermica é a exposição dos resídu-
devem apresentar os aspectos referentes à geração, segrega-
os duplamente triturados em um campo elétrico de alta
ção, acondicionamento, coleta, armazenamento, transporte,
potencia.
tratamento e disposição final dos resíduos e o tratamento e des-
A radiação ionizante consiste na exposição dos resíduos
tinação final dos resíduos sólidos da saúde.
a ação dos raios gama gerados por uma fonte enriqueci-
Por evidente que, apesar da existência das normas alhu-
da de cobalto 60 que inativa os microorganismos, atra-
res analisadas, a vinculação desses padrões e classificações
vés da ionização e quebra do DNA celular.7
em caráter constitucionalmente vinculantes (art. 5º, inciso II, da Constituição da República de 1988) efetivou-se com a Lei
A disposição final dos resíduos em vala escavada no solo, que é revestida por uma manta plástica impermeável antes e após a sua dispensação efetiva o princípio da visão sistêmica,
12.305/2010, a Lei da Política Nacional dos Resíduos Sólidos, que em seu art. 13, “j”, reforça e legitima as Resoluções da ANVISA e do CONAMA.
na gestão de resíduos sólidos, que considera as variáveis ambiental, social, cultural, econômica, tecnológica e de saúde pú-
4 - CONTEXTUALIZAÇÃO DA EMPRESA PESQUISADA
blica (art. 6º, inciso III, da Lei nº 12.305/10).
A instituição pesquisada será denominada de “Hospital Sara Tudo” respeitando-se o seu desejo de não ver divulgado
2.4 - Resíduos sólidos em saúde e seus impactos ambientais No tocante à Política Nacional do Meio Ambiente, Lei Federal nº 6.938/81, em seu art. 10 estabelece que a localização, construção, instalação, ampliação, modificação e operação de empreendimentos e atividades que utilizam recursos ambientais, consideradas possíveis ou efetivas poluidoras, capazes, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento do órgão ambiental competente, sem prejuízo de outras licenças legalmente exigíveis. Neste contexto, são definidas como atividades e empreendimentos efetivos ou potencialmente poluidores, de acordo com a legislação ambiental do CONAMA, aquelas que direta ou indiretamente, possam: - prejudicar a saúde, a segurança e o bem-estar da população; - afetar desfavoravelmente o conjunto de seres animais
o seu nome. Iniciadas suas atividades como Hospital Geral na década de 80 passou por várias mudanças e até hoje permanece em transformações. Possui equipes de profissionais especializados e capacitados com dedicação integral. A capacidade de realização de exames complementares, de diagnóstico e de procedimentos é significativa devido à alta qualificação profissional e a atualização contínua das tecnologias dos equipamentos utilizados. O Hospital Sara Tudo está focado no bem estar dos seus pacientes com uma estrutura ligada ao atendimento 24 horas, ambulatórios, centro cirúrgico, internação, laboratório de análises clínicas, exames de ressonância magnética, hemodinâmica, centro de endoscopia, medicina nuclear entre outros. O atendimento em diversas especialidades médicas abrange uma clientela formada por conveniados ao Sistema Único de Saúde (SUS), particular e convênios diversos. Conta ainda com um to-
18 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
tal aproximado de 1500 funcionários e prestadores de serviços
identificação de resíduos infectantes. O saco plástico de cor
(médicos e outros profissionais) e possui uma área construída
branca leitosa com a simbologia de resíduo infectante capaci-
de xx m2, e aproximadamente 240 leitos.
dade de 20 a 100 litros. O Tipo 2 são para resíduos comuns, deverá ser de mate-
4.1 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÂO DOS RESULTADOS
rial rígido com pedal para abertura da tampa, superfície interna
Com objetivo de demonstrar a relevância da logística rever-
lisa e cantos arredondados, resistente, lavável, não apresentar
sa na cadeia de pós-consumo dos resíduos sólidos do laborató-
vazamento, capacidade de 20 e 100 litros, na cor clara. O saco
rio de análises clinicas do hospital “Sara Tudo” e os processos
plástico de cor clara (azul).
de descarte dos resíduos sólidos em saúde (RSS), comprovou-
Já o tipo 3 para os resíduos perfuro-cortante que deverá
-se que o Hospital “Sara Tudo” busca cada vez mais atender as
ser de material rígido, resistente, impermeável, com identifica-
legislações atuais e as exigências dos órgãos competentes im-
ção de resíduos infectantes e compatível com a quantidade de
plementou o Plano de Gerenciamento de Resíduos de Serviços
resíduos produzidos e o numero previsto de coletas, deve ser
a Saúde (PGRSS). Tendo como objetivo principal minimizar os
devidamente fechado e acondicionado em saco plástico de cor
impactos ambientais da saúde pública, da exposição ocupacio-
branca leitosa para facilidade de transporte e identificação. As
nal decorrente dos resíduos de serviços de saúde (RSS), minimi-
agulhas não devem ser destacadas das seringas com as mãos,
zar os custos por meio da redução de geração e prevenção de
nem reencapadas, a fim de evitar contaminação do pessoal e
acidentes ocupacionais e ainda propiciar condições ideais para
garantir a segurança do manipulador.
implementação de coleta seletiva.
Para o fechamento do saco plástico deverá ser torcido e
Na implementação foram criadas etapas do gerenciamento
amarrado sua abertura com barbante, no ou fecho plástico para
dos RSS onde seria garantida a implementação do PGRSS que
lacre. Utilizar somente o compatível com a resistência da emba-
são: geração, classificação, segregação, acondicionamento,
lagem, para evitar o rompimento e mantê-la intacta até o arma-
armazenamento intermediário, coleta e transportes internos e
zenamento final e as fases subsequentes de gerenciamento. É
armazenagem final.
expressamente proibido a abertura dos sacos plásticos, ou es-
A segregação e acondicionamento dos RSS deverão acorrer
vaziamento ou reaproveitamento, bem como sua compactação.
na própria unidade geradora seguindo assim as normas técni-
Os resíduos líquidos, pastosos e os compostos por fluidos
cas da SLU e da ABNT (NBR 9190, 9191, 7500, 12809, 13853) e
corpóreos e secreções, devem sofrer tratamento prévio (sendo
das demais legislações especificas. Por exemplo pode ser cita-
este 10 ml de hipoclorito por litro, aguardar 10 min) desprezar
do o sangue e hemoderivados como todas as bolsas de sangue,
no esgoto. A rotina para os resíduos infectantes sem tratamento
após o uso, deverão ser acondicionados em saco de plástico
prévio e com manuseio na coleta e ou no tratamento externo
branco leitoso, com a simbologia de resíduos infectantes, e ser
devera ser realizado por um funcionário da limpeza, garantindo
encaminhado ao banco de sangue para tratamento prévio por
um acondicionamento que não ocorra o rompimento da embala-
um processo que combina a temperatura, pressão e tempo de
gem ou o uso duplo de saco plástico de cor branca leitosa com
exposição chamado de autoclavação.
a simbologia de resíduo infectante. Após retirar o excesso de ar,
Para a armazenagem intermediária todo resíduo depois de
sem inalar o conteúdo interno ou expor-se ao fluxo de ar inter-
segregado e acondicionado adequadamente, deverá ser reco-
no, fechar e remover o saco plástico imediatamente da unidade
lhido em horários predeterminados em todos os setores de for-
geradora até a sala de resíduos para armazenamento intermedi-
ma a não gerar acúmulo de resíduos nos setores.
ário, proibindo expressamente sua abertura ou esvaziamento ou
A coleta e o transporte interno ocorrerem de forma manual
reaproveitamento, bem como sua compactação.
para recipientes inferior a 20 litros, o qual necessita de carros
A coleta e transporte dos resíduos infectantes da unidade
especiais. A coleta o transporte externo e a armazenagem final
geradora ou sala de resíduos até o abrigo externo ou armazena-
é realizada, pela Superintendência de Limpeza Urbana – SLU.
mento final deverá ocorrer sempre que necessário por um fun-
As lixeiras internas foram padronizadas para os tipos de resíduos:
cionário de limpeza com objetivo de garantir a movimentação planejada dos RSS nas áreas de circulação do estabelecimento
O Tipo 1 são para resíduos infectantes, deverá ser de mate-
de saúde, sem oferecer riscos a integridade física e a saúde dos
rial rígido com pedal para abertura da tampa, superfície interna
funcionários e da população. Deverá procurar o menor percurso,
lisa e cantos arredondados, resistente, lavável, não apresentar
sem provocar ruídos, evitando coincidência de horário com o flu-
vazamento, capacidade de 20 e 100 litros, na cor branca com
xo de pessoas, distribuição de roupas limpas, de alimentos, de
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 19
medicamentos e de outros materiais, recolher os resíduos infec-
sujidade com água e sabão e aplicar o produto quaternário de
tantes da unidade geradora em intervalos regulares duas vezes
amônio com auxilio de um pano, deixando o produto agir por 10
ao dia, sendo proibidos que os sacos plásticos sejam deixados
minutos, remover ou enxaguar.
nos corredores, transportados com eles abertos ou arrastá-los
Em se tratando da avaliação dos riscos ambientais das ativi-
pelo piso, não acumular o RSS por período superior a 24 hs.
dades deve ser realizado preferencialmente por higienistas am-
Armazenar em contenedor padronizado e mantê-lo de forma or-
bientais do programa de prevenção de riscos ambientais (PPRA
denada, no abrigo externo de armazenamento final. Manter a
– NR 9) baseada na NR 5 com a participação do departamento
tampa do contenedor fechada, sem empilhamento de recipien-
de recursos humanos do hospital.
tes sobre esta.
A coleta e transporte são realizados pela Superintendência
Os contenedores devem ser basculável por sistema hidráu-
de Limpeza Urbana SLU e sua disposição final será no aterro
lico acoplado no veículo coletor, ser construído em polietileno
sanitário da BR – 040, operado pela SLU e licenciado pela FEAM
de alta densidade, aditivando contra ação destrutiva dos raios
– Fundação Estadual do Meio Ambiente.
solares ultravioleta, ser lavável e impermeável de forma a não
O Hospital Sara Tudo mantém o PGRSS rigorosamente
permitir vazamento de liquido, e com cantos internos arredon-
acompanhado, controlado e fiscalizado pelos funcionários com-
dados, possuir tampa articulada ao próprio corpo do equipa-
petentes além da fiscalização externa, sendo assim não foi ob-
mento, permitindo fechamento adequado sem prejuízo para seu
servado o descumprimento dos mesmos. Foi observada uma
esvaziamento, ter capacidade mínima de 120 litros e máxima de 1000 litros, adaptável ao sistema de basculamento dos veículos apropriados, observando-se os limites de carga máxima estabelecidos pelo fabricante. Ter duas rodas revestidas de borracha, que permite o fácil deslocamento. Os contenedores para resíduos infectantes ou biológico de serviços a saúde tem cor verde ostentando em lugar visível o símbolo de resíduo infectante na cor preta, conforme NR – 7500. Sua limpeza devera ser feita diariamente, retirando sua sujidade com água e sabão, após aplicar quaternário de amônio 1% com auxilio de um pano, deixar o produto agir por dez minutos, remover ou enxaguar. A rotina para resíduos infectantes com tratamento prévio laboratório clinico deverá seguir as seguintes instruções: Para as luvas, swabs, pipetas, ponteiras, tubos, gaze e algodão contaminados devem ser submetidos a processo de
preocupação por parte dos gestores em conscientizar seus colaboradores das melhores práticas. Por fim, cabe ressaltar a existência de treinamentos permanentes para essa conscientização e eficácia da logística reversa na destinação adequada desses resíduos sólidos. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS No desenvolvimento deste trabalho foi possível identificar, a situação brasileira da gestão Integrada dos Resíduos Sólidos de Saúde e seu marco regulatório, além da atual situação do Hospital Sara tudo. Foi possível constatar a imposição da responsabilidade compartilhada no provimento das soluções demandadas dessa espécie de resíduo sólido. Aos gestores públicos é imprescindível atuar na prevenção
diminuição da carga bacteriana e descartados como material
da geração de resíduos, além da adoção de boas práticas na
biológico, identificado de acordo com as normas vigentes. Os
Gestão e Gerenciamento dos Resíduos Sólidos. As empresas
materiais destinados a reutilização, após a diminuição da carga
públicas e privadas geradoras de resíduos sólidos de saúde
bacteriana, devem ser limpos e esterilizados antes de serem co-
devem identificar A melhor forma gerenciar interna e externa-
locados em uso.
mente na adequação de seus resíduos voltados a adequação
A solução de hipoclorito utilizado para diminuir a concentração bacteriana nos materiais biológicos, também devem ser dilu-
ao plano municipal, estadual e nacional de limpeza urbana e saneamento básico.
ídas com água, antes de sua destinação final no esgoto sanitário.
Por seu turno, existe a necessidade de se intensificar a ca-
Por seu turno são realizados no laboratório de analises cli-
pacitação das estruturas, orientar e fiscalizar os geradores, de
nicas do hospital Sara Tudo os seguintes: parasitologia, coleta,
forma a possibilitar a integração das ações de comando e con-
conferência e separação de materiais, espermograma, micro-
trole para padrões sustentáveis de consumo.
biologia, vacinação entre outros. O numero total de atendimento/
E, por fim, como a empresa pesquisada é um Hospital priva-
mês: 7.500 e o numero total de exames/mês: superior a 55.000.
do, cabe a ele a busca pelo aperfeiçoamento dos sistemas pra-
A desinfecção das lixeiras deverá ocorrer todos os dias
ticados e a demonstração de plena capacidade para executar
preferencialmente ao termino do plantão em uma área externa
as atividades que lhe são atribuídas dentro da responsabilidade
com ponto de água e rede de esgoto. Devera ser removida toda
compartilhada pelo ciclo de vida do produto.
20 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
6 - REFÊRENCIAS ABNT- Associação Brasileira de Normas Técnicas, NBR – 12810: Coleta de resíduos de serviços de saúde- procedimentos. ABNT, Jan.,1993. ABNT- Associação Brasileira de Normas Técnicas, NBR-1004: Resíduos sólidos- classificação . ABNT,Maio;2004 ABNT- Associação Brasileira de Normas Técnicas, NBR-12807: Resíduos de serviços de saúde- terminologia. ABNT,Jan.,1993. ABNT- Associação Brasileira de Normas Técnicas, NBR-12809 : Resíduos de serviços de saúde- manuseio.ABNT,Jan.,1993. ABNT- Associação Brasileira de Normas Técnicas, NBR-7500: Símbolos de risco e manuseio para o transporte e armazenamento de material. ABNT, Março/2000. ABRELPE. Panorama 2008 Disponível: HTTP:WWW.abrelpe.org.br .Acessado 31 ago/2009.
de Administração. Belo Horizonte: Faculdade Novos Horizontes, 2009. 33 p. FARIA, Ana Cristina de. [Et al.]. Gestão de Custos Logísticos. 1. ed. Atlas, São Paulo, 2007. GIL, A. C. Métodos e técnicas da pesquisa social. 4. ed. São Paulo: Atlas, 1996. LACERDA, Leonardo.(2002) Logística Reversa, uma visão sobre os conceitos básicos e as práticas operacionais. Centro de Estudos em Logística – COPPEAD – UFRJ – 2002. www.cel.coppead.ufrj.br LEITE, P.R. Logística reversa: meio ambiente e competitividade. São Paulo: Prentice Hall.2003. 245 p. NBR 10.004 Resíduos sólidos – classificação NBR 12.809 Resíduos de serviços de Saúde – Manuseio NBR 12.810 Coleta de resíduos de serviços se saúde
Agência Nacional de Vigilância Sanitária www.anvisa.gov.br acessado em outubro de 2009. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE LIMPEZA PÚBLICA E RESÍDUOS ESPECIAIS. ABRELPE. Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil – Edição 2007. Disponível em:http://www.abrelpe.org.br Acesso: abr. 2008.
NBR 7.500 Símbolos de riscos e manuseio para o transporte e armazenamento de material NBR 9191 Sacos plásticos para acondicionamento de lixo – Requisitos e métodos de ensaio
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 10004 – Resíduos Sólidos – Classificação. São Paulo – SP, 2004.
NETO, Francisco Ferraes & JUNIOR, Maurício Kuehene (2000), Logística Empresarial. COLEÇÃO EMPRESARIAL GESTÃO operacionais. Centro de Estudos em Logística – COPPEAD – UFRJ – 2002. www.cel.coppead. ufrj.br
BALLOU, R. H. Logística Empresarial: Transportes, Administração de Materiais e Distribuição Física. São Paulo: Atlas, 1993. 387 p.
SANTOS GRACCO, Abraao Soares; GOMES, Fernando Alves. Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
BALLOU, Ronald H. Gerenciamento da cadeia de suprimentos; planejamento organização e logística empresarial. 4ª ed. Boockman: Porto Alegre,2001.
Tadeu, Hugo Ferreira Braga (Org) [et al.] Logística Empresarial: perspectivas e oportunidades. Belo Horizonte: Fundarc-BH, 2008, 300 p.
BARTHOLOMEU, Daniela Bacchi. CAIXETA FILHO, Jose Vicente. LOGISTICA AMBIENTAL DE RESIDUOS SOLIDOS. São Paulo. Atlas, 2011 CABRAL, Bruna. Compostagem transforma lixo em adubo. Agência Meio/UFPE, 2001. Extraído do site http://www.csocialufpe.com.br/clipping/materias/009.htm. Disponível em janeiro de 2009 CEMPRE. Disponível em: http: www.cempre.org.br. Acesso: agosto e setembro/2009 CHRISTOPHER, Martin. Logística e gerenciamento da cadeia de suprimentos; estratégia para redução de custos e melhoria dos serviços. Pioneira: São Paulo, 1997. Conselho Nacional do Meio Ambiente WWW.mma.gov.br/conama acessado em outubro de 2009. ESPIGÃO, Helga S. (Org.). Manual de Orientação de Trabalho de Curso
VERGARA, Sylvia Constant. Projetos e Relatórios de pesquisa em administração. 9ª edição. São Paulo: Editora Atlas S/A, 2007.
Notas de rodapé *Administrador de Empresas Professor do Centro Universitário Newton Paiva e da Fundação Getúlio Vargas/MG **Professor do Mestrado em Direito Ambiental da Escola Superior Dom Hélder Câmara 1 Principio 16, da Declaração do Rio, de 1992, Segundo a qual não pode o empreendedor privatizar o lucro e socializar a degradação ambiental. 2 Considerada pelo art. 3º, inciso XVII, da Lei 12.305/11 como um “conjunto de atribuições individualizadas e encadeadas dos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, dos consumidores e dos titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo dos resí-
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 21
duos sólidos, para minimizar o volume de resíduos sólidos e rejeitos gerados, bem como para reduzir os impactos causados à saúde humana e à qualidade ambiental decorrentes do ciclo de vida dos produtos, nos termos desta Lei;” 3 (LEITE, 2005, p.46) 4 Anexo I, da Resolução CONAMA nº 358, de 29 de abril de 2005, publicada no DOU no 84, de 4 de maio de 2005, Seção 1, páginas 63-65 5 ABNT NBR 12.808, válida a partir de 01.04.1993. 6 Art. 4º, da Resolução nº 005/1993. 7 Resolução nº 005/1993.
22 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
EMPREENDEDORISMO: restaurante sustentável, uma boa ideia de negócio? ERIKA VEIGA DE SOUZA MOREIRA1 JONATHAN GODINHO PEREIRA MATHEUS FELICIO DOS SANTOS PAULO ROBERTO R. DE ABREU RAFAEL FILIPE SOARES FERNANDES VINICIUS LUÃ SILVA PEREIRA VIVIANA ANTUNES MACHADO MARCOS E. V. LEÃO2
RESUMO: O presente artigo descreve o empreendedorismo como orientação para a geração de ideias inovadoras para a criação de um novo negócio no varejo de alimentação. O estudo apresenta as melhores alternativas para a implantação de um restaurante , com práticas sustentáveis e aliadas à uma alimentação saudável. Sua proposta é gerar uma rentabilidade superior, a partir da criação de diferenciais competitivos, que proporcionem um sucesso de médio e longo prazo. A construção do artigo baseou-se em análise de fontes de dados secundárias, levantamentos bibliográficos e uma pesquisa de campo, que analisou a percepção de clientes potenciais sobre a atratividade do negócio, bem como identificou elementos que poderiam ser incorporados à ideia de negócio inicial. A partir das pesquisas foram propostas estratégias de marketing que poderiam ser implementadas na construção e execução do projeto. O Projeto em questão não tem como objetivo elaborar um plano de negócios, mas analisar a atratividade de mercado para a construção de um restaurante com apelo sustentável. Palavras-chave: Empreendedorismo, Sustentabilidade, Produtos, Serviços.
No mercado contemporâneo se tem dado cada vez mais
uma pesquisa de mercado.
atenção e se preocupado mais com a necessidade de se cons-
A partir de informações obtidas por meio da pesquisa de
truir diferenciais na prestação de serviços e produtos, criando
mercado realizada como estudo introdutório, foi possível avaliar
condições para a satisfação dos clientes.
a viabilidade mercadológica para a implantação do novo negócio.
Empresas no segmento de serviços estão em uma constan-
No decorrer deste trabalho serão apresentadas as estraté-
te procura por novas alternativas para aumentar a competitivida-
gias para implantação de um restaurante com apelo sustentável,
de, reduzir custos e manter-se no mercado. E é a partir dessa
com serviços diferenciados e produtos direcionados a pro-
busca por novas alternativas de negócios que o empreendedo-
mover a saúde dos clientes.
rismo ganha evidência. Há pouco tempo o estudo da administração era focado em
2. REFERENCIAL TEÓRICO
formar profissionais para administrar grandes empresas. Mas com a revolução do mercado de trabalho que eliminou barreiras comerciais, culturais, encurtou distancias, renovou conceitos econômicos e quebrou paradigmas, o ensino da administração passou a formar profissionais para criarem empresas, empreendedores que são os grandes propulsores da economia. O empreendedor deve aproveitar as oportunidades para desenvolver um novo produto ou serviço, ganhar um novo mercado e estabelecer uma parceria que o diferencia de seus concorrentes. O novo negócio só poderá existir se houver um contingente de clientes e atratividade suficientes que justifiquem seu desenvolvimento. E a melhor forma de descobrir clientes potenciais e atratividade para o novo produto ou serviço é realizando
2.1 Empreendedorismo A palavra “Empreendedor” diz respeito a aquele que assume riscos e começa algo novo. “O processo empreendedor envolve todas as funções, atividades e ações associadas com a criação de novas empresas. Em primeiro lugar, o empreendedorismo envolve o processo de criação de algo novo, de valor. Em segundo, requer devoção, o comprometimento de tempo e o esforço necessário para fazer a empresa crescer. E em terceiro, que riscos calculados sejam assumidos e decisões críticas tomadas; é preciso ousadia e ânimo apesar das falhas e erros.” (DORNELAS, p. 23, 2008).
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 23
Executar algo sem controle e sem as habilidades necessá-
negócio de grande relevância para que as empresas consigam
rias não significa uma ação empreendedora, uma atitude em-
acompanhar as novas tendências de mercado resistindo à con-
preendedora baseia-se em obter as informações completas e
corrência e as constantes mudanças.
no conhecimento do mercado atuante para as tomadas de deci-
“Marketing é o processo de planejar e executar a con-
sões, por isso a necessidade da pesquisa de mercado, neces-
cepção, a fixação de preço, a promoção e a distribuição
sidade de conhecer seus clientes e suas preferências. (Site G1,
de ideias, produtos, serviços, organizações e eventos
globo.com, 26/04/2011 )
para criar e manter relacionamentos que satisfarão ob-
No Brasil, o empreendedorismo ganhou força na década de 1990, período de evolução da economia do país. O que influen-
jetivos individuais e organizacionais.” (BOONE, KURTZ, p. 8, 2009)
ciou para que as empresas de diversos tamanhos e setores se modernizassem para competir com os produtos estrangeiros e voltarem a crescer. (Site G1, globo.com, 26/04/2011)
A utilização do Marketing é essencial para o sucesso de todo
Desde então nota-se a importância do empreendedorismo
negócio, seja ele grande ou pequeno, com ou sem fins lucrati-
ao longo da história. 17,5% de novos empreendedores no Bra-
vos. Ele está por toda parte, na quantidade de produtos disponí-
sil em 2010 (Dados de pesquisa da Global Entrepreneurship
veis no shopping Center mais próximo de casa, nos anúncios de
Monitor, divulgada pelo SEBRAE). O que significa que a cada
TV, na internet, praticamente em tudo. Entretanto há muito mais
100 brasileiros aproximadamente 17 eram empreendedores
sobre o marketing que os olhos dos consumidores conseguem
em 2010.
ver. Por trás dele, há um grande grupo de pessoas e atividades
Esses dados mostram a importância da atividade empre-
que disputam sua atenção e seu dinheiro.
endedora no Brasil sendo o 2º país no mundo em índice de de-
Para a implantação de um novo negócio, devem ser estabe-
senvolvimento de empreendedorismo, ficando atrás somente da
lecidas as estratégias a serem utilizadas, para isso o Marketing
China. Isso é positivo visto que o empreendedor é o grande res-
dispõem de ferramentas essenciais e direcionadas ao cliente.
ponsável por esse amplo crescimento evidente no país.
De acordo com KOTLER (1999) “As ferramentas utilizadas
”As empresas lutam cada vez mais por ambientes di-
são classificadas em quatro grupos amplos denominados os
ferenciados para apresentar seus produtos e serviços
4ps do marketing: produto, preço, praça e promoção”.
preocupados com o meio ambiente. Hoje, evidências
O produto é definido a partir de suas características, o
e práticas destas empresas já são analisadas pelo
que será oferecido para atender as necessidades e preferên-
consumidor final, que as escolhem por possuir bons
cias de um mercado-alvo, seja uma mercadoria, um serviço
programas de comprometimento ambiental.” (BAR-
ou uma ideia.
BOSA, 2009).
Segundo Marcheting (2003, p. 3) “o posicionamento, o preço de um produto ou serviço é o fator primordial ao sucesso”
Segundo Henry Fayol (1990) a administração nada mais é do que uma ferramenta facilitadora na gerência de empresas, indústrias ou outras empresas de qualquer ramo de atividade. Segundo ele, administrar é prever, organizar, comandar, coordenar, e controlar, esses conjuntos de fatores formam o processo administrativo. O projeto e cronograma sofrem influências diretas desse processo administrativo, uma vez que ao seguir tais passos de Fayol como alvo, se torna possível gerenciar de maneira eficiente o negócio proposto. Seus conceitos são como guia e direcionam ao caminho da excelência.
considerando estratégia de valor supremo, o preço ideal de um produto é simplesmente aquele que o cliente julga justo e que ao mesmo tempo é lucrativo para o negócio. A praça corresponde ao ambiente que a organização utiliza para a comercialização do produto ou serviço oferecido aos clientes. Deve ser definida de acordo com o ramo de atividade da empresa e seu público-alvo. A promoção de venda é o meio pelo qual é apresentado ao consumidor o produto ou serviço ofertado. A comunicação com o cliente pode ser feita diretamente por um vendedor ou por meio de propagandas nos meios de comunicação disponíveis. Outro ponto importante que deve ser lembrado é o Marketing de serviços, uma vez que representa um diferencial para o
2.2 Marketing O Marketing é um instrumento de análise do ambiente de
negócio, a prestação de serviços feita com qualidade e eficiência agregara mais valor ao seu produto ou serviço prestado. “Serviço é qualquer ato ou desempenho que uma parte
24 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
possa oferecer a outra e que seja essencialmente intan-
de problemas teóricos ou práticos por meio do emprego
gível e não resulte na propriedade de nada” (KOTLER
de processos científicos. Ela parte de uma dúvida ou
1998,pag 412)
problema e, com o uso do método científico, busca uma resposta ou solução.”
Segundo Cobra(1997) “o marketing é um campo de investigação recente e ainda em fase de estruturação”. Entende-se
Para a realização do projeto foi realizada uma pesquisa de
que marketing de serviços é a soma de alguns fatores que auxi-
campo a fim de analisar e observar os fatos como eles realmente
liam a empresa, obtendo dados no ambiente de negócios atra-
acontecem e o comportamento dos entrevistados. Foi desenvol-
vés de pesquisas de mercado, que identificam as necessidades
vido um questionário para explorar e traçar o perfil do público
e qualidades que devem estar inseridas nos serviços prestados.
pretendido para a implantação do novo negócio
Dessa maneira é possível concluir que para firmar-se no
A fonte de dados utilizada baseou-se em dados primários
mercado é preciso estar atento á necessidade de adequação do
de clientes potenciais, e secundários como, IBGE e dados da
perfil do cliente, alcançando cada dia mais visibilidade utilizando
prefeitura de Belo Horizonte. A Pesquisa primária foi quantitati-
a ética e os bons princípios, para sempre considerar o cliente o
va e utilizou como instrumento, os questionários estruturados. O
bem mais valioso
plano de amostragem entrevistou 200 clientes potenciais, selecionados aleatoriamente, na região centro sul de Belo Horizonte, próximo a restaurantes direcionados às classes A e B, e com
2.3 Formação de preço De acordo com BERNARDI (2010, P.101), ”preço é um
hábitos de alimentação fora de casa.
valor definido para um produto (perspectiva interna), portanto um piso, enquanto valor é o preço que o mercado (perspectiva
3.2 Análise dos dados da pesquisa
externa) está disposto a pagar pelo beneficio percebido”. Com
O perfil dos entrevistados pode ser caracterizado por 51%
isso, percebe-se que ao lançar um preço no mercado, existe
do sexo masculino, com 54% na faixa etária entre 31 e 50 anos,
uma necessidade de análise e reação do mercado.
sendo 33% com atuação profissional na área comercial e 48%
“Valor está, também relacionado ao posicionamento
casados. 51% dos entrevistados frequentam restaurantes pelo
da marca, seja por atributos, por beneficio, categoria,
menos 5 vezes por semana. 84% dos entrevistados preocupam-
preço, enfim, fatores que diferenciam o produto no
-se com a qualidade da alimentação e consideram seus reflexos
mercado. Portanto, a comunicação e a clareza des-
na saúde. 88% dos entrevistados valorizam a comida saudável
se posicionamento contribuem para a percepção de
e menos calórica.
valor em face do que a empresa pretende transmitir.” (Bernardi,2010,p.102)
Durante a pesquisa os entrevistados são informados sobre o significado de sustentabilidade e suas implicações em um ambiente (local, loja, espaço físico) sustentável, em seguida são
Portanto percebe-se que o posicionamento da marca no mercado e a definição do público alvo, são elementos de fundamental importância, a clareza dessas informações contribui para obter um conceito correto para definição do preço
perguntados sobre a importância que atribuem a um ambiente sustentável. 84% consideraram importante a preocupação com o desenvolvimento de ambientes construídos com o conceito de sustentabilidade. O grau de consciência e importância sobre o tema sustentabilidade foi constatado em 88% dos entrevistados Os entrevistados (83%) demonstram preocupação e consciência ecológica ao afirmarem que estariam dispostos a pagar
3. METODOLOGIA
um valor acima dos praticados pelos restaurantes que frequentam habitualmente, em um eventual concorrente que possua um ambiente e práticas ecologicamente corretos.
3.1 Pesquisa
Em relação à decoração e estrutura interna, 66% dos entrevistados aprovam a utilização de móveis artesanais e materiais reciclados. Reconheceram a importância da utilização destes
Para Cervo, Bervian e da Silva (2010, p.57) “A pesquisa é uma prática voltada para a investigação
materiais e valorizam tais iniciativas. 70% dos entrevistados
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 25
consideram de grande importância a preocupação com a decoração nos restaurantes. 41% indicaram a decoração temática como preferencial em um restaurante.
4.1 Delineamento do produto conceitual O produto tem como foco oferecer ao consumidor uma alimentação com pratos tradicionais, porém diversificados e feitos
Quanto à praticidade e organização nestes espações, 74%
com ingredientes mais saudáveis. Os alimentos utilizados se-
dos entrevistados apontaram a necessidade e demonstraram o
rão livres de agrotóxicos e com selo de produtores com práticas
interesse em utilizar estrutura tecnológica para acesso à Inter-
sustentáveis.
net sem fios e disponibilizada nos restaurantes. 81% utilizaram
A ideia é oferecer diariamente um cardápio de sopas, cre-
um espaço de relaxamento caso existissem nos restaurantes.
mes e caldos além de uma grande variedade de saladas cruas.
80% dos entrevistados utilizariam espaços dedicados e reser-
Na confecção dos pratos serão utilizados óleos e gorduras mais
vados à reuniões de trabalho em um restaurante, transferindo
saudáveis como azeite de oliva, óleo de milho, girassol e canola
parte dos encontros profissionais para um ambiente descontra-
e as poucas frituras serão feitas com gordura de algodão.
ído e fora do local de trabalho. 66% dos entrevistados ressal-
O cardápio de bebidas será basicamente água, águas aro-
taram o interesse em música ao vivo como forma de entreteni-
matizadas, sucos de frutas frescas sem adição de açúcar, chás
mento nos restaurantes.
e a novidade dos suchás. Os suchás são bebidas a base de
O tipo de comida preferida pelos entrevistados 52% con-
suco de frutas, chás e ervas medicinais, que além de uma opção
centrou-se na culinária mineira. E 81% não possui estrições ali-
refrescante também ajudam a tratar alguns problemas de saúde
mentares. 85% dos clientes de restaurantes gostariam de ver a
como retenção líquida e insônia.
preparação dos alimentos e pratos.
O cardápio de sobremesas também será diversificado e
Em relação aos fatores determinantes para a escolha do
saudável. Na confecção serão utilizados açucares mais sau-
restaurante, 53% apontaram a qualidade dos pratos como
dáveis como o mel, frutose, açúcar mascavo, açúcar demerara
mais importante, 23% apontaram o ambiente agradável e
além de diversos tipos de adoçantes. Desta forma, clientes que
18% a localização, proximidade do trabalho e/ou residência.
estão fazendo dieta ou querem moderar no açúcar também po-
O preço não figurou de forma representativa nas respostas
derão desfrutar de sobremesas saborosas.
dos entrevistados.
No projeto arquitetônico teremos um espaço para descanso que também poderá ser usado pelos clientes para peque-
4. CONCEITO DO NEGÓCIO As organizações devem preocupar-se com os fatores que influenciam o curso do negócio ao longo do tempo, como elementos macroambientais, bem como aqueles microambientas como
fornecedores, concorrentes, intermediários, clientes e
seus públicos. Fatores como aumento da renda e expansão da classe C criam novos mercados e oportunidades de negócios. A discussão sobre sustentabilidade estimula uma nova percepção dos clientes quanto à preocupação com os recursos naturais disponíveis, minimizando os impactos para as futuras gerações. Muitas organizações preocupadas com o meio ambiente já estão reaproveitando recursos e construindo modelos sustentáveis, em muitos casos com consequências diretas na redução de custos, tornando seus negócios mais rentáveis, o que vai bem além da questão ambiental. O projeto desenvolvido visa à implantação de um restaurante sustentável, um projeto inovador que propõem não somente uma alimentação saudável, mas também um serviço diferenciado atrelado a um novo modo de vida para o consumidor preocupado com um mundo sustentável.
nas reuniões de trabalho e um espaço destinado à venda de produtos alternativos, como cereais, açucares, adoçantes e vários produtos integrais. Sempre como o apelo natural, saudável e sustentável. Será dado preferência para pequenos produtores. O ambiente do restaurante terá paredes vivas que além de um item decorativo, ajudam no isolamento térmico, acústico e na purificação do ar. Os móveis utilizados serão feitos com materiais reciclados como bambu, palets, madeira de demolição e pneus. Também faz parte do projeto o reaproveitamento de água da chuva com filtragem para limpeza do ambiente e descargas de banheiro, a utilização de energia e aquecimento solar e a reciclagem de lixo e resíduos. 4.2 Orientação para a formação do preço Uma alimentação saudável e um ambiente sustentável é a marca forte do estabelecimento visando a cada dia estreitar o relacionamento com os clientes. O preço inclui a soma dos custos acrescido da margem de lucro, o objetivo é oferecer um produto que agrega valor além da qualidade do serviço prestado. A estratégia de preço premium será consequência dos diferenciais na alimentação, preocupação ambiental e saúde dos
26 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
clientes. O público alvo sendo classes A e B, já tem uma pré-
clientes. Pois serão os principais responsáveis em construir as
-disposição a serem mais seletivos, gastar um pouco mais e se
percepções e o posicionamento do restaurante.
preocupar com a alimentação. Dessa forma a introdução de um
Para a divulgação do novo negócio serão utilizados os tra-
self-service a quilo com preço mais alto, produtos alternativos e
dicionais meios de comunicação como jornais, revistas e rádio,
de alto valor agregado permite a utilização desta estratégia para
além da divulgação por meio de redes sociais e internet que cor-
consolidar a marca do restaurante e conquistar a preferência
respondem a um menor custo para o empreendimento, dessa
do público, necessários, ainda, ao investimento nos diferenciais
forma criando um impacto sobre o empreendimento e construin-
propostos para o restaurante.
do uma imagem corporativa que reflita a imagem e o conceito desejado pelo restaurante consolidando-se como uma marca
4.3 Diretrizes gerais para localização do empreendimento
forte e inovadora.
O público pretendido corresponde às classes A e B, a intenção do projeto é implantar o restaurante em um local estratégico
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
na região sul de Belo Horizonte para atender um determinado
O sucesso de muitos negócios residem na diferença, na
grupo de clientes que conforme pesquisa de campo realizada se
ousadia de pensar e fazer diferente. Reproduzir os modelos
mostraram receptivos a ideia e conceito deste empreendimento.
existentes faz com que as empresas caiam em lugar comum,
Um dos fatores que influenciou na definição da estratégia para
e os desafios para novos negócios ainda maiores, dado à falta
a localização do restaurante é que 78% das pessoas que foram
de inovação.
entrevistadas nessa pesquisa de campo moram ou frequentam a região centro-sul de Belo Horizonte.
O estudo identificou elementos na percepção dos clientes que pudessem ser transformados em atributos do negócio. Além disso, foi possível validar a ideia central do projeto e sua atratividade de mercado, com a indicação de ações práticas
4.4 Indicativos para os serviços Diante das mudanças do mercado, as empresas deverão alcançar posições competitivas sólidas, atentando-se para não somente a importância da minimização dos custos, mas como agregar valor aos seus produtos e serviços. Promover a satisfação dos clientes implica no conhecimento de um conjunto de elementos básicos da condição humana como necessidades físicas, sociais e individuais, e os desejos que são necessidades moldadas pela cultura e pela personalidade individual. A estratégia de serviços do restaurante sustentável com comidas típicas e saudáveis será baseada em um atendimento
para a formatação de um novo conceito de restaurante centrado na sustentabilidade. Delinear uma ideia inovadora do negócio e conceber sua descrição prática detalhada poderá erguer um dos principais pilares para a construção de um negócio bem sucedido. As análises e discussões deste artigo fornecem elementos para a realização de uma nova etapa no processo de criação de um novo negócio: o estudo de viabilidade técnica e econômica que irá avaliar a aplicação prática dos conceitos de sustentabilidade no negocio e os investimentos necessários à realização do empreendimento.
superior, com maior rapidez e com profissionais qualificados, utilizando tecnologias avançadas como sistema de WI-FI grátis
6. REFERÊNCIAS
e uma área voltada para o descanso.
BARBOSA, Adriano Tadeu. Administração e Sustentabilidade www. administradores.com.br/informe-se/artigos/administracao-e-sustentabilidade 36931/ Acessado em 02/05/2012
4.5 Direcionamento para a comunicação Toda comunicação deverá evidenciar o diferencial sustentabilidade. Estará presente desde a conduta dos funcionários
BERNARDI, Luiz Antonio – Manual de Empreendedorismo e Gestão – 1.ed. – São Paulo – Atlas, 2010.
preocupados com o desperdício, diminuição do lixo à utilização de talheres, pratos, copos não descartáveis. A cor azul representa a sustentabilidade e deverá predominar na identidade visual da marca e empreendimento. Todos os elementos que irão trabalhar o conceito de sustentabilidade deverão ser evidenciados, de forma a serem percebidos pelos
BERNARDI, Luiz Antonio. Manual de formação de preços: políticas, estratégias e fundamentos – 4. ed.- São Paulo - Atlas , 2010. BOONE, Louis E.; KURTZ, David L. – Marketing Contemporâneo – 12.ed. – São Paulo – Cengage Learning, 2009.
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 27
CHRISTOPHER, Martin – A Logística do marketing – 1.ed. – São Paulo – Futura, 1999. CHRISTOPHER, Martin – Logística e gerenciamento da cadeia de suprimentos: estratégias para a redução de custos e melhoria dos serviços – 1.ed. São Paulo – Pioneira, 1997.
7. NOTAS DE RODAPÉ Graduandos do curso de Gestão Comercial – Varejo – 1º Período – 2012 1
Professor da disciplina Administração Mercadológica do curso de Gestão Comercial e Coordenador do MBA em Marketing e Vendas do Centro Universitário Newton Paiva.
2
COBRA, Marcos H .Nogueira. Marketing Básico - Uma abordagem Brasileira. São Paulo - Atlas, 1997. CURY, Anay. Taxa de empreendedorismo do Brasil é a maior do G20, diz SEBRAE http://g1.globo.com/economia/pme/noticia/2011/04/ taxa-de-empreendedorismo-do-brasil-e-maior-do-g20-diz-sebrae.html. Acessado em 27/04/2012
DORNELAS, José Carlos Assis – Empreendedorismo: Transformando ideias em negócios – 3. ed. – São Paulo – Campus, 2010. ETZEL, M, Walker, B., Stanton W. – Marketing - São Paulo – Makron, 2001. FARIA, Ana Cristina - Gestão de custos logísticos. -1. ed - São Paulo Atlas,2008. FAYOL, Henry - Administração Industrial e Geral: Previsão, organização, comando, coordenação e controle - São Paulo - Atlas. 1990. Greco, Simara Maria de Souza Silveira - Empreendedorismo no Brasil – 2010. Curitiba, IBQP, 2010. Retirado do site do SEBRAE MG.
KOTLER, Philip. Administração de marketing 5ª. ed. São Paulo (1998). KOTLER, Philip - Administração de marketing: a edição do novo milênio - São Paulo - Prentice Hall, 2000.
KOTLER, Philip - Marketing para o século XXI: como criar, conquistar e Dominar mercados - São Paulo - Futura, 1999.
KOTLER, Philip - Princípios de marketing - São Paulo - Prentice Hall, 2000. MARCHETING, Renato Zanca - Titular de marketing do departamento, Universidade Federal. RAE-eletronica, v 2n.2,jul-dez/2003. NOVAES, Antonio Galvão - Logística e gerenciamento da cadeia de distribuição: estratégia, operação avaliação – Rio de Janeiro - Campus,2001. SANDHUSEN, R. L. - Marketing Básico - São Paulo – Saraiva, 1998. TAYLOR, F. W - Princípios da Administração Cientifica - São Paulo Atlas, 1990.
28 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
GERENCIAMENTO DE FILAS VIRTUAIS: uma abordagem qualitativa da complexidade de organização e de controle de aspectos tangíveis do ambiente físico para filas de espera em operações de call Center. Eduardo Bomfim Machado1 Marcela Gleice Vilela França2
Resumo:Este artigo procura evidenciar, através de uma pesquisa exploratória, de natureza qualitativa, razões para se delinear novos constructos a partir do Modelo de Moderação de Raiva e Remorso para o Tempo Percebido de Espera de Voorhees et al. Sobretudo em operações de call center. Foram levantados autores e conceitos acerca do gerenciamento de filas, acrescentando modelos gerenciais de disponibilidade utilizados por empresa do setor. A grande motivação dessa pesquisa inicial está relacionada com a questão: Estariam os serviços de call center sujeitos aos mesmos elementos de moderação de qualidade do ambiente físicos que os serviços de alto contato com entrega pessoal? O resultado direciona a uma necessidade de novas abordagens tanto para o setor de call centers, quanto demais serviços de atendimento à distância. Palavras Chave: Call Center; marketing de serviços, gerenciamento de filas; evidência física, aspectos tangíveis.
1 - Introdução
crescimento robusto para esse setor aqui no Brasil.
Em uma movimentação acelerada percebida no final dos
Para um dimensionamento do atendimento de um call cen-
anos 1990 aqui no Brasil, sobretudo com a privatização do se-
ter, mais especificamente em relação a determinada operação,
tor de telecomunicações, empresas prestadoras de serviços,
parte-se de um princípio gerencial de dimensionamento de ope-
ou aquelas com áreas de serviços complementares tais como:
rações. Sendo essa última tida como uma atividade crítica para
bancos, operadoras de telefonia, cartões de crédito, indús-
um bom desempenho operacional, com ênfase no aspecto eco-
trias, entre outras, optam em organizar sua área de suporte
nômico de custos de transação.
técnico, vendas, telemarketing, marketing direto e relaciona-
O gerenciamento de uma fila de operações de call center
mento em uma central operacional (Call Center) 24x7 dotada
parte de uma premissa quantitativa com ênfase em critérios ana-
com essa finalidade.
líticos, tentativas de parametrização e definição de dimensiona-
Com uma busca pela produtividade com redução de custos
mento de atendimento. Métodos de previsão de atendimento
operacionais, estas organizações desenvolveram ou migraram
baseados em relações de tempo médio de atendimento, tempo
para operações de Call Center, mas que sugerem um afasta-
de adesão, índices de abandono de chamadas e absenteísmo,
mento do contato direto com clientes por funcionários linha de
entre outros, se mostram normalmente favoráveis ao gerencia-
frente. Uma terceirização, nesse sentido, favorece efeitos per-
mento e controle dessas operações, o que deixa em um segun-
ceptíveis nas questões de abrangência, volume de contatos e
do plano o mapeamento e as consequências negativas de atra-
uma natural dissociação que ocorre entre prestador e receptor
sos e esperas em filas. (BOAZUDA, 2009); (ARAÚJO; ARAÚJO;
de serviços.
ADISSI, 2003)
A definição para a classificação empresarial apresentada
Tais questões remetem a uma possibilidade de dinamização
por Madruga (2010) um Call Center é aquela empresa que,
e melhoria de percepções sobre um desempenho de empresas
através dos avanços em tecnologia, ampliou as aplicações de
de call center a partir da inclusão do gerenciamento de aspectos
contato com clientes realizadas inicialmente nos anos 1980, por
de percepção de esperas ou atrasos, sobretudo numa aborda-
intermédio de serviços de atendimento, pessoas e processos
gem de emoções negativas advindas de discrepâncias entre ex-
para uma concepção de múltiplos contatos e serviços ativos e
pectativas dos clientes e o resultado obtido numa fila virtual.
receptivos junto a uma base de clientes disponível. O fator tec-
Em se analisar os resultados de moderação dos aspectos
nologia e contatos com clientes a distância são também eviden-
tangíveis de uma fila em função da percepção dos clientes de fi-
ciados por Boazuda (2009), além de também mencionar um
las presenciais, em comparativo com os métodos e abordagens
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 29
de gerenciamento atualmente praticados por uma empresa de
2003) enquanto característica de uma prestação o fato da falta
call center, pode-se chegar ao resultado de validação, ou não,
de contato humano pode asseverar essa condição de percep-
para esse efeito de moderador, também em filas virtuais. Porém,
ção de qualidade uma vez que são utilizados elementos de tan-
indica-se que a ausência absoluta de oferta de componentes
gibilidade para verificação de qualidade em serviços, tal como
tangíveis para os clientes em espera por si só poderia indicar um
no modelo SERVQUAL.
viés para esse modelo apresentado por Voorhees et al (2009),
Para L. Brown et al (2002), apud em Boazua (2009) uma fila
mas que prescinde ainda de uma preparação para que novas
em um call center possui uma formação a partir da não existên-
pesquisas possam ser levantadas com esse fim junto a empre-
cia de disponibilidade imediata de atendimento, bem como a
sas desse setor.
sua absoluta representação virtual com uma não interação so-
O presente artigo pretende explorar as relações entre conte-
cial entre os participantes dessa fila que não se veem ou se per-
údos de gerenciamento de filas presenciais, com operações de
cebem, o que aconteceria normalmente me uma fila tradicional.
call center que possuem filas de espera de disponibilidade não tangíveis. Assim, estariam os serviços de call center sujeitos aos
Previsão de Atendimento
mesmos elementos de moderação de qualidade do ambiente
Quando Lovelock e Wright (2005); Rust, Zahorik e Keinin-
físico que os serviços de alto contato com entrega pessoal com-
gham (1996) iniciam sua abordagem sobre aspectos de de-
preendidos como filas presenciais?
manda de serviços, fica patente a questão da previsibilidade (forecast) ser ainda mais crítica do que em relação aos produ-
2 - Obejtivos e Métodos
tos tangíveis. O que rapidamente se direciona, não a aspectos
O objetivo geral desse artigo é analisar se os moderadores
de intangibilidade dos serviços, mas sobre seus aspectos rela-
de gerenciamento de aspectos tangíveis e de organização de filas
cionados com a perecibilidade, já que os estoques físicos dos
presenciais podem ser utilizados por operações de call center.
produtos compensam de alguma forma falhas de previsão de
Através de uma revisão da literatura de marketing de serviços e das contribuições de Voorhees et al, (2009) será apresen-
demanda, fato que não ocorreria com serviços, pois os mesmos são produzidos quando demandados.
tado, em uma abordagem qualitativa, um estudo de caso sobre
For highly intangible services there is no way to build in-
operações que sugerem gerenciamento de filas virtuais em um
ventories to prepare for predicted increases in demand,
renomado call center.
much less hold buffer stocks to cover unpredicted surges. RUST; ZAHORIK; KEININGHAM (1996, pág. 24)
3 - Referencial Teórico Assim, Lovelock e Wright (2005), aprofundam suas análises Momentos de contatos e entrega de serviços
por sobre o que as empresas prestadoras de serviços poderiam
Apresentando uma ponderação das abordagens de escolha
organizar em função dessa incapacidade de precisão para se
e entrega de serviços, Lovelock e Wright (2005) indicam que o
prever a demanda. Esse conteúdo, retratado também por Zeith-
nível de contato entre receptor e ofertante estabelece diferenças
haml, Bitner e Gremler (2011), está condicionado a elementos de
de percepção de qualidade para os clientes. Estrategicamen-
entrega e capacidade produtiva. Em uma análise inicial, os refe-
te, uma empresa poderá elevar a interação entre colaboradores
ridos autores, indicam um comparativo entre oferta e demanda,
e clientes como forma de favorecer a percepção da qualidade,
resultando em três situações distintas: excesso de demanda, ex-
ou ainda, causar uma diminuição da mesma em favor de uma
cesso de capacidade, capacidade ótima. Que podem ser ainda
padronização maior de atendimento. Nesse sentido, pode-se
melhor qualificadas com a percepção sobre: demanda abaixo da
avaliar serviços de Baixo Contato, de Médio Contato e de Alto
capacidade ofertada; demanda dentro de uma faixa de qualidade
Contato em uma escala que oscila entre o contato com equipa-
de serviços; demanda que supera o limite de qualidade operacio-
mentos e o contato com pessoas.
nal; e a demanda que supera a capacidade máxima dos serviços.
Em Zeithaml, Bitner e Gremler (2011), encontra-se a indi-
Sobre o que venham a ser os elementos que definem uma
cação de classificação de encontros com serviços, que podem
capacidade instalada para operações de serviços, ou ainda, na
ser: encontros remotos, encontros telefônicos e encontros pes-
percepção de Zeithaml, Bitner e Gremler (2011), condicionantes
soais. Em se verificando os elementos de intangibilidade de
de uma restrição à capacidade, são os elementos instalações
serviços (HOFFMAN; BATESON, 2003); (BATESON; HOFFMAN,
físicas de operações, espaço físico de contenção de clientes,
30 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
equipamentos disponíveis utilizados, acesso a grupos e forças de
interesse e comodidade dos clientes que possuem aversão a fi-
mercado e principalmente pessoas. (LOVELOCK; WRIGHT, 2005)
las, que tomam um tempo maior que o esperado para obtenção
Tanto o gerenciamento da capacidade, quanto a gestão da
de soluções às suas demandas. Daí a justificativa inicial para
demanda encontram um ponto crítico de contato quando se per-
um estudo detalhado da percepção do tempo de espera por
cebe o acúmulo de clientes demandantes de serviços, situados
parte do demandante, que se apresenta com dez pressupostos.
em uma faixa que excede a referida capacidade ótima de oferta
Tais pressupostos são apresentados de forma ampla e generali-
com qualidade e a capacidade máxima operacional de determi-
zante, porém pode-se prever que dependendo da natureza dos
nada oferta de serviços. Nessa situação ocorre a formação de
serviços e das demais circunstâncias, ocorre a prevalência de
filas de espera, fenômeno mercadológico bem típico dos servi-
um ou mais pressupostos.
ços. (LOVELOCK; WRIGHT, 2005) A Teoria das Filas, primeira abordagem sobre esse ajuste entre oferta e demanda com a necessidade de envolvimento e espera dos clientes demandantes surgiu no início do século passado. Contudo, as questões que envolvem filas para serviços
Dez proposições sobre a Psicologia das Filas de Espera. 1- O tempo desocupado parece mais longo que o ocupado. 2- A espera do processo e a espera pós-processo parecem mais longas do que a espera do processo.
que podem ser oferecidos em bases informais, intermediários e
3- A ansiedade faz a espera parecer mais longa.
outros canais virtuais de contato são questões mais relaciona-
4- A espera incerta é mais longa que a espera conhecida, finita.
das com a tecnologia, o que direciona para as atuais demandas de gerenciamento de filas. (LOVELOCK; WRIGHT, 2005); (RUST; ZAHORIK; KEININGHAM (1996)
5- A espera inexplicada é mais longa do que a espera explicada. 6- A espera injusta é mais longa do que a equitativa.
Partindo-se de uma abordagem de engenharia da produção ou pesquisa operacional, Lovelock e Wright (2005); Rust, Zahorik
7- Quanto mais valioso o serviço, mais tempo as pessoas esperarão.
e Keiningham (1996); Zeithaml, Bitner e Gremler (2011), propõem
8- A espera solitária parece mais longa do que a em grupo.
que o gerenciamento de um sistema de serviços, que dependa da
9- A espera fisicamente incômoda parece maior do que a
espera e organização do atendimento a clientes, em uma ordem programada passe por uma definição inicial dos elementos que compõem esse cenário de serviços, tais como: população cliente, capacidade da força de trabalho, processo de chegada, índice de
confortável. 10- A espera parece mais longa para usuários recentes ou ocasionais do que para os frequentes. Fonte: (LOVELOCK; WRIGHT, 2005, pág. 373)
desistência (repúdio), configuração da fila, política de escolha de clientes, envolvimento dos clientes, processo de serviço em si e estratégias de flexibilização de serviços.
Segmentação das Operações de Serviços Sobre os clientes de operações de serviços que aguardam em filas, Rust, Zahorik e Keiningham (1996), indicam uma segmenta-
Aguardar por Serviços
ção via probabilidade de lucro ou CRA (Customer Return Assets)
Dentro destas perspectivas algumas estratégias são utili-
que favorece a decisão de inclusão de determinada categoria de
zadas para diminuir esse desconforto da espera. No entanto,
clientes baseada em uma métrica de desempenho comercial dos
os autores pesquisados, tais como Bateson e Hoffman (2003)
mesmos. Dentro da indústria, os autores indicam exemplos de es-
discutem sobre serviços que são prestados na presença simul-
colha de clientes potenciais para programas de relacionamento ba-
tânea dos provedores e dos clientes e enfatiza a necessidade
seado segmentos com necessidades especiais que direcionam a
da utilização de aspectos tangíveis: televisão (entretenimento);
manutenção de uma base de clientes rentáveis.
cadeiras (conforto); jogos (entretenimento), revistas e jornais
Essa relação é melhor detalhada por Zeithaml, Binter e Gre-
(entretenimento, cultura); sinalização do tempo de espera (pre-
mler (2011) que apresentam uma representação de uma cadeia
visibilidade); degustação (no caso de bares e restaurantes) e
do lucro com serviços que melhor representa essa relação da
outros, como forma de distração.
satisfação do funcionário em um momento proporcionando a
Existe, segundo Lovelock e Wright (2005), também retratado por Zeithaml, Biter e Gremler (2011), uma restrição natural da
satisfação do cliente em outro momento, sendo essas duas condições orientadas em função da rentabilidade.
oferta de serviços em função da demanda de clientes que se or-
Contudo, toda essa concentração de esforço de prestação
ganizam em uma fila. De um lado, a necessidade e a lógica em-
de serviço com qualidade, pode ser minimizada com o que Zei-
presarial de maximização de resultados financeiros e de outro, o
thaml, Binter e Gremler (2011) indicam como crescimento do
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 31
auto atendimento ou substituição de serviços. Assim empresas
contrária de entrega de serviços, bem como uma sensação de
podem favorecer uma dissociação maior da sua prestação de
escolha mal feita por parte de um cliente de serviços. Sob essas
serviços, com um maior envolvimento dos clientes sem a neces-
duas condições estabelecem-se os resultados de raiva e remor-
sidade de uma contrapartida de funcionários de atendimento em
so respectivamente.
um mesmo momento. Sem o prejuízo da satisfação, empresas podem não apenas recrutar melhores funcionários como Hoff-
Pressupostos
man e Bateson (2003) indicam, mas recrutar clientes nas pala-
A partir dos resultados apresentados por Voorhees et al,
vras de Zeithaml, Binter e Gremler (2011), para procedimentos
(2009) e a validação (supported) da hipótese sobre o acrésci-
de auto atendimento, comunicação e ajuda mútua.
mo de raiva, que pode ocorrer com um cliente com uma percepção de demora ou atraso associada com a espera em uma
Clientes Conscientes da Espera O conjunto de preocupações referentes à qualidade de serviços e de sua mensuração direcionam ao que Lovelock e Wright, (2005) abordam como os benefícios para a satisfação dos clientes de serviços. Todo esse esforço está refletido no interesse das organizações em manter clientes de serviços satisfeitos. A partir de uma abordagem quantitativa, Bateson; Hoffman (2003) indicam base operacional de desempenho financeiro superior a partir de uma base de clientes leais às organizações, ou de forma paralela, organizações com clientes retidos. (HOFFMAN; BATESON, 2003) Nesse sentido Godin (2000) apresenta uma abordagem que considera a anuência dos clientes de determinada empresa em receber ou não comunicações sobre ofertas, promoções, contatos ou outra atividade de marketing. Com isso, torna-se ainda necessário para otimização de esforços e recursos, obter desse cliente alvo determinado grau de permissividade dessa interação. Em se tratando de comunicações personalizadas, tais como e-mail marketing. mala direta ou telemarketing ativo, receber essa interação não autorizada pode conduzir ao cliente alvo a uma sensação de desprazer. (ZEITHALM; BITNER; GREMLER, 2011) Paralelamente ao referido esforço de qualidade de atendimento ou recuperação de serviços, surge uma frente de preocupação empresarial com a chamada Deserção por parte do cliente. O efeito de redução da deserção é configurado com esforços e táticas de retenção. (BATESON; HOFFMAN, 2003); (HOFFMAN; BATESON, 2003) Baseado nas indicações de Voorhees et al, (2009), as situações de atrasos na entrega de serviços são moderadas por: percepção de justiça, comprometimento afetivo dos clientes com a organização e qualidade do ambiente físico de espera. Tais condições condicionam alterações que podem promover resultados negativos nos receptores de serviços que oscilam entre o remorso e a raiva. Com uma indicação de pesquisas diversas sobre o tempo de espera em filas, os autores supracitados, também apresentam os aspectos negativos de uma experiência
fila Acrescentando-se que essa mesma percepção de tempo de espera favorece questões relativas ao arrependimento, que é também uma hipótese válida (supported) dentro desse mesmo estudo, chega-se ao limite operacional das empresas prestadoras de serviços de call center em gerenciar a qualidade de sua entrega de serviços a partir de elementos relacionados com o humor e a tolerância dos clientes demandantes. Mesmo com a indicação de validade para relações entre a qualidade do ambiente físico, a percepção do tempo de espera e os estados negativos de raiva e arrependimento indicados pelo estudo de Voorhees et al (2009), esses mesmos elementos de qualidade de ambiente físico não estão diretamente relacionados com estados de raiva, mas com estados de arrependimento por parte dos clientes de serviços. Ao que sugere que o cliente tolera contatos em ambientes não favoráveis, mas não tolera sua permanência em tempo maior que o previsto. Em seu caráter moderador, os elementos relativos à qualidade do ambiente físico não devam representar relevância para operação de serviços de call center devido ao seu baixo envolvimento, ou com baixo grau de inseparabilidade proporcionados pela tecnologia O que efetivamente ocorre em uma prestação de serviços de call center é um rompimento, ou uma extrapolação de limites gerenciais de entrega de serviços apresentados em um modelo de SERVUCTION (LOVELOCK; WRIGHT, 2005); (BATESON; HOFFMAN, 2003). Sobre a apresentação do conceito de Interações Sociais em Voorhees et al (2009), no momento da espera por serviços, indica-se que durante o tempo de espera em filas virtuais essa probabilidade de interação entre clientes demandantes é muito reduzida, dado ao caráter assíncrono ou multiespacial da espera. O que fundamentalmente não deveria ser alvo de preocupações por parte de uma empresa que oferta tele atendimento, assim como um call center, em se observando o referido esforço gerencial de SERVUCTION, mas que pode ainda receber algum tipo de interferência nesse sentido, quando um cliente compartilha sua espera com uma outra pessoa alheia ao serviço esperado. Esse tipo de situação pode ser analisada como sendo um
32 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
tipo de interação social mais comum para filas virtuais, do que
como Controle Percebido, ou ainda, a busca pelo controle por
interações sociais presenciais entre clientes em uma fila comum
parte do receptor de serviços pessoa física, sobretudo dentro dos
com alto envolvimento.
chamados Encontros de Serviço. (LOVELOCK; WRIGHT, 2005)
Outro ponto relevante para a geração dessas duas emo-
Anunciada como uma perspectiva de abordagem para o
ções negativas (raiva/arrependimento) com a percepção de
entendimento do comportamento de um consumidor, Hoffman
atraso ou na espera da entrega de um serviço relaciona-se com
e Bateson (2003) relatam conflitos entre desempenho e satisfa-
questões de justiça percebida. Voorhees et al (2009) indicam
ção, que são gerenciados pelas organizações. Ou ainda, que tal
que essa questão está mais relacionada com o arrependimento
modelo de análise de comportamento deva ser retirado da cate-
do que propriamente com a raiva. Em sua proposição que a jus-
goria de simples atributos de qualidade e elevados a uma con-
tiça percebida da espera moderaria a raiva e o arrependimento
dição superior de análise, ou seja, quanto maior seria o controle
associados à experiência de serviço, os resultados apontam que
de um receptor de serviços durante a prestação, maior seria sua
a raiva está parcialmente validada (Partially supported), sendo
satisfação geral. O que pode ser melhor entendido nas palavras
então o arrependimento o sentimento mais associado a essa
dos autores:
percepção (supported).
Assim, quando os clientes percebem que estão no con-
Sendo Justiça de Resultado um elemento não associado
trole, ou pelo menos que o que está acontecendo a eles
diretamente com a espera em filas, indica-se que os demais ele-
é previsível, o efeito pode ser o mesmo que o consegui-
mentos descritos por Zeithaml; Bitner; Gremler (2011), a Justiça
do por controle comportamental. Em outras palavras, é
de Processos e a Justiça de Interação fornecem campos satisfa-
a percepção do controle, não a realidade, que é impor-
tórios de bases de pesquisas para filas virtuais em sua percep-
tante. (HOFFMAN; BATESON, 2003 Pág. 111)
ção de espera por parte dos clientes envolvidos. Associando-se esse conceito de Justiça de Interação com
O controle percebido é componente crítico de satisfação em
o conceito da Teoria da Intimidade apresentado D. Perlman; B.
algumas operações de serviços, o que traduz a tentativa dos
Fehr, 1987 apud Voorhees et al (2009) e propriamente com o
clientes receptores de serviços em familiarizar-se com a execu-
conceito de Comprometimento Afetivo; J. P. Meyer and C. A.
ção de serviços dentro de uma zona de tolerância apresentada
Smith (2000) apud Voorhees et al (2009) tem-se bases sufi-
por Hoffman e Bateson (2003) Em se afastar das evidências fí-
cientes para indicar que esses dois elementos reunidos forne-
sicas de um cenário de serviços Zeithaml; Biter; Gremler (2011)
cem melhores elementos de moderação para os resultados do
apresentam condições necessárias para inclusão de aspectos
tempo de espera percebido. Nos resultados de Voorhees et al
tangíveis de uma prestação de serviços, como sendo também
(2009) tem-se que a justiça percebida está relacionada com a
alvo da percepção de controle por parte dos clientes.
raiva em si e na percepção da espera (supported) assim como
Direcionando para essa percepção de tempo de espera
o remorso em si e essa mesma percepção de espera, ambos
para filas virtuais a ser gerenciada pelas organizações, através
validados. (supported).
dos componentes moderadores de: percepção de justiça; com-
Contudo, o comprometimento afetivo dos clientes, nos es-
prometimento afetivo. A redução do tamanho da fila seria outra
tudos de Voorhees et al (2009) não direcionam como um mo-
forma de se lidar com a intolerância de atrasos, mas que por
derador confiável para estados de raiva, mas confirmam essa
razões operacionais, existem fortes elementos que direcionam
possibilidade para estados de remorso por parte dos clientes
uma decisão contrária a esse esforço seja por razões operacio-
de serviços. Outro fator que chama a atenção é que esse com-
nais ou econômicas. (VOORHEES, et al, 2009)
prometimento afetivo perde parcialmente a capacidade de moderação para efeitos de percepção de espera em fila (Partially
As Operações de Call Center da Empresa Contax
supported), o que denota uma capacidade maior de lidar com
A Contax é uma empresa contact center que surgiu no final
espera em filas de clientes com vínculos emocionais ou subjeti-
de 2000 e atua oferecendo serviços completos de atendimento,
vos às empresas prestadoras de serviços.
ativo ou receptivo, como atendimento ao cliente, help desk, telemarketing, centrais de cobrança, retenção e internet call center.
Controle Percebido
Hoje é reconhecida como o principal player em seu segmento.
Possivelmente, essa indicação racional de tentativa de redu-
(CONTAX, 2011)
ção de risco por parte de empresas possui relação com o que
Segundo o site da empresa, Contax (2011), atua em vá-
Bateson e Hoffman (2003) e Hoffman e Bateson (2003) indicam
rias capitais, como Fortaleza, Recife, Salvador, Brasília, Rio de
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 33
Janeiro, Belo Horizonte, São Paulo e Porto Alegre, realizando
conversação (talk time); tempo de trabalho pós-chamada (after
aproximadamente 180 milhões de contatos por mês, através de
call work); tempo médio de tratamento da chamada (average
telefone, correio, e-mail, SMS, internet e chats. São mais de 80
handling time) e volume das chamadas (call load).
mil funcionários que passam constantemente por capacitação profissional. Todos os seus 32 sites localizados nestas regiões
Da Criação de Parâmetros de Análise de Aspectos Intangíveis
foram construídos a partir de padrões rigorosos de qualidade,
O processo pelo qual passam as ligações originadas pelos
com tecnologia de última geração, modernos sistemas de segu-
consumidores/usuários na empresa pesquisada está represen-
rança além de apresentar um bom clima organizacional.
tado na figura 01. As chamadas oferecidas (1) podem encon-
A Contax dedica seu crescimento ao: foco em operações
trar o Contact center ocupado, recebendo o usuário o “tom de
de grande volume de transações e alta complexidade; foco em
ocupado” (2). Uma chamada recebida (3) será atendida e tra-
qualidade, objetivando a satisfação do cliente final (investimento
tada imediatamente (4) ou será retardada (5) para atendimen-
massivo em treinamento e processos) e grande capacidade de
to posterior, entrando na “fila de atendimento” (retardo). Uma
investimento. Possuindo aproximadamente 70 clientes corporati-
vez nesta fila, sabe-se que o usuário em geral apresenta três
vos, como alguns dos maiores bancos brasileiros, empresas do
comportamentos: abandona a fila imediatamente (6); espera e
setor de telecomunicações, de TV por assinatura, de processa-
obtém o atendimento (7) ou abandona após o retardo, durante
mento de cartões de crédito e distribuidoras de energia elétrica
esta espera na fila (8). (CONTAX, 2010)
(ex.: Itaú, Citibank, HSBC, American Express, Carrefour, Globo, Renner, Bunge, Shell, Cemig e vários outros). (CONTAX, 2010) Em Contax, (2010) indica que desde sua fundação, a empresa vem conquistando premiações importantes nos quesitos tecnologia, relacionamento e qualidade. Destas premiações, destaca-se o “Prêmio Intangíveis Brasil”. Este prêmio significa que a empresa foi a vencedora da categoria Serviços Profissionais Prêmio Intangíveis Brasil 2010, promovido pelo Grupo Padrão e pela DOM Strategy Partners, que reconhece as empresas que praticam a Excelência na Gestão de seus Ativos Intangíveis (elemento diferencial cada vez mais fundamental na composição de valor de mercado e na construção da reputação das corporações que competem na economia moderna e global).
Segundo Madruga, (2009); Boazuda (2003), essas filas nos
O que não deve ser confundido com o tema geral desse artigo.
serviços são comuns, devido à sua imprevisibilidade. Em relação
Controle de Operações
da pela própria empresa, ocupações acima de 90%, durante um
A capacidade de um contact center pode ser definida como o máximo de chamadas processadas para um determinado nível de serviço (indicador que mede a acessibilidade do atendimento pelo contact center). A razão principal para o abandono de chamadas é o tempo de espera muito longo. Este tempo é em função do tempo de atendimento, da variabilidade do tempo de atendimento e o nível de utilização do atendente. (MADRUGA, 2009) Nos serviços de call center, Contax (2010), é importante que se faça o forecast (previsão) e dimensionamento (adequação das estruturas físicas, técnicas e de pessoal de um contact center aos objetivos da operação de atendimento aos consumidores) das chamadas. Estes só são possíveis a partir da coleta de dados como: quantos contatos foram recebidos; quando eles foram feitos e quanto tempo duraram e suas análises. Os indicadores que influenciam nesta definição de forecast são: tempo de
ao nível de ocupação adequado, de acordo com pesquisa realizaperíodo de tempo extenso, estressam as equipes de atendimento. Em períodos de altas ocupações, gerar pausas é uma reação natural, porém se trata apenas de uma atitude paliativa. Além das variações aleatórias, inclusive diárias, na demanda pelo serviço, há ainda o “tráfego de pico”, que se refere ao surto de tráfego além dessas variações supracitadas. Ele acontece a partir de promoções via jornais, revistas, rádio, televisão, mala direta e SMS que levam a um retorno imediato. Como medida de solução para estes problemas, hoje são utilizados os DACs – Distribuidores Automáticos de Chamadas, que surgiram na década de 90. O DAC é um sistema especializado, que possui facilidades como: atendimento automático, enfileiramento de chamadas, distribuição por atendentes e outros. Ele reconhece o consumidor ou usuário final que liga para o Contact center pela atribuição de um número de identificação
34 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
denominado ANI (Automatic Number Identification), serviço for-
to ao Consumidor) seja feito em até 2 minutos e que a resposta
necido por uma rede telefônica que permite conhecer o número
seja dada em até 1 minuto, sem transferências sucessivas de
de telefone chamador. Quando há um tráfego de chamadas que
agentes. Ao que se percebe, o tratamento gerencial indicado
excede a capacidade do site, o sistema atua e destina o tráfego
para disponibilidade e atendimento a filas virtuais não considera
excedente para outros grupos de colaboradores ou até mesmo
aspectos relacionados com segmentação de clientes em suas
de outros sites, o que é chamado de capacidade de overflow.
demandas e nuanças. Com um tratamento inicial de primeiro
Já para o índice de abandono de filas, a tolerância do usuá-
que entra, primeiro que saí, as filas virtuais promovem esperas
rio, que é a quantidade de tempo que ele suporta esperar antes
telefônicas de acordo apenas com dados de expectativa de en-
de abandonar a fila, é um fator relevante. Alguns fatores que
trada de clientes, que podem ser curtas ou longas, sem relação
interferem nessa tolerância são: o grau de motivação do usuário
direta com a complexidade ou motivação do contato estabeleci-
para a respectiva chamada; o nível de serviço do concorrente;
do. (CONTAX, 2010)
disponibilidade de substitutos para aquela chamada (um site,
Contudo, em relação a este dimensionamento dos Call cen-
por exemplo); nível de expectativa do usuário; disponibilidade de
ters a demanda varia, de forma aleatória e com muita frequên-
tempo para aquela chamada naquele momento; quem pagará a
cia. Portanto, a quantidade da equipe a ser alocada depende do
conta da chamada e o próprio comportamento humano (humor
nível de serviço desejado pela empresa, na tentativa de minimi-
da pessoa naquele momento). Tais componentes são relevantes
zar o tempo de espera dos usuários e evitar o abandono da fila
em comparativo com as emoções negativas indicadas por Vo-
de espera. Esse dimensionamento é feito a partir da quantifica-
orhees et al (2009) de raiva e de arrependimento.
ção dos recursos, tanto em forma de infraestrutura quanto em
Apesar destas variações aleatórias somadas ao tráfego de
forma de agentes. As escalas são feitas para que a demanda de
pico, que são fatores incontroláveis à empresa, ela deve ge-
chamadas e a oferta de agentes se casem, pois um dimensio-
renciar bem os fatores controláveis e que estão relacionados à
namento mal feito pode gerar níveis de serviços instáveis, custos
acessibilidade e atendimento dos agentes. (CONTAX, 2010)
excessivos e clientes insatisfeitos.
Como em várias outras atividades e segmentos, os funcionários, principalmente de contato, tem muita relevância no re-
5 - Considerações Finais
sultado da entrega. Nos Contact centers a denominação utili-
Os limites dessa abordagem indicam claramente a neces-
zada para o gerenciamento da força de trabalho é Work Force
sidade de pesquisas com os clientes de serviços de call center
Management – WFM. A gerência de WFM pode ser dividida em
para um tentativa de mapeamento das suas interações com em-
várias etapas: definição dos níveis de serviços; coleta constante
presas desse setor. Com um foco específico em mapear a qua-
de dados históricos; previsões de carga de trabalho (forecast);
lidade, a percepção da qualidade e as reações negativas a uma
dimensionamento de equipes; geração de escalas conforme di-
percepção de espera indevida ou atraso no atendimento, pode-
mensionamento; medição de desempenho; monitoramento em
-se chegar ao entendimento de novos elementos moderadores
tempo real da aderência à escala (diferença entre escala plane-
substitutos dos aspectos tangíveis, tais como outros padrões de
jada e real) e ações preventivas e corretivas (ênfase na primeira).
interação de comunicação que podem ocorrer dentro do perío-
Para que o processo de gerência seja efetivo, o gerente pre-
do de espera de atendimento.
cisa conhecer bem o ambiente de trabalho, seus objetivos, os
Em se discutir os resultados de Voorhees et al sob a luz das
produtos e processos envolvidos, além de saber suas principais
operações de call center, pode-se abrir campo para novos pa-
forças e fraquezas. Para auxiliá-lo, existem várias ferramentas
drões gerenciais que favoreçam clientes dessas organizações na
que proporcionam uma diversidade de relatórios e facilitadores
redução ou mitigação de emoções negativas dessas operações.
de planejamento.
Empresas que trabalham com atendimento ou prestações
O tamanho das equipes para tratar os contatos e a esca-
de serviços que possuam filas de organização virtuais podem se
la associada advém dos objetivos de níveis de serviço. Na in-
valer novos modelos de segmentação e previsão de operações
dústria, não existe um padrão de níveis de serviço, já que são
baseados em quantidade ou qualidade de esforços de suprir a
influenciados por vários fatores, como: o valor do custo da cha-
falta de percepção de aspectos tangíveis em um fila de espera
mada; custos trabalhistas; custos de telecomunicações; fatores
virtual. Assim como seus clientes seriam também beneficiados
de tolerância de chamadas; estratégia de diferenciação de pro-
com modelos gerenciais mais relacionados com a satisfação
dutos e serviços. No entanto, as agências reguladoras definiram
de clientes, mesmo com as restrições operacionais de custos e
que o atendimento dos serviços de SAC (Serviço de Atendimen-
produtividade por parte de empresas de call center.
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 35
A realidade dos Contact centers, que são serviços prestados à distância, no qual prestador e cliente não estão no mesmo ambiente dependem de uma utilização de músicas em espera telefônica que pode diminuir a ansiedade e sensação de ociosidade por parte dos consumidores. Para Madruga, (2009), (i) Mensagens de tempo; (ii) Mensagens institucionais e (iii) Mensagens de produtos e serviços, são os elementos mais utilizados. Em um esforço de comunicação e relacionamento que tende a reduzir impactos de esperas em filas virtuais, as ligações recebem através de URA (Unidade de Resposta Audível) um atendimento inicial para depois entrarem em uma fila (sensação do usuário de já estar no processo). Para saber o que interessa ao usuário nesse momento de tentativa de redução do impacto de espera ou do abandono de chamadas, novas pesquisas de mercado deveriam ser feitas. Estas informações sendo realmente relevantes, os ajudariam a aliviar a ansiedade, já o esclarecimento desses processos os ajudariam na compreensão do porquê da espera (espera explicada), o que a tornaria mais tranquila. Com isso, poderia se perceber melhor a validade de uma substituição dos aspectos tangíveis como moderador de uma fila de espera, para esforços de comunicação e relacionamento em uma fila virtual como moderador de redução da raiva ou arrependimento em percepção de tempo de espera. Para efeito de aproximação da solução da questão norteadora, dado aos condicionantes operacionais prescritos pelas operações de call center observa-se absoluta relevância na tentativa de gerenciamento das filas, porém os elementos descritos pelo artigo base dessa proposta indicam ainda relativa transfe-
BOAZUDA, Marco Aurélio Carino: Dimensionamento de um call center: simulação ou teoria de filas? Artigo publicado Anais SIMPOI, 2009. CONTAX: Workshop de planejamento de tráfego. Programa CRESCER, 2010. _________: Contax Contact Center. Disponível em: www.contax.com. br. Acesso em: 19 jul. 2011. GODIN, Seth.: Marketing de permissão: transformando desconhecidos em amigos e amigos em clientes. 4. ed. Rio de Janeiro: Campus, 2000. 218 p. HOFFMAN, K. Douglas; BATESON, John E. D.: Princípios de marketing de serviços, conceitos, estratégias e casos. São Paulo: Pioneira Thomson, 2003. 628 págs. LOVELOCK, Christopher; WRIGHT, Lauren: Serviços, marketing e gestão. São Paulo: Editora Saraiva, 2005. 416 Págs. MADRUGA, Roberto: Gestão moderna de call center & telemarketing, os 9Gs indispensáveis para você entender, criar e revolucionar centrais de atendimento. São Paulo: Editora Atlas, 2009. 2ª Ed. 161 Págs.
VOORHEES, Clay M.; BAKER, Julie; BOURDEAU, Brian L.; E. BROCATO, Deanne; CRONIN J. Joseph, Jr.: It Depends: moderating the relationships among perceived waiting time, anger, and regret. Journal of Service Research. 2009, 12: 138. Originally published online 18 May 2009. ZEITHAML, Valerie A.; BITNER, Mary Jo; GREMLER, Dwayne D.: Marketing de serviços, a empresa com foco no cliente. Porto Alegre: Bookman, 2011. 5a ed. 740 Págs.
rência do alto contato com consumidores, verificados em filas reais, para um baixo contato, verificado em operações consideradas virtuais.
NOTAS DE RODAPÉ Mestre em Administração de empresas, pesquisador no Centro Universitário Newton Paiva, possui trabalhos nas áreas de marketing e estratégia empresarial. Pesquisador CNPQ AMTEC-GEMATEC.
1
6 - Referências ARAÚJO, Marcus Augusto Vasconcelos; ARAÚJO, Francisco José Costa; ADISSI, Paulo José: Distribuição da demanda telefônica de um call center através da criação e priorização de filas inteligentes. Artigo publicado em XXIII Encontro Nac. de Eng. de Produção - Ouro Preto, MG, Brasil, 21 a 24 de out de 2003.
2
MBA em Marketing (FGV); Especialista em Gestão Estratégica de Negócios (IETEC) possui trabalhos na área coaching e de serviços e padrão de atendimento Disney Resorts.
BATESON, John E. D.; HOFFMAN, K. Douglas: Marketing de serviços. Porto Alegre: Bookman, 2003. 4a Ed. 495 págs.
36 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 37
38 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 39
GESTÃO EMPREENDEDORA EM EMPRESA DE TRANSPORTE RODOVIÁRIO Emmanuelle Januário Pacheco Josoelito da Silva Lima Leandro Hiroshi Minoda Pablo de Azevedo Alves Paulo Henrique Souza Vander José Alves dos Santos1 Professor Tutor: Helbert Góes2 Professora Orientadora: Laila Hamdan3
RESUMO: O empreendedorismo direcionado ao setor de transportes de cargas terrestres é o tema deste estudo. Uma análise por meio da ferramenta Diagrama de Ishikawa permitiu identificar as potenciais causas nos processos internos da filial de Belo Horizonte/MG de uma empresa do ramo, cujo modal é o rodoviário, que interferem diretamente no alcance da meta de crescimento de mercado. Aliando a ferramenta que permite melhorar a qualidade dos processos e agregando os conceitos de empreendedorismo, foi possível diagnosticar as causas e desenvolver sugestões corretivas para dar suporte e melhorar a qualidade das rotinas da empresa. O resultado esperado do estudo é prover a empresa de informações de natureza construtiva para trabalhar as variáveis ofensoras delimitadas pela pesquisa e, a partir disso, otimizar e aperfeiçoar os processos para conquistar mais qualidade e, consequentemente, almejar a meta de crescimento de mercado estabelecida pela empresa. Palavras-chave: Empreendedorismo. Eficiência. Otimização.
INTRODUÇÃO
alizar uma meta de crescimento em participação no mercado de
O presente artigo apresenta uma análise sobre a gestão
5% anual, que irá representar R$1,25 milhão para a unidade de
empreendedora no setor de transporte rodoviário de cargas.
Belo Horizonte. Para fundamentar o estudo e atingir o objetivo,
Tendo em vista que o país depende fundamentalmente de uma
foi utilizada a metodologia do Diagrama de Ishikawa, que auxi-
rede de transportes cujos modais são: rodoviário, ferroviário, hi-
liou na identificação de ações com o objetivo de aperfeiçoar os
droviário, dutoviário e aeroviário, responsáveis pelo transporte
processos para atingir os resultados.
de matéria-prima para as indústrias, exportação, movimentação de produtos industrializados e agrícolas, o segmento é um forte
1 GESTÃO EMPREENDEDORA
aliado para desenvolvimento da economia brasileira.
De acordo com Bernardi (2010, p.161), empreender é a ide-
O objetivo deste estudo é prover a filial de Belo Horizonte/
alização inovadora de um projeto, com objetivo de torná-lo real
MG, da empresa estudada, de ferramentas e informações que
e, para que seja possível, é fundamental a aplicação de técnicas
poderão auxiliar na melhoria de seus processos por meio de no-
relacionadas ao empreendedorismo por meio de estudos vol-
vas técnicas empreendedoras que favoreçam o crescimento de
tados para o desenvolvimento de competências e habilidades.
mercado que será fundamentado na retenção de seus clientes,
Assim, é necessário que o empreendedor tenha senso de opor-
aumentando os volumes de cargas e a captação de novos usuá-
tunidade para compreender as necessidades do mercado, com
rios dos serviços. Dessa forma, identificou-se que o faturamento
criatividade, autoconfiança, persistência e espírito de liderança.
anual do grupo é de R$300 milhões e a filial corresponde com
A concepção de uma empresa surge de um modelo de
8,33% aproximando R$25 milhões representados pela participa-
negócio. Inicia-se pela identificação de oportunidades, por ob-
ção de 3.000 clientes.
servações de necessidades de mercado não atendidas, por de-
Considerando que a posição atual do setor de transporte no
ficiências observadas na oferta, por inovação, enfim, pela obser-
mercado representa 6,3% em relação ao PIB de 2011, totalizado
vação de expectativas do mercado. (BERNARDI, 2010, p.161).
R$4.143 trilhões, a representatividade da empresa no setor é de
Compreendendo o espírito do empreendedorismo, o então atual
0,97%. Com base nos dados encontrados, foi possível ide-
gestor fundou a empresa em 17 de julho de 1979, com objetivo
40 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
de atender as oportunidades do crescente mercado regional de
em pesquisas bibliográficas em sites e em referenciais didáticos
cargas fracionadas, ofertando um serviço de transporte profis-
sobre gestão empreendedora e ferramentas gerenciais. Fez-se,
sional, seguro e organizado.
também, uma entrevista in loco com a gestora da empresa, uti-
A empresa, ao longo de sua trajetória, passou por mudan-
lizando o método de entrevista semiestruturado. Dessa forma,
ças. No ano de 1995, alterou a sua razão social para a atual,
foram observados e coletados os dados e as informações ne-
com a proposta e desejo de expandir e atender as exigências de
cessárias para elaboração do trabalho.
mercado atuando nas estradas das regiões do Sul e Sudeste. Com o propósito de avançar a cada dia direcionando investimentos em infraestrutura, inovações tecnológicas, modernização do negócio por meio de atuais conceitos de administração, renovação e ampliação da frota para assegurar a operacionalidade e funcionalidade da empresa, profissionalização da gestão e qualificação do atendimento, espera-se posicionar a marca com um serviço de transporte diferenciado e de valor agregado, superando continuamente as expectativas dos clientes. Dessa forma, o objetivo de todo o empreendedor é conseguir uma vantagem competitiva sustentável para ficar à frente dos concorrentes e consolidar o posicionamento no mercado. Para realização deste estudo, realizou-se uma pesquisa descritiva de natureza qualitativa, cuja orientação foi baseada
2 A FERRAMENTA DE ESTUDO QUE AUXILIA NA GESTÃO Segundo Prof. Alexandre Gomes4, Kaoru Ishikawa desenvolveu uma ferramenta baseada em técnica visual que permite avaliar os processos com objetivo de abordar as principais causas, efeitos e suas relações para a gestão de qualidade. Essa ferramenta ficou conhecida como o Diagrama de Ishikawa ou Espinha de Peixe e consolidou-se como importante método para a análise e melhoria dos processos para dentro da empresa, conforme figura 1: O resultado da utilização do Diagrama de Ishikawa proporciona a visualização das causas que interferem no objetivo da empresa.
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 41
Surge, então, a necessidade de estabelecer um plano de
Para atingir o objetivo de melhoria na comunicação interna,
ação com procedimentos que irão direcionar e coordenar a roti-
é necessário criar um canal de comunicação eficiente e eficaz de
na do trabalho. Dessa forma, serão apresentadas as ações cor-
fácil entendimento e compreensão em todos os níveis da orga-
retivas que podem proporcionar melhorias de qualidade.
nização. No operacional, a sugestão é a utilização de murais e informativos de circulação interna em linguagem acessível para
2.1 Manuais e normas Segundo definição Rebouças (2004, p.138), manual e normas é: todo e qualquer conjunto de normas, procedimentos, funções, atividades, políticas, objetivos, instruções e orientações que devem ser obedecidos e cumpridos pelos executivos e funcionários da empresa, bem como a forma como estes devem ser executados, quer seja, individualmente, quer seja em conjunto.
que os colaboradores possam entender o objetivo das informações. Para isso, surge a necessidade da elaboração de dinâmicas motivacionais e interativas com premiações em que os funcionários terão que mostrar o entendimento da comunicação para a empresa. Nos níveis estratégico e tático, já é possível direcionar a informação com seus respectivos avanços tecnológicos, como a Intranet, restrito ao público interno, que permite os profissionais interagirem na comunicação. Nelas são encontradas informações atualizadas de acesso fácil e rápido. Outro recurso funcional utilizado é a redação interna seguindo as formatações pa-
Dentre essas definições de manuais e normas, percebeu-
drões das normas e manuais de comunicação, que possibilitam
-se que a empresa não possui uma comunicação alinhada aos
informativos por meio de circulares, memorandos, relatórios, e-
procedimentos existentes. Sendo assim, há uma dificuldade no
-mails e outros.
desenvolvimento de sua meta, devendo então estipular algumas
Assim, a capacitação, o desenvolvimento, a motivação de
normas por meio de manuais que possam identificar o que a
toda equipe e a utilização de forma adequada dos recursos dis-
empresa anseia de seus funcionários. A sugestão proposta é
poníveis permitem promover a padronização da comunicação, a
levar o conhecimento aos colaboradores, aproximando-os da re-
fim de orientar os colaboradores sobre a interdependência para
alidade do conteúdo das normas e manuais por meio de pales-
o alcance dos objetivos.
tras, reuniões e informativos sobre a importância dos processos a serem seguidos para cada área organizacional. Para o entendimento e aplicação das normas e manuais, é fundamental recorrer ao desenvolvimento de uma boa comuni-
2.3 Uso da tecnologia na padronização dos serviços e aquisição de softwares de roteirização
cação interna que possibilite a informação de forma acessível
Ao falar no uso da tecnologia na padronização dos pro-
para atender as expectativas de todos os níveis, tanto operacio-
cessos, é necessário entender que uma empresa é um siste-
nal, quanto tático e estratégico.
ma formado pelo conjunto de partes interligadas por meio de processos e atividades com determinado objetivo. Dentro desse
2.2 Importância da comunicação interna para o plano de ação Embasado em Bernardi (2010, p.237), comunicação empresarial é importante para a organização, pois ela contribui com informações de boa qualidade para o desenvolvimento dos processos por meio do inter-relacionamento dos seus colaboradores a fim de promover a interação entre os vários níveis da organização. Informações de boa qualidade, notadamente nas áreas operacionais, só serão conseguidas quando do momento em que os envolvidos nos processos estejam conscientizados da necessidade e importância de informações corretas, caso contrário o processo usualmente é entendido e tratado como mais burocracia e “papelada da administração”. (BERNARDI, 2010, p. 237).
sistema, o processo é o grupo organizado de atividades correlatas que, em conjunto, cria um resultado de valor para os clientes. Para gerenciar, desenvolver e consolidar os processos e suas atividades é necessário padronizá-los. “Padronização de Processo entra como uma ferramenta essencial, permitindo a visão sistêmica de toda a empresa, a inter-dependência dos setores e a melhoria contínua”5. Dessa forma, o uso da tecnologia nos processos é um recurso estratégico que permite melhorar o desempenho da empresa, apoiando as iniciativas de redesenho e padronização deles, quer seja pela automatização ou pela simplificação. Segundo Rebouças (2011, p. 140), a “tecnologia pode ser vista como o conjunto de conhecimento que são utilizados para operacionalizar as atividades da empresa, para que seus objetivos possam ser alcançados”.
42 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
Portanto, a tecnologia juntamente com a padronização,
de informações, seja analítico e quantitativo, minimizando o tem-
permitirá gerenciar os processos visando atingir os resultados
po e o custo para atender de maneira mais eficiente, maximizan-
esperados na prestação do serviço, assim como, a identificação
do resultados.
dos trajetos que possibilitem a eficiência e a pontualidade nas tarefas de coleta e distribuição de cargas. A seleção do melhor itinerário por meio do uso da tecnologia eliminará o desperdício de tempo e as rotas consideradas como caminhos críticos que são os percursos mais longos dentro do destino estabelecido a serem reduzidos com a aquisição dos softwares de roteirização. De acordo com Bertaglia (2003, p.98), Software de Roteirização é um instrumento de planejamento e simulador de situações na área de logística capaz de montar um modelo matemático representativo num mapa digital, das posições de pontos de coleta e as posições relativas aos pontos de entrega. A frota necessária é estabelecida pela identificação dos veículos e suas respectivas capacidades. Essas informações permitem efetuar simulações para que o sistema maximize de acordo com distâncias que devem ser percorridas e o tempo de disponibilidade do condutor no trânsito, definindo o melhor caminho a ser seguido.
2.5 Fluxograma Toda empresa possui processos e, para que tudo aconteça dentro do programado, elas os redesenham e os disponibilizam aos colaboradores padronizando suas ações. O fluxograma é o resultado da representação gráfica dos processos de uma empresa, que facilita a leitura, o entendimento e a identificação dos pontos mais importantes. As instituições têm-se dedicado tanto na definição dos processos, quanto em seu redesenho quando necessário, deixando-as mais flexíveis, garantindo um ambiente de trabalho mais agradável e maior poder de negociação com o cliente, tornando-as mais competitivas no mercado. Segundo Drucker (2005, p.555), “Todo mundo parece permanentemente empenhado em reorganizar”. Ele cita também que são várias as razões desse interesse, mas, como principal, o risco que uma estrutura errada pode trazer a uma organização. “A melhor das estruturas não será capaz de assegurar qualquer resultado ou desempenho, mas a estrutura errada garante o seu mau desempenho”.
Portanto, a aquisição dos sistemas especializados trará
Com o objetivo de alcançar a meta de crescimento de mer-
para a empresa estudada uma tecnologia auxiliadora na melho-
cado dentro do período estabelecido, a empresa poderá atingi-
ria contínua, no desempenho da qualidade e na racionalização
-la por meio da exploração do Porto Seco do aeroporto Confins.
dos processos de cargas e descargas. Nesse contexto, a utiliza-
Baseada na pesquisa publicada pela Infraero6, “o novo comple-
ção dos recursos tecnológicos facilita a padronização dos pro-
xo especial funcionará na zona de neutralidade fiscal engloban-
cessos operacionais e ainda apoia a otimização na prestação
do a montagem, armazenamento, processamento logístico e a
do serviço da empresa, maximizando a retenção de clientes e a
manufaturação de produtos dentro da área aeroportuária (...)”.
conquista de novos para alcançar os objetivos desejados.
Para que o Porto Seco seja explorado, será necessária a adaptação e o redesenho, com base ao fluxograma atual (ver anexo1) de alguns processos na empresa e a criação do fluxograma des-
2.4 Layout do centro de distribuição A elaboração de um layout para o centro de distribuição é importante para desenvolver um projeto de movimentação adequado, que favoreça a maior economia, a produtividade, a utilização dos equipamentos de trabalho e a otimização da mão de obra dentro da organização. O arranjo físico adequado proporciona para empresa maior economia e produtividade, com base na boa disposição dos instrumentos de trabalho e por meio da utilização otimizada dos equipamentos de trabalho e do fator humano alocado no sistema. (REBOUÇAS, 2004, p. 354). Assim, verificou-se na empresa a necessidade de modificação do layout no centro de distribuição, a fim de elaborar novos processos de sistemas e métodos para a reorganização de sua estrutura facilitando a comunicação, a transmissão e o registro
ta atividade. Hoje atua no mercado da seguinte forma: a ) Setor comercial: negociar a carga com o cliente (valores, preço por cubagem, prazos de entrega); enviar a negociação para o setor financeiro. b) Setor Financeiro: analisar se a negociação foi feita de acordo com os padrões da empresa; se não, retornar para o setor comercial para renegociação. Se sim, analisar disponibilidade das frotas. Existe disponibilidade? Caso não haja, devolver ao setor comercial. Se houver disponibilidade, emitir o boleto para pagamento, enviar o boleto ao pagador, encaminhar a aprovação ao setor de logística. c) Setor de Logística: definir as etapas do serviço (prazos, captação da mercadoria, estocagem em CD, entrega da mercadoria, coleta reversa); captar a mercadoria (no cliente); en-
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 43
viar a mercadoria para o centro de distribuição. É necessário
todas as forças intelectuais, disseminando para toda a cadeia
fazer a separação da mercadoria? Se sim, realizar a separação
produtiva o conhecimento dos temas estabelecidos para a
da mercadoria, entregar ao(s) destino(s) final. Se não, entregar
solução dos problemas.
no destino final. Foi contratada coleta reversa? Se não, finalizar
A partir da gestão da qualidade total, foi possível avaliar a
o processo. Se sim, verificar a necessidade de retornar com a
situação atual da empresa e os padrões estabelecidos por ela.
mercadoria. Se existe, realizar a devolução da mercadoria di-
Fez-se necessário melhorar os processos, como os manuais e
retamente no destinatário, (evitando passar pelo CD). Se não,
normas, a padronização da comunicação para a capacitação de
finalizar o processo.
desenvolvimento dos colaboradores, o detalhamento e a ade-
Com a exploração do Porto Seco, a proposta é para que a
quação dos meios de comunicação para todos os níveis hierár-
empresa passe a atuar também conforme o fluxograma propos-
quicos, o layout, a elaboração do fluxograma, ações de marke-
to para o Porto Seco. (ver anexo 2)
ting e medidas que visam à redução dos custos operacionais. Assim, objetiva-se estabelecer o gerenciamento interfuncional,
3 GESTÃO DA QUALIDADE TOTAL
manter e melhorar a participação de mercado da empresa.
Segundo Campos (2004, p.31), quando há crescentes demandas, exigências de mercado e desempenhos dos concor-
4 AÇÕES DE MARKETING
rentes mais rapidamente que a capacidade de gerenciamento
De acordo com Bernardi (2010, p.161), “Marketing é o prin-
de rotina, surge a necessidade de introduzir o gerenciamento
cipal elo de coordenação das relações da empresa com o mer-
pelas diretrizes. Com o objetivo de responder a esses desafios
cado e com o cliente.” Portanto, é necessário estar em constante
visando a um crescimento constante, é necessário estabelecer
interação com o ambiente, alinhando as expectativas, necessi-
um sistema de gestão de qualidade por meio de melhorias con-
dades e tendências de mercado com objetivo de desenvolver
tínuas, assegurar o clima organizacional, incentivar a motivação
produtos e serviços com qualidade para satisfazer as necessi-
intrínseca por meio da comunicação, direcionar o empreendi-
dades de seus clientes. O sucesso de uma empresa, por meio
mento para atingir a eficácia na segurança e a qualidade nos
do marketing, está diretamente relacionado à percepção de
processos, que são primordiais para promover a sobrevivência
mercado quanto à sua imagem, no que concerne a conceitos de
da empresa.
capacidade e habilidade, confiabilidade e qualidade num senti-
Para estabelecer esses procedimentos, é necessário uti-
do global. (BERNARDI, 2010).
lizar diversos recursos que ajudam no processo de qualidade
Essa imagem reflete efetivamente os anseios do cliente.
como: Ciclo de Deming, conhecido como PDCA7, (Plan, Do,
Assim, construir uma reputação é trabalho árduo e de longo al-
Check, Act), que determina os métodos para alcançar as metas
cance. Fatores ligados à tradição, a marcas, a experiência, a
estabelecidas, auxiliando no desenvolvimento e aprimoramento
opiniões, a resultados comprovados, a garantias, a confiabili-
dos processos. Por meio de treinamentos, estabelece padro-
dade, a serviços e a atendimentos efetivos, a respostas rápidas
nizações, executa medidas prioritárias e suficientes, verifica os
e eficientes e a uma política de preços consistente contribuem
resultados do padrão atual, analisa a relação entre as metas e
para a imagem.
os resultados obtidos, além de implantar uma nova estrutura
Em questionamento in loco à empresa, foi possível avaliar
nos processos ou mesmo uma reformulação dos já utilizados;
que os contratos de prestação de serviços são executados por
o Brain Storming, ou chuva de ideias, que auxilia, com rapidez
um período de experiência de 90 dias, o que obtém uma grande
e eficiência, a formulação das possíveis causas ou soluções do
rotatividade de clientes.
problema; o Diagrama de Ishikawa também conhecido por Dia-
Então, sugeriu-se a necessidade de implantar um departa-
grama de Causa-Efeito, uma ferramenta fundamental, que reco-
mento de marketing voltado para o desenvolvimento estratégico
lhe e filtra possíveis elementos e informações e o Diagrama de
de retenção de clientes, através da pesquisa de mercado, que
Pareto, (gráfico de barras), que auxilia na ordenação visível em
poderá ser realizada por empresas especializadas, associações
relação à ação de melhor resultado.
de classe ou pelo pessoal interno, aproveitando os sistemas de
A utilização dessas ferramentas por meio de um espírito
banco de dados e cadastros feitos por representantes comer-
de liderança do nível estratégico na administração contribui
ciais comissionados pelas vendas aos clientes. Dentro desse
para o desenvolvimento do plano de ação. Esse desenvol-
novo departamento, é possível aperfeiçoar as ferramentas de
vimento acontece seguido de mecanismos que concentram
vendas como telemarketing, mala direta, feiras regionais e inclu-
44 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
são nas redes sociais de comunicação. Dessa forma, será pos-
Porém, para facilitar a análise e excluir prováveis distorções, faci-
sível mensurar o acompanhamento das crescentes transforma-
litando a tomada de decisões, podem-se estudar os custos e as
ções do setor, o nível de satisfação e expectativas dos clientes.
despesas de um produto, mercadoria ou serviço, classificando os custos e despesas em variáveis e fixos, não mais somente em diretos e indiretos, de forma que se estabeleçam outras rela-
5 REDUÇÃO DOS CUSTOS OPERACIONAIS Ao se falar de metas para uma organização, seja de investimentos, expansão ou até mesmo a redução, é necessário fazer um bom planejamento. Segundo Falconi (2004, pág.257), a utilização do gerenciamento de custos é fundamental para avaliá-los e melhorá-los com medidas substanciais de reduções de custos por meio de implantação de melhorias nos processos que influenciam diretamente ao objetivo. Hoje, reduzir custos é um desafio para as grandes empresas, porque, apesar da redução, ela deve manter o seu posicionamento frente ao mercado e não sofrer impactos em suas atividades, meio e fim. MATOS8 cita que “O objetivo das técnicas e práticas gerenciais relacionadas com a gestão de custos é preparar a empresa para enfrentar os desafios do ambiente competitivo, evitar o acúmulo de ineficiência e melhorar o desempenho no uso de seus recursos produtivos.”
ções interessantes. BERNARDI, (2010 p. 240). Na empresa, percebe-se que os custos estão diretamente ligados às operações de carga e descarga de veículos, entregas e coletas de volumes fracionados. Nestas operações, existem custos de natureza variável, identificados de forma direta na prestação de serviços. A mão de obra aplicada diretamente no produto pode ser mensurada por meio do sistema de roteirização de forma ampla, que contribuirá para a diminuição da ociosidade da mão de obra direta. A sugestão para empresa é realização de um estudo de tempos e movimentos para padronizar e reduzir o tempo gasto na execução das tarefas, aliando a aquisição de equipamentos que facilitem as operações com o foco na eficácia, o que diminuirá a ociosidade da mão de obra, resultando, assim, na otimização dos serviços e maximização da produtividade.
Por isso, implantar medidas que visam à redução do custo operacional é gerenciar adequadamente os recursos disponí-
7 FIXAÇÃO DO PREÇO DE VENDA
veis da empresa. A empresa estudada possui processos bem
Na atualidade, com um mundo globalizado, não se pode
definidos e práticas gerenciais relacionadas à gestão de custos.
mais calcular o preço de venda sem analisar a demanda do
O objetivo é propor medidas que favoreçam o aproveitamento
mercado, o preço praticado pela concorrência e o que os clien-
dos recursos disponíveis, reduzindo consequentemente, o custo
tes estão dispostos a pagar por estes serviços. Para definir o
operacional. Como a meta da organização é aumentar a partici-
“custo alvo” e ainda formar preços de venda compatíveis com
pação de mercado, optou-se por medidas que interfiram direta-
a realidade da empresa, é importante conhecer esse mercado
mente na satisfação do cliente, trazendo o benefício da redução
extremamente concorrido. Assim, é necessário desenvolver pro-
dos custos operacionais para a empresa.
cedimentos que visem à redução dos custos e, acima de tudo,
Para manter o posicionamento frente ao mercado e con-
manter a competitividade no mercado, pois os sistemas utiliza-
quistar novos clientes, a organização deverá atuar otimizando
dos para cálculo de fixação dos preços de vendas são basea-
a roteirização da entrega/coleta – a empresa hoje atua com um
dos nos custos e despesas, que, de acordo com as estruturas
software simplificado que não auxilia eficientemente nos fretes.
das organizações, refletem na formação da tabela de preços, o
Portanto, a aquisição do software de roteirização de última gera-
que não é suficiente para atração dos clientes.
ção juntamente com o layout influenciará diretamente na otimi-
Para administrar preços de venda, é necessário conhecer
zação, na automatização, na simplificação e na racionalização
o custo do produto; porém, essa informação, por si só, embora
dos processos de coleta/entrega.
seja necessária, não é suficiente. Além do custo, é preciso saber o grau de elasticidade da demanda, os preços de produtos concorrentes, os preços de produtos substitutos, a estratégia de
6 REDUÇÃO DE OCIOSIDADE DA MÃO DE OBRA DIRETA
marketing da empresa etc. (MARTINS, 2010, p. 218)
Com objetivo de competitividade no mercado, a empresa
A atividade fim da empresa é a prestação de serviços em
deverá adotar critérios para redução da ociosidade da mão de
transportes de cargas fracionadas. Percebeu-se, pela metodolo-
obra direta. Segundo Bernardi (2010), produtos são considera-
gia aplicada, uma grande rotatividade de clientes, o que é justi-
dos somente os custos diretos e variáveis, mercadoria ou ser-
ficado pelos preços praticados pela empresa em relação à con-
viço e todos os fixos são tratados como despesas do período.
corrência. Então, como sugestão, antes da fixação do preço de
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 45
venda de seus serviços, é necessário estabelecer um referencial
um novo plano estratégico visando à integração no complexo
dos preços praticado pela concorrência.
aeroportuário para aproveitar oportunidade de um novo mercado que será implantado em Confins/MG. Além disso, adotar
8 EXTRAVIO DE CARGAS Outro fator relacionado a custos e à rotatividade de clientes é o extravio de cargas nos processos de entrega e coleta,
parcerias com empresas de transportes aéreos de cargas com o objetivo de proporcionar alternativas ágeis como soluções na opção de entrega expressa para seus clientes.
que refletem na confiabilidade de clientes da marca. O extravio de cargas acontece quando há falhas nos trabalhos a serem
10 CARTÃO FIDELIDADE
executados. Pode ocorrer por meio do manejo indevido dentro
O programa de fidelização pode ser considerado mais um
e fora do centro de distribuição, o que ocasiona a perda da mer-
recurso promocional para atrair novos clientes, sendo também
cadoria, a quebra de produto, o extravio da carga no trajeto e até
uma ferramenta importante que possibilita identificar o nível de
a violação das caixas por colaboradores que se beneficiam da
fidelidade dos clientes e os responsáveis pelo consumo dos ser-
facilidade de acesso à mercadoria.
viços de maior valor agregado e pelo maior faturamento da em-
A solução proposta, com o objetivo de minimizar o prejuízo
presa. Além disso, é considerada uma estratégia para retenção
que afeta diretamente os custos, inicia-se com a integração do
do cliente. Um dos mecanismos usados são os descontos orien-
setor de recursos humanos, por meio dos processos de recru-
tados para fidelização dos serviços das empresas, permitindo
tamento, seleção e treinamento. Posteriormente a isso, a apli-
direcionar o cliente a ser fiel ao produto da empresa.
cação nos processos de manuseio das mercadorias, da ferra-
Segundo Bertaglia, (2003, p. 258), “a importância do cupom
menta do ciclo PDCA, (Plan, Do, Check, Act), que estabelecem
nesse processo é que ele direciona consumidores a ser mais
procedimentos direcionados diretamente ao controle de entrada
fiel ao produto, uma vez que ao comprar certa quantidade, no
e saída de mercadorias, utilizando fitas adesivas com logomarca
final, ele receberá um brinde ou desconto” [sic]. Assim como
da empresa para lacrar as embalagens, rádio frequência para
o cupom, o cartão fidelidade é o vínculo de relacionamento,
todos os envolvidos no processo, treinamentos aos colaborado-
desenvolvido pela área do marketing, visando retribuir a prefe-
res para a execução das tarefas de maneira segura e confiável e
rência dos clientes nos produtos da empresa. São oferecidos
responsabilidades aos encarregados pelo transporte.
descontos exclusivos, acumulações de pontos que poderão ser
Assim, o resultado esperado é a segurança das cargas e o
revertidos em descontos nas próximas compras e outras van-
aperfeiçoamento dos processos de prestação de serviços que
tagens. Para que essa estratégia atue de forma positiva para a
farão com que os custos operacionais com as indenizações
empresa, é necessário mensurar as melhorias alcançadas nos
ocasionadas por avarias ou extravios das mercadorias possam
resultados a partir da sua implantação.
reduzir significativamente. Dessa forma, otimizar a confiabilidade e a conquista de novos clientes.
Dessa forma, o estudo deverá ser elaborado previamente para diagnosticar todos os custos e receitas para que haja o sucesso esperado nos programas promocionais da empresa, e o
9 PARTICIPAÇÃO/INTEGRAÇÃO DO AEROPORTO INDÚSTRIA Aliando as expectativas de crescimento de mercado propostas no estudo, a implementação do aeroporto indústria de Confins/MG surge como sugestão para a empresa alcançar o seu objetivo no menor período de tempo. Trará ganhos importantes para a empresa com o crescimento na participação do mercado mineiro de transporte de cargas fracionadas. Segundo pesquisas publicadas pela Infraero9, com informações de movimentação de cargas por aeroporto em toneladas relacionadas no período de janeiro, fevereiro e março de 2012, observa-se que há uma crescente demanda dos volumes de cargas no aeroporto de Confins. Após a implantação de todas as ações sugeridas no estudo, a empresa poderá maximizar o seu objetivo por meio de
uso do cartão de fidelidade possibilita bons resultados atrelado ao melhoramento da competitividade e à retenção dos atuais seguidores da marca, além do aumento de vendas e da adesão de novos clientes, justificados pelas vantagens promocionais oferecidas pela compra do produto. A sugestão é estabelecer um programa de pontuação que será atribuída à quilometragem total contratada até o destino final de cada carga. Para cada um quilômetro rodado, será bonificado um ponto para o cliente. Portanto, a empresa terá condições de mensurar a pontuação total de cada cliente, analisar, formular e distribuir, a partir daí, um mecanismo de desconto previamente estabelecido para próxima contratação do frete, a ser resgatado pelo contratante dentro de um período de tempo conveniente para empresa.
46 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
CONCLUSÃO
NOTAS
O conteúdo do estudo foi desenvolvido visando consoli-
4
dar e permitir o crescimento de mercado de uma empresa de transporte de carga. A justificativa para ele foi que, atualmente, as ações empreendedoras no setor de transportes rodoviários fomentam um dos setores mais importantes da economia brasileira. Sendo assim, o objetivo do trabalho foi diagnosticar por meio da ferramenta gerencial Diagrama de Ishikawa as potenciais causas ofensoras que interferem direta e indiretamente no resultado de crescimento de mercado da empresa estudada. Após a análise das causas e seus efeitos, pode-se concluir que todas elas estão interagindo e impedindo conjuntamente a meta almejada, ressaltando que o grau de intensidade das
Prof. Alexandre Gomes, http://pt.scribd.com/doc/19750932/Diagrama-de-Pareto Disponível em: http://www.administradores.com.br/informe-se/artigos/ por-que-investir-em-padronizacao-de-processos/63356/
5
6 http://www.desenvolvimento.mg.gov.br/pt/noticias/422-governo-assina-convenio-para-instalar-aeroporto-industrial Acesso 21/04/12.
Ciclo de derming - PDCA- Método de Controle de processos. Campos Falconi Vicente, Gerenciamento pelas diretrizes (2004, p. 240)
7
Redução dos custos opercionais. Disponível em: http://www.jmdois.com.br/home/an_txt19.htm
8
causas varia de uma para outra. Portanto, é necessário introduzir ações empreendedoras que retifiquem os processos das áreas de comunicação, de custos, de gestão de processos e de análise e planejamento de processos visando a um plano de
http://www.infraero.gov.br/index.php/br/movimentacao-das-cargas/ movimentacao-das-cargas-por-aeroporto-em-tonelagem.html Acesso em 22/04/12.
9
ação cujo resultado esperado é otimizar a qualidade dos processos na organização. Porém, percebe-se que a propositura das ações corretivas necessita da integração e da orientação de todos os colaboradores em prol do objetivo empresarial, pois
REFERÊNCIAS BERNARDI, Luiz Antonio. Manual de Empreendedorismo e Gestão. São Paulo: Editora Atlas, 2010.
isoladamente, elas não surtirão o efeito desejado. Dessa forma, o desenvolvimento das medidas sugeridas no estudo visa atacar ou minimizar as causas e suas consequências. O intuito da aplicação do estudo é prover a empresa de ferramentas e informações gerenciais que possibilitem aos empreendedores atingirem a meta. Para isso, há necessidade
BERTAGLIA, Paulo Roberto. Logística e gerenciamento da cadeia de abastecimento. São Paulo: Editora Saraiva, 2003. BRASIL ACADÊMICO: Princípio de Pareto. Disponivel em: <http://pt.scribd.com/doc/19750932/Diagrama-de-Pareto>Acesso em: 03/04/2012.
de se redefinirem alguns processos internos, melhorar a comunicação, reter os clientes atuais e, sobretudo, atrair novos clientes. Além disso, o estudo faz sugestão para a empresa inovar o seu empreendedorismo e minimizar o tempo de consumação da meta de crescimento do mercado, promovendo a expansão do negócio da empresa por meio da adesão ao projeto do Aeroporto Indústria de Confins/MG. e a adoção do programa do cartão fidelidade. Assim, conclui-se que a aplicação prática da ferramenta gerencial aumenta a qualidade, a eficiência e a otimização na prestação dos serviços. Além disso, reduz os custos ao alcançar em menos tempo uma produtividade mais eficiente e eficaz. Dessa forma, a ênfase no aperfeiçoamento contínuo da qualidade nos processos de transporte de cargas é importante para promover
CAMPOS, Falconi Vicente. Gerenciamento pelas diretrizes. Belo Horizonte: Editora INDG Tecnologia e serviços Ltda, 2004. DRUCKER, Peter Ferdinand. Introdução à Administração. São Paulo: Editora Pioneira, 2005. GOVERNO DE MINAS: - Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico. Disponivel em: <http://www.desenvolvimento.mg.gov.br/ pt/noticias/422-governo-assina-convenio-para-instalar-aeroporto-industrial> Acesso 21/04/12.
INFRAERO AEROPORTOS: Movimentação de cargas por aeroporto em toneladas. Disponivel em: <http://www.infraero.gov.br/index.php/ br/movimentacao-das-cargas/movimentacao-das-cargas-por-aeroporto-em-tonelagem.html> Acesso em 22/04/12.
a retenção, a conquista e a satisfação dos clientes por meio da confiabilidade na marca e, assim, atingir o crescimento de mercado desejado.
JM CONSULTORIA E TREINAMENTO: Como Ir Além das Medidas Óbvias de Cortes de Custos. Disponivel em: <http://www.jmdois. com.br/home/an_txt19.htm> Acesso 25/04/2012.
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 47
MARTINS, Eliseu. Contabilidade de Custos. 10ª edição. São Paulo: Editora Atlas, 2010. REBOUÇAS, Djalma de P. Oliveira. Sistemas de informações gerenciais. São Paulo: Editora Atlas, 2011. REBOUÇAS, Djalma de P. Oliveira. Sistemas, Organização e Métodos. São Paulo: Editora Atlas, 2004. TRANSLOVATO: Nosso destino é servir melhor você. Disponivel em ,http://www.translovato.com.br/site_padrao/historia> Acesso em 28/03/2012. ADMINISTRADORES PORTAL DA ADMINISTRAÇÃO: Por que investir em padronização de processos. Disponivel em: <http://www.administradores.com.br/informe-se/artigos/ por-que-investir-em-padronizacao-de-processos/63356/ >Acesso em 25/04/12. VALOR ECONÔMICO: Custo de logistíca no país atinge 10,6% do PIB. Disponivel em: <http://www.valor.com.br/empresas/1004614/custo-de-logistica-no-pais-atinge-106-do-pib> Acesso em 01/05/12. IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística: Contas Nacionais Trimestrais-Indicadores de Volume e Valores Correntes. Disponivel em: <http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza. php?id_noticia=2093&id_pagina=1&titulo=Em-2011,-PIB-cresce-2,7%-e-totaliza-R$-4,143-trilhoes> Acesso em 01/05/12.
Notas de rodapé 1 Alunos do Curso de Administração de Empresas no Centro Universitário Newton Paiva. 2 Professor Tutor: Especialista, leciona a disciplina Análise e Gestão de Processos para o Curso de Administração de Empresas. 3 Professora Orientadora: Doutora, leciona a disciplina Comunicação e Redação Empresarial para o Curso de Administração de Empresas. lailahamdan.prof@newtonpaiva.br 2 Professor 3 Professora lailahamdan.prof@newtonpaiva.br
48 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
GESTÃO EMPREENDEDORA: análise de uma empresa de transporte coletivo em Belo Horizonte Alexandre Afonso Pereira de Paula Filipe Mesquita de Lima Venâncio Júlio César Costa Vicente Samira Lima Viana1 Helbert José de Goes2 Laila Hamdan3
RESUMO: Empreendedor é o indivíduo que assume riscos calculados, planejador, que detecta oportunidades, persistente, sociável, inovador e líder. O setor de prestação de serviços merece uma atenção especial quando se fala de empreendedor e empreendedorismo. O presente estudo é uma pesquisa exploratória, em uma empresa de transporte público em Belo Horizonte. Foi realizada em quatro etapas: revisão bibliográfica; visita informal à empresa; elaboração do Diagrama de Ishikawa; apresentação das possíveis intervenções nos problemas. E, como propostas, destacam-se o planejamento de metas individuais e coletivas, avaliação de desempenho, o feedback e o aprendizado estratégicos como formas de gerenciamento dos recursos humanos e ferramenta para o crescimento da empresa. Palavras-chave: Empreendedorismo. Transporte público. Recursos humanos.
1 INTRODUÇÃO
volvimento de uma vantagem competitiva sustentável, ou seja,
A percepção da importância do empreendedorismo para
algo que o cliente perceba como um diferencial entre o produto/
o desenvolvimento econômico e social tem provocado o surgi-
serviço de uma empresa e o da concorrência (SILVA; LOPES;
mento de muitas pesquisas na área. De uma maneira geral, o
URBANAVICIUS JUNIOR, 2011). Para sobreviver nesse novo
campo do empreendedorismo envolve o estudo de fontes de
mercado, é necessária uma gestão empreendedora.
oportunidades, o processo de descoberta, evolução e explora-
Dentre o setor de serviços no Brasil, destaca-se o de trans-
ção de oportunidades; e o conjunto de indivíduos que desco-
porte coletivo urbano, o principal meio de transporte público,
brem, evoluem e exploram-nas (MARTINS; FREITAS; BOISSIN,
utilizado pelas pessoas nos seus deslocamentos para a realiza-
2010 apud SHANE; VENKATARAMAN, 2000).
ção de suas atividades diárias cotidianas, incluindo trabalho, es-
Diversos autores, entre eles Souza (2011), Machado et. al
cola, compras, lazer, entre outros. (COUTO; BARRA; OLIVEIRA,
(2010) apud Filion (2010) e Filion (2000), citam que o conceito
2010). Dessa forma, a proposta do presente trabalho foi aplicar
de empreendedorismo se confunde com o de empreendedor.
o Diagrama de Ishikawa, como ferramenta de gestão, em em-
Sendo assim, o fenômeno empreender está diretamente ligado
presa de transporte público de Belo Horizonte, com o intuito de
ao papel e ao conceito de empreendedor. O empreendedor para
visualizar e corrigir falhas na gestão, gerenciar os recursos hu-
esses autores é:
manos e propor ações de melhorias.
a) o indivíduo autoeficaz que assume riscos calculados, pla-
Esse estudo apresenta-se relevante quando se pensa nos
nejador, que detecta oportunidades, persistente, sociável, inova-
benefícios para a empresa em questão, como aumentar a qua-
dor e líder (SOUZA, 2011); O indivíduo que em uma visão ampla
lidade do serviço prestado, na satisfação da clientela e dos co-
da realidade e busca sempre a inovação com base na aprendi-
laboradores. Outro aspecto relevante diz respeito aos usuários
zagem contínua (MACHADO et. AL (2010) apud FILON (1999));
do transporte público que só têm a ganhar com uma gestão em-
b) indivíduo tenaz, que faz bom uso dos recursos, imagi-
preendedora voltada para a melhoria do acesso a um transporte
nativo, voltado para os resultados, com capacidade de tolerar
com qualidade, conforto, velocidade associada à segurança e
ambiguidades e incertezas (FILION, 2000).
comodidade.
Diante dessas considerações, sobre o empreendedor e o empreendedorismo, Silva; Lopes; Urbanavicius Junior (2011) destacam o setor de serviços. De acordo com os autores, esse setor vem ganhando importância cada vez maior, paralelamente à globalização das economias e exige das empresas o desen-
2 METODOLOGIA Metodologia é o caminho do pensamento e a prática exercida na abordagem da realidade. Entende-se por pesquisa a
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 49
atividade básica da Ciência na sua indagação e construção da
dor, empreendedorismo e transporte público. Na segunda eta-
realidade. É a pesquisa que alimenta a atividade de ensino e a
pa, após a realização da leitura dos artigos e fundamentação
atualiza frente à realidade do mundo (MINAYO, 1994). A pesqui-
teórica, foi realizada uma visita informal na empresa pesquisada,
sa exploratória por sua vez, de acordo com Cervo; Bervian; Da
guiada pelo gerente de transporte. De acordo com ele, a em-
Silva (2009), realiza descrições precisas de uma situação e quer
presa apresenta poucos problemas gerenciais e administrativos,
descobrir as relações existentes entre seus elementos compo-
porém o que merece destaque diz respeito ao gerenciamento de
nentes. Ainda de acordo com os autores, esse tipo de pesquisa
recursos humanos, como exemplos, o absenteísmo, gerencia-
requer um planejamento flexível para possibilitar a considera-
mento de atrasos e a comunicação entre gerencias e colabora-
ção dos mais diversos aspectos de um problema ou de uma
dores já que se trata de uma empresa grande porte.
situação. Baseando-se nesses dois conceitos, foi realizada, no
Na terceira etapa, foi elaborado o Diagrama de Ishika-
presente estudo, uma pesquisa exploratória em uma empresa
wa, também conhecido como Diagrama de Espinha de Peixe
de transporte público localizada em Belo Horizonte aqui deno-
ou diagrama de causa e efeito. Ele é um instrumento gráfico
minada na Empresa Transportes e Turismo Ltda. (denominação
desenvolvido por Kaoru Ishikawa em 1943, para identificar,
fictícia por questões de segurança).
organizar e apresentar de modo estruturado as causas de di-
A pesquisa foi realizada em quatro etapas. Na primeira eta-
versos problemas, ou seja, apresentar claramente as várias
pa, foi realizada uma revisão bibliográfica em jornais e revistas
causas que afetam o processo (SILVA; LOPES; URBANAVI-
específicos do ramo de transporte público e em artigos indexa-
CIUS JUNIOR, 2011).
dos no Portal de Periódico do CAPES, disponível no endereço
Na quarta e última etapa, foram apresentadas as possíveis
eletrônico http://www.periodicos.capes.gov.br/. Para a busca
intervenções nos problemas que afetam a empresa. A Figura 01,
dos artigos, foram utilizados os seguintes termos: empreende-
abaixo, demonstra o processo metodológico.
3 REFERENCIAL TEÓRICO
localizada em uma cidade da região metropolitana de Belo
Morais (2012) afirma que a indústria formada pela presta-
Horizonte. A empresa possui 491 colaboradores, e transporta
ção de serviços em transporte constitui uma profícua alternativa
em média o total de 1.200.000 clientes/mês, com uma frota de
para a geração de empregos e renda, revelando assim a sua
103 veículos distribuídos em oito linhas, sendo uma no siste-
importância na gestão macroeconômica. O autor reforça ainda
ma alimentador bairro/Estação Venda Nova e sete com aten-
que essa indústria é responsável pela geração de empregos in-
dimento semiexpresso, ou seja, bairro/centro e vice-versa.
diretos que vão do gerenciamento e fiscalização do poder pú-
Atualmente, a empresa é classificada como de grande porte
blico até as recapagens dos pneus dos ônibus, a publicidade
tendo em vista o número de colaboradores e uma receita anu-
nos vagões do metrô, as apólices de seguros e, até mesmo, o
al superior a R$ 15.000.000,00 (quinze milhões de reais).
comércio ambulante que se avizinha dos terminais e estações (MORAES, 2012).
Na empresa, a mão de obra direta incluindo fiscais motoristas e cobradores, corresponde a 75,62% da força de trabalho, e a mão de obra indireta, como manobristas, mecânicos
3.1 A Empresa O estudo foi desenvolvido em empresa de transporte
de modo geral e suporte técnico/administrativo corresponde a 24,38%, como pode ser visualizado no gráfico 01, seguinte:
50 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
A empresa foi fundada em 1963, pelo Sr. Oscar, juntamente
se pretendam melhorar.
com os filhos e contava com dois ônibus. Em 1976, foram ad-
Para que fossem realizadas as análises e as discussões
quiridos três veículos. Até então com cinco veículos, realizava
sobre as áreas mais significativas da empresa, o Diagrama Ishi-
transporte de passageiros com origem no Bairro Santa Mônica
kawa foi realizado baseado em quatro eixos: Análise de Custos,
com destino ao centro da Capital e vice-versa.
Análise e Gestão de Processos, Comunicação e Redação Em-
Em 1978, a direção geral passou a ser exercida por um dos
presarial e Planejamento e Controle de Processos. Por fim, foram
filhos do Sr. Oscar e atual presidente da empresa. Em novembro
atribuídas, em todos os eixos, determinadas causas, que serão
de 2008, o sistema de transporte coletivo de Belo Horizonte foi
relatadas por meio do diagrama ilustrado no corpo do referente
licitado, e, através de uma visão empreendedora, os sócios op-
texto. Esses eixos apontam para o problema estudado, ou seja,
taram por concorrer na licitação mudando a razão social.
o Gerenciamento/Gestão de Recursos Humanos por parte da empresa estudada. Chiavenato (2008) afirma que a expressão
4 ANÁLISE DE DADOS
Recursos Humanos refere-se às pessoas que participam das
Silva; Lopes; Urbanavicius Junior (2011), afirmam que o Dia-
organizações e que nelas desempenham determinados papéis.
grama Ishikawa é uma das ferramentas mais eficazes nas ações
O mesmo autor declara ainda que as organizações são consti-
de melhoria e controle de qualidade nas empresas, pois permite
tuídas de pessoas e dependem delas para atingir seus objetivos
visualizar de uma forma simples e organizada as causas que es-
e cumprir suas missões. Segue abaixo o diagrama desenvolvido
tão na origem de qualquer problema ou buscar resultados que
para a empresa.
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 51
4.1 Eixo 1: Análise de custos
assim apresentar como possíveis soluções a essa causa, uma
A Análise de Custos é o uso dos princípios de contabilidade
melhor comunicação na forma de selecionar os funcionários,
geral para registrar os custos de operação de um negócio (GUI-
melhores expectativas, uma forma de medir a mão de obra e um
MARÃES NETO, 2008). O presente estudo focou-se em quatro
eficaz ambiente de trabalho.
causas relativas a esse item. São elas: a) Mão de obra direta e indireta:
b) Rotatividade de pessoal: Chiavenato (2008) afirma que rotatividade de pessoal é ex-
A mão de obra direta (MOD) é o trabalho ligado diretamente
pressa por meio de uma relação percentual entre as admissões
à produção, estimado pelas horas trabalhadas, como exemplo:
e os desligamentos com relação ao número médio de partici-
os motoristas e os agentes de bordo. Em contrapartida, a mão
pantes da organização no decorrer de certo período de tempo.
de obra indireta (MOI) é o trabalho que serve como apoio, esti-
Se mal administrado, gera custos que podem ser evitados du-
mado pelas horas não trabalhadas da mão de obra direta mais
rante a realização do trabalho da empresa, pois, em um cenário
as horas trabalhadas da indireta, como exemplo: os manobris-
de baixas taxas de desemprego, a oportunidade de trabalho em
tas, os mecânicos e o setor administrativo como um todo. Nota-
outras companhias é muito grande, portanto chega a ser um
-se que gera custos se não possuir uma administração eficiente
desafio manter os colaboradores motivados e empenhados na
e obtenção de controle, como a falta do recrutamento adequado
execução de seus serviços.
e qualificação dos empregados e do serviço de apoio. Podendo
c) Planos de benefícios sociais:
52 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
Podem ser considerados como vantagens que as empresas
4.3 Eixo 3: Comunicação e redação empresarial
concedem aos seus funcionários para criar um melhor ambiente
Sobre Comunicação e Redação Empresarial, Medeiros
de trabalho. A empresa possui poucos planos de benefícios, o
(2010) ressalta que as organizações, para sua sobrevivência,
que impossibilita a exploração máxima da produtividade e satis-
estabelecem canais de comunicação que proporcionam rela-
fação dos seus funcionários.
cionamentos agradável, harmonioso e eficaz com o ambiente
d) Apuração dos custos:
e suas partes. O autor relata ainda que etimologicamente, co-
São todos os gastos utilizados para ser prestado o ser-
municação significa tornar comum, trocar opiniões, fazer saber;
viço no momento da sua execução. Devem ter certo controle
implica interação, troca de mensagem. É um processo de parti-
sobre eles, pois, quando são agregados erroneamente, não
cipação de experiências, que modifica a disposição mental das
permitem uma leitura fidedigna da realidade da empresa, o que
partes envolvidas. Sabe-se que, em uma empresa, é importante
leva a decisões erradas e à falta de controle da situação da
a comunicação e descrição empresarial perante os seus partici-
empresa.
pantes. Diante disso, foram descritos quatro fatores abordados na empresa, são eles: a) Planos de incentivo:
4.2 Eixo 2: Análise e gestão de processos Compreende-se que a Análise e Gestão de Processos é o
Os incentivos são uma importante ferramenta que as em-
resultado esperado pela empresa por suas atividades exercidas;
presas contam hoje para atingir seus objetivos. É através desta
análise de curto e longo prazo em processo existente; valores e
que a empresa fica possibilitada de obter uma produtividade
direitos estabelecidos e as suas devidas atividades oferecidas
que condiz com sua necessidade evitando a mão de obra in-
para seus trabalhadores e clientes. Diante do que se prega e o
direta. Além de trabalhar a motivação e o comprometimento do
que desenvolve na empresa, foram abordados quatro elemen-
funcionário com a empresa. b) Comunicação interna e externa:
tos de acepção como: a) Movimentação do pessoal e controle de frequência:
Talvez seja o maior problema que aflige as companhias atu-
É necessário controle sobre a pontualidade e comprometi-
almente. Já que se está na era da comunicação, ela se torna
mentos dos funcionários, portanto, quando não medidos esses
importante para as empresas realizarem seus propósitos com
quesitos, a empresa perde muito com prejuízos invisíveis e, se
eficiência e eficácia. Sendo assim, uma empresa que possui
somados, tornam-se bastante representativos, afetando negati-
uma comunicação falha, com certeza está fadada ao fracasso
vamente os seus resultados.
e esse ponto deve ser trabalhado, independentemente, da situação que se encontra.
b) Normas, manuais e processos: Há a necessidade de se obter um direcionamento para o
d) Relacionamentos entre os níveis hierárquicos:
ganho de desempenho e até mesmo em relação à postura que
Programas para estabelecer um melhor relacionamento entre
o funcionário deve ter na execução do seu trabalho diariamente,
os diferentes níveis da empresa devem ser realizados, visando a
portanto faz-se necessária a implementação de normas, manu-
uma melhor interação entre os níveis hierárquicos, departamentos
ais e procedimentos para auxiliar o funcionário a conseguir dar
e até mesmo para estreitar a relação chefe/subordinado, com o in-
o máximo de si.
tuito de melhorar a sinergia dentre todos envolvidos no processo. e) Socialização organizacional:
c) Previsão e condições dos processos: Sempre deve ser realizada uma avaliação com o intuito de
Chiavenato (2008) afirma que a socialização organizacional
medir os ganhos que estão gerando os processos que atual-
é a maneira pela qual a organização recebe os novos escolhidos
mente são utilizados, visando à melhora da produtividade da
e os integra a sua cultura, o seu contexto, o seu sistema, para
empresa, pois ela tem de estar sempre inovando e sendo dife-
que eles possam comportar-se de maneira adequada às suas
rente para poder oferecer um serviço de qualidade.
expectativas, portanto se vê a necessidade de um bom procedi-
d) Direitos, deveres e valores:
mento de socialização se obter um perfeito alinhamento entre o
Os direitos, deveres e valores da empresa devem ficar cla-
novo funcionário e a empresa.
ros para um melhor entendimento dos propósitos que a empresa se propõe a realizar, para uma melhor sinergia entre a empresa e seus colaboradores.
4.4 Eixo 4: Planejamento e controle de processos Planejamento e Controle de Processos são essenciais para a sobrevivência das organizações e fator crucial para a manuten-
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 53
ção das estratégias competitivas (SERRAVITE; NUNAN, 2010).
REFERÊNCIAS
Sobre esse item, chegou-se à definição de quatros tópicos:
Associação Nacional de Transporte Público – ANTP. Transporte Público: Política Nacional de transporte urbano. 2012. Disponível em: http://hist.antp.org.br/telas/congresso_transito_transporte2. htm#grandes_desafios> acesso em 01 abr. 2012.
a) Estabelecimento de metas individuais e de equipe: Metas estimulam e norteiam os funcionários em prol dos objetivos da empresa. Portanto é importante o trabalho em equipe para um melhor alinhamento organizacional entre o que a empresa espera dos seus funcionários e o que estes oferecem.
CERVO, Amado l.; BERVIAN, Pedro A.; Da SILVA, Roberto. Metodologia cientifica. 6. Ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2007.
b) Avaliação de desempenho: A avaliação de desempenho serve para o funcionário obter informações sobre como está a sua atuação dentro da organização. Estas devem ser executadas a fim de se trabalharem os pontos positivos e negativos do funcionário em questão em conjunto para otimização, bem como os pontos negativos e positivos da instituição. c) Feedback: Por meio de um processo de monitoramento, dar feedback aos funcionários sobre seu comportamento no designo de suas funções é importante para a maximização do desenvolvimento do mesmo. d) Aprendizado estratégico: Realizar treinamentos para melhorar o conhecimento técnico/teórico dos colaboradores em função de uma melhor instrução para realizar suas atividades diárias dentro da empresa. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
CHIAVENATO, Idalberto. Recursos Humanos – O Capital Humano das Organizações. 8. Ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2008. COUTO, Daniel Marx; BARRA, Renata Avelar; OLIVEIRA, Leise Kelli. Busca da eficiência na implantação de sistemas integrados de transporte: a adequação do perfil da frota. Revista dos transportes públicos: Associação Nacional de Transportes Públicos – ANTP, 2010, n. 126. FILION, Louis Jacques. Empreendedorismo e gerenciamento: processos distintos, porém complementares. RAE Ligth, v.7, n.3, p. 2-7, jul./set. 2000. GUIMARÃES NETO, Oscar. Análise de custos. Curitiba: IESDE Brasil S.A, 2008. SERRAVITE, Amilton; NUNAN Carolina. Planejamento e Controle de processos. Centro Universitário Newton Paiva: Minas Gerais, 2010. MACHADO, Francisco Oliveira et. al. A gestão da qualidade e o papel empreendedor: estudo de caso em Caruaru/PE. Revista da Micro e Pequena Empresa: Campo Limpo Paulista, 2010. V.4, n.3, p. 103-120.
O objetivo desse trabalho foi identificar e propor soluções para problemas vividos na empresa foco do estudo para se obter melhor desempenho em todos os processos realizados atualmente. Tais problemas são compreendidos entre quatro focos distintos de estudo, que são Análise de Custos, Análise e Gestão
MEDEIROS, João Bosco. Redação Empresarial. 7. Ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2010. MINAYO, M.C.S. Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. 21ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994, p.34 - 49.
de Processos, Comunicação e Redação Empresarial e Planejamento e Controle de Processos. O primeiro passo foi estudar a empresa para entender melhor como ela funciona atualmente e compreender aonde a mesma quer chegar num futuro próximo. Após esse processo, identificaram-se os problemas que aconteciam na organização sendo em seguida classificados de acordo com sua origem e aplicados ao Diagrama de Ishikawa para melhor organização dos problemas. Após a aplicação do diagrama, foi proposto soluções no que tange melhorar os processos internos e, com isso, obtenção de um melhor ambiente de trabalho e sinergia entre todos os envolvidos. Como propostas, destacam-se os planejamentos de metas individuais e coletivas, avaliação de desempenho, realimentação e os aprendizados estratégicos
MORAES, Antônio Carlos de. A importância macroeconômica da “indústria” do transporte público de passageiros. Revista dos transportes públicos: Associação Nacional de Transportes Públicos – ANTP, 2012, n. 130. PENALTTI, Izidro; ZAGO, José Sebastião; QUELHAS, Oswaldo. Absenteísmo: as consequências na gestão de pessoas. III SEGeT – Simpósio de Excelência em Gestão e Tecnologia, 2006. Disponível em:< http://www.aedb.br/seget/artigos06/898_Seget_Izidro%20Penatti.pdf>. Acesso em 01 abr. 2012. PRÁ MARTENS, Cristina Dai; FREITAS, Henrique; BOISSIN, Jean-Pierre. Orientação empreendedora: revisitando conceitos e aproximando com a internacionalização das organizações. Revista da pequena e microempresa: Campo Limpo Paulista, 2010. V4, n.2. p.112-116.
como formas de melhor gerenciar os recursos humanos e como ferramenta para o crescimento da empresa.
SILVA, Vilma Aparecida Ferreira da; LOPES, Mack-Dowell Ribeiro; URBA-
54 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
NAVICIUS JÚNIOR, Vladas. Aplicação do Diagrama de Ishikawa em uma oficina de reparação automotiva. XIII Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e IX Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba, 2011. Disponível em: http://www. inicepg.univap.br/cd/INIC_2009/anais/arquivos/RE_0598_0196_01.pdf. Acesso em 24 mar. 2012. SOUZA, Jefferson Roberto Menezes de. Metodologia de estímulo à criatividade e inovação no desenvolvimento de empreendedores: uma revisão teórica. Revista Brasileira de Administração Cientifica: Aquidabã, 2011. V.2, n.1, p. 68-86.
NOTAS DE RODAPÉ 1Alunos do quarto período do curso de Administração de Empresas do Centro Universitário Newton Paiva 2 Especialista, professor da disciplina Análise e Gestão de Processos 3 Doutora, professora da disciplina Comunicação e Redação Empresarial. lailahamdan.prof@newtonpaiva.br
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 55
PROFISSIONAL DE SECRETARIADO: competências e habilidades no mundo corporativo JENNIFER CRISTINA D. DO AMARAL1 AMANDA MOTA ENNES BALDAN2 VIVIANE RAIMUNDA BATISTA,3 LORENA REIS DO CARMO4 SABRINA ALZIRA GOMES HELMER5 EDNA PAULA TEIXEIRA DA SILVA,6 MARCOS EUGÊNIO VALE LEÃO7
RESUMO:O mundo das organizações é regido por transformações constantes fazendo com que as competências e habilidades criem uma nova óptica para a competitividade, na qual os verdadeiros diferenciais residem nos seus valores humanos. Na profissão de secretariado a lógica desse mercado persiste, fazendo com que seus profissionais mantenham um desenvolvimento constante de seus conhecimentos e de suas habilidades técnicas e culturais. Atende às exigências desse mercado significa preparar-se para auxiliar e assessorar as esferas estratégicas da organização. A partir destas constatações, serão analisadas as principais competências e habilidades do profissional de secretariado, necessárias a atender as demandas e exigências do mercado. O estudo avalia ainda a percepção das empresas e os pontos-chave de suas contratações, além de analisar o perfil destes profissionais nos dias atuais, seu papel nas posições estratégicas das organizações, e sua influência nos processos decisórios. Palavras - Chave: Competências, Mercado e Perfil.
1. INTRODUÇÃO
o profissional deve dominar, pois seu trabalho exige conheci-
O secretário Executivo obteve grandes conquistas no de-
mento de negócios, autonomia, responsabilidade, habilidade e
correr dos anos. Através de estudos, pode-se observar que ele
controle para certas execuções e tomadas de decisões.
trabalhava somente anotando recados, atendendo telefonemas, organizando arquivos, datilografando, fazendo somente o que o
2. COMPETÊNCIAS E HABILIDADES NAS
chefe ordenava. Hoje, pode-se comprovar que ele assume uma
ORGANIZAÇÕES CONTEMPORÂNEAS
posição independente mostrando qualidade, conhecimento,
O atual contexto organizacional exige que o Profissional de
tem um bom relacionamento interpessoal, sabe delegar respon-
Secretariado tenha competências e habilidades para atender as
sabilidades, é empreendedor, facilitador, consultor e inovador,
demandas do mercado. Perrenoud (1999, p. 15), define compe-
que gera resultados.
tências como ”a capacidade de mobilizar diversos recursos cog-
Portela e Schumacher (2006) completam que, nos últimos tempos, o conceito de secretário mudou claramente: ele pas-
nitivos (saberes, técnicas, saber fazer, atitudes, etc.) para solucionar com pertinência e eficácia uma determinada situação”.
sou agora a ser o assistente, a ponto de conseguir até assumir
Sobre habilidades, conforme Duarte (2000, p. 41) significa
com credibilidade algumas responsabilidades da alta direção
a ”capacidade de realizar uma tarefa ou um conjunto de tarefas
da organização.
em conformidade com determinados padrões exigidos pela or-
Diante da necessidade de aprimorar os conhecimentos,
ganização”. Essa autora menciona que as habilidades envolvem
avaliar o que o mercado de trabalho espera do profissional de
conhecimentos teóricos e aptidões pessoais e se relaciona à
secretariado e saber quais as exigências no momento da con-
aplicação prática desses conhecimentos e aptidões.
tratação, esta pesquisa apresenta a real importância das com-
Baseado no conceito de competências e habilidades per-
petências e habilidades, que são indispensáveis ao profissional
cebe-se que as organizações contemporâneas se mantêm dos
no mundo corporativo.
resultados gerados através de profissionais competentes e ha-
O campo de trabalho do secretariado executivo, no mundo
bilidosos em suas respectivas áreas de atuação. Atualmente,
corporativo, são organizações nacionais, multinacionais, públi-
o profissional de secretariado possui um poder decisório nas
cas ou privadas e as organizações não governamentais. Portan-
organizações, sendo necessário que ele tenha um perfil emba-
to, as técnicas de administração são conceitos principais que
sado em competências e habilidades.
56 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
Segundo Neiva e D’elia8 (2009) o secretário moderno faz a
vo e Tecnólogo em Secretariado, contribuindo para o reconhe-
conexão nesse processo globalizado quando atua como o elo
cimento e valorização da atividade. Já pela Lei 6.192 de 10 de
entre clientes internos e externos, parceiros, fornecedores, ge-
Janeiro de 1996, foi garantido ao profissional o registro exigido
rência informações, administra processos, prepara e organiza o
para o exercício da profissão, sendo o mesmo fornecido pela
”meio de campo” para que soluções e decisões sejam tomadas
SRTE - Superintendência Regional de Trabalho e Emprego do
com qualidade.
Ministério do Trabalho.
Para executar as atuais exigências das organizações, os pro-
O mercado atual segue com novas e enxutas estruturas
fissionais utilizam dos pilares da administração de Fayol� (1916)
organizacionais, que buscam além de profissionais com perfil
sendo eles: planejamento, organização, execução e controle.
técnico qualificado para atender as suas atuais exigências den-
Para Fayol (1916), planejamento consiste em examinar o fu-
tro da regulamentação, profissionais que saibam desenvolver
turo e traçar um plano de ação a médio e longo prazo. Resume-
competências e habilidades que tragam resultados objetivos.
-se que planejar e traçar objetivos futuros, definir os e, paralelo a
Para o melhor desenvolvimento de suas atividades, a secretária
isso, eliminar pontos fracos antecipando soluções para possíveis
baseá-se nos quatro pilares que regem a profissão, sendo eles:
meios e formas para que tenham maiores probabilidade de se-
- Assessor: através da aplicação de técnicas secretariais
rem alcançados, e ameaças. Na profissão de Secretariado, cada
que auxiliam no desenvolvimento rotina, gerando resultados
tarefa realizada precisa ter começo, meio e finalização. Então, a
para executivos e equipes.
secretária planeja sua rotina diária, como viagens, reuniões, relatórios, eventos etc., utilizando o seu tempo da forma mais eficaz. A organização define-se em decisões sobre a divisão de autoridade, responsabilidades e recursos para realizar objeti-
- Gestor: aplicação das competências gerenciais no desenvolvimento e implementação de trabalhos (organização, planejamento, liderança controle e avaliação), agindo com eficiência e eficácia, gerando resultados positivos.
vos, ou seja, a divisão de um todo em partes ordenadas, se-
- Empreendedor: através da criação, promoção e implanta-
guindo algum critério ou principio de classificação. Nessa fase,
ção de soluções que aperfeiçoem o trabalho, tanto no aspecto
cabe à secretária organizar documentos administrativos, como
individual, quanto no coletivo.
arquivo físico e eletrônico, atas, contas, delegar tarefas, dentre outras funções.
- Consultor: através da análise e entendimento da cultura organizacional, identificando pontos críticos e propondo estra-
Direção, coordenação e autogestão são estratégias de exe-
tégias de melhorias. Atributos de um consultor é interatividade,
cução baseados nos processos de planejamento e organização.
proatividade, racionalidade, valores consolidados e compro-
Então, cabe a Secretária utilizar de sua habilidade técnica para
metimento.
executar as tarefas seja delegando funções ou executando-as pessoalmente.
O profissional de secretariado, atualmente, merece maior atenção empresarial, devido seu domínio em conhecimentos em
Controle, Fayol (1916), estabelece padrões e medidas de desempenho que permitam assegurar que as atitudes empre-
administração, gestão de pessoas, recursos humanos, qualidade entre outras alinhadas às competências comportamentais.
gadas são as mais compatíveis com o que a empresa espera.
“A profissão da secretária vem merecendo a atenção
O controle das atividades desenvolvidas permite maximizar a
da área empresarial por se tratar de uma profissão fa-
probabilidade de que tudo ocorra conforme as regras estabele-
cilitadora, que segue os princípios da administração
cidas e ditadas. A secretária que possui certa autonomia dentro
empresarial: tomar decisões, solucionar conflitos e
da empresa controla determinadas atividades, criando normas,
trabalhar em equipe. Separar fatos de opiniões, pensa-
sugerindo mudanças e sugestões, interferindo no clima e na cul-
mentos de sentimentos e aplicá-los, levando em conta
tura organizacional dentro da empresa.
as consequências das ações escolhidas. Desenvolver habilidades de comunicação, como saber ouvir e per-
3. PERFIL PROFISSIONAL DIANTE DA DEMANDA DO MERCADO Regulamentada pela Lei 7.377 de 30 de Setembro de 1985,
guntar, expressar-se de forma oral e escrita corretamente”. (GARCIA, 1999, p. 43).
a função passa a ser oficialmente reconhecida como profissão, inicialmente, por tempo de serviço - 36 meses ininterruptos até
Diante de tudo isso, pode-se delinear que o papel da se-
30/09/1985 ou 10 anos intercalados até 30/09/1985 ou por for-
cretária é de suma importância para o bom andamento empre-
mação específica: Técnico em Secretariado, Secretário Executi-
sarial, ampliando sua área de atuação, devido a necessidade
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 57
de que a mesma, dentro da instituição onde exerce suas fun-
que habilidades e competência são quesitos essenciais, e que
ções, seja uma agente de mudança que tenha uma visão es-
a aplicabilidade equilibrada de ambas gera domínio. Algumas
tratégica e boa comunicação. É necessário também que esta
destacam ainda que esses quesitos são como dons - capaci-
profissional esteja apta a trabalhar em equipe transformando
dade de liderar, mediar conflitos -, que devem ser explorados
”força de trabalho” em resultados rápidos e objetivos, tenha
para aprimorar suas habilidades. Foi destacado também que
visão global e local dos desafios enfrentados pelas empresas
a utilização do CHA (Conhecimento, Habilidade e Atitude), é
com disponibilidade para se tornar uma alavanca impulsiona-
base para qualquer profissional, pois estão interligados e não
dora para tomada de decisões.
havendo a interatividade não haverá atitudes assertivas. Suas principais habilidades e competências, são - visão em comum,
4. ANÁLISE DA PESQUISA
a de terem atitudes calculadas, pensamentos a frente do seu
Para a realização deste trabalho, abordou-se duas vertentes
diretor, a gestão, o planejamento e as tomadas de decisões,
de pesquisa, sendo pesquisa de levantamento, direcionada a 27
como exemplo avaliar menores custos e maiores benefícios -,
empresas de ramos e portes variados. E o Grupo Foco, realizado
realçaram o ponto da ética profissional e sua importância, um
com 10 profissionais em formação, com faixa etária entre 20 a 40
conjunto de virtudes que fluem do superego do profissional as
anos, que trabalham em empresas de médio e grande porte.
quais podemos tirar como exemplos: honestidade, competência, compreensão, otimismo, sigilo, prudência, humildade, res-
4.1 População e amostra
ponsabilidade, trazendo tais práticas benefícios. Na questão
Para coleta de dados, realizou-se pesquisa de grupo foco e
sobre fracasso profissional, percebe-se que a falta de planeja-
aplicou-se questionários em algumas empresas, com intuito de
mento, organização, arrogância, e tratamento com as pessoas,
verificar como está demanda de mercado, bem como a qualifi-
são pontos que devem ser evitados na vida profissional, pes-
cação das secretárias. A pesquisa consistiu em:
soas e social. Perguntadas sobre o perfil exigido no mercado
- Entrevistas com Secretárias em formação - aplicado a dez
atual e avaliação da demanda, em comum foram destacados a
alunas do Centro Newton Paiva variando do segundo ao quarto
proatividade, flexibilidade, autoconfiança, criativa, ou seja carac-
período, da Unidade Carlos Luz, 800;
terísticas do empreendedorismo, e as empresas tem buscado
- Pesquisa aplicada às empresas - avaliação do mercado,
secretárias formadas, profissionais. Mais uma vez, as pesquisas
de diversos nichos, sobre o perfil de suas secretarias, bem como
afirmam que os pilares das secretarias são a essência da profis-
exigências para contratação.
são. Apesar de algumas profissionais terem uma visão míope do mercado, a maioria assume o mercado com o foco, como uma
4.2 Grupo foco com secretárias em formação No dia 18 de abril de 2012, às 19:00, na sala 707 do Centro Universitário Newton Paiva - Unidade 800 - Carlos Luz, rea-
agente de mudança interna que assume a responsabilidade de auxiliar a diretoria e a equipe nas tomadas de decisões com o total controle da situação.
lizou-se a Abordagem de Pesquisa Grupo Foco, com intuito de avaliar a percepção das profissionais de secretariado, sobre à
5. PERCEPÇÃO DAS EMPRESAS SOBRE O
demanda do mercado de trabalho, destacando as suas princi-
PROFISSIONAL DE SECRETARIADO
pais competências e habilidades no mercado de trabalho, as
Através da análise da pesquisa aplicada às empresas, será
participantes são secretarias que estão em formação. O Grupo
demonstrado a percepção das empresas em relação ao profis-
Foco teve a duração de uma hora, com a presença de 10 par-
sional de Secretariado, destacando as demandas, percepções,
ticipantes. No primeiro momento houve as apresentações, en-
perfil, qualificações, estatística salarial entre outros.
fatizando a importância da participação de todas e o sigilo nas informações passadas, e então iniciou-se a abordagem dos as-
5.1 A demanda do mercado quanto à
suntos em pauta. Analisando o perfil das secretárias, faixa etária
contratação do profissional de secretariado
das entrevistada são de 20 a 40 anos, dessas 80% são solteiras
Nas empresas analisadas, constatou-se uma realidade
e sem filhos. O que comprova a busca pela formação e carrei-
oposta do mercado atual, pois verifica-se que apenas 26% das
ra, em primeiro plano, porém afirma que o sonho tornar-se uma
empresas possuem de 0 a 3 vagas disponíveis. Isso ocorre por-
profissional nunca e tarde, e é possível. Quando perguntadas
que 70% das empresas pesquisadas são de micro, pequeno e
sobre habilidades e competências, as participantes destacaram
médio porte, não havendo rotatividade de secretárias, sendo
58 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
que as mesmas costumam trabalhar nas empresas por muitos
Pode-se constatar que, para as empresas entrevistadas,
anos. Porém, embasados em pesquisa de mercado, há vagas
competências e habilidades estão interligadas, são fatores ne-
disponíveis nas empresas de grande porte ou multinacionais.
cessários para um profissional ser completo. Portanto, percebe-se a importância dessas competências
Segue abaixo o gráfico1 que demonstra.
e habilidades para a rotina de trabalho do profissional de secretariado, sendo que proatividade, organização, comunicação e formação técnica são quesitos que as empresas buscam como diferencial no momento da contratação. 5.3 Perfil do profissional em relação as suas Competências e Habilidades O profissional de secretariado atual está adquirindo novo perfil no contexto organizacional, com maior autonomia dentro das empresas, a partir do desenvolvimento de suas competências, dos conhecimentos técnicos específicos e por adquirir
Fonte: Dados das pesquisas realizadas pelas autoras, 2012.
uma visão estratégica para o mundo dos negócios. No entanto, 5.2 Percepção das empresas em relação às Competências e
pode-se perceber pela pesquisa, gráfico 19, que o novo perfil
Habilidades
deste profissional a torna capaz de tomar decisões de grande
Percebe-se que a organização e proatividade são destaca-
importância dentro das organizações.
das como principais habilidades pelas empresas, seguidas de comunicação e o saber lidar com imprevistos e conflitos.
Fonte: Dados das pesquisas realizadas pelas autoras, 2012.
5.4 Qualificações exigida na hora da contratação A pesquisa apontou ainda que os idiomas que as empresas exigem e os que as secretárias dominam é de acordo com o Fonte: Dados das pesquisas realizadas pelas autoras, 2012.
No quesito competência, a formação técnica e domínio da Língua Portuguesa, são fundamentais, o que é comprovando pela seguinte análise:
cargo exercido, ou seja, quanto mais alto seu nível mais idiomas dominam e são exigidos.
Fonte: Dados das pesquisas realizadas pelas autoras, 2012. Fonte: Dados das pesquisas realizadas pelas autoras, 2012.
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 59
além das técnicas pertinentes as suas atividades, conhecimentos específicos em diversas áreas, como economia, política, tecnologias e a busca pela atualização global. Como resultado dessas transformações, observa-se que este tornou-se um agente facilitador de ideias, um mediador de conflitos, capaz de estimular e promover ações empreendedoras. As empresas, por sua vez, ampliaram sua visão em relação a esses profissionais, possibilitando aos mesmos, confiabilidade e credibilidade no mercado, uma vez que, as instituições necessitam cada vez mais, de profissionais de secretariado dispostos a mostrar e a desenvolver suas capacidades intelectuais, com prática, ética, postura e comportamento, assim como desenvolver suas técnicas adquiridas, de forma eficiente e eficaz. Hoje, o profissional tem grande influência nos processos decisórios dentro das organizações, devido à busca incessante pelo conhecimento, pela inovação e pelo aperfeiçoamento das Fonte: Dados das pesquisas realizadas pelas autoras, 2012.
habilidades e competências, tanto técnicas quanto comportamentais, aliada a aplicação de suas experiências desenvolvidas
5.6 Estatística salarial No gráfico nº. 7, constata-se que a maior parte das se-
no mercado, fazendo com que este profissional tenha sempre condições de competir no mundo corporativo.
cretárias possui renda média de R$1.000,00 a R$2.000,00, que em geral são atuantes em empresas de micro, pequeno e médio portes. Comparando com a média salarial de mais de R$5.000,00, são as quais atuam em empresas de grande porte e multinacionais.
7. REFERÊNCIAS D’ELIA, Ednéa Garcia Neiva e Maria Elizabeth Silva. As novas competências do profissional de secretariado - 2. Ed. São Paulo: IOB, 2009. FAYOL, Henri. Administração Industrial e Geral,1916. GARCIA, Elizabete Virag. Muito prazer sou a secretária do senhor... São Caetano do Sul. 1999. Empreendedorismo –Robert Hisrich, 2002, p; 39 GONÇALVES, Melisa D’avila e Sou - Competências e Habilidades: atitudes proativas, 2006. MAXIMIANO, Antonio Amaru. Teoria Geral da Administração: da revolução urbana à revolução digital. Ed. Atlas, 2002, pg. 105.
Fonte: Dados das pesquisas realizadas pelas autoras, 2012.
NARALENSE, Liana. A secretária do Futuro. Rio de Janeiro: Qualitymark, 1998.
6. CONCLUSÃO Constata-se que o perfil do profissional de secretariado sofreu consideráveis mudanças ao longo do tempo, ao passo que
NUNES, Maria Madalena. Araujo, Marcos F. de. A evolução do papel da secretária. São Paulo: Senac, 1994.
já não exercem apenas atividades rotineiras do dia-a-dia de sua profissão. Atualmente, este profissional tem autonomia para a tomada de decisões que interferem no sistema organizacional e, visão holística para se posicionar estrategicamente dentro das organizações. Para atender as exigências desse novo perfil, é necessário que este profissional tenha conhecimento amplo que abrange,
NOTAS DE RODAPÉ 1 Jennifer Cristina das Dores do Amaral. jenniferamarall@gmaill.com. Graduanda de Tecnologia em Secretariado no Centro Universitário Newton Paiva, primeiro período, ano 2012. Palestrante no Seminário Sobre “Competências Secretariais” para o curso técnico de Secretariado - CEFPROSEMG e para a delegação de Moçambique no Centro Universitário Newton Paiva, juntamente com Amanda Baldan, Edina Paula,
60 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
Lorena Reis, Sabrina Helmer e Viviane Batista. Curso Profissionalizante em Secretariado Senai, ano 2003. Auxiliar Administrativa no Sindicato dos Professores de Universidades Federais de Belo Horizonte e Montes Claros - APUBH UFMG - há oito anos, responsável pela assessoria a diretoria e demais departamentos nas questões administrativas e secretariado, organização de eventos de médio e grande porte como: Cerimonial e organização de posse da diretoria, Seminário de Fundação do Instituto de Pesquisas em Educação da America Latina e Caribe IPE ALC . 2 Amanda Mota Ennes Baldan. amanda@bmacapital.com.br. Graduanda de Gestão em Secretariado no Centro Universitário Newton Paiva, secretária executiva na BMA Capital S.A há dois, responsável pela assessoria a diretoria e gerencia nas questões administrativas e pessoais controle de agenda, reuniões e viagens; arquivo físico e eletrônico, elaboração de atas, ofícios,relatórios, tabelas; gestão de contratos e organização de eventos - coffe break, happy hours, coquetéis e confraternizações da diretoria, controle de pagamentos,controle das contas da diretoria, assessoria pessoal a diretoria. Participação do Curso de Capacitação do Profissional de Secretariado SENAC/MG, Palestrante no Seminário Sobre Competências Secretariais para o curso técnico de Secretariado CEFPROSEMG e para a delegação de Moçambique no Centro Universitário Newton Paiva,com Edina Paula, Jennifer Amaral, Lorena Reis, Sabrina Helmer e Viviane Batista. 3Viviane Raimunda Batista . vivianerbds@gmail.com. Graduanda de Gestão em Secretariado no Centro Universitário Newton Paiva no 2º período, secretária escolar há 3 anos no Centro Educacional Silveira Rocha, responsável por atendimento a clientes, cadastramento de alunos, recebimentos de pagamentos, organização de documentos alunos, professores e funcionários, atendimento telefônico, organização de eventos, digitação de declarações, históricos, fichas individuais, bilhetes e outros. Palestrante no Seminário sobre “Competências Secretarias no Centro Universitário Newton Paiva, promovido pelo Curso Técnico de Secretariado e palestrante da Delegação de Moçambique. Participante do Congresso Nacional de Secretariado em 2012. 4 Lorena Reis do Carmo. lorenareis.sec@gmail.com. Graduanda de Gestão em Secretariado no Centro Universitário Newton Paiva, atuou por 3 anos como Secretária Executiva no escritório franco-brasileiro Chenut Oliveira Santiago e há dois meses atua como Secretária de Diretoria e Auxiliar de Secretária da Presidência na Direcional Engenharia S/A - prestando assessoria a executivos e diretores, gerenciando rotinas administrativas, financeiras e responsável pela elaboração de eventos corporativos. Possui nível básico em inglês e intermediário em francês.
Curso de Informática Avançada. Escola Profissionalizante Milênio Informática, 2011. Curso de Eficácia nas Reuniões. Fundação CDL, 2012. Curso de Telefonista Recepcionista. Fundação CDL, 2012. Curso de Técnicas de Negociação. Fundação CDL, 2012. Curso de Departamento Pessoal. Fundação CDL, 2012. Curso de Introdução ao Empreendedorismo. Fundação CDL, 2012. Curso de Ética Empresarial. FGV Online, 2011. Curso de Introdução à Administração Estratégica. FGV Online, 2011. Estagiária em Secretariado na Iniciação Científica do Centro Universitário Newton Paiva. Responsável pela realização de atividades administrativas, tal como atendimento telefônico, atendimento ao público, controle de malotes, controle de agenda, controle e organização de arquivos físicos e eletrônicos, arquivamento de documentação, auxílio na organização dos eventos, auxílio na atualização da página da Iniciação Científica na internet, elaboração de atas de reuniões. 6 Edna Paula Teixeira da Silva. paula-felipe@hotmail.com. Graduanda de Tecnologia em Secretariado no Centro Universitário Newton Paiva, primeiro período, ano 2012. Palestrante no Seminário Sobre Competências Secretariais para o curso técnico de Secretariado do CEFPROSEMG e para a delegação de Moçambique no Centro Universitário Newton Paiva, juntamente com Amanda Baldan, Edina Paula, Lorena Reis, Sabrina Helmer e Viviane Batista. Técnicas de redação e comunicação pessoal no INSTITUTO KUMON 2009. Administrativo Financeiro na DATA BYTE 2009 e Secretariado Técnico Secec Minas 2000. Atualmente Assessora da presidência, na BM Comercio LTDA, desde 2012. Responsável pelo assessoramento presidente e diretor, gestora do departamento comercial e marketing, coordenadora dos processos de análises jurídico do INMETRO, gestão das atividades realizadas pelos menores aprendizes, emissão de documentos nacionais e internacionais, passaporte, vistos e outros documentos necessários para entrada em outros países, reconhecimento de área para visita da diretoria, negociação de preço de produtos, Atendimento interno e externo, desenvolvendo diversas habilidades inerentes à profissão como, gestão de viagens, agendamento de reuniões. Organização de eventos (almoços, coffee break, cursos e congressos). 7 Docente do Centro Universitário Newton Paiva, coordenador da pesquisa. 8 s1 Ednéa Garcia Neiva e Maria Elizabeth Silva D elia. As novas competências do profissional de secretariado 2. Ed. São Paulo: IOB, 2009. 9 2 Henri Fayol, Engenheiro de Minas e administrador (1842-1925). Publicou o livro Administração Industrial e Geral em 1916.
5 Sabrina Alzira Gomes Helmer. sabrinahelmer19@gmail.com. Graduanda em Tecnologia em Secretariado no Centro Universitário Newton Paiva, 2º período, ano 2012. Palestrante no Seminário Sobre Competências Secretariais para o curso técnico de Secretariado CEFPROSEMG e para a delegação de Moçambique no Centro Universitário Newton Paiva, juntamente com Amanda Baldan, Edina Paula, Jennifer Amaral, Lorena Reis e Viviane Batista. Curso Técnico em Secretariado Empresarial. Escola de Educação Profissional Newton Paiva, conclusão em junho 2012. PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 61
O LIXO E A RECICLAGEM COMO INSTRUMENTOS DA CONSCIENTIZAÇÃO E PRESERVAÇÃO AMBIENTAL NA ESCOLA Sérgio Geraldo Torquato de Oliveira1
RESUMO: Os temas lixo e reciclagem compõem o currículo de Ciências e Biologia e a realidade dos alunos. O propósito da Educação Ambiental é contribuir para a formação de consciência e o desenvolvimento de atitudes de preservação do Meio Ambiente. Este trabalho objetiva uma reflexão sobre a questão do lixo e da reciclagem como forma de diálogo sobre os problemas ambientais e conscientização ambiental. A natureza é a fonte de todos os recursos e nos últimos séculos, o modelo de sociedade de consumo acelerou o processo de degradação ambiental. O Lixo e a Reciclagem geram oportunidades de mobilização comunitárias, destacando sempre a relação homem-natureza, para que os alunos se identifiquem como elementos integrantes do Meio Ambiente, reiterando uma das atribuições mais relevantes da escola, seu poder de transformar a comunidade na qual está inserida. Palavras-chave: Lixo, reciclagem, Educação Ambiental.
Introdução
lores sociais, conhecimentos, habilidades e competências vol-
A temática do lixo, reciclagem e conscientização ambiental
tadas para a conservação do meio ambiente (CORREA, 2001).
fazem parte do conteúdo de Ciências e Biologia, e da realida-
A escola tem papel significativo neste contexto devido ao seu
de dos alunos e da sociedade como um todo. A discussão em
poder de influência, e o presente trabalho objetiva uma reflexão
torno das alternativas para a preservação do Meio Ambiente,
sobre a questão do lixo e da reciclagem como forma de diálogo
especialmente nas grandes cidades, ganhou grande enfoque e
sobre os problemas ambientais e promoção da conscientização
aumentou a importância do trabalho de conscientização e edu-
ambiental, promovendo a sensibilização e a compreensão dos
cação ambiental. A questão do lixo vem sendo apontada pelos
componentes e dos mecanismos que regem o sistema natural;
ambientalistas como um dos mais graves problemas ambientais
que permitam o desempenho de um papel ativo na preparação
urbanos da atualidade, a ponto de se tornar objeto de proposi-
e manejo de processos de desenvolvimento, tornando o indiví-
ções técnicas para seu enfrentamento e alvo privilegiado de pro-
duo capaz de avaliar e agir efetivamente no sistema, atuando na
gramas de educação ambiental na escola brasileira (LAYRAR-
construção de uma nova realidade desejada (SANTOS, 2007).
GUES, 2002). A Educação Ambiental tem como propósito contribuir para
A Educação Ambiental
a formação de consciência da população a respeito dos cuida-
Pode-se definir a Educação Ambiental como o conjunto de
dos e proteção ao Meio Ambiente. Apesar da complexidade do
processos por meio dos quais se constroem valores sociais, co-
tema e de muitos programas de educação ambiental na escola
nhecimentos e competências que visam conservação do meio
serem implementados de modo reducionista, já que, em função
ambiente, bem de uso comum, primordial à sadia qualidade de
da reciclagem, desenvolvem apenas a coleta seletiva de lixo, por
vida e sua sustentabilidade (BRASIL, 1999, art. 1º).
exemplo, o trabalho deve se apoiar na reflexão crítica a respei-
A Educação Ambiental conservadora ou tradicional preo-
to dos valores culturais da sociedade consumista e do modo
cupa-se com as ações pautadas na transmissão de conheci-
de produção capitalista, além dos aspectos políticos e econô-
mento e na mudança de comportamento em relação à conser-
micos, usando a reflexão da questão do lixo como instrumento
vação da natureza. A educação, baseada nesta concepção,
de mudança e conscientização frente aos problemas ambientais
considera, predominantemente, os aspectos naturais sem
(DIAS, 2001).
correlacioná-los aos aspectos sociais, culturais etc. Já a Edu-
Desenvolver atitudes, ações de conservação e preservação
cação Ambiental transformadora se preocupa com a mudança
do ambiente natural e pesquisas sobre o assunto é de suma im-
da realidade socioambiental e tem sido defendida por vários
portância. Com isso, o indivíduo e a coletividade constroem va-
teóricos atuais da Educação Ambiental tanto brasileira como
62 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
de outros países (LAYRARGUES, 2002). De acordo com Lima
al., 2005). Normalmente, a poluição do ar e da água se soma
e Oliveira (2011), “a Educação Ambiental crítica é um processo
aos outros tipos de poluição, como a poluição sonora e visual,
educativo eminentemente político, que visa o desenvolvimento
principalmente nos grandes centros urbanos, podendo colocar
nos educandos de uma consciência crítica acerca das institui-
até mesmo a vidas das pessoas em risco (SANTOS, 2004). O
ções, atores e fatores sociais geradores de riscos e respectivos
meio ambiente foi o primeiro a sofrer as conseqüências desta
conflitos socioambientais”.
aceleração na produção e no consumo. Hoje a degradação do
A Pedagogia Histórico-crítica (SAVIANI, 1995), entende o
Meio Ambiente, na forma de contaminação de águas, do ar, dos
homem como síntese de múltiplas determinações e a educação
alimentos e na produção de lixo são as principais causas de
como instrumento de transformação social, propondo instru-
moléstias que afligem a humanidade e a conseqüente piora da
mentalizar os sujeitos sociais para uma prática social transfor-
qualidade de vida. A sociedade humana, especialmente nas áre-
madora. Nesta perspectiva, o ensino e as práticas pedagógicas
as urbanas, vivencia, diariamente, os efeitos do uso abusivo dos
devem proporcionar o acesso aos conhecimentos acumulados
recursos naturais, na medida em que a produção e o consumo
historicamente e formar o aluno cidadão crítico e consciente (FE-
se aceleram e a produção de lixo se transforma num grande
LIX, 2007). Por ser a Educação Ambiental uma atividade formal
problema. Com o desenvolvimento da técnica buscava-se con-
e informal é que a escola precisa se preocupar em promover
forto, saúde e alta qualidade de vida, Ironicamente, essa luta
simultaneamente, o desenvolvimento de conhecimentos, atitu-
desenfreada em busca de uma melhor qualidade de vida foi jus-
des e de habilidades necessárias à preservação e melhoria da
tamente a causa da maior parte dos problemas, seja de saúde
qualidade de vida. O reflexo desse trabalho educacional trans-
ou conforto que vivemos hoje (KUPSTAS, 1997).
cede os muros escolares, atingindo circunvizinhanças e, suces-
A palavra lixo, derivada do termo latim lix, significa cinza
sivamente, a cidade, a região, o país, o continente e o planeta.
(OLIVEIRA; CARVALHO, 2004). Os dicionários de língua portu-
Entende- se, portanto, que a educação ambiental é condição
guesa definem a palavra como sendo coisas inúteis, imprestá-
necessária para modificar um quadro de crescente degradação
veis, velhas, sem valor; aquilo que se varre para tornar limpa
socioambiental, uma ferramenta de mediação necessária entre
uma casa ou uma cidade; entulho; qualquer material produzido
culturas, comportamentos diferenciados e interesses de grupos
pelo homem que perde a utilidade e é descartado. Sabe-se que
sociais para a construção das transformações desejadas, ape-
vários avanços foram realizados para amenizar os problemas
sar de não ser suficiente (JACOBI, 2003).
decorrentes do lixo, como a ordenação da deposição do lixo em áreas monitoradas, como os aterros sanitários, mas sua vida útil é curta, se considerarmos a capacidade de produção dos resí-
A Poluição e a Sociedade de Consumo A natureza é a fonte de todos os recursos que necessitamos para viver. É um patrimônio que possibilita aos seres humanos a manutenção da vida. Nos últimos séculos, um modelo de civilização se impôs, trazendo a industrialização com sua forma de produção e organização do trabalho, levando a necessidade de estimular o consumo. Para dar conta da produção em massa, a economia capitalista teve de criar a sociedade de consumo. À medida que a humanidade aumenta sua capacidade de intervir na natureza para a satisfação de necessidades e desejos crescentes, surgem tensões e conflitos quanto ao uso do espaço e dos recursos em função da tecnologia disponível, poluindo o meio ambiente e iniciando um processo de destruição. (CAVALCANTE; MOITA, 2OO2). Poluição é qualquer alteração das propriedades físicas do meio ambiente causada pela conjugação de fatores antrópicos, admitíveis ou não, que direta ou indiretamente seja nociva à saúde e à segurança, e interfira fundamentalmente nas atividades dos seres vivos e dos elementos da natureza (LACERDA et
duos sólidos pela sociedade moderna. Além disso, o lixo produzido pode ser considerado como recurso jogado literalmente fora (CAVALCANTE; MOITA, 2OO2). Isso facilita o reconhecimento da necessidade da redução, da reutilização e da reciclagem do lixo e o papel de destaque ocupado pela Educação Ambiental nessa perspectiva. Entende-se por Educação Ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade (BRASIL, 1999, art. 1º). Do ponto de vista educacional, o Lixo e a Reciclagem geram oportunidades de mobilização e participação comunitárias, desenvolvendo nos cidadãos uma atitude de responsabilidade e consciência ambiental. As centrais de triagem ou usinas de compostagem podem ser grandes instrumentos para a Educação Ambiental. Essas instalações podem funcionar como grandes laboratórios de Ciências, possibilitando a aprendizagem de conceitos científicos, habilidades e valores relacionados preser-
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 63
vação ambiental (ALENCAR, 2005). Através da conscientização
ção e adequação dos currículos à complexidade e dinamismo
ambiental os alunos receberão os conteúdos de uma maneira
das condições do mundo contemporâneo, desenvolvendo co-
ampla, baseados em promover a sensibilização do educando e
nhecimentos e valores, tais como eles são postulados nos PCN
do educador, visando a compreensão dos componentes e dos
de Meio Ambiente e de Ética é absolutamente imprescindível e
mecanismos que regem o sistema natural; com conhecimentos
priori a capacitação dos responsáveis para a execução dessas
científicos e tecnológicos, bem como as qualidades morais ne-
inovações, no caso, a formação dos professores em Educação
cessárias, que permitam o desempenho de um papel efetivo na
Ambiental e interação da escola (MEDINA, 2001).
preparação e manejo de processos de desenvolvimento, que
De modo geral, as escolas não têm um programa ou plano
sejam compatíveis com a preservação dos processos produti-
de conscientização ambiental com os alunos. Isso fica a cargo
vos e estéticos do meio ambiente; e se capacitando a avaliar
do professor de Ciências e Biologia ou de projetos exteriores à
e agir efetivamente no sistema, atuando na construção de uma
escola, privando, de certa maneira, tais programas de uma de
nova realidade desejada (SANTOS, 2007).
uma orientação adequada, no qual o Projeto Político Pedagó-
Algumas atitudes individuais como recolher o próprio lixo
gico, nesse caso, permeia, registra e fundamenta todo o pro-
usando um saco coletor quando não houver uma lixeira dispo-
cesso, pois para a Educação Ambiental ser entendida como tal
nível, evitar produtos descartáveis, reaproveitar matérias e em-
necessita de uma gestão escolar que lhe seja adequada, cons-
balagens, salvo em casos que se corra risco de algum tipo de
truída nos preceitos da criticidade, que institucionalmente é uma
contaminação ou intoxicação, principalmente as feitas plásticos,
questão de extrema relevância (SILVA, 2009). Pode-se dizer que
um produto relativamente novo, elaborado a partir de derivados
questões como essa se devem a obstáculos como a pouca ex-
do petróleo um recurso natural dificilmente renovável, de difícil
periência democrática e de diálogo, a própria estrutura de nosso
assimilação pelo meio ambiente, cuja diminuição de seu uso
sistema educacional, que articulam diretamente como efeitos do
auxilia também na diminuição emissão de gases na atmosfera
processo histórico do país (GADOTTI, 2000).
contribuem para preservação do meio ambiente (LEMOS, 2008).
Existem heterogeneidades muito significativas das grandes
O uso de papel para rascunhos podem diminuir o volume pro-
regiões do País, conforme dados divulgados de uma pesquisa
duzido de lixo e também a poluição nas ruas, que causa gran-
feita pelo INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Edu-
des transtornos nas cidades quando aliada à chuva, com entu-
cacionais Anísio Teixeira) e pelo MEC (Ministério da Educação
pimentos de bueiros e enchentes. Apesar de pontuais, essas
e Cultura). Práticas como a queima do lixo, por exemplo, são
atitudes são importantes para o desenvolvimento de um senso
largamente utilizados em escolas da Região Norte e Nordeste,
crítico e de responsabilidade. A participação da comunidade
diminuindo gradualmente à medida que se segue em direção à
através de associações de bairro e de movimentos ecológicos
Região Sul, escolas essas nas quais a Educação Ambiental faz
se faz essencial para articular a pressão exercida sobre o gover-
parte da grade curricular. Com base em evidências robustas, as
no em questões ligadas à proteção do ambiente, como a coleta
escolas particulares e federais possuem as melhores práticas no
seletiva de lixo por exemplo. (GEWANDSZNAJDER, 2007).
que diz respeito à destinação do lixo e conscientização ambiental.
Portanto o lixo é considerado uma das grandes preocupa-
As escolas municipais e estaduais são as que mais utilizam as
ções da sociedade moderna. Segundo Correa (2001), é neces-
práticas ambientalmente incorretas. (VEIGA; AMORIM; BLANCO,
sário desenvolver atitudes e ações de conservação e preserva-
2005). A escola é o ambiente mais indicado para implementar a
ção do ambiente natural, na comunidade, demonstrando que
consciência de que o futuro da sociedade depende da relação
a utilização de práticas de proteção ao meio ambiente resulta
estabelecida entre a natureza e a exploração dos recursos na-
no proveito próprio e comunitário, ajudando a desenvolver uma
turais disponíveis. Portanto, mais que informações e conceitos,
postura social e política preocupada e comprometida com a
é necessário que a escola trabalhe com atitudes, formação de
questão da vida na Terra.
valores, habilidades e procedimentos, um grande desafio para
.
a educação. Comportamentos ambientalmente corretos serão
O paradigma da Educação Ambiental e a realidade da escola Quando a proposta é introduzir inovações educativas nas escolas, tal como sucede com a definição das novas diretrizes dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e com os temas transversais de relevante interesse social, buscando a atualiza-
aprendidos na prática cotidiana da escola (MEC, 2000). Percebe-se uma compreensão, mesmo que superficial, por parte dos estudantes, a respeito da contribuição direta ou indireta do lixo para a contaminação do solo, da água, dos alimentos, a proliferação de moscas, baratas, ratos e outros vetores e, por conseguinte, a incidência de zoonoses (ALENCAR, 2005). Os
64 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
estudantes sempre citam o reaproveitamento dos produtos an-
perspectiva que almeje um novo perfil de desenvolvimento, com
tes destes serem jogados no lixo, fato que demonstra a posse
ênfase na sustentabilidade socioambiental (JACOBI, 2003).
de uma escala de valorização dos produtos, considerando que aquilo que é lixo para algumas pessoas pode ser considerado de grande utilidade para outra, e ainda, que a reciclagem possibilita a geração de empregos. Ressalta-se que a valorização e a categorização de um produto como lixo apresenta uma dimensão temporal, já que o resíduo recolhido em um dado momento e que serve para ser vendido constitui-se como um meio de sobrevivência, mas quando esta atividade deixa de existir passa a ser considerado como um produto descartável. De fato, a reciclagem é uma das melhores vias para a resolução dos problemas ambientais, pois, além de contribuir para a diminuição da quantidade de lixo e degradação dos ecossistemas, gera subprodutos e empregos (ALENCAR, 2005). A reflexão promovida pela Educação Ambiental com os alunos deve enfocar a relação direta homem-natureza, pois é de fundamental importância que eles se identifiquem como um elemento integrante deste meio ambiente e não apenas como um mero espectador (GÓIS; LIMA; OBARA, 2007). Um aprendizado socioambiental, baseado no diálogo e na interação em constante processo de recriação e reinterpretação de informações, conceitos e significados, podem se originar em sala de aula e da experiência pessoal do aluno. A escola pode ser um espaço em que o aluno terá condições de analisar a natureza em um contexto entrelaçado de práticas sociais, que compõe uma realidade mais complexa e multifacetada. O maior desafio é evitar a simplificação de que a Educação Ambiental poderá superar uma relação pouco harmoniosa entre os indivíduos e o meio ambiente mediante com atitudes localizadas e pontuais, muitas vezes desfocadas da realidade social de cada aluno (JACOBI, 2003). O propósito é que, se o aluno aprender sobre a dinâmica dos ecossistemas, ele estará mais apto a refletir sobre os problemas ambientais e sociais de sua realidade, visto que só cuidamos, respeitamos e preservamos aquilo que conhecemos e que a ignorância traz uma visão distorcida e alienada da realidade (SENICIATO; CAVASSAN, 2004). Educar ambientalmente e criticamente se relaciona com o enfrentamento de aspectos culturais profundamente enraizados bem como com a necessidade de aprendizagem de novas formas organização e participação política. Tais processos de aprendizagem são possíveis e passíveis de experimentação e reflexão contínuas no ambiente escolar (SILVA, 2009). A produção de conhecimento oriundo da Educação Ambiental deve contemplar as interrelações do meio
Considerações Finais É evidente que a coerência entre os valores pessoais e as atitudes é fundamental. Existem realmente modos de vida locais em que o gasto e desperdício dos recursos naturais são abusivos, merecendo um trabalho pedagógico específico e focalizado em mudanças culturais. Porém, é preciso ir adiante, pensar em outros procedimentos pedagógicos, demonstrando que há níveis de responsabilidade pela escassez muito além da esfera pessoal e de situações particulares. Simultaneamente ao processo de variações de atitudes individuais (mudanças de hábitos e diminuição no desperdício doméstico, lixo, reciclagem e reaproveitamento de materiais e percepção ampliada do uso dos recursos naturais), é preciso atuar pedagogicamente em esferas coletivas e políticas, e gerar ações que revertam a lógica produtiva da sociedade de consumo onde o desenvolvimento está atrelado à degradação ambiental, poluição e exaustão dos recursos naturais. Uma das atribuições mais relevantes da escola é justamente seu poder de influenciar e transformar a comunidade em que está inserida e trabalhando a temática ambiental poderia apresentar um impacto significativo na sociedade, criando canais de comunicação que possibilitem a discussão e reflexão sobre o papel dos cidadãos na preservação meio ambiente. REFERÊNCIAS ALENCAR, Mariléia Muniz Mendes. Reciclagem de lixo numa escola pública do município de Salvador. Candombá Rev. Virtual, v.1, n.2, p.96–113, jul–dez. 2005. BRASIL. Lei n 9.795, de 27 de abril de 1999. Brasília, Diário Oficial, 1999. CAVALCANTE, Márcio Balbino; MOITA, Filomena M.G. da Silva Cordeiro. Educação Ambiental: da Escola à Comunidade. In: I Congresso Brasileiro de Extensão Universitária. João Pessoa/PB, 2002. CORREA, Saionara Escobar de Oliveira. O conhecimento da problemática ambiental do lixo na visão dos alunos de 5a a 8a séries em escolas municipais de Itaqui-RS. Monografia de pós-graduação. Educação. Uruguaiana: PUC RS Campus II, 2001. 54p. DIAS, Genebaldo Freire. A situação da Educação Ambiental no Brasil é fractal. In: Panorama da Educação Ambiental no Ensino Fundamental. Brasília: MEC; SEF, 149 p., 2001.
natural com o social, analisando os determinantes do processo, o papel dos diversos atores envolvidos e as formas de organização social que maximizam o poder das ações alternativas numa
FELIX, Rozeli Aparecida Zanon. Coleta Seletiva em Ambiente Escolar. Rev Eletronica Mestr. Educ. Ambient., v.18, jan-jul. 2007.
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 65
GADOTTI, MOACIR. O Projeto Político – Pedagógico na Escola: na perspectiva de uma educação para a cidadania (2000). Disponível em: http://recife.ifpe.edu.br/Projeto_Politico_Ped_Gadotti.pdf. Acesso em 08 out. 2011.
SANTOS, Elaine Terezinha Azevedo dos. Educação Ambiental na Escola: Conscientização da Necessidade de Proteção da Camada de Ozônio. Santa Maria, 2007. 53p. Monografia de pós-graduação. Universidade Federal de Santa Maria/RS.
GEWANDSZNAJDER, Fernando. O Lixo. In: Ciências: o Planeta Terra. 3ª ed. Ed. Atica. São Paulo: cap.8, p.100-101, 2007.
SANTOS, Fabiano Pereira dos. A questão ambiental na legislação brasileira (2004). Disponível em: <http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php>. Acesso em 02 ago. 2011.
GOIS, Karen Silvério; LIMA, Sandra Aparecida de; OBARA, Ana Tiyomi. Representações ambientais de alunos de uma 5 serie de uma escola estadual do município de Maringá. Periódico Eletrônico. Fórum Ambiental da Alta Paulista, v.3, 2007.
SENICIATO, Tatiana; CAVASSAN, Osmar. Aulas de campo em ambientes naturais e aprendizagem em Ciências: um estudo com alunos do ensino fundamental. Ciência e Educação, v.10, n.1, p.133-147, 2004.
JACOBI, Pedro. Educação ambiental, cidadania e sustentabilidade. Cadernos de Pesquisa, n.118, p.189-205, mar. 2003.
SILVA, Luciana Ferreira da. Educação ambiental crítica e gestão escolar. Pesquisa em Debate, 10 ed., v.6, n.1, jan-jun. 2009.
KUPSTAS, Márcia (orgs.). Ecologia em debate. Ed. Moderna. São Paulo, 128 p., 1997. (Coleção debate na escola)
SULAIMAN, Samia Nascimento. Educação ambiental, sustentabilidade e ciência: o papel da mídia na difusão de conhecimentos científicos. Ciência e Educação, v.17, n.3, p.645-662, 2011.
LACERDA, Adriana Bender Moreira de; MAGNI, Cristiana; MORATA, Thais Catalani et al. Ambiente urbano e percepção da poluição sonora. Ambiente e Sociedade, v.8, n.2, jul-dez. 2005. LAYRARGUES, Philippe Pomier. O cinismo da reciclagem: o significado ideológico da reciclagem da lata de alumínio e suas implicações para a educação ambiental. In:
VEIGA, Alinne; AMORIM, Érica; BLANCO, Maurício. Um retrato da presença da Educação Ambiental no ensino fundamental brasileiro: o percurso de um processo acelerado de expansão. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 23 p. 2005.
NOTA DE RODAPÉ Graduado em Licenciatura Plena em Ciências Biológicas pelo Instituto Superior de Educação Anísio Teixeira / FHA – UEMG. Pós-graduado em Educação Ambiental pelo Instituto IBE/FACEL. Contato: sergiogtoliveira@hotmail.com
1
LOUREIRO, C.F.B., LAYRARGUES, P.P. & CASTRO, R. de S. (Orgs.) Educação ambiental: repensando o espaço da cidadania. Cortez. São Paulo: p.179-219, 2002. LEMOS, Geraldo. Lixo: problemas e soluções (2008). Disponível em: <http://www.scribd.com/doc/2860412/O-lixo-problemas-e-solucoes>. Acesso em: 31 ago. 2011 LIMA, Aguinel Messias de; OLIVEIRA, Haydée Torres de. A (re) construção dos conceitos de natureza, meio ambiente e educação ambiental por professores de duas escolas públicas. Ciência e Educação, v.17, n.2, p.321-337, 2011. MEC. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: meio ambiente e saúde. 2.ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. MEDINA, Naná Mininni. A formação dos professores em Educação Ambiental. In: Panorama da Educação Ambiental no Ensino Fundamental. Brasília: MEC; SEF, 149 p., 2001. OLIVEIRA, Maria Vendramini Castrignano; CARVALHO, Anésio Rodrigues de. Princípios básicos do saneamento do meio. 4. ed. Ed. Senac. São Paulo, 2004. SAVIANI, Demerval. Pedagogia histórico-crítica: primeira aproximações. 5 ed. Ed. Autores Associados. São Paulo, 2005.
66 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
A INCOMPATIBILIDADE DA INCIDÊNCIA DA MULTA DO ARTIGO 475-J DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL EM SEDE DE EXECUÇÃO PROVISÓRIA: reflexão doutrinária e jurisprudencial Bernardo Câmara1 Alexandre Varela de Oliveira2
RESUMO: O presente artigo versa sobre a ruptura do modelo adotado anteriormente pelo Código de Processo Civil (CPJ), qual seja a autonomia do processo de execução, em face do Sincretismo Processual, mais particularmente com a instituição do art. 475-J do CPC com a edição da Lei 11.232/05. A relevância deste estudo se deve a divergência tanto doutrinária, quanto jurisprudencial, na aplicação do referido dispositivo em execução provisória. Diante deste contexto, objetivo principal deste trabalho é demonstrar a inaplicabilidade da multa do artigo 475-J do CPC em sede da referida atividade executiva, por contrariar a lógica do sistema processual. Palavras-chave: Processo Civil. Execução provisória. Multa do artigo 475-J do Código de Processo Civil.
do esse um dos pontos a ser demonstrado no presente trabalho.
1. INTRODUÇÃO O artigo 475-J do Código de Processo Civil regulamenta a
A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça firmou po-
aplicação de multa no percentual de 10% sobre o valor da con-
sicionamento sobre à inaplicabilidade do referido dispositivo em
denação, caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia
execução provisória, entendendo ser sua exigência uma afronta
certa, ou já fixada em liquidação, não cumpri-la dentro do prazo
ao sistema constitucional processual. Ressalta-se que o reco-
legal de 15 (quinze) dias.
nhecimento de sua inaplicabilidade não se deu de forma unâ-
O referido dispositivo foi introduzido pela Lei 11.232/05 que, dentro de suas muitas alterações na busca por uma maior efetividade e celeridade na prestação da atividade jurisdicional, findou com a ruptura da autonomia do processo de execução
nime, demonstrando que o tema ainda continuará controverso. Sendo assim, a referida questão precisa ser completamente examinada. É que se propõe com este estudo.
fundado em título executivo judicial, iniciada em 1994 com a Lei 8.952 (cumprimento de sentença das obrigações de fazer e não
2. EXECUÇÃO PROVISÓRIA
fazer e reforçada em 2002, com a Lei 10.444 (cumprimento de sentença da obrigação de entregar) além de dar maior efetividade e celeridade à prestação jurisdicional. Após a introdução do artigo 475-J em nosso ordenamento jurídico, vários foram os temas debatidos acerca do dispositivo, dentre eles a possibilidade da aplicação da multa em sede de execução provisória. Entretanto, duvidas não restam de que o legislador, ao instituir a multa prevista no artigo supracitado, fazia referência à execução definitiva, uma vez que o título executado já se encontra estável, ou seja, não é mais passível de posterior modificação, podendo ser o devedor compelido e até mesmo punido pelo não adimplemento voluntário da obrigação. Entrementes, tanto a doutrina, quanto a jurisprudência, dividiram-se sobre sua aplicabilidade em execução provisória, sen-
2.1. Breves comentários sobre a atividade executiva: do processo sincrético e a diferença entre execução provisória e execução definitiva 2.1.1. Da autonomia plena da execução ao sincretismo processual com autonomia relativa A atividade executiva da obrigação de pagar consiste no “instrumento processual posto à disposição do credor para exigir o adimplemento forçado da obrigação através da retirada de bens do patrimônio do devedor ou responsável (no modelo de execução por quantia certa contra devedor solvente), suficientes para a plena satisfação do exeqüente, operando-se no benefício desde e independente da vontade do executado – conforme entendimento doutrinário unânime”. (FILHO, 2010.p. 221)
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 67
Extrai-se deste conceito, que sua finalidade é permitir a realização do comando concreto do direito objetivo, através da invasão do patrimônio do devedor sem ou contra a sua aquies-
trato, uma vez que independe da existência do direito afirmado pelo credor. Neste sentido doutrina Alexandre Freitas Câmara:
cência, através da atividade do Estado, com o intuito de satisfa-
Não pense com isso que a “a ação de execução” é
zer o direito de crédito do exeqüente.
concreta (ou seja, que ela só existe quando existe tam-
Cabe ressaltar que a atividade em comento tem natureza ju-
bém o direito substancial). A “ação de execução” é,
risdicional, haja vista que o Estado substitui a atividade das par-
também, abstrata, e sua existência independe do di-
tes, fazendo atuar o comando normativo, satisfazendo o direito
reito material afirmado pelo demandante. Ocorre que,
substancial através da realização do direito de crédito existente
por sua própria finalidade, a execução forçada é toda
segundo o direito material.
estruturada tendo em vista a realização do direito afir-
Ademais, a referida atividade não é formada apenas por
mado pelo demandante e , no caso de tal posição jurí-
atos de subrogação, embora sejam estes os mais utilizados, ha-
dica de vantagem não existir, o desfecho da execução
vendo também atos coercitivos.
forçada não será aquele para o qual a mesma se di-
Alexandre Freitas Câmara doutrina: Os meios executivos se caracterizam por serem meios
recionou. Será, pois, desfecho anômalo do processo. (CÂMARA, 2009, pg. 144)
de sub-rogação, ou seja, meios pelos quais o Estado-juiz substitui a atividade do executado, atuando até
Luiz Fux também leciona:
mesmo contra sua vontade, invadindo seu patrimônio e
A peculiaridade consiste em que, no processo de co-
realizando concretamente o direito substancial do cre-
nhecimento, enquanto pende a relação processual, não
dor. Assim, por exemplo, a penhora de bens, a expro-
se sabe quem tem razão e, por isso, não é lícito praticar
priação em hasta pública.
atos de satisfação em proveito de qualquer das partes.
Há, porém, meios de coerção, utilizados precipuamen-
Na execução, a exibição preambular do título executi-
te na execução de obrigação de fazer e de não fazer
vo faz pressupor que o exequente tenha razão, fato que
os quais, embora não tenham natureza executiva, são
pode ser infirmado posteriormente. (...)
utilizados dentro da fase executiva de um processo ou
Em fase desta ótica, quando se impõe como “condições
durante o processo de execução. Assim, por exemplo,
para agir sob a forma executiva” o “inadimplemento do
as astreintes (multas diárias pelo atraso no cumprimento
devedor”, o que se afirma é que, “abstratamente”, há
de obrigação de fazer ou não fazer) e a prisão civil do
uma obrigação consubstanciada em documento hábil e
devedor de alimentos.” (CÂMARA, 2009, 143).
um estado de insatisfação do direito. Não obstante, tudo isso pode ser impugnado por iniciativa do devedor. O
Sendo assim, pode-se concluir que a atividade executiva não só se constitui de atos de subrogação, cuja finalidade seja a satisfação do direito material do demandante, através do próprio Estado, mas, também de atos de coerção, quer permitem coagir o devedor ao cumprimento forçado da obrigação. Diferentemente do processo de cognição, a execução apenas atingirá o seu fim quando o resultado for à satisfação da obrigação inadimplida pelo executado, tratando-se aqui do princípio do desfecho único1, que corresponde à satisfação do direito do credor. Entretanto, caso a execução não atinja seu fim pretendido, o desfecho será considerado anômalo à finalidade da
credor, diante do preenchimento desses “pressupostos executivos”, como os denomina a lei, pode iniciar a execução, sem excluir a possibilidade de o devedor a ela se opor a via de impugnação (em se tratando de título judicial) ou de embargos (em se tratando de título extrajudicial) – ou, ainda, de exceções de pré-executividade nos próprios autos da execução. Inicia-se, assim, a execução sem antes saber das razões do devedor, revelando o caráter abstrato da ação executiva, tanto mais que não é correto afirmar-se que quem tem título executivo
tem, previamente assegurada, a satisfação integral do crédito que afirma. (FUX. 2009. P.17-18)
atividade executiva. Assim sendo, não se pode afirmar que a atividade executiva
Lado outro, é de se destacar que largas discussões já foram
é apenas concreta, ou seja, que apenas existe quando assiste
traçadas sobre a autonomia do processo de execução quando
razão ao exeqüente, mas, também se reveste de caráter abs-
baseado em uma sentença. Não há como se olvidar que a ativi-
68 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
dade executiva, tal como informada no início do CPC de 1973,
dos os meios de expropriação, independentemente de qualquer
ainda sem as reformas na busca pelo sincretismo processual,
oferecimento de garantia do juízo, haja vista que, por se tratar de
prevalecia na regra da autonomia da atividade executiva. Pre-
execução definitiva, não há que se falar em prejuízos pelos quais
valência relativizada com as ondas reformistas na formação do
eventualmente possa o exeqüente vir a se responsabilizar3.
processo sincrético quando a atividade executiva, proveniente
Lado outro, a execução provisória, em regra, se consubs-
de título executivo judicial, passa a ser uma fase satisfativa em
tancia em títulos executivos pendentes de julgamento de recur-
prolongamento do processo de conhecimento (fase cognitiva).
so interposto contra a sentença exeqüenda, que fora recebido
Enfim, o código de Processo Civil de 1973 adotou o modelo da autonomia do processo de execução em relação às sentenças proferidas. Todavia, com a entrada em vigor das Leis
somente em seu efeito devolutivo, bem como preceitua o artigo 475-I, §1º do CPC. Araken de Assis doutrina:
8.952/94 e 10.444/02, instituindo e dando novas redações aos
“Consoante o art. 475-I,§1º, do CPC, é definitiva a exe-
artigos 461 e 461-A do CPC, e ultimada na Lei 11.232/05, para
cução fundada em sentença (rectius: pronunciamento,
a obrigação de pagar, com introdução do art. 475-J, restou por
porquanto acórdãos e decisões se afiguram exeqüíveis
encerrada à busca pelo sincretismo processual.
– retro, 27, 1) transitada em julgado. E, ao revés, a exe-
Desta forma, a atividade executiva passou a ser vista como
cução provisória se origina de sentença impugnada por
uma fase complementar do processo de conhecimento, uma
recurso ao qual não foi atribuído efeito suspensivo. É im-
vez que as duas atividades tanto de cognição quanto de execu-
portante frisar, desde logo, que a Lei 11.232/2005 não
ção se fundiam, transformando-se em um único processo, tendo
alterou profundamente o regime de execução provisó-
como intuito a eficaz e célere prestação jurisdicional.
ria estabelecido com a Lei 10.444/2002”. ASSIS. 2006,
Pelas modificações supra, transformou-se a atividade exe-
pg.293)
cutiva, proveniente de título executivo judicial, em mero prosseguimento do processo em que se proferiu a sentença, haja vista que a execução não mais dependeria de iniciativa da parte, mas se regeria pelo impulso oficial do julgador, que de oficio poderia dar executividade as suas próprias sentenças. Ressalta-se que apesar da ruptura do sistema anteriormente adotado pelo CPC em virtude da edição das Leis supramencionadas, o legislador fez com que os dois modelos, tanto da autonomia do processo de execução, quanto do sincretismo processual, coexistissem, de forma que haverá processos cuja satisfação do direito do credor se dará mediante propositura de ação autônoma de execução (como é o caso da execução do título executivo extrajudicial), bem como a realização de atos de cognição e execução dentro do mesmo processo.
Fredie Didier também doutrina sobre o tema: “Execução definitiva é a execução completa, que vai até a fase final (com entrega do bem da vida) sem exigências adicionais para o credor - exequente.” “Execução provisória (fundada em título provisório) é aquela que embora no atual regramento do CPC possa ir até o final (CPC, art. 475-O), exige alguns requisitos extras para o credor – exeqüente.” (DIDIER JÚNIOR, 2009, pg. 39) Depreende-se que a diferença entre os procedimentos supracitados não mais se encontra na possibilidade de se chegar ao final do procedimento executivo, conforme menciona Fredie
2.1.2. Da diferença entre execução provisória
Didier Júnior, mas, sim, no critério de estabilidade do título em
e execução definitiva O Código de Processo Civil disciplina regras diferentes de execução dependendo da condição de estabilidade do título executivo. Desta feita, a execução poderá ser definitiva ou provisória. A execução definitiva ocorrerá quando o direito do credor, ora exeqüente, estiver acertado, seja em virtude de sentença condenatória transitada em julgado ou por títulos executivos extrajudiciais (art. 475-I, §1º, do CPC)2. Nesse passo, ressalta-se que o exeqüente se valerá de to-
que se funda a atividade executiva. Fredie Didier doutrina (39-40): “No entanto, a diferença substancial entre essas duas espécies de execução, como se vê, não reside mais na possibilidade de chegar-se ou não à fase final do procedimento executivo, com a entrega do objeto da prestação ao credor. Com o advento da Lei Federal n. 10.444/2002, que reformou o art. 588 do CPC (hoje revogado, vindo a ser substituído pelo atual 475-O), a distinção entre essas espécies de execução passou a
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 69
não mais ser feita com base neste critério. Como ago-
Como a execução provisória se baseia em título executivo
ra é possível que, mesmo em execução provisória, se
passível de modificação, far-se-à necessário que se tomem me-
atinja a fase final do procedimento executiva, ainda que
didas para a preservação do interesse do devedor, mediante
sob condições um tanto diferentes, não é possível mais
garantias para eventual reversibilidade, bem como responsabi-
destingi-las com base nisso; ambas podem ser com-
lizando objetivamente o credor/exeqüente por qualquer prática
pletas, pois
de atos processuais que venham a lesar o executado.
“O critério, agora, é a estabilidade do título executivo em
sória, é autorizado pelo legislador, uma vez que o credor tem o
que se funda a execução:se se tratar de decisão acober-
interesse de ver efetivado à decisão que lhe foi favorável, mesmo
tada pela coisa julgada material, a execução é definitiva;
que passível de modificação posterior.
O adiantamento da atividade executiva, via execução provi-
se tratar de decisão judicial ainda passível de alteração
A referida atividade executiva, desenvolver-se-á da mesma
(reforma ou invalidação), em razão da pendência de re-
forma que a definitiva, conforme dispõe o art. 475-O do CPC,
curso contra ela interposto, a que não tenha sido atribu-
mas, levando-se sempre em consideração a estabilidade do títu-
ído efeito suspensivo, a execução é provisória.”(DIDIER
lo, fazendo-se necessário tomar algumas precauções que estão
JÚNIOR, 2009, pgs. 39-40)
previstas nos incisos do artigo supramencionado. O credor deverá requerer a instauração do feito executivo,
Ademais, a execução provisória, em regra, não se difere da definitiva, pois ambas seguirão o mesmo procedimento, conforme disposto no artigo 475-O do CPC, entretanto, cabe salientar que a provisoriedade refere-se ao próprio título a ser executado e não ao procedimento. Ressalta-se ainda que a execução definitiva se processa de forma sincrética, ou seja, é mera fase do processo de conhecimento, não necessitando de processo autônomo, entretanto, em sede de execução provisória, o exeqüente deverá fazer um requerimento para que o juiz competente inicie à atividade executiva, comprometendo-se, em regra, a prestar contracautela, nos casos de levantamento de dinheiro ou de expropriação, bem como se responsabilizar por eventuais danos causados ao executado caso o título sofra modificações em virtude de julgamento do recurso, conforme artigo 475-O, I do CPC. 2.2. As diretrizes necessárias para a execução provisória Conforme mencionado, a execução provisória se distingue da execução definitiva pela estabilidade do título que lastreará o procedimento. Sendo assim, a propositura da execução provisória no ordenamento jurídico brasileiro encontra seu substrato na decisão que foi impugnada mediante recurso recebido apenas em seu efeito devolutivo, conforme dispõe o art. 475-I, § 1ª do CPC. Frisa-se, que em regra, a execução de título executivo extrajudicial é definitiva, mas, serão aplicadas as regras da execução provisória, quando se encontrar pendente de julgamento recurso de apelação recebido no efeito suspensivo que resultou da sentença que negou provimento aos embargos do executado (artigo 587 do CPC).
mediante petição escrita, devidamente instruída, conforme dispõe o art. 475-O, §3º do CPC, sendo apresentado ao juiz, não podendo o mesmo iniciá-la de ofício (iniciativa). O requerimento deverá ser instruído com cópia da sentença ou acórdão exeqüendo, certidão de interposição do recurso não dotado de efeito suspensivo, cópia das procurações outorgados pelas partes, decisão de habilitação, bem como outras peças processuais que o exeqüente considerar necessária. Salienta-se que as referidas cópias não dependerão de autenticação pelo escrivão ou tabelião, sendo suficiente que o advogado do exeqüente as declare autenticas, sob sua responsabilidade, conforme dispõe o artigo 475-O, § 3º do CPC. Ademais, caberá ao credor verificar a viabilidade da execução, analisando, sobretudo, se existem bens penhoráveis, além de considerar a possibilidade do provimento do recurso, que poderá anular ou reformar o título, bem como sua responsabilidade perante os danos suportados pelo executado (a execução correrá por conta, risco e responsabilidade do exeqüente/credor). O requerimento para instauração do feito executivo será autuado em separado, ou seja, em autos apartados, desenvolvendo-se paralelamente ao processo que deu origem a prolação da decisão exeqüenda (provavelmente nos Tribunais). Com o julgamento do recurso pendente, o título executivo provisório poderá sofrer modificações que repercutirão na atividade executiva. Ressalta-se que a iniciativa para fazer cumprir obrigação constante em título judicial não aparado pela res judicata é de pura faculdade do credor, correndo assim, por sua conta e risco, podendo o exeqüente responder objetivamente por eventuais danos que a atividade executiva trouxer para o executado. Assim sendo, ocorrendo à reforma ou anulação do título,
70 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
mediante julgamento do recurso, a execução será declarada
tem por fim acautelar o perigo resultante da demora
sem efeito, regressando às partes ao status quo ante e o exe-
inerente à obtenção de uma decisão definitiva transita-
qüente será responsabilizado por eventuais danos que o execu-
da em julgado. Daí se afirmar que a caução seria uma
tado tiver sofrido (art. 475-O, III do CPC).
cautela da cautela ou uma contracautela”. (DIDIER JÚ-
Caso haja apenas a reforma ou anulação parcial do título,
NIOR, 2009, 200)
a execução ficará sem efeito apenas nessa parte, permanecendo exeqüível e passando a transcorrer em caráter definitivo a parte remanescente. Em caso de confirmação da sentença pelo Tribunal, mantendo o disposto no título, a execução provisória se converterá imediatamente em definitiva.
A caução a ser oferecida pelo exeqüente deverá ser idônea, bem como suficiente para garantir a execução, devendo a mesma ser prestada nos próprios autos, podendo ser ela real ou fidejussória. Por fim insta ressaltar que, em regra, a caução deverá ser
Fredie Didier doutrina: “Operado o trânsito em julgado, a execução, que era provisória, transforma-se, automaticamente, em definitiva. Diante da superveniência do trânsito em julgado, não deve o credor ajuizar outra execução, de forma que passem a existir simultaneamente, uma provisória e outra definitiva. Se isso ocorrer, haverá litispendência, devendo a segunda ser extinta. A execução provisória, com trânsito em julgado do título judicial, transforma-se, automaticamente, em execução definitiva, não sendo necessário qualquer outro ajuizamento da execução.” (DIDIER JÚNIOR, 2009, pg. 197)
prestada para se prosseguir na execução provisória, entretanto, a lei autoriza duas exceções, que se encontram dispostas no art. 475-O§2º, I e II do CPC. 2.3. A execução provisória como técnica de antecipação de resultado final do processo antes do trânsito em julgado Execução provisória é compreendida como a possibilidade de se iniciar atos executivos voltados para a satisfação do direito do credor, quando a sentença condenatória for impugnada por recurso não recebido no efeito suspensivo, sendo esta medida, autorização do Poder Judiciário para que o título provisório surta seus efeitos concretos4.
Assim, em caso de modificação do título, o credor/exeqüente responderá objetivamente pelos danos causados ao devedor/executado. Em razão de sua provisoriedade, a lei exige como contracautela à prestação de uma caução pelo credor/exeqüente, cuja função é garantir eventual prejuízo que o devedor/executado poderá sofrer caso a atividade executiva não tenha seu fim normal. A referida medida será exigida previamente em casos de levantamento de depósito em dinheiro, na prática de atos que importem expropriação, bem como nos atos que se praticados podem lesar o executado, conforme disposto no artigo 475-O, III do CPC. A contracautela não é condição para a instauração do procedimento executivo, mas apenas para que o exeqüente possa iniciar a pratica dos atos descritos supra.
Trata-se de técnica de antecipação do resultado útil do processo, uma vez que haverá a realização concreta da tutela jurisdicional pretendida mesmo que ainda pendente o trânsito em julgado da obrigação imposta. A execução provisória não se assemelha com o instituto da antecipação dos efeitos da tutela, uma vez que na atividade executiva os efeitos do provimento, mesmo não tendo sido alcançado pela coisa julgada, serão realizados, pois seu escopo é a satisfação imediata do direito, mesmo que tenha de ser afirmado em procedimento de execução definitiva. Já na antecipação de tutela, o intuito primordial é antecipar os efeitos da prestação jurisdicional para que possa assegurar a sua efetividade, haja vista que poderá ver sua pretensão reduzida ou até mesmo anulada caso seja deferida apenas no final do procedimento. A provisoriedade da atividade executiva, quando pendente
Fredie Didier Júnior doutrina: “A caução constitui um legitimo instrumento de contrapeso, que tem o escopo de assegurar a responsabilidade patrimonial do causador do dano, daí ser destinada a funcionar como cautela contra o perigo derivante da execução provisória de um provimento judicial. É relevante pontuar que a própria execução provisória
recurso recebido só no efeito devolutivo, advém da estabilidade do título judicial executado e não dos atos executivos praticados, haja vista que os mesmos correspondem aos da execução definitiva, uma vez que, ainda que em execução provisória, pode-se expropriar totalmente os bens penhorados Frisa-se que em nenhum momento os atos praticados pelo exequente sofrerão modificação, pois os atos alcançarão seus
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 71
resultados por se tratarem de atos de execução propriamente
estiver contido no título.” (NERY JÚNIOR, 2006, pg. 734)
dita, pois a provisoriedade se encontra no título executado e não nos atos. Não é por motivo diferente que o CPC informa em re-
Defensor também desse posicionamento, Ernane Fidelis do
versão das partes ao estado original, e não das coisas como era
Santos, ressalta que, apesar do caráter punitivo da multa do arti-
a legislação vigente no início do código.
go 475-J do CPC, a mesma só terá sua aplicação mediante sen-
Dessa forma, caso ocorra à inversão do título, o executado
tença transitada em julgado, ou seja, em sede de execução de-
terá na decisão que o reformou, documento hábil para requerem
finitiva, uma vez que não poderá ser o executado apenado sem
ressarcimento de eventuais perdas e danos por ele sofrido.
que haja a real obrigatoriedade no cumprimento da obrigação. Ernane Fidelis dos Santos doutrina:
3. MULTA DO ARTIGO 475-J DO CPC 3.1. Natureza Jurídica da multa do art. 475-J do CPC Não é pacífico em nosso ordenamento jurídico o entendimento a respeito da natureza jurídica da multa prevista no artigo 475-J do CPC existindo duas correntes distintas para conceituá-la. A primeira corrente entende ter a multa caráter punitivo, haja vista que sua finalidade é aplicar a penalidade em razão da inércia do devedor ante ao inadimplemento voluntário da obrigação constante no título executivo. Luís Guilherme Marinoni doutrina: “A multa em exame tem natureza punitiva, aproximando-se da cláusula penal estabelecida em contrato. Porém, diversamente desta última, a multa do art. 475-J não é fixada pela vontade das partes, mas imposta – como efeito anexo da sentença – pela lei.” “Esta multa não tem caráter coercitivo, pois não constitui instrumento vocacionado a constranger o réu a cumpri a decisão, distanciando-se, desta, forma, da multa prevista no art. 461, § 4º, do CPC. O conteúdo coercitivo que pode ser vislumbrado na multa do art. 475-J é comum
“O não pagamento espontâneo da dívida importará em acréscimo de multa de dez por cento sobre o montante do reconhecimento do débito (art. 475-J), penalidade que se aplica apenas na hipótese de execução definitiva, já que a provisória é opção do credor, que poderá preferir não usar da faculdade.” (SANTOS, 2006, pg. 57) O posicionamento exposto acima é o majoritário em nosso ordenamento jurídico, entendendo os doutrinadores que a multa possui caráter punitivo. Lado outro, há doutrinadores que a entendem como sendo coercitiva, por acreditarem que a mesma serviria como incentivo ao devedor/executado cumprir voluntariamente a obrigação reconhecida na decisão proferida. Luiz Wambier doutrina: “A multa referida no artigo 475-J do CPC, segundo pensamos, atua como medida executiva coercitiva, e não como medida punitiva. Assim, nada impede que à multa do artigo 475-J do CPC cumule-se a do artigo 14, inciso V e parágrafo único, do mesmo código (...).” (WAMBIER, 2006, pg. 144-145)
a toda e qualquer pena, já que o devedor, ao saber que será punido pelo descumprimento, é estimulado a observar a sentença”. (MARINONI, ano, 241)
Cássio Scarpinella Bueno leciona: (...) A multa, de 10% sobre o valor devido, incide “uma vez só”. Ela serve, em última análise, como um atrativo
Nelson Nery Júnior também leciona sobre o tema: “Multa de 10%. Intimado o devedor, na pessoa de seu advogado, pode cumprir (pagar) ou não cumprir o julgado (não pagar). O descumprimento desse dever de cumprir voluntariamente o julgado acarreta ao devedor faltoso a pena prevista no caput do CPC 475-J: acresce-se ao valor do título 10% (dez por cento), sob a rubrica de multa. O percentual incide sobre o valor total e atual da condenação, isto é, o valor que consta da sentença (ou da decisão de liquidação – CPC 475-A et sege) , acrescido de juros legais, correção monetária e outras verbas que incidirem legalmente ou por conta do que
para que o devedor pague “de uma vez”, “desde logo”, o valor devido; sua natureza predominante é coercitiva e não sancionatória. Embora haja, na incidência da multa a que diz respeito o caput do art. 475-J, um quê de “coerção psicológica”, do mesmo modo que se dá com a multa prevista no § 4º do art.461 (v.n 4.1 do Capítulo 1 da parte III), as respostas às questões devem ser mantidas. Não parece correto emprestar às situações aqui examinadas a mesma diretriz que, ara aquele dispositivo, é inarredável de se aplicar, admitindo-se a coação psicológica da pessoa física que, para todos os fins, age e decide pela pessoa
72 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
jurídica. Isto porque a atividade executiva regrada pelo
Frisa-se que o exeqüente deverá incluir a multa em seu re-
art. 475-J é de pagar dinheiro e não de fazer, não fazer
querimento, sob pena de não ser objeto da execução em curso,
ou de entrega de coisa e, por isso mesmo, a ampla fun-
uma vez que os atos de penhora e expropriação se voltarão ape-
gibilidade da prestação pecuniária não pode ser olvida-
nas pelo valor constante no requerimento.
da pelo intérprete da lei processual civil.(BUENO.2008. P.174, 179, 180)
Ressalta-se que a Corte Especial do STJ, REsp 940.274/MS, já encerrou a controvérsia a respeito do termo a quo para contagem do prazo legal para o início da incidência da referida multa.
Dessa forma, conclui-se que não há entendimento pacífico acerca da natureza jurídica da multa prevista no artigo 475-J do Código de Processo Civil. Entrementes, coercitiva ou punitiva, a incidência da multa prevista no art. 475-J do CPC surge quando há indiscutível dever de cumprimento da obrigação por parte do devedor, conforme se verá adiante.
Com a relatoria do Ministro João Otávio de Noronha, decidiu que a multa prevista no referido artigo supramencionado, incidirá em sede de execução definitiva a partir da descida dos autos e após a aposição de “cumpra-se“ pelo juiz de primeiro grau, necessitando ser realizada a intimação do devedor/executado na pessoa de seu advogado, via imprensa oficial. Desta forma, o devedor deverá proceder com o cumprimento da obrigação voluntariamente, no prazo de 15 dias a contar
3.2. Momento e forma de sua incidência na execução definitiva Ao proferir sentença condenatória da obrigação de pagar, e após intimação na pessoa de seu advogado5, o executado terá o prazo de 15 dias para cumprir voluntariamente a obrigação constante no provimento. Caso não haja o adimplemento da obrigação, o montante
da intimação da parte na figura de seu advogado, via imprensa oficial, sob pena de ser acrescido 10% sobre o montante da condenação a título de multa. 4. APLICAÇÃO DA MULTA DO ARTIGO 475-J EM EXECUÇÃO PROVISÓRIA
será acrescido de multa no percentual de 10% sobre o valor da condenação.
4.1. A polêmica sobre a incidência ou não da multa do art.
Ressalta-se que para incidir a multa disposta no art. 475-J
475-J na hipótese específica da execução provisória
do CPC, a sentença condenatória já deverá se encontrar líquida,
Com as modificações legislativas em torno da atividade exe-
ou seja, sua aplicação se encontra condicionada a liquidez da
cutiva, o sistema de execução de sentenças condenatórias para
obrigação, caso contrário, sua incidência ocorrerá após a fase
pagar quantia certa, teve seu procedimento previsto no artigo
de apuração do valor devido.
475-J do CPC, passando a dispensar o processo executivo au-
Havendo cumprimento parcial da respectiva obrigação, a multa ainda poderá ser aplicada, mas, apenas sobre o valor remanescente.
tônomo e se processando como mero prolongamento da atividade no processo cognitivo. O referido artigo preceitua que caso o devedor não cumpra
Destaca-se que todo esse procedimento ocorre antes do
com a obrigação constante na sentença condenatória, dentro do
inicio da fase de cumprimento de sentença, conforme preceitua
prazo legal de 15 dias, teria o montante da condenação acresci-
o art. 475-J.
do em percentual de dez por cento.
Decorrido o prazo sem o adimplemento da prestação, o
Conforme mencionado, a execução definitiva consiste na
credor poderá requerer o inicio do cumprimento de sentença,
execução de títulos que já se encontram definitivamente forma-
incidindo assim a sanção processual.
dos, por sua vez a provisória se baseia na execução de títulos
O credor requererá a instauração do feito executivo, mediante petição escrita, devidamente instruída, conforme dispõe o art. 475-O, §3º do CPC, sendo apresentado ao juiz, não podendo o mesmo iniciá-la de ofício.
que se encontram passíveis de modificação, haja vista que não foram alcançados pelos efeitos da res judicata. O legislador, com a finalidade de dotar a execução provisória de força definitiva, previu no artigo 475-O do CPC, que a
O requerimento deverá ser instruído com cópia da sentença ou acórdão exeqüendo, certidão de interposição do recurso não
mesma seria realizada, no que coubesse, do mesmo modo que a definitiva.
dotado de efeito suspensivo, cópia das procurações outorgados
Frisa-se que parte da doutrina pátria, representada por Fre-
pelas partes, decisão de habilitação, bem como outras peças
die Didier Júnior e outros doutrinadores renomados, entendem
processuais que o exeqüente considerar necessárias.
que a referida expressão deveria ser interpretada de maneira a
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 73
se vislumbrar que a execução provisória será processada da
quanto na jurisprudência a respeito da possibilidade da aplica-
mesma forma que a definitiva, mas apenas naquilo que for com-
ção da multa disposta no art.475-J do CPC em sede de execu-
patível com o procedimento da mesma, não podendo se valer
ção provisória.
o credor/exequente de todos os instrumentos de execução do 6
procedimento definitivo .
A corrente doutrinária que sustenta a inaplicabilidade do referido artigo em execução provisória, defendida por Humberto Theo-
Assim sendo, criou-se uma grande controvérsia a respeito
doro Júnior e demais doutrinadores renomados, fundamentam-se
da aplicabilidade da multa prevista no art. 475-J em sede de exe-
na garantia Constitucional de recorrer, uma vez que, provocado o
cução provisória, dividindo assim as opiniões tanto da doutrina
reexame da matéria em órgão hierarquicamente superior, tendo
quanto da jurisprudência.
sido este recurso recebido apenas no efeito devolutivo, não te-
Ressalta-se que parte da doutrina, representada por Araken
ria surgido para o devedor/executado a obrigação de cumprir a
de Assis, em virtude da omissão do legislador, iniciou a admitir
prestação, haja vista que o provimento não se encontra amparado
a aplicabilidade da multa prevista no artigo 475-J do CPC em
pela coisa julgada, não podendo assim incidir a multa como meio
execução provisória, por entender que o exeqüente poderia se
de coagir (ou punir) seu adimplemento, além de contrariar à siste-
valer de todos os instrumentos destinados a execução definitiva
mática do direito processual ao se punir o devedor por se utilizar
em sede de execução provisória.
da garantia do devido processo legal.
Lado outro, parte da doutrina, entende que a aplicação da
Entendem também que, a execução provisória apenas se
multa do artigo supramencionado em execução provisória impli-
difere da definitiva quanto à estabilidade do título, sendo este um
caria em desproporcional situação, haja vista que o recorrente
elemento importantíssimo para não se realizar tal atividade da
teria que optar por pagar a quantia reconhecida na sentença
mesma forma que a definitiva, uma vez que nem sempre todas
condenatória, não amparada pela coisa julgada, para ilidir a
as ferramentas disposta para o procedimento definitivo podem
aplicação da multa, abdicando dessa forma de seu direito de
ser utilizadas na referida atividade executiva, não sendo possível
recorrer por se ter praticado ato incompatível com seu direito de
a aplicação literal do art. 475-O do CPC.
impugnação, tratando de preclusão lógica.
Ademais, salientam que a iniciativa da execução provisória
Ou seja, ao se aplicar a sanção imposta pelo artigo em co-
corre por conta, risco e responsabilidade do exeqüente, sendo
mento em sede de execução provisória, estar-se-à violando o
esta uma faculdade da qual poderá exercê-la, não surgindo para
direito de recorrer do executado, sendo este o meio idôneo de
o executado obrigação em cumpri o estabelecido no título.
impugnação de decisão judicial, cuja finalidade é a modificação do dispositivo da sentença. Assim, o executado será compelido a adimplir a obrigação antes mesmo de poder se irresignar contra a decisão prolatada,
Ressaltam ainda que a execução provisória não tem como escopo primordial o adimplemento da obrigação, qual seja, o pagamento da dívida, mas, sim, de antecipar os atos executivos, garantindo o resultado útil da execução.
ensejando caráter definitivo ao procedimento executivo provisório.
Concluindo, afirmam que a expressão “condenado” não
Ressaltam também que é faculdade do credor, iniciar a exe-
pode ser interpretada de forma literal, uma vez que este princí-
cução provisória quando o recurso interposto for recebido mera-
pio se encontra intimamente ligado ao devido processo legal, ou
mente em seu efeito devolutivo, assumindo por sua conta e risco
seja, só poderá ser compelido a prestar a obrigação constante
o resultado do procedimento, não existindo para o devedor qual-
na sentença, desde que esta seja amparada pela coisa julgada.
quer obrigação para o cumprimento voluntário da condenação.
Humberto Theodoro Júnior leciona:
Ademais, afirmam que a multa prevista no artigo 475-J é
A multa em questão é própria da execução definitiva,
exclusiva da execução definitiva, haja vista que se vê necessário
pelo que pressupõe sentença transitada em julgado.
o trânsito em julgado da sentença.
Durante o recurso sem efeito suspensivo, é possível a
Dessa forma, a polêmica acerca do presente tema em estu-
execução provisória, com faculdade do credor, mas ine-
do se consubstancia na possibilidade de aplicação da multa do
xiste, ainda, a obrigação de cumprir espontaneamente a
artigo 475-J do CPC em virtude da omissão do legislador.
condenação para o devedor. Por isso não se pode penalizá-lo com a multa pelo atraso naquele cumprimento.
4.2. O entendimento doutrinário O presente tema não é pacífico em nosso ordenamento jurídico, uma vez que não há uniformidade tanto na doutrina
Convém lembrar que o direito de recorrer integra a garantia do devido processo legal (CF, art. 5º, inciso LV), pelo que o litigante não poderá ser multado por se utilizar, adequadamente e sem abuso, desse remédio
74 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
processual legítimo. Ademais, se o devedor vencido no
certificada na decisão exeqüenda. Ocorrendo paga-
processo de conhecimento cumprisse voluntariamente
mento, não há como subsistir o recurso interposto. É for-
a condenação, fixaria inibido de recorrer, conforme a
çosa a usa inadmissibilidade. Não mais existe obrigação
previsão do art. 503, segundo a qual “a parte que aceitar
a discutir. Reconheceu-se a procedência do pedido (art.
expressa ou tacitamente a sentença PI decisão não po-
269, II, do CPC).”
derá recorrer. Dessa maneira, há na própria sistemática
Não resta outra possibilidade: a multa não pode ser apli-
do direito processual uma inviabilidade de punir-se o de-
cada na execução provisória. Há de se aguardar o julga-
vedor por não cumprir a sentença contra a qual interpôs
mento do recurso e, sobrevindo o trânsito em julgado da
regular recurso.
decisão, deve-se intimar o executado para cumprimento
A execução provisória é mera faculdade do credor, que
voluntário, agora sob pena de incidência da multa, eis
haverá de exercitá-la, segundo suas conveniências pes-
que convertida em definitiva a execução. (DIDIER JÚ-
soais e sempre por sua conta e risco (art. 475-O, inciso I).
NIOR, 2009. Pgs. 522-524).
Há quem defenda a aplicação da multa na execução provisória sob o argumento de que ela teria a função de impedir o uso protelatório do recurso, já que sem ela o executado teria um meio fácil e econômico de impedir a ultimação do precosso executivo. Observe-se, no entanto, que a multa do art. 475-J não tem caráter repressivo de litigância de má-fé. (...). (THEODORO JÚNIOR, 2010, pgs. 48-49)
Nesse sentido Marcelo Abelha Rodrigues: “Uma vez transitada em julgado a sentença condenatória que impôs ao executado o dever de pagar a quantia devida, mas as despesas processuais e honorários advocatícios. Este terá o prazo de 15 dias para efetuar o pagamento ou consignar o valor sob pena de que sobre o valor da condenação incida a multa de 10% fixada pelo legislador. Após esse prazo, e verificando o inadimple-
Luiz Rodrigues Wambier doutrina:
mento, é que poderá ter início a execução propriamente
O dispositivo legal não deixa claro se a multa aplica-se
dita. Não há discussão quanto ao fato de que a multa
ao descumprimento da condenação ainda provisória
pelo não pagamento só poderá correr quando a sen-
(isto é, aquela sujeita a recurso sem efeito suspensivo)
tença tiver transitado em julgado, não incidindo a regra
ou apenas da condenação já definitiva (isso é, depois
nas execuções provisórias, pois não poderá o sistema
do trânsito em julgado). Mas, com a disposição mencio-
processual permitir o oferecimento de recursos e ao
na o “pagamento” - e não o simples depósito em juízo
mesmo tempo punir pelo não pagamento espontâneo,
– sob pena de multa, é possível supor que a multa incida
discute-se se o prazo quinzenal é imediato ou se haveria
apenas no descumprimento da sentença definitiva. Não
a necessidade de intimação do devedor ou seu advoga-
seria razoável impor o cumprimento, sob pena de multa,
do para cumprimento do decisum. Partilhamos da posi-
de uma sentença ainda passível de mudança. “Mas a
ção de que é necessária a intimação para cumprimento,
questão é ainda controvertida.” (WAMBIER, 2006, 146)
que deve se dar na pessoa advogado do executado. (RODRIGUES. 2008. Pgs. 627-628)
Doutrina Fredie Didier Júnior: “Sucede que a norma inserta na primeira parte do caput
José Antônio Lima Castro leciona:
do art. 475-J visa a que o devedor cumpra, sem mais
Os ministros além de se manifestarem entendimento,
delongas, o comando judicial, de modo a impedir a
conforme acima mencionado, de que o temo dos 15
incidência da multa; exige-se, pois, o pagamento, que remeta à idéia de extinção da obrigação. O problema
das previstos na lei dve ser contado após o trânsito em julgado da sentença, alertaram que a reforma
é que, uma vez provocado o reexame da matéria me-
do CPC teve como objetivo imediato tirar o devedor da
diante a interposição de recurso, ainda que sem efeito
passividade em relação ao cumprimento da sentença
suspensivo, a obrigação, ainda não está revestida de
condenatória. De acordo com o Ministro Gomes de Bar-
certeza jurídica, não podendo funcionar a multa como
ros, foi imposto ao devedor o ônus de tomar a iniciativa
instrumento para coagir o devedor a extingui-la, median-
e cumprir a sentença rapidamente e de forma voluntária.
te o cumprimento voluntário da prestação pecuniária
(LIMA. 2010. pg. 350)
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 75
No mesmo sentido, doutrina Elpídio Donizetti:
do processo.
A execução provisória far-se-á do mesmo modo que a
Concluem que não é imprescindível o transitado em jul-
definitiva distinguindo-se desta em dois aspectos: na-
gado da sentença condenatória, dependendo apenas do re-
queles previstos no art. 475-O e com relação à incidên-
querimento do credor/ exeqüente para dar início a atividade
cia da multa do art. 475-J. Vejamos:
executiva, devendo o executado cumprir a obrigação constante no título executivo dentro do prazo legal de 15 dias, sob pena
(...).
de ser aplicada a multa prevista no artigo 475-J do CPC, como
Quanto à multa de 10% prevista no art. 475-J, não há
meio coercitivo.
que se cogitar da incidência de tal penalidade à execu-
Araken de Assis doutrina:
ção provisória. A multa pressupõe o trânsito em julgado
“ (...) nessa linha de raciocínio, incidirá a multa do art.
da decisão, não se podendo exigir do devedor o cumpri-
4875-J, caput, no caso de o vencido não adimplir es-
mento voluntário de preceito judicial ainda pendente de
pontaneamente a dívida no prazo de quinze dias. Tal
definitividade. (DONIZETTI. 2009. Pgs. 203-204)
ato não traduz aquiescência, ou seja, ato incompatível com a vontade de recorrer, porque buscar elidir a multa.
Luiz Fux leciona: O réu instado a cumprir a obrigação, após o decurso do prazo legal, que s inicia após o trânsito da sentença, sujeita-se com a sua protelação à sanção pecuniária de 10% (dez por cento) sobre o valor do débito, sem pre-
Portanto, o pagamento espontâneo em nada prejudica o recurso pendente.é ponto pacífico, de resto, que 1tanto o processo1 como o ‘procedimento’ da execução definitiva e da execução provisória são iguais.” (ASSIS. 2009, pg. 154)
juízo de impor-se, sob as penas do art. 14 do CPC, o cumprimento do julgado, expedindo-se, a seguir, a re-
Luís Guilherme Marinoni doutrina:
querimento do credor, o mandado de penhora e avalia-
Se a sentença, no caso em que o recurso não é recebido
ção. (FUX. 2009. p.14)
com efeito suspensivo, produz efeitos imediatos, o prazo de quinze dias para o devedor cumpri-la corre a partir
Lado outro, a corrente que defende a aplicabilidade da multa do artigo 475-J do CPC em execução provisória, entende que, não faz sentido não admiti-la em face da pendência de julgamento do recurso, uma vez que seu objetivo é dar efetividade à condenação. Ademais, acreditam que o executado ao interpor o recurso visando à reforma ou anulação da sentença condenatória, assumirá todos os riscos de sua interposição, mesmo estando ciente de que o referido recurso não terá efeito suspensivo e que caso improvido, arcará com o acréscimo de 10% sobre o valor da condenação. Tal corrente entende também que, a execução provisória, poderá ser iniciada com a interposição do recurso recebido apenas em seu efeito devolutivo, não se diferenciando da execução definitiva pelo modo em que é processada, mas apenas pela estabilidade do título executivo. Sendo assim, entendem que a referida multa não tem suporte jurídico para se afirmar que sua aplicação se daria ape-
do momento em que o advogado é dela intimado, o que ocorre com a sua publicação no Diário de Justiça.” Não realizado o pagamento no prazo, aplica-se o art. 475-J do CPC, devendo o “montante da condenação ser acrescido de multa percentual de dez por cento”. Não há sentido em não admitir a incidência da multa na pendência do recurso, quando se esta ciente de que seu objetivo é dar efetividade à condenação e de que já passou a época em que se cometia o equívoco de subordinar o efeito sentencial à coisa julgada material. Assim, exatamente porque a execução está autorizada o autor poderá requerer a execução da condenação provisória acrescida do valor da multa, solicitando, nos termos da parte final do art. 475-J do CPC, a penhora e a avaliação de bens do devedor. O art. 475-O, III, do CPC autoriza ao exequente a alienar a propriedade destes bens, prestando caução suficiente e idônea.” (MARINONI. 2008. pgs.361- 362)
nas na definitividade do provimento, mas, sim, na exigibilidade do título, uma vez que o artigo 475-J do CPC, não faz qualquer
Leciona Cássio Scarpinella Bueno:
menção a títulos executivos, mas, apenas a exequibilidade do
A conclusão exposta pelos parágrafos anteriores é a
título, prestigiando a garantia constitucional da razoável duração
mesma em se tratando de “execução provisória”, Isto é,
76 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
naqueles casos em que, mesmo antes e independente-
aplicação da multa de 10% prevista no art. 475-J, do CÓDIGO DE
mente do trânsito em julgado, é dado ao credor promo-
PROCESSO CIVIL, uma vez que o artigo 475,”O”, do citado dis-
ver a execução do julgado (art. 475-I,§ 1º, segunda par-
positivo, dispõe que a execução provisória da sentença
te; v. n.1 do capítulo 6 da parte I). O que pode difere em
far-se-á, no que couber, do mesmo modo que a defini-
casos como este é que, à falta de um termo inequívoco
tiva; portanto, aplicável o regramento do cumprimento
de efetividade do julgado, faça-se mister buscar outro
de sentença às execuções de alimentos, inclusive pro-
elemento objetivo para fixar o início da fluência do prazo
visórios, não havendo razão para se afastar a incidência
de quinze dias para o pagamento “voluntário”.
do art. 475 ‘’J’’, do Código de Processo Civil’’.(TJMG.
Como a execução provisória depende de provocação
Agravo de Instrumento n. 1.0024.08.282104-2/001, Re-
específica do credor na sua promoção – ela corre por
lator Des. ALVIM SOARES da 7ª Câmara Cível. Data da
“iniciativa, conta e responsabilidade” do credor, diz o in-
Publicação: 25/09/2009).
ciso I do art. 475-O -, nada mais coerente que entender ser a partir da ciência do devedor de que o credor pretende executá-lo provisoriamente que tem início o prazo de quinze dias para ele pagar o valor devido. (BUENO. 2008. P.173, 174)
Tribunal de Justiça de São Paulo: CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – MULTA – Artigo 475-J, do Código de Processo Civil - Execução provisória – Possibilidade de incidência ante o trânsito em julgado da decisão condenatória ou a interposição de recurso sem efeito suspensivo,
José Barbosa Moreira assim doutrina:
sendo relevante apenas a exequibilidade da decisão –
A execução provisória, que se baseia sempre em sen-
Circunstância em que o único recurso possível ao agra-
tença judicial civil, pode ser promovida a partir do re-
vante é o agravo contra despacho denegatório de re-
cebimento do recurso no efeito meramente devolutivo
curso especial, o qual não tem condão de suspender o
(como no caso do art. 521, 2ª parte), e não difere da
cumprimento da sentença – Recurso não provido.(TJSP.
definitiva, em substância, pelo modo como se proces-
Agravo de Instrumento n. 0417472-03.2010.8.26.0000.
so (art. 475-O, caput, igualmente introduzido pela Lei n.
Des. Relator TERSIO NEGRATO da 17ª Câmara de Direi-
11.232, que revogou o art. 588), mas, fundamentalmen-
to Privado. Data do julgamento 10/11/2010).
te, por sua menor estabilidade, devida à circunstância de estar ainda sujeito o título em que se funda à anulação ou à reforma pelo órgão competente para julgar o recurso.” (MOREIRA. 2010, pg.208)
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro Direito Processual Civil. Cumprimento de sentença. Execução provisória. Decisão que determinou a intimação do patrono, através da imprensa oficial, para efetuar o
Percebe-se o quanto é difícil à resolução dessa controvér-
pagamento do débito no prazo de quinze dias, sob pena
sia, haja vista que tanto os argumentos dos que defendem a
de incidência da multa de 10%. Recurso. Rejeição. Apli-
aplicação da multa do artigo 475-J do CPC, quanto os que são
cabilidade do art. 475-J do Código de Processo Civil às execuções definitivas e provisórias. A execução provisória está prevista no art. 475-O do diploma processual, o qual dispõe que ela se dará do mesmo modo que a definitiva. A execução definitiva está prevista
contrários, trazem argumentos substanciosos. 4.3. O entendimento jurisprudencial dos Tribunais de Justiça Conforme já mencionado, não há ainda entendimento jurisprudencial pacificado, quanto à possibilidade de aplicação da multa do artigo 475-J do CPC em execução provisória. Vejam-se, julgados de alguns Tribunais dos Estados quanto à possibilidade de sua aplicação:
no artigo 475-J do Código de Processo Civil, o qual determina que o pagamento do valor da condenação deverá ser efetuado no prazo de quinze dias, sob pena de multa, inexistindo qualquer restrição quanto a execução provisória.Ademais, o art. 475-J do Código de Processo
Tribunal de Justiça de Minas Gerais: AGRAVO DE INSTRUMENTO - EXECUÇÃO PROVISÓRIA - APLICAÇÃO DE MULTA PARA CASO DE DESCUMPRIMENTO - POSSIBILIDADE - ARTIGO 475-J - CPC - INCIDÊNCIA DA MULTA ESPECÍFICA. ‘’Inexiste óbice legal à
Civil não trouxe qualquer referência quanto à necessidade de trânsito em julgado para sua incidência, limitando-se a prever a hipótese de condenação do devedor ao pagamento de quantia certa. “AGRAVO DE INSTRU-
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 77
MENTO. INCIDÊNCIA DA MULTA PREVISTA NO ARTIGO
ao executado, condenado ao pagamento de quantia
475-J, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO
certa ou já fixada em liquidação, nos termos do art. 475-
PROVISÓRIA. IRRELEVÂNCIA. O Diploma Processual
J, do CPC, proceder ao depósito da integralidade do va-
Civil, no Capítulo que trata do cumprimento da senten-
lor exeqüendo, devendo, todavia, em caso de depósito
ça (artigos 475-I e seguintes) e que contempla tanto a
parcial, ser penhorada quantia suficiente a complemen-
execução definitiva quanto a provisória, não excepciona,
tar o que foi exigido, para a garantia do juízo executado,
ao contrário, insere nesta última, também, a incidência
posto ser inadmissível que este fique limitado apenas
da multa prevista no artigo 475-J, caso não haja o cum-
à quantia que o devedor entende ser devida, principal-
primento voluntário do decisum. RECURSO DESPRO-
mente, quando há meio de defesa processual próprio
VIDO.” (2008.002.06333 - AGRAVO DE INSTRUMENTO
para eventual alegação de excesso de execução. V.v.p.:
- DES. FRANCISCO DE ASSIS PESSANHA Julgamento:
A multa prevista no art. 475-J, do CPC, também se aplica
16/07/2008 - SEXTA CAMARA CIVEL).Recurso a que
à execução provisória, tendo em vista que o art. 475-
se nega seguimento. (TJRJ. Agravo de Instrumento n.
O permite a utilização das mesmas regras da definitiva.
0010637-25.2011.8.19.0000. Des. Relator NAGIB SLAIBI
(TJMG. Agravo de Instrumento n. 1.0024.01.050899-
da 6ª Câmara Cível. Data do julgamento 01/04/2011).
2/001. Des. Relator DUARTE DE PAULA da 11ª Câmara Cível. Data de Julgamento 19/08/2009).
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA.
Tribunal de Justiça de São Paulo:
MULTA DO ARTIGO 475-J, DO CÓDIGO DE PROCES-
EXECUÇÃO PROVISÓRIA – Incidência da multa de
SO CIVIL. POSSIBILIDADE. INTIMAÇÃO DO DEVEDOR.
10% - Impossibilidade – Multa cabível tão somente na
NECESSIDADE. Inexiste óbice à aplicação da multa pre-
execução definitia – Precedentes do Colendo Superior
vista no artigo 475-J do CPC às execuções provisórias,
Tribunal de Justiça – Decisão reformada. INDICAÇÃO
desde que efetuada a prévia intimação do executado.
DE BENS A SEREM PENHORADOS PELO DEVEDOR –
Precedentes jurisprudenciais. NEGADO SEGUIMEN-
POSSIBILIDADE – Executados cientes do valor da dívida
TO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO.(TJRS. Agravo de
e dadeterminação judicial de apresentarem a localiza-
Instrumento n. 70043041854. Des. Relator IRIS HELENA
ção dos bens sujeitos à penhora – Aplicação do art.
MEDEIROS NOGUEIRA da 9ª Câmara Cível. Data de Jul-
652, § 3º e § 4º do CPC – Decisão reformada – Agravo
gamento 30/05/2011).
parcialmente provido. (TJSP. Agravo de Instrumento n. 0011568-33.2011.8.26.0000. Des. Relator JOSÉ PER-
Vejam-se entendimento jurisprudencial de alguns Tribunais dos Estados quanto à impossibilidade da aplicação da referida
CIVAL ALBANO NOGUEIRA JÚNIOR da 6ª Câmara de Direito Privado. Data de julgamento 26/05/2011).
multa em execução provisória. Tribunal de Justiça de Minas Gerais
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:
TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL - EXECUÇÃO PROVI-
Agravo de Instrumento. Execução provisória. R. Decisão
SÓRIA -SENTENÇA NÃO TRANSITADA EM JULGADO
a quo instando a Devedora a cumprir a R. Sentença no
- PENDÊNCIA DE JULGAMENTO DE RECURSO
prazo de 15 (quinze) dias, sob pena da multa esta-
PERANTE O STF - MULTA DE 10% SOBRE O MON-
belecida pelo artigo 475-J do CPC.I - Posição parti-
TANTE DA CONDENAÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - INTELI-
cular desta Relatoria que se abdica, em prol da granítica
GÊNCIA DO ART. 475-J DO CPC - DEPÓSITO DO VALOR
jurisprudência do STJ e deste Egrégio Tribunal, inclusive
EXEQUENDO QUE O DEVEDOR ENTENDE SER DEVIDO
deste Colendo Órgão Fracionário.II - Enquanto a lide se
- IMPOSSIBILIDADE. VOTO VENCIDO PARCIALMENTE.
encontrar pendente de recurso, ou seja, ainda não tran-
A multa prevista no artigo 475-J do Código de Proces-
sitada em julgado a R. Sentença, não pode a parte ser
so Civil, por descumprimento voluntário da sentença,
penalizada por uma multa pelo descumprimento do R.
só pode ser aplicada após o trânsito em julgado desta
Julgado, até porque a própria legislação lhe assegura o
mesma decisão condenatória, sendo, portanto, incom-
direito de recorrer em face daquela R. Decisão. Prece-
patível com o processo de execução provisória. Cabe
dentes do STJ e deste Colendo Sodalício, inclusive des-
78 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
ta Egrégia Câmara, como transcritos na fundamentação.
PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. MULTA.
III - Alegação de que parte da obrigação imposta é ilíqui-
CPC, ART. 475-J. DESCABIMENTO. I. A multa prevista
da, devendo ser apurada mediante procedimento pró-
no art. 475-J do CPC não se aplica à execução provisó-
prio. Ausência de traslado da R. Sentença prolatada em
ria. II. Recurso especial conhecido e provido. (STJ. Re-
sede de conhecimento, inviabilizando a análise deste
curso especial n. 1.059.478 – RS, Min. Rel. ALDIR PAS-
tema recursal. O Agravo deve ser instruído não só com
SARINHO JUNIOR da Corte Especial, DJe 11/04/2011.
as cópias obrigatórias, mas também as necessárias a compreensão da controvérsia, pois no sistema processual em vigor quem organiza o traslado é o Agravante, e não mais o cartório. Exegese do Verbete Sumular n.° 104 deste Egrégio Tribunal.IV R. Decisão vergastada reformada parcialmente, apenas para afastar a incidência da multa prevista no artigo 475-J do Estatuto Processual Civil. V Recurso que se apresenta manifestamente procedente de forma parcial. Aplicação do § 1°-A do art. 557 do C.P.C. Provimento Parcial. (TJRJ. Agravo de Instrumento n. 0014958-06.2011.8.19.0000. Des. Relator REINALDO P. ALBERTO FILHO da 4ª Câmara Cível. Data de Julgamento 11/04/2011).
O caso discutido pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça trava-se de recurso especial interposto, com fundamento no art. 105, III, “a” da Constituição da República, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, nos autos do agravo de instrumento, interposto contra decisão interlocutória, proferida pelo douto juízo da 12ª Vara Cível da Comarca de Porto Alegre, que em execução provisória determinou o pagamento da obrigação constante no título executivo no prazo legal de 15 dias, sob pena de incidir a multa constante no artigo supramencionado. O recorrente, em suas razões recursais, fundamentou pela impossibilidade da aplicação da multa do artigo 475-J do CPC em sede de execução provisória, por acreditar que a medida é
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
incompatível com o procedimento da execução provisória, uma
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO
vez que cumprida voluntariamente a condenação constante na
ESPECIFICADO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. MULTA DO
sentença, o mesmo estaria praticando ato contrário a sua von-
ART. 475-J DO CPC. INAPLICABILIDADE, POR ORA. FI-
tade de recorrer, ensejando assim a perda de objeto do recurso
XAÇÃO DE HONORÁRIOS. MANUTENÇÃO. I. Mostra-se
pendente de julgamento.
inaplicável a multa do artigo 475-J do Código de Proces-
Além de entender que o cumprimento da obrigação traria
so Civil antes de transitada em julgado a sentença. Ne-
ao executado prejuízos, haja vista que antes mesmo do trânsito
cessidade do trânsito em julgado para que incida. Pre-
em julgado da sentença condenatória, sofreria atos de expro-
cedente da Câmara. II. Em cumprimento de sentença,
priação.
são devidos honorários advocatícios mesmo que para
Por maioria dos votos, entendeu a Corte Especial do Supe-
pronto pagamento, devendo apenas o valor ser modifi-
rior Tribunal de Justiça, que a referida multa só passará a ser exi-
cado no caso eventual impugnação. Entendimento con-
gida após o trânsito em julgado do processo, restando vencidos
solidado. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO (TJRS.
os Ministros Luís Felipe Salomão e Felix Fischer.
Agravo de Instrumento n. 70037298478, Des. Relatora
Restou evidenciado que o cumprimento voluntário da obri-
LIEGE PURICELLI PIRES da 17ª Câmara Cível. Data do
gação, antes do trânsito em julgado, implica no reconhecimento
Julgamento em 26/08/2010)
do direito do exequente, o que inviabilizaria o manuseio dos recursos para a reforma da sentença por parte do executado.
4.4. O leading case do STJ em seu primeiro julgado colegiado A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça em 15 de dezembro de 2010 firmou entendimento ao julgar o recurso especial n. 1.059.478/RS, decidindo que a multa, resultante em caso de descumprimento de sentença, que acresce o valor da condenação em 10%, não mais poderá ser aplicada em sede de execução provisória. Veja-se a ementa do acórdão proferido pela Corte Especial do STJ:
Conforme dispõe os artigos 475-O, 475-I e 587 do Código de Processo Civil, a execução provisória possibilita que a parte vencedora dê início ao cumprimento de uma decisão que se encontra impugnada mediante recurso, desde que não tenha sido recebido em seu efeito suspensivo. Caso o exequente exija o cumprimento da obrigação, que se encontra em julgamento em segunda instância deverá o mesmo apresentar caução idônea ao juízo, com o intuito de garantir a execução, na hipótese do executado sofrer prejuízo com
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 79
a reforma ou anulação da decisão, garantindo assim o devido
do por multa pelo descumprimento de sentença, sobre-
processo legal.
tudo porque é o próprio ordenamento jurídico quem lhe
O Ministro Aldair Passarinho Júnior, Relator do acórdão, le-
assegura os meios recursais pertinentes para insurgir-se
vantou a questão de que a execução provisória tem assoberba-
contra essa decisão.”
do o judiciário com inúmeros incidentes, dentre eles a aplicabili-
“(...).”
dade da multa do artigo 475-J do CPC em execução provisória.
“Frente a essa perspectiva, há uma nítida incompatibili-
Ademais, criticou a sua aplicabilidade no referido processo
dade lógica em se admitir a multa do art. 475-J do CPC
de execução, dizendo: “criamos um incidente a mais e punimos
na execução provisória.”
o cidadão que usa do direito constitucional de recorrer?”
“Como citado, pagamento significa o cumprimento vo-
Vejam-se trechos do voto proferido pelo Ministro Aldair Pas-
luntário da obrigação. Nessa linha de raciocínio, o pagamento implica, em última análise, no reconhecimento da
sarinho: “Tenho um entendimento, com a máxima veia, diverso
procedência do pedido (art. 269, II, do CPC) e, por con-
do eminente relator.”
seguinte, na prática de ato incompatível com a vontade
“Vou me permitir fazer algumas considerações, mas
de recorrer, nos termos do art. 503, parágrafo único, do
gostaria de iniciar lendo o voto do eminente Ministro
CPC, in verbis:”
Humberto Martins em um precedente que adotei na
“(...)”.
Quarta Turma, no Recurso Especial n. 1.100.658/SP.”
“Portanto, a possibilidade de aplicar a multa prevista
“S. Exa. diz:”
no art. 475-J do CPC em sede de execução provisória
“É preciso interpretar o novel sistema trazido pela Lei n.
implica na desproporcional situação em que a recor-
11.232/2005, especialmente os citados artigos 475-J
rente terá que optar por pagar a quantia provisoriamen-
e 475-O do Código de Processo Civil, de modo a se
te executada para afastar a multa e, ao mesmo tempo,
chegar a uma solução compatível com o ordenamento
abdicar do seu direito de recorrer contra a decisão que
jurídico pátrio e consentâneo com os interesses contra-
lhe foi desfavorável.”
postos no litígio.”
“(...).”
“Com efeito, o art. 475-O do CPC dispõe que ‘a exe-
“Desse modo, numa interpretação sistemática, (‘que
cução provisória da sentença far-se-á, no que couber,
considera o sistema em que se insere a norma’ – Maria
do mesmo que a definitiva, observadas as seguintes
Helena Diniz, ob. Cit., p.435.) dos arts. 475-J e 475-O
normas:’. Com a expressão 1 no que couber’, extrai-se
do CPC, cumulada com os arts. 269, II, 503, parágrafo
que a execução provisória Serpa processada da mesma
único e 708 do mesmo diploma legal, concluí-se que
forma que a definitiva, naquilo que for compatível com
a multa do art. 475-J do CPC não é compatível com a
aquele instituto.”
execução provisória.”
“Segundo Maria Helena Diniz, são técnicas ou proces-
“(...).”
sos interpretativos os seguintes: gramatical ou literal, ló-
“Não se pode fechar os olhos à condição determinada
gico, sistemático, histórico e sociológico ou teleológico
pela lei para a incidência da multa, mais precisamente,
(Maria Helena Diniz, Compêndio de introdução à ciência
para o início da contagem do prazo para pagamento sob
do direito, Saraiva: 2006, p. 432).”
pena de incidência de multa, qual seja a situação de
“Ainda segundo a autora, pela técnica gramatical, tam-
condenado do devedor.”
bém chamada literal, 1(...) examina o aplicador ou in-
“O alcance dessa expressão está inserido na abrangên-
térprete cada termo do texto normativo, isolada ou sin-
cia do conceito do devido processo legal, estando à in-
taticamente, atendendo à pontuação, colocação dos
terpretação que pretendemos, portanto, embasada em
vocábulos, origem etimológica etc.’ (ob. Cit., p. 433”
preceitos constitucionais cogentes.”
“Numa primeira análise, verifica-se que o dispositivo em
“(...).”
comento utiliza dos termos “condenado” e “condena-
“Ao litigante, portanto, é assegurada a ampla defesa com
ção”. Com efeito, numa perspectiva do devido processo
os meios e recurso a ela inerentes em respeito ao devi-
legal em seu aspecto substantivo (substantive due pro-
do processo legal. Desse modo, ao devedor condenado
cess), não nos parece que , enquanto estiver pendente
é permitido utilizar-se dos instrumentos de impugnação
o julgamento do recurso, possa o litigante ser penaliza-
que a lei lhe faculta. Ao final, mantida a condenação ou
80 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
não, com o trânsito em julgado da sentença, estará o
nou pela impossibilidade da aplicação da multa ante a pendên-
título executivo judicial definitivamente formalizado, sob
cia de recurso, tendo sido o mesmo recebido em qualquer dos
o crivo do devido processo legal.”
seus efeitos.
“Enquanto pender recurso, independentemente dos
Afirmou também que nem sempre as ferramentas adotadas
efeitos de que seja dotado, não se pode dizer, à luz
na execução definitiva podem ser utilizadas pelo exeqüente em
do devido processo legal, que há condenado, ante a
sede de execução provisória, haja vista que essa ultima moda-
possibilidade de reforma do título capaz de ensejar
lidade de execução encontra limitações, não sendo literalmente
execução provisória.”
aplicado o disposto no artigo 475-O.
“Com isso não se está a dizer que a Constituição Fe-
Ademais, concluiu que a expressão “condenado” não pode
deral aboliu a execução provisória, e sim que o litigante
ser interpretada em excessivo apego a literalidade da norma,
será tido por condenado somente com o trânsito em jul-
haja vista que este conceito esta adstrito na abrangência do de-
gado da sentença
vido processo legal, ou seja, só poderá o exeqüente se valer
“Como é incontroverso, a multa do art. 475-J do CPC,
da referida multa quando a sentença condenatória se encontrar
além do seu caráter coercitivo, ostenta também natureza
transitada em julgado, estando assim o título executivo definiti-
punitiva, pois pune aquele que não cumpre com a obri-
vamente formado.
gação reconhecida na sentença ou no acórdão.”
Veja-se trecho do voto:
“Nesse contexto, não é razoável nem proporcional, mui-
“ (...) enquanto a questão controvertido não estiver de-
to menos parece ser este o objeto do legislador da refor-
finitivamente decidida, ante a pendência de recurso, in-
ma, apenar o litigante que, legitimamente, está exercen-
dependente dos efeitos que lhe foram atribuídos, não se
do o seu direito de recorrer, com a lídima expectativa de
pode dizer que há um condenado.”
reertr a decisão judicial que lhe foi desfavorável.”
“(...).”
“Portanto, por todos os ângulos interpretativos que se
“Pelo disposto nesse preceito legal, pode-se afirmar que
perfilhe, impende concluir que a multa prevista no art.
nem sempre as ferramentas colocadas à disposição do
475-J do CPC não incide na execução provisória.”
exequente em uma execução definitiva também são
“Um arremate. As premissas fixadas nesta decisão es-
utilizáveis pelo exequente provisório, sendo certo que
tão de acordo com a jurisprudência desta Corte, que já
essa última guarda algumas limitações e peculiaridades
definiu o trânsito em julgado com termo inicial da multa
justificadas pela provisoriedade do título. Essa sincronia
prevista no art. 475-J do CPC.”
ocorre, dessa forma, somente em situações em que a
“No caso de execução provisória, a parte está usando
técnica processual da execução definitiva se aplica à
o direito constitucional de recorrer. Então, como se pu-
provisória, o que comporta, por lógica, exceções.”
nir a parte com uma multa, porque não está fazendo o
“(...).”
pagamento em uma execução provisória, que deveria
“Contudo, não se pode fechar os olhos para a constata-
aguardar a decisão definitiva e não está sendo aguar-
ção de que a lei sujeita a incidência de multa à situação
dada, porque está exatamente se utilizando do direito
de condenado do devedor e a despeito de um apego
constitucional de apelar, de recorrer extraordinariamen-
excessivo à literalidade da norma, não há se olvidar que
te e recorrer especialmente. Acho isso, com a máxima
essa expressão está inserida na abrangência do con-
vênia, incompatível. Quer dizer, criamos um incidente a
ceito doe devido processo legal. Em sendo permitido
mais e punimos o cidadão que suo do direito constitu-
ao litigante utilizar-se dos instrumentos de impugnação
cional de recorrer?”
que a lei lhe faculta, somente ao final, com o trânsito em
“Então, apenas fazendo esta complementação, respei-
julgado, estará o título executivo judicial definitivamente
tando o entendimento do eminente Ministro Relator, que
formalizado, sob o crivo do devido processo legal.”
também foi sufragado pelo judicioso voto do Sr. Ministro Felix Fischer, estou cada vez mais convencido de que não cabe a multa do art. 475-J na execução provisória.”
Lado outro, o Ministro Luis Felipe Salomão, dispôs em seu voto, que não há que se falar em diferença no cumprimento das duas espécies de execução, conforme o artigo 475-O, deixando
Por sua vez, a Ministra Nancy Andrighi, também se posicio-
clara a possibilidade de se executar a decisão recorrível.
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 81
Veja-se trecho do Voto do Ministro Luís Felipe Salomão:
com referência expressa da incidência da multa após o
“A provisoriedade está no título, que pode ser modifica-
decurso do prazo legal.”
do quando do julgamento do recurso e não na execução
“Em segundo lugar, não prospera a tese de eventual in-
em si.”
compatibilidade existente entre a vontade de recorrer e
“Na chamada execução provisória da sentença, a ati-
o pagamento efetuado em sede de execução provisória.
vidade jurisdicional, em essência, é a mesma daquela
Isso porque a multa especificada no art. 475-J possui
prestada se de título executivo definitivo cogitasse.”
natureza coercitiva, eis que objetiva dar efetividade à
“A sentença contra a qual foi manejado recurso sem
cobrança e dissuadir o inadimplemento da obrigação
efeito suspensivo, malgrado não ostente o traço da de-
especificada no título provisório. Nesse sentido, com o
finitividade, possui eficácia executiva e seu comando
escopo da multa é estimular o pagamento, ela assume
normativo deve ser cumprido pelo vencido tão logo o
um viés coercitivo.”
vencedor manifeste desejo de executá-lo, sob pena de
“O cumprimento provisório da sentença, portanto, não
incidir a multa prevista no artigo 475-J.”
produz qualquer efeito preclusivo à pretensão recursal do
“ (...) assume o risco de interpor o recurso mesmo ciente
executado, uma vez que , cumprindo-a, comente estará
de que o mesmo não te efeito suspensivo e de que, por-
insento do pagamento da multa. É suficiente para o execu-
tanto, caso improcedente, irá pagar o débito acrescido
tado, nessas hipóteses, que ele ressalve, expressamente,
de multa.”
seu intento de ver o recurso por ele interposto julgado.” “A meu juízo, a reforma processual consubstanciada
Defensor do mesmo posicionamento, o Ministro Felix Fischer entendeu que, a sentença por se encontrar revestida de eficácia executiva, está autorizada, por si só, a se valer dos meios executivos para se ter satisfeito o crédito do exequente, além de acreditar que a não aplicação da referida multa vai de encontra a intenção do legislador. Vejam-se trechos do voto do Ministro Felix Fischer: “Em princípio, cabe salientar que a sentença condenatória, consoante a Lei n. 11.232/2005, é revestida de imedia-
pela Lei n. 11.232/2005, ao abrigo do sincretismo processual, que tornou desnecessário novo processo para que o credor pudesse, desde logo, fazer cumprir o estabelecido no título executivo judicial,. Teve o intuito de tornar mais efetiva a prestação jurisdicional. Não autorizar a aplicação da multa do art. 475-J do CPC no âmbito das execuções provisórias vai de encontra à intenção do legislador, consubstanciada na própria exposição de motivos do texto legal:”.
ta eficácia executiva, ou seja autoriza por si só o emprego dos meios executórios necessários à efetiva satisfação do
Dessa forma, desenhou-se a pacificação do entendimento
credor, sendo desnecessário outro processo.”
do tema, uma vez que a decisão proferida pela Corte Especial
“(...).”
do Superior Tribunal de Justiça poderá ser aplicada nos diversos
“Tratando-se da execução provisória, o art. 475-O do CPC
casos que assolam o judiciário, haja vista que tal entendimento
assevera que esta deverá se dar da mesma forma que a
se tornou paradigma para solução dos conflitos existentes sobre
execução definitiva, observando certas especificidades:”
o tema nos diversos órgãos do Judiciário.
“(...)” “Importantes conclusões podem ser extraídas do texto legal inserido no Código de Processo Civil pela reforma pro-
5. CONCLUSÃO
cessual de 2005. Em primeiro lugar, não resta dúvida de
A execução provisória é uma técnica, à disposição do
que a execução provisória deva se dar do mesmo modo
credor/exequente, de antecipação do resultado útil do processo,
da definitiva, eis que a própria redação do artigo assim as-
uma vez que haverá a realização concreta da tutela jurisdicional
severa. Nos incisos e parágrafos do art. 475-O do CPC não
pretendida mesmo que ainda pendente o trânsito em julgado da
consta que a multa do art. 475-J deva ser afastada.”
obrigação imposta.
“(...)”.
Não se trata de um ônus do executado, mas, sim, de uma fa-
“Desse modo, entendo pela aplicabilidade da multa,
culdade do exeqüente como vantagem para a obtenção imediata
ainda que em sede de execução provisória, devendo
da obrigação imposta ao devedor, se assim desejar e preenchido
o executado ser intimado na pessoa do seu advogado,
alguns requisitos legais, mesmo que ainda exista recurso aguar-
82 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
dando julgamento definitivo por parte dos Tribunais Superiores. Não é por motivo diferente que, conforme diretrizes do art. 475-O, I, do CPC, a execução provisória realiza-se por iniciativa, conta e responsabilidade do exeqüente. Em outra vertente, a multa do art. 475-J do CPC, seja qual for a sua natureza jurídica (coercitiva ou punitiva), tem incidência após o esgotamento do legítimo dever de cumprimento da obrigação por parte do devedor sendo incompatível no procedimento da execução provisória por ser contrária e incompatível o direito de recorrer que foi apresentado pelo devedor. O legítimo dever de cumprimento da obrigação, por sua vez, só é plenamente exigível (sem que seja uma simples técnica de antecipação do resultado útil do processo – como é a execução provisória) quando a decisão condenatória transitar em julgado (única ocasião em que, de forma indiscutível, nasce o dever de cumprimento obrigatório por parte de devedor). Enquanto o devedor ainda se insurge contra a obrigação através do seu legítimo direito de recorrer (se ainda cabível recurso), tornando possível a modificação do título executivo (mesmo que remotamente), há manifesta situação de incerteza e instabilidade do título executivo que, por sua vez, torna incompatível a incidência de um acréscimo patrimonial ao que já lhe foi imposto em condenação. A imediata incidência da multa do art. 475-J, em sede de execução provisória visto que ainda pendente de julgamento inconformismo por parte do devedor, é ato incompatível com a sistemática processual, notadamente da garantia constitucional processual do devido processo legal, pois ao exercer o direito de recorrer ainda não terá surgido ao executado à obrigação
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lição de Direito Processual Civil. 17ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris.2009. CÂMARA, Bernardo Ribeiro, NUNES, Dierle, SOARES, Carlos Henrique Processo Civil para OAB. Salvador: Jus Podimv.2010 CASTRO, José Antônio Lima. Direito Processual: Interpretação Constitucional no Estado Democrático de Direito. Belo Horizonte: Puc Minas, Instituto de Educação Continuada. 2010. CASTRO, Amílcar de. Do procedimento de execução. Rio de Janeiro: Forense, 2001. CARREIRA, Alvim J. E. Alterações do Código de Processo Civil. 3ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2006. CARREIRA, Alvim J. E.; CARREIRA, Alvim Cabral Luciana G. Nova Execução de Título Extrajudicial. Curitiva: Juruá, 2007. DIDIER JR, Fredie; CUNHA. Leonardo José Carneiro da; BRAGA. Paula Sarno; OLIVEIRA. Rafael. Curso de Processo Civil. Execução. Vol. 5. Salvador: Jus Podivm. 2009. DINAMARCO, Cândido Rangel, Execução Civil, 5ª Ed., São Paulo: Malheiros, 1997. DONIZETTI, Elpídio. Curso didática de Direito Processual Civil. 13ª Ed. Ver., ampl. e atualizada até a Lei n. 12.016, de 07 de agosto de 2009, bem como pela jurisprudência dos Tribunais Superiores, até a súmula n. 409 do STJ, publicada em 24 de novemrro de 2009. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2010 DONIZETTI, Elpídio. O Novo Processo de Execução. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2009
de adimplir o provimento de forma absoluta e imodificável, haja vista que sequer estará amparado pela coisa julgada. A multa prevista no dispositivo supramencionado é de exclusiva aplicabilidade da execução definitiva, haja vista que se faz imprescindível a presença da sentença condenatória transitada em julgado ocasião em que realmente não poderá mais ao devedor negar o dever de cumprimento da obrigação.
FILHO, Misael Montenegro. Curso de Direito Processual Civil, teoria geral dos recursos, recurso em espécie, processo de execução. Vol. 2. 6ª Ed. São Paulo: Atlas. 2010 FUX, Luiz. Curso de Direito Processual Civil. Cumprimento da sentença. Processo de execução de títulos executivos extrajudicial. Processo Cautelar. Vol. II. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense. 2009.
ASSIS. Araken de. Manual da Execução. 10ª ed. rer,atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2006.
FUX, Luiz. O novo processo de execução. Rio de Janeiro: Forense, 2008. FUX, Luiz; NERY JÚNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Processo e Constituição: estudos em homenagem ao Professor José Carlos Barbosa Moreira. São Paulo: RT, 2006.
ASSIS, Araken de. Cumprimento de Sentença. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
JÚNIOR. Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil. Vol. II. 45ª ed. Rio de Janeiro: Forense. 2010.
BUENO, Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. Tutela jurisdicional executiva. Vol.3. São Paulo: Saraiva. 2008.
JÚNIOR, Nelson Nery. Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 83
MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro: (exposição sistemática do procedimento). 28. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2010.
jus.br/juridico/jt_/inteiro_teor.jsp?tipoTribunal=1&comrCodigo=24&ano =1&txt_processo=50899&complemento=1&sequencial=0&palavrasC onsulta=&todas=&expressao=&qualquer=&sem=&radical=. Acesso em 26/05/2011
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil: volume 3 : Execução. 3. ed. rev., atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
Tribunal de Justiça de São Paulo. Disponível em: <https://esaj.tjsp.jus. br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=5159635. Acesso em 26/05/2011
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Execução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
Tribunal de Justiça de São Paulo. Disponível em: <https://esaj.tjsp.jus. br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=5164860. Acesso em 26/05/2011
MEDINA, José Miguel Garcia. Execução Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Disponível em: < http://www1. tjrs.jus.br/busca/?q=Aplicabilidade+da+multa+do+artigo+475-J+em +execu%E7%E3o+provis%F3ria&tb=jurisnova&pesq=ementario&part ialfields=%28TipoDecisao%3Aac%25C3%25B3rd%25C3%25A3o%7CT ipoDecisao%3Amonocr%25C3%25A1tica%29&requiredfields=&as_q= Acesso em 30/05/2001
NEVES, Daniel Amorim Assumpção; RAMOS, Glauco Gumerato; FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima; MAZZEI, Rodrigo. Reforma do CPC. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. NEVES, Daniel Amorim Assumpção; RAMOS, Glauco Gumerato; FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima; MAZZEI, Rodrigo. Reforma do CPC 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. NUNES, Dierle José Coelho. Honorários de sucumbência na nova fase de cumprimento de sentença estruturada pela Lei nº 11.232/05 . Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1098, 4 jul. 2006. Disponível em: <http:// jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8593>. Acesso em: 16 ago. 2006. OLIVEIRA, Allan Helber de. A segunda reforma do CPC. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002. RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de Direito Processual Civil. 4ª Ed. Refor., atual. E ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2008 SANTOS, Ernane Fidélis. Manual de Direito Processual Civil. Execução e Processo Cautelar. Vol. 2. 10ª ed. São Paulo: Saraiva. 2006 THEODORO JÚNIOR, HUMBERTO. As Novas Reformas do Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006. WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil. Execução. Vol.2. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2006 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, WAMBIER, Luiz Rodrigues e MEDINA, José Miguel Garcia. Breves Comentários à Nova Sistemática Processual Civil 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Disponível em: <http://www.tjmg. jus.br/juridico/jt_/inteiro_teor.jsp?tipoTribunal=1&comrCodigo=24&ano =8&txt_processo=282104&complemento=1&sequencial=0&palavras Consulta=&todas=&expressao=&qualquer=&sem=&radical=. Acesso em 26/05/2011 Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Disponível em: <http://www.tjmg.
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Disponível em: < http://www1. tjrs.jus.br/busca/?q=Inaplicabilidade+da+multa+do+artigo+475-J+ em+execu%E7%E3o+provis%F3ria&tb=jurisnova&pesq=ementario &partialfields=%28TipoDecisao%3Aac%25C3%25B3rd%25C3%25A3o %7CTipoDecisao%3Amonocr%25C3%25A1tica%29&requiredfields=& as_q=. Acesso em 30/05/2011 Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Disponível em: < http://srv85.tjrj. jus.br/ConsultaDocGedWeb/faces/ResourceLoader.jsp?idDocumento= 0003721BE36E32526A1B18CDE35B195F07A0A5C402625128. Acesso em Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Disponível em: <http://srv85.tjrj. jus.br/ConsultaDocGedWeb/faces/ResourceLoader.jsp?idDocumento= 00032E8EC50CB57C08B6DA722C85D4A8B3F48CC402615431. Acesso em
NOTAS DE RODAPÉ 1 BERNARDO CÂMARA: Advogado; Mestre em Direito Processual/PUC-MG; Especialista em Direito de Empresa-UGF/RJ. Ex-assessor Técnico e Professor da Escola Superior de Advocacia. Professor universitário de graduação (Newton Paiva) e pós-graduação (IEC - PUC-Minas); Diretor do Instituto dos Advogados de Minas Gerais - IAMG. 2 ALEXANDRE VARELA DE OLIVEIRA: Advogado; Pós- graduando em Direito Processual Civil pelo IDDE - Instituto para Desenvolvimento Democrático/Ius Gentium Conimbrigae. Graduado em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva
1 CÂMARA, Alexandre Freitas: Este princípio é, em verdade, corolário da própria finalidade da execução forçada, a satisfação do crédito exeqüendo, com a realização concreta da vontade do direito substancial. Assim é que o único fim normal do processo executivo (ou da fase executiva de um processo misto) é a satisfação do crédito exeqüendo. Qualquer outro desfecho será considerado anômalo. (Lições de Direito Processual
84 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
Civil.17ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2009. P.151) 2 Há também a situação especial informada pelo legislador no art. 587 do CPC (título executivo extrajudicial, quando pendente de julgamento recurso recebido em seu efeito apenas devolutivo, contra sentença que julgou improcedente os embargos do executado em que se determinou a liminar de suspensão da execução) que, na verdade, longe de informar uma situação especial em que o título executivo extrajudicial enseja execução provisória apenas cria uma regra de execução provisória “por equiparação” em que a atividade executiva, embora em execução provisória, ainda deverá gozar das proteções da execução provisória por equiparação. 3 Nesse sentido Elpídio Donizetti, Curso didático de Direito Processual Civil. 13ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2010. P. 786 4 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. Vol. 3.Saraiva.: São Paulo.2008. p.134 5 Conforme precedente da Corte Especial do STJ. Julgamento do REsp n.940.274/MS. Relator Ministro João Otávio de Noronha da Corte Especial. DJe 31/05/2010 6 Precedente da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça. Julgamento do REsp n. 1.059.478/RS. Min. Rel. Aldir Passarinho Jú-
nior da Corte Especial, DJe 11/04/2011.
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 85
A riqueza é em si mesma um valor? Contraposição entre Richard Posner e Ronald Dworkin sobre o ‘valor’ da riqueza Leonardo Goulart Pimenta1
Resumo: Este texto trata da contraposição entre os autores Richard Posner (análise econômica do direito) e Ronald Dworkin sobre a riqueza enquanto valor autoreferente. Trata de uma discussão axiológica sobre a riqueza e a atuação do direito sobre este pressuposto. Palavras-chave: Direito, Riqueza, Análise Econômica do Direito, Richard Posner, Ronald Dworkin.
1 INTRODUÇÃO
Nesta perspectiva, “maximização de riqueza” pode muito bem ser definida, ou alcançada, quando bens e outros recursos
1.1 PRESSUPOSTOS DA ANALISE ECONÔMICA DO DIREITO O pressuposto básico da economia que orienta a versão da análise econômica do direito é o de que as todas (com exceção de crianças bem novas e das que sofrem de distúrbios mentais
estão nas mãos dos que a valorizam mais. E alguém valoriza mais um bem se puder e estiver disposto a pagar mais em dinheiro (ou no equivalente do dinheiro) para possuí-lo. Richard Posner ilustra bem este conceito.
graves) pessoas são maximizadores racionais de suas satisfa-
Se A estiver do disposto a pagar até $ 100 pela cole-
ções. Em toda e qualquer atividade que implica uma escolha,
ção de selos de B, ela vale $ 100 para A. Se B estiver
o indivíduo busca maximizar sua satisfação entre as diversas
disposto a vender a coleção de selos a qualquer preço
formas de agir. Como essa definição abrange o criminoso que
acima de $90, ela vale $90 para B. Portanto, se B vender
decide se vai comete outro crime, o litigante que decide se vai
a coleção de selos para A (digamos por $100, mas qua-
entrar em acordo ou levar um caso ao juízo, o legislador que
litativamente a análise não é afetada por nenhum preço
decide se vai votar contra ou a favor de uma lei, o juiz que decide
entre $90 e $100 – e é somente dentro desses limites
como dar seu voto num caso, a parte de um contrato que decide
de variação que a transação vai ocorrer), a riqueza da
se vai quebrá-lo, o motorista que decide se deve ou não acelerar
sociedade aumentará em $10. Antes da transação, A ti-
seu carro, e o pedestre que decide com que grau de ousadia vai
nha $100 em espécie, e B tinha uma coleção de selos
atravessar uma rua, bem como os agentes econômicos habitu-
valendo $ 90 (um total de $190); de pois da transação, A
ais, como homens de negócios e consumidores, é evidente que
tem uma coleção de selos que vale $100 e B tem $100
a maior parte das atividades, quer as reguladas pelo sistema
em espécie (um total de $200). (POSNER, 2007, p. 477)
jurídico, que as que ocorrem no seu interior, são úteis e proveitosas para o analista econômico (POSNER, 2007, p. 474). A análise econômica do direito entende que a conduta legal ou ilegal de um indivíduo é decidida a partir de seus interesses e dos incentivos que encontra para efetuá-la ou não. Parte-se da premissa de que os sujeitos irão se conduzir diante do direito de forma a realizar a escolha que incorra em uma melhor relação quantitativa entre os custos e riscos envolvidos e os possíveis benefícios. Com efeito, o direito deve tratar justamente de intervir nesta capacidade de escolha no sentido de determinar ação do individuo em direção a uma maximização da riqueza. Para a análise econômica, o direito é entendido como um instrumento de maximização da riqueza a partir do momento que atua na capacidade de escolha racional pertinente a todos os indivíduos.
Observa-se que “um indivíduo maximiza sua riqueza quando aumenta o valor dos recursos que possui; sempre que ele consegue, por exemplo, adquirir algo que valoriza por algum soma menor que o máximo que estaria disposto a pagar por ela. Seu valor para ele é medido pelo dinheiro que pagaria se fosse necessário; se pode pagar, digamos, $4 pelo que pagaria $5 se fosse necessário, sua riqueza foi aumentada em $1”(DWORKIN, 2001, p. 352). Uma sociedade maximiza sua riqueza quando todos os recursos dessa sociedade são distribuídos de tal maneira que a soma de todas as valorizações individuais é tão elevada quanto possível. Estes pressupostos podem se aproximar algumas vezes do “ótimo de Pareto”. Segundo essa premissa teórica, uma situação econômica é ótima se não for possível melhorar a situação,
86 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
ou, mais genericamente, a utilidade, de um agente sem degra-
como “A Matter of Principle” (“Uma questão de princípio”) (1977),
dar a situação ou utilidade de qualquer outro agente econômico.
“Taking Rights Seriously” (“Levando os direitos a sério”) (1986),
Numa estrutura ou modelo econômico podem coexistir diversos
destaca-se na linha crítica da análise econômica do direito.
ótimos de Pareto. Um ótimo de Pareto não tem necessariamen-
Umas das questões que Ronald Dworkin apresenta aos
te um aspecto socialmente benéfico ou aceitável. Por exemplo,
pressupostos da analise econômica de Richard Posner é: uma
a concentração de rendimento ou recursos num único agente
sociedade é melhor do que outra se tem mais riqueza2? Em ou-
pode ser ótima no sentido de Pareto.
tros termos, a riqueza é algo que por si só vale a pena ter? Se,
No entanto, tal aproximação é negada tanto pelos autores
para a análise econômica defendida por Richard Posner, o direi-
da análise econômica do direito quanto por Dworkin. Tal proximi-
to deve caminhar no sentido de se maximizar a riqueza, então
dade acabou por causar alguns problemas conceituais que po-
deve tratar de demonstrar que uma sociedade (ou uma situa-
deriam ser resolvidos com uma maior apuração na linguagem.
ção) com mais riqueza é melhor que outra que tenha menos.
Assim, a teoria da maximização da riqueza não só é di-
Se a análise econômica do direito afirma que as ações ju-
ferente da teoria da eficiência de Pareto como também
diciais devem ser decididas de modo a aumentar a rique-
mais prática. A análise econômica do Direito, que torna
za social, definida do modo descrito, deve demonstrar
central o conceito de maximização de riqueza, deve,
por que uma sociedade com mais riqueza, por essa úni-
portanto ser distinguida da analise do Direito dos eco-
ca razão, é melhor ou está em melhor situação que uma
nomistas, isto é, da aplicação a contextos jurídicos da
sociedade com menos riqueza (DWORKIN, 2001, p. 359)
noção de eficiência dos economistas, que é a eficiência de Pareto. Quando o economista pergunta uma norma de Direito é eficiente, geralmente quer saber se a situ-
Para Dworkin, não resta claro por que a riqueza social é um objetivo digno.
ação produzida pela norma é eficiente segundo Pareto,
Agora porém, vem o cerne do problema. A análise eco-
não se ela promove a maximização da riqueza. Muita
nômica sustenta, em seu aspecto normativo, que a
confusão poderia ser sido evitada se Posner e outros
maximização da riqueza social é um objetivo digno, de
não tivessem usado as palavras “econômico” ou “efi-
modo que as decisões judiciais deveriam tentar maxi-
ciente” na descrição do seu próprio trabalho. Os econo-
mizar a riqueza social atribuindo, por exemplo, direitos
mistas não teriam ficado tão preocupados em assinalar
aos que os comprariam, não fossem os custos da tran-
que essas palavras obviamente não são usadas em seu
sação. Mas não está claro por que a riqueza social é
sentido técnico normal. Não teriam, então, suposto que
um objetivo digno. Quem pensaria que uma sociedade
Posner e seus colegas haviam cometido alguns erros
que tem mais riqueza, tal como é definida, é melhor ou
conceituais simples (DWORKIN, 2001, p.356).
está em melhor situação que uma sociedade que tem menos, a não ser alguém que cometeu o erro de perso-
O grande arauto da análise econômica do direito é o juiz
nificar a sociedade e, portanto, pensou que uma socie-
do tribunal de Apelações da justiça federal norte-americana e
dade está em melhor situação se tem mais riqueza, da
professor da escola de Chicago Richard Posner. Em sua profí-
mesma maneira que ocorre com qualquer individuo? Por
cua produção acadêmica, destacam-se obras como “Economic
que alguém que não cometeu esse erro deveria pensar
Analysis of Law” (“Análise Econômica do Direito”), em sua 7ª
que a maximização da riqueza social é um objetivo dig-
edição em 2007; “Law and Literature” (“Direito e Literatura”);
no? (DWORKIN, 2001, p. 356)
“Law and Legal Theory in England and America” (“Direito e Filosofia do Direito na Inglaterra e nos EUA”) (1996). Esta teoria que mescla conceitos da economia e direito tem cada vez mais inserção dentro do meio acadêmico e prático do direito. 2 A ANÁLISE ECONOMICA DO DIREITO EM QUESTÃO No entanto, as premissas da analise econômica direito não passam ilesas a diversas criticas. Vários problemas foram levantados e discutidos, especialmente por autores relacionados à filosofia do direito e à hermenêutica jurídica. Ronald Dworkin, em obras
Veja-se, no entanto, que uma resposta adequada a esta questão implica necessariamente em uma teoria do valor. Se a análise econômica afirma que se uma sociedade muda, no sentido de aumento da riqueza, isto provoca um aumento no valor, mesmo que não haja outras mudanças que também constituam um aumento no valor, e mesmo que a mudança represente, em outros aspectos uma queda no valor, resta saber se tal mudança (de aumento na riqueza social) constitui realmente um aumento
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 87
no valor por si só. Em outros termos, se uma sociedade apenas maximizar a riqueza, há um aumento no valor?
pois dela. Sendo assim, resta saber: a sociedade 2 é superior a so-
Ocorre que Dworkin aponta que essa é uma questão de filo-
ciedade 1 em qualquer aspecto? Não se está perguntando se
sofia moral, no seu sentido mais amplo, e não de como a anali-
o ganho de riqueza é superado pelo custo em justiça ou igual-
se econômica funciona na prática (DWORKIN, 2001, p.359). Ou
dade de tratamento, ou em qualquer outra coisa, mas se o ga-
seja, o argumento de que a analise econômica é a única forma
nho em riqueza, considerado por si só, chega a ser um ganho.
eficiente de mudar comportamentos não cabe aqui, pois busca-
Para Dworkin, de forma quase intuitiva ou, na melhor das hipó-
-se discutir o valor subjacente a um determinado comportamen-
teses, notória, a sociedade 2 não é melhor em nenhum aspecto.
to, i.e., a que valor se direciona determinado comportamento,
(DWORKIN, 2001, p. 360). Com efeito, se a sociedade 2 não
determinado ou não pelo cálculo racional de custos e riscos.
é superior em nenhum aspecto à sociedade 1, não é possível
Assim torna-se possível saber se a riqueza social é um
pensar que a riqueza é um componente do valor.
componente no valor. “Se resposta a pergunta é não – um mero
Poderia-se objetar que a maximização da riqueza é melhor
progresso na riqueza social não é um aumento no valor -, a afir-
atendida em um sistema jurídico que atribua direito de posse às
mação de que a riqueza social é um componente do valor não
pessoas e mantenha o princípio de que ninguém perca aquilo
se sustenta a afirmação normativa da análise econômica precisa
que tenha direito senão por meio de uma transação voluntária.
de outro apoio” (DWORKIN, 2001, 359).
Como no exemplo de Amartya de Derek: “se presumirmos que
Em primeiro lugar, Dworkin aponta uma situação de lógi-
Derek tem direito ao livro em um sistema de direitos calculado
ca econômica desconsiderada em geral pela teoria econômica
para maximizar a riqueza, então tomar o livro sem nenhuma
Posner. Segundo Dworkin, para maioria das pessoas há uma
compensação ofende, ao invés de promover, a maximização da
diferença entre a soma que estriam dispostas a pagar por algu-
riqueza” (DWORKIN, 2001, p. 361).
ma coisa que não têm e a soma que receberiam em troca dela
Trata-se de um argumento adequado ao exemplo. No en-
se já a tivessem. “Quando tenho a sorte suficiente para com-
tanto, pressupõe uma inversão dentro da análise econômica do
prar ingressos para Wimbledon por $5 na loteria anual, não vou
direito. Qual seja: alguém só tem direito na medida em que isto
vendê-los por digamos, $50, embora certamente não vá pagar
contribua na dinâmica de maximização da riqueza. Em outros
$20 para comprá-los quando perco na loteira” (DWORKIN, 2001,
termos, a instituição de direitos, e as atribuições de direitos,
p. 353). A análise econômica do direito supõe estipulações de
são justificados apenas na medida em que promovem a rique-
racionalidade que excluem a diferença de valor entre “pegar ou
za social com mais eficácia que outras instituições (DWORKIN,
largar” um bem. Nem Posner nem outros proponentes da análise
2001, p. 362). O conjunto de direitos atribuído a alguém como
econômica do Direito parecem incomodar-se muito com alguma
Derek deve servir apenas para maximizar a riqueza social. Por-
dessas possibilidades. “Podemos dizer que o objetivo da ma-
tanto, se o direito de Derek a ter o livro impede ou atrapalha a
ximização da riqueza só é alcançado por uma transferência ou
maximização da riqueza social, pode muito bem ser afastado.
distribuição especifica quando esta transferência aumentar a ri-
Às vezes, um ato que viola o que a maioria pensa que são direi-
queza social medida pelo que as pessoas em cujas mãos o bem
tos – como tomar o livro de Derek e dá-lo a Amartya – aumenta
cai pagariam para adquiri-lo se fosse necessário, e também pelo
a utilidade total.
que aceitariam para separa-se dele” (DWORKIN, 2001, p.353)
Mas outra objeção pode ser feita ao exemplo. No fim da his-
Voltando à questão principal, para explicar suas objeções,
tória, o bem está nas mãos de quem pagaria mais para té-lo. Se
Dworkin utiliza do seguinte exemplo hipotético. Derek tem um
Derek aceitaria apenas $2 pelo livro e Amartya pagaria $3, o livro
livro que Amartya quer. Derek venderia o livro a Amartya por $2
então dará mais satisfação a Amartya do que a Derek.
e Amartya pagaria $3 para ele. T (o tirano encarregado) toma o
No entanto, para que a objeção tenha sentido pressupõe-se
livro de Derek e o dá para Amartya com menos gasto de dinheiro
que além da riqueza se está aumentando a utilidade do bem.
ou equivalente do que seria consumido em custos de transação
Para Amartya o livro é, em termos gerais, mais útil, portanto, ela
se os dois fossem regatear a distribuição do valor excedente de
pagaria mais por ele.
$1. A transferência forçada de Derek para Amartya produz um
Mas para Posner, a riqueza é conceitualmente independen-
ganho de riqueza social, embora Derek tenha perdido algo que
te da utilidade. Como aponta Dworkin, “ele agora reconhece que
valoriza sem nenhuma compensação. (DWORKIN, 2001, 360).
comparações interpessoais de utilidade fazem sentido e susten-
Dworkin chama de “Sociedade 1” a situação que ocorreu antes
ta que aumentos na riqueza podem produzir decréscimo na uti-
da transferência forçada e de “Sociedade 2” a que ocorreu de-
lidade e vice-versa” (DWORKIN, 2001, p. 363).
88 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
Para ilustrar ainda mais seu argumento, Dworkin exacerba
Esta é, no final das contas, uma afirmação básica da
seu exemplo. Derek é pobre, doente e infeliz, e o livro é um de
ficção sentimental e de contos de fadas nem um pouco
seus poucos confortos. Ele só está disposto a vendê-lo por $2
sentimentais. Suponho, portanto, que o indivíduo tenha
porque precisa de medicamentos. Amartya é rico e satisfeito.
de escolher entre uma vida que o fará ais feliz (ou mais
Está disposto a gastar $3 pelo livro, o que representa uma par-
satisfeito, mais bem sucedido a seus olhos, ou seja o
cela bem pequena de sua riqueza, com base na possibilidade
que for) e uma vida que o tornará mais rico em dinheiro
fortuita de algum dia poder lê-lo, embora saiba que provavel-
ou no equivalente a dinheiro. Sria irracional de sua par-
mente não o fará (DWORKIN, 2001, p. 364).
te escolher a segunda. Tampouco, e isto é crucial, ele
Se o tirano forçar a transferência, sem compensação, a utili-
perde ou sacrifica qualquer coisa de valor aos escolher
dade total se reduzirá muito, pois o livro, extremamente útil para
a primeira. Não que deva preferir a primeira, reconhe-
o enfermo Derek, apresenta pouca ou nenhuma utilidade para
cendo que, na escolha, sacrifica algo de valor na segun-
Amartya. Mas para Posner, mesmo havendo decréscimo na uti-
da. O dinheiro ou seu equivalente é útil na medida em
lidade geral, o livro deve ser transferido, pois haverá um acrésci-
que capacita alguém a levar um ávida mais valiosa, mais
mo na riqueza total, tal como definida de anteriormente. A partir
bem sucedida, mais feliz ou mais moral. Qualquer um
deste exemplo, Dworkin conclui que, separada da utilidade, a
que o considere mais valioso é um fetichista das verdi-
riqueza social perde toda a plausibilidade.
nhas. (DWORKIN, 2001, p. 365)
Ainda neste sentido, Dworkin apresenta outro argumento: Os puritanos às vezes argumentam que, do mesmo modo que um individuo está necessariamente em melhor situação se tem mais felicidade ao longo de toda a sua vida, apesar de ter menos em dias específicos, assim também uam sociedade deve estar em melhor situação se tem mais felicidade distribuída entre seus membros, apesar de muitos deles terem menos. (DWORKIN, 2001, p. 364) Mas novamente o autor levanta duas objeções a este argumento. Primeiramente, não é verdade que um indivíduo esteja necessariamente em melhor situação se tem mais felicidade total ao longo de sua vida a despeito da distribuição. Em outros termos, é plenamente plausível um indivíduo preferir uma vida com menos prazer a uma vida de miséria com um mês de intenso prazer. Em segundo lugar, a sociedade não se relaciona com as pessoas como o indivíduo se relaciona com seus dias de vida. Em outros termos, o exemplo é uma forma de “não levar a sério a diferença entre os indivíduos” (DWORKIN, 2001, 364). Ainda no sentido de sustentar que a riqueza não deve ser considerada independente da utilidade, Dworkin é enfático a dizer: “é falso mesmo que um indivíduo esteja necessariamente em melhor situação se tem mais riqueza” (DWORKIN, 2001, p.365). Se Posner reconhece que mais riqueza não conduz necessariamente a mais felicidade, deveria também reconhecer a possibilidade contrária: que mais riqueza conduz a uma perda na
A história a de Derek e Amartya demonstra o insucesso da teoria da riqueza social como um componente do valor, pois a história demonstra não apenas que um ganho de riqueza pode ser contrabalançado por perdas de utilidade, e prova ainda que um ganho de riqueza social, considerado por si só e separadamente de seus custos ou de outras conseqüências, boas ou más, não é absolutamente um ganho. 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS Como teoria de grande relevância para compreensão do direito contemporâneo, a análise econômica do direito entendida a partir dos ensinamentos paradigmáticos de R. Posner, enfrenta grandes criticas, especialmente de Ronald Dworkin, ao buscar afirma a riqueza como um valor em si mesmo. 4 REFERÊNCIAS DWORKIN, Ronald M. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002. DWORKIN, Ronald M. O império do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2003. DWORKIN, Ronald M. Uma questão de princípio. São Paulo: Martins Fontes, 2001. POSNER, Richard A. Problemas de filosofia do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
felicidade, pois, como ele mesmo diz, as pessoas querem outras coisas além da riqueza, e essas preferências adicionais podem ser colocadas em risco pelo aumento da riqueza.
POSNER, Richard A. The problematics of moral and legal theory. Harvard Law Review, v. III, 1998, p. 1638-1709.
Dworkin é bastante incisivo em sua argumentação: PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 89
RYERSON, James. The Outrageous pragmetism of Judge Richard Posner. Língua Franca, v. 10, nº 4, may, 2000.
NOTAS DE RODAPÉ Mestre e Doutor em Teoria do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professor de Filosofia do Direito, Direito Romano e História do Direito da Puc/Minas.
1
Dworkin apresenta dois tipos de resposta a esta questão:(a) a versão imodesta – sustenta que a riqueza social é o único componente do valor social. Argumenta que o único aspecto e que uma sociedade pode ser melhor ou estar em melhor situação é o da riqueza social (b) a versão modesta argumenta que a riqueza é um componente entre outros da valor social. Uma sociedade, pro tanto, é melhor que outra se tem mais riqueza, mas pode ser pior, de modo geral, quando outros componentes são levados em conta, inclusive componentes da distribuição. (DWORKIN, 2001, p. 356)
2
90 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
A VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE EM FACE DO REGIME OBRIGATÓRIO DE SEPARAÇÃO DE BENS DO MAIOR DE SETENTA ANOS Leandro Henrique Simões Goulart1 Rosane Monteiro Barbosa2
Resumo: O presente trabalho tem como escopo principal demonstrar o desrespeito que vem sendo cometido perante a Constituição Federal ao ser estabelecido que os maiores de setenta anos devem, obrigatoriamente, se casar pelo regime de separação de bens. Pretende-se, ainda, ressaltar que a idade não pode ser encarada como critério objetivo de incapacidade, não podendo prevalecer sobre a autonomia privada. Palavras-chave: Casamento. Incapacidade. Maiores de Setenta Anos. Princípio da Igualdade. Regime de Bens.
1 PRINCÍPIO DA IGUALDADE
tãos nem judeus. Todos os indivíduos, quaisquer que
O conceito de igualdade trouxe posições diversas na doutri-
sejam seus títulos, a sua riqueza e a sua classe social,
na. Para os nominalistas, a igualdade não possui significado no
estão sujeitos à mesma lei civil, penal, financeira e mili-
mundo real, tratando-se apenas de um nome. Já os idealistas
tar. Em paridade de condições, ninguém pode ser trata-
afirmam a necessidade de haver um igualitarismo absoluto entre
do excepcionalmente, e, por isso, o direito de igualdade
todos (SILVA, 2010).
não se opõe a uma diversa proteção das desigualdades
Para Rousseau, há dois tipos de igualdade. A igualdade na-
naturais por parte de cada um.
tural ou física, que advém da natureza, saúde, idade e qualidades de cada ser humano. A igualdade moral ou política, que é
Deve-se analisar tal disposição de maneira extensiva, bus-
estabelecida mediante convenção entre os homens, de acordo
cando não somente a igualdade perante a lei, mas também a
com privilégios pré-fixados (SILVA, 2010).
igualdade material. O que se aspira é que a proteção estatal a
Aristóteles relaciona os vocábulos igualdade e justiça, trans-
todos concedida se dê de forma igualitária, de modo que se tra-
mitidos pela idéia de dar a cada um o que é seu. Trata-se assim
te igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida
de igualdade formal, de modo que seria correto tratar de ma-
de sua desigualdade. (MELLO, C., 1999, p.10). Neste sentido,
neira diferenciada o senhorio e os escravos. Isto ocorre porque
afirma Manoel Gonçalves Ferreira Filho (1986, p.581):
escravos não seriam semelhantes ao senhorio, o que justifica-
O princípio da isonomia oferece, na sua aplicação à
ria a desigualdade sem causar injustiça. É assim que Charles
vida, inúmeras e sérias dificuldades. De fato, conduzi-
Perelman citado por José Afonso da Silva (2010, p.213) define
ria a inomináveis injustiças se importasse em tratamento
igualdade formal: “é um princípio de ação, segundo o qual os
igual para os que se acham em desigualdade de situ-
seres de uma mesma categoria essencial devem ser tratados
ações. A justiça que reclama tratamento igual para os
da mesma forma.”
iguais pressupõe tratamento desigual para os desiguais.
A Constituição Federal de 1988 adotou o princípio da igual-
Ora, a necessidade de desigualar os homens em certos
dade em seu sentido formal, ao dispor em seu art. 5º que todos
momentos, para estabelecer, no plano do fundamental,
são iguais perante a lei, sem qualquer tipo de distinção. Ao con-
a sua igualdade, cria problemas delicados que nem
trário do que defendia Aristóteles, o dispositivo constitucional
sempre a razão humana resolve adequadamente.
objetiva eliminar tratamentos desiguais e privilégios concedidos arbitrariamente (SILVA, 2010). Contudo, o que se observa é que
Deste modo a igualdade somente seria desrespeitada se o
tal dispositivo constitucional por si só não equaliza todos, como
critério para determinar a desigualdade fosse advindo de arbitra-
afirma Marnoco e Souza citado por José Cretella Júnior (1992):
riedades ou utilizado para finalidades diversas não abrangidas
[...] a igualdade perante a lei, quer dizer, em face dela, não há nobres nem plebeus, clérigos nem leigos, cris-
pelo Direito (CANOTILHO, 2003). O princípio da igualdade deve ser apreciado em três planos
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 91
distintos.
Por fim, a discriminação deve estar em conformidade com
Inicialmente, deve ser observado pelo legislador, que deve
os interesses constitucionais. Deste modo, não se pode depre-
criar uma lei igual para todos, e não criar direitos e deveres di-
ciar ou valorizar algo de modo a contrariar a Constituição. Assim
ferentes para pessoas em iguais condições, como afirma Celso
afirma Celso Antônio Bandeira de Mello (1999, p.43): “[...] não é
Antônio Bandeira de Mello (1999, p.10):
qualquer fundamento lógico que autoriza a desequiparar, mas
A lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições,
tão só aquele que se orienta na linha de interesses privilegiados
mas instrumento regulador da vida social que neces-
na ordenação jurídica máxima.”
sita tratar equitativamente todos os cidadãos. Este é o
Em segundo plano, deve ser observado pelos aplicadores
conteúdo político-ideológico absorvido pelo princípio da
do Direito, como afirmava Anschütz citado por Canotilho (2003,
isonomia e juridicizado pelos textos constitucionais em
p.426) “as leis devem ser executadas sem olhar às pessoas”. O
geral, ou de todo modo assimilado pelos sistemas nor-
magistrado, ao determinar o Direito aplicável ao caso concreto
mativos vigentes.
deve agir em conformidade com a Constituição e não aplicar a lei conforme a classe social ou a raça.
Para que sejam elaboradas leis diversas que não causem
Em terceiro plano, deve ser observado pelos particulares.
discriminação, estas devem ser fundamentadas e o critério defi-
Estes não podem a mero arbítrio discriminarem ou excluírem
nidor de desigualdade necessita ser genericamente aceito, não
outrem em razão de raça ou cor. O vendedor pode valer-se de
se tratando de critério meramente subjetivo. Para que isto ocor-
sua autonomia privada para não vender ao mau pagador, não
ra, deve-se recorrer ao princípio da proporcionalidade, à medida
podendo, no entanto, deixar de ofertar seus produtos ao com-
que os meios utilizados devem ser proporcionais e compatíveis
prador negro, por exemplo.
com os fins almejados (MORAES, 2006).
Em todos os planos, o desrespeito ao princípio da igualda-
Para Celso Antônio Bandeira de Mello (1999, p.21), alguns
de implicaria em desobediência aos preceitos constitucionais,
critérios devem ser seguidos para que a norma discriminadora
de modo que no primeiro e no segundo caso tratar-se-ia de
esteja em conformidade com o princípio da igualdade e, con-
flagrante inconstitucionalidade e no último caso poderia haver
seqüentemente, em conformidade com a Constituição Federal.
responsabilização civil e/ou penal.
Deste modo, deve-se apreciar o critério adotado, a justificativa para que ele seja capaz de diferenciar os cidadãos e sua compatibilidade com os preceitos constitucionais. No que tange ao critério de diferenciação, este não pode ser definido por tempo indeterminado e de modo absoluto, ou seja, de modo a proteger situação única e atingir apenas uma pessoa. Isto poderia ser evitado se a norma possuísse existência futura, vez que abrangeria um número de pessoas naquela situação. Assim, deve ser respeitado o caráter geral da lei, devendo a norma visar à pessoa futura e indeterminada (MELLO, C., 1999, p.25). Ademais, o critério diferenciador deve residir na pessoa ou situação, não devendo ser apreciado o critério alheio a estas. A necessidade de justificativa para que haja discriminação reside no fato de que não se pode discriminar as pessoas aleatoriamente. Ou seja, “a discriminação não pode ser gratuita ou fortuita” (MELLO, C., 1999, p.39). Para que a discriminação seja constitucional, deve haver uma justificativa plausível, razoável e
2 AUTONOMIA PRIVADA Autonomia, originada do grego, deriva de “autós”, que é próprio, individual e de “nomía”, que significa conhecer, administrar. Tem-se como sentido correto da palavra a faculdade de se autogovernar (RODRIGUES in FIÚZA, 2007, p.3). Inicialmente, para compreender a evolução histórica da autonomia, necessário se faz diferenciar autonomia da vontade de autonomia privada. Autonomia da vontade é a liberdade que o indivíduo tem de tomar decisões e se autogovernar. Possui caráter psicológico, como aponta Francisco Amaral Neto citado por Roberta de Faria (in FIÚZA, 2003, p.25): A autonomia da vontade pode ser entendida, então, como princípio pelo qual o agente tem a possibilidade de praticar um ato jurídico, determinando-lhe o conteúdo, a forma e os efeitos. Tem conotação mais subjetiva, psicológica.
racional, ela deve guardar um nexo lógico com o critério adotado. Assim, ao vedar a diferenciação em razão do sexo, por
A autonomia da vontade é assim a liberdade que se tem de
exemplo, o caput do art. 5º da Constituição vedou a discrimi-
escolher com quem irá contratar e como será o contrato, aten-
nação por si só, a discriminação quando inexistente justificativa
dendo as necessidades de cada um dos contratantes, vez que
lógica (MELLO, C., 1999, p.17).
o contrato deriva da vontade das partes (PLANIOL apud FIÚZA
92 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
in FIÚZA, 2003, p.25). Já autonomia privada é a liberdade que o cidadão tem de tomar decisões em conformidade com o ordenamento jurídico vigente, ou seja, é uma faculdade de se autogovernar que é limitada pelas normas vigentes. Ainda segundo Francisco Amaral Neto citado por Roberta de Faria (in FIÚZA, 2007, p.61): A autonomia privada apresenta-se, por outro lado, como poder que o particular tem de estabelecer as regras jurídicas de seu próprio comportamento, ou seja, o poder
gualdades e desequilíbrios sociais, fazendo cair por terra postulados de igualdade formal e da não intervenção estatal. A história mostrou ao homem como o exagero da autonomia da vontade não se compatibilizava com as verdadeiras e essenciais necessidades sociais, em que deveres de reconhecimento e respeito mútuo assinalam as relações de interdependência que surgem no seio da sociedade.
de criar, nos limites legais, normas jurídicas. Tem uma conotação mais objetiva, concreta e real. (Grifo nosso).
As relações privadas passaram a ser maculadas pelo dirigismo contratual, de modo que a autonomia da vontade foi
A autonomia privada consiste também na liberdade de con-
substituída pela autonomia privada. Ao contrário do Estado Li-
tratar, mas desde que o contrato seja compatível com o ordena-
beral, havia agora uma prevalência do interesse social sobre o
mento jurídico.
individual. O Estado passou a participar ativamente das relações
A consolidação do princípio da autonomia da vontade deu-
entre particulares, dando início à garantia dos direitos sociais,
-se com a evolução do comércio e a facilitação de transações
sendo por isso chamado de Estado de Bem-Estar Social. A jus-
individuais. Baseando-se na doutrina individualista do século
tiça formal não era mais suficiente, preponderando a justiça ma-
XVIII, tinha como característica a supervalorização do ser huma-
terial (FARIA in FIÚZA, 2007, p.57).
no (FARIA in FIÚZA, 2007, p.56). Deste modo, o indivíduo era a
Ressalta-se que a autonomia continuou existindo, mas não
causa final de tudo, derivando dele as normas (AMARAL NETO
nos moldes anteriores. Agora ela deveria obedecer aos precei-
apud RODRIGUES in FIÚZA, 2007, p.56).
tos estatais, ou seja, ao ordenamento jurídico, estando em con-
A não intervenção estatal na esfera privada predominante
sonância com ele.
no Estado Liberal propiciava o individualismo, que por sua vez
Ocorre que um Estado extremamente paternalista também
fortalecia a autonomia da vontade. Isto ocorria devido ao fato de
não era o modelo procurado, entrando em crise na década de
que tal Estado tinha como base a justiça, liberdade e igualdade
70 (ANDRADE JÚNIOR, 2010, p.238).
formal, não importando se tais ideais estavam de fato sendo con-
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 houve
cretizados. Este Estado era mero garantidor das relações sociais,
consolidação do Estado Democrático de Direito, que é basea-
visto, à época, como um mal necessário (FIÚZA in FIÚZA, 2003,
do na soberania popular (SILVA, 2010, p.119). Houve ainda a
p.25). Deste modo, a realização do interesse privado seria a con-
constitucionalização do Direito Civil, na qual as normas civilis-
cretização do interesse público (ALMEIDA GUILHERME apud RO-
tas passaram, mais do que nunca, a serem interpretadas em
DRIGUES in FIÚZA, 2007, p.57). Neste sentido afirma Francisco
conformidade com a Constituição (FIÚZA in FIÚZA, 2003, p.29).
Amaral Neto citado por Roberta de Faria (in FIÚZA, 2007, p.57):
Ineficaz seria um dispositivo civilista se não fosse lido à luz da
A autonomia da vontade revelou-se, àquela época,
Constituição Federal.
como produto e como instrumento de um processo po-
Diante disso, a autonomia privada advinda do Estado So-
lítico e econômico baseado na liberdade e na igualdade
cial de Direito também deveria respeitar os parâmetros constitu-
formal, com positivação jurídica nos direitos subjetivos
cionalmente estabelecidos, como afirma César Fiúza (in FIÚZA,
de propriedade e de liberdade de iniciativa econômica.
2003, p.32): “[...] a chamada constitucionalização do Direito Civil. As normas fundamentais, os valores e princípios constitucio-
Com a Primeira Guerra Mundial e a Constituição de Weimar de 1919, surgiu o Estado Social de Direito. O Estado Liberal
nais atuam como convergentes. É a partir deles que se deve interpretar toda norma jurídica, inclusive os Códigos”.
havia entrado em crise devido ao excesso de liberdade e a au-
Ao analisar a evolução histórica da autonomia, percebe-se
sência do Estado. O paradigma de não intervenção estatal foi
que no primeiro momento da história ela foi prestigiada de modo
então substituído pelo paradigma do Estado interventor, como
a ser utilizada sem limites, acima até mesmo das leis. Contudo,
afirmam André Rüger e Renata Rodrigues (in FIÚZA, 2007, p.6):
esse paradigma entrou em crise, pois o excesso de liberdade de
Porém, a pretensão de absolutidade da vontade foi responsável pelo surgimento de severas desi-
uns acabou por chocar-se com o excesso de liberdade de outros.
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 93
Isto ocorreu porque não havia um Estado interventor para restau-
casamento para a constituição da família. Contudo, tal instituto
rar a ordem e, conseqüentemente, concretizar o interesse público.
não perdeu sua importância. Para César Fiúza (2007, p.947) o
Diante dessa crise, optou-se por um Estado extremamente
casamento é o alicerce da família.
interventor que iria supostamente atender a todos os anseios
O casamento vem se modificando de acordo com a mu-
sociais através de seu dirigismo. Contudo, tratava-se de uma
dança de mentalidade da sociedade, o que traz dificuldades à
utopia, motivo pelo qual não demorou haver nova crise.
doutrina para elaborar-lhe uma definição precisa. Assim, Maria
Dessa vez foi necessária não uma mudança radical de para-
Berenice Dias (2009, p.141) afirma que casamento é “o ato de
digma, mas a adaptação daquele vigente. A Constituição trouxe
celebração do matrimônio como a relação jurídica que dele se
consigo normas que devem ser aplicadas em todo e qualquer
origina, a relação matrimonial. O sentido da relação matrimonial
âmbito do Direito. E assim foi ajustada a autonomia privada.
melhor se expressa pela noção de comunhão de vidas, ou de
Hodiernamente não há que se falar em autonomia da vontade.
comunhão de afetos”. Segundo César Fiúza (2007, p.947), ca-
Fala-se em uma autonomia que acima de tudo está de acor-
samento é “[...] a união estável e formal entre homem e mulher,
do com os preceitos da Constituição. É uma autonomia na qual
com objetivo de satisfazer-se e amparar-se mutuamente, cons-
prevalece a liberdade de escolha do cidadão, desde que essa
tituindo família”.
escolha não vá contra o que dispõe o ordenamento jurídico, sob pena de inconstitucionalidade e ilicitude.
Há ainda na doutrina, discussões acerca da natureza jurídica do casamento. Para uns é tido como instituição, devido às
Contudo, a constitucionalização não retirou da autonomia
regras e imposições legais determinadas a partir de sua celebra-
privada sua importância. Esta prevalece, sendo a vontade isenta
ção. Para outros é uma espécie de contrato de adesão, vez que
de vícios, requisito do negócio jurídico, por exemplo. Uma vez
os efeitos e normas são previamente estabelecidos pela lei, e
ausente ou viciada a declaração de vontade, inexistente ou ine-
não fixados pela vontade das partes (DIAS, 2009, p.145).
ficaz será o negócio jurídico (GAGLIANO, 2003, p.329). Neste
Há quem defenda ainda que se trata de um contrato sui
sentido afirma Marcos Bernardes de Mello (1998, p.119): “[...] a
generis, no qual são aplicadas disposições especiais, e não as
exteriorização da vontade consciente constitui elemento nuclear
disposições dos negócios patrimoniais. Tendo em vista que é
do suporte fático do ato jurídico ‘lato sensu’”.
um negócio jurídico bilateral não regido pela teoria dos negócios
Assim, no Estado Democrático de Direito, “o povo é o prin-
jurídicos, mas sim pelo Direito de Família, existem doutrinado-
cipal destinatário do Direito” (ANDRADE JÚNIOR, 2010, p.230).
res que afirmam se tratar de um negócio de direito das famílias
Para que não haja novamente crises como no Estado Liberal e
(DIAS, 2009, p.145).
no Estado Social, deve haver uma congruência de interesses
A respeito do tema há ainda três correntes. Para a corrente
do Estado e do povo. Não se pode retirar a autonomia, retirar
individualista o casamento é um contrato de vontades conver-
do povo a possibilidade de escolha. Contudo, não se pode dei-
gentes para obtenção de fins jurídicos. Para a corrente institu-
xar que esta autonomia governe o Estado, pois os interesses
cional existem normas imperativas que aderem aos cônjuges.
individuais nem sempre convergem para o mesmo fim que o
E, por fim, a corrente eclética acredita que em sua formação o
interesse público.
casamento possui aspecto de contrato, mas em seu conteúdo possui aspecto de instituição (DIAS, 2009, p.144).
3 CASAMENTO
O Código Civil em nenhum de seus artigos trouxe a definição do que seria o do casamento. Em contrapartida, baseou-se
3.1 Conceito O casamento data dos primórdios da humanidade. Antes de ser reconhecido juridicamente, era reconhecido como base da sociedade, pois através dele se originava a família.
na igualdade constitucional, ao determinar que o casamento estabelece a comunhão plena de vidas, sendo iguais os direitos e deveres dos cônjuges (art. 1511 do CC). Deste modo, o Código Civil cuidou de estabelecer as con-
Com a crise vivida pela família com a Revolução Industrial,
seqüências da vida matrimonial. Assim, estabeleceu em seu art.
no qual a mulher assumiu os postos de trabalho, e com a Re-
1565 que “pelo casamento, homem e mulher assumem mutua-
volução Sexual, esta instituição deixou de ser o pilar máximo do
mente a condição de consortes, companheiros e responsáveis
Direito Civil, que tem agora como base o ser humano e sua dig-
pelos encargos da família” (BRASIL, 2002).
nidade (FIÚZA in FIÚZA, 2003, p.28). Hodiernamente, não é mais necessária a celebração do
Isto ocorre porque, uma vez alterados os estados civis de solteiros para casados, surge a comunhão plena de vidas, nas-
94 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
cendo com ela direitos e deveres. Estes irão influir não apenas
CC. Se houver, por exemplo, vício na vontade que levou à cele-
na vida íntima e pessoal dos cônjuges, mas irão promover alte-
bração do casamento ou incapacidade para manifestar o con-
rações em sua condição social e no modo como são identifica-
sentimento, este será passível de anulabilidade, nos termos do
dos por terceiros (DIAS, 2009, p.144).
art. 1550 do CC.
3.2 Capacidade para o Casamento O Código Civil, em seu art. 1517, estabelece a idade mínima necessária para a celebração do casamento. É a chamada idade núbil, no qual os nubentes devem possuir dezesseis anos (DIAS, 2009, p.150). Entretanto, para que possa haver vínculo conjugal nesta idade é necessária a autorização de ambos os pais ou representantes legais. Se houver divergência quanto à autorização dos pais (parágrafo único do art. 1517 do CC), estes poderão recorrer ao juiz em busca de uma solução (art. 1631, parágrafo único do CC). A autorização para formação do vínculo conjugal dos relativamente incapazes pode ser revogada pelos pais ou representantes legais até a celebração do casamento (art. 1518 do CC). Se não for dada a autorização, pode-se acionar o Judiciário, que suprirá a ausência de consentimento quando injusta (art. 1519 do CC). Uma vez celebrado o casamento sem o consentimento previsto no art. 1517 do CC, os nubentes deverão adotar o regime de separação de bens por força do art. 1641, III do CC. Segundo Maria Berenice Dias (2011), trata-se de uma punição injustificada, vez que a ausência de consentimento dos pais foi injustificada, sendo suprida judicialmente. A lei traz duas hipóteses nas quais é possível a celebração do casamento de menores de dezesseis anos sem a autorização dos pais. Segundo o art. 1520 do CC, isto é possível quando for para evitar a imposição ou cumprimento de pena criminal, ou em caso de gravidez. A celebração do casamento, para evitar a imposição ou o cumprimento da pena, ocorria quando a mulher estuprada casava-se com o seu agressor. Nesta hipótese, o Código Penal previa que o agente estava isento de pena. Contudo, tal dispositivo foi banido do Código, não havendo previsão correspondente. No que tange ao casamento em virtude de gravidez, verifica-se que não é uma hipótese muito utilizada. Isto porque com a inserção da mulher na sociedade e a mudança de mentalidade da população, o casamento não é mais a única forma de constituir a família. Hodiernamente, a mulher solteira que engravida não é vista como um tabu, como ocorria nas décadas passadas. Assim, apesar de existir previsão legal na qual não é necessário atingir a idade núbil para o casamento, tais hipóteses são pouco utilizadas. O casamento realizado sem a plena capacidade de uma das partes pode ensejar nulidade, como dispõe o art. 1548 do
4 REGIME DE BENS 4.1 Conceito Sendo um instituto jurídico, o casamento gera vínculo entre os casados acarretando-lhes conseqüências, como disposto no art. 1565 do CC e reafirmado por Rolf Madaleno (in DIAS, 2002, p.155): “[...] com o casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e, assim, responsáveis pelos encargos da família”. Os cônjuges assumem novas obrigações, se tornando responsáveis pela gerência da casa e da família que constituíram. Assim como as vidas se reúnem, o mesmo pode acontecer com os bens. Surge então a necessidade de definir as questões patrimoniais, ou seja, a quem pertencem os bens adquiridos antes e durante o casamento. Deste modo, é o regime de bens uma das conseqüências jurídicas do casamento, vez que não há casamento sem regime de bens (DIAS, 2005, p.207). Segundo Arnoldo Wald (2004, p.101), regime de bens é “[...] a regulamentação das relações pecuniárias oriundas da associação conjugal, embora o regime de bens não abranja todos os aspectos patrimoniais da vida conjugal”. Sendo assim, o regime de bens origina-se da união civil entre duas pessoas, perdurando enquanto houver intenção de manter a união, se extinguindo com o fim da união (MADALENO in DIAS, 2002, p.156). Quando do fim do vínculo conjugal, o regime de bens será determinante para estabelecer a divisão do patrimônio, determinando qual bem pertence a cada cônjuge. 4.2 Do Regime de Comunhão Parcial Este regime é o que o Código Civil adota como regime legal. Ou seja, é adotado em caso de ausência de manifestação dos cônjuges e de nulidade ou anulabilidade do pacto antenupcial, como dispõe o art. 1640 do CC (MADALENO in DIAS, 2002, p.164). Neste regime existem três tipos de bens. Os bens pertencentes ao marido, os pertencentes à mulher e os pertencentes ao casal. Isto ocorre devido à previsão do Código de quais bens participam da comunhão (art. 1660 do CC) e quais estão excluídos da comunhão (art. 1659 do CC). Segundo Maria Berenice Dias (2005, p.222) “trata-se de um regime de separação quanto ao passado e de comunhão quanto ao futuro”. Estão incluídos na comunhão: os bens adquiridos na cons-
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 95
tância do casamento, que segundo César Fiúza (2007, p.962),
que administrava e os do outro cônjuge à medida que tiver obtido
trata-se de presunção absoluta do Código de que estes bens
vantagens (art. 1663 do CC). Deste modo, deve-se analisar o mo-
são frutos de esforços comuns do casal; os bens adquiridos por
mento em que a dívida foi contraída e qual foi a sua causa para
fato eventual, com ou sem concurso de trabalho ou despesa an-
verificar qual patrimônio irá responder (DIAS, 2005, p. 225).
terior, como prêmios de loteria; os bens adquiridos por doação, herança ou legado em favor de ambos os cônjuges; os frutos dos bens comuns e dos bens particulares e os frutos dos bens comuns ou particulares, pendentes ao fim do casamento. Estão excluídos da comunhão: os bens de cada cônjuge, adquiridos antes do casamento; as doações, herança e legados percebidos a um dos cônjuges a qualquer tempo; os bens que substituírem os dois anteriormente citados; os bens adquiridos em substituição aos bens particulares dos cônjuges; as obrigações anteriores ao casamento e as derivadas de ato ilícito desde que resultado seja revertido em proveito do casal; os bens de uso pessoal, livros e instrumentos da profissão; rendimentos da profissão de cada um dos cônjuges e as pensões, meios-soldos e montepios1 (FIÚZA, 2007, p.961) e os bens cuja aquisição tiver por título uma causa anterior ao casamento, como indenizações relativos a fatos anteriores ao casamento (BRASIL, 2002). Para Rolf Madaleno (in DIAS, 2002, p.168), o legislador cometeu um equívoco ao excluir da comunhão os proventos do trabalho pessoal dos cônjuges, pois através deles é que se torna possível a aquisição de bens. Para ele, o legislador privilegiou o cônjuge que deseja constituir seu patrimônio em espécie e não em bens, gerando um desequilíbrio na relação conjugal. Maria Berenice Dias (2005, p.223) também é uma das críticas do art. 1659, VI do CC, pois afirma que deste modo nada seria comunicável, vez que as pessoas têm como sustento o rendimento do seu trabalho. Afirma ainda, que tal dispositivo compromete o equilíbrio da divisão das obrigações familiares. Neste regime de bens também é possível a realização de pacto antenupcial para decidir acerca de questões não reguladas pelo Código. É lícita ainda entre os cônjuges a compra e venda de bens excluídos da comunhão e a doação (DIAS, 2005, p.223). De acordo com o art. 1663 do CC, a administração do patrimônio comum concorre a ambos os cônjuges, sendo privilegiada a igualdade estabelecida na Constituição (MADALENO in DIAS, 2002, p.169). Em caso de dilapidação dos bens, pode o juiz atribuir a administração a apenas um dos cônjuges (art. 1663, §3º do CC). Já o patrimônio individual deve ser administrado pelo cônjuge proprietário, salvo convenção em contrário no pacto antenupcial (art. 1665 do CC). Deste modo, as dívidas contraídas por um dos cônjuges quando da administração dos bens particulares não atingem os bens comuns (art. 1666 do CC). Já as dívidas contraídas quando da administração dos bens comuns obriga os bens comuns, os bens particulares do cônjuge
4.3 Do Regime de Comunhão Universal Neste regime, todos os bens, presentes e futuros, bem como as dívidas, pertencem, a princípio, a ambos os cônjuges (art. 1667 do CC). Ao adotar este regime, cada um dos cônjuges passa a ter direito à metade do patrimônio comum e das dívidas comuns (MADALENO in DIAS, 2002, p.170). Contudo, existem exceções à comunhão universal, que são tratadas pelo art. 1668 do CC. São elas: os bens recebidos em doação ou herança, com cláusula de incomunicabilidade e os substituídos em seu lugar; os bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário, antes de realizada a condição suspensiva2; as dívidas contraídas antes do casamento, salvo se advindas de despesas com o seu preparo ou revertidas em proveito comum; as doações antenupciais, feitas por um dos noivos ao outro, com cláusula de incomunicabilidade; os bens de uso pessoal, livros, instrumentos; rendimentos da profissão de cada um dos cônjuges e as pensões, meios-soldos e montepios (FIÚZA, 2007, p.962). Ressalta-se que são comunicáveis os frutos dos bens listados no art. 1668 do CC e explicitados acima (art. 1669 do CC). Tal regime só pode ser adotado mediante pacto antenupcial (DIAS, 2005, p.227). A administração dos bens se dá da mesma forma que no regime de comunhão parcial de bens (art. 1670 do CC). Para que sejam alienados e onerados os bens é necessária manifestação de ambos os cônjuges, exigência que não pode ser afastada sequer por pacto antenupcial. Pode-se falar em desnecessidade de manifestação quando se tratar do rol elencado no art. 1668 do CC (DIAS, 2005, p.228). Ao adotar esse regime de bens, os cônjuges não podem contratar sociedade entre si ou com terceiros (art. 977 do CC). Finda a vida em comum, é dividido o patrimônio comum e cessa a responsabilidade dos cônjuges para com os credores do outro (art. 1671 do CC). 4.4 Do Regime de Participação Final nos Aquestos Neste regime, cada cônjuge possui patrimônio próprio enquanto da manutenção do vínculo do casamento. À época de sua dissolução, caberá a cada cônjuge metade dos bens adquiridos onerosamente na constância do casamento (art. 1672 do CC). Neste sentido, afirma Rolf Madaleno (in DIAS, 2002, p.171):
96 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
Cuida-se, em realidade, de um regime de separação de
dinheiro, deverão ser alienados tantos bens quantos forem ne-
bens, no qual cada consorte tem a livre e independente
cessários à quitação do valor devido (art. 1684 do CC).
administração do seu patrimônio pessoal, dele podendo
O art. 1674 do CC lista o que é excluído da soma do patri-
dispor quando for bem móvel e necessitando de outorga
mônio próprio quando da partilha. São eles: os bens anteriores
do cônjuge se imóvel. Apenas na hipótese de ocorrer
ao casamento e os adquiridos para substituí-los; os bens ad-
a separação judicial é que serão apurados os bens de
quiridos a título de doação ou herança e as dívidas relativas aos
cada cônjuge separando, tocando a cada um deles a
bens supracitados (FIÚZA, 2007, p.964). Deste modo, tais bens
metade dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso,
e dívidas são excluídos quando da apuração dos aquestos.
na constância do casamento.
Os bens doados por um cônjuge sem autorização do outro estão incluídos na contabilidade dos aquestos. Assim, o cônjuge
Assim, aquesto é “todo bem adquirido, a título oneroso, na constância do casamento” (FIÚZA, 2007, P.964).
que não anuiu com a doação pode reivindicar os bens doados. Pode ainda, requerer seja declarado no montante partilhável, por
Para César Fiúza (2007, p.964), trata-se de um regime autô-
valor equivalente à época da partilha (FIÚZA, 2007, p.964), para
nomo, vez que conjuga elementos da separação de bens e da
que seja indenizado em dinheiro ou compensado com outros
comunhão parcial de bens.
bens (MADALENO in DIAS, 2002, p.172). Se houver alienação
Quando da constância do casamento, prevalecem as ca-
dos bens por um dos cônjuges, com intuito de prejudicar a me-
racterísticas do regime de separação de bens. Cada cônjuge é
ação, seu valor será incluído nos aquestos, sendo por ele res-
proprietário dos bens particulares, que são aqueles adquiridos
ponsável o cônjuge que o alienou, salvo se houver possibilidade
antes do casamento e os recebidos por herança ou doação, e
de reivindicar o bem (art. 1676 do CC) (FIÚZA, 2007, p.965). Ou
dos bens comuns, que são aqueles adquiridos na constância do
seja, se houver alienação fraudulenta, tal ato é considerado nulo
casamento. Ou seja, cada cônjuge é proprietário do chamado
(MADALENO in DIAS, 2002, p.174).
patrimônio próprio, que é a junção dos bens particulares com os bens comuns (art. 1673 do CC) (DIAS, 2005, p.228). A administração do patrimônio próprio cabe a cada um dos cônjuges, nos termos do art. 1673, parágrafo único do CC. Os
Ressalta-se que o direito aos bens surge quando da cessação da convivência dos cônjuges (art. 1683 do CC). Lembre-se ainda, que o direito à meação é irrenunciável e não pode ser penhorado ou cedido quando da vigência do casamento (art. 1682 do CC).
bens móveis poderão ser livremente alienados. Já os bens imó-
Quando houver dissolução do casamento em virtude da
veis, para serem alienados ou onerados, necessária a outorga
morte, deverá ser apurada a meação do cônjuge sobrevivente.
conjugal, como dispõe o art. 1647 do CC. Somente não há que
A outra parte da meação será entregue aos herdeiros do cônju-
se falar na necessidade de anuência do cônjuge quando no pac-
ge falecido (art. 1685 do CC). Se houver dívidas do herdeiro do
to antenupcial for convencionada a livre disposição dos bens
falecido superior à sua meação, não responderão por elas, nem
imóveis particulares (art. 1656 do CC) (DIAS, 2005, p.228).
os herdeiros, nem o cônjuge sobrevivente (art. 1686 do CC).
Quando do fim do casamento, prevalecem as caracterís-
Em relação às dívidas adquiridas posteriormente ao casa-
ticas da comunhão parcial de bens. Cada cônjuge ficará com
mento, contraídas por apenas um dos cônjuges, deve ser ana-
todo o seu patrimônio particular, adquirido antes do casamento,
lisado quem delas se beneficiou. Se somente foi beneficiado o
e com a metade dos bens comuns, adquiridos por ambos na
cônjuge que a adquiriu, somente ele será responsável. Se hou-
constância do casamento (art. 1679 do CC). Insta salientar que
ver prova de que o outro cônjuge foi beneficiado, total ou par-
os bens móveis presumem-se adquiridos na constância do ca-
cialmente, a responsabilidade será de ambos (art. 1677 do CC)
samento, como prevê o art. 1674, parágrafo único do CC. Tendo
(DIAS, 2005, p.230).
em vista que a própria lei prevê que cabe prova em contrário, trata-se de uma presunção relativa (FIÚZA, 2007, p.964). Já os bens próprios, adquiridos por cada um dos cônjuges na constância do casamento serão compensados. Quando houver diferença de valores, o cônjuge proprietário pagará ao não-
Se um dos cônjuges procedeu à quitação de dívida do outro com bens de seu patrimônio, será descontado o valor pago do montante partilhável (art. 1678 do CC) (FIÚZA, 2007, p.965). Para adoção de tal regime necessária se faz a realização do pacto antenupcial.
-proprietário a reposição em dinheiro (BRASIL, 2002). Quando os bens não puderem ser divididos, será calculado
4.5 Do Regime de Separação de Bens
o valor a eles atribuído, que deverá ser pago ao cônjuge não-
Assim como nos dois regimes acima, para adoção do regi-
-proprietário. Em caso de impossibilidade do pagamento em
me de separação convencional de bens também é necessária
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 97
a realização do pacto antenupcial (DIAS, 2005, p.232). É um re-
súmula 377 do STF diz: “No regime de separação legal de bens
gime no qual cada cônjuge possui seus bens separadamente,
comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”.
independente da data e forma de aquisição (art. 1687 do CC).
A justificativa da edição da súmula consiste em evitar o en-
Acerca dos bens adquiridos mediante junção de esforços, deve-
riquecimento ilícito por um dos cônjuges. É o que afirma o enun-
rá determinar o pacto antenupcial (FIÚZA, 2007, p.963).
ciado do STF citado por Maria Berenice Dias (2005, p.233): “a
Rolf Madaleno (in DIAS, 2002, p.179) afirma que para a dou-
interpretação exata da súmula é no sentido de que, no regime
trina, tal regime representa, na verdade, a “[...] ausência de um
de separação legal, os aquestos comunicam-se pelo simples
regime patrimonial, caracterizado justamente pela existência de
fato de terem sido adquiridos na constância do casamento, não
dois patrimônios separados”. Dessa forma, há que se falar na
importando se resultaram, ou não, do esforço comum.
coexistência de dois patrimônios: o do marido e o da mulher.
Aplicando a súmula 377 do STF, há o patrimônio de cada
Ocorre que, apesar da incomunicabilidade do patrimônio
um dos cônjuges, que são os bens adquiridos ou recebidos em
dos cônjuges, permanece vigente a obrigação de sustento e
herança ou doação antes do casamento, e o patrimônio em co-
manutenção da casa. Deste modo, caberá aos cônjuges, na
mum dos cônjuges, que é aquele adquirido na constância do
proporção de suas possibilidades, de seus rendimentos e bens,
casamento. O patrimônio considerado comum não depende da
realizarem o orçamento da casa (art. 1688 do CC). É o que Maria
demonstração de que foi adquirido por meio de esforços comuns.
Berenice Dias (2005, p.232) entende por manutenção do dever
Deste modo, o regime de separação legal acabou por as-
de mútua assistência, que, segundo ela, existe independente da
semelhar-se, em alguns aspectos, com o regime de comunhão
disposição dos bens.
parcial de bens.
Este dever de assistência mútua somente pode não existir
Para Maria Berenice Dias, se provado que o patrimônio co-
quando assim for estabelecido previamente no pacto antenup-
mum é fruto de esforços de ambos os cônjuges, a súmula 377
cial (art. 1688 do CC).
do STF também pode ser aplicada ao regime de separação con-
Nos casamentos onde não for afastada pelo pacto antenupcial
vencional (DIAS, 2005, p.232).
a hipótese do art. 1688 do CC, as dívidas contraídas para manutenção da casa são de responsabilidade solidária dos cônjuges, como dispõem os arts. 1643 e 1644 do CC (DIAS, 2005, p.232). Quando os cônjuges optarem por tal regime, desnecessária a outorga conjugal para alienar e onerar bens, como dispõe o caput do art. 1647 do CC. Outra hipótese de adoção do regime de separação de bens é quando a lei prevê que, obrigatoriamente, este deve ser o regime adotado. É o que acontece nas hipóteses do art.1641 do CC, que são: quando os cônjuges inobservarem a cláusula suspensiva da celebração do casamento; no casamento de maiores de setenta anos e no casamento daqueles que, para celebração, dependerem de suprimento judicial. Nas hipóteses supracitadas, não é considerada a vontade dos nubentes. Estes não têm a possibilidade de escolher qual regime de bens irão adotar, vez que este é imposto pela lei, sendo desnecessária a elaboração de pacto antenupcial. E é por isso que este regime é chamado de separação legal de bens. Os cônjuges atingidos pela separação legal são vedados de contratar sociedade entre si ou com terceiros, como disposto no art. 977 do CC. Para Maria Berenice Dias (2005, p.233), o que o legislador busca é “evitar a possibilidade de entrelaçamento de patrimônios”. Contudo, o propósito de total incomunicabilidade do patrimônio buscado pela lei não tem sido alcançado. Isto porque a
5 DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE NO REGIME OBRIGATÓRIO DE SEPARAÇÃO DE BENS 5.1 A Evolução dos Idosos na Sociedade Segundo o Dicionário Aurélio (1999), idoso é “quem tem bastante idade, velho”. Esse conceito surgiu no final do século XVIII. Nesta época, idoso se assemelhava a degeneração e decadência (SOUSA, 2004, p.165). Contudo, nas sociedades tradicionais o envelhecimento era sinônimo de saber, decorrente de todo o conhecimento acumulado ao longo da vida. Deste modo, a existência do idoso na sociedade era vista como um prestígio para todos (SECO, 1994, p.11). A partir da Revolução Industrial, o cenário dos idosos se viu alterado. Os idosos não representavam a força de trabalho necessária naquela época. Desta forma, eles não conseguiram acompanhar a evolução da sociedade como os jovens, se tornando, por isso, sinônimo de fraqueza (SOUSA, 2004, p.166). Na sociedade contemporânea o idoso era esquecido. O que se objetivava é que os próprios idosos se esquecessem deles mesmos, e assim não cobrassem nada de ninguém (FOGAÇA apud SOUSA, 2004, p.166). O idoso era visto como sinônimo de doença, vez que se encontrava em declínio físico, moral, psicológico, econômico e
98 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
estético (SMITH apud SOUSA, 2004, p.167). Os idosos eram vis-
produtiva, há que se reconhecer que a terceira idade
tos como inválidos, sendo um peso para família. O que o tempo
vem melhorando sua qualidade de vida por meio da
lhes destinava era o asilo (SOUSA, 2004, p.167).
valorização desta etapa, reinventando a sexualidade e
Com a promulgação da Constituição Federal, o idoso ad-
investindo na afetividade. Ter mais de sessenta anos
quiriu proteção especial, sendo da família, da sociedade e do
não significa subdesenvolvimento afetivo, muito pelo
Estado “o dever de assegurar ao idoso a participação na co-
contrário, pois a afetividade tem-se fortalecido e ga-
munidade, defendendo sua dignidade, bem-estar, bem como
nhado novas formas de amar. O próprio idoso vem se
garantindo o direito à vida” (DIAS, 2005, p.409).
conscientizando do seu valor, participando na atuação
Com a edição da Lei 10.441 de 2003 foi elaborada uma de-
das garantias dos próprios direitos, envolvendo-se nos
finição mais precisa para a palavra ‘idoso’: pessoa com idade
processos de construção e reivindicação dos mesmos.
igual ou superior a 60 anos. Tal lei ampliou a proteção aos idoAssim, apesar da idade avançada, os maiores de setenta
sos, reconhecendo suas necessidades especiais. Hodiernamente, o idoso que possui conhecimento e ocupa
anos permanecem aptos a fazer suas próprias escolhas. A in-
um cargo profissional é tido como objeto de reconhecimentos
capacidade física que pode surgir em decorrência da idade não
sociais. Contudo, quando ele não possuir nada disso, será obje-
implica em incapacidade mental.
to de homenagens em virtude de características afetivas. Segundo Ana Maria Viola de Sousa (2004, p.168), a atividade profissional termina aos setenta anos. Contudo, a aposentadoria não garante ao idoso as mesmas condições de vida que seus rendimentos lhe garantiam. Assim, os idosos se vêem obrigados a permanecer ou retornar ao mercado de trabalho. Neste sentido afirma Fernanda Paula Diniz (2011, p.21): Percebe-se também que, no Brasil, em decorrência da melhor saúde dos idosos e do desenvolvimento tecnológico, é cada vez menor o número de deficiências (seja mentais ou físicas) e maior o número de idosos vivendo sozinhos (o que traz repercussões importantes no Direito, como, especialmente, no Direito de Família). Todavia, ainda maior é o número de idosos integrados à família, em sua grande maioria auxiliando, economicamente, os demais membros.
5.2 Critério objetivo para Determinação da Incapacidade O art. 1517 do CC determina que são capazes para celebrar o casamento os maiores de dezesseis anos, devidamente autorizados pelos pais ou representante legal enquanto não atingida a maioridade. Assim, o legislador não estabelece uma idade máxima em que é possível a celebração do casamento. O Código Civil, em seus arts. 3º e 4º, respectivamente, estabelece acerca da incapacidade absoluta e da incapacidade relativa. Assim, dispõe que são absolutamente incapazes os menores de dezesseis anos, aqueles que não possuírem discernimento para prática dos atos em virtude de enfermidade ou deficiência mental e aqueles que transitoriamente não puderem exprimir sua vontade. Prevê ainda, que são relativamente incapazes: os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; os ébrios habituais, viciados em tóxicos e aqueles que tiverem discernimento reduzido em virtude de deficiência mental; os excep-
Com as evoluções sociais e tecnológicas, os idosos viram-
cionais, sem desenvolvimento mental completo e os pródigos.
-se diante da dificuldade no aprendizado de novas técnicas.
Diante da análise desses dispositivos legais, percebe-se
Eles procuraram então, a Universidade da Terceira Idade, em
que o legislador estipulou a idade na qual se inicia a capacida-
busca de novos aprendizados, melhoria da auto-estima e como
de. Contudo, não há previsão legal da idade na qual se encerra
forma de reinserção social (SOUSA, 2004, p.169).
ou altera a capacidade. Para que isto ocorra, é necessária re-
Diante da possibilidade de reinserção social, os idosos
alização de perícia médica e posterior informação ao juiz, que
passaram a aproveitar as benesses da vida (SÁ in FIÚZA, 2007,
deverá decidir sobre a questão (DIAS, 2011). Entretanto, quando
p.76). Assim como buscam novos aprendizados, passaram a
da leitura do art. 1641, II do Código Civil, percebe-se exatamente
reinventar sua sexualidade. Não é porque não ocupam o posto
o contrário.
mais importante da família, como acontecia antigamente, que
O art. 1641, II do CC prevê que os maiores de setenta anos
têm que se entregar a solidão. É cada vez maior o número de
que desejarem se casar deverão, obrigatoriamente, adotar o re-
idosos que namoram ou se casam, como afirmam Ana Carolina
gime de separação legal de bens. O que o legislador faz é atri-
Teixeira e Maria de Fátima de Sá (in FIÚZA, 2007, p.81):
buir a idade como critério designador de incapacidade.
Por outro lado, mesmo não estando economicamente
Ressalta-se que, diante dessa disposição, tal incapacidade
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 99
não é atribuída a todos os idosos, mas somente aos maiores de
o ser humano não tiver a possibilidade de se autogovernar, de
setenta anos.
tomar suas próprias decisões, ele nunca será livre. E não sendo
Diante da evolução da sociedade e até mesmo dos idosos
livre, não há como se falar em existência de dignidade humana.
com mais de setenta anos, pode-se dizer que se trata de um dis-
Assim, à medida que o art. 1641, II do CC retira dos idosos
positivo preconceituoso. É o que afirma Rolf Madaleno (in DIAS,
com mais de setenta anos a possibilidade de decidir questões
2002, p.178): “Em face do direito à igualdade e à liberdade nin-
intrínsecas ao seu casamento vai contra a dignidade humana
guém pode ser discriminado em função do seu sexo ou da sua
estabelecida no texto constitucional, tratando-se de um disposi-
idade, como se fossem causas naturais de incapacidade civil”.
tivo com teor inteiramente inconstitucional, como afirma Fernan-
Como mencionado em tópico anterior, os idosos não mais
da Paula Diniz (2011, p.132):
representam a parcela excluída da sociedade. Diante da pro-
Tal restrição, convenhamos, é manifestamente incons-
teção constitucional que lhes é concedida, eles vêm deixando
titucional, pois fere o princípio da dignidade da pessoa
claro o lugar que ocupam na sociedade. E este lugar, não é mais
humana, na medida em que comporta uma intervenção
o de incapazes.
na vida íntima do indivíduo, limitando a sua autonomia
Para Semy Glanz (2005), o que esse dispositivo objetiva é evitar a perda dos bens dos idosos, vez que eles são mais sus-
privada – o que não condiz com a principiologia do Estado Democrático de Direito.
cetíveis de enganos. Todavia, para verificar a alteração sofrida na realidade dos idosos, basta olhar ao redor. No ramo do Di-
Com a inserção de tal previsão na legislação civil, o legislador
reito, os mais renomados juristas, como Humberto Theodoro Jú-
retirou dos idosos com mais de setenta anos a autonomia privada.
nior, são idosos. Eles continuam trabalhando, dando palestras e
Como mencionado no capítulo 3, a autonomia privada con-
participando ativa e ludicamente da sociedade, deixando claro a
siste na capacidade que o cidadão tem de se autogovernar, de
capacidade que têm de tomarem suas próprias decisões.
fazer suas próprias escolhas, desde que elas estejam em con-
Os idosos continuam tomando decisões e praticando os
formidade com a legislação vigente.
demais atos da vida civil normalmente. Um exemplo disso é o
Um exemplo do exercício da autonomia privada é a escolha
casamento. Se eles são incapazes para determinar o regime de
do regime de bens a ser adotado quando da formação do víncu-
bens que irão adotar, como não são incapazes para a celebra-
lo conjugal. É o que afirma Arnoldo Wald (2004, p.103):
ção do casamento?
Em virtude do princípio da autonomia da vontade garan-
Apesar da evolução ocorrida com a promulgação da Cons-
te-se aos cônjuges a máxima liberdade na escolha do
tituição e, posteriormente com a edição do Estatuto do Idoso, o
regime que considerarem preferível, podendo as partes
Código Civil não abandonou por completo os dispositivos pre-
aceitar um regime típico com a regulamentação legal
conceituosos. Um exemplo disso é o art. 1641, II do CC, que
existente, ou modificá-lo de acordo com as suas con-
vem carregado de preconceito injustificado contra os maiores
veniências, desde que não sejam violadas as normas
de setenta anos.
imperativas referentes aos fins do casamento e à estrutura da família. Podem, assim, os interessados adaptar
5.3 Da Violação da Autonomia Privada e d o Direito à Liberdade Segundo César Fiúza, com a constitucionalização do Direito Civil, seu pilar atual de sustentação é a dignidade da pessoa humana. Diz-se que os pilares de sustentação do Direito Civil, família, propriedade e autonomia da vontade deixaram de sê-lo. O único pilar que sustenta toda a estrutura é o ser humano, a dignidade da pessoa, sua promoção espiritual, social e econômica. Este pilar está, por sua vez, enraizado na Constituição (FIÚZA in FIÚZA, 2003, p.29). Para que a dignidade da pessoa humana se concretize plenamente, deve-se valer da autonomia privada. Isto porque se
às suas necessidades o regime de bens que lhe parecer mais conveniente. Consistindo a autonomia privada na possibilidade de tomar decisões em conformidade com o ordenamento jurídico, verifica-se que os idosos com mais de setenta anos jamais poderão se casar com um regime de bens diferente da separação. Isto porque, se assim procederem estarão ofendendo a legislação vigente. E para que a autonomia privada seja exercida, ela não pode ir contra o que dispõe a legislação vigente. Ao inserir um dispositivo que, preconceituosamente determina que os maiores de setenta anos devem aderir ao regime de separação legal de bens ao se casarem, o legislador retira deles a possibilidade de determinarem os aspectos íntimos de
100 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
sua vida conjugal, qual seja o aspecto patrimonial.
não pode servir como critério atribuidor de incapacidade e, conseqüentemente, discriminador. O que o legislador busca é a proteção do patrimônio dos
5.4 Da Violação do Princípio da Igualdade O Código Civil de 1916 obrigava, em seu art. 258, II, a utilização do regime de separação legal no casamento de homens com mais de sessenta anos e mulheres com mais de cinqüenta anos. Posteriormente, o Código Civil de 2002 alterou a exigência, vez que homens e mulheres com mais de sessenta anos deveriam aderir a tal regime (CANUTO, 2004, p.62). Em 2011, o art. 1641 II do CC sofreu uma alteração. Atualmente, os homens e mulheres maiores de setenta anos devem casar-se sob o regime de separação legal de bens. Com a equiparação da idade do homem e da mulher trazida pelo art. 1641, II do Código Civil de 2002, o legislador supostamente atendeu o que diz o princípio da igualdade: colocou homens e mulheres em pé de igualdade. Contudo, o desrespeito ao princípio da igualdade permane-
idosos, e não a proteção dos idosos em si, que permanecem vítimas de preconceitos. Assim, a alteração de idade promovida pelo legislador de nada valeu. O princípio da igualdade continua não sendo efetivado e os preceitos constitucionais permanecem ignorados. É o que afirma Maria Berenice Dias (2011): “A restrição à escolha do regime de bens foi reconhecida como clara afronta ao cânone constitucional de respeito à dignidade, além de desrespeitar os princípios da igualdade e da liberdade consagrados como direitos humanos fundamentais”. Para que o princípio da igualdade fosse efetivamente respeitado, a autonomia privada dos idosos deveria ser respeitada, assim como é a dos demais cidadãos, cabendo a eles decidir qual o regime de bens melhor lhes atende.
ceu evidente. Se os nubentes se casarem aos sessenta e nove anos serão absolutamente capazes para decidir qual o regime de
5.5 Súmula 377 do STF
bens melhor lhes convém. Contudo, se esperarem mais um ano
Diante da expressa afronta à Constituição Federal que o art.
para se casarem, já não são mais capazes de definir como será a
1641, II do CC representa, o Supremo Tribunal Federal editou a
divisão do patrimônio com a formação do vínculo conjugal.
súmula 377, que diz: “No regime de separação legal de bens
Segundo o princípio da igualdade, a lei deve dispensar tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais, como afirma Celso Antônio Bandeira de Mello (1999, p.12):
comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”. O que a súmula fez foi alterar o regime de bens imposto àqueles que se encontram nas hipóteses previstas no art. 1641
O princípio da igualdade interdita tratamento desuniforme às pessoas. Sem embargo, consoante se observou, o próprio da lei, sua função precípua, reside exata e precisamente em dispensar tratamentos desiguais. Isto é, as normas legais nada mais fazem que discriminar situações, à moda que as pessoas compreendidas em umas ou em outras vêm a ser colhidas por regimes diferentes. Donde, a algumas são deferidos determinados direitos e obrigações que não assistem a outras, por abrigadas em diversa categoria, regulada por diferente plexo de obrigações e direitos.
do CC. Assim, a obrigatoriedade passou a ser do regime de separação legal para o regime de comunhão parcial. Maria Berenice Dias (2011), ao citar o voto do ministro Carlos Alberto Menezes Direito, afirma que se comunicam os bens adquiridos na constância do casamento, não sendo necessário para isto, que sejam fruto de esforço comum do casal. Deste modo, a interpretação da súmula é no sentido de evitar o enriquecimento ilícito de um dos cônjuges, como mencionado no item 5.6. Ao editar tal súmula, o STF não solucionou o problema de inconstitucionalidade que carrega o art. 1461, II do CC. Os princípios da igualdade e da autonomia da vontade continuam sendo desrespeitados. O que a súmula fez foi dar a possibilidade
Contudo, para que seja dispensado tratamento desigual aos desiguais, estes devem possuir, em conformidade com o que dispõe a Constituição Federal, bem como em conformidade com os princípios da igualdade e da proporcionalidade, critério hábil a diferenciá-los dos demais. No que tange à separação obrigatória de bem dos maiores de setenta anos, inexiste critério hábil a diferenciar tais idosos do resto da população. Isto porque a idade, como já mencionado,
dos idosos com mais de setenta anos compartilharem parte do seu patrimônio com o seu cônjuge. Na realidade, pode-se dizer que a súmula não resolveu o problema, mas apenas o amenizou. CONCLUSÃO O Estado atua perante os idosos com excessivo dirigismo contratual, mitigando sua autonomia privada ao impedi-los de
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 101
definir o aspecto econômico do casamento. Ao fixar o regime de bens dos maiores de setenta anos o legislador utiliza de um critério objetivo para declará-los incapazes. No entanto, eles praticam inúmeros outros atos que carecem de capacidade sem intervenção de ninguém. A vedação consiste apenas na escolha do regime de bens. O que a lei propõe é a proteção patrimonial, e não a proteção de valores como liberdade e igualdade. Assim, o idoso sem família, que decidiu se casar após os setenta anos não tem direito de optar por compartilhar seus bens com seu cônjuge. O idoso, assim como a sociedade, evoluiu. No entanto, o art.1647, II do CC não acompanhou essa evolução. Trata-se de um dispositivo preconceituoso e que viola a Constituição Federal em todos os seus termos. Deste modo, o que se propugna é pela não aplicação deste dispositivo, bem como pela declaração de sua inconstitucionalidade, em prol dos direitos fundamentais dos idosos.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ANDRADE JÚNIOR, Gualter de Souza. Autonomia Privada: Perspectiva do Estado de Direito Democrático. 2010. 358 f. Dissertação (Doutorado em Direito Privado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2010. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para assuntos jurídicos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ Leis/2002/L10406.htm> Acesso em: 09 jan 2012. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª ed. Coimbra: Almedina, 2003. CANUTO, Érica Verícia de Oliveira. Contradição no Regime de Separação Absoluta de Bens. Revista Brasileira de Direito de Família, ano VI, nº. 26, out/nov de 2004. Porto Alegre: Síntese, IBDFAM. CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição Brasileira de 1988, volume I. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1992. DIAS, Maria Berenice. Amor não tem idade. Disponível em: <www.mariaberenice.com.br/uploads/5_-_amor_n%E3o_tem_idade.pdf> Acesso em: 18 set 2011. DIAS, Maria Berenice. Manual do Direito das Famílias. 2ª ed. rev. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5ªed rev atual ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. DINIZ, Fernanda Paula. Direitos dos Idosos na Perspectiva Civil-
-Constitucional. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2011. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio: O Dicionário da Língua Portuguesa, século XXI. 3ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira. 6ª ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 1986. FIÚZA. César. Direito Civil: Curso Completo. 10ª ed. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. FIÚZA, César. Crise e Interpretação no Direito Civil da Escola da Exegese às Teorias da Argumentação in FIÚZA, Cesar; SÁ, Maria de Fátima Freire de; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira Naves. Direito Civil: Atualidades. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. FIÚZA, Cesar; SÁ, Maria de Fátima Freire de; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira Naves. Direito Civil: Atualidades II. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. V. 1 Parte Geral. 3ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003. GLANZ, Semy. A Família Mutante: Sociologia e Direito Comparado. Rio de janeiro: Renovar, 2005. MADALENO, Rolf. Do regime de bens entre os cônjuges in DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de Família e o Novo Código Civil. 1ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3ª ed. atual. São Paulo: Malheiros, 1999. MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurídico: Plano da Existência. 8ª ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 119. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19ª ed. São Paulo: Atlas, 2006. PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de Família Contemporâneo: doutrina, jurisprudência, direito comparado, interdisciplinariedade. Belo Horizonte: Del Rey, 1997. PERELMAN, Charles. De La justice in Justice et raison, p. 26 apud SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 33ª ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2010. RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Direito de Família. 28ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2004. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 29ª ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2010.
102 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 33ª ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2010. SOUSA, Ana Maria Viola de. Tutela Jurídica do Idoso: a Assistência e a Convivência Familiar. Campinas: Editora Alínea, 2004. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Disponível em: http://www.stf.jus.br/ portal/principal/principal.asp Acesso em: 18 set 2011. WALD, Arnoldo. O Novo Direito de Família. 15ª ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2004.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Bacharel em Direito pela PUC/MG – Especialista em Processo Civil pela UNI-BH - Mestrando em Direito pela FUMEC – Professor de Processo Civil do Centro Universitário Newton Paiva – Professor Orientador do Centro de Exercício Jurídico da Newton Paiva – CEJU – Advogado 2 Estudante de Direito do Centro Universitário Newton Paiva – 07° Período 3 “Meio-soldo é a metade do soldo que se atribui ao oficial inferior ou às praças das forças armadas, quando vão para a reserva. Montepio é a renda constituída a favor de alguém, para o caso de moléstia ou de morte”. FIÚZA. César. Direito Civil: Curso Completo. 10ª ed. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p. 962. 4 ‘’Ocorre fideicomisso quando for instituído herdeiro, que será substituído por outro após decurso de certo prazo ou após o implemento de condição”. FIÚZA. César. Direito Civil: Curso Completo. 10ª ed. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p. 962.
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 103
DESCUMPRIMENTO DAS LEIS: óbice ao desenvolvimento do Brasil Rogério Medeiros Garcia de Lima1
RESUMO: Este trabalho analisa o descumprimento das leis como óbice ao desenvolvimento brasileiro. Apregoa o apego a valores éticos como meio de se conferir eficácia ao Direito. A mudança de costumes se revela mais importante do que a produção de leis em profusão. É preciso combater duramente a corrupção. A almejada racionalidade de uma grande nação não exclui a crença no Direito. Palavras-chave: Ética. Direito. Brasil. Administração Pública. Leis. Descumprimento.
I – INTRODUÇÃO
a concessão de uma parte da soberania do indivíduo
Este trabalho aborda o descumprimento das leis como óbi-
à ordem comum; e a norma de conduta acaba se tor-
ce ao desenvolvimento brasileiro. Com efeito, a desobediência às leis e a descrença no Direito são fenômenos verificados na cultura brasileira. Não há como se conferir eficácia ao Direito sem apego a valores éticos.
nando o bem-estar do grupo. A natureza assim o quer, e o seu julgamento é sempre definitivo; um grupo sobrevive, em concorrência ou conflito com um grupo, segundo sua unidade e seu poder, segundo a capacidade de seus membros de cooperarem para fins comuns. E
Sobretudo no âmbito da Administração Pública, é preciso
que melhor cooperação poderia haver do que aquela
atribuir efetividade aos princípios constitucionais da legalidade,
em que cada qual estivesse fazendo aquilo que melhor
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
sabe fazer? Este é o objetivo da organização que toda
Já temos leis em profusão, mas conservamos práticas so-
sociedade deve perseguir, para que tenha vida”.
ciais deletérias. Portanto, mais do que criar leis, precisamos modificar nossos costumes e passar a observar a aplicação isonômica dos preceitos legais.
JOSÉ RENATO NALINI (1997:30) definiu Ética como ciência do comportamento moral dos homens em sociedade:
Alcançada a estabilidade econômica, o Brasil necessita
“É uma ciência, pois tem objeto próprio, leis próprias e
avançar no caminho do combate à corrupção. Somente assim
método próprio. O objeto da Ética é a moral. A moral é
atingiremos completo desenvolvimento nacional.
um dos aspectos do comportamento humano. A expres-
Enfim, a almejada racionalidade de uma grande nação não exclui a crença no Direito.
são deriva da palavra romana mores, com o sentido de costumes, conjunto de normas adquiridas pelo hábito reiterado de sua prática.
II – ÉTICA
“Com exatidão maior, o objeto da ética é a moralidade
Antigos filósofos gregos, como Platão e Aristóteles, já men-
positiva, ou seja, ‘o conjunto de regras de comporta-
cionavam a Ética, como prática da virtude: fazer o bem, não fa-
mento e formas de vida através das quais tende o ho-
zer o mal (GARCIA DE LIMA, Ética e Eficiência no Âmbito dos
mem a realizar o valor do bem’ (Eduardo García Máy-
Serviços Notariais e de Registro, 2003). Segundo AURÉLIO
nez, Ética - Ética empírica. Ética de bens. Ética formal.
BUARQUE DE HOLANDA (1986:733), a origem etimológica da
Ética valorativa)”.
expressão vem do grego éthos, significando costume, uso ou característica.
O Estado, através do Poder Legislativo, edita leis. São nor-
Diversos preceitos bíblicos pregam ao indivíduo não fazer
mas gerais e abstratas, de observância obrigatória pelos cida-
a outrem aquilo que não gostaria fosse feito contra si mesmo.
dãos. Editando leis, o Estado sanciona preceitos éticos. JELLI-
WILL DURANT assinalou (2000:61-62):
NEK dizia ser o Direito o mínimo ético (REALE, 1980:42).
“Todas as concepções morais giram em torno do bem
A moral é desprovida de sanção exterior. Ao deixarmos de
geral. A moralidade começa com associação, interde-
observar preceito ético, sofremos uma sanção interior: é o “peso
pendência e organização. A vida em sociedade requer
na consciência”. Diversamente, a sanção legal é externa (v.g.,
104 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
em desespero. No campo do direito, da economia, da
multa ou privação da liberdade). O mundo contemporâneo tem se afastado dos valores éti-
política, da ciência e da tecnologia, as grandes expec-
cos. Vivemos uma era de intenso consumismo, valorização de
tativas de um sucesso pretensamente neutro, alheio aos
bens materiais, luxúria, uso de diversas substâncias entorpe-
valores éticos e humanos, tiveram resultado desalenta-
centes e violência generalizada na vida cotidiana e nos meios
dor e muitas vezes trágico”.
de comunicação. Todavia, embora se pretenda criar um mundo sem ética, há
Da Ética individualista, vigente no século XIX (Liberalismo
movimentos em sentido contrário. Vem a lume texto lapidar do
Econômico), passamos contemporaneamente a prestigiar a Éti-
saudoso FRANCO MONTORO (1997: 13-14):
ca de conteúdo social (Estado Social e Democrático de Direito).
“Na segunda metade do século 20, é impressionante
Além dos valores atinentes ao indivíduo (vida, liberdade, pro-
o volume de publicações sobre ética, em todas as par-
priedade etc.), relevamos valores referentes a toda comunidade
tes do mundo e em todos os setores do conhecimento.
(p.ex., saúde, educação, previdência e assistência social, assis-
As publicações, estudos, pesquisas e debates sobre
tência à criança, ao adolescente e ao idoso, proteção ao meio
o tema estendem-se a todas as áreas da atividade hu-
ambiente e aos consumidores, cultura, desporto, lazer etc.).
mana. Ética na política, no direito, na indústria, no comércio, na administração, na justiça, nos negócios, no
III – ÉTICA E DIREITO
esporte, na ciência, na economia, na comunicação. As
As reflexões sobre ética têm ocupado filósofos e juristas
obras sobre ética, em seus múltiplos aspectos, enchem
contemporâneos. Os valores morais invadem o campo do Direi-
as estantes das bibliotecas e das livrarias. ‘Ética para
to Privado. GEORGES RIPERT (2002:24) destacava a penetra-
Amador’ é o título do estudo de Fernando Savater, que
ção da regra moral no mundo jurídico:
se tornou best-seller dos livros vendidos na Espanha,
“É preciso inquietarmo-nos com os sentimentos que
com sete edições num só ano, em 1991. E a parte da Fi-
fazem agir os assuntos de direito, proteger os que es-
losofia mais estudada neste final de século é a Axiologia,
tão de boa-fé, castigar os que agem por malícia, má-fé,
a Filosofia dos ‘Valores’.
perseguir a fraude e mesmo o pensamento fraudulento”.
“Paralelamente a essa intensa produção no campo da
(...)
ciência, da arte e da filosofia, multiplicam-se em toda
“O dever de não fazer mal injustamente aos outros é o
parte movimentos populares ou associativos, reivindi-
fundamento do princípio da responsabilidade civil; o de-
cando ética na vida pública, na vida social e no com-
ver de se não enriquecer à custa dos outros, a fonte da
portamento pessoal. Movimentos semelhantes à famosa
ação do enriquecimento sem causa”.
‘campanha das mão limpas’, na Itália, vêm ocorrendo em quase todas as Nações. No Brasil, esses movimentos provocaram processos inéditos em nossa história, que culminaram com a punição de altos funcionários, a cassação de mandatos de parlamentares e do próprio Presidente da República. “Esses fatos revelam — no campo da produção intelectual e do comportamento social — um incontestável retorno às exigências de ética. “Por que a ética voltou a ser um dos temas mais trabalhados do pensamento filosófico contemporâneo? — pergunta José Arthur Gianotti, em estudo que integra a obra coletiva sobre ‘Ética’, editada pela Secretaria Municipal da Cultura, de São Paulo e a Companhia das Letras, em 1992. “A resposta talvez possa ser indicada no célebre título do romance de Balzac, ‘Ilusões Perdidas’. Quiseram construir um mundo sem ética. E a ilusão se transformou
A Constituição Brasileira de 1988 revolucionou o Direito Civil. CARLOS ALBERTO BITTAR (1991:25-26) assinalava que o texto constitucional se mostrou coerente com a evolução processada no Direito Privado, tanto ao nível doutrinário, quanto jurisprudencial. Acolheu soluções que têm sido recepcionadas pelo Direito interno e o Direito dos países mais desenvolvidos. Consagra noções éticas, sociais, políticas e econômicas para reger as relações privadas. Valores morais produzirão conseqüências no âmbito dos direitos obrigacionais, da teoria dos contratos, da teoria da responsabilidade civil, do relacionamento familiar (influenciado pelas idéias de igualdade entre homem e mulher e paridade entre os filhos, dentre outros posicionamentos específicos), dos direitos intelectuais e em outros campos da vida privada: “Figuras como a revisão judicial dos contratos, o desfazimento de contratos face à lesão, o controle administrativo de atividades, serão utilizadas com freqüência,
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 105
e conceitos como o abuso de direito, a citada lesão e
“É indispensável, porém, ajustar os processos herme-
o enriquecimento ilícito ganharão explicitação no novo
nêuticos aos parâmetros da nova codificação, pois
Código, em defesa de pessoas, de categorias, de con-
como nos ensina o Hans Georg Gadamer – falecido
sumidores, individual ou coletivamente considerados,
recentemente aos 102 anos -, a hermenêutica não se
dentre inúmeras outras aplicações possíveis.
reduz a mero conjunto de normas interpretativas, porque
“A indenizabilidade do dano moral ganha foros de cons-
é da essência mesma da realidade cultural que se quer
titucionalidade, na sagração de princípio que sempre
compreender. Nada seria mais prejudicial do que inter-
nos pareceu basilar na órbita privada, face ao extraor-
pretar o novo Código Civil com a mentalidade formalista
dinário cunho ético de que se revestem as normas as
e abstrata que predominou na compreensão da codifi-
normas jurídicas em determinados setores, como nos
cação por ele substituída”.
direitos de personalidade, nos direitos autorais, nos direitos da pessoa e em outros.
O novo Código Civil consagrou o princípio da boa-fé obje-
“O destaque dos elementos sociais impregnará o Direito
tiva. É norma genérica, que emprega termos vagos, cujo conte-
Privado de conotações próprias, eliminando os resquí-
údo é dirigido ao juiz, para que este tenha um sentido norteador
cios ainda existentes do individualismo e do formalismo
no trabalho de interpretação. Na sua aplicação, o intérprete par-
jurídico, para submeter o Estado brasileiro a uma ordem
te de um padrão de conduta comum, do homem médio, levan-
baseada em valores reais e atuais, em que a justiça so-
do em consideração os aspectos sociais envolvidos. Configura
cial é o fim último da norma, equilibrando-se mais os
uma regra de conduta, um dever de agir de acordo com determi-
diferentes interesses por elas regidos, à luz de uma ação
nados padrões sociais estabelecidos e reconhecidos.
estatal efetiva, inclusive com a instituição de prestações positivas e concretas por parte do Poder Público para a fruição pela sociedade dos direitos assegurados”.
O Superior Tribunal de Justiça, outrossim, tem assumido posição vanguardeira, ao decidir: “A norma de sobre-direito magistralmente recomenda ao Juiz, na linha da lógica razoável, que, ‘na aplicação
MIGUEL REALE (2002) enalteceu o sentido ético do Código
da lei, o Juiz atenderá aos fins sociais a que ela se di-
Civil de 2002. Segundo o jurisconsulto, com sua entrada vigor,
rige e às exigências do bem comum’. Em outras pala-
a 10 de janeiro de 2003, podemos perceber a diferença entre o
vras, é de repudiar-se a aplicação meramente formal
Código de 1916, elaborado para um país predominantemente
de normas quando elas não guardam sintonia com a
rural, e o que foi projetado para uma sociedade, na qual prevale-
realidade” (Recurso Especial n. 64.124-RJ, Min. Sálvio
ce o sentido da vida urbana. Passaremos do individualismo e do
de Figueiredo Teixeira, publicação da Escola Judicial
formalismo do primeiro para o sentido socializante do segundo,
Desembargador Edésio Fernandes, Tribunal de Justiça
mais atento às mutações sociais, numa composição eqüitativa
de Minas Gerais, Diário do Judiciário-MG, 16.05.1997).
de liberdade e igualdade. Além disso, é superado o apego a soluções estritamente jurídicas, reconhecendo-se o papel que
IV – ÉTICA E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
na sociedade contemporânea voltam a desempenhar os valores
No âmbito do Direito Público, o artigo 37, caput, da Cons-
éticos, a fim de que possa haver real concreção jurídica. Socia-
tituição Federal impõe à Administração Pública a observância
lidade e eticidade condicionam os preceitos do novo Código
dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, pu-
Civil, atendendo-se às exigências de boa-fé e probidade, em
blicidade e eficiência. Sobre o princípio da moralidade, LÚCIA
um ordenamento constituído por normas abertas, suscetíveis de
VALLE FIGUEIREDO (1995:49) ressaltava:
permanente atualização.
“O princípio da moralidade vai corresponder ao con-
REALE conclui:
junto de regras de conduta da Administração, que, em
“O que importa é verificar que o novo Código Civil vem
determinado ordenamento jurídico, são considerados
atender à sociedade brasileira, no tocante às suas as-
os ‘standards’ comportamentais que a sociedade de-
pirações e necessidades essenciais. Agora, que já se
seja e espera”.
possuem publicações que põem em cotejo os artigos do Código de 1916 com os do Código de 2002, será fácil avaliar o que este representa em nosso desenvolvimento cultural.
E destaco novamente MIGUEL REALE (1993:392): “O homem jamais se desprende do meio social e histórico, das circunstâncias que o envolvem no momento
106 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
de agir. Delas participa e sobre elas reage: são forças
curso aos métodos burocráticos. Rent-seeking é quase
do passado que atuam como processos e hábitos len-
sempre um modo mais sutil e sofisticado de privatizar o
tamente constituídos, como laços tradicionais e lingüísti-
Estado e exige que se usem novas contra-estratégias. A
cos, que a educação preserva e transmite: são forças do
administração gerencial — a descentralização, a dele-
presente com seu peso histórico imediato; são forças
gação de autoridade e de responsabilidade ao gestor
do futuro que se projetam como idéias-força, antecipa-
público, o rígido controle sobre o desempenho, aferido
ções e ‘programas de existência’ envolvendo domina-
mediante indicadores acordados e definidos por con-
doramente a psique individual e coletiva”.
trato — além de ser uma forma muito mais eficiente para gerir o Estado, envolve estratégias muito mais efe-
A Reforma Administrativa (Emenda Constitucional nº 19, de
tivas na luta contra as novas modalidades de privatiza-
04 de junho de 1998) deu nova redação ao artigo 37 da Magna
ção do Estado.
Carta e acrescentou o princípio da eficiência, também de ob-
“Enquanto a administração pública burocrática é auto-
servância obrigatória no âmbito da Administração Pública.
-referida, a administração pública gerencial é orientada
Para compreender o referido princípio, é preciso definir Administração Pública Gerencial (PEREIRA, 1996):
para o cidadão. Como observa Barzelay, ‘uma agência burocrática se concentra em suas próprias necessida-
“É orientada para o cidadão e para a obtenção de re-
des e perspectivas; uma agência orientada para o con-
sultados, pressupõe que os políticos e os funcionários
sumidor concentra-se nas necessidades e perspectivas
públicos são merecedores de um grau real, ainda que li-
do consumidor’”.
mitado, de confiança, como estratégia, serve-se da descentralização e do incentivo à criatividade e à inovação; o instrumento mediante o qual se faz o controle sobre os órgãos descentralizados é o contrato de gestão. “Enquanto a administração pública burocrática se concentra no processo legalmente definido, em definir procedimentos para contratação de pessoal, para compra de bens e serviços, e em satisfazer as demandas dos cidadãos, a administração pública gerencial orienta-se para resultados. A burocracia concentra-se nos processos, sem considerar a alta ineficiência envolvida, porque acredita que este seja o modo mais seguro de evitar o nepotismo e a corrupção, os controles são preventivos, vêm a priori. Entende, além disto, que punir os desvios é sempre difícil, se não impossível; prefere, pois, prevenir, estabelecendo estritos controles legais. A rigor, uma vez que sua ação não tem objetivos claros — definir indicadores de desempenho para as agências estatais é tarefa extremamente difícil — não tem outra alternativa senão controlar os procedimentos. “A administração pública gerencial, por sua vez, assume que se deve combater o nepotismo e a corrupção, mas que, para isto, não são necessários procedimentos rígidos. Podem ter sido necessários quando dominavam os valores patrimonialistas; mas não o são hoje, quando já existe uma rejeição universal a que se confundam os patrimônios público e privado. Por outro lado, emergiram novas modalidades de apropriação da res publica pelo setor privado, que não podem ser evitadas pelo re-
HELY LOPES MEIRELLES (1983:68.) já falava no dever de eficiência, muito antes da Reforma Administrativa de 1998. Afirmava que a moderna Administração Pública não se contenta apenas em ser desempenhada com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento ao cidadão. É o dever da boa administração, da doutrina italiana. Na doutrina italiana, ALDO SANDULLI (1974:396) reportava-se ao princípio da boa administração. A ação administrativa tem necessariamente por escopo a realização de uma administração eficiente e apropriada. Isso quer dizer que tal ação, além do natural respeito à lei, deve ser desenvolvida em direção à satisfação das exigências do interesse coletivo em geral (interesse público genérico) e do interesse coletivo situado na base da ação administrativa particular, atuando em casos específicos. Deverá ser implementada com observância de regras de conduta não jurídicas. São, geralmente, as técnicas diversas e a experiência pretérita, as quais indicam qual é o modo mais apto para a realização da ação administrativa. São regras destinadas a assegurar presteza, simplicidade, agilidade, rapidez, economia, rendimento e adequação da ação administrativa. O Decreto-lei nº 200/67 também previra controle de resultados, sistema de mérito, supervisão ministerial da administração indireta, quanto à eficiência administrativa, e demissão de servidor comprovadamente desidioso ou ineficiente. ODETE MEDAUAR (1999:145) cita a Lei Orgânica do Município de São Paulo, de 1990, dispondo sobre a prestação do serviço público com eficiência. Para a autora, a eficiência con-
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 107
siste na ação para produzir resultado de modo rápido e preciso:
administração gerencial privada competitiva, elevando-
“Associado à Administração Pública, o princípio da efici-
-o, sem mais, à condição de princípio constitucional da
ência determina que a Administração deve agir de modo
Administração Pública.
rápido e preciso, para produzir resultados que satisfaçam
“(...) Não se trata de princípio jurídico, muito menos po-
as necessidades da população. Eficiência contrapõe-se
deria ser alçado à condição de norma constitucional.
a lentidão, a descaso, a negligência , a omissão”.
Sua inserção não gerará nenhuma novidade ou benefício concreto. O controle da eficiência não parte de nor-
DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO (1999:18 e 38)
ma genérica e abstrata de conduta, desprovida de man-
lembra que a Administração Pública burocrática é voltada para
damento legal. Ao contrário, exige configuração precisa
o Estado, preocupa-se mais com os processos. A Administra-
e minuciosa, mediante pautas de comportamento defi-
ção Pública gerencial volta-se para a sociedade, importa-se
nidas - que estabeleçam normativamente o alcance de
mais com os resultados do que com os processos, visando ao
específicos resultados, a utilização de recursos certos e
menor custo, brevidade e qualidade. O princípio da eficiência
as conseqüências jurídicas daí derivadas. Caso contrá-
reporta-se à ética weberiana de resultados. A boa administração
rio, inexistirá a ‘relação’ definidora da eficiência.
é simultaneamente dever ético e jurídico. A eficácia diz respeito
“(...) Ora, a Administração Pública não pode ser orienta-
aos processos para produzir resultados, contenta-se em cumprir
da para a questão dos lucros sobre capital - olvidando
ritos e formalidades.
ou deixando como questão secundária as implicações
Na Administração burocrática há obrigação de meios; na
sociais primárias da atividade administrativa”.
Administração gerencial há obrigação de resultados (GORDILLO, 1997:17-37). A sociedade aspira à eficácia da orga-
E conclui (SUNDFELD e MUÑOZ, 2000:332):
nização administrativa, de modo a obter uma administração
“Afastamos conceitos puramente lastreados nas Ciên-
racional de bem-estar geral e não uma administração passiva
cias da Administração e Economia, como definidores
de mal-estar comum. Esta última é atravancada pelo legalis-
do princípio. No ordenamento constitucional, a eficiên-
mo e o burocratismo, com estruturas pesadas e obsoletas
cia não pode ser vislumbrada como ‘dever irrestrito de
(DROMI, 2001:41).
reduzir custos e produzir superávites’ ou ‘aumentar a
Conforme BRESSER PEREIRA (1996), a Administração bu-
lucratividade estatal’, nem tampouco na condição de
rocrática é concentrada no processo legalmente definido. A Ad-
‘diretriz primeira da administ]ração do Estado’. Não se
ministração gerencial é orientada para os resultados e dispensa
trata da cânone que autorize a supervalorização, no
procedimentos rígidos.
plano jurídico, dos chamados ‘interesses secundários’
Aqui – apontam doutrinadores - reside o perigo de, em
da Administração.
nome da eficiência, sacrificar-se a legalidade (DI PIETRO,
“(...) Não havia qualquer motivo lógico-jurídico para a in-
1997:162-163). MARÇAL JUSTEN FILHO (Revista Trimestral de
serção do princípio da eficiência justamente no caput do
Direito Público, 26/115-136) ressalta, com propriedade, que,
art. 37. Contudo, sua existência impõe interpretação no
em nome da eficiência, não se pode malbaratar a dignidade
sentido de princípio positivado em exclusivo benefício
da pessoa humana:
do cidadão, ampliativo de seus direitos, configurando
“É imprescindível adotar enfoque compatível com a per-
mais um dever e parâmetro de controle da atividade ad-
sonalização do Direito. É necessário evitar que a pre-
ministrativa pública”.
valência do chamado princípio da eficiência faça-se às custas do aviltamento do indivíduo. Equivale a dizer que
BANDEIRA DE MELLO (1999:75) é cético:
a solução da crise fiscal do Estado não pode fazer-se
“Quanto ao princípio da eficiência, não há nada a dizer
pela patrimonialização do Direito Público. É necessário
sobre ele. Trata-se evidentemente, de algo mais do que
evitar a prevalência do chamado princípio da eficiência
desejável. Contudo, é juridicamente tão fluido e de tão
às custas do aviltamento da pessoa humana”.
difícil controle ao lume do Direito, que mais parece um simples adorno agregado ao art. 37 ou o extravasamen-
Igualmente, EGON BOCKMANN (SUNDFELD e MUÑOZ,
to de uma aspiração dos que buliram no texto”.
2000:326-327) comenta: “É um despropósito a transposição de parâmetro da
Consoante VERA SCARPINELLA BUENO (SUNDFELD e
108 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
MUÑOZ, 2000:356-357), também será exercido o controle juris-
que sonegam imposto de renda, não fornecem recibo ou nota
dicional da eficiência da Administração Pública:
fiscal a clientes e consumidores, subornam o guarda de trânsito
“A enunciação expressa do princípio da eficiência no
e o fiscal da fazenda, compram drogas de traficantes ou fazem
caput do art. 37, da Constituição Federal, abre a por-
apostas em jogos ilícitos. Contudo somos todos muito bons, bo-
ta para o controle judicial dos atos administrativos. (...)
níssimos. Corruptos são os outros.
Municia-se o Poder Judiciário com um novo fator de
Sou magistrado há pouco mais de duas décadas. Sempre
controle da Administração Pública. Os particulares po-
me pautei pelos bons exemplos recebidos de meus pais, fami-
dem e devem questionar judicialmente a eficiência dos
liares, professores e amigos. Por isso não me pejo de revelar
atos administrativos.
que juízes também recebem pedidos a todo instante. Qualquer
“Nos países, como o nosso, onde a jurisprudência im-
cidadão tem um parente, amigo ou “amigo do amigo” de um
põe restrições à análise judicial do ato discricionário,
magistrado. Usando esses canais, pede “uma mãozinha” no jul-
não só a participação do particular na formação da von-
gamento do seu processo. Como o Judiciário brasileiro é muito
tade estatal deve ser acentuada, de forma a compen-
lento, é costume admitir pedidos de mera agilização do anda-
sar o bloqueio imposto pelos tribunais para a revisão do
mento de causas. Porém - sinto dizer - na maioria das vezes
mérito da decisão administrativa discricionária, como a
o “jeitinho” almejado, explícita ou implicitamente, é a decisão a
eficiência ou ineficiência das decisões da Administração
favor do postulante, ainda que contra a lei.
admitem, se não uma ampla possibilidade de controle
Nossos homens públicos precisam melhorar bastante sua
judicial, ao menos um controle quanto à proporcionali-
conduta moral. Os cidadãos também. No fundo, no fundo, so-
dade do ato em face de outros parâmetros existentes no
mos todos iguais...
ordenamento jurídico, como, aliás, é expresso no art. 2º, parágrafo único, inciso VI, da lei federal”.
Na verdade, possuímos malfazeja tradição de burlar a legalidade formal (GARCIA DE LIMA, 2003:39-40). Conseguimos descobrir e aperfeiçoar um modo, um jeito, um estilo de navegação
V – ÉTICA À BRASILEIRA
social que passa sempre nas entrelinhas desses peremptórios
Já tive oportunidade de destacar que, em pleno século 21,
e autoritários “não pode!”. Diversamente, nos Estados Unidos,
são divulgadas notícias desalentadoras sobre atos de corrupção
na França e na Inglaterra, não se elaboram leis que contrariam
praticados na vida pública brasileira. Envolvem políticos, auto-
e aviltam o bom senso e as regras da própria sociedade. Vale
ridades e servidores do Legislativo, Executivo e Judiciário, no
dizer, há adequação entre a prática social e o mundo constitu-
âmbito da União, dos Estados e dos Municípios. A corrupção é
cional e jurídico (DaMATTA, 1997:97-99).
chaga antiga e generalizada (GARCIA DE LIMA, Ética para Principiantes, 2007).
Aqui, legislamos em total dissonância com o meio cultural e social. Ainda no Império, a Comissão de Constituição e Legisla-
Todos nos indignamos com os muitos escândalos farta-
ção do Senado, deliberando sobre matéria eleitoral, proclamava:
mente noticiados. Todavia, já pensamos que eles são a “cara”
“O defeito não está nas leis e sim nos costumes. (...)
do Brasil? SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA (1976:106) definiu
Os costumes não se corrigem tão prontamente como se
o brasileiro como “homem cordial”. Possui sociabilidade apa-
alteram as leis” (BARBOSA LIMA SOBRINHO, 1956:62).
rente para obter vantagens pessoais e evitar cumprir a lei que o contrarie. É o famoso “jeitinho brasileiro”.
Tanto pior quando se trata de legislação transplantada
Muitos dos que xingam duramente os corruptos, são os
(SANTOS, 1998:143). Instituições importadas por ‘reformistas
mesmos que elegem políticos almejando benesses pessoais.
livrescos’ causam rejeição. Quando vingam, têm de superar
Diversos homens públicos são identificados com o slogan “rou-
grandes dificuldades (p. ex., monarquia parlamentar, presiden-
ba mas faz”. Esses eleitores não idealizam os representantes
cialismo federativo etc).
que administrarão e elaborarão leis em nome da comunidade,
Inúmeras leis ‘não pegaram’ entre nós, v.g., sucessivas Re-
mas os “amigões do peito” que vão resolver seus problemas:
formas Administrativas, Lei de Execuções Penais, Estatuto da
emprego, bolsa de estudo, tratamento médico gratuito, trans-
Criança e do Adolescente e Código de Trânsito.
ferência do filho para a universidade pública e congêneres. Vão livrá-los de problemas com o delegado de polícia ou o fiscal de
DaMATTA (2009:72) transcreve saborosa anedota. Durante um naufrágio, diante do desafio de quem se atiraria ao mar:
tributos, se possível ajeitando a remoção do “incômodo” funcionário para localidade bem distante. São os mesmos eleitores
“O proponente foi até o grupo e disse a um inglês: ‘As
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 109
tradições da marinha inglesa demandam que você se
E estabelece interessante contraste com a cultura norte-
atire no mar. É uma questão de honra e valor.’ O inglês
-americana (DaMATTA, 2009:214-216). Morou duas décadas
ficou de pé, fez continência e imediatamente atirou-
nos Estados Unidos e narra sua recusa, certa ocasião, em assi-
-se no mar. Em seguida, ele falou para um russo: ‘Em
nar um tíquete exigido por um policial americano. Supunha não
nome da Revolução, você deve se sacrificar pela União
poder assinar algo que o incriminava quando se julgava inocen-
Soviética.’ O comunista hesitou, mas ao cabo de al-
te. Foi imediatamente preso e algemado:
guns minutos, pulou do bote. Restavam três pessoas.
“Uma sensação de pânico misturada à percepção de
A um americano curioso, ele foi direto: ‘Se você sair do
impotência, tudo isso temperado pela boa e velha indig-
bote, sua família recebe um seguro de dois milhões de
nação aristocrática brasileira – afinal, sou um homem de
dólares!’ O americano murmurou um ‘Yeah’ e atirou-se
bem, branco, educado e culto. Aquilo tudo não passava
na água.
de um insulto. (...)
“Triunfante, o apostador comentou: ‘Eu não disse que
“A tentativa de aplicar um ‘Você sabe com quem está fa-
fazia que pulassem ao mar?’ O amigo, estupefato, res-
lando?’ em Los Angeles falhou. O policial não me ouviu,
pondeu: ‘Sim, mas ainda faltam dois e olha, eles são
ocupado que estava em multar o outro sujeito. (...)
brasileiros, não há como apelar.’ ‘Esses são fáceis’, re-
“Comparecer a delegacias de polícia, discutir com po-
trucou o apostador, dirigindo-se aos dois brasileiros que
liciais e ser por eles multados era algo banal numa so-
se consolavam mutuamente cantando ‘É doce morrer
ciedade individualista e, sobretudo, igualitária, onde o
no mar’. ‘Amigos’, disse, ‘vocês sabiam que existe uma
direito a ser feliz obviamente tinha que ser balizado pela
‘Lei’ que proíbe pular na água? Mal o apostador havia
lei e seus agentes. (...)
terminado a frase, os dois brasileiros já estavam, rindo,
“Tudo isso conduziu-me a um inventário de minhas ex-
em pleno mar”.
periências com a polícia no Brasil e nos Estados Unidos. No Brasil, só tive contatos com policiais rodoviários,
Segundo o consagrado antropólogo, só cumprimos leis no esporte (DaMATTA, 2009: 204):
conseguindo evitar as multas. Lá, tive uma dezena de experiências com agentes da lei. Elas vão de advertên-
“O que mais me fascina nos esportes em geral, e no
cias por excesso de velocidade a multas com o devido
futebol em particular (...) é essa predisposição de hon-
sermão por estacionamento proibido. Uma vez, fiquei
rar normas fixas e implacáveis que governam o jogo.
irritado com a bronca que levei de um policial em Madi-
Quer dizer: foi justamente na sociedade que se acredi-
son, Wiscosin, ao dirigir sem identificação quando volta-
tava incapaz de organizar-se e de seguir qualquer re-
va de um academia de ginástica. Mas, note bem, não fui
gra, pois o Brasil era o reino da anarquia, que o futebol
ameaçado, nem tentaram piorar a situação para depois
fez maior sucesso e tornou-se o elemento lúdico mais
facilitá-la com um ‘jeitinho’ na base de alguns trocados”.
popular como um esporte consagrado pelas massas. O governo e o Estado, os políticos e os ideólogos de
Deveras, a cultura norte-americana, sobretudo em cons-
plantão, com suas miopias e burrices, sua arrogante
ciência jurídica, é diferente da brasileira (GARCIA DE LIMA,
estupidez histórica e sua crença nas fórmulas feitas,
2005:52,53, 57 e 58). Ao final do século XVIII, os norte-ameri-
foram incapazes de perceber aquilo que vinha com o
canos estavam conscientes de elaborar uma Constituição que
futebol, mas que o futebol não mostrava. Refiro-me,
assegurava a construção de uma grande nação.
é lógico, ao hóspede não convidado da igualdade,
Benjamin Franklin é considerado a “alma” do grupo dos fun-
esse construtor da mais profunda experiência liberal-
dadores federalistas. Discursou em Filadélfia, dizendo que havia
-democrática: a vivência do melhor como vencedor,
observado o sol pintado na parede, atrás da sala presidencial:
e da vitória como algo necessariamente transitório. A
como os pintores têm dificuldade em exprimir a diferença entre
idéia de que o adversário (com quem se disputa em
o sol que se levanta do sol que se põe, sentia-se feliz, porque,
nome de algo maior) não é um inimigo (a ser devida-
naquele instante, firmada a nova Constituição, tinha segurança
mente eliminado), como querem os sectários de todos
de que o quadro mostrava o sol nascente (STERN, 1987:229).
os matizes, mas hóspede que nos obriga a honrar tanto
As colônias inglesas da América do Norte, a partir do sé-
as esperanças de vitória quanto a dura vivência da der-
culo XVII, foram povoadas por levas de imigrantes, oriundos da
rota, como está ocorrendo neste momento”.
Inglaterra, da Escócia ou da Irlanda, geralmente por motivos reli-
110 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
giosos ou políticos – anglicanos, puritanos, presbiterianos, qua-
“Guardando-se contra essa possibilidade, elaboraram
cres, papistas, jacobinos. Surgiram, ao Norte, grandes centros
uma lista de atos que seriam vedados ao Governo Fe-
puritanos, nos quais os imigrantes continuaram exercendo as
deral. Nenhuma religião seria oficializada; o povo teria
atividades capitalistas e burguesas que exerciam na metrópole.
direito à liberdade de expressão, imprensa, assembléia
Diversa foi a colonização lusitana no Brasil. Os primeiros po-
e adoração religiosa; a vida humana, as liberdades e as
voadores, trazidos pelo Governador-Geral Tomé de Souza, mais
propriedades seriam defendidas contra atos arbitrários
pareciam uma baderneira tropa de ocupação do que um pacífi-
do Governo. Essas proibições, consagrando a liberdade
co grupo de colonizadores. E não podia ser diferente: Portugal
de expressão e a defesa da liberdade pessoal, foram
havia ampliado tanto o seu império que era difícil, devido a seus
inscritas na Carta dos Direitos, e constituem as dez pri-
escassos recursos materiais e humanos, mantê-lo de maneira
meiras emendas à Constituição”.
ordenada. As Índias – termo que abarcava todo o Extremo Oriente – eram o destino preferencial dos recursos do tesouro régio e
DAVID STERN (1987: 225) corrobora:
dos indivíduos mais corajosos e ambicionistas. Já o Brasil era,
“Para nós, como juristas, nos interessa sobremaneira a
para muitos, uma condenação, não uma escolha – com o novo
forma tão fácil, quase sem debate, em que cláusulas de
governador chegaram cerca de 400 criminosos, para cumprir
enorme significado entraram no documento (Constitui-
pena de degredo. Vieram também algumas mulheres, forçadas
ção). Cabe notar que, não obstante este fenômeno, as
ou de livre vontade (CALDEIRA, 1997: 30).
idéias de Montesquieu foram adotadas quando houve
ROGER BASTIDE (1975: 20), sociólogo francês que viveu
necessidade de assinalar a posição, dentro do governo, na qual se colocaria o tribunal para julgar o presidente e
por quase duas décadas no Brasil, registrou: “A metrópole não se interessou pela nova terra, preferiu-
outros funcionários acusados de delitos maiores.
-lhe os ricos territórios do Extremo Oriente, que lhe ren-
“(...) Imediatamente depois, entraram em uma discussão
diam especiarias, pedras preciosas, sedas, porcelanas
geral sobre o Poder Judiciário. Foram incorporadas às fa-
exóticas, enquanto os poucos barcos enviados ao Brasil
culdades da Corte e de outros tribunais federais, algumas
não traziam de volta nem ouro, nem prata, mas somente
de muita importância, entre as quais estava a inclusão do
papagaios e frutos curiosos. O Brasil foi abandonado à
poder de interpretar construtivamente a própria Constitui-
cupidez dos aventureiros, dos mercadores, dos ‘cris-
ção. Também assim ocorreu, paulatinamente, ao aplicar
tãos-novos’, isto é, dos judeus recém-convertidos que
a cláusula da supremacia da Constituição e dos tratados
vinham trocar miçangas e fazendas multicores pelo pau
celebrados em conformidade com ela”.
de tinta. Muitos eram portugueses, mas havia também ingleses, bretães, normandos”.
Outro apanágio da cultura jurídica, nos Estados Unidos, é o fortalecimento do Poder Judiciário. Chegou-se a falar na existên-
Distinta é a cultura norte-americana. Desde os fundadores,
cia do ‘governo dos Juízes’ (SCHWARTZ; 1966: 181-185), idéia
por bem conhecerem a experiência inglesa, deliberaram escre-
mitigada após a superveniência do “New Deal”, nos anos 30,
ver uma Constituição, nela incorporando a influência de Locke,
sob o governo do Presidente Roosevelt. A Suprema Corte tem
Montesquieu e Rousseau (STERN, 1987: 222-223). Estavam
presença marcante na história americana, decidindo célebres
familiarizados com o terrível emprego das leis de extinção dos
questões ligadas aos direitos civis, igualdade, racismo, aborto,
direitos civis, como a promulgada na Irlanda, durante o breve
dentre outras. Até o Presidente da República curva-se ao Poder
reinado, ali, de Jaime II, da Inglaterra. Essa lei condenou ao exí-
Judiciário. Richard Nixon renunciou, após decisão da Corte Su-
lio ou à morte, sumariamente, milhares de pessoas, sem julga-
prema, liberando a divulgação das fitas do escândalo “Waterga-
mento e nenhuma oportunidade de descobrir se haviam, ou não,
te” e o prosseguimento das investigações.
sido acusadas, até que fosse tarde demais para fazer algo a VI - DESCRENÇA NO DIREITO
respeito (BLACK, 1970: 24). A garantia das liberdades e dos direitos civis é apanágio da cul-
Em meados do século vinte, GEORGES RIPERT (GOMES,
tura jurídica norte-americana, enfatiza EDWIN S. NEWMAN (1967: 5):
2003:101-102) analisava os aspectos fundamentais da ordem
“Ao lançarem os alicerces da nação americana, os Pa-
jurídica do regime capitalista de produção. Condenava a abun-
triarcas recearam que um forte governo central viesse a
dância de leis, porque se afastam do ideal de justiça afirmado
suprimir os direitos do povo.
no preceito romano de que se deve dar a cada um o que é seu. PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 111
Isso caracterizava o que designou “decadência do Direito”. O
de réus oriundos das camadas mais pobres da população; 2)
progresso jurídico não passaria de ilusão, vã e perigosa, em que
permissividade da Lei de Execução Penal, em virtude da qual
não se deve crer.
vigora o sentimento de que “ninguém cumpre pena neste país”;
O tema permanece atual (GARCIA DE LIMA, A Crença no
3) alto nível de corrupção nos meios políticos, ao ponto de uma
Direito, 2012). Assistimos hoje, junto com outros fenômenos
destacada autoridade governamental mencionar que o “escân-
preocupantes, à desvalorização cultural e ética do Direito pela
dalo do mensalão” foi “somente” crime eleitoral; 4) extensão in-
opinião pública e alguns governantes e políticos. Essa depre-
justificada do “foro privilegiado” a diversos agentes públicos; 5)
ciação é acompanhada pelo ceticismo quanto ao seu valor e
febril elaboração de leis que “não pegam”, porque dissociadas
dúvida sobre sua importância e significado. Ao interesse pelo
da nossa realidade cotidiana; 6) arcaísmo na aplicação das leis,
fenômeno jurídico sobrepõe-se a valorização predominante, ob-
com excessivo apego ao positivismo jurídico e insuficiente visão
sessiva e excludente do fenômeno econômico. Contudo, não se
principiológica; 7) vigência de legislação processual barroca e
pode olvidar a proteção devida aos direitos fundamentais. Não
excessivamente formalista, a agravar a morosidade da Justiça
se despreza o Direito e nem se endeusa a economia sem limites
brasileira; 8) estrutura interna obsoleta do Poder Judiciário; e 8)
morais e humanos (CAGNONI e ESPIELL, 2005:101).
demora excessiva na prestação jurisdicional (GARCIA DE LIMA,
Nesse contexto, o magistrado contemporâneo enfrenta
A Crença no Direito, 2012).
avassalador dilema intelectual. De um lado, ecoa a preleção de
Na conjuntura global de atenção quase exclusiva ao fenô-
FÁBIO KONDER COMPARATO (Revista Cidadania & Justiça,
meno econômico e considerado o primitivismo institucional do
3/291-293):
Brasil, cabe invocar a lição do jurista italiano SABINO CASSES-
“No apogeu do Renascimento, quando a perspectiva
SE (CAGNONI e ESPIELL, 2005:37):
exaltante de que o homem, enfim, graças à extraordiná-
“Estamos imersos em mudanças e somente podemos
ria acumulação de conhecimentos, tornar-se-ia ‘senhor
intuir para onde se dirigem. Porém não somos e nem
e possuidor da natureza’, Rabelais advertiu, pela boca
devemos nos resignar a ser objetos passivos dessas
de um de seus personagens, que ‘ciência sem consci-
mudanças. Desde as cátedras universitárias, desde a
ência é a ruína da alma’. (...)
judicatura e, fundamentalmente, desde o âmbito dos
“A ciência jurídica, despida de consciência ética, arruína
governos e dos legislativos, devem emanar idéias e ini-
a sociedade e avilta a pessoa humana. E esse resultado
ciativas que possibilitem que as sociedades do nosso
funesto produz-se de modo ainda mais humilhante e ig-
futuro próximo sejam sociedades menos insatisfeitas
nominioso quando os agentes da desumanização jurídi-
e menos desregradas que as atuais, onde as pessoas
ca são justamente aqueles a quem se confiou a missão
possam se sentir, ao menos em parte, construtoras do
terrível de julgar os seus concidadãos”.
seu próprio destino e do destino da comunidade que integram” (tradução livre).
Sem menos razão, de outro parte, adverte o ministro LUIZ FUX (2008), do Supremo Tribunal Federal:
O Brasil está bem melhor do que esteve há alguns anos
“Se nós oferecemos uma justiça caridosa, se nós ofere-
atrás, mas ressalva ELIANE CANTANHÊDE (Devagar com o an-
cemos uma justiça paternalista, se nós oferecemos uma
dor, 2011):
justiça surpreendente que se contrapõe à segurança
“Falta muita coisa para o Brasil ser toda essa cocada
jurídica prometida pela Constituição Federal, evidente-
preta: educação, saúde, produtividade, inovação, com-
mente que isso afasta o capital estrangeiro, como afasta
bate à corrupção, distribuição de renda. E, enquanto
o capital das grandes corporações. É o que sucede com
os brasileiros não pararem de se matar à toa, é melhor
o não-cumprimento de tratados, o não-cumprimento de
deixar o oba-oba para a mídia estrangeira e pensar o
laudos arbitrais convencionados previamente... Isso au-
estágio e as fraquezas do país com um mínimo de ra-
menta o que se denomina ‘Risco Brasil’”.
cionalidade”.
A par da “economização” decorrente da globalização, o
O diplomata e ex-ministro da Fazenda RUBENS RICUPE-
Direito brasileiro se enfraquece em razão de fatores internos re-
RO (O dia D, 2009) destacou a importância do Plano Real para
levantes, dentre os quais destaco exemplificativamente: 1) má
estabilizar a moeda e desenvolver a economia brasileira. Mas
aplicação da legislação penal, preferencialmente em desfavor
ressalvou a necessidade de mudanças na esfera da improbida-
112 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
solapa as energias da nação. Representa um pecado
de administrativa: “Chegamos ao amadurecimento que invejávamos no
contra a idéia do direito, cujas conseqüências acabam
Chile: hoje nenhum setor importante questiona a estabi-
por atingir o próprio Estado. (…) Nem mesmo o senti-
lidade como patamar a partir do qual deve ser edificado
mento de justiça mais vigoroso resiste por muito tempo
um projeto nacional de prosperidade e justiça.
a um sistema jurídico defeituoso: acaba embotando,
“Obra coletiva de três presidentes, de vários ministros,
definhando, degenerando”.
de presidentes do Banco Central e de economistas competentes, o Real deixou de ser fator de divisão. Não é propriedade nem bandeira de ninguém porque representa uma conquista que pertence a todo o povo brasileiro. No momento em que a corrupção substituiu a hiperinflação como ameaça mortal, sirva o exemplo para crermos que, se quisermos, também esse câncer poderá ser extirpado”. VII – CONCLUSÃO O descumprimento das leis e a descrença no Direito são fenômenos verificados na cultura brasileira. Todavia, sem o apreço pelos valores éticos, o Direito não possuirá eficácia. No âmbito da Administração Pública, em especial, urge atribuir efetividade aos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (artigo 37, caput, da Constituição Federal de 1988). Mais importante do que a profusa edição de leis, é a mudança dos nossos maus costumes arraigados. É necessário observar a aplicação isonômica dos preceitos legais. Alcançada a estabilidade econômica, o Brasil precisa avançar no caminho do combate à corrupção. Somente assim atingiremos completo desenvolvimento nacional. A almejada racionalidade de uma grande nação não exclui a crença no Direito. RUI BARBOSA (TAVARES, 2001:152) proclamou: “Com a lei, pela lei e dentro da lei; porque fora da lei não há salvação”. CALAMANDREI celebrava a crença na Justiça (Eles, os Juízes..., p. 22): “Para encontrar a Justiça, é preciso ser-lhe fiel. Como todas as divindades, só se manifesta àqueles que nela
REFERÊNCIAS BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 11ª ed., 1999. ___________________________________. Direito Administrativo e Constitucional - Estudos em Homenagem a Geraldo Ataliba (organizador). São Paulo: Malheiros, 1997. BARBOSA LIMA SOBRINHO. Sistemas Eleitorais e Partidos Políticos. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1956. BASTIDE, Roger. Brasil, Terra de Contrastes. São Paulo: Difel, trad. Maria Isaura Pereira Queiroz, 1975. BITTAR, Carlos Alberto. O Direito Civil na Constituição de 1988. São Paulo: Editora RT, 1991. BLACK, Hugo Lafayette. Crença na Constituição. Rio de Janeiro: Forense, trad. Luiz Carlos F. de Paula Xavier, 1970. CAGNONI, José Aníbal e ESPIELL, Gross. Estado-Administración. Su Reforma en el Presente. Montevidéu: Fundación de Cultura Universitaria, 2005. CALAMANDREI, Piero. Eles, os Juízes, Vistos por Nós, os Advogados. Lisboa: Livraria Clássica Editora, trad. Ary dos Santos, 7ª ed., sem data. CALDEIRA, Jorge et alii. História do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. CANTANHÊDE, Eliane, Devagar com o andor, jornal Folha de São Paulo, edição de 29.11.2011, p. A-2. COMPARATO, Fábio Konder. Saudação aos Novos Juízes. São Paulo: Revista Cidadania & Justiça, Associação Juízes para a Democracia, nº 3, 1997, pp. 291-293. DaMATTA, Roberto. Crônicas da Vida e da Morte. Rio de Janeiro: Rocco, 2009.
crêem”. ________________. O Que Faz o brasil, Brasil?. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1997.
E IHERING alertava (1980:94-95): “Qualquer norma que se torne injusta aos olhos do povo, qualquer instituição que provoque seu ódio, causa prejuízo ao sentimento de justiça, e por isso mesmo
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública Concessão, Permissão, Franquia, Terceirização e outras Formas. São Paulo: Atlas, 2ª ed., 1997.
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 113
DROMI, Roberto. Derecho Administrativo. Buenos Aires: Ciudad Argentina, 9ª ed., 2001. DURANT, Will. A História da Filosofia. São Paulo: Nova Cultural, tradução de Luiz Carlos do Nascimento Silva, 2000. FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros Editores, 1995. FUX, Luiz. Impacto das Decisões Judiciais na Concessão de Transportes. Brasília, Revista da Escola Nacional da Magistratura, Associação dos Magistrados Brasileiros, nº 5, maio de 2008, pp. 8-21. GARCIA DE LIMA, Rogério Medeiros. A Crença no Direito. Rio de Janeiro: Revista Cidadania & Justiça, março de 2012, pp. 34-37. _____________________________. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. ______________________________. Ética e Eficiência no Âmbito dos Serviços Notariais e de Registro, palestra proferida no 12º Encontro de Notários e Registradores do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte-MG, 01.05.2003. _______________________________. Ética para Principiantes, disponível em O Globo On Line, http://www.oglobo.com.br, captado em 05 de julho de 2007. _______________________________. O Direito Administrativo e o Poder Judiciário. Belo Horizonte: Del Rey, 2ª ed., 2005. GOMES, Orlando. Raízes Históricas e Sociológicas do Código Civil Brasileiro. São Paulo: Martins Fontes, 2003. GORDILLO, Agustín. La Convención Interamericana contra la Corrupción, in Direito Administrativo e Constitucional - Estudos em Homenagem a Geraldo Ataliba. São Paulo: Malheiros, org. Celso Antônio Bandeira de Mello, 1997. HOLANDA, Aurélio Buarque de. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2ª ed., 1986. HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 9ª ed., 1976. IHERING, Rudolf von. A Luta pelo Direito. Rio de Janeiro: Editora Rio, 2ª ed., trad. Richard Paul Neto, 1980. JUSTEN FILHO, Marçal. Conceito de Interesse Público e a “Personalização” do Direito Administrativo. São Paulo: Revista Trimestral de Direito Público, Malheiros, vol. 26, 1999. pp. 115-136. MARCÍLIO, Maria Luiza e RAMOS, Ernesto Lopes (coord.). Ética na Virada do Século. São Paulo, Editora LTr, 1997.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Editora RT, 9ª ed., 1983. MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. São Paulo: Editora RT, 3ª ed., 1999. MONTORO, André Franco. Retorno à Ética na Virada do Século, in Ética na Virada do Século (coord. Maria Luiza Marcílio e Ernesto Lopes Ramos). São Paulo: Editora LTr, 1997. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Apontamentos Sobre a Reforma Administrativa. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. NALINI, José Renato. Ética Geral e Profissional. São Paulo: Editora RT, 1997. NEWMAN, Edwin L. Liberdade e Direitos Civil. Rio de Janeiro: Forense, trad. Ruy Jungmann, 1967. PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Estratégia e Estrutura Para Um Novo Estado. Brasília: Papéis da Reforma, Ministério da Administração e da Reforma do Estado, 1996. REALE, Miguel. REALE, Miguel. Filosofia do Direito. São Paulo: Saraiva, 15ª ed., 1993. ____________. Lições Preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 7ª ed., 1980. ____________. Sentido do Novo Código Civil. Miguel Reale, disponível em , captado em 31 de março de 2002. RICUPERO, Rubens. O dia D, jornal Folha de São Paulo, edição de 05.07.2009, p. B-2. RIPERT, Georges. A Regra Moral nas Obrigações Civis. Campinas: Bookseller, trad. Osório de Oliveira, 2ª ed., 2002. SANDULLI, Aldo M. Manuale Di Diritto Amministrativo. Nápoles: Casa Editrice Dott. Eugenio Jovene, 12ª ed, 1974. SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Décadas de Espanto e uma Apologia Democrática. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1998. SCHWARTZ, Bernard. Direito Constitucional Americano. Rio de Janeiro: Forense, trad. Carlos Nayfeld, 1966. STERN, David S. Breve Historia del Derecho Constitucional Contemporáneo Norteamericano. México: Revista de la Facultad de Derecho de México, tomo XXXVII, janeiro-julho 1987. SUNDFELD, Carlos Ari e MUÑOZ, Guillermo Andrés (coordenadores). As Leis de Processo Administrativo – Lei Federal 9.784/99 e Lei Paulista 10.177/98. São Paulo: Malheiros, 2000.
114 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
TAVARES, Márcio D’Amaral. Rui Barbosa. São Paulo: Editora Três, coleção A Vida dos Grandes Brasileiros, vol. 1, supervisão de Américo Jacobina Lacombe, 2001.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Rogério Medeiros Garcia de Lima (Desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Doutor em Direito Administrativo pela UFMG, professor do Centro Universitário Newton Paiva e da Escola Judicial “Desembargador Edésio Fernandes”)1
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 115
DIREITO CONSTITUCIONAL PENAL E A RESERVA LEGAL: reflexões sobre a proposta da capacidade e responsabilidade penal das pessoas jurídicas no Direito Comparado Weser Francisco Ferreira Neto1
O estudo dos princípios constitucionais penais previstos em um Estado Democrático de Direito é de suma importância,
-institucionales impuestos al poder del Estado para la satisfacción y respeto de los derechos fundamentales”2.
por amparar os direitos e garantias, como a segurança jurí-
O garantismo constitucional em consonância com o direito
dica, bem estar e paz social, Justiça e liberdade humana di-
constitucional penal e seus princípios norteadores, justifica uma
recionando anseios a serem observados por uma sociedade
interpretação racional ao fundamentar, através de um Direito Pe-
respaldada num ordemanento jurídico vigente. Noutro giro, há
nal especial a análise fática com a demonstração de que com
o confronto com o direito de punir do Estado, que decorre de
a criação da pessoa jurídica criminosa e em apoio da pessoa
ser justificável quando há comportamentos criminosos, o que
física, ambos agentes produzem ou concorrem para a ofensa ao
motiva aplicação de sanções correspondentes aos infratores,
bem tutelado. A pessoa jurídica participa do resultado incrimi-
no intuito coibir a impunidade. Há organizações criminosas,
nador, com atuação objetiva, a atuação é de mera cumplicida-
que atuam através de sociedades empresariais e com o apoio
de aos interesses humanos e contrários às finalidades sociais,
destas, quando se torna justificável apurar a evolução dos ide-
mas de forma instrumental. É sob esta ótica constitucional apli-
ais de capacidade penal dos entes coletivos e as respectivas
cada às garantias constitucionais penais das pessoas físicas e
sanções administrativas possíveis, quando há participação
também, extensivas as pessoas jurídicas, enquanto ambos são
material ou intrumental para a produção de ofensas aos bens
agentes infratores. Neste contexto é que se busca um propósito
jurídicos tutelados na norma penal.
de intervenção garantista constitucional capaz de sustentar as
No Estado Social há proteção da pessoa física e jurídica,
garantias legais e atividades de persecução e responsabilização
por constituirem uma realidade humana e contratual. Esta últi-
penal, como solução de conflitos que vão delimitar a capacida-
ma, instituída por consenso de seus idealizadores, mas ambos
de penal ou não de seus infratores.
agentes representativos devem sujeitar-se as garantias constitu-
A preocupação de identificar os valores e princípios eleitos
cionais e ordenamento legal, e se violados há necessidade de
por uma dada ordem constitucional refletem, necessariamente,
responsabilização. O controle político da reprimenda penal de-
em todo ordenamento jurídico, principalmente no âmbito do Di-
corrente de uma Constituição organizada e é fundamental para
reito Penal, no caso em tela, na busca de identificar as garan-
apresentar interpretações, sob respaldo garantista, que justifi-
tias legais aplicadas as pessoas física e jurídicas (sociedades
que a posterior identificação, investigação e devido processo
empresariais), esta última por contribuir e participar de forma
legal para posterior responsabilização dos agentes infratores,
mediata, sem dolo ou culpa, mas, tem importante contribuição
sejam eles, pessoa jurídica ou física.
para contribuir para a realização da infração penal. Se faz ne-
Para Raul Gustavo Ferreyra “las garantías de la Constitución
cessário fundamentar sob respaldo constitucional e justificar a
son instrumentos previstos para defender el ordenamiento que
dupla responsabilização penal dos agentes infratores, ou seja,
el propio Derecho Constitucional organiza. En su versión amplia
pessoa física e jurídica.
se trata de garantías que la Constitución se confere a sí misma
Temos o princípio constitucional penal da legalidade, que
para asegurar su primacía y jerarquía dentro del ordenamiento
dá ao Direito uma função de garantia da liberdade individual,
jurídico estatal, pretendiendo que las decisiones políticas se ela-
condicionando a existência de um delito e a aplicação de uma
boren y ejecuten teniendo como marco el perímetro estatuido
pena a uma lei anterior, clara e precisa quanto ao seu conteú-
por el orden constitucional y no al revés. En su versión mas
do. Esta pena em princípio poderá ser de privação de liberdade,
restringida, las garantías del Derecho de la Constituición se con-
mas nada obsta ser restritiva de directos e multa, mas aplicadas
figuran mediante la estipulación normativa de vínculos jurídico-
em caráter substitutivo. As primeiras aplicadas a pessoa física
116 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
e as segundas, tanto as pessoas físicas ou jurídicas. Também,
vas e inutilmente aflitivas; a abolição de determinados institutos
o princípio da pessoalidade da pena, que representa uma evo-
penais e processuais, tais como a reincidência, a prisão provisó-
lução histórica no regime da aplicação da lei penal, a partir do
ria e o sistema progressivo de cumprimento de pena. É o garan-
qual a pena não mais poderá passar da pessoa do delinqüente,
tismo um limitador entre a identificação dos agentes infratores,
como conseqüente a individualização da pena.
que devem ser responsabilizados criminalmente, daqueles que
A preocupação apresentada é interpretativa, mas tem
não tem atuação voltada para o crime. Somente através de uma
como sustetáculo as garantias constitucionais, afinal sendo os
investigação policial garantista se tornará possível identificar os
delinquentes pessoa física e eventualmente a pessoa jurídica,
agentes infratores, com posterior conseqüências legais, moti-
cada um dos agentes infratores deverão ser responsabilizados
vando o devido processo e as responsabilizações necessáriais.
criminalmente, com as sanções correspondentes a naturaza
A alternativa de política criminal garantista volta-se na aten-
da violação ao bem jurídico violado. Na busca de adequar ins-
ção de buscar o respaldo constitucional e normativo justifican-
piração penal persecutória para responsabilizar estes agentes
do, sem abusos persecutórios, o intuito de punir os infratores
infratores, mas sob respaldo limitador do Poder Punitivo Estatal,
e garantir às vítimas das fraudes, também, extensivo a todos
apresentam-se alternativas a impunidade generalizada na seara
outros segmentos representativos de atividades públicas e pri-
de crimes societários. Neste aspecto, temos o garantismo penal
vadas, como corrupções que envolvem atividades em licitações
a alternativa legal e repressiva de resgatar a credibilidade es-
públicas, com atuação efetiva das sociedades empresariais de
tatal que poderá aplicar a punição aos infratores, sob crivo do
fachadas, que foram instituídas no mundo jurídico para atuar
contraditório e ampla defesa, forma de se fazer Justiça, com a
de forma objetiva na produção do resultado lesivo, justificam a
aplicação de sanções proporcionais as violações perpetradas
responsabilização penal da pessoa jurídica e de seus agentes
pelos aos agentes infratores, no intuito de justificar os interesses
instituidores. O fato é que os empresários e a sociedade empre-
violados de diversas vítimas, seja na seara pública e/ou privada.
sarial devem ser responsabilizados criminalmente se presentes
Para Luigi Ferrajoli, na obra Derecho y Razon – Teoría del
a ofensa ao bem jurídico tutelado da norma penal incriminadora,
garantismo penal, afirma “cada una de las implicaciones deônti-
em que demonstra o concurso de pessoas: pessoa física e ju-
cas – o principios – de que se compone todo modelo de derecho
rídica, uma proposta garantista e concorrente ao Direito Penal
penal enuncia, por tanto, una condición sine qua non, esto es,
clássico, afinal a perspectiva é também, sem ofensa aos prin-
una garantía jurídica para la afirmación de la responsabilidad pe-
cípios penais constitucionais voltadados à pessoa física não
nal y para la aplicación de la pena” .
sejam violados, quando se busca trazer para a seara criminal
3
O fato é que a responsabilidade penal e aplicação da pena, sob respaldo do garantismo constitucional é direcionado a apli-
a viabilidade de identificar a capacidade penal das pessoas jurídicas de natureza privada e com fins lucrativos.
cação da sanção ao agente infrator, sob amparo do devido pro-
A proposta garantista é a aplicação da sanção, seja a pes-
cesso penal, mas se faz necessário identificar o sujeito ativo e
soa física ou jurídica, através da via jurisdiccional penal. Volta-
a demonstração de sua capacidade penal para fundamentar a
-se as atenções das autoridades investigadoras para identificar
persecução penal sob amparo garantista para instruir o devido
autoria e materialidade, capaz de justificar um devido processo
processo penal. O garantismo4 é um Movimento de política cri-
e consequente dupla responsabilização penal, seja à pessoa
minal proposto pelo jurista italiano Luigi Ferrajoli e ocupa uma
física e agora, também, numa nova política criminal persecu-
posição intermediária entre o abolicionismo radical e a máxima
tória à pessoa jurídica. Dá-se ensejo ao devido procedimento
intervenção do Direito Penal. O intuito de buscar identificar re-
investigatório preliminar, na busca de provas indiciárias, capaz
quisitos da capacidade penal da sociedade empresarial é uma
de justificar aplicações de penas aos agentes infratores, sob a
proposta justificável para coibir as organizações criminosas, que
égide do contraditório e ampla defesa, respeitando o princípio
se utilizam deste ente sem vontade para buscar, através desta
da presunção da inocência, mas que motivará a responsabili-
participação o êxito em atividades criminosas. Ora, todos os só-
zação ou não dos agentes investigados. O due process of law
cios são criminosos e as sociedades empresariais são voltadas
surgido na Inglaterra é considerado o mais antigo dos institutos
para os ilícitos penais. Para Andrei Schimidt o garantismo é um
da ciência jurídica criminal, remonta a sua origem na Magna Car-
movimento tem o intuito de preservar os direitos fundamentais
ta outorgada pelo Rei João Sem Terra em 1215, que reporta-se
da pessoa humana, propondo para tanto: a supressão de qual-
exclusivamente as pessoas físicas, quando até então prevalecia
quer juízo de valor acerca da personalidade do réu; a abolição
o princípio da irresponsabilidade das pessoas jurídicas, sob a
gradual das penas privativas de liberdade porque são excessi-
égide da máxima societas delinquere non potest6.
5
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 117
Registra-se que nos séculos XIX, XX e XXI é que se dá ensejo
ser responsabilizados e punidos, conforme pretende-se aplicar
estudos doutrinários e que ganham respaldo interpretativo e legal
numa nova interpretação doutrinária. Não há melhor momento
que demonstraram ser justificável a punição dos entes coletivos,
para discutir os princípios constitucionais e políticos da exclusiva
como apresentado por Silvina Bacigalupo7, David Baigun8 e ou-
proteção dos bens jurídicos e na idéia de que o Direito Consti-
tros defensores da responsabilidade penal da pessoa jurídica.
tucional Penal trata-se de uma proposta para coibir e responsa-
A inovação é demonstrar a participação da sociedade empresarial, dentro de um contexto justificável da evolução do
bilizar os agentes infratores por ofender a bens tutelados pela norma penal incriminadora.
conceito de crime, como agente infrator, com uma contribuição
Essa contemporânea teoria da imputação objetiva apresen-
objetiva, capaz de subsumir e auxiliar na atuação da pessoa físi-
tada e defendida por Claus Roxin ao contrário do que parece o
ca. Esclarece Claus Roxin9 que preconizou um princípio herme-
nome “imputação objetiva”, é o de que o autor deve responder
nêutico de interpretação do postulado da legalidade, conhecido
pelo resultado, de um crime doloso ou culposo, desde que pre-
por princípio da adequação social, circunstâncias toleráveis que
sente a relação de causalidade com a conduta, ainda que não
não justifique a punição. Por esta linha de interpretação filosófica
tenha agido com dolo ou culpa. A imputação objetiva significa,
é imprescindível verificar se a conduta praticada pelos agentes
portanto, “atribuir a alguém a realização de uma conduta criado-
infratores (pessoa física e/ou jurídica), além de estarem identifi-
ra de um relevante risco juridicamente proibido e a produção de
cados com a conduta descrita no tipo penal incriminador, seja
um resultado jurídico”10. A teoria da imputação objetiva é a alter-
socialmente inadequado. Se for inadecuado e a ofensa for rele-
nativa para se responsabilizar de forma concorrente a pessoa
vante caberá a responsabilização penal de ambos infratores, se
física e a pessoa jurídica, esta última, atuação de forma objetiva,
contribuíram para o resultado lesivo. Dessa forma, as condutas
como partícipe da infração penal, sem dolo ou culpa, mas com
aparentemente típicas que eram socialmente aceitas ganharam
um auxílio material ou real para a consumação da infração pe-
foro de legalidade e há demonstração da necessidade de punir
nal. A sugestiva proposta é tendente a uma completa visão na
de forma proporcional a ofensa, logo o Estado deverá exercer o
teoria do delito em sólida base constitucional, aplicando a pena
jus puniendi e a proposta de se identificar a capacidade penal
a pessoa física e jurídica.
da sociedade empresarial é uma proposta que se apresenta, circunstância que justificará sua responsabilização penal.
O fato punível concreto para ser possível iniciar a investigação da sociedade empresarial e do empresário há de subsumir
Ora, o estudo de garantias constitucionais penais é uma
a figura típica e atender à garantia constitucional da legalidade.
interpretação justificável e motivadora que também demons-
Sob este enfoque deverá se respaldar nos seguintes critérios: a)
tra a necessidade de punir as pessoas jurídicas, sem violar o
a realização da conduta humana descrita, ou seja, a subsunção
princípio da legalidade, mas claro, a aplicação de penas corres-
formal da conduta dolosa ou culposa ao tipo, que deverá ocorrer
pondentes, seja a restrição de direitos e/ou multa, em caráter
através da participação objetiva, por um nexo de causalidade ou
substitutivo a privação da liberdade, cada agente em razão de
instrumental da pessoa jurídica; b) necessária produção de um
sua contribuição para a atividade criminosa. A verdade é que o
resultado jurídico lesivo, socialmente reprovável, afetação lesão
Estado deve regular o seu poder de punir e interferir na esfera
ou perigo concreto de lesão do bem jurídico protegido; c) que
pessoal de cada pessoa pelo Direito Penal.
este resultado seja desvalioso e intolerável (desvalor do resulta-
O garantismo constitucional penal constitui um conjunto de
do) em proveito de ambos agentes infratores; d) que o resultado
garantias jurídicas necessárias à afirmação das garantias pes-
seja objetivamente imputado ao risco proibido produzido pela
soais, do devido processo penal, que motivará posterior respon-
conduta dos agentes, em concurso necessário de pessoas. Te-
sabilidade penal e aplicação da pena, ora proposto e traduzi
mos então, o respaldo constitucional penal, sob análise garan-
assim, os limites da legitimidade do poder de punir do Estado.
tista do princípio da reserva legal.
A reserva legal respalda-se no ensino de que não há crime sem
O estudo comparado da responsabilização penal da pes-
lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.
soa jurídica é recente e se subsidiam inicialmente em países da
Entretanto os agentes infratores podem ser tanto a pessoa física
commom law, afinal até então vigorava o princípio da societas
e a pessoa jurídica, conforme pretende-se implementar, afinal
delinquere potest. Segundo Luiz Regis Prado11 a idéia da res-
demonstrado a produção de ofensa ao bem tutelado pela norma
ponsabilidade penal da pessoa jurídica remonta ao século XIX,
penal, com contribuição de ambos agentes, há o concurso ne-
sendo essa uma criação jurisprudencial e diuturnamente sob
cessário dos agentes infratores: pessoa física (imputação sub-
análise do direito constitucional penal, se demonstra a necessi-
jetiva) e a pessoa jurídica (imputação objetiva), ambos devem
dade de uma política criminal garantista, como fundamento legal
118 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
de persecução as agentes infratores, sem abusos de autoridade
aplicáveis as de dissolução, pecuniárias, apreensão e limitação
ou ao arrepio da lei. As primeiras decisões só admitiam a res-
de atividades14. Assim, atualmente, a pessoa jurídica pode ser
ponsabilidade como exceção ao princípio da irresponsabilidade
penalmente responsabilizada, por violações à economia, meio
da pessoa jurídica na prática de delitos.
ambiente, à saúde pública e a higiene e segurança do trabalho,
Assim, há alguns países, conforme tendência do direito
também considerado como meio ambiente stricto sensu.
anglo-saxão que passaram a adotar o instituto da responsabilização penal das pessoas jurídicas como Estados Unidos, Ingla-
3. Japão, China, Noruega e Suécia. Japão é um país de
terra, Canadá, Japão e China, tendo exercido influência sobre
influência norte-americana adotou a teoria de Gierke sobre a real
diversos países, como França, Portugal, Holanda, Dinamarca,
responsabilidade dos entes coletivos. China, por ser um país so-
Áustria, Nova Zelândia, Austrália, Bélgica e Irlanda do Norte, no
cialista, não admite qualquer ato contra o interesse comum do
qual são encontradas legislações que incriminam a pessoa jurí-
Estado. Atualmente, a legislação consagrou a responsabilidade
dica, mais especificamente, quando da prática de atos nocivos
das empresas nos delitos de contrabando e corrupção. A pena
ao meio-ambiente. Também, há legislações que adotam respon-
aplicável é a pecuniária, sem exclusão da detenção, reclusão
sabilidade penal das pessoas jurídicas: México, Cuba, Venezue-
ou mesmo da prisão perpétua para as pessoas físicas respon-
la e Colômbia. Os países que não o adotam são: Alemanha,
sáveis. Noruega e Suécia, também adotam a responsabilidade
Suíça, Itália e Espanha, conforme assinala Gaspar Sousa12.
penal das pessoas jurídicas.
Assim, nascem as pessoas jurídicas (Direito Alemão), também chamadas de pessoas coletivas (Direito Português) ou pes-
4. Canadá, Autrália, Dinamarca, Austria e Finlândia:
soas morais (Direito Francês e Belga), conceituando-se como
no Canadá e em alguns Códigos Penais Australianos se admite
instituições formadas para a realização de um fim e reconheci-
a responsabilidade penal da pessoa jurídica. O Código Penal
das pela ordem jurídica como sujeitos de direito.
Dinamarquês não prevê a responsabilidade penal das pesso-
A seguir destacamos o entendimento de algumas legisla-
as jurídicas, mas diversas leis foram desenvolvidas prevendo tal
ções , sob respaldo garantista da norma constitucional, o que
responsabilização, permitindo a punição da empresa, da pes-
torna importante uma análise comparativa, em face do tema pro-
soa física ou de ambas. Na Áustria há sanções para membros e
posto:
órgãos que se utilizam da associação com fins econômicos es-
13
1. Portugal: o Código Penal Português, mais especifica-
cusos. A pena da empresa não afasta a proferida para a pessoa
mente no seu artigo 11 (parte final do dispositivo), através da
física. Na Finlância, segundo Bacigalupo “prevé la introducción
expressão “... salvo disposição em contrário” permitiu que a
de preceptos específicos de responsabilidad penal de las per-
legislação infraconstitucional dispusesse acerca de outras for-
sonas jurídicas cuando el delito haya sido cometido como parte
mas de responsabilidade penal (como por exemplo a coletiva).
de una actividad corporativa. Por lo tanto, también en Finlandia
O Código Penal Português não continha esta ressalva, daí al-
existe la intención de incorporar en breve disposiciones respecto
guns sustentarem a admissibilidade da responsabilidade penal
de la responsabilidad penal directa de pas personas jurídicas”15.
da pessoa jurídica. Há tanto a responsabilidade penal individual como o da pessoa jurídica, a qual é tratada por legislação in-
5. Itália: na Itália vigora o princípio da responsabilidade pes-
fraconstitucional, que prevê várias formas de penas aplicáveis,
soal. Admite-se a responsabilidade da pessoa jurídica somente
podendo citar a perda de bens e publicidade da decisão con-
na esfera civil e administrativas, mas também há estudos para
denatória
implantar a responsabilização penal para a pessoa jurídica. Esclarece Silvina Bacigalupo “El sistema jurídico italiano tampoco
2. Estados Unidos, Grã-Bretanha e Irlanda: antes da me-
admite la responsabilidad penal directa de las personas jurídi-
tade do século passado (quando arrimados na Comnon Law)
cas, dado que el único sujeto capaz de sufrir sanciones es sólo
a responsabilidade penal das pessoas jurídicas era vedada.
la persona física. Por lo tanto, cualquier incriminación penal su-
Após, com o crescimento industrial, já na segunda metade do
pone necesariamente la existencia de ‘una persona’ capaz de
século XIX e seu conseqüente aumento, passou-se a admitir a
culpabilidad para no vulnerar los principios constitucionales”16.
responsabilidade penal. Apesar de alguns doutrinadores destacarem que a responsabilidade é penal, mas de caráter essen-
6. Alemanha: neste país vigora o velho princípio romano,
cialmente civil. Portanto, atualmente, na Grã-Bretanha a pessoa
o societas delinquere non potest. Na esfera do Direito Adminis-
jurídica pode ser responsabilizada penalmente, sendo as penas
trativo, se reprime de forma rigorosa a ação das pessoas jurídi-
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 119
cas, com fortes multas administrativas. Basta o comportamento
jurídicas. Todavia, no Código Penal de 1995, artigo 129, encon-
ilícito, não sendo necessário a culpa. O direito alemão, com o
tram-se previstas algumas conseqüências acessórias de ações
objetivo de garantir seu direito penal dentro dos princípios cons-
individuais de pessoas integrantes do ente coletivo22 e o art. 129
titucionais, criou um direito administrativo criminal, desse modo,
estabelece “El juez o tribunal, en los supuestos previstos en este
resguardando a responsabilidade individual como característica
Código y, previa audiencia de los titulares o de sus representan-
das infrações criminais17.
tes legales, podrá imponer, motivadamente, las seguintes consecuencias: a) clausura de la empresa, sus locales o estabeleci-
7. França: a Código Penal Francês anterior não dispunha
mentos, con carácter temporal o definitivo. La clausura temporal
acerca do tema, não vedava, porém também não permitia. Com
no podrá exceder de cinco años; b) disolución de la sociedad,
isso, ficou a cargo da legislação a disposição dos casos de res-
asociación o fundación; c) suspensión de las actividades de la
ponsabilidade penal da pessoa jurídica. Neste país existe uma
sociedad, empresa, fundación o asociación por un plazo que
lei que regulamenta os ilícitos econômicos, em tal compêndio
no podrá exceder de cinco años; d) prohibición de realizar en
normativo se admite a responsabilização penal das pessoas ju-
el futuro actividades, operaciones mercantiles o negocios de la
rídicas. O atual Código Penal Francês (em vigor desde 1994) ad-
clase de aquéllos en cuyo ejercicio se haya cometido, favorecido
mite a responsabilidade penal das pessoas jurídicas. A França,
o encubierto el delito. Esta prohibición podrá tener carácter tem-
por exemplo, indica, expressamente, nas normas penais incrimi-
poral, el plazo de prohibición no podrá exceder de cinco años;
nadoras contindas na Parte Especial do Código Penal Francês
e) La intervención de la empresa para salvaguardar los derechos
quais aquelas que podem ser imputadas às pessoas jurídicas18.
de los trabajadores o de los acreedores por el tiempo necesario
Quanto às penas, algumas delas são: de multa, interdição de-
y sin que exceda de un plazo máximo de cinco anõs”23.
finitiva ou temporária de atividades, fechamento temporário ou definitivo, confisco do objeto do crime, exclusão definitiva ou
10. Brasil: Há três interpretações, quanto a responsabilida-
temporária dos mercados públicos, a vigilância judiciária por um
de penal ou não da pessoa jurídica24. A primeira corrente enten-
determinado tempo, etc. Desse modo, a França tem sido con-
de que nossa Carta Magna não trata da responsabilidade penal
siderada um marco no cenário jurídico mundial atualmente19. O
das pessoas jurídicas, reservando a estas somente sanções
atual Código Penal dispõe sobre a responsabilidade das pesso-
administrativas e civis. A segunda corrente sustenta que não
as jurídicas por seus próprios atos ou por atos de seus represen-
restam dúvidas sobre a implementação desta responsabilidade,
tantes. “Las condiciones o requisitos necesarios para poder im-
conforme § 3º do artigo 225 da Constituição Federal que diz “as
putar un delito a una persona jurídica: a) que el delito haya sido
pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e
cometido por voluntad deliberada de sus órganos; b) que fuese
penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que
cometido en su nombre; c) que fuese en interés colectivo”20.
a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de órgão colegiado, no interesse ou benefí-
8. Holanda: o art. 51 do Código Penal Holandês admite a
cio da sua entidade”. Por fim, uma terceira corrente sustenta a
responsabilidade penal da pessoa jurídica (“... tanto as pessoas
inconstitucionalidade do § 3º do artigo 225, uma vez que fere
físicas, como as jurídicas podem cometer fatos puníveis...”). A
a base da Constituição, que são os seus princípios. No qual
Corte Suprema Holandesa vem reconhecendo que certas ações
concordo somente com o segundo posicionamento. Ademais,
ou omissões são da própria empresa, sendo, apenas, imputa-
vige a Lei n. 9.605/98, que disciplina a responsabilidade penal
das às pessoas físicas vinculadas, como conseqüência. “Según
da pessoa jurídica, nos crimes ambientais e apresenta requisitos
el art. 51 del Cód. Penal también las personas pueden ser auto-
que devem ser preenchidos para que se possa responsabilizar
res de un ilícito penal: 1. Los delitos pueden ser cometidos por
à pessoa jurídica, conforme art. 3º da citada Lei. Como primeiro
personas físicas o por personas jurídicas. 2. En el caso de un
requisito deve a infração haver sido praticada no interesse ou
delito cometido por una persona jurídica, pueden ser persegui-
benefício da pessoa coletiva, visando seus interesses e, mais
das y sancionadas: La empresa; La persona ue haya realizado el
precisamente, seu lucro. Após, observamos que a infração deve
delito, así como la persona que haya favorecido la comisión del
haver sido cometida por seu representante ou pessoa estri-
mismo; cualquiera de los sujetos a la vez”21.
tamente ligada à pessoa jurídica, uma vez que não há como responsabilizar um ente coletivo por atos de empregados ou
9. Espanha: Na Espanha, tanto a doutrina como a jurispru-
terceiros25. O terceiro requisito, deve a infração haver sido prati-
dência segue a idéia da irresponsabilidade criminal das pessoas
cada com o auxílio do poderio da pessoa coletiva, ou seja, como
120 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
ressalta Sérgio Salomão Shecaira “é o poderio que atrás delas se oculta, resultante da reunião de forças, o que vem a provocar que essas infrações tenham um volume e intensidade superior a qualquer infração da criminalidade tradicional”26.
FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón – teoría del garantismo penal. Trotta, Madrid, 1997. FRANZ von Liszt. Tratado de Derecho penal, Madrid, Ed. Réus, s.d, Tomo II, 1927.
11. América Latina – a regra é a responsabilização exclusiva da pessoa natural, abrindo-se exceção para o México e Cuba. Na Argentina, Venezuela e Colômbia, há discussões sobre o tema, já admitem a possibilidade. Por fim, a função política das Constituições é impor limites jurídicos para o exercício do poder persecutório e as garantias
PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. ROXIN, Claus. Principios del Derecho Penal mínimo (para una teoría de los derechos humanos como objetivo y límite para la ley penal) en: Doctrina Penal [Problemas Fundamentais de Direito Penal].Trad. Ana Paula dos Santos Luís Natscherdetz. 3ed. Vega, 1998.
constitucionais tem a missão de gerar segurança jurídica à sociedade e limites na identificação de agentes infratores, no caso demonstrar a capacidade penal das sociedades empresariais, uma proposta motivadora para justificar posterior responsabilização penal. Há diferentes países e diferentes culturas jurídicas sem que seja dado uma resposta uniforme de como investigar, processar e executar sanções penais as pessoas jurídicas. A proposta em estudo do Direito Constitucional Penal comparado e a reserva doutrinária e jurisprudencial tem perspectivas para justificar e fundamentar de forma global a responsabilização penal das pessoas jurídicas, como alternativa persecutória, capaz de motivar um Direito Penal Especial para adequar a participa-
SANCTIS, Fausto Martin de. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica. São Paulo: Saraiva, 1999. BOCCON-GIBOD, Didier. La responsabilité pénale dês personnes Morales: présentation théorique et pratique. Paris: Eska, 1994. SANTOS, Mauricio Macedo dos; SEGA, Viviane Amaral. Responsabilidade penal das pessoas jurídicas. Disponible en la página web: www. ibccrim.org.br, 09.05.2001. SCHIMIDT, Andrei Zenkner. As Razões do Direito Penal Segundo o Modelo Garantista. Revista AJURIS, Porto Alegre, año XXVI, no 75 (Nova Série, v. 3), p. 136-158, set/1999.
ção da pessoa jurídica, como sujeito ativo da infração penal, com mudanças estruturais repressivas, que sob respaldo da lei que possa punir as sociedades empresariais e seus gestores, em defesa de vítimas lesadas por ofensa aos bens jurídicos tutelados. O tema proposto traz a necessidade de iniciar uma política criminal de investigação dos requisitos da capacidade penal da pessoa jurídica delinquente e identificar condições legal, a fim de que possa vir a ser responsabilizada criminalmente, sob respaldo de garantias constitucionais penais e processuais.
SHECAIRA, Sérgio Salomão. Responsabilidade Penal das Pessoa Jurídica. 2ª Tiragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. SOUSA, Gaspar Alexandre Machado de. Crimes ambientais: responsabilidade penal das pessoas jurídicas. Goiânia: AB, 2007. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Responsabilidade Penal das Pessoas Jurídicas. Artículo extraído de Internet el 20.05.2000, de la web http://www.jurid.com.br.
NOTAS DE RODAPÉ
REFERÊNCIAS BACIGALUPO, Silvina. La responsabilidad penal de las personas jurídicas. Barcelona: Bosch, 1998. BAIGUN, David. La responsabilidad penal de las personas jurídicas: ensayo de un nuevo modelo teórico. Buenos Aires: Desalma, 2000. CERNICCHIARO, Luiz Vicente; COSTA JR., Paulo José. Direito penal na constituição. 3a ed. rev. y ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. FERREIRA, Raúl Gustavo. Notas sobre Derecho Constitucional y Garantías. Ordenamiento jurídico y derechos fundamentales. Teoría constitucional. Constitución y garantismo. Roles del Congreso. Jurisdicción. Amparo e inconstitucionalidad. Buenos Aires: Ediar, 2008.
1 Professor de Direito da Universidade Newton Paiva. Delegado de Polícia Civil. Doutorando em Direito Penal pela Universidade Buenos Aires - UBA/Argentina; Mestre em Direito Empresarial pela Faculdade Milton Campos; Pós-graduado em Ciências Penais/PUC/MG; Pós-graduado em Direito Público/PUC/MG; Especialista em Criminologia – ACADEPOL/MG; Especialista em ‘Política e Estratégia’ – ADESG/MG e associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM-SP). weser@ bol.com.br 2 FERREYRA, Raul Gustavo. Notas sobre Derecho Constitucional y Garantias. Ordenamiento jurídico y derechos fundamentales. Teoria constitucional. Constituición y garantismo. Roles del Congresso. Jurisdicción. Amparo e inconstitucionalidad. Buenos Aires: Ediar, 2008, p. 13. 3 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razon – teoría del garntismo penal. Trot-
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 121
ta, Madrid, 1997, p. 34/35. 4 SANTOS, Mauricio Macedo dos; SEGA, Viviane Amaral. Responsabilidade penal das pessoas jurídicas. Disponível na internet: www.ibccrim. org.br, 09.05.2001. 5 SCHIMIDT, Andrei Zenkner. As Razões do Direito Penal Segundo o Modelo Garantista. Revista AJURIS, Porto Alegre, ano XXVI, n. 75 (Nova Série, v. 3), p. 136-158, set/1999. 6 FRANZ von Liszt. Tratado de Derecho penal, Madrid, Ed. Réus, s.d, Tomo II, 1927. p. 259 7 BACIGALUPO, Silvina. La responsabilidad penal de las personas jurídicas. Barcelona: Bosch, 1998. 8 BAIGUN, David. La responsabilidad penal de las personas jurídicas: ensayo de un nuevo modelo teorico. Buenos Aires: Desalma, 2000.
14 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Responsabilidade Penal das Pessoa Jurídica. 2ª Tiragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 49-51. 15 BACIGALUPO. Op. cit. p. 286. 16 BACIGALUPO. Op. cit. p. 271. 17 SANCTIS, Fausto Martin de. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 52-53. 18 BOCCON-GIBOD, Didier. La responsabilité pénale dês personnes Morales: présentation théorique et pratique. Paris: Eska, 1994. p.17. 19 SANTOS, Mauricio Macedo dos; SEGA, Viviane Amaral. Responsabilidade penal das pessoas jurídicas. Disponível na internet: www.ibccrim. org.br, 09.05.2001. 20 BACIGALUPO. Op. cit. p. 278. 21 BACIGALUPO. Op. cit. p. 275.
9 ROXIN, Claus. Princípios Del Derecho Penal Mínimo (para una teoria de los derechos humanos como objetivo & limite para la ley penal) in Doctrina Penal [Problemas Fundamentais de Direito Penal].Trad. Ana Paula dos Santos Luís Natscherdetz. 3ed. Vega, 1998.p. 234
22 BITENCOURT, Cezar Roberto. Reflexões Sobre a Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica. Ob. cit., p. 51-71. 23 BACIGALUPO. Op. cit. p. 295-296.
10 CERNICCHIARO, Luiz Vicente; e COSTA JR., Paulo José. Direito penal na constituição. 3 ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 92. 11 PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 228. 12 SOUSA, Gaspar Alexandre Machado de. Crimes ambientais: responsabilidade penal das pessoas jurídicas. Goiânia: AB, 2007. p. 53.
24 SANCTIS, Fausto Martin de. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica. Ob. cit., p. 58. 25 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Responsabilidade Penal das Pessoas Jurídicas. Artigo extraído da Internet, em 20.05.2000, site: http:// www.jurid.com.br. 26 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Responsabilidade Penal das Pessoa Jurídica. Ob. cit., p 100.
13 Internet <htp://www2.camara.gov.br/internet/homeagencia/materias. html?pk=114149>. Acesso em: 27 novembro 2007.
122 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
O MÍNIMO EXISTENCIAL COMO INSTRUMENTO DE GARANTIA DA EFICÁCIA DAS NORMAS PROGRAMÁTICAS: um estudo do direito à saúde Francislene Lucia Martins Silva1 Sofia Alves Valle2
RESUMO: este artigo é um estudo sobre a eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais e a concretização das mesmas diante da falta de legislação infraconstitucional. Assim apontou a supremacia da Constituição a qual é capaz de gerar a vinculação de todo o Estado na garantia dos bens constitucionais, ofertando o mínimo existencial para cada indivíduo como forma de garantir a dignidade da pessoa humana, o qual é um dos fundamentos da nossa Constituição Federal de 1988. Palavras - chaves: Supremacia da Constituição, Normas Constitucionais, Dignidade da Pessoa Humana, Reserva do Possível, Mínimo Existencial e Direito a saúde
1 Introdução
dessa norma, pelo fato da mesma está intrinsecamente ligada
A Constituição Federal sendo a Lei suprema serve de pa-
à dignidade da pessoa humana. Ademais, não pode desprezar
râmetro de validade a todas as demais espécies normativas,
o fato do direito à saúde exigir uma prestação positiva por parte
situando-se no topo do ordenamento jurídico. Sendo o ápice do
do Estado, tendo o mesmo uma despesa financeira o qual pode
ordenamento jurídico passa ser importante a classificação das
deparar-se com a falta de recurso.
suas normas. A evolução dos estudos sobre as normas constitucionais começam a reconhecer que as normas programáticas podem possuir eficácia positiva quando a mesma tiver o objetivo de garantir a dignidade da pessoa humana o qual é um dos vetores do nosso ordenamento jurídico. Percebe-se que para proporcionar a dignidade humana é necessário que o Estado atue de forma positiva necessitando para isso de recursos financeiros. Por isso, é essencial que o Estado saiba como administrar os recursos finitos perante as demandas infinitas. Dessa forma, surge a teoria da reserva do possível afirmando que o Estado não possui dotação orçamentária suficiente para atender as necessidades de toda a população. Para evitar que haja a ineficácia da Constituição Federal e também considerando aspectos práticos e financeiros, a doutrina tratou o assunto buscando garantir o denominado o mínimo existencial, que estabelece ser o Estado obrigado a oferecer as condições mínimas para a subsistência da dignidade da pessoa humana. E uma das condições mínimas a dignidade humana seria a disponibilidade do direito a saúde previsto constitucionalmente no art. 196 da Constituição Federal e também na Lei 8.080/90, a Lei do Sistema Único de Saúde. O direito à saúde pode ser considerado uma norma aberta e indeterminada, sendo assim como deve se dá a efetividade
2 Aplicabilidade das Normas Constitucionais Sabemos que todas as normas constitucionais produzem efeitos, contudo, nem sempre os efeitos são idênticos, havendo assim uma diferença entre elas. Sobre isso, aponta Uadi Lammêgo Bulos: Seria ingênuo admitir normas constitucionais de idêntica eficácia, sempre prontas para serem aplicadas, porque as constituições são diplomas incompletos. Albergam múltiplos interesses, que derivam de forças antagônicas. Elaboradas em ambientes conturbados, a realização de suas promessas e de seus compromissos fica sob os cuidados do legislador ordinário, que, numa etapa futura da vida constitucional do estado, vai implementar as aspirações cristalizadas no texto supremo. Daí as normas constitucionais classificarem quanto aos efeitos e à aplicabilidade.( BULOS, 2009 p.5) A importância deste tema (aplicabilidade das normas) é devido à exigência que os indivíduos possam fazer, perante o Estado, de que este aplique concreta e efetivamente as normas constitucionais. O primeiro estudo conhecido sobre a aplicabilidade das normas se remete às lições doutrinador norte-americano Thomaz Cooley (SILVA, 2008), a qual buscou classificar as normas
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 123
em duas espécies self exectuing e non self executing.
e podem sofrer restrição por meio da edição de lei infracons-
A self executuing consiste em normas que não requerem
titucional. Como exemplo, pode-se citar o artigo 5º, LVIII, CF,
nenhuma complementação por lei infraconstitucional. São dis-
que assim determina que o indivíduo identificado civilmente não
posições por meio das quais o direito instituído já contém em si
precisará ser submetido a identificação criminal, exceto, nas
os meios de execução, por isso são denominadas auto-execu-
hipóteses previstas em lei. Uma das hipóteses prevista em lei
táveis. Isto é já produz efeito imediatamente já podem ser exe-
é inicialmente no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº
cutadas de imediato.
8.069/90) – artigo 1091.
Já a non self executuing são normas que indicam princípios
Normas Constitucionais de Eficácia Limitada se subdividem
sem, contudo, estabelecerem normas que lhes conferem eficácia.
em normas constitucionais de princípios institutivo e em normas
No Brasil, a pesquisa sobre a efetividade das normas foi
constitucionais de princípios programáticos. A primeira se define
introduzida por Rui Barbosa baseando-se em referida classifi-
como aquela por meio das quais o legislador constituinte traça
cação americana propondo uma distinção das normas constitu-
esquemas gerais de estruturação e atribuições de órgãos, enti-
cionais em auto-aplicáveis (self exectuing) e não auto-aplicáveis
dades ou institutos, para que o legislador infraconstitucional os
(non self exectuing). Alegando que a Constituição não executa a
estruture em definitivo, mediante a lei. Como exemplo, cite-se o
si mesma antes de requerer a ação legislativa para tornar efeitos
artigo 18, §3º, CF.
os preceitos. Rui Barbosa apenas importou a teoria desenvolvida por Thomaz Cooley (BONAVIDES, 2010)
Já as normas constitucionais de princípios programáticos são aquelas que o constituinte não as regulou diretamente e
Desse estudo, Meirelles Teixeira apresentou crítica à clas-
sim optou por traçar os princípios para serem cumpridos pela
sificação de Rui Barbosa visto que essa não contemplava as-
Administração Pública e seus Poderes (Executivo, Legislativo e
pectos relevantes dentre os quais como a ingerência do legis-
Judiciário) como programas das respectivas atividades, visando
lador nas normas ditas auto-executáveis, o reconhecimento dos
à realização dos fins sociais do Estado. Um exemplo desse tipo
efeitos das normas não executáveis e a existência de situações
de norma é o artigo 196 da Constituição Federal, que assim diz:
intermediárias entre esse dois tipos de normas.
a saúde é um direito de todos e um dever do Estado o qual será
Por isso, propôs a seguinte classificação: normas de eficá-
garantido através de políticas públicas que visem reduzir os ris-
cia plena e de eficácia limitada ou reduzida dividindo essas em
cos de doenças promovendo um acesso universal e igualitário a
programáticas e de legislação.
todos os indivíduos.
Essa classificação sofreu alterações, sendo um importante
Todavia, ressalte-se que há divergência na doutrina a qual
marco desse fato a edição da obra “Aplicabilidade das normas
considera que a norma exposta acima não é uma norma pro-
constitucionais” de José Afonso da Silva, em que este autor
gramática visto que há Lei 8080/90 a qual busca regulamentar
aperfeiçoa, discute e propõem novos critérios de classificação
políticas públicas de saúde.
de cada uma das normas constitucionais. O professor Silva (2008) estudou a aplicabilidade das normas constitucionais dividindo as mesmas da seguinte forma:
Portanto, para a doutrina clássica as normas de eficácia limitada possuem aplicabilidade mediata, ou seja, futura, precisando de outra norma para ter garantida a sua eficácia plena.
Normas Constitucionais de Eficácia Plena: são aquelas que
Diniz apud Gonçalves (2008) adapta a classificação de José
desde a entrada em vigor da Constituição produzem todos os
Afonso da Silva trazendo considerando a intangibilidade e a pro-
efeitos essenciais, relativamente aos interesses, comportamen-
dução de efeitos concretos das normas:
tos e situações, que o legislador constituinte, direta e normati-
Normas de Eficácia Absoluta: são aquelas insusceptíveis de
vamente, quis regular. Por isso, a sua aplicabilidade é imediata,
modificações. São normas intangíveis, de eficácia plena, inte-
além de não poder sofrer restrição no seu alcance. Como exem-
grantes de um núcleo irredutível, constituindo as denominadas
plo desse tipo de norma o José Afonso da Silva traz o artigo 2º
cláusulas pétreas. Pode-se citar como exemplo o artigo 2º da
da Constituição da República
Constituição Federal, anteriormente transcrito.
Normas Constitucionais de Eficácia Contida: são aquelas
Esta classificação de Diniz sofre críticas pelo fato de as
que o constituinte regulou suficientemente os interesses relati-
cláusulas pétreas poderem ser alterada se tiver o intuito de am-
vos à determinada matéria, contudo, deixou margem à atuação
pliá-la ou sofisticar o instituto; o que não podem é ser abolidas.
restritiva por parte da competência discricionária do poder pú-
Por isso, que não é possível existir uma norma a qual não poderá
blico, ou seja, no termos em que a lei estabelecer. Assim de-
ser modificada.
terminadas normas constitucionais possuem eficácia imediata
Normas com Eficácia Plena: independem de regulamentação
124 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
para surtirem efeitos, mas podem ser modificadas por Emendas
gíveis e complementáveis. As restringíveis são aquela que o po-
Constitucionais. Exemplo artigo 44 da Constituição Federal.
der público irá atuar para conter o âmbito de eficácia da norma.
Normas com Eficácia Relativa Restringível: possuem eficá-
Por isso, que podemos dizer que ela equivale à contida de José
cia plena e aplicam-se imediatamente, mas seus efeitos ficam
Afonso da Silva. Já as Completáveis são aquelas que vão ne-
susceptíveis a contenções. A Lei pode reduzir a eficácia da nor-
cessitar da atuação do legislador para aumentar o âmbito de
ma. Exemplo artigo 5º inciso XVIII.
eficácia por isso, que corresponde à limitada de José Afonso
Normas com Eficácia Relativa Complementável ou Depen-
da Silva.
dente de Complementação: carecem de lei infraconstitucional
Depois de apresentar a classificação das normas constitu-
para lograrem produzir efeitos, mas têm eficácia negativa, ou
cionais, pode-se afirmar que elas são normas estruturais de uma
seja, são as normas programáticas de José Afonso da Silva.
sociedade, uma vez que se destinam a dispor sobre a compo-
Exemplo art. 215 da Constituição Federal
sição do Estado, determinando competências e enumerando os
Portanto, para a Professora Maria Helena Diniz a única classificação diferente da proposta pelo José Afonso da Silva consiste na Norma com eficácia Absoluta.
Direitos Fundamentais. Por isso, é inevitável o questionamento sobre a eficácia das normas constitucionais, pois da noção sobre a natureza de uma
Já Carlos Ayres Brito e de Celso Ribeiro Bastos apud Gon-
norma é que se poderá partir para a exigência da tutela do direito.
çalves (2008) trazem novas classificações as quais tem alcançado expressividade na doutrina até mesmo porque Ayres Brito é ministro do Supremo Tribunal Federal, importante órgão do Poder Judiciário brasileiro. Os ilustres doutrinadores citados anteriormente consideram que todas as normas constitucionais são dotadas de existência e eficácia, mas nem todas possuem a virtude de incidir imediatamente. Assim há dois tipos de Normas Constitucionais: a) Normas Constitucionais de Aplicação: todas estas terão eficácia plena. São aquelas que não são vocacionadas para a atuação dos poderes públicos, ou seja, são de incidência direta. Essas normas se subdividem em irregulamentáveis e regulamentáveis. As regulamentáveis consistem naquelas em que sua normatividade se esgota na própria Constituição. Assim, podemos dizer que são aquelas que, além de não ter vocação não permitem a atuação do poder público, ou seja, são insusceptíveis de qualquer tipo de atuação dos poderes públicos. A normatividade nasce e se esgota na própria Constituição. – art. 4º da CF. Já regulamentáveis admitem regulamentação auxiliar infraconstitucional. Por isso, existe a possibilidade de atuação legislativa. Mas, não precisam da atuação do poder público. Elas são bastantes em si, independentes da atuação do poder público. A atuação vai incrementá-las. O objeto dela já tem eficácia plena. O legislador irá apenas detalhar algo, especificações esparsas. Como exemplo cita-se o artigo 44º da CR. Portanto, a Lei Orgânica – Regimento Interno detalhará mais as atribuições do Congresso para uma melhor eficiência para as Casas Legislativas. B)Normas de Constitucionais de Integração: são aquelas vocacionadas à atuação do poder público, isto é, necessitam de integração por Lei. Dessa forma, se subdividem em restrin-
3 A RESERVA DO POSSÍVEL A teoria da reserva do possível surgiu em 1970 na Corte Constitucional Federal da Alemanha quando essa apreciou o caso de um estudante que visava a obter uma vaga no curso de medicina pertencente ao ensino público. Essa pretensão foi fundamentada na Constituição Alemã a qual garante o acesso ao ensino público e também a livre escolha de trabalho ou profissão ao cidadão alemão. (KREL, 2005) Neste julgamento, a Corte Alemã decidiu que o Estado somente teria a obrigação de atender as demandas sociais observados os limites da razoabilidade, destacando que os intitulados direitos sociais estão sujeitos à reserva do possível no sentido daquilo que o indivíduo, de maneira racional, pode esperar da sociedade. Assim, pode-se dizer que a expressão reserva do possível busca identificar o fenômeno econômico da limitação dos recursos disponíveis perante as necessidades, geralmente, infinitas a serem supridas. Pois, há um limite de possibilidades materiais para a satisfação desses direitos, até mesmo para que eles possam ser viabilizados. Bernardo Fernandes (2009) define da seguinte forma a teoria da reserva do possível “compreende a possibilidade material (financeira) para prestação dos direitos sociais por parte do Estado, uma vez que tais prestações positivas são dependentes de recursos presentes nos cofres públicos”. (FERNANDES 2010 p.443). Isto é, apesar de o Estado reconhecer a existência de um direito, defende a impossibilidade fática (falta de recursos) ou jurídica (orçamentária) de efetivá-lo em face das limitações decorrentes da escassez de recursos para implementação de direitos prestacionais. O desenvolvimento da teoria da reserva do possível está rela-
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 125
cionado às limitações orçamentárias do Estado. Assim Ingo Sarlet
do Democrático de Direito, em que os pilares do Estado são
afirmou que a reserva do possível está dividido em três aspectos,
a dignidade da pessoa humana agregada com a participação
quais sejam, a possibilidade fática, a possibilidade jurídica e a
popular e elencada com a repartição dos poderes (Executivo,
proporcionalidade da prestação e razoabilidade da exigência.
Legislativo e Judiciário).
Os questionamentos sobre a reserva do possível são de
Ana Paula de Barcellos afirma que o mínimo existencial cor-
grande valia na efetivação dos direitos sociais, pois há atual-
responde a “um elemento constitucional essencial, pelo qual se
mente uma corrente que busca a efetividade máxima dos direi-
deve garantir um conjunto de necessidades básicas do indiví-
tos fundamentais por meio da quais muitos estão atrelados aos
duo” (Barcelos 2002 p.126).
direitos sociais, como, por exemplo, o direito à vida é totalmente ligado ao direito a saúde. Contudo, precisa observar que o Es-
O mínimo existencial está associado aos elementos básicos da dignidade da pessoa humana.
tado está condicionado ao princípio da legalidade, e assim a
Portanto, em suma, o mínimo existencial, para maior parte
máxima efetividade dos direitos sociais precisão está previstos
da doutrina, consiste em um conjunto de garantias mínimas que
na Lei Orçamentária.
devem ser asseguradas ao indivíduo.
A teoria da reserva do possível, portanto, tal qual sua ori-
Assim, pode-se dizer que a noção de mínimo existencial é
gem, debate a insuficiência orçamentária do Estado para aten-
tema relacionado ao princípio da dignidade da pessoa humana,
der todas as demandas sociais. Isto é esta teoria define-se na
previsto na Constituição como um dos fundamentos da ordem
premissa que as demandas são infinitas e os recursos são fini-
constitucional (art. 1º, III) e como uma das finalidades da ordem
tos, por isso, há necessidade de ponderar quais serão os bens
econômica (art. 170, caput), na medida em que representa pa-
os quais o Estado oferecerá aos seus administrados.
râmetros, para o mínimo necessário a vida humana digna a qual deve ser garantida pelo Estado.
4 MÍNIMO EXISTENCIAL
Nesse sentido, é de salientar que o conceito de dignidade
A teoria da reserva do possível possui como objetivo dis-
humana não é estático, é necessário averiguar-se o fato concre-
cutir o limite à efetivação dos direitos sociais constitucionais, já
to para saber o que delimitar a dignidade, até mesmo porque
que efetivação destes está condicionada disponibilidade orça-
este é um conceito universal. (FARIAS e ROSENVALD, 2010).
mentária do ente federativo. Portanto, para essa teoria nenhuma
Contudo, é de extrema importância limitar o conteúdo do
ordem judicial pode exigir mais do que é possível e razoável dis-
mínimo existencial para que possa individualizar a obrigação a
ponibilizar ao indivíduo.
ser exigida do Estado.
Assim, os recursos financeiros passam a ser considerados
A necessidade da definição do conteúdo mínimo dos direi-
na disponibilidade ou não do Estado oferecer ao cidadão o bem
tos fundamentais, mormente aqueles de natureza social, tem a
jurídico tutelado. Pois, a escassez de recursos e de meios não po-
finalidade de determinar certas prestações que o cidadão tem
dem ser desconsiderado para satisfazerem direitos principalmen-
direito de receber do Estado, tornando sua tutela jurisdicional
te os denominados direitos sociais. E assim, consequentemente,
mais exiquivel.
acaba por interferir na eficácia das normas constitucionais. Daí surge o impasse, como uma norma infraconstitucional, Lei Orçamentária, pode dispor do dinheiro público, de
A idéia de o mínimo existencial ser aqueles bens mínimos que devem ser assegurado a todos os indivíduos para que tenha uma vida digna.
forma a abranger os bens tutelados constitucionalmente, sem
Assim podemos notar que esse princípio visa à efetividade
que com isso prejudique o alocamento das demais despesas
do núcleo, mesmo que reduzido, de direitos sociais escolhidos
correntes do Estado?
constitucionalmente. Por isso, não é viável ponderar um princí-
Portanto, questiona-se qual seria o parâmetro para exigir do
pio, especialmente, o da dignidade da pessoa humana, de for-
Estado, que o mesmo cumpra com a obrigação de tutelar o bem
ma irrestrita, a ponto de esvaziar todo o seu conteúdo e não
jurídico constitucional sem esquivar-se dessa obrigação, com o
obedecer à força vinculativa das normas constitucionais.
argumento de não possuir recursos financeiros para tanto, ou seja, reserva do possível?
Com esse parâmetro, de núcleo básico averigua-se que as noções de mínimo existencial e dignidade da pessoa humana podem
Como resposta do questionamento apontado acima surge
relacionar ao tema da efetividade dos direitos sociais. Na medida
à idéia do mínimo existencial, que corresponde ao conjunto de
em que são utilizados pela doutrina como parâmetro para verificar
situações materiais indispensáveis à condição humana digna.
o padrão mínimo desses direitos a ser reconhecido pelo Estado.
Com isso norteia os aspectos fundamentais em um Esta-
Sarlet apud Claudio Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmen-
126 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
to (2007) aponta que o mínimo existencial precisa ser protegido de atitudes do Estado e da sociedade que visem agredi-los.
do possível. Assim, constata-se que o mínimo existencial é um padrão,
[...] o mínimo existencial – compreendido como todo
o qual há possibilidade do Administrador Público ser compelido
o conjunto de prestações materiais indispensáveis para
a oferecer aos indivíduos o bem mínimo as suas necessidades.
assegurar a cada pessoa uma vida condigna (portanto, saudável) tem sido identificado - por núcleo este blindado contra toda e qualquer intervenção por parte do Estado e da sociedade (Neto de Souza e Sarmento, 2007 p. 337)
5
DIREITO À SAÚDE E OS DESAFIOS À SUA EFETIVIDADE
O direito à saúde é previsto na Constituição Federal de 1988 como direito social em seu artigo 6º, e também dentro do capítulo que trata a seguridade social art.196 e seguintes.
Com essa lição percebe-se que o mínimo existencial no campo dos direitos fundamentais somente será efetivado se o ser humano possuir os bens mínimos para uma sobrevivência digna. Daí, o mínimo existencial ser o conjunto de bens mínimos exigíveis para que o ser humano possa ter uma vida digna. Logo, não é viável serem preteridos pela reserva do possível. Por este motivo, é plausível o Poder Público não se eximir das obrigações estipuladas, implementando políticas públicas como estratégia de garantir a execução do mínimo existencial. Caso isso não aconteça, é necessário que o poder Judiciário, quando provocado, intervenha determinando que o Executivo garanta esses bens, os quais são considerados dentro do mínimo Existencial, sob pena de lesar a Constituição Federal. Daí o afastamento do argumento da reserva do possível, pois, razões de ordem financeira não podem sobrepor-se à necessidade de proteção do bem maior da dignidade humana. O Supremo Tribunal Federal, em diversas oportunidades, demonstrou alinhar-se ao entendimento de que, em se tratando da concessão de tutela que assegure a proteção do mínimo existencial do indivíduo, fica afastado o argumento da reserva do possível. Como exemplo, o Recurso Extraordinário n.º 393.175 em que dois irmãos pleitearam do estado do Rio Grande do Sul o fornecimento de medicamentos para tratamento de esquizofrenia paranóide e doença maníaco-depressiva. Também se apresenta como exemplo da lição tratada acima o Recurso Especial 2010/0048628-4 onde o município de Criciúma/SC pretendia não ser obrigado a oferecer creches para crianças de 0 a 6 anos. Nestes e diversos outros julgados é pacífico vislumbrar que o mínimo existencial precisa ser garantido como busca a efetividade da Constituição Federal que trouxe como princípio fundamental a dignidade da pessoa humana. Resumidamente, temos que: o mínimo existencial se faz necessário para a efetiva dignidade da pessoa humana, em torno da qual gravitam os direitos fundamentais. O mínimo existencial associado ao estabelecimento de prioridades orçamentárias é capaz de conviver com a reserva
É de extrema importância a saúde ser considerado um direito social, pois está abrangida como direito fundamental que, conforme visto está associada à idéia de dignidade da pessoa humana o qual é vetor dentro do ordenamento jurídico. Nas palavras de Dirley da Cunha Junior o qual afirma que os direitos sociais garantem as condições mínimas de dignidade“(...) os direitos sociais representam uma garantia constitucional das condições mínimas indispensáveis para uma existência digna.” (CUNHA, 2007 p. 705) Portanto, grande parte do conteúdo do mínimo existencial abrange os direitos sociais, os quais estão previstos no artigo 6º da Constituição Federal de 1988. Dessa maneira, percebe-se que os direitos sociais estão intimamente ligados à dignidade da pessoa humana, pois é patente que direitos como o direito saúde, assistência social, moradia, educação, previdência social tem por objetivo conferir aos cidadãos uma existência digna. Todavia, os direitos sociais são os mais prejudicados por estarem inseridos em normas ditas como programáticas. Das quais, não possuem uma eficácia imediata, trazendo uma possível interpretação que estas normas não geram direitos subjetivos, visto que não há norma infraconstitucional que seja capaz de dar uma eficácia plena a norma constitucional. Todavia, mesmo se consistisse que os artigos os quais tutelam a saúde na Constituição Federal fossem normas programáticas, podemos afirmar que pode ser alegadas para o cumprimento da obrigação, visto que gera direitos subjetivos, conforme leciona Nery e Ferrari. Tratando-se das normas programáticas e da produção de situações jurídicas subjetivas, é interessante ressaltar, em decorrência de sua imperatividade, que é possível admitir uma proteção ativa, isto é, o titular pode invocar, em certos e determinados casos, a execução forçada do objeto do Direito; a instauração coativa da situação de fato que configura o dever jurídico estatal, pois quem tem um direito subjetivo pode reclamar o seu reconhecimento, tanto da Administração como diante
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 127
da Justiça [...]. Assim, é possível afirmar que nem sem-
provoca a intervenção do judiciário para viabilizar o acesso aos
pre as normas programáticas apresentam-se aptas a
bens que foram negados, sob a falsa argumentação da reserva
produzir, desde logo, direitos subjetivos, mas quando
do possível, de ordem a inviabilizar o direito a vida digna cuja
isso acontece, surgem para os beneficiários situações
fruição encontra-se constitucionalmente prevista.
jurídicas imediatamente desfrutáveis, que serão efetiva-
Mesmo se entendêssemos que o artigo 196 é uma norma
das por prestações, positivas ou negativas, exigíveis do
programática a mesma revela aplicabilidade positiva, visto que
Estado, e quando não realizadas voluntariamente, fazem
a Constituição busca garantir direitos e não simplesmente ex-
nascer para o titular do direito, uma pretensão que deve-
pectativas. Pois, a Constituição visa dar concretude a valores
rá ser veiculada pelo direito de ação, isto é, do direito de
defendidos na sociedade.
exigir perante o Judiciário a sua prestação coativa, pois
Assim devemos interpretar as normas constitucionais fun-
ao lado da possibilidade de exigir, existe o dever jurídi-
damentais buscando a maior observância desses direitos envol-
co de cumprir, e quando esta exigibilidade de conduta
vidos com a mínima restrição.
acontece do particular em face do Estado, diz-se existir um direito subjetivo público.(NERY, 2001 p 229 e 230)
O importante é, mesmo que se aceite a teoria do mínimo existencial baseado na reserva do possível, o mesmo deve-se ampliado ao máximo o núcleo essencial do direito, de modo a
Tendo em vista que o artigo 196 da Constituição Federal
não restringir o conceito de mínimo existencial à noção de míni-
estabeleceu uma nova ordem social para que atingisse os ob-
mo vital. Pois, se o mínimo existencial fosse apenas o mínimo
jetivos da Constituição elencados no artigo 3º, há necessidade
necessário à sobrevivência, não seriam constitucionalizados os
que está norma tenha eficácia positiva. Além do mais, há a força
direitos sociais, e fundamentais, bastando, somente, reconhecer
vinculante da Constituição está acima de uma norma infracons-
o direito à vida. E assim não consideraria a dignidade da pessoa
titucional a qual deve ser obedecia por toda a Administração.
humana. Porque Constituição é fundamentada no princípio cita-
O fato do direito à saúde prevista na Constituição Federal ser ou não uma norma programática não afasta o dever do Es-
do (dignidade da pessoa humana), isto é, não basta à proteção do direito à vida é necessário que essa seja de forma digna.
tado em oferecer o básico do serviço de saúde. Isso porque
Ademais, em nenhum momento este estudo traz uma visão
esse direito está relacionado à garantia do mínimo existencial,
utópica que o Estado seria segurador de todas as obrigações
efetivados por meio de prestações positivas de bens e serviços,
referente à disponibilidade da saúde de forma infinita até mesmo
por isso, não necessitam de regulamentação infraconstitucional,
porque os recursos são finitos. Pois, é evidente que os recursos
pois se vinculam à própria organização estatal, sendo as des-
para que este direito seja assegurado são escassos.
pesas respectivas cobertas com a arrecadação dos tributos de natureza não-contraprestacional.
Portanto, não despreza a aplicabilidade e razoabilidade da reserva do possível em determinadas situações. O que se de-
A reserva do possível possui limites de sua evocação, para
fende é que esse princípio não seja usado de forma aleatória,
que não afete a dignidade humana e nem desvincule a Adminis-
com simples alegações. Portanto, há necessidade que o Poder
tração Pública da obrigação de oferecer os direitos sociais sob
Público demonstre, ou seja, provem que à negativa do ofereci-
o pretexto de serem normas programáticas. (CARVALHO, 2008)
mento ao direito a saúde do indivíduo é para que não prejudique
Por isso, é dever primordial do Estado (e não simples opção
a efetivação de outros direitos ligados ao mínimo existencial da
discricionária) primar pela dignidade da pessoa humana, não
população.
podendo se escusar de tal prestação sob o argumento de ser
Conforme já salientado, os recursos financeiros são limi-
elevado custo a ser suportado pelos cofres públicos (reserva do
tados, diversas vezes, outros direitos sociais tão importantes
possível), até mesmo porque a norma possui eficácia positiva.
quanto o direito à saúde, tais como moradia, educação e segu-
Pois, caso isso ocorra haverá uma agressão aos Direitos Huma-
rança pública, podem ter sua efetivação prejudicada, em detri-
nos (VAZ, Anderson)
mento deste último. Por isso, poderia ser considerada plausível
Embora não devamos olvidar que, à execução de políticas
a invocação da tese da reserva do possível.
públicas dependem de opções dos administradores públicos,
Por isso, que afirma ser imprescindível a definição material
aqueles escolhidos pelo povo, através de investiduras eletivas e
de mínimo existencial, a fim de se determinar o que é essencial
também de recursos financeiros necessários para a implantação
na garantia do direito à saúde que preserve uma existência digna.
de tais políticas. Todavia, a inércia dos Poderes Executivos e Legislativos
Enfim, o princípio da “reserva do possível” não pode ser utilizado como argumento do Estado para retirar do cidadão seus
128 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
direitos fundamentais como: direito a vida com dignidade a fim de construir uma sociedade livre, justa e solidária.
Possível como Instrumento de Efetivação Planejada dos Direitos Humanos, Econômicos, Sociais Culturais . Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
REFERÊNCIAS AGRA, Walber de Moura. Curso de direito constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. BARCELOS, Ana Paula. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais. O princípio da dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro. Renovar, 2002. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 25.ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2010.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Advogada formada pela Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas Centro Universitário Newton Paiva. 2 Doutoranda em História pela Universidade Federal de Minas Gerais. 3 Art. 109. O adolescente civilmente identificado não será submetido a identificação compulsória pelos órgãos policiais, de proteção e judiciais, salvo para efeito de confrontação, havendo dúvida fundada.
BULOS, Uadi Lammêgo. Direito Constitucional ao alcance de todos. São Paulo: Saraiva, 2009. CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional: teoria do estado e da constituição : direito constitucional positivo. 14.ed. rev., atual. e ampliada Belo Horizonte: Del Rey, 2008. CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de direito constitucional. 2. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2007. FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro. Ed. Lúmen Júris, 2009. FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Normas constitucionais programáticas : normatividade, operatividade e efetividade. São Paulo: R. dos Tribunais, 2001. KRELL, Andreas Joachim. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha: os (des)caminhos de um direito constitucional comparado. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2002. MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 12.ed. São Paulo: Atlas, 2003 SARMENTO, Daniel Antonio de Moraes (Org.); SOUZA NETO, C. P. (Org.). Direitos Sociais. Fundamentos, Judicialização e Direitos Sociais em Espécie. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. SARMENTO, Daniel Antonio de Moraes, A Ponderação de Interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel (Coords.). A constitucionalização do direito: fundamentos teóricos e aplicações específicas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2008. VAZ, Anderson Rosa, A Cláusula da Reserva do Financeiramente PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 129
PREQUESTIONAMENTO versus CAUSA DECIDIDA: desfazendo mitos Bernardo Câmara1
RESUMO: Os recursos extraordinário e especial são recursos extremos que não se situam simplesmente na linha do duplo grau de jurisdição, apresentando contornos e finalidades específicos estipulados pela Constituição Federal. A natureza excepcional destes meios de impugnação advém de suas próprias especificidades que exigem, além dos pressupostos gerais de admissibilidade inerentes a qualquer recurso, o preenchimento de requisitos específicos de admissibilidade. Dentre os requisitos específicos de admissibilidade exigidos aos recursos extremos está “a formação da causa decidida” instituto jurídico que às vezes é confundido com “prequestionamento”. O presente artigo visa exatamente esclarecer o que é “causa decidida” conceituando e a diferenciando de “prequestionamento”.
É o que se pretende fazer neste estudo.
1 INTRODUÇÃO O termo “mito” pode ser definido como “crença não-justificada, comumente aceita e que, no entanto, pode e deve ser questionada” .
2 OS RECURSOS EXTREMOS E SEU STATUS DIFERENCIADO, INCLUSIVE QUANTO AO JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE
1
Suscitando o problema da indeterminação do conceito de
Em todo recurso, antes de se adentrar no mérito, deve-se
prequestionamento, CASSIO SCARPINELA BUENO , em artigo
examinar a existência dos requisitos necessários para o seu co-
nomeado Quem tem medo do prequestionamento?, critica os
nhecimento. Trata-se de etapa obrigatória e anterior ao conhe-
diferentes conceitos atribuídos à expressão “prequestionamen-
cimento do mérito dos recursos6 e que se infere no plano de
to” e clama por seu esclarecimento, uma vez que a “omissão
validade do ato jurídico7.
2
quanto a este ponto é insustentável em um Estado Democrático
Este Juízo de Admissibilidade, que não se confunde com o
de Direito, em que nem a lei pode excluir lesão ou ameaça a
Juízo de Mérito (julgamento daquilo que se pede para reexame
direito do Poder Judiciário”.
pelo órgão de hierarquia superior, cujo conteúdo será definido
O que significa prequestionamento, expressão utilizada
conforme a pretensão recursal8), nada mais é do que o exame
pela jurisprudência para impedir o conhecimento de recursos
prévio de um conjunto de condições e requisitos específicos,
extremos (especial e extraordinário) quando verificada a sua au-
que deverão ser verificados pelo órgão judiciário que processará
sência ? Porque o referido instituto jurídico é considerado para
o recurso,visando o seu julgamento de mérito9. É o exercício da
inadmissão dos recursos extremos uma vez que o mesmo não
atividade jurisdicional em que o Juiz ou Tribunal, em decisão sin-
possui previsão no texto legal ou constitucional? Qual a diferen-
gular ou colegiada, verificam a presença das condições para o
ça entre prequestionamento e causa decidida? São as respos-
exame da pretensão recursal quando se decidirá se o recorrente
tas a estas perguntas que motivam o presente estudo.
tem ou não tem razão10.
3
Ainda mais quando, nem os teóricos (conforme será de-
No âmbito dos recursos extremos ou excepcionais11 (recur-
monstrado neste artigo), e o que é pior, nem os Tribunais , pos-
so especial e extraordinário), além dos requisitos de admissibili-
suem entendimento crítico sobre o significado de prequestiona-
dade comuns12 existentes a qualquer recurso de instância ordi-
mento.
nária13, há requisitos mais rigorosos que surgem exatamente em
4
Há necessidade de se adequar a redação do texto legal do
razão da natureza especial deles14.
novo CPC à realidade do ordenamento jurídico vigente, e, nes-
Esses meios especiais de impugnação não se destinam à
te particular, o momento (considerando a iminente reforma do
correção de injustiças da decisão recorrida15. Não se discute,
CPC) não poderia se mostrar mais adequado. Até porque, na
nestes recursos, o mérito da decisão impugnada de forma pro-
verdade, não há a alegada divergência entre os Tribunais Supe-
priamente dita, mas, sim, a controvérsia a respeito da aplicação
riores, o que há é uma apresentação equivocada dos institutos e
ou da interpretação da Lei Federal ou de dispositivo da Consti-
da terminologia que se utiliza5.
tuição Federal16.
Portanto, conceitos precisam ser esclarecidos (em outras palavras: mitos precisam ser derrubados).
Os recursos extremos têm objetivos maiores: manter a prevalência da Constituição, a unidade e a harmonia do sistema
130 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
jurídico, a integridade da norma positiva e a uniformidade de
O vocábulo causa decidida mencionado no texto da Cons-
interpretação do direito federal entre os tribunais17. Trata-se de
tituição, no inciso III, seja do art. 102, seja do art. 105, refere-se
uma natureza excepcional diante da primazia do interesse públi-
ao pronunciamento externado pelo Poder Judiciário, por julga-
co em detrimento do interesse direto das partes18.
mento de seu órgão jurisdicional final das instâncias ordinárias,
Toda matéria relativa à admissibilidade, ao mérito e ao pro-
examinando a questão de direito – constitucional ou federal in-
vimento dos recursos extraordinário e especial, encontra-se deli-
fraconstitucional – a que ainda se quer ver examinada na estreita
mitada pela Constituição da República, enquanto o procedimen-
via dos recursos extremos.
to é regulado por leis específicas.
É a prévia decisão nos autos acerca da matéria que se pre-
Ao lado da Lei 8.038/90, que estabelece normas procedi-
tende discutir por meio dos recursos extremos19.
mentais, também são aplicáveis o Código de Processo Civil e os
Segundo CASSIO SCARPINELLA BUENO20:
Regimentos Internos do STF e STJ. Há, ainda, várias questões
“O que não se decidiu não pode ser objeto de recurso
sumuladas que orientam a formação e processamento destes
justamente pela mitigação (ou restrição) do efeito devo-
recursos excepcionais.
lutivo dos recursos extraordinário e especial, limitados
Os recursos extraordinário e especial são recursos extre-
pela cláusula constitucional da causa decidida.”
mos que não se situam simplesmente na linha do duplo grau de jurisdição, apresentando contornos e finalidades específicos
JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA21 elucida a questão: “Sob esse prisma, a necessidade de presença da ques-
estipulados pela Constituição Federal. A natureza excepcional destes meios de impugnação ad-
tão federal ou constitucional sempre existiu, indepen-
vém de suas próprias especificidades que exigem, além dos
dentemente da presença do termo ‘questionar’ ou ‘ter-
pressupostos gerais de admissibilidade inerentes a qualquer
-se questionado’ nas Constituições brasileiras. Por outro
recurso, o preenchimento de requisitos específicos de admissi-
lado – e nisso estavam com razão os doutrinadores de
bilidade que, por apresentarem características comuns, os apro-
1946 –, o questionamento anterior, decorrente da ativi-
xima e os colocam na mesma categoria.
dade das partes, não é imprescindível para o cabimento
São pressupostos específicos de admissibilidade comuns a
do recurso especial ou extraordinário – o que é importante e indispensável é a manifestação da decisão re-
essas duas espécies recursais: - a irrecorribilidade das decisões nas instâncias ordinárias
corrida a respeito da questão federal ou constitucional. O questionamento anterior (prequestionamento realiza-
(esgotamento prévio das instâncias ordinárias); - a circunscrição à matéria de Direito;
do pela parte) é importante, inafastável em certos casos,
- a necessidade de formação da denominada “causa deci-
para se delimitar a matéria a ser devolvida ao Tribunal recorrido, como se viu”.
dida” (através do prequestionamento). Em razão da limitação deste estudo, restringiremos a discussão apenas à necessidade de formação da denominada “causa decidida” (através do prequestionamento).
A expressão causa decidida também não deve ser confundida com outro requisito de admissibilidade dos recursos extremos identificado como o esgotamento prévio das instâncias
3 CAUSA DECIDIDA: CONCEITO E ESPECIFICIDADES
ordinárias22. Não é a inexistência de cabimento de um recurso
Sobre a existência da causa decidida, faz-se necessário tra-
de instância ordinária que significa formação de causa decidida,
zer considerações sobre seu conceito e abrangência. A Constituição Federal, em seus arts. 102, III, e 105, III, dão
mas, sim, o exame da questão jurídica federal ou constitucional pelas instâncias ordinárias23.
ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça,
Ainda que o sentido do vocábulo causa seja questão que
respectivamente, a competência para julgar, através do recurso
suscita dúvidas na doutrina e na jurisprudência, a palavra causa
extraordinário e especial “as causas decididas em última ou úni-
deve ser entendida em sentido amplo quando se trata dos recur-
ca instância”.
sos excepcionais24.
O vocábulo causa decidida, na prática forense, normalmen-
A interpretação abrangente justifica-se pela finalidade dos
te é associada ao julgamento final de uma determinada deman-
recursos excepcionais de uniformizadores da interpretação das
da, com ou sem a resolução do seu mérito. Todavia, em relação
normas jurídicas e de sua proteção. Por isso, o termo causa
aos recursos excepcionais, a expressão ganha contorno técnico
deve ser estendido a qualquer pronunciamento judicial, de con-
distinto e precisa ser melhor entendida.
teúdo decisional, que aplicou dispositivos constitucionais ou de PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 131
lei federal, ainda que nos casos em que não se viu a formação de um litígio, como nos procedimentos de jurisdição voluntária. JOSÉ FREDERICO MARQUES, citado por PERSEU GENTIL NEGRÃO25 afirma: “O vocábulo causa é empregado em sentido amplo,
Por fim, vale frisar que não cabe recurso especial contra decisão dos Juizados Especiais de Pequenas Causas, ainda que o órgão prolator seja colegiado, mas admite-se a interposição de recurso extraordinário29. Athos Gusmão Carneiro ensina:
e também como sentido de questão. Portanto, cabe,
“Incabível o recurso especial contra decisão final de juí-
igualmente, recurso extraordinário contra acórdãos re-
zo de 1º grau, ou de colegiado de 2º grau não alçado à
ferentes a causas de jurisdição voluntária e contra acór-
categoria de ‘tribunal’, como as Câmaras Recursais dos
dãos que contenham decisão interlocutória simples, ou
Juizados Especiais de Pequenas Causas (CF, art. 98, I,
sentença terminativa”
in fine), bem como contra decisões proferidas por membros de tribunais, como o presidente ou relator, ainda
E, ainda, ALMEIDA SANTOS:
que delas não caiba recurso”30.
“A expressão ‘causa’, segundo os doutos, deve ser entendida em sentido amplo, por significar qualquer pro-
4 PREQUESTIONAMENTO - O MITO A SER DESCONSTITUÍDO
cedimento judicial inclusive os procedimentos de jurisdição voluntária.”26
4.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA E ABRANGÊNCIA As Constituições de 1891 (art. 59, §1º, a31), de 1934 (art. 76,
JOSÉ AFONSO DA SILVA, escrevendo sobre o recurso extraordinário, destaca sua opinião:
III, a e b32) e de 1946 (art. 101, III, b33) exigiam de modo expresso o questionamento da matéria para a interposição do recurso
“Não há cogitar se se trata de processo de jurisdição vo-
extraordinário34. Não foi por motivo diferente que o Supremo Tri-
luntária ou de jurisdição contenciosa, ou se o processo
bunal Federal promoveu a edição das seguintes súmulas sobre
é cautelar, principal ou incidental. Basta que a decisão,
a matéria:
proferida em qualquer deles, encerre uma questão fede-
“Súmula 356. O ponto omisso da decisão, sobre o qual
ral e seja irrecorrível no mesmo sistema judiciário. Só isto
não foram opostos embargos declaratórios, não pode
é pressuposto dele. A natureza, o tipo de processo não
ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito
constitui seu pressuposto”.27
do prequestionamento”. “Súmula 282. Não é admissível o apelo extremo quan-
Ponto pacifico é que os processos meramente administrativos fogem ao conceito da palavra “causa”. Não cabem recurso
do não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada”.
especial e extraordinário em procedimentos meramente administrativos28.
As Constituições posteriores foram omissas quanto a essa
Ressalta-se, ainda, que a Constituição adotou tratamento
exigência, levando ao entendimento de que o constituinte de
diferenciado, no que se refere ao esgotamento prévio das ins-
1988 não colocou o prequestionamento como requisito para o
tâncias ordinárias para o recurso extraordinário e para o recurso
cabimento dos recursos excepcionais.
especial.
Parte da doutrina, diante do silêncio da Constituição, sus-
Para o recurso extraordinário o inconformismo deve ocorrer
tentou que as referidas súmulas estariam revogadas e que o
em relação às “causas decididas em única ou última instância”.
prequestionamento deixou de ser um requisito de cabimento
Para o recurso especial, o legislador constitucional foi além, exi-
dos recursos excepcionais, desonerando o recorrente de sua
gindo que a decisão recorrida seja proveniente de Tribunal.
demonstração.35
A extensão do recurso extraordinário às decisões de 1º
Posteriormente, o STF decidiu pela constitucionalidade da
grau, quando prolatadas em causa de única instância, já era ad-
Súmula 282. Segundo a egrégia Corte, a Constituição, apesar
mitida pela Constituição de 1967, mas foi suprimida pela Emen-
de não se referir expressamente ao questionamento prévio,
da de 1969.
referiu-se a “causa decidida”, pelo que se pode inferir a neces-
O recurso extraordinário será admitido tanto para impugnar acórdãos, quanto decisões de 1º grau, quando prolatados em única instancia. O recurso especial será cabível quando se tratar de decisão de Tribunal, tecnicamente, acórdão.
sidade de haver uma decisão prévia sobre a questão federal ou constitucional (AgRgRE 96.802). Em verdade, o prequestionamento é a submissão da matéria às instâncias ordinárias, e sua exigência decorre da própria
132 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
natureza dos recursos excepcionais e da necessidade de for-
configuração jurídica do prequestionamento decorre de
malização do requisito específico de admissibilidade previsto no
sua oportuna formulação, em momento procedimental-
texto constitucional que é a causa decidida.
mente adequado. Assim, já decidiu esta Corte que ‘não
Giovanni Mansur Solha Pantuzzo36, trazendo ensinamento
configura prequestionamento, para os efeitos da Súmula
de Samuel Monteiro, justifica a exigência de se submeter a ques-
356, questão nova proposta nos embargos de declara-
tão jurídica ao exame das instâncias ordinárias (prequestionan-
ção, sem que tivesse sido presente ao juízo de apelação
do a matéria que será discutida nos Tribunais Superiores):
mediante a sua dedução nas razões do recurso’ (ag.
a) evitar a supressão de instância, o que ocorreria se o STJ
101.689-2 – AgRg – SP, Relator Ministro Rafael Mayer,).
ou o STF acolhessem o recurso constitucional e lhe dessem pro-
A tardia alegação de ofensa à norma constitucional –
vimento sem que a matéria ou o tema decidido nessas cortes
apenas deduzida em sede de embargos declaratórios –
tivessem sido previamente submetidos ao Tribunal local ou sem
caracteriza omissão da parte recorrente, que se absteve
que esse Tribunal tivesse emitido juízo explícito sobre o mesmo
de prequestionar o tema constitucional, assim descum-
(STJ, AG. 287/MS, DJU-I 24.8.89, p. 13.515; AG. 4.390-SP, DJU-I
prindo um típico ônus processual que lhe pertinia” (RTJ
7/11/90, P. 12.566);
131/1.386).
b) manter a ordem constitucional das instâncias ou do sistema jurídico vigente no Brasil: decisão do juiz de primeiro grau,
O Superior Tribunal de Justiça, conforme se verifica no jul-
recurso próprio ao Tribunal local (instância recursal de segundo
gamento do Resp n. 31.257 – SP, relatado pelo eminente Min.
grau) e recurso constitucional aos Tribunais Superiores;
HUMBERTO GOMES DE BARROS, nos autos do Agravo de Ins-
c) evitar que a parte contrária seja surpreendida, o que
trumento 91.123 – RS, apresenta a seguinte orientação:
aconteceria se o tema não prequestionado, nem objeto de im-
“Embargos declaratórios opostos após a formação do
pugnação em contrarrazões de recurso, fosse acolhido no recur-
acórdão, com aspecto de prequestionar tema não agi-
so extraordinário ou no recurso especial, com quebra das duas
tado anteriormente, no processo. Na hipótese, não ha-
finalidades anteriores;
veria ‘prequestionamento’, mas ‘pós-questionamento’.
d) indiretamente, examinar ou esgotar as instâncias locais, o
O direito brasileiro não admite embargos declaratórios
que impede o cabimento e o conhecimento do recurso extraor-
para pós-questionar temas estranhos ao debate” (DJU
dinário ou do recurso especial, se nestes é enfocado tema novo
26/9/96, p. 35.988)
ou questão nova que não fora decidida pelas cortes locais. Em outro julgado:
A exigência de prequestionamento estende-se mesmo às
“Veda-se a argüição per saltum de matérias sob pretex-
questões que envolvam matéria de ordem pública . 37
O exame dos artigos ofendidos não pode deixar de ser dis-
to de prequestionamento. O chamado “pós-questiona-
cutido pela decisão atacada, uma vez que constitui conseqüên-
mento” encontra óbice na jurisprudência desta Corte
cia inafastável da própria previsão constitucional dos recursos
Superior” (STJ. REsp 1047882/RJ, Rel. Ministro HONIL-
extremos, ao estabelecer o caso em que são cabíveis os recur-
DO AMARAL DE MELLO CASTRO (DESEMBARGADOR
sos especial e extraordinário apenas quando ocorrer a formação
CONVOCADO DO TJ/AP), QUARTA TURMA, julgado em 03/11/2009, DJe 30/11/2009)
da “causa decidida”.
GIOVANNI MANSUR SOLHA PANTUZZO38 encerra a discus-
Neste particular, cumpre ressalvar que o pós-questionamento não é suficiente para o conhecimento dos recursos ex-
são:
cepcionais, não se admitindo a interposição de embargos para
“A respeito de prequestionamento, a primeira colocação
questionar matéria não ventilada pelas partes antes de proferido
a ser necessariamente feita diz respeito ao momento de
o acórdão. Trata-se do chamado pós-questionamento, inadmis-
sua provocação, a ser buscada desde a primeira instân-
sível, visto que fere toda a sistemática processual e desconfigura
cia, devendo ser obrigatoriamente veiculada, de foram
o instituto da preclusão.
expressa, no recurso ou contra-recurso à Segunda ins-
“Todos sabemos que o prequestionamento constitui
tância. Em contundente lição, Samuel Monteiro ressalta
pressuposto específico de admissibilidade do recurso
que: ‘não constando os temas ou as questões do recur-
extraordinário. A essa exigência indeclinável, não se
so ou contra-recurso ao tribunal de segundo grau local
subtraem quaisquer alegações, mesmo as concernen-
(v.g., apelação, contra-razões, agravo de instrumento e
tes a temas constitucionais (RTF 98/754 – 116/451). A
contra-minuta, recurso em sentido estrito e impugna-
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 133
ção), tem-se que sobre eles não poderia o tribunal local
da no acórdão recorrido, uma vez que nesta seara es-
emitir juízo (prequestionar os temas). Ocorre aí a hipó-
pecial é inarredável o requisito do prequestionamento.
tese de omissão do recorrente (recurso omisso) ou do
Excepciona-se, dessa regra, apenas os casos em que o
recorrido (contra-recurso omisso), podendo a imperícia
recurso especial puder ser conhecido por outros funda-
profissional acarretar a responsabilidade civil de quem
mentos, o que não é a hipótese dos autos.” (STJ. EDcl
subscreveu o recurso ou o contra-recurso omissos. O
no AgRg no REsp 786.139/SP, Rel. Ministro MAURO
recurso extraordinário ou o recurso especial não serão
CAMPBELL MARQUES. SEGUNDA TURMA, julgado em
conhecidos nesta hipótese, mesmo que o recorrente ao
01/12/2009, DJe 10/12/2009).
STF ou ao STJ tenha oposto em tempo os embargos de
“O requisito do prequestionamento é indispensável para
declaração (STJ, AG. REG. 7.112/RJ, DJU DE 25.3.91,
a admissibilidade do recurso especial. Por tal razão,
P. 3.224, TERCEIRA TURMA).”
veda-se a apreciação de matéria sobre a qual não se pronunciou a instância de origem.” (STJ. AgRg no REsp
Portanto, o prequestionamento, neste contexto, deve ser
933.201/MG, Rel. Ministro OG FERNANDES. SEXTA
visto como uma “etapa necessária ao preenchimento do cabi-
TURMA, julgado em 19/11/2009, DJe 14/12/2009).
mento do RE e do RESP” . 39
Veja-se que nestes julgados a expressão prequestionamen4.2 CONCEITO DE PREQUESTIONAMENTO E SUA DISTINÇÃO EM RELAÇÃO À “CAUSA DECIDIDA”
to é utilizada como se causa decidida fosse. JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA40 ensina:
Como já dito, o prequestionamento é a submissão da ma-
“A exigência de realização de prequestionamento pelas
téria às instâncias ordinárias, e sua exigência decorre da própria
partes, perante a instância local, contudo, não se encon-
natureza dos recursos excepcionais. A submissão da matéria é
tra expressa na Constituição Federal. Para nós, o que
imperativa para que se formalize o requisito de admissibilidade
exige a Constituição Federal é que a questão federal ou
da formação da “causa decidida”.
constitucional esteja presente na decisão recorrida, o
A configuração do prequestionamento pressupõe debate e
que não equivale ao prequestionamento realizado pelas
decisão prévios pelo Colegiado do Tribunal a quo, ou seja, emis-
partes, que deve ocorrer necessariamente antes da de-
são de juízo sobre o tema (causa decidida).
cisão recorrida”.
É fácil perceber que o prequestionamento não é o verdadei-
CASSIO SCARPINELLA BUENO completa tal entendimento:
ro requisito de admissibilidade dos recursos extremos (que é a
Prequestionamento só pode ser entendido como a ini-
causa decidida), mas, sim, uma forma de alcançá-la, ainda que,
ciativa das partes que não vinculam, necessariamente,
na prática forense, utiliza-se da expressão prequestionamento
a decisão da qual se pretende recorrer. Elas, as partes,
como se requisito de admissibilidade fosse.
prequestionam, o Tribunal decide. É da decisão do Tri-
Veja-se a errônea aplicação dada ao instituto em apenas
bunal que se recorre e não da iniciativa das partes. Pre-
alguns julgados:
questionamento, em suma, não confunde com a ques-
“O prequestionamento, entendido como a necessida-
tão constitucional ou legal que autoriza a interposição
de de o tema objeto do recurso haver sido examinado
do recurso extraordinário ou especial, respectivamente.
pela decisão atacada, constitui exigência inafastável da própria previsão constitucional, ao tratar do recurso es-
Estes doutrinadores tiveram escola na doutrina de EDU-
pecial, impondo-se como um dos principais requisitos
ARDO RIBEIRO DE OLIVEIRA41 que assim se manifestou sobre
ao seu conhecimento. Nos termos das Súmulas 282 e
o tema:
356 do Supremo Tribunal Federal, não se admite o re-
“O que se terá como indispensável é o exame da ques-
curso especial que suscita tema não prequestionado
tão pela decisão recorrida, pois isso sim, deflui da na-
pelo Tribunal de origem.” (STJ. REsp 717.507/PE, Rel.
tureza do especial e do extraordinário e resulta do texto
Ministro SIDNEI BENETI. TERCEIRA TURMA, julgado em
constitucional. Destinando-se o extraordinário, como
15/12/2009, DJe 18/12/2009).
salientado, a garantir a exata aplicação da Constitui-
“Não há como conhecer do apelo que traz à lume ques-
ção, falta razão a ele, se da norma constitucional não
tões não decididas pelo Tribunal de origem, mesmo que
se tratou na decisão impugnada. O mesmo se diga do
se trate de nulidade por julgamento extra petita surgi-
especial, pois não há como fazer-se o controle, quando
134 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
à correta interpretação do tratado ou da lei federal, em
5 CONCLUSÃO
relação a matéria de que não se cogitou. Não pode o
Não existe momento melhor para se corrigir e adequar con-
julgado havê-las contrariado, ou a elas haver negado vigência, se não versada a questão que regulam”.
ceitos jurídicos do que durante uma reforma do CPC. Conforme se apresentou neste artigo:
Assim, não há dúvidas da distinção entre prequestionamen-
- o vocábulo causa decidida mencionado no texto da
to e causa decidida. Esta última é o verdadeiro requisito de ad-
Constituição, no inciso III, seja do art. 102, seja do art.
missibilidade dos recursos extremos que consiste na realização
105, refere-se ao pronunciamento judicial externado
de julgamento da questão constitucional ou federal pelas instân-
pelo Poder Judiciário, por julgamento de seu órgão ju-
cias ordinárias enquanto que prequestionamento seria apenas
risdicional final das instâncias ordinárias, examinando a
uma forma de se provocar este julgamento42.
questão de direito, constitucional ou federal infraconstitucional, a que ainda se quer ver examinada na estreita
4.3 CAUSA DECIDIDA EXPRESSA, IMPLÍCITA E FICTA
via dos recursos extremos;
Demonstrada a divergência técnica entre os institutos jurídi-
- prequestionamento é apenas a submissão da maté-
cos prequestionamento e causa decidida não mais se utilizará
ria às instâncias ordinárias, e sua exigência decorre da
da expressão “prequestionamento” expresso, implícito e ficto
própria natureza dos recursos excepcionais e da ne-
como, usualmente, se vê na doutrina e na jurisprudência (e é
cessidade de formalização do requisito específico de
exatamente esta a razão deste artigo – desfazer mitos).
admissibilidade previsto no texto constitucional que é a
Adaptando corretamente o uso das expressões técnicas, o
causa decidida;
que se têm é, na verdade, causa decidia expressa, implícita e
- a configuração do prequestionamento pressupõe de-
ficta, na forma que se segue:
bate e decisão prévios pelo Colegiado do Tribunal a
- causa decidida expressa: ocorre quando as instâncias or-
quo, ou seja, emissão de juízo sobre o tema (que é a
dinárias tenham apreciado no acórdão a questão jurídica objeto
causa decidida);
de irresignação e o preceito legal invocado pelo recorrente tenha
- o prequestionamento não é o verdadeiro requisito de
sido expressamente referido pelo aresto;
admissibilidade dos recursos extremos (que é a causa
- causa decidida implícita: ocorre quando as instâncias
decidida), mas, sim, uma forma de alcançá-lo, ainda
ordinárias tenham versado inequivocamente a matéria objeto
que, na prática forense, utiliza-se da expressão pre-
da norma que nele se contenha, mas sem exigir que o preceito
questionamento como se requisito de admissibilidade
normativo invocado pelo recorrente tenha sido expressamente
fosse;
referido pelo acórdão impugnado;
- o pós-questionamento não é suficiente para o conhe-
- causa decidida ficta: ocorre quando, após a oposição de
cimento dos recursos excepcionais. Não se admite a
embargos declaratórios (com fins prequestionadores), o tribunal
interposição de embargos para questionar matéria não
a quo persiste em não decidir questões que lhe foram subme-
ventilada pelas partes antes de proferido o acórdão. Tra-
tidas a julgamento por força do princípio devolutivo, ou, ainda,
ta-se do chamado pós-questionamento, inadmissível,
quando persista desconhecendo obscuridade ou contradição
visto que fere toda a sistemática processual e desconfi-
arguidas como existentes na decisão (recalcitrância) e, nestes
gura o instituto da preclusão;
casos, apresenta-se recurso especial e ou recurso extraordinário
- a formação da causa decidida pode dar-se de forma
com fundamento específico .
expressa, implícita ou ficta. Se a questão jurídica se-
43
Em qualquer uma das situações acima informadas (expres-
quer foi levada para julgamento (prequestionada) não
sa, implícita ou fictamente) ocorreu pronunciamento judicial, no
há que se falar sequer em formação de causa decidida.
sentido técnico e naquilo que o jurisdicionado poderia fazer, externado pelo Poder Judiciário por julgamento de seu órgão
Conforme ressalvou CASSIO SCARPINELLA BUENO:
jurisdicional final das instâncias ordinárias, examinando a ques-
“Enquanto estas questões não forem decididas com
tão de direito, constitucional ou federal infraconstitucional, ain-
ânimo de definitividade parece curial, com o devido
da que implicitamente, a que ainda se quer ver examinada na
respeito dos que pensam diferentemente, que não só
estreita via dos recursos extremos (o que preenche ao requisito
o alcance dos referidos arts. 102, III e 105, III, estará em
constitucional da formação da causa decidida).
cheque mas, também — senão principalmente —, o art. 5º, XXXV, LIV e LV, da Constituição Federal. O acesso à PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 135
Justiça e o devido processo legal estão comprometidos por uma questão que, em última análise, é formal: se, é verdade, há, hoje, consenso doutrinário e jurisprudencial acerca da indispensabilidade do prequestionamento — até porque sua previsão constitucional parece irretorquível —, ainda se debate acerca da sua forma ou do seu modo de surgimento. Omissão quanto a este ponto é insustentável em um Estado Democrático de Direito, em que nem a lei pode excluir lesão ou ameaça a direito do Poder Judiciário. O momento é propício para que o Congresso Nacional aproveite a oportunidade de discussão de um novo Código de Processo Civil e corrija esta deficiência técnica na interpretação destes diferentes institutos jurídicos. Um único artigo pode resolver o problema. Fica a sugestão:
Art. ___) Só será possível discutir em recurso especial e ou em recurso extraordinário questão jurídica exclusivamente de direito que tenha sido examinada pelas instâncias ordinárias44, ainda que implicitamente45. Parágrafo único: em caso de não exame da questão jurídica pela instância ordinária e desde que tenha ocorrido provocação pela oposição de embargos de declaração, se argüido e demonstrado pelo recorrente, em fundamento específico do seu recurso, pode o respectivo Tribunal Superior, presumindo a submissão da matéria à instância ordinária, já adentrar na questão de mérito que envolve o recurso extremo46.47 Mitos precisam ser desfeitos. 6) Referências Bibliográficas ASSIS, Araken de. Manual dos Recursos. 3ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. BUENO, Cassio Scarpinella. Quem tem medo do Prequestionamento? Artigo Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 57, 1 jul. 2002. Disponível em: HTTP://jus.uol.com.br/revista/texto/3024. Acesso em: 24 jun. 2011. ______, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. Vol. 5.ç 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2010. CAMARA, Bernardo; FREIRE, William. Os Recursos Cíveis e seu processamento nos Tribunais. Belo Horizonte: Editora Mineira, 2003. _______, Bernardo; FREIRE, William; JUNQUEIRA, Bernardo. Recurso Especial e Extraordinário – doutrina e prática. Belo Horizonte: Editora Mineira, 2002. CARNEIRO, Athos de Gusmão. Anotações sobre o recurso especial. in RT 654/10.
DANTAS, Bruno. Repercussão Geral. 2ª Ed. Coleção Recursos no Processo Civil. Vol. 18. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2009. DIDIER JR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil – Meios de Impugnação às Decisões Judiciais e Processo nos Tribunais. Vol. 3. 7ª Ed. Salvador: Editora Podivm, 2009. DONIZETTI, Elpidio. Curso Didático de Direito Processual Civil. São Paulo: Atlas, 2010. p. 749. JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico da Filosofia. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Jorge Sahar Editor, 2008. JORGE, Flávio Chein. Teoria Geral dos Recursos Cíveis. 4ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. KLIPPEL, Rodrigo; BASTOS, Antônio Adonias. Manual de Processo Civil. Rio de Janeiro: Lumen Juris: 2011. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso Extraordinário e Recurso Especial. 10 ed. Coleção Recursos no Processo Civil. Vol. 3. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. 5ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. MEDINA, José Miguel Garcia. Prequestionamento e Repercussão Geral. 5ª Ed. Coleção Recursos no Processo Civil. Vol. 6. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. _______, José Miguel Garcia; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. In Recursos e ações Autônomas de Impugnação. Coleção Processo Civil Moderno. Vol. 2.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. NEGRÃO, Perseu Gentil. Recurso Especial, São Paulo. Saraiva: 1997. NUNES, Dierle José Coelho. Alguns Elementos do Sistema Recursal: da sua importância na alta modernidade brasileira, do juízo de admissibilidade e de seus requisitos. Artigo publicado na Revista IOB de Direito Civil e Processual Civil. Ano VIII, n. 47, Maio-jun de 2007. ______, Dierle José Coelho; CÂMARA, Bernardo; SOARES, Carlos Henrique. Processo Civil para OAB. Salvador: Jus Podivm, 2010. ______, Direito Constitucional ao Recurso: Da teoria geral dos recursos, das reformas processuais e da comparticipação nas decisões. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. ORIONE NETO, Luiz. In Recursos Cíveis. São Paulo: Saraiva, 2006. PANTUZZO, Giovanni Mansur Solha. Práticas dos Recursos Especial e Extraordinário. Del Rey: Belo Horizonte, 1998. RIBEIRO DE OLIVEIRA, Eduardo. Prequestionamento. Aspectos Polêmicos e Atuais dos Recursos Cíveis de acordo com a Lei 9.756/98. Coord.: Teresa Arruda Alvim Wambier e Nelson Nery Jr., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
136 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
___________________, Eduardo. Prequestionamento. Coletânea de Julgados e Momentos Jurídicos dos Magistrados no TFR e STJ. Homenagem. Vol. 38. 2002. SANTOS, Francisco Cláudio Almeida. “Recurso Especial- Visão geral”, in Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, jun/89. SILVA, José Afonso da. Do Recurso Extraordinário. São Paulo: RT, 1963. THEODORO JR. Humberto. In Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1. 51ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Advogado; Mestre em Direito Processual/PUC-MG; Especialista em Direito de Empresa-UGF/RJ. Ex-assessor Técnico e Professor da Escola Superior de Advocacia. Professor universitário de graduação (Newton Paiva) e pós-graduação (IEC - PUC-Minas), Ex-Membro do Órgão Especial da OAB/MG. Membro do Instituto dos Advogados de Minas Gerais. Sócio do escritório Freire, Câmara & Ribeiro de Oliveira Advogados.48 1JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico da Filosofia. 2008. p. 189. 2 BUENO, Cassio Scarpinella. Quem tem medo do Prequestionamento? 2002. 3 Súmula 282 do STF: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada”. Súmula 356 do STF: “O ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram apostos embargos de declaração, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento”. Súmula 211 do STJ: “Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo tribunal a quo”. 4 O Superior Tribunal de Justiça, em certa feita, proferiu o seguinte julgamento: “PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PREQUESTIONAMENTO. O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça estabeleceram critérios diferentes para a identificação do prequestionamento no recurso extraordinário (STF Súmula 356) e no recurso especial (STJ - Súmula 211). A orientação consolidada na Súmula 211 do Superior Tribunal de Justiça não ofende as garantias constitucionais da ampla defesa, do acesso ao Judiciário e do devido processo legal, nos termos do que foi decidido no Agravo Regimental em Agravo de Instrumento nº 198.631-1, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence (DJU, 19.12.97, p. 48). Embargos de declaração rejeitados” (STJ. Embs. Dec. em Resp n. 158.140/DF, REl. MIn. ARI PARGENDLER, DJU 23/11/98, p. 166). O informativo do STJ de n. 400, de 22 a 29 de junho de 2009, apresentou interessante precedente do Tribunal Superior, no qual se afirmou que: “Não se desconhece o fato de que o STF, ao julgar RE, prestigiou o enunciado n. 356 de sua súmula, ao considerar prequestionada matéria constitucional pela simples interposição de EDcl (prequestionamento ficto). Sucede que, como consabido, o STJ possui entendimento diverso,
pois tem como satisfeito o prequestionamento quando o tribunal a quo emite juízo de valor a respeito da tese defendida no especial. Assim, aqui é imprescindível a demonstração de que aquele tribunal apreciou a tese à luz da legislação federal enumerada no especial, quanto mais se opostos embargos de declaração. Daí que, se o tribunal a quo rejeita os embargos sem apreciar a tese, o respectivo especial deve necessariamente indicar como violado o art. 535 do CPC, com a especificação objetiva do que é omisso, contraditório ou obscuro sob pena de aplicação da Súm. n. 211-STJ. Com a reiteração desse entendimento, a Turma não conheceu do REsp, apesar de o advogado, da tribuna, trazer a alegação de que, no caso, há matéria de ordem pública (a inexistência de citação) não sujeita à preclusão, de acordo com recente precedente da Corte Especial. Anote-se que o Min. Mauro Campbell Marques acompanhou a Turma com a ressalva de seu entendimento. Precedentes citados do STF: RE 219.934-SP, DJ 16/2/2001; do STJ: EREsp 978.782- RS, DJe 15/6/2009; REsp 1.095.793-SP, DJe 9/2/2009, e REsp 866.482-RJ, DJ 2/9/2008. (REsp 866.299-SC, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 23/6/2009 –Informativo n. 395 do STJ).” 5 Neste particular, a redação do art. 979 do Projeto do Novo CPC (“Art. 979. Consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante pleiteou, para fins de prequestionamento, ainda que os embargos de declaração não sejam admitidos, caso o tribunal superior considere existentes omissão, contradição ou obscuridade”), não corrige e ou elucida o tecnicismo do referido instituto jurídico. 6 NUNES, Dierle José Coelho. Alguns Elementos do Sistema Recursal: da sua importância na alta modernidade brasileira, do juízo de admissibilidade e de seus requisitos. 2007, p. 95. 7 DIDIER JR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil – Meios de Impugnação às Decisões Judiciais e Processo nos Tribunais. 2009. p. 41. 8 ORIONE NETO, Luiz. In Recursos Cíveis. 2006. p. 123. 9 ASSIS, Araken de. In Manual dos Recursos. 2011. p. 120. 10 MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. In Recursos e ações Autônomas de Impugnação. 2008. p. 69. 11 Segundo HUMBERTO THEODORO JR “além da dualidade de instâncias ordinárias, entre os juízes de primeiro grau e os Tribunais de segundo grau, existe, também, no sistema processual brasileiro, a possibilidade de recursos extremos ou excepcionais, para dois órgãos superiores que formam a cúpula do Poder Judiciário nacional, ou seja, para o Supremo Tribunal Federal e para o Superior Tribunal de Justiça. O primeiro deles se encarrega da matéria constitucional e o segundo, dos temas infraconstitucionais de direito federal. Cabe-lhes, porém, em princípio, o exame não dos fatos controvertidos, nem tampouco das provas existentes no processo, nem mesmo da justiça ou injustiça do julgado recorrido, mas apenas e tão-somente a revisão das teses jurídicas federais envolvidas no julgamento impugnado”. In Curso de Direito Processual Civil. 2010. p. 646.
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 137
12 FLÁVIO CHEIN JORGE identifica como requisitos de admissibilidade indicados pelo Código de Processo Civil o cabimento, a legitimidade para recorrer, o interesse em recorrer, a tempestividade, a regularidade formal, a inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer e o preparo. Segundo o doutrinador a distinção é apresentada tanto por Seabra Fagundes que os dividem em subjetivos e objetivos e por Barbosa Moreira que os separa em intrínsecos e extrínsecos (In Teoria Geral dos Recursos Cíveis. 2009. p. 98/99). 13 RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO, ensina sobre a separação dos recursos em dois grandes grupos. “alguns recursos têm forma menos rígida; são dirigidos a Tribunais locais ou regionais; não apresentam exigências específicas quanto à sua admissibilidade; comportam discussão de matéria de fato e de direito; e a mera sucumbência (= o fato objetivo da derrota) basta para deflagrar o interesse na sua interposição. A esses podemos chamar ‘comuns’, ‘normais’ ou ‘ordinários’, conforme a terminologia que se preferida. Naturalmente, os outros recursos que, ao contrário desses, apresentam uma rigidez formal de procedibilidade; são restritos às quaestiones juris; dirigem-se aos Tribunais de cúpula judiciária; não são vocacionados à correção da mera ‘injustiça’ da decisão; e apresentam, como diz Frederico Marques, a particularidade de exigirem ‘a sucumbência e um plus que a lei processual determina e especifica’, esses ficam bem sob a rubrica de ‘especiais’, ‘excepcionais’ ou ‘extraordinários’.” In Recurso Extraordinário e Recurso Especial. 2007. 14 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso Extraordinário e Recurso Especial. 2007. 15 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso Extraordinário e Recurso Especial. 2007. p. 127. 16 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. 2006. p. 569. 17 THEODORO JR. Humberto. In Curso de Direito Processual Civil. 2010. p. 646. 18 ORIONE NETO, In Recursos Cíveis. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 463. 19 DONIZETTI, Elpidio. Curso Didático de Direito Processual Civil. 2010. p. 749. 20 In Quem tem medo do Prequestionamento? 2002. 21 MEDINA, José Miguel Garcia. Prequestionamento e Repercussão Geral. 2009. p. 128 22 Segundo ensina JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA, a expressão esgotamento prévio das instâncias ordinárias é extraída da restrição constitucional previstas nos incisos III, tanto do art. 102, quanto do art. 105, da CF, quando se identifica a expressão “única ou última instância”. Enquanto possível a utilização de recursos de instâncias ordinárias, não é possível a utilização do recurso extremo (In Prequestionamento e Repercussão Geral. 2009. p. 128).
23 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso Extraordinário e Recurso Especial. 2007. p. 149. 24 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso Extraordinário e Recurso Especial. 2007. p. 149. 25 NEGRÃO, Perseu Gentil. Recurso Especial, 1997, p. 10. 26 SANTOS, Francisco Cláudio Almeida. Recurso Especial- Visão geral, jun/89, p. 190. 27 SILVA, José Afonso da. Do Recurso Extraordinário. 1963, p. 293. 28 Neste particular, vejam-se decisões no STJ neste sentido: “DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. CANCELAMENTO DE PRECATÓRIO. ATO DO PRESIDENTE DO TRIBUNAL. NATUREZA ADMINISTRATIVA. RECURSO ESPECIAL. INCABÍVEL. SÚMULA 733/STF. AGRAVO IMPROVIDO. 1. Os atos do Presidente do Tribunal no processamento de precatório têm natureza administrativa, não se qualificando, desta forma, no conceito de “causa” previsto na Constituição Federal como necessário para a interposição dos recursos especial e extraordinário. Precedentes do STJ e do STF. 2. Agravo regimental improvido.” (STJ. AgRg no REsp 932.144/AL, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 19/08/2008, DJe 15/09/2008). “AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO - PROCESSUAL CIVIL - DÚVIDA REGISTRAL - INTERPOSIÇÃO DE RECURSOS DE NATUREZA EXTRAORDINÁRIA - IMPOSSIBILIDADE - PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO QUE NÃO SE ENQUADRA NO CONCEITO DE CAUSA - RECURSO IMPROVIDO. I - A interposição de recurso especial tem como requisito intrínseco a existência de causa decidida em última ou única instância por Tribunal. II - O procedimento de dúvida suscitado pelo Oficial do Registro tramitado perante o Poder Judiciário reveste-se de caráter administrativo, não-jurisdicional, agindo o juízo monocrático, ou o colegiado, em atividade de controle da Administração Pública. III Recurso a que se nega provimento”. (STJ. AgRg no Ag 656.216/SP, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, QUARTA TURMA, julgado em 21/08/2007, DJ 17/09/2007 p. 286). 29 Ressalta-se o entendimento jurisprudencial aceitando a reclamação, como sucedâneo recursal diante da não existência ainda de um turma de uniformização de jurisprudência dos juizados especiais estaduais. A ementa a seguir, do STJ, em julgado da Ministra NANCY ANDRIGUI sintetiza este entendimento: “RECLAMAÇÃO. HIPÓTESES DE CABIMENTO. ALEGAÇÃO DE DIVERGÊNCIA ENTRE DECISÃO PROFERIDA POR JUÍZO SINGULAR DE JUIZADO ESPECIAL ESTADUAL E A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. NÃO CONHECIMENTO DA RECLAMAÇÃO. - A presente reclamação deriva de recente decisão, no âmbito dos EDcl no RE 571.572-8/BA, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 14.09.2009, do Pleno do STF que consignou que “enquanto não for criada a turma de uniformização para os juizados especiais estaduais, poderemos ter a manutenção de decisões divergentes a respeito da interpretação da legislação infraconstitucional federal”, tendo, por conseguinte, determinado que, até a criação de órgão que possa estender e fazer prevalecer a aplicação
138 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
da jurisprudência do STJ aos Juizados Especiais Estaduais, “a lógica do sistema Judiciário nacional recomenda se dê à reclamação prevista no art. 105, I, f, da CF, amplitude suficiente à solução deste impasse”. - O âmbito de atuação do STJ nestas reclamações, deve-se restringir à análise dos acórdãos prolatados pelas Turmas Recursais Estaduais que contrariarem súmulas ou jurisprudência dominante do STJ. - Agravo não provido.” (STJ. AgRg nos EDcl na Rcl 4019/PB. Segunda Seção. Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI. DJe 30/09/10, LEX STJ vol. 255, p. 86). 30 CARNEIRO, Athos de Gusmão. Anotações sobre o recurso especial. in RT 654/10. 31 Art 59 - Ao Supremo Tribunal Federal compete: § 1º - Das sentenças das Justiças dos Estados, em última instância, haverá recurso para o Supremo Tribunal Federal: a) quando se questionar sobre a validade, ou a aplicação de tratados e leis federais, e a decisão do Tribunal do Estado for contra ela; 32 Art 76 - A Corte Suprema compete: 2) julgar: III - em recurso extraordinário, as causas decididas pelas Justiças locais em única ou última instância: a) quando a decisão for contra literal disposição de tratado ou lei federal, sobre cuja aplicação se haja questionado; b) quando se questionar sobre a vigência ou validade de lei federal em face da Constituição, e a decisão do Tribunal local negar aplicação à lei impugnada; 33 Art 101 - Ao Supremo Tribunal Federal compete: III - julgar em recurso extraordinário as causas decididas em única ou última instância por outros Tribunais ou Juízes: b) quando se questionar sobre a validade de lei federal em face desta Constituição, e a decisão recorrida negar aplicação à lei impugnada; 34 Naquela época ainda não existia o recurso especial. 35 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso Extraordinário e Recurso Especial. 2007. p. 198. No mesmo sentido Pontes de Miranda: Comentários ao Código de Processo Civil, t. XII/159; e Pedro Baptista: Recursos e Processos da Competência Originária dos Tribunais. 36 In Práticas dos Recursos Especial e Extraordinário. 1998, p. 86.
42 DANTAS, Bruno. Repercussão Geral. 2ª Ed. Coleção Recursos no Processo Civil. Vol. 18. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2009. p. 174. 43 Os embargos declaratórios prequestionatórios têm a intenção de obter do Tribunal de origem o devido julgamento da questão suscitada. Assim, viabilizar-se-á o conhecimento de recursos próprios. Estes sim, meios de impugnação hábeis para reformar a decisão combatida e restabelecer a correta aplicação da Lei. Os embargos de declaração apresentados para prequestionar a questão constitucional ou federal podem não ser acolhidos pelo tribunal ou, simplesmente rejeitados. Nesse caso, o embargante deverá interpor recurso especial ou extraordinário, conforme o caso, contra a rejeição dos embargos, requerendo a nulidade do acórdão. Não se trata de interposição do recurso extremo contra error in judicando, que por si só já daria ensejo à abertura da discussão nos tribunais superiores mas, sim, a interposição de recurso competente para ver o acórdão do tribunal a quo anulado por violação ao art. 535 do Código de Processo Civil ou do art. 5o, XXXV e LV c/c art. 93, IX da Constituição Federal (conforme o recurso aviado) pelo reconhecimento de error in procedendo. Se, no julgamento dos recursos excepcionais, com fundamento na nulidade do acórdão, houver reforma da decisão que rejeitou os embargos, os autos retornarão ao tribunal a quo para exame deles. Tal imposição se dá por força da aplicação da Súmula 211 do STJ, que exige o exame da questão pelo Tribunal: “Súmula 211 do STJ: Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo.” Na prática, deve-se apresentar diretamente o recurso excepcional contra o erro in judicando atacando a decisão do tribunal a quo nos termos de seu cabimento aos tribunais superiores, colocando a questão envolvendo a nulidade do acórdão em preliminar. Tal prática se mostra usual e mais eficaz, uma vez que o órgão julgador da instância especial, em seu juízo de admissibilidade, pode entender que a questão já foi prequestionada. Neste caso, poderá ultrapassar a preliminar e decidir sobre o mérito do recurso. Caso entenda que ainda não houve o devido questionamento sobre a matéria, e o seu exame possa estar obstacularizado pela supressão de instância e não-formação da causa decidida, deverá, então, conhecer da preliminar argüida e devolver o feito para o Tribunal de origem sanar o vício.
37 STJ. AgRg no REsp 1115614/MG, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 17/09/2009, DJe 13/10/2009. e; STF. AI 473456 AgR, Rel. Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 26/05/2009, DJe-108 DIVULG 10-06-2009 PUBLIC 12-06-2009 EMENT VOL-02364-02 PP-00372.
44 Causa decidida expressa.
38 In Prática dos Recursos Especial e Extraordinário. 1998, p. 79.
47 Se nada disso ocorreu, não existiu prequestionamento e, consequentemente, não há sequer a formação da causa decidida.
45 Causa decidida implícita. 46 Causa decidida ficta.
39 KLIPPEL, Rodrigo; BASTOS, Antônio Adonias. Manual de Processo Civil. 2011. p. 833. 40 In Prequestionamento e Repercussão Geral. 2009. p. 204. 41 In “Prequestionamento”, 1999. p. 248/249 PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 139
PERFURAÇÃO INTESTINAL POR ARMA DE FOGO: relato de caso Tatiana Bedran1 Bruna Lívia Bento2Camila Daiana2 Claudiomara Kelly Camargo2 Cibelle Martinez Carneiro Araújo2 Daniel Arthur Sales2 Glauciane Oliveira Magalhães Carvalho2 Jakeline Gomes Alves2 Kênia Fernanda Oliveira2
Resumo: A violência tem crescido no país elevando os indicadores de morbidade e mortalidade por causas externas. O abdome representa o terceiro lugar da região corporal mais atingida por trauma e a lesão por projétil de arma de fogo é a causa mais comum lesando órgãos ou estruturas vitais. O objetivo desse trabalho foi descrever com base na literatura e no caso estudado, os cuidados de enfermagem ao paciente vítima de perfuração intestinal e suas complicações. Trata-se de um estudo de caso de paciente admitido em um hospital público da região metropolitana de Belo Horizonte vítima de perfuração por arma de fogo em abdome. Conclui-se que a perfuração intestinal por arma de fogo é um trauma comum, de difícil resolução e requer cuidados intensivos de enfermagem para evitar maiores complicações que podem levar o paciente a óbito. Palavras-chave: Perfuração abdominal. Laparotomia. Cuidados de Enfermagem.
INTRODUÇÃO
versos órgãos e estruturas intra-abdominais, levando a ruptura
Observa-se, cada vez mais, o aumento do número de pes-
de vísceras ocas, o que causa liberação de secreções digestivas
soas, especialmente jovens, vítimas de violência, principalmente
como suco gástrico ou intestinal, bile, fezes e urina, podendo
pelo uso de arma de fogo. “O crescimento exponencial da violên-
levar à peritonite (DRUMOND, 2010).
cia no Brasil nas últimas décadas vem ocupando cada vez mais
O atendimento inicial aos pacientes com trauma abdominal
espaço nos meios de comunicação e fazendo parte do cotidiano
é diretamente proporcional à gravidade do trauma, sendo que
da população brasileira” (Sanches; Duarte; Pontes, 2009).
as avaliações laboratoriais e radiológicas dependem das condi-
Essa violência se reflete no âmbito hospitalar, através das lesões por arma de fogo que constituem, entre as internações
ções e necessidades de cada doente e, muitas vezes, a laparotomia exploradora se impõe de imediato (RIBAS-FILHO, 2008).
por causas externas, a maior taxa de mortalidade com aproxi-
Os ferimentos por arma de fogo podem resultar em vítimas
madamente 10 óbitos por 100 internações e com o custo 34%
com lesões irreversíveis, inaptas ao trabalho ou que necessitem
mais elevado em relação aos outros tipos de agressões devido
de cuidados com a saúde por meio de internação hospitalar,
às complicações que podem surgir (Souza, 2005). De acordo com Onofre, Torres e Aguilar (2006) o abdome
uso de medicações, reabilitação física e mental (Sanches; Duarte; Pontes, 2009).
representa o terceiro lugar da região corporal mais atingida por
Considerando que este tipo de trauma é a segunda causa
trauma, sendo que as lesões por projétil de arma de fogo são a
de morte no país, muitas vezes evitáveis quando o indivíduo re-
causa mais comum de trauma penetrante e sua gravidade é de-
cebe atendimento adequado, nota-se a necessidade de mais
terminada pela lesão de órgãos ou estruturas vitais do abdome.
estudos relativos ao tema para subsidiar a assistência da equi-
O sucesso no atendimento do trauma abdominal é caracte-
pe de enfermagem para prestar um atendimento de qualidade
rizado pela eficiência da abordagem inicial que permite instituir
capaz de reduzir o risco de complicações e atingir o restabele-
o diagnóstico precoce e o tratamento oportuno das lesões intra-
cimento de suas funções vitais de forma que proporcione uma
-abdominais, quando presente (JUNIOR; LOVATO; CARVALHO;
maior qualidade de vida, uma vez que a incidência desse tipo de
HORTA, 2007).
trauma tem aumentado em nosso meio.
Com o abdome traumatizado, podem ocorrer lesões nos di-
Diante do exposto e da importância de uma adequada assis-
140 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
tência de enfermagem ao paciente com complicações decorren-
transferido para a clínica cirúrgica onde evoluiu com febre e leu-
tes da perfuração intestinal, julgou-se oportuna à realização do
cocitose. Realizou-se exame de Tomografia Computadorizada
presente trabalho que teve como objetivo descrever, com base
do abdome que não apresentou alterações importantes, iniciou-
na literatura e no caso estudado, os cuidados de enfermagem
-se tratamento com oxacilina, gentamicina e metronidazol. Seu
ao paciente vítima de perfuração intestinal e suas complicações.
quadro evoluiu para inapetência, dor abdominal e secreção fecalóide no dreno. Foi realizada nova laparotomia com visualiza-
2 METODOLOGIA
ção de três fístulas, realizado ileostomia, anastomose do jejuno
Trata-se de estudo de caso de um paciente admitido em
proximal com inserção de novo dreno, fechamento primário de
um hospital público da Região Metropolitana de Belo Horizonte,
sigmóide e confecção de bolsa de bogotá. Em seguida foi admi-
vítima de Perfuração por Arma de Fogo (PAF) em abdome. Após
tido no CTI onde permaneceu por 11 dias.
realização de anamnese e exame físico do paciente em ques-
Outras duas revisões se fizeram necessárias para direcio-
tão, realizou-se a consulta no prontuário médico para coleta de
namento de fístula, lavagem da cavidade abdominal devido se-
dados significativos sobre a evolução de seu quadro de saúde.
creção de aspecto bilioso. Sua dieta iniciou-se por jejunostomia
No período de março a abril de 2011 foi realizada a pesquisa
na admissão no CTI. Em 31/01, foi prescrito NPT. Coletou-se he-
bibliográfica, com recorte temporal no período de 06 anos, de
mocultura dia 11/02 cujo resultado em 21/02 detectou presença
2005 a 2011.
da bactéria multirresistente Klebsiella pneumoniae, o quadro foi
Como fonte de consulta utilizou-se periódicos nacionais e
atribuído à peritonite / sepse abdominal por esse microrganismo
internacionais indexados nas bases de dados MEDLINE, SCIE-
e iniciado tratamento antimicrobiano, instituiu-se a partir de en-
LO E LILACS. Foram selecionados artigos em língua portuguesa
tão, medidas de precaução por contato.
e espanhola, por serem as línguas de domínio dos estudantes.
EXAME FÍSICO: 28/03/2011
Após a consulta aos bancos de dados, os artigos foram lidos e
Neurológico: Paciente consciente, bem orientado no tem-
analisados, considerando-se principalmente os que abordavam
po e espaço. Estado geral: Ictérico, acianótico, hipocorado
a perfuração abdominal por projétil de arma de fogo e suas com-
(+3/+4), desidratado, temperatura axilar 38,5°, pupilas isocó-
plicações, intervenções realizadas e o cuidado de enfermagem
ricas e fotorreativas. Habito alimentar: Dieta administrada por
ao paciente com abdome aberto. Dos 30 artigos analisados, 11
jejunostomia. Higienização corporal e bucal adequada realizada
foram excluídos - 07 por serem de data anterior a 2005 e 4 por
no leito pela equipe de enfermagem. Aparelho Respiratório: Ex-
se tratar de estudo de caso diferente do tema abordado. Foi
pansividade torácica simétrica, frequência respiratória (FR): 21
necessário também a consulta a livros das áreas médica e de
incursões respiratórias por minuto (irpm), ausência de ruídos ad-
enfermagem, da Biblioteca da Faculdade Newton Paiva, Cam-
ventícios. Aparelho cardiovascular: taquicárdico (103 batimentos
pus Silva Lobo para definição de conceitos.
por minuto), hipertenso (PA: 160 x 110 mmHg), Bulhas cardíacas normo rítmicas e normo foneticas (BNRNF), ausência de sopros. Abdome: não foi realizado o exame físico do abdome devido
3 Caso Clínico Trata-se de J.L.S., 28 anos, sexo masculino, faiodermo, solteiro residente em Contagem – MG, admitido em um hospital municipal da região metropolitana de Belo Horizonte vítima de Perfuração por Arma de Fogo (PAF). História da Moléstia Atual: Paciente apresentou lesões em mão esquerda, ombro e região
às condições do paciente: ferida operatória (laparotomia), dreno tubular em região epigástrica. Habito urinário preservado. Habito intestinal: utilização de bolsa de colostomia. Membros: acesso venoso periférico em membro superior esquerdo. Extremidades hipotérmicas e perfusão capilar normal (3 segundos).
para lombar direitos (nível de L5 ao RX). História Familiar: Nega qualquer tipo de doenças hereditárias e / ou crônicas na família.
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES
História Pregressa: Nega ser portador de Hipertensão Arterial e
O paciente acompanhado apresentou lesões por projétil de
Diabetes Mellitus. Moradia: Reside em uma casa (barraco) nos
arma de fogo, que é o tipo mais comum de trauma penetrante
fundos da casa da tia.
de abdômen (ONOFRE; TORRES; AGUILAR, 2006). Segundo Ri-
Em 20/01/2011, o paciente foi submetido à laparotomia exploradora de emergência onde encontrou-se lesões de delgado
bas-Filho, et al (2008), as vísceras mais atingidas nesses casos são intestino delgado, seguido de cólon, fígado e rins.
e sigmóide que foram rafiadas e lesões de ureter D que levaram
“Os ferimentos abdominais por arma de fogo comportam
à ureterectomia e anastomose após passar cateter duplo J. Foi
uma taxa de lesão interna de até 97% [...] deste modo, a lapa-
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 141
rotomia exploradora é mandatória neste tipo de trauma, para o controle de sangramentos e contaminação intestinal.” (JUNIOR; LOVATO; CARVALHO; HORTA, 2007).
da mucosa do trato intestinal (TRABULSI; ALTERTHUM, 2005). A infecção causada por essa bactéria multirresistente está associada com significante morbimortalidade. Devido à resistên-
Esta cirurgia consiste na abertura do abdome, tendo como
cia a numerosos agentes antimicrobianos, o tratamento pode
finalidade sua exploração exame e/ou tratamento. O procedi-
ser desafiador, pois há uma limitada opção de tratamento dispo-
mento consiste na realização de uma incisão mediana xifopu-
nível. Os carbapenêmicos (Imipenem e Meropenem) geralmente
biana que permite o acesso à cavidade peritonial. Após esse
se mostram seguros e eficazes (TRABULSI; ALTERTHUM, 2005).
acesso, faz-se a evisceração do intestino para avaliação e repa-
O tratamento para sepse abdominal é prioritariamente cirúr-
ração de danos (JÚNIOR; LOVATO; CARVALHO; HORTA, 2007).
gico e visa controlar a fonte de infecção, remover e drenar seus
Segundo Junior, Lovato, Carvalho e Horta (2007) a lapa-
produtos, aliado a antibioticoterapia e suporte ventilatório que
rotomia é indicada também nas seguintes situações durante a
promovem um estado hemodinâmico adequado (INAGUAZO;
evolução de pacientes com ferimentos penetrantes: instabilida-
ASTUDILLLO, 2002).
de hemodinâmica, sinais evidentes de irritação peritoneal, lesão
Neste caso, como abordagem cirúrgica foi realizada em
de víscera oca, sangramento evidente e hipotensão recorrente
J.L.S. peritoneostomia com confecção de Bolsa de Bogotá para
apesar da reposição de fluidos.
tratamento da infecção intra-abdominal.
Alguns indivíduos podem evoluir para sepse abdominal de-
A Bolsa de Bogotá é uma técnica utilizada para cobrir tem-
pendendo de fatores como: condições gerais, conteúdo intesti-
porariamente a cavidade abdominal com o objetivo de promo-
nal no momento da lesão, tempo decorrido entre o ferimento e
ver o seu fechamento mais precocemente. De acordo com Dru-
o tratamento recebido, choque ou instabilidade hemodinâmica,
mond (2010) a utilização desde dispositivo é indicado devido
grau de contaminação peritoneal, lesão do cólon e de múltiplos
ao baixo custo, proteção adequada da cavidade abdominal e
órgãos (JUNIOR, 2002).
por permitir a visualização de acúmulo de sangue e secreção na
O termo “sepse ou septicemia designa a presença de organismos e de lipolissacarídeo bacteriano – LPS (endotoxinas) no sangue e associa-se mais frequentemente a infecção por bactérias gram-negativas” (PORTH; KUNERT, 2004, p. 548).
cavidade, além de evitar o aumento da pressão intra-abdominal causado pelo edema das alças intestinais. Sua confecção consiste no posicionamento de um grande plástico sobre a parede abdominal aberta sem fixação. Sobre
Quando uma infecção bacteriana grave leva a essa condi-
este plástico, é colocado um dreno para aspiração contínua, e
ção, os níveis de citocinas circulantes aumentam e a forma do
em seguida outro plástico deve ser suturado à pele utilizando fio
hospedeiro responder é alterada, uma vez que o LPS estimula
de nylon, garantido que a bolsa fique presa sobre o abdômen
diretamente a liberação de diversas citocinas, tais como inter-
(DRUMOND, 2010).
leucina 1 (IL-1) e fator de necrose tumoral (TNF) além de ativar
Algumas complicações decorrentes da utilização deste mé-
diretamente os macrófagos (ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2008).
todo são: evisceração, dificuldade de mobilização do paciente,
As alterações sistêmicas observadas nesses pacientes, al-
surgimento de fístulas devido à aderência das vísceras ao peri-
gumas vezes denominadas Síndrome de Resposta Inflamatória
tônio e a retração da fáscia se as bordas da parede abdominal
Sistêmica - SIRS são reações a essas citocinas: neutrofilia, febre
não se aproximarem após um período de sete a dez dias (DRU-
e elevação nos reagentes de fase aguda no plasma que pode
MOND, 2010).
resultar em coagulação intravascular disseminada (ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2008).
Com a ocorrência de sepse, ocorre aumento da proteólise muscular esquelética, mobilização de aminoácidos da periferia
O microrganismo identificado no paciente em estudo, iso-
para as vísceras para gliconeogênese, além do aumento de ca-
lado na cultura coletada em 11/02/2011 – Klebsiella pneumo-
tabolismo em 3 a 5 vezes. Por isso, é necessário a implantação
niae – é um bastonete gram-negativo anaeróbico facultativo da
de uma terapia nutricional efetiva para preservar ou recuperar o
família enterobacteriaceae (entérica) que faz parte da microbiota
estado nutricional e as reservas corporais do paciente além de
endógena do cólon intestinal (TORTORA; CASE, 2000).
diminuir o hipercatabolismo evitando, assim, um quadro de des-
Numerosos fatores de virulência têm sido descritos na Klebsiella sendo o principal a cápsula extracelular que cobre a super-
nutrição que leva ao agravamento do estado geral do paciente (MARTINS; CARDOSO, 2000).
fície da bactéria protegendo-a da fagocitose. Além da cápsula,
O manejo nutricional desses pacientes é complexo e, ao
há por volta de 5 antígenos somáticos e adesinas - como as
estimar as suas necessidades deve ser levado em considera-
fimbrias - que mediam a ligação do microorganismo nas células
ção fatores diversos como resposta ao estresse, processo de
142 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
cicatrização e infecções associadas (VELAZQUEZ; et al, 2007).
hematúrias, sangramento gengival, ferida operatória ou catete-
Quando o trato intestinal não pode ser utilizado de maneira
res, derrame de esclerótica, petéquias, hematoma e enterorra-
segura e efetiva, é indicado a nutrição parenteral (NP) que é o
gias; utilizar decúbito a 45º; controle rigoroso do gotejamento
fornecimento de nutrientes por via endovenosa. Essa via deve
dos soros, drogas vasoativas e hemoderivados; profilaxia de
ser utilizada em pacientes com sepse devido ao alto catabolis-
trombose venosa profunda; atentar para a integridade da pele
mo e, assim, tentar melhorar as condições nutricionais e imuno-
e das mucosas: edemas, hiperemia, icterícia, lesões ou palidez;
lógicas do paciente. Concomitantemente pode-se iniciar dieta
avaliação quanto a possibilidade de mudança de decúbito a
enteral (se o paciente não apresenta íleo paralítico) pela sonda
cada duas horas; manter precaução de contato; monitorização
de jejunostomia, reduzindo-se assim a chance de translocação
cardíaca: atentar às alterações do traçado; observar distensão
bacteriana. Após a adequação da dieta enteral em relação as
abdominal; administração de medicamentos seguindo os horá-
necessidades energéticas e proteicas do paciente retira-se a NP
rios prescritos; atentar para controle da administração da dieta e
(WAITZBERG, 2009).
verificar a fixação da sonda; limpeza da região em volta da bolsa
A via enteral apresenta algumas limitações como distúrbios de motilidade intestinal devido ao edema, diminuição da absor-
de bogotá. Esses cuidados foram dispensados ao paciente permitindo a melhora de seu quadro clínico.
ção pela isquemia das vísceras e alteração no transporte intra-
Para prestar uma adequada assistência de enfermagem ao
celular. Apesar de todos esses fatores limitantes, deve-se tentar
paciente em questão, elaborou-se um plano de cuidados com
priorizar esta opção devido aos benefícios principalmente no pa-
os principais diagnósticos de enfermagem a fim de fornecer cui-
pel à ressposta inflamatória sistêmica (VELAZQUEZ; et al 2007).
dados integrais e individuais a ele baseando-se na sistematiza-
Segundo Inaguazo e Astudillo (2009) existem duas estra-
ção da assistência de enfermagem – SAE.
tégias atualmente disponíveis para o tratamento das infecções
A SAE constitui um meio para o enfermeiro aplicar seus
intra-abdominais: a utilização do abdome aberto (bolsa de bo-
conhecimentos técnico-científicos, caracterizando sua prática
gotá) ou a lavagem diária da cavidade peritoneal até a esteriliza-
profissional. É através do processo de enfermagem - PE que
ção da mesma aliado à antibioticoterapia que utiliza esquemas
as ações são desenvolvidas visando assistência ao ser humano
de amplo espectro visando gram-positivos, gram-negativos e
(TANNURE; GONÇALVES, 2010).
anaeróbios (NETO, et al. 2007).
De acordo com as autoras, o PE é dividido em quatro fases
Foram utilizados no paciente diversos esquemas de antimi-
que, primeiramente, identifica os problemas do paciente através
crobianos variando de acordo com a persintência ou reicidiva de
da investigação do caso e em uma segunda fase, evidencia as
infecção, foi administrado metronidazol da classe dos imidazóis
suas necessidades ao formular os diagnósticos de enfermagem
sendo um anaerobicida de primeira escolha que altera a perme-
adequados ao paciente. Em um terceiro momento, com o plane-
abilidade celular das bactérias, mostrando muita eficácia por via
jamento, são traçados os resultados esperados a partir dos pro-
oral, ampicilina uma penicilina semi-sintética, vancomicina um
blemas reais ou potencias e na implementação são prescritas
antimicrobiano da classe dos betalactâmicos, glicopeptídicos e
ações para que os resultados esperados sejam atingidos. Por
meropenem um betalactâmico carbapênico de largo espectro
fim, a fase de avaliação consiste em perceber e contabilizar as
todos atuam inibindo a síntese da parede celular bacteriana.
respostas do cliente às intervenções de Enfermagem.
Além destes, a oxacilina uma penicilina semi-sintética betalac-
Cada indivíduo reage de uma maneira ao ambiente em que
tamase, gentamicina um antimicrobiano da classe aminoglico-
está inserido, e por isso, o cuidado de enfermagem deve ser
sídeos que inibe a síntese protéica bacteriana e ceftriaxona da
uma ação planejada, individualizada, deliberada do enfermeiro
classe cefens betalactâmicos e subclasse cefalosporina de ter-
resultante da percepção, observação e analise da condição do
ceira geração (TORTORA, 2000).
paciente.
De acordo com o Instituto Neurológico, Cardiológico e de
Diante do que foi exposto, foram elaborados alguns diag-
Terapia Intensiva (2010), os principais cuidados de enfermagem
nósticos e prescrições de enfermagem relacionados ao estado
em relação ao paciente com sepse são: avaliação do padrão
de saúde do paciente em questão visando minimizar os descon-
respiratório, saturação de oxigênio, coloração da pele; solicita-
fortos vivenciados pelo mesmo. Os referidos diagnósticos são
ção do laboratório, quando necessário, coleta de amostra para
descritos a seguir:
exames laboratoriais e culturas; controle do balanço hídrico, si-
1. Integridade da pele prejudicada relacionada com fa-
nais vitais e PAM (65mmHg); observar sinais de sangramento:
tores mecânicos (PAF) caracterizado por invasão de estru-
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 143
turas do corpo e destruição de todas as camadas da pele,
dade, desconforto, desnutrição diminuição da massa mus-
seguido de perfuração do peritônio com lesão em intestino
cular, dor, medicamentos e metabolismo celular alterado
delgado e cólon (NANDA, 2010).
caracterizado por amplitude limitada de movimento, capa-
1.1 Resultado esperado:
cidade limitada para desempenhar as habilidades motoras
O paciente apresentará melhora da integridade de pele
e dificuldade para mover-se.
após 60 dias. Prescrições de enfermagem: Fazer higiene no local da ferida operatória, inserção do dreno e acesso venoso quatro vezes ao dia avaliando a cor e odor
4.1 Resultado esperado: O paciente apresentará melhora da mobilidade física após 30 dias. Prescrições de enfermagem:
da ferida e se há presença de secreção, anotar e comunicar
Realizar massagem de conforto nos membros superiores e
qualquer alteração. Cuidado a ser realizado pelo técnico de en-
inferiores 1 vez ao dia no mínimo. Cuidado a ser realizado pelo
fermagem ou enfermeiro;
enfermeiro.
Utilizar coxins e travesseiros para aliviar as áreas de proemi-
Realizar exercícios passivos nos membros. Fazer os exercí-
nências ósseas do trocanter, tornozelo e calcâneo. Cuidado a
cios lentamente, para permitir que os músculos tenham tempo
ser realizado pelo Técnico de Enfermagem.
de relaxar e apoiar extremidades acima e abaixo da articulação para prevenir lesões nas articulações e nos tecidos. Cuidado a
2. Dor aguda relacionada a perfuração abdominal por
ser realizado pelo enfermeiro.
arma de fogo com o desenvolvimento de sepse caracterizada por relato verbal da dor, taquipnéia (21 irpm), taquicardia (103 bpm) e expressão facial de dor.
5. Nutrição desequilibrada: menos que as necessidades corporais relacionada à capacidade prejudicada de
2.1 Resultado esperado:
absorver alimentos caracterizada por lesão abdominal,
O paciente apresentará diminuição da intensidade da dor
relato de ingestão inadequada de alimentos menor que a
(relatando uma pontuação menor do que 10 na escala de avaliação da dor) em até 1 hora. Prescrições de enfermagem: Administrar medicamento analgésico conforme a prescrição médica e avaliar se houve melhora do quadro. Cuidado a ser realizado pelo técnico de enfermagem. Manter o paciente em posição confortável e observar melhora do quadro. Cuidado a ser realizado pelo técnico de enfermagem.
PDR e mucosas pálidas. 5.1 Resultado esperado: O paciente apresentará melhora da nutrição desequilibrada após início da dieta por via oral, enteral ou parenteral. Prescrições de enfermagem: Encaminhar para nutricionista avaliar o quadro e solicitar à equipe médica a prescrição de dieta enteral em até 24 h. Checar as solicitações. Cuidado a ser realizado pelo enfermeiro. Verificar se a sonda (jejunostomia) está fixada corretamente
3. Hipertermia relacionada ao processo inflamatório (sepse), aumento da taxa metabólica, desidratação e ex-
e se a dieta está sendo administrada corretamente. Cuidado a ser realizado pelo enfermeiro.
posição a ambiente quente caracterizado por taquicardia (103 bpm) e aumento da temperatura corporal (38,5ºC). 3.1 Resultado esperado: O paciente apresentará normalização da temperatura corporal em até 1 hora. Prescrições de enfermagem: Administrar antipirético conforme prescrição médica e avaliar melhora do quadro comunicando qualquer anormalidade ao enfermeiro. Cuidado a ser realizado pelo técnico de enfermagem. Fazer o controle dos sinais vitais avaliando possíveis alterações em FC, FR e no pulso. Cuidado a ser realizado pelo enfermeiro. 4. Mobilidade física prejudicada relacionada a ansie-
5 CONCLUSÃO A perfuração intestinal por arma de fogo é um trauma muito comum e de difícil resolução, pois o derramamento do conteúdo intestinal no peritônio pode levar a complicações como a sepse e isso requer uma série de cuidados intensivos de enfermagem para evitar maiores complicações que podem levar o paciente a óbito. Após três meses de internação pode-se observar melhora do quadro clinico do paciente que já estava se alimentando por via oral, não sentia dor e deambulava pela enfermaria assumindo ações para seu autocuidado. As intervenções aplicadas no tratamento do paciente estudado foram de suma importância para a recuperação o que
144 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
culminou na alta hospitalar. Conseguiu-se o controle da infecção intra-abdominal, com o uso da bolsa de Bogotá, um método com risco de complicações e com elevados índices de mortalidade não apenas devido à utilização da cirurgia, mas também a complicações locais ou gerais devidas à gravidade desse tipo de paciente. 6 REFERÊNCIAS ABBAS, A.K.; LICHTMAN, A.H.; PILLAI, S. Imunologia celular e molecular. 6. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. 564 p.
frequentes do sistema digestório e suas causas. ABCD, Arquivo Brasileiro de Cirurgia Digestiva. [online], São Paulo, v. 21, n. 4, out/ dez. 2008, p. 170-174. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S0102-67202008000400004> Acesso em: 10 abr. 2011. SANCHES, S.; DUARTE, S.J.H.; PONTES, E.R.J.C. Caracterização das Vítimas de Ferimentos por Arma de Fogo, Atendidas pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência em Campo Grande-MS. Saúde e Sociedade, São Paulo, v.18, n.1, 2009, p.95-102. Disponível em: <ttp:// www.scielo.br/pdf/sausoc/v18n1/10.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2011.
DIAGNÓSTICOS de Enfermagem da NANDA: definições e classificação 2009/2011. Porto Alegre: Artmed, 2010. xi, 452 p.
SANTOS JUNIOR, J.C.M. Lesões Penetrantes traumáticas e Iatrogênicas do Intestino Grosso. Revista Brasileira de Coloproctologia, São Paulo, v. 22, n. 2, p.121-132, 2002.
DIRETRIZES assistenciais: sepse. São Paulo: INETI - Instituto Neurológico, Cardiológico e de Terapia Intensiva, [4--]. 8 p., 2010. Disponível em: <http://www.sbcp.org.br/revista/nbr222/9121132.htm>. Acesso em: 25 abr. 2011.
SOUZA, E.R. Masculinidade e violência no Brasil: contribuições para a reflexão no campo da saúde. Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 10, n. 1, 2005, p. 59-70.
DRUMOND, D.A.F. Fechamento de laparostomia com descolamento cutâneo-adiposo: uma técnica simples e eficaz para um problema complexo. Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgia, Rio de Janeiro, v.37, n. 3, mai/jun. 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S0100-6991201000030000 >. Acesso em: 19 abr. 2011. INAGUAZO, D.S.; ASTUDILLLO, M.J.A. Abdomen abierto en la sepsis intraabdominal severa: ¿Una indicación beneficiosa?. Revista Chilena de Cirurgia [online]. 2009, vol.61, n.3, p. 294-300. Disponível em: <http:// www.scielo.cl/pdf/rchcir/v61n3/art14.pdf>. Acesso em: 12 abr. 2011. MARTINS, C.; CARDOSO, S.P. Terapia nutricional enteral e parenteral: manual de rotina técnica. Curitiba: Nutroclínica, 2000. 445 p. NETO, J.R.T.; et al. Uso da peritoneostomia na sepse abdominal. Revista Brasileira de Coloproctologia, Sergipe, v.27, n. 3, mar/jun, 2007, p. 278-283. Disponível em: <http://www.sbcp.org.br/pdfs/27_3/05.pdf> Acesso em: 12 abr. 2011. ONOFRE, J.A.P.; TORRES, L.G.; AGUILAR, J.M.S. Trauma abdominal penetrante. Cirugía y Cirujanos, México, v. 74, n. 6, nov/dez 2006, p. 431-442 . Disponível em: <http://redalyc.uaemex.mx/pdf/662/66274605. pdf> Acesso em: 10 abr. 2011.
TANNURE, M.C.; GONÇALVES, A.M.P. SAE: sistematização da assistência de enfermagem : guia prático . 2. ed. - Rio de Janeiro: Guanabara Koogan: LAB, 2010. 298 p. TORTORA, G.J.; CASE, C.L. Microbiologia. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2000. 827 p. TRABULSI, L.R.; ALTERTHUM, F. Microbiologia, 4. ed. São Paulo: Atheneu (Biblioteca Biomédica), 2005 VELAZQUEZ, J.; et al. Soporte nutricional en pacientes con abdomen abierto. Nutrição Hospitalar. [online], Venezuela, v. 22, n.2, mar. 2007, p. 217-222. Disponível em: <http://scielo.isciii.es/pdf/nh/v22n2/original3.pdf > Acesso em: 10 abr. 2011. WAITZBERG, D.L. Nutrição oral, enteral e parenteral na prática clínica. 4.ed. São Paulo: Atheneu, 2009. 2 v.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Mestre em Enfermagem. Especialista em Nefrologia e Terapia Intensiva. Docente do Curso de Enfermagem do Centro Universitário Newton Paiva. Endereço eletrônico: tatiana.bedran@newtonpaiva.br 2 Acadêmicos do Curso de Enfermagem do Centro Universitário Newton Paiva
PEREIRA JUNIOR, G.A.; LOVATO, W.J.; CARVALHO, J.B.; HORTA, M. F.V. Abordagem Geral Trauma Abdominal. Medicina, Ribeirão Preto, v. 4, n. 40, p. 518-30, out/dez. 2007. Disponível em: <http://www.fmrp.usp. br/revista>. Acesso em: 19 abr. 2011. PORTH, C.M.; KUNERT, M.P. Fisiopatologia. 6. ed. Rio de Janeiro: 7 Letras 2004. 1451p. RIBAS-FILHO, J.M.; et al. Trauma abdominal: estudo das lesões mais PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 145
CONTRIBUIÇÃO DA INTEGRAÇÃO DOS DADOS DE LEVANTAMENTO A LASER, AEROFOTOGRAMETRICOS E LEVANTAMENTOS TOPOGRAFICOS Francisco Chagas Lopes1 Gilberto de Alcântara Lopes1 Ronie da Silva Procópio1 Sidnei dos Anjos Silva1
RESUMO: Para que um projeto de implantação ou ampliação de um empreendimento seja realizado com sucesso é preciso um estudo sobre a região escolhida. As informações sobre os principais aspectos e características desta região, que podem ser adquiridas através de levantamentos topográficos realizados de modo convencional ou á laser e aerofotogrametria, serviços estes que tem crescido muito, principalmente na prestação de serviços para as mineradoras. É no campo da mineração que se pretende aprofundar essa pesquisa. Assim, este trabalho de conclusão de curso descreverá as técnicas e os equipamentos utilizados, colocando em evidencia as contribuições, os benefícios, as desvantagens que estes serviços proporcionam, demonstrando exemplos reais, comparações, questionamentos e conclusões encontradas no período desta pesquisa. Palavras-chave: Aerofotogrametria. Laser. Topografia
INTRODUÇÃO
A topografia está subdividida em levantamentos topográfi
Devido à necessidade e à importância de se apresentar planejamentos de futuros projetos, pesquisas e estudos para
cos. Sendo eles classificados no item 2.2 a seguir.
exploração, as mineradoras estão utilizando tecnologias como levantamentos aerofotogramétricos e laser scanner de forma integrada ao levantamento topográfico convencional para atender as exigências dos investidores. A integração dessas tecnologias é de fundamental impor-
LEVANTAMENTOS TOPOGRÁFICOS. De acordo com a NBR 13133 (ABNT, 1994, p. 3), norma brasileira para execução de levantamento topográfico, o levantamento topográfico é definido por:
tância para o desenvolvimento e o planejamento do empreendi-
“Conjunto de métodos e processos que, através de me-
mento, pois podem-se manter atualizados os dados de campo
dições de ângulos horizontais e verticais, de distâncias
ou áreas de exploração.
horizontais, verticais e inclinadas, com instrumental adequado à exatidão pretendida, primordialmente, implanta
REFERENCIAL TEÓRICO
e materializa pontos de apoio no terreno, determinando suas coordenadas topográficas. A estes pontos se rela-
TOPOGRAFIA
cionam os pontos de detalhe visando a sua exata repre-
Topografia é a ciência baseada na geometria e trigo-
sentação planimétrica numa escala pré-determinada e à
nometria plana que se utiliza de medidas horizontais e
sua representação altimétrica por intermédio de curvas
verticais com a finalidade de se obter a representação
de nível, com equidistância também pré-determinada e/
em projeção ortogonal sobre um plano de referencia
ou pontos cotados.”
dos pontos capazes de representar a forma dimensão e acidentes naturais e artificiais de uma porção limitada
É conveniente ressaltar que os levantamentos planimétricos
do terreno detalhando os elementos existentes e va-
e/ou altimétricos são definidos e executados em função das es-
riações altimétricos acidentes topográficos. (SARAIVA,
pecificações dos projetos. Assim, um projeto poderá exigir so-
2002, p. 14)
mente levantamentos planimétricos, ou, somente levantamentos altimétricos, ou ainda, ambos os levantamentos e para a reali-
146 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
zação desses levantamentos topográficos é necessário a utilização de equipamentos topográficos, tais como estação total, níveis etc.
LEVANTAMENTO COM LASER SCANNER Considerando a definição de sensoriamento remoto apresentada anteriormente, o laser é um equipamento que captura informações sobre altura dos objetos na superfície sem entrar
EQUIPAMENTOS TOPOGRÁFICOS
em contato com os mesmos. Assim, é uma das ferramentas de
Podem-se classificar os atuais equipamentos topográficos como modernos. Os equipamentos de topografia mais utilizados
sensoriamento remoto e pode ser encontrado para levantamentos terrestres ou aéreos.
atualmente tem sofrido constante evolução, pode-se destacar o
Os dois sistemas terrestre e aéreo obtém os dados de es-
apogeu alcançado na década de 60 quando os equipamentos
caneamento e imagem através de um processo automático de
medidores eletrônicos de distância começaram a ser comumen-
determinação da distância entre o objeto e o scanner através
te usados. Certamente eram os melhores equipamentos dispo-
da velocidade e tempo de partida e chegada do pulso enviado.
níveis para a época. (MCCORMARC, 2007).
Esse processo gera produtos como modelo digital do terreno texturizados e imagens para compor uma base de dados para
ESTAÇÃO TOTAL
analise e avaliação geotécnica em áreas de mineração.
Estação total é um equipamento de topografia que atra-
Para completar o sistema Laser Scanner restam os progra-
vés dos seus métodos e processos de medições possibilita
mas para descarga dos dados brutos do Laser, GPS e da medi-
aos técnicos obterem bons resultados, pois esse equipa-
ção inercial e dos programas de processamento destes dados
mento trabalha com medições angular horizontal e vertical,
para obtenção do produto final como diferença de nível e curvas
com distância horizontal vertical e inclinada. Elas permitem
de nível.
executar diversos tipos de levantamentos como levantamento planialtimétrico para a determinação da altimétria e defini-
LEVANTAMENTO AEROFOTOGRAMÉTRICO
ção do relevo do terreno, e o levantamento planimétrico que
A Fotogrametria é a ciência e tecnologia de se obter in-
consiste em determinar a planimétria de certos objetos visí-
formações seguras sobre objetos físicos e do meio ambiente,
veis e conforme a sua finalidade e o levantamento altimétrico
através de processo de registro, medição e interpretação das
que consiste apenas na determinação de alturas relativas a
imagens fotográficas. A aerofotogrametria refere-se ás opera-
um plano de referência que também pode ser chamado de
ções realizadas com fotografias da superfície terrestre, obtidas
nivelamento.
por uma câmara de precisão com o eixo ótico do sistema de lentes mais próximo da vertical e montada em uma aeronave
SENSORIAMENTO REMOTO
preparada para este fim.
Pode-se chamar de sensoriamento remoto o conjunto de
A ortorretificação tem como finalidade corrigir as distor-
técnicas que permitem observar e obter informações sobre a
ções fotográficas ocasionadas pelo relevo, transformando as-
superfície terrestre, ou de qualquer outro astro, através de sen-
sim a imagem fotográfica de uma projeção cônica para uma
sores instalados em satélites artificiais, aeronaves e até mesmo
projeção ortogonal, mantendo a constância da escala em toda
balões. As técnicas de sensoriamento remoto caracterizam-se
a imagem ortorretificada.
pela separação física (distância) entre o sensor e o objeto de estudo, que está na superfície do astro observado.
MINERAÇÃO
As informações captadas pelo sensoriamento remoto po-
A mineração é indispensável na atividade industrial para
dem ser processadas digitalmente por equipamentos modernos
a manutenção do nível de vida e avanço das sociedades mo-
e resultam em imagens bastante precisas. A escala da imagem
dernas em que vivemos. Afirma-se que têm origem na ativida-
obtida é limitada pela sensibilidade do sensor utilizado. Os prin-
de mineraria: os objetos metálicos, cerâmicas, combustíveis,
cipais sensores utilizados baseiam-se em comprimentos de on-
plásticos, os insumos utilizados nos equipamentos elétricos e
das do espectro visível e em raios infravermelhos.
eletrônicos, computadores, cosméticos, passando até pelas
Neste trabalho de conclusão de curso serão abordados os
construções de estradas e outras vias de comunicação. Assim,
dois sistemas de captura de informações com sensores remo-
sem a mineração o mundo globalizado não existiria, fato este
tos, são eles o levantamento a laser scanner e o levantamento
que passa despercebido à maioria da sociedade.
aerofotogramétrico.
Entre a fase de pesquisa e o início da exploração podem decorrer vários anos ou mesmo décadas, sendo os investimentos PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 147
necessários nesta fase muito elevados (podendo ser da ordem
zação de áreas onde não se podem explorar tais como, as áreas
das centenas de milhões de reais) e o seu retorno não assegura-
de preservação permanente e de reserva legal.
do, o que ilustra bem o risco associado a esta atividade.
O laser scanner é uma tecnologia inovadora na técnica de
Enfim podemos dizer que a Mineração é a atividade que
determinação de MDT modelo de terreno digital. Ele apresenta
tem por objeto pesquisar, descobrir e transformar os recursos
de forma rápida e abrangente as coletas de dados principalmen-
minerais em benefícios econômicos e sociais.
te em áreas cobertas por vegetação onde os métodos conven-
O Brasil ocupa posição de destaque nesse cenário pela riqueza da sua geodiversidade, presença de mão de obra especializada em diversos níveis e marcos legais estáveis e seguros para os investimentos.
cionais como fotogrametria e levantamentos com estação total encontram dificuldades. A integração dos dados de levantamentos fotogramétricos e laser scanner com os levantamentos topográficos convencionais
Diante deste contexto, este trabalho tem por objetivo apre-
servem também como conferência mutua entre os levantamentos
sentar a metodologia de levantamento de dados por três mé-
executados para área de exploração, tornando mais confiáveis os
todos diferentes e a importância desses métodos integrados
trabalhos. Portanto, nesse trabalho apresentar-se-ão o uso e as
dentro do cotidiano de uma mineração.
metodologias empregando essas três tecnologias.
JUSTIFICATIVA
METODOLOGIA
Todas as obras de mineração no subsolo e na superfície
A metodologia em questão direcionou-se para uma pesqui-
devem ser levantadas topograficamente e representadas em
sa de análise documental e bibliográfica porque está embasada
plantas adequadas. Para fins de elaboração dos corresponden-
em metodologia descritiva.
tes mapas e plantas todas as escavações subterrâneas e de superfície como poços, planos inclinados, galerias, chaminés,
COLETAS DE DADOS
áreas mineradas, áreas com movimentação de material, inclina-
A presente pesquisa não tem por objeto de trabalho a co-
ção dos taludes, drenagens, níveis de água, acidentes geográfi-
leta ou aquisição de dados de levantamentos topográficos de
cos, obras civis, construções na superfície e demais elementos
modo convencional ou sensoriamento remoto, mas a interpreta-
notáveis devem ser considerados.
ção e analise destes. Entretanto, na intenção de tornar mais cla-
Assim, é obrigatória a elaboração e a atualização periódica
ra ainda a proposta de trabalho, esclarece-se que nesta foram
dos mapas, plantas e desenhos. Atendendo a esta demanda,
empregados, os levantamentos topográficos, os dados de sen-
geralmente são realizados levantamentos topográficos conven-
soriamento remoto com informações pontuais tridimensionais e
cionais feitos com estação total. Entretanto, os levantamentos
dados formadores de imagens. Estes dados foram fornecidos
topográficos convencionais são limitados às pequenas áreas,
pela empresa Prisma.
por se tornar inviável para grandes áreas ou para áreas de densa vegetação, devido ao custo alto e o tempo que necessitam para
FONTES DE DADOS
serem realizados. Mesmo assim, eles são indispensáveis para
Nesta pesquisa utilizar-se-á como exemplo o Projeto de
se manter a mina atualizada, dando suporte à geologia com a
Viga, localizado no município de Congonhas – MG, pertencente
locação de furos de sondagem, cadastrando amostras, realizan-
à empresa de mineração Ferrous Resources do Brasil.
do levantamentos de lavras e de pilhas de minério, locação de acessos, batimetria e outros. Já, os levantamentos aerofotogramétricos são levantamentos feitos a bordo de uma aeronave com apoio de pontos ou marcos em terra. Eles são denominados como voo apoiado. Essa tecnologia surgiu após a primeira guerra mundial e per-
A Ferrous Resources do Brasil Ltda. é uma empresa brasileira, criada em 2007, para a pesquisa, prospecção, exploração, beneficiamento e comercialização de minério de ferro, nos mercados interno e externo. Os seguintes materiais compõem este trabalho de conclusão de curso:
mitiu que as cartas topográficas fossem atualizadas em menor
- Os dados levantados pela empresa ESTEIO ENGENHARIA
tempo. Esse levantamento permite uma visualização de toda
E AEROLEVANTAMENTOS S.A., que oferece serviços de aerole-
área levantada e assim, se fazerem planejamentos, estudos e
vantamentos utilizando-se das mais modernas tecnologias.
viabilizar custos para mineração devido à qualidade, precisão e agilidade. A fotogrametria também auxilia nos levantamentos
-
Os dados obtidos com o levantamento de modo conven-
cional e a laser scanner pela empresa PRISMA.
topográficos convencionais como meio de conferência e locali148 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
ANALISE DOS DADOS
4. Processamento fotográfico. 5. Determinação de pontos fotoidentificáveis para o apoio
LEVANTAMENTO TOPOGRÁFICO MODO CONVENCIONAL Em resumo, o levantamento topográfico realizado de modo
de campo. 6. Levantamento de campo.
convencional em campo, apresenta-se a seguinte metodologia:
7. Aerotriangulação.
Em um marco estaciona-se a estação total, a orientação é feito
8. Restituição.
em outro marco mais próximo onde se tem uma boa visão para
O tempo necessário para realizar este trabalho, baseia-se em
fazer a leitura, assim inicia-se a poligonal que pode ser fechada
um cronograma onde apresenta-se uma margem de dias para
ou apoiada em outros dois marcos que também tem as coorde-
cada etapa, chegando-se a um tempo total de quatro meses.
nadas conhecidas, nesse tipo de levantamento executado em
Os levantamentos citados acima foram realizados para
cava ou em pilha de minério, com esta metodologia levanta-se
atender as necessidades do empreendimento, no caso o Projeto
aproximadamente dois mil e duzentos pontos ao dia, com uma
Mina de Viga, com o intuito de gerar informações para o banco
média de 15,3 hectares a cada cinco dias de trabalhados.
de dados da mineração, disponibilizando estas para profissionais responsáveis por diversas atividades na mina.
LEVANTAMENTO TOPOGRÁFICO LASER SCANNER Para a realização do levantamento através do laser scanner
CONCLUSÃO
utiliza-se de coordenadas de referencia, fornecidas pelos mar-
Diante do que foi apresentado neste Trabalho de Conclusão
cos existentes ou implantados para a ocasião. Estas coordena-
de Curso pode-se concluir que todas as três tecnologias de ob-
das são utilizadas para amarração das medições.
tenção de informações são complementares e não concorrentes.
O levantamento inicia-se com a instalação de um dos re-
O que define qual tecnologia se deve usar é o tamanho da
ceptores de GNSS (GPS, modo RTK), em um marco de coorde-
área a ser levantada, o tempo necessário para a execução do
nadas conhecidas, definido como BASE. Outro receptor deno-
levantamento e o preço.
minado como ROUVER é acoplado ao aparelho laser que está
A integração dos dados de levantamentos fotogramétricos e
instalado em um veículo, que por sua vez percorre toda a área
laser scanner com os levantamentos topográficos convencionais
realizando varreduras, a cada varredura é coletado pelo rouver
se mostra bastante interessante principalmente no que diz respeito
um ponto com coordenadas corrigidas pela Base em tempo
a prazos de execução, detalhamento nas informações, que com-
real, após a conclusão do processo de varreduras, os dados são
plementam e facilitam a execução dos projetos de engenharia.
direcionados ao escritório, onde os mesmos são processados e analisados. Concluído estas etapas, é gerado um produto final de acordo com a solicitação do cliente. O levantamento a laser pode ser realizado também com estação total para fazer a amarração das varreduras, seguindo a metodologia citada no item 3.3.1. Para um levantamento de um trecho de 2580 m (dois mil e quinhentos e oitenta) metros de comprimento e aproximadamente 40 metros de largura, em um tempo de 06h39min. Para o levantamento deste trecho, foram realizadas 87 (oitenta e sete) varreduras com o scanner, na posição vertical, somando um total de aproximadamente 40.155.164 (quarenta milhões cento e cinquenta e cinco mil e cento e sessenta e quatro) pontos coletados. ORTOFOTO Para obter-se uma ortofoto é necessário executar algumas etapas: 1. Projeto fotogramétrico e plano de voo. 2. Pré-sinalização de alvos. 3. Vôo e tomada dos fotogramas.
REFERÊNCIAS ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR 13.133. Execução de Levantamento Topográfico. Rio de Janeiro, 1994. ANTUNES.C. Levantamentos Topográficos, Apontamentos de Topografia. 1995, 129p. Tese, Engenharia geográfica, Departamento de Matemática. Faculdade de ciências, Universidade de Lisboa. http://www.brasilminingsite.com.br/includes/modulos/mdl_headline/exibir_headline.php?id=1980 - Acessado em: 20/05/2011 ás 20h38min. FIGUEIREDO, Divino. Conceitos Básicos de Sensoriamento Remoto. São Paulo, 2005. Disponível em: < http://www.conab.gov.br/conabweb/download/SIGABRASIL/manuais/conceitos_sm.pdf>. Acesso em: 12/04/2012 ás 20:00min. FONTES. L. C. A.A, Fundamentos da Aerofotogrametria, Aplicada a Topografia, 2005. Apostila, Técnicas de Geomensura, Universidade Federal da Bahia. Disponível em: http://www.topografia.ufba.br/nocoes%20 de%20aerofotogrametriapdf.pdf Acesso em: 05/05/2012 ás 20h15min. http://geomarco.com/htm/geologia/6.htm - Acessado em: 18/04/2012 ás 19h40min.
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 149
http://www.lidar.com.br - Acessado em: 20/04/2012
ás 19h05min.
MCCORMAC, JACK C.Topografia. Tradução Daniel Carneiro da Silva. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos Editora S.A., 2007. 391p. http://www.mme.gov.br/mme/galerias/arquivos/Artigos/Panorama_e_ desafios_do_setor_mineral_brasileiro.pdf - Acessado em: 16/05/2012 ás 19h12min. http://mundogeo.com/blog/2010/12/12/levantamento-topografico-na-mineracao/ - Acessado em: 09/04/2012 ás 20:30min. http://mundo-
geo.com/blog/1998/12/15/gps-na-topografia-de-mineracao/
-
Acessado em: 15/04/2012 ás 19h32min. OLIVEIRA, Marcelo Tuler; SARAIVA, Sérgio Luiz costa. FUNDAMENTO DA TOPOGRAFIA: topografia. 2ª ed. Belo horizonte: cefet, 2002. 262 p. (APOSTILA). RAFFO. J. MORATO. R. G. O NASCIMENTO DO SENSORIAMENTO REMOTO. Revista Geográfica, Disponível em:<http://geografia.uol.com. br/geografia/mapas-demografia/26/o-nascimento-do-sensoriamento-remoto-trata-se-de-uma-tecnica-145856-1.asp Acesso em 12/04/2012 ás 21h07min. http://www.revistamt.com.br/index.php?option=com_conteudo&task=v iewMateria&id=151 -Acessado em: 09/04/2012 ás 19:30min. STEFFEN, CARLOS A., INTRODUÇÃO AO SENSORIAMENTO REMOTO. Instituto Nacional de pesquisas Espaciais Divisão de Sensoriamento Remoto. Disponível em:<http:// www.inpe.br/unidades/cep/atividadescep/ educasere/apostila.htm. Acesso em 12/04/2012 ás 20h11min. VEIGA, Luis Augusto Koenig; ZANETTI, Maria Aparecida Z.; FAGGION, Pedro Luis, Fundamentos de Topografia. UFPR (Apostila), 2007. http://pt.wikipedia.org/wiki/Levantamentotopografico - Acessado em: 09/04/20121 ás 20:06min. http://pt.wikipedia.org/wiki/Minera%C3%A7%C3%A3o - Acessado em: 19/05/2012 ás 19h05min.
NOTA DE RODAPÉ 1 Alunos do curso de Engenharia de Agrimensura da Faculdade de Engenharia de Minas Gerais – FEAMIG.
150 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
GESTÃO DE REJEITOS DE MADEIRA NA CONSTRUÇÃO CIVIL: Impactos no Empreendimento Way Pampulha Andrew Motta Daher 1 Érika Silva Fabr2
RESUMO: A geração de rejeitos oriundos da construção civil promove severos impactos ao meio ambiente, quando depositados de maneira irregular, dado que certas empresas não possuem ainda um programa de gestão eficiente destes materiais. Sendo a indústria que mais recorre aos recursos naturais, destaca-se pelo volume de resíduos gerados. O gerenciamento ineficaz destas “sobras”, não implica somente em danos e a degradação ambiental, ao passo que se vê necessária à manutenção das áreas utilizadas como depósitos clandestinos. O presente trabalho propõe levantar o quantitativo de resíduos de madeira consumidos ao longo da execução do Empreendimento Way Pampulha, o volume gerado destes resíduos, bem como ressaltar a importância e os benefícios de um controle consciente destes materiais. Palavras-chave: Meio Ambiente, Resíduos da Construção Civil, Reciclagem, Sustentabilidade.
INTRODUÇÃO
biental, tendo em vista a otimização deste processo.
Qualquer sociedade seriamente preocupada com a questão do desenvolvimento sustentável deve colocar o aperfeiçoa-
LEGISLAÇÃO
mento da construção civil como prioridade (John, 2001, p. 34).
O destaque entre os elementos legislativos se da à Resolu-
Sendo a construção civil a área que mais recorre aos recur-
ção CONAMA nº 307, que leva em consideração as definições
sos naturais, logo, a indústria que mais fabrica resíduos durante
da Lei nº 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais), e prevê pena-
seu processo de desenvolvimento, provocando fortes impactos
lidades às instituições que agem desacordo com a legislação.
ambientas, é necessário ter um maior cuidado em relação a
É dever dos geradores1, gerenciarem de maneira eficaz estes
essa sobra encontrada nas obras.
resíduos2 indicando procedimentos para triagem, acondiciona-
Vulgarmente designado como entulho, os resíduos prove-
mento, transporte e destinação. A resolução também classifica
nientes da construção civil, seja ao longo do processo constru-
estes resíduos, dividindo-os em quatro classes de A a D cujo
tivo, reformas ou demolições, acarretam séries de problemas
critério é a disposição final do material.
ambientais quando simplesmente descartados em locais inapro-
Composta por materiais como alvenaria, concreto e ar-
priados, locais estes, que em sua totalidade não têm capacida-
gamassas, a classe A tem a tem fundamental importância no
de para receber o volume de resíduos diariamente depositados.
aspecto sustentável, visto que existe a possibilidade de reapro-
Custos referentes ao gerenciamento da deposição clandes-
veitamento pela atividade da construção civil destes resíduos,
tina, e ao não aproveitamento de grande parte dos “dejetos” são
por meio da produção de agregados para argamassas, guias,
transferidos ao custo social, tendo como consequência pilhas
aterros na própria obra ou então, pela disposição em aterros
de rejeitos que se tornam abrigo para vetores transmissores de
licenciados.
doenças e a degradação da paisagem urbana.
Dos resíduos que compõem a classe B temos as madeiras,
Muitos estudos já desenvolveram diversas formas do rea-
plásticos, metais e papéis. Todos eles são passíveis de reinser-
proveitamento de grande parte de resíduos de obras, mas deve-
ção no ciclo da construção civil, seja por forma de reaproveita-
mos analisar também a sobra da madeira, que é um dos recur-
mento como fonte energia (no caso da madeira), ou até mesmo
sos naturais mais importantes do mundo. Uma boa quantidade
por meio da reciclagem, tendo em vista os procedimentos espe-
da madeira é reaproveitada e retorna ao sistema construtivo.
cíficos de tratamento de cada material.
Contudo, ainda encontra-se uma quantidade expressiva de madeira que sai da obra como entulho.
Infelizmente, pela inexistência de uma tecnologia acessível, no âmbito econômico, os resíduos oriundos do gesso, que com-
Portanto o mecanismo para administração de resíduos da
põem a classe C, não são muito valorizados, haja visto a sua
construção civil deve colaborar para favorecer a qualidade am-
dificuldade de recuperação. Estudos indicam que tais resíduos
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 151
já são passíveis de reaproveitamento pela indústria de cimento
endimento em alvenaria estrutural, destaca-se a confiabilidade,
como insumo.
em que a qualidade e segurança da edificação são exigidas por
A classe D é destinada a resíduos perigosos, ou seja, re-
normas e feitas mediante ensaios de compressão a cada lote
síduos com características inflamáveis, corrosivas, reativas ou
de blocos. Destacam-se também os benefícios à sociedade e
toxicas, conforme NBR 10004. Destacam-se as tintas, óleos, sol-
ao meio ambiente, haja dito que edifícios executados com este
ventes, entre outros. Dada a impossibilidade de reaproveitamen-
tipo de alvenaria consomem menos madeiras, recurso natural
to destes materiais, a destinação desses resíduos deve atender
utilizado em fôrmas para vigas e pilares.
as normas específicas.
Estudos realizados por especialistas em construção com alvenaria de renomadas universidades brasileiras, como a Politéc-
NORMAS
nica da USP, Universidade Federal de São Carlos-SP, Federal
São as normas técnicas (NBRs) que indicam e estabele-
do Rio Grande do Sul, entre outras, comprovam que a alvenaria
cem os critérios para a manutenção final destes materiais. As
estrutural com blocos de concreto permite reduzir o custo das
seguintes normas técnicas tratam do procedimento correto para
obras em até 30% (em torres de até quatro pavimentos) e 15%
gerenciamento, da deposição correta em áreas apropriadas, da
(em torres com 20 pavimentos), com ganhos ambientais, por
classificação, e até mesmo do procedimento para implantação
praticamente não gerar rejeitos de canteiro e quase não utilizar
de um sistema eficaz de manutenção dos resíduos.
fôrmas e escoras de madeira (TAUIL, 2009).
NBR 10004:2004 Resíduos sólidos – Classificação. NBR 13230:2008 Embalagens e acondicionamentos plásticos recicláveis – Identificação e simbologia.
O consumo da madeira ao longo da execução do empreendimento em questão está associado às fôrmas gastas na fundação dos dois edifícios, piscinas, guarita e pórtico sobre mesma,
NBR 15112:2004 Resíduos da construção civil e resíduos
reservatório de água enterrado, escoramento, espaço gourmet
volumosos – Áreas de transbordo e triagem – Diretrizes para pro-
e barracões para áreas de vivência (almoxarifado, engenharia,
jeto; implantação e operação.
refeitório e vestiário).
NBR 15113:2004 Resíduos sólidos da construção civil e resíduos inertes – Aterros – Diretrizes para projeto, implantação e operação. NBR 15114:2004 Resíduos sólidos da construção civil –
Figura 1: A - Empreendimento Way Pampulha – Almoxarifado, Engenharia e Refeitório (Mar.2011)
Áreas de reciclagem – Diretrizes para projeto, implantação e operação. NBR 15115:2004 Agregados reciclados de resíduos sólidos da construção civil - Execução de camadas de pavimentação – Procedimentos. NBR 15116:2004 Agregados reciclados de resíduos sólidos da construção civil - Utilização em pavimentação e preparo de concreto sem função estrutural – Requisitos. EMPREENDIMENTO WAY PAMPULHA. Empreendimento constituído por duas torres de doze pavimentos cada, de padrão econômico, executado em alvenaria auto-portante, dotado de área de lazer, constituída por espaço gourmet, quadra e piscinas, além de casa de gás e guarita para entrada de pedestres e veículos. Como especificidade do empreendimento, citamos o escoramento em eucalipto utilizado, dado o custo inferior ao escoramento metálico, à boa sustentação e possibilidade de reutilização ao longo da execução da estrutura. Dentre as diversas vantagens da execução de um empre152 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
B - Empreendimento Way Pampulha – Refeitório (Mar.2011)
Figura 3: A - Empreendimento Way Pampulha – Casa para estoque de cimentos e baias para areia e brita (Jul.2011).
Figura 2: A - Empreendimento Way Pampulha – Guarita (Jan.2011).
B - Empreendimento Way Pampulha – Vestiário (Mar.2011)
B - Empreendimento Way Pampulha – Vestiário (Mar.2011) Entre os diversos tipos de madeira utilizados pela indústria civil, bem como no empreendimento analisado, destacam-se os pontaletes, tábuas, sarrafos, madeiras de lei e compensados resinados. Utilizadas em especial na fundação de edifícios, as madeiras de lei, que se destacam devido s sua resistência à umidade, muitas vezes não são removidas e reaproveitadas, visto sua dificuldade de remoção após a concretagem dos blocos e vigas de coroamento. Segundo levantamento, obtido através de um programa próprio utilizado pela empresa, programa este que torna possível obter valor pago em fôrmas e escoras adquiridas ao longo dos meses de execução do empreendimento, além da destinação das mesmas, foi obtido o valor em reais de R$ 95.985,71 gastos em madeiras até abril 2012, dos quais os valores de R$ PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 153
61.240,80 foram destinados à estrutura, R$ 6.740,40 em escoramento em eucalipto e R$ 28.004,51 à segurança.
Figura 5: A - Empreendimento Way Pampulha – Segurança: Aparalixo (Mai.2011).
Figura 4: A - Empreendimento Way Pampulha – Fundação Edifício Lagoa (Abr.2011).
B - Empreendimento Way Pampulha – Reservatório Inferior (Maio.2012) B - Empreendimento Way Pampulha – Fundação Edifício Parque (Mar.2011)
154 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
Diante do empreendimento em questão, embora a remo-
Figura 6: A - Empreendimento Way Pampulha –
ção das fôrmas dos elementos de fundação seja indispensável,
Estrutura Pórtico sobre Guarita(Jan.2012)
dado também a necessidade de execução do procedimento de impermeabilização, tais resíduos não puderam ser reutilizados, uma vez que o processo de remoção é ineficaz já que o meio não permite que as peças saiam por inteiro. Tendo em vista os impactos sociais, econômicos e ambientais, elaborou-se um programa de gerência dos resíduos gerados pela obra. Este programa consistido pelo treinamento dos funcionários a fim da conscientização da importância da reciclagem, prevê também a elaboração de um sistema de coleta dos materiais o qual a empresa de reciclagem Real Comércio3 disponibilizava à obra, bags4 para coleta de plásticos e caçambas para coleta de madeira. Estima-se que, por meio de caçambas, o volume de 110,00 m³ em resíduos de madeira tenham sido coletados ao longo de sete meses de execução do empreendimento. Vale lembrar que a coleta ocorre sem custos de transporte destes materiais, uma vez que as empresas que promovem a conscientização da importância da reciclagem não possuem fins lucrativos. A vida útil das madeiras em geral, dentro do canteiro, de obras é variável. Calcula-se que fôrmas para vigas, pilares e lajes possam ser reaproveitadas cerca de três vezes, desde que haja o cuidado apropriado ao longo o processo de montagem bem como na desfôrma. O uso racional deve considerar aspectos como qualidade; durabilidade; evitar desperdícios quer seja na sua fabricação, B - Empreendimento Way Pampulha –
quer na sua utilização. (MADEIRA..., 2009, p. 11).
Blocos de fundação da Central de Gás (Jan.2012) CONSIDERAÇÕES FINAIS A reciclagem e reaproveitamento dos resíduos gerados pela construção civil vêm se consolidando como uma prática de destaque, essencial para sustentabilidade, seja no intuído de reduzir os impactos ao meio ambiente ou a fim de diminuir os custos. Independente das características executivas de um empreendimento, assistido por um programa eficaz de gerenciamento, é possível reduzir os impactos causados pela deposição inadequada dos rejeitos. A busca por novas tecnologias e melhoria do processamento de resíduos é de fundamental importância. Tomando como exemplo o empreendimento estudado, o impacto ambiental que poderia ser causado pela deposição irregular, resultaria em cerca de 30 a 40 toneladas de resíduos de madeiras sem um fim consciente.
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 155
REFERÊNCIAS AMBIENTEBRASIL. Educação Ambiental. Disponível em: http://www. ambientebrasil.com.br Acessado em 20 de março de 2012.
ação em Evolução Crustal e Recursos Naturais/Departamento de Geologia/UFOP Pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas, responsáveis por atividades ou empreendimentos que gerem os resíduos nesta Resolução (Art. 2º II - CONAMA nº 307).
3
ANTAC, Associação Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído. Disponível em: http://www.infohab.org.br/capa.aspx Acessado entre 04 e 27 de março de 2012.
Provenientes de construções, reformas, reparos e demolições de obras de construção civil, e os resultantes da preparação e da escavação de terrenos, tais como: tijolos, blocos cerâmicos, concreto em geral, solos, rochas, metais, resinas, colas, tintas, madeiras e compensados, forros, argamassa, gesso, telhas, pavimento asfáltico, vidros, plásticos, tubulações, fiação elétrica etc., comumente chamados de entulhos de obras, caliça ou metralha; (Art. 2º I - CONAMA nº 307).
4
COELHO, E. Paulino. Reciclagem de entulho: uma opção de negócio potencialmente lucrativa e ambientalmente simpática. Areia e Brita, São Paulo, n. 5, 2002. Desenvolvimento sustentável e a reciclagem de resíduos na construção civil. Disponível em: http://www.ambiente.sp.gov.br/municipioverdeazul/DiretivaHabitacaoSustentavel/DesenvSustentReciclagemResiduosConstrCivil.pdf Acessado em 10 de março de 2012. JOHN, V. M.. Reciclagem de entulho para produção de materiais de construção. Salvador: Edufba, 2001. p.26-43.
Real Comércio de Alumínios Ltda é uma empresa voltada para compra e venda de sucata de alumínio além da coleta e destinação de outros materiais recicláveis.
3
“Sacolas” para coletas de resíduos recicláveis com volume aproximado de 1 m³
4
Resíduos da construção civil e reciclagem. Disponível em: http:// www.cepam.sp.gov.br/arquivos/encontros_tematicos/coleta_seletiva/ coleta_seletiva_reciclagem_residencial.pdf Acessado em 10 de março de 2012. SCHENINI, P. C.; BAGNATI, A. M. Z.; CARDOSO, A. C. F. Gestão de resíduos da construção civil. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CADASTRO TÉCNICO MULTIFINALITÁRIO, 2004, Florianópolis. 2004. SINDUSCON - SP, Gestão Ambiental de Resíduos da Construção Civil, São Paulo, 2005. Disponível em: http://www.sindusconsp.com.br/ downloads/prodserv/publicacoes/manual_madeira2.pdf Acessado em 07 de abril de 2012. SINDUSCON – SP, Madeira, uso sustentável na construção civil, São Paulo, 2009. Disponível em: http://www.sindusconsp.com.br/downloads/prodserv/publicacoes/manual_madeira2.pdf TAUIL, C. A. Alvenaria Estrutural: Vantagens para o construtor e a sociedade; 2009. Disponível em: http://www.portalvgv.com.br/site/alvenaria-estrutural-vantagens-para-o-construtor-e-a-sociedade/ Acessado em 30 de maio de 2012.
NOTAS DE RODAPÉ Andrew Motta Daher: Graduando do curso de Engenharia Civil do Centro Universitário Newton Paiva
1
Érika Silva Fabri: Coordenadora do Curso ria Ambiental do Centro Universitário Newton nheira Ambiental, Engenheira de Segurança Mestre em Ciências Naturais, Doutoranda do Programa
2
de EngenhaPaiva, Engedo Trabalho de Pós-Gradu-
156 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
REAPROVEITAMENTO DE RESÍDUOS DE ARDÓSIA NA FABRICAÇÃO DE PEÇAS CERÂMICAS PELA TÉCNICA DE COLAGEM DE BARBOTINAS Luciana Boaventura Palhares Bruno Henrique Martins Moreira Patrícia Cristina Dias Perini
RESUMO: Vários são os problemas ambientais causados pelas mineradoras nas regiões extratoras de matéria-prima para utilização em diferentes campos da indústria. Esses empreendimentos produzem indiretamente grandes quantidades de resíduo tanto durante a mineração, quanto durante o beneficiamento de rochas ornamentais, geralmente em forma de pó ou lama que causam, além da poluição das águas e solo, uma enorme poluição visual. O processo de fabricação de colagem de barbotinas permite a obtenção de peças utilizando os resíduos gerados de forma bastante eficiente. Amostras do pó de ardósia depois de misturada com argila, água e dispersante poliacrilato de amônio foram moldadas em gesso e queimadas em forno mufla a 1000°C. Após queima as peças foram caracterizadas quanto a resistência à compressão, microscopia e difratometria de raios-X. Palavras-chave: Colagem de barbotinas, resíduo de ardósia, peças cerâmicas.
INTRODUÇÃO
dades de trabalhos e renda imprescindíveis ao processo e de-
A mineração é uma atividade que ao longo dos anos vem se
senvolvimento do país.
mostrando de suma importância para o desenvolvimento tanto
O pó oriundo da extração da rocha de ardósia pode ser uti-
no aspecto de gerar a matéria prima utilizada em larga escala
lizado na fabricação de peças cerâmicas através da colagem de
em diversos setores da sociedade, como em função de empre-
barbotinas (figura 1). Esse processo de conformação líquida é
gar diversas pessoas na região impulsionando assim o desen-
muito antigo e simples, utilizado atualmente para obtenção de
volvimento econômico da mesma.
louças sanitárias, pias e peças de artesanato com grande varie-
Contudo essas empresas, muitas vezes, não destinam cor-
dade de formas (MATIAS et al., 2006).
retamente seus resíduos fazendo com que suas atividades se
No presente trabalho rejeitos de ardósia provenientes das
tornem cada vez mais danosas ao ecossistema local. O rejeito
regiões onde é extraída foram reutilizados para produção de
gerado pela extração da ardósia assim como seu beneficiamen-
peças cerâmicas através a técnica de colagem de barbotinas
to podem trazer diversos impactos ao meio ambiente, apesar
em moldes de gesso. Após tratamento térmico as peças fo-
desses resíduos poderem ser utilizados de maneira que deixem
ram caracterizadas quanto a resistência mecânica, microsco-
de ser um empecilho para se tornar fonte de renda.
pia e cristalografia.
As indústrias que beneficiam estas rochas tem como principal atividade a serragem e o polimento para produção de rochas ornamentais, que são geralmente utilizadas na indústria da construção civil. O sistema de extração de blocos de rochas para produção de chapas gera uma quantidade significativa de resíduos na forma de lama composto basicamente de água, lubrificantes e rocha moída. Esse rejeito sem aproveitamento acumula-se nos pátios, reservatórios e córregos, comprometendo o meio ambiente. A produção de materiais alternativos tendo como constituintes os resíduos gerados nas indústrias de transformação de rochas, poderá diminuir ou eliminar a poluição nas áreas de extração, além de promover o aparecimento de novas oportuniPÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 157
Figura 1: Produção das peças a partir do molde. (1) Introdução da suspensão no molde de gesso. (2) Absorção de água pelo molde. (3) Retirada do excesso de suspensão do molde. (4) Retirada da peça do molde.
cipalmente porque o Brasil e Minas Gerais são detentores de grande parte das reservas mundiais de ardósia. Vários trabalhos tem sido realizados utilizando os pós de ardósia provenientes de rejeitos para produzir peças cerâmicas por colagem de barbotinas, (PALHARES, 2004), prensagem (CATARINO, et all., 2003) e extrusão (PALHARES, et all., 2011) Segundo Moreno (1992), dentre os processamentos cerâmicos convencionais, como prensagem, extrusão e colagem, onde o pó de ardósia pode ser empregado, o processo de colagem ocupa lugar de destaque, pois é caracterizado pelo baixo custo e alta qualidade dos produtos obtidos e pode ser utilizado para produção de peças de formato variado em escala de laboratório e industrial. PARTE EXPERIMENTAL O pó de ardósia utilizado foi gerado pelo processo de ca-
Fonte: RICHERSON, 1992.
REVISÃO BIBLIOGRÁFICA A ardósia é uma rocha metamórfica constituída de material extremamente fino, semelhante aos constituintes de argilas. A rocha ardósia apresenta um baixo grau de metamorfismo, sendo formada por longas placas ao longo de sua superfície planar. Essa característica é conhecida como clivagem ardosiana e resulta da recristalização sobre pressão (DANA, 1978).
libração das pedras da empresa Micapel situada em Pompéu/ MG (figura 2). Este foi previamente tratado antes da caracterização visando à retirada de impurezas, como rejeitos e contaminações. As etapas deste tratamento foram: preparação de uma suspensão do pó em água; peneiramento a úmido na peneira de 400#; decantação 24 horas; sifonamento (retirada da água); e secagem em estufa (temperatura 120 oC durante 24 horas). Figura 2: Áreas de Produção de Ardosia em Minas Gerais (Escala 1:15000000).
Macroscopicamente classifica-se como uma rocha dura, inerte, com tonalidade variada do cinza escuro ao preto, as vezes podendo ser verde, amarela, castanha e vermelha, com granulação fina e com a propriedade notável de clivagem em lâminas delgadas ou folhelhos (DANA, 1978). Na sua constituição encontra-se argilas, folhelhos, cinzas vulcânicas e outras rochas de granulação fina. Revela a presença de várias classes de minerais, principalmente quartzo, mica, clorita, óxido de titânio e outros. É uma rocha de ocorrência relativamente comum, encontrada nas áreas onde os folhelhos foram submetidas a aquecimento e pressão durante a formação de montanhas (DANA, 1978). É uma das matérias-primas mais utilizadas no setor de construção civil como material de revestimento, adorno, recobrimento, pisos e decoração, devido a suas características físicas e sua clivagem. Sua exploração é baseada na lavra de folhelhos, geralmente seguida de fases de corte e acabamento. Devido a sua composição ser formada basicamente de si-
Fonte: Mapa Geopolítico do Estado de Minas Gerais.
licatos de alumínio que constituem grande parte de utensílios
Instituto de Geociências Aplicadas
cerâmicos, a ardósia pode vir a ser um material alternativo para indústrias cerâmicas em substituição aos convencionais, prin-
O pó foi caracterizado quanto à cristalografia, para verifica-
158 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
ção dos minerais presentes na rocha e se existe alguma conta-
rentes as reações que ocorrem na rocha durante o aquecimento
minação por outro mineral. Nos diversos equipamentos de ca-
na faixa de temperatura de 25 à 1000oC. Um primeiro pico exo-
racterização do pó foram utilizadas amostras do pó preparado.
térmico próximo a temperatura de 500oC devido a dehidroxilação
Na identificação dos constituintes e cristalinidade do pó, fo-
dos constituintes moscovita e clinocloro e pico um endotérmico
ram realizados testes de difração de raios X em um difratômetro
a 740oC devido a destruição da estrutura cristalina da moscovita
DRX Philips – X-Ray Generator, Nº DY 1308, tipo PW 1730/10.
(FRIPIAT and OLPHEN, 1979).
Foram produzidas suspensões de pó de ardósia em água destilada com porcentagem de sólidos constante (aproximada-
Figura 3: Análise Térmica do pó de ardósia (
mente 70% p/v) e dispersante (poliacrilato de amônio) também
1) análise térmica diferencial e
constante (1,5% v/v). O poliacrilato de amônio utilizado foi forne-
(2) análise termogravimétrica.
cido pela empresa Miracema-Nuodex com nome comercial de Liosperse 511. As suspensões foram homogeneizadas em um agitador magnético por 30 min. O teor de sólidos foi a fração em massa percentual relativa ao volume total de suspensão. As concentrações em aditivos orgânicos foram frações percentuais de volume relativas ao volume de água utilizado nas suspensões. Para a fabricação dos moldes de gesso, pré-moldes foram utilizados e cortados em tamanhos de aproximadamente 10 centímetros de comprimento. Os moldes foram obtidos com consistência 70 (100 g de gesso para 70 ml de água), sendo que a mistura foi agitada por 2 minutos e vazada no pré molde para integridade do molde. Antes do total endurecimento do gesso formas plásticas ou vítreas variadas foram imersas para obtenção da forma da peça que se desejou produzir. Após endureci-
Segundo Thorez (1976), a decomposição da clorita ocorre
mento do molde estas formas foram retiradas e o molde seco
em temperaturas próximas de 500oC, desaparecendo os picos
em temperatura ambiente por 24 horas antes da sua utilização.
principais. De acordo com Correa e Nunes (1989), na tempera-
A queima das peças produzidas foi feita em uma mufla da
tura aproximada de 900oC ocorre a destruição do retículo cris-
marca Jung, ano 2010, modelo 0612 até temperaturas de apro-
talino das moscovitas. Os valores obtidos nas análises indicam
ximadamente 1000ºC.
que realmente ocorre a decomposição do clinocloro, mineral
Cada suspensão foi utilizada para produção de, em média,
pertencente a classe das cloritas, em temperaturas próximas as
dez peças que foram caracterizadas após tratamento térmico
encontradas por Thorez. A decomposição da moscovita presen-
quanto a cristalografia e comportamento mecânico. Para os tes-
te na ardósia ocorre também em temperaturas semelhantes as
tes de resistência mecânica, foi utilizada uma máquina de en-
encontradas por (CORREA e NUNES, 1989). A partir dos difra-
saios mecânicos universal Microcomputer Controlled Eletronic
togramas obtidos antes e após queima (figuras 4 e 5) pode-se
Universal Testing Machine, modelo WDW-100E, classe 1.
confirmar as reações ocorridas com os constituintes muscovita
Para a análise de microscopia foram produzidas peças com as suspensões. Foram comparadas duas amostras, antes e
e clinocloro. As curvas de TGA mostram uma perda de massa associada aos picos de aproximadamente 6%.
após queima. Para visualização no microscópio ótico, a superfí-
As figuras 4 e 5 mostram típicos difratogramas para as pe-
cie das peças produzidas foram cortadas e polidas. O polimento
ças estudadas. Através da análise do difratograma obtido foram
foi feito em lixa de carbeto de silício (SiC) de diferentes tamanhos
identificados os seguintes minerais: (Q) Quartzo – SiO2, (C) Cli-
de grãos (100, 320, 400, 600 e 1000) e em pasta de diamante
nocloro, (M) Moscovita, (A) Albita (H) Hematita e (O) Ortoclásio.
(9mm, 3mm e 1mm,). RESULTADOS A figura 3 mostra um gráfico típico de análise térmica para o pó de ardósia onde pode-se identificar os principais picos refePÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 159
Figura 6: Peças obtidas (a) antes e (b) após tratamento térmico
Figura 4: Típico difratograma da peça de ardósia antes da queima: Albita(A), Quartzo(Q), Moscovita(M), Clinocloro (C) e Ortoclásio (O)
A sinterização realizada em altas temperaturas de forma lenta possibilita o cozimento uniforme do material, evitando a contração muito rápida e consequente formação de trincas ou empenamento da peça. Nas amostras tratadas termicamente foram identificadas novas fases como gehlenita, mulita e espinélios (figura 5). SeFigura 5: Típico difratograma da peça de ardósia após da queima: Albita(A), Quartzo(Q), Gehlenita (G) e Ortoclásio (O)
gundo Marsur, et all. (2006), a presença desses minerais já era esperada devido a presença de calcita na matéria prima. A gehelenita é formada através de reações de óxido de cálcio com Si e Al provenientes da decomposição da argila (Jordan et all., 2001). Acredita-se que a presença da mulita é devido as altas concentrações de quartzo e alumina na amostra original. Os testes de compressão realizados mostraram um alta resistência das peças quanto comparadas a outras cerâmicas
A moscovita identificada é um hidróxido silicato potássico alumínico pertencente a classe das micas; o clinocloro é um hidróxido silicato de magnésio, ferro e alumínio, pertencente ao
comuns. Os valores situam-se entre 1,9 e 4,3 MPa. A figura 7 mostra a micrografia obtida para as amostras antes (a) e após tratamento térmico (b).
grupo das cloritas, responsável pela cor verde de xistos e ardósias; e a albita e o ortoclásio que são silicatos pertencentes a série dos feldspatos plagioclásios. Os feldspatos atuam na
Figura 7: Análise microscópica das peças antes (a) e depois da queima (b).
etapa de queima como fundentes aumentando a resistência das peças. A hematita (Fe2O3) é o constituinte responsável pela cor avermelhada das cerâmicas. Os testes de difração permitiram a identificação das mesmas fases encontradas Mansur e Palhares (2003) em pós de ardósia provenientes da mesma região. A figura 6 mostra as peças obtidas pela técnica de colagem antes (a) e após tratamento térmico (b).
160 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
A elevação da temperatura durante o processo térmico proporciona uma redução no número de poros e espaços vazios, sendo a porosidade remanescente devido às modificações estruturais que afetaram a ardósia. Isso foi observado em trabalhos anteriores por Souza e Mansur, 2004. Durante o aquecimento é possível, através da difração de raios X, identificar reações importantes que ocorrem nas peças. A partir da análise das micrografias foi observado que a amostra após sofrer a queima adquire uma superfície mais regular, tornando se menos porosa e mais resistente que a peça crua. Em temperaturas elevadas há a ocorrência de sinterização
translated by: Rui Ribeiro Franco. Rio de Janeiro, Livros Técnicos e Científicos, 1978. FRIPIAT, J. J. and OLPHEN, H.V. Data handbook for clay materials and other non-metallic minerals. Pergamon Press, 1979. JORDAN, M. F, et all. Firing transformations of tertiary clays used in the manufacturing of ceramics tile bodies. Appl. Clay Sci. 20, 87 – 95, 2001. MANSUR, A.A.P. et all. Study of pore size distribution of slate ceramic pieces produced by slip casting of waste powders. Minerals Engineering, v.19, p.525-527, 2006. Disponível <http://infolib.hua.edu.vn/Fulltext/ ChuyenDe2009/CD293/11.pdf>. Acesso em 22 abr. 2011.
com a presença de fase líquida que reduz a porosidade existente inicialmente na peça verde (Mansur, et all., 2006). CONCLUSÃO A caracterização quanto a cristalografia e comportamento térmico do pó de ardósia permitiu a identificação dos constituin-
MATIAS, E.M. et all. Estudos comparativos das características de compactos a verde de alumina obtidos por colagem de barbotina e gelcasting. Anais do 17º CBECIMat - Congresso Brasileiro de Engenharia e Ciência dos Materiais, 15 a 19 de Novembro de 2006, Foz do Iguaçu, PR, Brasil. Disponível <http://www.metallum.com.br/17cbecimat/ resumos/17cbecimat-111-038.pdf>. Acesso em 18 abr. 2011.
tes da rocha ardósia e das reações sofridas pela rocha durante o aquecimento. Os principais constituintes identificados através da técnica de difração de raios-X foram: quartzo, clinocloro, moscovita, albita, hematita e ortoclásio. Foram observadas durante o tratamento térmico reações de grande importância associadas ao clinocloro e a moscovita. Nas faixas de temperatura entre 500oC e 600oC esse constituintes perdem a camada de [OH-] presente em suas estruturas, por volta de 900oC e 1100oC ocorre a destruição de seus retículos cristalinos. Observou-se também que o amolecimento da rocha acontece próximo a temperatura de 1000oC o que limita a utilização de peças produzidas como utensílios de laboratório para temperaturas mais altas. Através das análises realizadas para caracterização do pó proveniente de rejeitos, conclui-se que o pó apresenta apenas ardósia sem impurezas, e pode ser aplicado em processamento cerâmicos para produção de peças para decoração, utensílios
MOREIRA, J.M.S. et all. Reaproveitamento de resíduo de rocha ornamental proveniente do noroeste fluminense em cerâmica vermelha. Cerâmica, vol.51, pag.180-186, 2005. Disponível <http://www.scielo.br/ pdf/%0D/ce/v51n319/26789.pdf>. Acesso em 20 abr. 2011. MORENO, R. The role of Slip Additives in Tape Casting Technology: Part I: Solvents and Dispersants. American Ceramic Society Bulletin, vol.71(10), pag.1521-1530, 1992. PALHARES, L.B., Mansur, H.S. Production and characterization of ceramic pieces obtained by slip casting using powder wastes. Journal of Materials Processing Technology, v.145, p.14 - 20, 2004. PALHARES, L. B., DORNAS, K. G., PRAXEDES, G. de B., SATHLER, J. M. J. Development and Characterization of bricks using slate powder waste. In: X Brazilian MRS Meeting, 2011, Gramado - RS. Livro de resumos. 2011. V. unico, 2011. THOREZ, J. Practical Identification of Clay Minerals: A Handbook for teachers and Students in Clay Mineralogy. 1976.
de cozinha e de laboratório, observando-se as limitações de temperatura, já que a ardósia funde em temperaturas mais baixas que as de cerâmicas convencionais como sílica e alumina. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CATARINO, L., SOUSA, J., MARTINS, I.M., VIEIRA, M.T., OLIVEIRA, M.M. Ceramic Products Obtained from Rock Wastes. Journal of Materials Processing Technology. , v.143-144, p.843-845, 2003. CORREA, W. L. P.; NUNES, J.J. Curso sobre análises térmicas. Associação Brasileira de Cerâmica, 1989. DANA, J.D. Mineralogy Handbook. Revised by Cornelius S. Hurlburt,
RICHERSON, D. W. Modern Ceramic Engineering. 2a ed. Salt Lake City. 1992.
AGRADECIMENTOS Os autores agradecem ao Sr. Luciano Kasbergen Silva pela utilização do equipamento que permitiu a realização das análises de difração de raios-X. As empresas Micapel Slate e Miracema Nuodex pelo fornecimento do pó de ardósia e do dispersante poliacrilato de amônio, respectivamente.
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 161
RECICLAGEM DE RESÍDUOS DA CONSTRUÇÃO CIVIL: Estação SLU – Estoril/Belo Horizonte/MG Caroline Moreira Nogueira1 Guilherme Campolina1 Laís Lorena Ribeiro1 Luiz Eduardo de Melo Guadanini1 Matheus Lopo Madureira Barbosa1 Érika Silva Fabri2
RESUMO: Os impactos negativos causados pela disposição irregular dos resíduos sólidos de perdas da construção civil são um dos maiores problemas enfrentados atualmente pela gestão urbana. A deposição irregular causa o esgotamento prematuro de áreas de deposição final, obstrução dos elementos de drenagem urbana, degradação de mananciais, poluição nas vias públicas, principalmente nas áreas periféricas, proliferação de insetos, roedores e outros organismos vetores de doenças, e o conseqüente prejuízo à saúde do cidadão e aos cofres públicos. A quantidade de entulho gerado nas construções demonstra a ineficiência do processo construtivo. Os custos desta ineficiência são distribuídos por toda a sociedade, não só no aumento do custo final das construções, como também nos custos de remoção e tratamento do entulho. Devido ao aumento deste problema foram criadas as Estações de Reciclagem de Entulho para a mitigação do problema. A Estação de Reciclagem de Entulho SLU – localizada no município de Belo Horizonte, bairro Estoril, trabalha com o processo de reciclagem do rejeito da construção civil. O empreendimento recebe cerca de 500 toneladas de ‘’rejeito’’ por mês. O processo utilizado na reciclagem da SLU é feito por quatro etapas simples, mas requer cuidado. Gerando no final dos blocos e britas usadas na pavimentação de vias. Palavras-chave: Sustentabilidade. Reciclagem. Resíduos. Construção Civil.
INTRODUÇÃO
material com grande potencialidade de uso, transformando o
As políticas de preservação e conservação do meio am-
resíduo da construção (entulho) novamente em matéria-prima.
biente têm marcado o perfil das últimas décadas refletindo em inúmeros campos, da economia à política, começando a atingir também o setor da construção civil. O crescimento populacional, o desenvolvimento econômico e a utilização de tecnologias inadequadas têm contribuído para que a quantidade de resíduos sólidos urbanos aumente cada vez mais. Dentre os diversos tipos de resíduos gerados no ambiente urbano, destaca-se o entulho, resíduo das atividades da construção civil e demolição. A indústria da construção civil causa um impacto ao meio ambiente ao longo de toda a sua cadeia produtiva, desde alterações no uso do solo, extração da matéria-prima, o transporte, até o processo construtivo e suas perdas. Mesmo com o contínuo aperfeiçoamento dos processos construtivos para redução da quantidade de material desperdiçado e utilização de novas tecnologias construtivas, sempre haverá algo inevitavelmente perdido. Neste contexto, soluções para o problema dos resíduos da construção civil, incluindo reciclagem na própria obra ou em usinas apropriadas, vêm proporcionar redução nos custos ambientais, sociais e principalmente econômicos causados pelo entulho, além de disponibilizar um
PROCESSO DE RECICLAGEM DO ENTULHO Conceito Na construção civil, entulho é o conjunto de fragmentos ou restos de tijolo, concreto, argamassa, aço, e outros materiais provenientes da construção civil e obras de demolição em geral. A resolução 307 do CONAMA – Conselho Nacional de Meio Ambiente - de 05/07/2002 define resíduos da construção civil como: “Materiais provenientes de construções, reformas, reparos e demolições de obras de construção civil e os resultantes da preparação e da escavação de terrenos, tais como: tijolos, blocos cerâmicos, concreto em geral, solo, rocha, madeira, forros, argamassa, gesso, telhas, pavimento asfáltico, vidros, plásticos, tubulações, fiação elétrica, etc., comumente chamados de entulhos de obras, caliça ou metralha”. O processo de reciclagem de resíduos da construção civil para a obtenção de agregados e finos envolve basicamente a seleção dos materiais recicláveis do entulho, a trituração em equipamentos apropriados e a posterior classificação de acordo
162 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
Apesar de causar problemas, o entulho que é inevitavel-
com a composição/granulometria. Os resíduos da construção civil são classificados como
mente perdido, pode ser visto como fonte de matéria prima para
classe A (resíduos reutilizáveis ou recicláveis como agregados.
a construção civil, podendo se transformar em componentes da
São os resíduos encontrados na Estação de Reciclagem de En-
construção, de qualidade comparável aos materiais tradicionais,
tulho SLU – Estoril), Classe B (são os resíduos recicláveis para
se utilizado os controles tecnológicos.
outras destinações, como plásticos, papeis e outros.), Classe C (resíduos para os quais não foram desenvolvidas tecnologias ou aplicações economicamente viáveis que permitem a sua reciclagem/recuperação, tais como produtos oriundos do gesso), Classe D (são os resíduos perigosos oriundos do processo de construção como tintas, solventes, óleos e outros ou aqueles contaminantes oriundos de demolições, reformas e reparos como clínicas radiológicas, instalações industriais e outros).
Impactos gerados A quantidade de entulho gerado nas cidades brasileiras é significativa e pode servir como um indicador do desperdício de material. No gerenciamento dos resíduos da construção civil executado por um município, é inerente a existência de áreas de deposição irregular como solução para o descarte de resíduos da construção civil e demolições. Os impactos deste processo emergencial são plenamente visíveis. O acúmulo de materiais inertes de construção em áre-
Origem e produção Os resíduos de construção civil são gerados por demoli-
as urbanas produz impacto visual, compromete a qualidade do
ções, construções e reformas, em volumes bastante conside-
solo para uso em jardinagem, serve de abrigo para vetores de
ráveis. Pode-se dizer que a quantidade de resíduos gerado da
doenças, roedores e animais peçonhentos e pode ainda afetar o
atividade de construção são conseqüência da falta de planeja-
tráfego de veículos e pedestres. Apesar da dificuldade na quan-
mento e racionalização nas fases de projeto e execução.
tificação do custo destes impactos é evidente o comprometi-
No processo construtivo, o alto índice de perdas do setor
mento da qualidade ambiental do espaço urbano.
civil é a principal causa do entulho gerado. No Brasil, 98% das
Há ainda o potencial poluidor de materiais tóxicos presentes
obras utilizam ainda métodos tradicionais de construção. Embo-
nos entulhos, como chumbo e outros metais presentes em tubu-
ra nem toda perda se transforme efetivamente em resíduo, uma
lações antigas e tintas. A deposição deste material em aterros
parte acaba ficando na própria obra, os índices médios de per-
ou terrenos baldios pode favorecer a contaminação do solo e
das fornecem estimativas do quanto se desperdiça em materiais
do lençol freático.
de construção. Em uma obra de médio porte o entulho gerado
A eliminação e mitigação destes impactos vão além da criação
corresponde, em média, cerca de 50% de material desperdiça-
de alguns pontos de bota-foras, que são aterros executados com
do (PINTO, 1999).
resíduos da construção civil, localizados em pontos distantes da
Abaixo, segue tabela com os percentuais com índices mé-
cidade e que em sua maioria foco dos problemas supra citados .
dios de perdas de rejeitos que são gerados por cada tipo de
Diante destes fatos é possível concluir a necessidade de uma in-
resíduos, mostrando que os da construção civil tem um maior
tervenção que aponte para o traçado de novos métodos para a
índice referente aos outros.
gestão pública de resíduos de construção civil e demolição. Outro fator de grande relevância é a influência dos resíduos
Tabela 1: Composição dos Resíduos Sólidos no
da construção civil nos aterros sanitários municipais. A grande
Município de Belo Horizonte – MG
quantidade de entulho coletado pode reduzir significativamente a vida útil dos aterros, e encontrar novas áreas para disposição é uma tarefa cada vez mais difícil nos centros urbanos. É importante ressaltar que a não reciclagem ou reaproveitamento dos resíduos da construção civil acarreta também o desperdício dos recursos naturais não-renováveis, uma vez que, quanto maior a quantidade de matéria-prima natural utilizada, maior será o volume de material retirado e, por conseqüência, maior será a degradação das áreas ambientais em que se loca-
Fonte: Relatório de Marco Antônio Carvalho Teixeira para o Programa Gestão Pública e Cidadania, 1995.
lizam estes materiais como: fundo de rios, encostas, áreas de mineração, entre outros.
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 163
Processamento dos resíduos da construção civil Há algum tempo, soluções para o emprego do entulho re-
5) Calha de alimentação; 6) Correia transportadora; 7) Britador; 8) Pátio de estocagem.
ciclado vêm sendo pesquisadas e desenvolvidas, e algumas
A Central deve receber somente resíduos inertes, não
delas já estão sendo empregadas com sucesso em algumas
existindo, portanto, a possibilidade de este material liberar po-
cidades brasileiras como Belo Horizonte.
luentes. Caso chegue até a usina algum material contaminado,
A reciclagem transforma as montanhas desordenadas de
como, por exemplo, matéria orgânica, este é recusado e devolvi-
material de construção, em pilhas de matéria-prima, que servem
do ao fornecedor para ser disposto no aterro sanitário disponível
tanto para obras prediais como para obras públicas. Há dois ca-
no município. (Estudo da reciclagem de resíduos gerados pela
minhos para transformar as perdas em lucro: um para a iniciativa
construção civil. SP. 9p, 1999).
privada, e outro para as prefeituras. No Brasil, existem em operação cerca de nove unidades de
A seqüência de operação de uma usina de reciclagem mais usual é:
beneficiamento de resíduos da construção, implantadas a partir
O entulho trazido pelos caminhões de coleta é pesado na
de 1991, sendo a experiência mais significativa a da Prefeitura
balança da usina de reciclagem, de onde é encaminhado para
de Belo Horizonte, que dispõe de duas usinas de reciclagem
o pátio de recepção;
de entulho com capacidade para processar até 400 toneladas
No pátio de recepção o entulho é vistoriado superficialmen-
diárias (MANUAL DE GERENCIAMENTO INTEGRADO DE RESÍ-
te por um encarregado para verificar se a carga é compatível
DUOS SÓLIDOS, 2001).
com o equipamento de trituração. Caso o resultado seja negati-
A reciclagem de entulho tem, como principal objetivo,
vo, o material é encaminhado ao aterro sanitário;
transformar os custos sociais em custos públicos ou privados.
Sendo o material compatível com o equipamento, o veículo
A reciclagem visa melhoria do meio-ambiente pela redução do
faz a descarga no pátio, onde se processa a separação manual
número de áreas de deposição clandestina, conseqüentemente
dos materiais que não fazem parte das etapas de reciclagem do
reduzindo os gastos da administração pública com gerencia-
entulho como plásticos, metais e pequenas quantidades de ma-
mento de entulho. Não existem pontos propriamente “negati-
téria orgânica. A separação, apesar de manual, é feita com au-
vos”, mas alguns aspectos devem ser levados em considera-
xílio de uma pá carregadeira que revira o material descarregado
ção para aumentar as chances de sucesso dos programas de
de modo a facilitar a segregação dos que não serão utilizados
reciclagem, como a informação aos consumidores. Embora, de
pela equipe de serventes;
forma geral, o entulho seja considerado pela NBR 10004 como
Os materiais segregados são classificados em comerciali-
resíduos inertes, a sua composição química e o risco de conta-
záveis (sucata ferrosa) e não comercializáveis (material restan-
minação ambiental estão relacionados diretamente com os ma-
te), sendo depositados em locais separados para armazena-
teriais utilizados na obra que os originou.
mento e destinação futura;
Para a implantação de um programa de reciclagem de re-
Não são aceitos materiais de grande porte, com dimensões
síduos da construção civil é imprescindível elaborar um levan-
maiores que a boca do alimentador, assim como blocos de con-
tamento da produção de entulho no município, estimando os
creto com ferragens embutidas que podem prejudicar a opera-
custos diretos e indiretos causados pela deposição irregular.
ção do moinho e quebrar os martelos.
Atualmente existem duas formas de processamento: a automá-
O entulho de pequenas obras, que normalmente vem en-
tica e a semi-automática. A automática consiste em um equipa-
sacado, é desensacado manualmente, prosseguindo-se com a
mento robusto, de grande potência, capaz de receber e triturar o
operação de alimentação e trituração;
entulho de obras sem uma separação prévia das ferragens que
Estando o entulho livre dos materiais não reaproveitados,
ficam retidas nos blocos de concreto. O material ferroso vai para
este é levemente umedecido através de um sistema de asper-
uma prensa e posterior comercialização dos fardos, enquanto
são, de forma a minimizar a quantidade de poeira gerada na
o material inerte cai numa peneira giratória que efetua a segre-
trituração. Em seguida, é colocado pela pá carregadeira no ali-
gação do material nas suas várias porções granulométricas.
mentador vibratório que faz dosagem correta do material que
(MANUAL DE GERENCIAMENTO INTEGRADO DE RESÍDUOS
passará no britador;
SÓLIDOS, 2001).
Passando pelo alimentador, o material segue para o brita-
Uma usina de reciclagem de entulho geralmente é compos-
dor, onde é triturado. Do britador o material segue numa peque-
ta por: 1) Prédio para a administração local; 2) Guarita de entra-
na esteira rolante equipada com separador magnético, onde é
da; 3) Cabine de comando; 4) Pátio de recepção com balança;
feita a separação de resíduos de ferro que escaparam da tria-
164 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
CONSIDERAÇÕES FINAIS
gem e foram introduzidos ao britador; Após esta separação inicial, o material é encaminhado à
Dentro de uma visão sistêmica de equacionamento dos
peneira vibratória, que faz a separação do material em granulo-
problemas urbanos gerados pelo gerenciamento inadequado
metrias selecionadas;
do entulho, ou ausência de planejamento, a reciclagem desse
Da peneira, cada uma das frações é transportada para o seu respectivo pátio de estocagem por meio de uma esteira transportadora convencional de velocidade constante.
material assume grande importância ao proporcionar benefícios a toda sociedade e ao meio ambiente. A utilização dos resíduos contribui para uma melhoria do
As esteiras transportadoras são montadas sobre rodízios,
ambiente urbano e reduz os gastos públicos para gerenciá-los,
de forma a permitir o seu deslocamento lateral em semicírculo
entretanto, para que o processo de reciclagem de entulho seja
no pátio de estocagem. O deslocamento dos resíduos se faz
eficiente e eficaz, é necessário rever continuamente o sistema
sobre piso cimentado, dimensionado para suportar os esforços
implantado, buscando solucionar as falhas que venham ocorrer
da correia. A operação de deslocamento da correia é feita ma-
no processo.
nualmente pelos serventes alocados no pátio de estocagem e
Como foi pesquisado é possível produzir agregados como
realizada toda vez que a pilha de entulho atinge a altura máxima
areias e britas para uso em pavimentação, contenção de encos-
permitida pela declividade da esteira. De uma forma geral, os
tas, canalização de córregos, e uso em argamassas e concretos
agregados obtidos na reciclagem do entulho são mais poro-
não estruturais. Da mesma maneira, podem-se fabricar compo-
sos que os naturais, o que implica uma absorção de água mais
nentes de construção como blocos, briquetes, placas, meios-
elevada. Por outro lado, os agregados reciclados apresentam
-fios, entre outros. Para todas estas aplicações é necessário
componentes de algumas propriedades relevantes para o de-
obter uma similaridade de desempenho em relação a produtos
sempenho de matérias de construção. Entre esses componen-
convencionais, com custos competitivos. De qualquer forma, a
tes, destacam-se as partículas de cimento não inertizadas, que
compatibilidade entre as aplicações e os materiais e componen-
ainda irão reagir, que funcionarão como iniciador de cristaliza-
tes produzidos deve ser avaliada, para que a estrutura final não
ção (acelerando a formação de nova rede cristalina), e partículas
seja prejudicada.
finas de material cerâmico, como significativo potencial pozolâ-
Após estudo de caso do sistema de gerenciamento de entulho na cidade de Belo Horizonte, verifica-se que é de extrema
nico, que irão reagir com a cal hidratada. Assim, a matéria-prima obtida pode ser novamente utilizada
importância a criação de usinas de reciclagem de entulho com
na indústria da construção civil como, por exemplo, em: base e
pontos de recebimento de resíduos localizados estrategicamen-
sub-base de rodovias, peças pré-moldadas não estruturadas,
te, objetivando a qualidade de vida na malha urbana.
briquetes para calçadas, blocos muros e alvenaria de casas populares, agregados miúdos para revestimento, agregados para
BIBLIOGRAFIA
a construção de meios-fios, bocas-de-lobo e sarjetas, entre ou-
ESTEFANO, M. J.; ASSIS, C. S. Estudo da reciclagem de resíduos gerados pela construção civil. SP. 9p, 1999.
tros. (Manual de Gerenciamento Integrado, IPT: Instituto de Pesquisas Tecnológicas, 1995). Cuidados ambientais A estação de reciclagem é composta por vários equipa-
JOHN, V. M. Desenvolvimento sustentável, construção civil, reciclagem e trabalho multidisciplinar. Texto Técnico. Disponível em: <http://www.reciclagem.pcc.usp.br/des_sustentavel.htm>, acesso em abril/2012.
mentos pequenos e modernos, desenvolvidos obedecendo aos critérios de segurança para operar em área urbana. Não oferece riscos para a área ambiental, nem qualquer incômodo à população. O alimentador do britador deve estar equipado com aspersores de água, visando minimizar a emissão de partículas, e revestido com borracha, de forma a reduzir o nível de ruído, respeitando assim, os limites estabelecidos assim pela legislação vigente.
LIXO MUNICIPAL – Manual de Gerenciamento Integrado, IPT: Instituto de Pesquisas Tecnológicas, 1995. MANUAL DE GERENCIAMENTO INTEGRADO DE RESÍDUOS SÓLIDOS – Gestão Integrada de Resíduos Sólidos, IBAM, Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano da Presidência da República – SEDUC, 2001. PINTO, Tarcísio de Paula. Entulho de Construção: Problema Urbano que Pode Gerar Soluções. Construção, São Paulo, Ed. Pini , no 2325, ago. 1992.
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 165
ZORDAN, S. E. Entulho da indústria da construção civil. Texto técnico. Disponível em:<http://www.reciclagem.pcc.usp.br/entulhoindcivil. htm>, acesso em abril/2012.
NOTAS DE RODAPÉ Caroline Moreira Nogueira: Graduando do curso de Engenharia Ambiental do Centro Universitário Newton Paiva.
1
Guilherme Campolina: Graduando do curso de Engenharia Ambiental do Centro Universitário Newton Paiva.
1
Laís Lorena Ribeiro: Graduando do curso de Engenharia Ambiental do Centro Universitário Newton Paiva.
1
Luiz Eduardo de Melo Guadanini: Graduando do curso de Engenharia Ambiental do Centro Universitário Newton Paiva.
1
Matheus Lopo Madureira Barbosa: Graduando do curso de Engenharia Ambiental do Centro Universitário Newton Paiva.
1
Érika Silva Fabri: Coordenadora do Curso de Engenharia Ambiental do Centro Universitário Newton Paiva, Engenheira Ambiental, Engenheira de Segurança do Trabalho, Mestre em Ciências Naturais, Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Evolução Crustal e Recursos Naturais/Departamento de Geologia/UFOP
2
166 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
A IMPORTÂNCIA DAS METALOPROTEINASES NO REMODELAMENTO DO MIOCÁRDIO Nayara Ingrid de Medeiros1 Juliana de Assis Silva Gomes2 Rafaelle Christine Gomes Fares3
Resumo: Componentes protéicos da matriz extracelular (MEC) têm sido amplamente estudados como fatores importantes para o remodelamento do tecido conjuntivo. Entre eles, destacam-se as metaloproteinases de matriz (MMPs). As MMPs são enzimas com função de degradar componentes da MEC, participando de inúmeros processos fisiológicos. Entretanto, o desequilíbrio entre essas enzimas e seus inibidores pode desencadear situações patológicas. Diante disso, a inibição das MMPs tem sido alvo de estudos direcionados à síntese de fármacos, na tentativa de uma inovação terapêutica. O presente trabalho traz uma revisão a respeito da MEC, das MMPs, sua associação com o remodelamento cardíaco e o panorama atual para o desenvolvimento de compostos farmacológicos que atuem sobre essas proteínas. Palavras-chave: Metaloproteinases. Matriz extracelular. Remodelamento cardíaco.
INTRODUÇÃO
te em sua estrutura primária, as MMPs são categorizadas em
A matriz extracelular (MEC) é um complexo de proteínas fi-
colagenases, gelatinases, estromelisinas, matrilisinas, MMPs de
brilares, proteoglicanos e glicosaminoglicanos essencial para a
membrana, entre outras (GEURTS et al., 2011). Uma das fun-
arquitetura, fisiologia e biomecânica dos tecidos. A MEC é com-
ções dessas endopeptidases é a degradação de componentes
posta por uma rede de colágeno, especificamente os coláge-
da matriz extracelular, sendo reguladores importantes de uma
nos tipo I e III, elastina, fibronectina e laminina. Juntas, essas
variedade de processos fisiológicos. Além disso, atuam na res-
proteínas garantem a integridade estrutural, a flexibilidade e a
posta imune clivando citocinas e quimiocinas e, assim, partici-
adesão às células por apresentarem domínios de interação com
pando ativamente da inflamação (LI et al., 2000; VANHOUTTE et
receptores específicos da membrana celular. (SPINALE, 2002;
al., 2006; KUPAI et al., 2010; POLYAKOVA et al., 2010).
ADAIR-KIRK & SENIOR, 2008; CALVET et al., 2009).
As MMPs compartilham a mesma topologia estrutural, com
A função biológica da MEC é o suporte estrutural, sendo
pré e pós-domínios, seguidos de um domínio catalítico e uma
capaz de manter a arquitetura do tecido, preenchendo os espa-
porção C terminal. O domínio catalítico contém uma região al-
ços entre as células. Além disso, confere adesão e forma, per-
tamente conservada, onde ocorre à ligação de um íon zinco,
mitindo a migração, a proliferação e a diferenciação das células
essencial para a manutenção da atividade enzimática (LI et al.,
adjacentes (ADAIR-KIRK & SENIOR, 2008). Alterações na MEC,
2000; SPINALE et al., 2000; PARKS et al., 2004; GEURTS et al.,
como mudanças no equilíbrio entre sua síntese e degradação
2011; MANNELLO & MEDDA, 2012). Essa região tem sido um
e na continuidade da rede de colágeno fibrilar são as caracte-
alvo comum para o desenvolvimento farmacológico de inibido-
rísticas essenciais do remodelamento tecidual que ocorre em
res de MMP, uma alternativa estratégica devido à importância do
muitos processos patológicos (SPINALE et al., 2000; ROY et al.,
remodelamento da MEC em diversos processos patológicos (LI
2011). Dessa forma, a manutenção da integridade e da organi-
et al., 2000; SPINALE et al., 2000).
zação da MEC é de grande importância e tem recebido destaque em pesquisas científicas.
As MMPs são secretadas em sua forma latente, como pró-enzimas ou zimogênios, e, por isso, requerem uma ativação
Componentes protéicos da MEC têm sido estudados devi-
proteolítica que ocorre após remoção do pró-peptídeo. Esse
do à importante participação no remodelamento do tecido con-
processo é acompanhado pela quebra de ligação entre o grupo
juntivo. Dentre esses componentes, destacam-se as metalopro-
tiol da cisteína no pró-peptídeo e o zinco no domínio catalítico.
teinases de matriz (MMPs).
Dessa maneira, o local para ligação ao substrato fica exposto e
As MMPs compreendem um amplo grupo de endopeptida-
o zinco disponível para se ligar a uma molécula de água, cuja
ses zinco-dependentes, classificadas de acordo com sua afini-
presença é indispensável para o processo catalítico (GEURTS
dade por determinado substrato. Baseando-se especificamen-
et al., 2011; MANNELLO & MEDDA, 2012). Esse processo de
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 167
ativação pode ser mediado por proteases e outras MMPs, ou,
figurações na insuficiência cardíaca congestiva (ICC), no infarto
alternativamente, por tratamentos químicos com ureia, detergen-
agudo do miocárdio (IAM) e na fibrose cardíaca decorrente à
tes e por radicais livres (GEURTS et al., 2011).
fase crônica da doença de Chagas e podem ser atribuídas às
A atividade das MMPs é regulada por fatores genéticos e
mudanças da MEC entre os cardiomiócitos (VANHOUTTE et al.,
epigenéticos, bem como a nível pós-transcricional por hormô-
2006; GUTIERREZ et al., 2008; CALVET et al., 2009; POLYAKO-
nios, fatores de crescimento, citocinas e interações célula-célula
VA et al., 2010).
e célula-matriz, podendo ser reguladas, também, por inibido-
Torna-se cada vez mais evidente que a MEC do miocárdio
res fisiológicos endógenos (KUPAI et al., 2010; GEURTS et al.,
não é uma estrutura estática e sim uma entidade dinâmica, que
2011). Os principais inibidores endógenos das MMPs são os Ini-
pode desempenhar um papel fundamental na adaptação das
bidores Teciduais de Metaloproteinases (TIMPs).
células cardíacas às situações de estresse, facilitando o remo-
Atualmente, são conhecidos quatro tipos de TIMPs: TIMP-1,
delamento tecidual (ADAIR-KIRK & SENIOR, 2008). Adicional-
TIMP-2, TIMP-3 e TIMP-4. Cada um com tamanho de aproxima-
mente, estudos realizados em humanos e animais relatam que
damente 23 kDa. Embora haja uma preferência de ligação do
alterações na interface do colágeno, tanto em termos de estru-
TIMP-2 pela MMP-2 e do TIMP-1 pela MMP-9, os TIMPs em geral
tura e composição, ocorrem nos cardiomiócitos do ventrículo
não apresentam maior grau de especificidade por alguma MMP
esquerdo (VE), podendo influenciar a geometria do tecido cardí-
em particular (SCHULZ, 2007). Os TIMPs se ligam às MMPs atra-
aco. (SPINALE et al., 2000; SPINALE, 2002; ADAIR-KIRK & SE-
vés da proporção molar estequiométrica 1:1 e, portanto, formam
NIOR, 2008). Além disso, a substituição do tecido cardíaco pelo
um sistema importante para o controle da atividade endógena
processo de fibrose, que ocorre após situações desencadeado-
das MMPs in vivo. Ao se ligarem às MMPs, os TIMPs bloqueiam
ras da apoptose dos cardiomiócitos, tem ganhado importância
o sítio ativo, impedindo o acesso ao substrato específico (SPI-
na busca por novos biomarcadores (ADAIR-KIRK & SENIOR,
NALE et al., 2000).
2008; CALVET et al., 2009; POLYAKOVA et al., 2010).
Por serem capazes de degradar componentes protéicos da
A fibrose cardíaca não é definida apenas pelo aumento da
MEC, as MMPs participam de uma variedade de processos fisio-
MEC no interstício dos cardiomiócitos, mas também pela mu-
lógicos como angiogênese, reparação tecidual, morfogênese,
dança na conformação, no tipo e na organização e nas ligações
mobilização de células tronco e cicatrização de feridas (LI et al.,
cruzadas do colágeno (LI et al., 2000). Na falência cardíaca,
2000; VANHOUTTE et al., 2006; KUPAI et al., 2010; POLYAKOVA
o colágeno é degradado por MMPs, que estão em níveis au-
et al., 2010). Entretanto, o aumento da atividade enzimática das
mentados, e substituído por fibras de colágeno com uma fraca
MMPs associado ao desequilíbrio entre elas e seus inibidores
capacidade de interação, promovendo a dilatação dos ventrí-
teciduais é encontrado em estados patológicos que incluem a
culos (BROWER et al., 2006). Além disso, a digestão da matriz
invasão de células tumorais e metástases, doenças fibróticas e
extracelular libera moléculas com potente efeito na síntese de
inflamatórias dos tecidos conectivos (SCHULZ, 2007). A partici-
matriz, tais como fatores de crescimento de ligação à matriz e as
pação das MMPs em algumas doenças tais como, artrite reu-
matriquinas, que são peptídeos de matriz fragmentados com ati-
matóide, câncer, doenças pulmonares, inflamação, diabetes e,
vidade biológica na regulação da atividade das células do tecido
recentemente, em doenças cardiovasculares, já tem sido obser-
conjuntivo. O resultado final é, muitas vezes, um aumento das
vada (LI et al., 2000; KUPAI et al., 2010).
MMPs acompanhado de um aumento da fibrose (LI et al., 2000). As MMPs e os TIMPs têm sido estudados em uma varieda-
O REMODELAMENTO CARDÍACO Remodelamento cardíaco é uma alteração na conformação das células e da MEC no coração em resposta a uma agressão, resultando em mudanças moleculares, celulares e intersticiais miocárdicas. Dessa forma, o miocárdio apresenta variações no tamanho, forma e na fração de ejeção. O remodelamento cardíaco também é um mecanismo adaptativo à sobrecarga hemodinâmica, permitindo ao coração manter suas funções em vigência, apesar da sobrecarga (COHN et al., 2000; MENDES et al., 2010). Essas alterações foram observadas em várias con-
de de doenças, recebendo uma atenção especial no remodelamento da matriz cardíaca inerente ao IAM, à ICC e à isquemia (LI et al., 2000; VANHOUTTE et al., 2006; SCHULZ, 2007; ADAIR-KIRK & SENIOR, 2008; POLYAKOVA et al., 2010). Os dados de Polyakova e colaboradores (2010) mostram que o aumento da expressão das MMP, especialmente das MMPs 2 e 9, estão associados à maturação do colágeno I e III em indivíduos com ICC, indicando a importância dessas enzimas na configuração, ativação e deposição do colágeno no processo de fibrose. As MMP-2 e MMP-9 compõem o subgrupo das gelatinases, que exercem atividade proteolítica principalmente sobre coláge-
168 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
no IV e gelatinas. As gelatinases foram particularmente descritas
e tem direcionado estudos para um novo conjunto de substân-
na regulação das respostas inflamatórias e no remodelamento
cias análogas, como as tetraciclinas quimicamente modificadas
cardíaco inerente ao IAM, à ICC e na infecção experimental pelo
(TQMs) (ACHARYA et al., 2004).
T. cruzi (VANHOUTTE et al., 2006; POLYAKOVA et al., 2010; GU-
As TQMs possuem a estrutura básica de uma tetraciclina
TIERREZ et al., 2008). Schulz (2007) mostrou que as MMP-2 e
e como principal alteração a remoção do grupo dimetilamino
MMP-9 são ativadas no coração humano após a isquemia e sua
da posição C4. Essa modificação química elimina o efeito anti-
atividade correlaciona-se negativamente com o índice de fun-
bacteriano e potencializa a ação secundária de inibição da an-
ção contrátil do VE e positivamente com a duração da isquemia.
giogênese, da metástase e, possivelmente, do remodelamento
Além disso, elas estão envolvidas na regulação da resposta infla-
tecidual, através da inibição das MMPs. O mecanismo geral de
matória por clivarem proteínas do sistema imune. Curiosamente,
ação de inibidores das MMPs é parcialmente conhecido e, em
a MMP-2 pode relacionar-se com injúrias cardíacas por clivar os
função da complexidade do processo e diversidade das MMPs,
filamentos de actina e miosina (GUTIERREZ et al., 2008).
os estudos existentes ainda estão em fase pré-clínica (ACHA-
Não obstante, alguns estudos associam essas MMPs a do-
RYA et al., 2004).
enças infecto-parasitárias, como a doença de Chagas, cuja prin-
As MMPs são enzimas multifuncionais, capazes de atuar
cipal manifestação clínica envolve o remodelamento cardíaco e
não apenas na MEC, mas também em várias biomoléculas.
a inflamação no coração (GUTIERREZ et al., 2008; CALVET et
Dessa forma, a inibição dessas endopeptidases pode gerar
al., 2009; GEURTS et al., 2011). Mecanismos que expliquem a
consequências secundárias indesejáveis, conforme já observa-
evolução do acometimento cardíaco causado pela infecção do
do (SCHULZ, 2007; GEURTS et al., 2011).
T. cruzi ainda não foram estabelecidos. Dessa forma, o estudo
A identificação de novos sítios alostéricos topológicos das
das MMPs pode esclarecer o processo de fibrose que acontece
MMPs é um desafio fundamental para o avanço no desenvolvi-
no remodelamento cardíaco da doença de Chagas, bem como
mento de fármacos mais seletivos. A ligação ao sítio ativo es-
em outras doenças que comprometem a capacidade cardíaca
pecífico, bem como a exosítios particulares das MMPs irão me-
(GUTIERREZ et al., 2008).
lhorar a especificidade e a eficiência dos inibidores das MMPs (GEURTS et al., 2011). A inibição das MMPs pode ser uma nova estratégia tera-
INIBIDORES DAS METALOPROTEINASES COMO
pêutica de sucesso, porém, estudos adicionais devem ser rea-
ALTERNATIVA TERAPÊUTICA Várias estratégias têm sido estudadas para a intervenção direta na atividade das MMPs como forma de impedir as alterações patológicas induzidas por elas em algumas doenças, buscando gerar potentes bloqueadores sintéticos da atividade proteolítica (SCHULZ, 2007; GEURTS et al., 2011). Alguns compostos sintéticos apresentaram capacidade de bloquear o sítio catalítico das MMPs, como hidroxinamatos e inibidores carboxilatos e da ligação dissulfeto entre os grupos tióis da cisteína, por apresentarem um grupo quelante de zinco em sua estrutura, tendo como alvo a ligação conservada deste íon no sítio catalítico. Apesar dos grandes esforços, reações adversas graves e problemas na biodisponibilidade e especificidade contribuem para o baixo desempenho dessas drogas em ensaios clínicos (GEURTS et al., 2011). Curiosamente, antibióticos de amplo espectro, como as tetraciclinas, apresentaram capacidade de inibição do sítio catalítico das MMPs devido à ação complexante de íons metálicos (GEURTS et al., 2011). Além das tetraciclinas tradicionais, o interesse nesses fármacos vai muito além da ação bacteriostática
lizados com o objetivo de resolver problemas de biodisponibilidade e de aumentar sensivelmente a seletividade dessas drogas (ACHARYA et al., 2004; SCHULZ, 2007; GEURTS et al., 2011). CONSIDERAÇÕES FINAIS As MMPs são fundamentais para a manutenção, a degradação e a funcionalidade da MEC, podendo ser apontadas como fatores chave no remodelamento cardíaco em toda sua complexidade. Além disso, o conhecimento da MEC, das MMPs e sua associação com o reparo tecidual é uma etapa importante no desenvolvimento de uma nova classe farmacológica para o tratamento das doenças cardiovasculares. Grupos de pesquisa têm se esforçado na síntese de compostos capazes de inibir seletivamente a atividade enzimática das MMPs, mas sem muito sucesso. Os efeitos adversos em decorrência da farmacoterapia de inibição das MMPs devem ser minimizados para a aprovação dos ensaios clínicos e, posteriormente, para que uma nova proposta farmacológica segura seja alcançada.
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 169
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ACHARYA, M. R. et al. Chemically modified tetracyclines as inhibitors of matrix metalloproteinases. Drug. Resist. Updat., v.7, n.3, p.195-208, 2004. ADAIR-KIRK, T. L. & SENIOR, R. M. Fragments of Extracellular Matrix as Mediators of Inflammation. Int. J. Biochem. Cell Biol., v.40, n.7, p.1101-1110, 2008. BRENER, Z. Pathogenesis and immunopathology of chronic Chagas disease. Mem. Inst. Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, v.82, n.1, p.205213, 1987.
OPDENAKKER, G. et al. Gelatinase B functions as regulator and effector in leukocyte biology. Journal of Leukocyte Biology, v.69, n.6, p.851-859, 2001. PARKS, W. C.; WILSON, C. L. & LOPEZ-BOADO, Y. S. Matrix metalloproteinases as modulators of inflammation and innate immunity. Nature Reviews Immunology, v.4, n.8, p.617-29, 2004. POLYAKOVA, V. et al. Fibrosis in endstage human heart failure: Severe changes in collagen metabolism and MMP/TIMP profiles. Int. J. Cardiol, v.151, n.1, p.18-33, 2010.
BROWER G. L. et al. The relationship between myocardial extracellular matrix remodeling and ventricular function. European Journal of Cardio-thoracic Surgery, v.30, n.4, p.604-610, 2006.
ROY, S. et al. Role of TGF- and TNF- in IL-1 mediated activation of proMMP-9 in pulmonary artery smooth muscle cells: Involvement of an aprotinin sensitive protease. Archives of Biochemistry and Biophysics, v.513, n.1, p.61-69, 2011.
CALVET et al. Regulation of extracellular matrix expression and distribuition in Trypanosoma cruzi-infected cardiomyocytes. Int J Med Microbiol., v.299, n.4, p.301-312, 2009.
SCHULZ, Richard. Intracellular targets of matrix metalloproteinase-2 in cardiac disease: Rationale and therapeutic approaches. Rev. Pharmacol. Toxicol., v.47, n.1, p.211-242, 2007.
COHN, J. N., FERRARRI, R. & SHARPE, N. Cardiac remodeling-concepts and clinical implications: a consensus paper from an international forum on cardiac remodeling. J. Am. Coll. Cardiol., v.35, n.3, p.56982, 2000.
SPINALE, F. G. Matrix metalloproteinase: regulation and dysregulation in the failing heart. Circ. Res., v.90, n.5, p.520-530, 2002.
COURA, J. R. & DIAS, J. C. P. Epidemiology, control and surveillance of Chagas disease: 100 years after its discovery. Mem. Inst. Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, v.104, n.1, p.31-40, 2009. GEURTS, N.; OPDENAKKER, G. & VAN DEN STEEN, P. E. Matrix Metalloproteinases as therapeutic targets in protozoan parasitic infections. Pharmacology & Therapeutics, v.133, n.3, p.257-279, 2011. GUTIERREZ, F. R. S. et al. Increased activities of cardiac matrix metalloproteinases matrix metalloproteinase (MMP)-2 and MMP-9 are associated with mortality during the acute phase of experimental Trypanosoma cruzi infection. J. Infect. Dis., v.197, n.10, p.1468-1476, 2008. KUPAI, K. et al. Matrix metalloproteinase activity assays: Importance of zymography. Journal of Pharmacological and toxicological methods, v.61, n.2, p.205-209, 2010. LI, Y. Y.; McTIERNAN, C. F. & FELDMAN, A. M. Interplay of matrix metalloproteinase, tissue inhibitors of metalloproteinases and their regulators in cardiac matrix remodeling. Cardiovascular Research, v.46, n.2, p.214-224, 2000. MANNELLO, F. & MEDDA, V. Nuclear localization of matrix metalloproteinases. Prog. Histochem. Cytochem., v.47, n.1, p.27-58, 2012.
SPINALE, F. G. et al. Myocardial matrix degradation and metalloproteinase activation in the failing heart: a potential therapeutic target. Cardiovascular Research, v.46, n.2, p.225-238, 2000. TANOWITZ, H. B. et al. Perspective on Trypanosoma cruzi-induced heart disease (Chagas disease). Prog. Cardiovasc. Dis., v.51, n.6, p.524-539, 2009. VANHOUTTE, D. et al. Relevance of matrix metalloproteinases and their inhibitors after myocardial infarction: A temporal and spatial window. Cardiovascular Research, v.69, n.3, p.604-613, 2006.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do curso de Farmácia do Centro Universitário Newton Paiva e estudante de iniciação científica no Centro de Pesquisas René Rachou - CPqRR/FIOCRUZ-MG. <nayara.medeiros@cpqrr.fiocruz.br> 2 Doutora em Bioquímica e Imunologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e professora adjunta do departamento de morfologia da UFMG. <estanislau.juliana@gmail.com> 3 Mestre em Biologia Celular e Molecular pelo CPqRR/FIOCRUZ-MG e doutoranda em Biologia Celular e Molecular pelo CPqRR/FIOCRUZ-MG. <rafaelle@cpqrr.fiocruz.br>
MENDES, O. C. et al. Cardiac remodeling: serial analysis and indexes for early detection of ventricular dysfunction. Arq. Bras. Cardiol., v.94, n.1, p.59-66, 2010.
170 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
Alelo ɛ 4 DA apolipoproteína E: fator de risco para o desenvolvimento da doença de Alzheimer Gisele Santos Gonçalves – MSc1 Vivian Proença Lara – Farmacêutica2 Arthur Gonçalves Assini – Farmacêutico3 Ana Paula Fernandes – PhD4 Karina Braga Gomes – PhD5 Josianne Nicácio Silveira – PhD6 Maria das Graças Carvalho – PhD7
Resumo: A doença de Alzheimer (DA) é um problema de saúde pública em razão do envelhecimento populacional, cujo desenvolvimento está relacionado a fatores genéticos e ambientais. Até o momento, uma das principais alterações moleculares associadas com o estabelecimento da DA consiste no polimorfismo da apolipoproteina E (ApoE). Existem três alelos principais do gene ApoE chamados de ɛ2, ɛ3 e ɛ4. O alelo da ApoE ε4 é mais frequentemente encontrado em pacientes com DA, quando comparado com a indivíduos saudáveis, tendo sido associado com maior risco da doença, com idade menor para início dos sintomas em ambas as formas familiar e esporádica e com maior déficit cognitivo. No entanto, cabe ressaltar que a variante ɛ4 do gene ApoE é um fator de risco e não uma causa determinante de DA. Dessa forma, existem indivíduos que possuem os dois alelos de ApoE na forma ɛ4 e não apresentam DA, como também indivíduos que apresentam apenas alelos ɛ2 ou ɛ3, e encontram-se acometidos pela DA. Palavras-chave: doença de Alzheimer. apolipoproteína E. demência. genética.
Introdução
2004; CACABELOS, 2007a). O alelo ε4 foi encontrado com uma
Nos últimos anos, o Brasil vem apresentando um novo
frequência de 39% em portadores da DA, valor cerca de quatro
padrão demográfico que se caracteriza pela redução da taxa
vezes maior que o encontrado nos indivíduos saudáveis no sul
de crescimento populacional e por transformações profundas
do Brasil (DE-ANDRADE et al., 2000).
na composição de sua estrutura etária, com um significativo
Outros fatores de risco para a DA, comumente citados na
aumento do contingente de idosos (IBGE). Juntamente com
literatura, são idade avançada, história familiar de demência,
o envelhecimento populacional, aumenta a prevalência de do-
sexo feminino, síndrome de Down e os fatores de risco para
enças intimamente relacionadas à senescência, como as co-
a doença cardiovascular, como hipertensão arterial, diabetes
ronariopatias, as neoplasias, a osteoporose e as demências
mellitus, dislipidemia e tabagismo (MUNOZ & FELDMAN, 2000).
(APRAHAMIAN et al., 2009).
Diante desse contexto, torna-se fundamental o conhecimen-
A demência é uma síndrome caracterizada pela perda ou
to de fatores genéticos e ambientais potencialmente associados
déficit das habilidades cognitivas, como memória e linguagem,
ao desenvolvimento da DA, a fim de que sejam identificados
por mudanças comportamentais e por um declínio significativo
precocemente os indivíduos sob risco de desenvolvimento da
na realização de atividades diárias (DESAI et al, 2010). Dentre as
doença ou mesmo para a adoção de medidas profiláticas cabí-
diversas causas de demência, a Doença de Alzheimer (DA) é a
veis visando retardar o aparecimento da mesma. Muita atenção
principal, sendo responsável por, pelo menos, metade dos casos.
deve ser prestada aos fatores de risco ambientais, uma vez que
A DA é considerada um distúrbio poligênico e multifatorial.
estes podem ser modificados, o que reverterá indubitavelmente
Diversos genes têm sido associados à doença, como o gene
em algum beneficio às pessoas que apresentam a predisposi-
da proteína precursora amilóide (APP) e das presenilinas 1 e 2
ção genética.
(PS1 e PS2), com grande importância nos casos de DA familiar. No entanto, é o gene da apolipoproteína E (ApoE), que codifica
A genética da Doença de Alzheimer
uma glicoproteína envolvida no metabolismo e transporte de li-
A etiologia da DA é multifatorial, devido a uma complexa
pídios no organismo, que tem sido relatado como o principal
combinação de fatores genéticos, pessoais e ambientais. Na
fator de risco genético para a doença de instalação tardia, parti-
sua forma familiar, é transmitida sob um padrão de herança au-
cularmente nos indivíduos que possuem o alelo ε4 (OJOPI et al,
tossômico dominante, mas a forma familiar representa apenas
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 171
5% dos casos. Aproximadamente 50% das pessoas com história
colesterol em diferentes tecidos (OJOPI et al, 2004). Esse gene
familiar de DA acabam por desenvolver a doença. Os casos he-
é composto de três alelos comuns (ɛ2, ɛ3 e ɛ4). Esses alelos são
reditários têm tendência para se manifestarem particularmente
definidos por 2 polimorfismos de nucleotídeo único (SNPs) nos
cedo, na meia-idade, e não na velhice. Contudo, a patologia é in-
resíduos 7412 e 429358 (BARBER, 2010; BEKRIS et al, 2010).
distinguível clinicamente dos casos esporádicos. Apesar dos ca-
As isoformas protéicas produzidas por esses alelos diferem na
sos hereditários e dos esporádicos terem origem nos mesmos
composição de aminoácidos nas posições 112 e/ou 158. O alelo ε2
processos biológicos, a ocorrência de mutações pode provocar
possui o aminoácido cisteína em ambas as posições da proteína;
acelerações na patogênese (MONTE et al, 1997).
o ε3, cisteína na posição 112 e arginina na 158 e o alelo ε4 possui
Do ponto de vista anatomopatológico, os achados na DA in-
arginina nas duas posições (OJOPI et al, 2004). Essa substituição
cluem perda neuronal com atrofia cerebral; degeneração sinápti-
cisteína-arginina afeta a estrutura tridimensional e as propriedades
ca; placas neuríticas (ou senis) contendo depósitos extracelulares
de ligação aos lipídios entre as isoformas (BERKIS et al, 2010).
de proteína beta-amilóide (Aβ), originados da clivagem anormal
A ApoE é também a principal apolipoproteína encontrada no
da proteína precursora beta-amilóide (APP); além de emaranha-
cérebro (OJOPI et al, 2004). Ela coordena a mobilização e a re-
dos neurofibrilares localizados normalmente no citoplasma peri-
distribuição do colesterol da mielina e das membranas neuronais
nuclear e composto de proteínas “tau” anormalmente fosforiladas
(LEDUC et al, 2010). Além disso, está envolvida no reparo sináp-
(SAMAIA & VALLADA FILHO, 2000; BARROS et al., 2009).
tico em resposta à injúria tecidual, na manutenção da estrutura
Segundo a hipótese da cascata amiloidal, a APP é uma pro-
neuronal e na função colinérgica (MUNOZ & FELDMAN, 2000).
teína transmembrana que sofre clivagem por α-, β- e γ-secretases,
As combinações dos três alelos dão origem a seis genó-
produzindo o fragmento peptídico Aβ, cuja forma mais comum é
tipos diferentes e sua frequência varia entre diferentes grupos
um fragmento de 40 aminoácidos. A neurodegeneração na DA
étnicos. O alelo mais comumente encontrado na população
é causada pela clivagem proteolítica anormal da APP, determi-
caucasiana é ε3, correspondendo a aproximadamente 78%
nada por β- e γ-secretases, que favorecem a produção de um
dos indivíduos. A frequência dos alelos ε2 e ε4 é aproximada-
fragmento de 42 aminoácidos. Esse fragmento apresenta maior
mente de 8% e de 14%, respectivamente na mesma popula-
capacidade de agregação e deposição na parte extracelular dos
ção (MUNOZ & FELDMAN, 2000).
neurônios, levando consequentemente à formação de fibras
Um estudo feito na região sul do Brasil identificou uma forte
amilóides e placas senis (LUCATELLI et al, 2009; BEKRIS et al,
associação entre ApoE ε4 e DA, tendo sido o alelo ε4 encontrado
2010). Além disso, ocorre a formação de novelos neurofibrilares,
com uma frequência de 39% em portadores da DA, valor cerca
que consistem em filamentos helicoidais da proteína tau hiper-
de quatro vezes maior que o encontrado nos indivíduos saudá-
fosforilada que se acumulam no citoplasma neuronal (MUNOZ &
veis da mesma localidade (DE-ANDRADE et al., 2000). Outro
FELDMAN, 2000). A função normal dessa proteína é estabilizar
estudo com 126 indivíduos brasileiros (SOUZA et al., 2003) mos-
os microtúbulos neurais, papel que, na DA, estaria prejudicado
trou que a frequência do alelo ε2 foi consideravelmente menor
(PARIHAR & TARUNA, 2004; RUDY et al, 2010).
no grupo de pacientes com DA (1%; n = 68); as frequências
Já segundo a hipótese colinérgica, a DA ocorre devido à de-
do alelo ApoE ε3 e do genótipo ApoE ε3/ε3 foram maiores nos
generação dos neurônios colinérgicos no prosencéfalo basal e
controles (84% e 72%, respectivamente; n = 58), enquanto as
déficit dos marcadores colinérgicos devido à: inibição da libera-
frequências do alelo ApoE ε4 e do genótipo ApoE ε3/ε4 foram
ção de acetilcolina, redução da captação da colina, e diminuição
maiores nos indivíduos com DA (25% e 41%, respectivamente).
da concentração intracelular de acetilcolina e da atividade da co-
Independentemente da etnia, o alelo ε4 é mais frequente-
lina acetiltransferase. O declínio da neurotransmissão colinérgica
mente encontrado em pacientes com DA, quando comparado
resultante desses fatores causa deterioração da função cognitiva
ao grupo controle, tendo sido associado a um maior risco do de-
e manifestações neuropsiquiátricas da doença (AULD et al, 2002).
senvolvimento da doença, com idade menor para início dos sintomas em ambas as formas familiar e esporádica e com maior
O gene da Apolipoproteína E
déficit cognitivo (DURON & HANON, 2008; BEKRIS et al, 2010).
O gene humano ApoE, localizado no braço longo do cromos-
A presença do alelo ε4 demonstrou uma maior associação
somo 19 (19q13.2), codifica uma glicoproteína de 317 aminoáci-
com o número de placas senis e placas vasculares, além de
dos, que constitui uma das muitas classes de apolipoproteínas
uma redução da função colinérgica em cérebros de pacientes
que transportam lipídios no plasma e em outros fluidos corpóreos.
portadores de DA (SAMAIA & VALLADA FILHO 2000; OJOPI et
Seu papel é fundamental na redistribuição de triglicerídios e de
al., 2004). Além disso, os portadores do alelo ɛ4, conforme dito
172 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
anteriormente, tendem a desenvolver os sintomas de DA mais
idades, embora a força de associação pode varia dependendo
precocemente, efeito ainda mais evidente nos homozigotos. Em
destes fatores (MUNOZ & FELDMAN 2000). A idade possui um
contraste, o alelo ɛ2 pode conferir um discreto efeito protetor por-
papel particularmente importante no desenvolvimento de DA,
que sua frequência é menor entre indivíduos com DA quando
uma vez que o risco de desenvolver a doença parece aumentar
comparado à população geral, mas este resultado não tem se
com a idade até certo ponto, a partir do qual cai vertiginosamen-
reproduzido sistematicamente. Quando indivíduos com alelos
te. A presença de dois alelos ε4 é responsável por uma grande
ɛ2/ɛ3 apresentam DA, a idade de início é mais avançada que nos
diminuição na idade de início da doença, enquanto que a pre-
carreadores de ɛ4 (TSAI et al., 1994; OJOPI et al., 2004; VALE,
sença de apenas um alelo ε4 é responsável por uma diminuição
2006; SERENIKI & VITAL, 2008; HUEB, 2009).
menos acentuada (PANZA et al., 2002). Um estudo recente ava-
Estudos epidemiológicos demonstraram que, em indivíduos
liou o grau de risco conferido pelos diferentes genótipos de apoE
com DA, a frequência do alelo ε4 é desproporcionalmente elevada,
entre indivíduos da mesma faixa etária. Os resultados mostram
com valores geralmente situados entre 25% e 40%. Pessoas com
que indivíduos com idade de 80 anos que apresentam ε3/ε4 pos-
um alelo ε4 têm entre 2,2 e 4,4 mais chance de desenvolver DA que
suem uma taxa de incidência de DA aumentada em 3,4 vezes
pessoas com alelos ε3/ε3, enquanto os homozigotos para o alelo ε4
em relação a indivíduos ε3/ε3. Indivíduos que são ε4/ε4 possuem
têm de 5,1 a 34,3 maior chance (FARRER et al, 1997; OJOPI et al.,
taxa de incidência aumentada 9,4, enquanto os que possuem a
2004; VALE, 2006; SERENIKI & VITAL, 2008; HUEB, 2009).
isoforma ε2 apresentam redução de 43% no risco apresentado
Schachter e colaboradores (1994) demonstraram que pessoas que possuem o alelo ɛ2 têm maior probabilidade de se tornarem centenárias que aquelas com o alelo ɛ3, que, por sua vez, parecem ter maior sobrevida que pessoas com o alelo ɛ4.
por um indivíduo ε3/ε3, sugerindo um papel protetor do alelo ε2 (EWBANK, 2002). Diversos estudos confirmam que a simples presença da isoforma ε4 de ApoE não é suficiente para o desenvolvimento da
Os mecanismos pelos quais o alelo ε4 poderia influenciar na
DA. No entanto, os alelos da apoE são fatores importantes que,
patologia da DA são incertos. No entanto, têm sido sugeridos:
de acordo com sua variação, têm o efeito de induzir ou proteger
atuação no metabolismo da APP e no acúmulo do peptídeo Aβ
contra a doença no processo de instauração da doença. Neste
em placas senis e vasculares, aumento da hiperfosforilação da
sentido, alguns grupos vêm estudando o papel dos polimorfismos
proteína tau e formação de novelos neurofibrilares, redução da
da região promotora do gene ApoE e sua influência no desen-
função colinérgica cerebral, aumento de processos oxidativos,
volvimento da DA. Polimorfismos na região promotora dos genes
inflamatórios ou de apoptose neuronal e alteração do metabo-
podem alterar a sua transcrição, gerando diferentes quantidades
lismo e do transporte lipídicos, assim como da biossíntese de
do RNA mensageiro e da respectiva proteína. Na região promo-
membranas neuronais (CORDER et al., 1998; CZYZEWSKI et al.,
tora do gene da apoE, já foram identificados polimorfismos nas
1998; CACABELOS, 2007b; DURON & HANON, 2008).
regiões -219 G/T, -427 C/T e -491 A/T (OJOPI et al., 2004).
Além da influência exercida na DA, essas isoformas têm
Embora o estudo da genética da DA já esteja avançado,
sido relacionadas com os níveis plasmáticos de lipídios e com
muitas lacunas ainda existem sobre os seus mecanismos de
o risco de doença cardiovascular, sendo que os alelos ε2 e ε4
instauração, desenvolvimento e fatores de risco associados,
frequentemente têm exercido efeitos opostos (DE-ANDRADE et
quer sejam eles genéticos ou ambientais. Os futuros avanços e
al, 2000). O alelo ε4 tem sido associado com altos níveis plasmá-
achados da genética poderão ser utilizados no diagnóstico pre-
ticos de colesterol total e de LDL, ambos considerados fatores
coce da doença, no seu tratamento ou mesmo na elaboração de
de risco para o desenvolvimento da aterosclerose. É também
estratégias de prevenção. Deve-se ressaltar que há um consen-
provável que esse polimorfismo influencie o desenvolvimento de
so na comunidade científica: a determinação das isoformas de
demência por meio de processos neurodegenerativos e de ate-
ApoE ainda é insuficiente como método diagnóstico.
rogênese (JASINSKA-MYGA et al, 2007). Um estudo realizado por de-Andrade e colaboradores (2000) no sul do Brasil demonstrou a associação do alelo ε2 com baixos níveis de triglicérides e de colesterol total e não-HDL em homens e mulheres. Inversamente, o alelo ε4 foi associado com altos níveis desse lipídio, mas a relação só foi observada em mulheres. A contribuição da presença do alelo ε4 no desenvolvimento da DA está presente em ambos os sexos, etnias e em todas as
Considerações finais A Doença de Alzheimer (DA) está relacionada a alguns fatores genéticos, sendo a associação com os polimorfismos da apolipoproteína E (ApoE) bem caracterizada em várias populações. A presença do alelo ε4 é um fator de risco para o desenvolvimento da doença. Seja qual for o mecanismo pelo qual a
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 173
presença de ɛ4 leva ao desenvolvimento da DA, ao menos um ponto já está claramente estabelecido: indivíduos carreadores do alelo ε4 apresentam risco aumentado de desenvolvimento da doença. Entretanto, algumas questões sobre seus efeitos neurotóxicos ainda precisam ser comprovadas, podendo-se destacar o papel específico da ApoE na formação de placas amiloides
S. M.; GASTALDO, G.; HUTZ, M. H. Association of apolipoprotein E polymorphism with plasma lipids and Alzheimer’s disease in a Southern Brazilian population. Brazilian Journal of Medical and Biological Research, v. 33, n. 5, p. 529-537, 2000. 11 DESAI, A. K.; GROSSBERG, G. T.; CHIBNALL, J. T. Healthy brain aging: a road map. Clinics in Geriatric Medicine, v. 26, p. 1-16, 2010.
e emaranhados neurofibrilares. Porém, deve-se enfatizar que a variante ɛ4 do gene ApoE é um fator de risco e não uma causa determinante de DA. Existem indivíduos que possuem os dois alelos na forma ɛ4 e não apresentam DA, e também indivíduos que apresentam apenas alelos ɛ2 ou ɛ3, mas encontram-se acometidos pela doença. Referências 1 APRAHAMIAN, I.; MARTINELLI, J. E.; YASSUDA, M. S. Doença de Alzheimer: revisão da epidemiologia e diagnóstico. Revista Brasileira Clínica Medica, v.7, p. 27-35, 2009. 2 AULD, D. S.; KORNECOOK, T. J.; BASTIANETTO, S.; QUIRION, R. Alzheimer’s disease and the basal forebrain cholinergic system: relations to beta-amyloid peptides, cognition and treatment strategies. Progress Neurobiology, v. 68, n. 3, p. 209-245, 2002. 3 BARBER, R. C. Biomarkers for early detection of Alzheimer disease. The Journal of the American Osteopathic Association, v. 110, n. 9, sup. 8, p. S10-S15, 2010. 4 BARROS, A. C., LUCATELLI, J. F., MALUF, S. W., ANDRADE, F. M. Influência genética sobre a doença de Alzheimer de início tardio. Revista Psiquiatria Clínica. v. 36; p. 16-24, 2009. 5 BEKRIS, L. M.; YU, C.E.; BIRD, T. D., TSUANG, D. W. Genetics of AD. Journal of Geriatric Psychiatry and Neurology, v. 23, n. 4, p. 213227, 2010. 6 CACABELOS, R. Donepezil in Alzheimer’s disease: from conventional trials to pharmacogenetics. Neuropsychiatric Disease and Treatment, v. 3, n. 3, p. 303-333, 2007a. 7 CACABELOS, R. Pharmacogenetic basis for therapeutic optimization in Alzheimer’s disease. Molecular Diagnosis Therapy, v. 11, n. 6, p.385-405, 2007b. 8 CORDER, E.H.; LANNFELT, L.; BOGDANOVIC, N.; FRATIGLIONI, L.; MORI, H. The role of APOE polymorphisms in late-onset dementias. Cellular and Molecular Life Sciences, v. 54; p. 928-34, 1998. 9 CZYZEWSKI, K.; PFEFFER, A.; BARCIKOWSKA, M. Apolipoprotein E function in the nervous system. Neurologia i Neurochirurgia Polska, v. 32, p. 125-32, 1998. 10 DE-ANDRADE, F. M.; LARRANDABURU, M.; CALLEGARI-JACQUES,
12 DURON, E.; HANON, O. Vascular risk factors, cognitive decline, and dementia. Vascular Health and Risk Management, v. 4, n. 2, p. 363381, 2008. 13 EBLY, E. M.; HOGAN, D. B.; PARHAD, I. M. Cognitive impairment in the nondemented elderly: results from the Canandian Study of Health and Aging. Archives of Neurology, v. 52, p. 612-619, 1995. 14 EWBANK, D. C. A multistate model of the genetic risk of Alzheimer’s disease. Experimental Aging Research, v. 28, p. 477-499, 2002. 15 Farrer L. A.; Cupples L. A.; Haines J. L.; Hyman B.; Kukull W. A.; Mayeux R.; Myers R. H.; Pericak-Vance M. A.; Risch N.; van Duijn C. M. Effects of age, sex, and ethnicity on the association between apolipoprotein E genotype and Alzheimer disease. JAMA, v. 278, n. 16, p. 1349-1356, 1997. 16 FRIDMAN, C.; GREGÓRIO, S. P.; OJOPI, É.P.B.; DIAS NETO, E. Alterações genéticas na doença de Alzheimer. Revista Psiquiatria Clínica, v. 31; p.19-25, 2004. 17 HUEB, Thiago Ovanessian. Doença de Alzheimer / Alzheimer’s disease. Revista Brasileira Medicina, V. 65, p. 90-95, 2009. 18 IBGE - INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Projeção da população do Brasil por sexo e idade – 1980-2050. Estudos & Pesquisas, Rio de Janeiro, 2008. Disponível em:<http://www.ibge. gov.br/home/estatistica/populacao/projecao_da_populacao/2008/projecao.pdf>. Acesso em 20 Jun. 2012. 19 JASINSKA-MYGA, B.; OPALA, G.; GOETZ, C.; TUSTANOWSKI, J.; OCHUDLO, S.; GORZKOWSKA, A.; TYRPA, J. Apolipoprotein E gene polymorphism, total plasma cholesterol level and Parkinson disease dementia. Archives of Neurology, v. 64, p. 261-265, 2007. 20 LAWS, S.M.; HONE, E.; GANDY, S. et al. Expanding the association between the APOE gene and the risk of Alzheimer’s disease: possible roles for APOE promoter polymorphisms and alterations in APOE transcription. Journal of Neurochemistry, v. 84, p. 1215-36, 2003. 21 LEDUC, V.; JASMIN-BÉLANGER, S.; POIRIER, J. APOE and cholesterol homeostasis in Alzheimer’s disease. Trends in Molecular Medicine, v.16, n. 10, 2010. 22 LUCATELLI, J. F., BARROS, A. C., MALUF, S. W., ANDRADE, F. M. Influência genética sobre a doença de Alzheimer de início precoce.
174 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
Revista Psiquiatria Clínica, v. 36; p. 25-30, 2009. 23 MONTE , SM, GHANBARI K, FREY, WH. Characterization of the AD7c-NTP e DNA expression in Alzheimer’s disease and measurement of a 41-KD protein in cerebrospinal fluid. The Journal of Clinical Investigation, V. 100, p. 3093 -3104, 1997.
NOTAS DE RODAPÉ
24 MUNOZ, D. G.; FELDMAN, H. Causes of Alzheimer’s disease. Canadian Medical Association Journal, v. 162, n. 1 p. 65-72, 2000.
2 Vivian Proença Lara: Mestranda em Farmácia pela Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: vi_agem@hotmail.com
25 OJOPI, Elida P. Benquique; BERTONCINI, Alexandre Bruno; DIAS NETO, Emmanuel. Apolipoproteína E e a doença
3 Arthur Gonçalves Assini: Graduando em Farmácia pela Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: arthur.assini@hotmail.com
1 Gisele Santos Gonçalves: Professora Adjunta do curso de Farmácia do Centro Universitário Newton Paiva e Doutoranda da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: giselesantos@ newtonpaiva.br
de Alzheimer. Revista Psiquiatria Clínica, v. 31, p. 26-33, 2004.
26 PANZA, F.; SOLFRIZZI, V.; D’INTRONO, A.; CAPURSO, C.; COLACICCO, A.M.; TORRES, F.; ALTOMARE, E.; CAPURSO, A. Genetics of late-onset Alzheimer’s disease: vascular risk and beta-amyloid metabolism. Recenti Progressi in Medicina, v. 9, p. 489-97, 2002. 27 PARIHAR, M. S.; TARUNA, H. Alzheimer’s disease pathogenesis and therapeutic interventions. Journal of Clinical Neuroscience, v. 11, n.5, p. 456–467, 2004. 28 RUDY, J. C.; ROLSTON, R. K.; SMITH, M. A. Alzheimer disease. Disease Month, v. 56, p. 484-546, 2010. 29 SAMAIA, H. P.B. & VALLADA FILHO, H. P. Aspectos genéticos da Doença de Alzheimer. Revista Psiquiatria Clínica (São Paulo), V. 27, n. 2, p. 104 -110, 2000.
4 Ana Paula Fernandes: Professora Associada do Departamento de Análises Clínicas e Toxicológicas da Universidade da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: anav@uai.com.br 5 Karina Braga Gomes: Professora Adjunta do Departamento de Análises Clínicas e Toxicológicas da Universidade da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: karinabgb@gmail.com 6 Josianne Nicácio Silveira: Professora Adjunta do Departamento de Análises Clínicas e Toxicológicas da Universidade da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: josianne. nicacio@gmail.com 7 Maria das Graças Carvalho: Professora Titular do Departamento de Análises Clínicas e Toxicológicas da Universidade da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: mgcarvalho@ farmacia.ufmg.br
30 SCHACHTER F., FAURE-DELANEF L, GUENOT F et al. Genetic associations with human longevity at the Apo E and ACE loci. Nature Genetics, v. 6: p. 29-33, 1994. 31 SERENIKI, A., VITAL, M. A. B. F. A doença de Alzheimer: aspectos fisiopatológicos e Farmacológicos. Revista Psiquiatria RS, v. 30, 2008. 32 SOUZA, D.R.; DE GODOY, M.R.; HOTTA, J.; TAJARA, E.H.; BRANDÃO, A.C.; PINHEIRO JUNIOR, S.; TOGNOLA, W.A.; DOS SANTOS, J.E. Association of apolipoprotein E polymorphism in late-onset Alzheimer’s disease and vascular dementia in Brazilians. Brazilian Journal of Medical and Biological Research, v. 36, p. 919-23, 2003. 33 TSAI MS, TANGALOS EG, PETERSEN RC et al. Apolipoprotein E: risk factor for Alzheimer disease. American Journal of Human Genetics, v. 54: p. 643-649, 1994. 34 VALE, F.A.C., et al. Alzheimer’s disease. The Lancet, p. 368 - 387, 2006.
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 175
ANEMIA MEGALOBLÁSTICA* Brenda Pechir Tomich1 Roberta D. Rodrigues Rocha2 Mônica de F. Ribeiro Ferreira2
RESUMO: A anemia caracteriza-se por uma diminuição do hematócrito, da concentração de hemoglobina ou da concentração de hemácias no sangue. Nas anemias megaloblásticas há diminuição do número de eritrócitos com macrocitose, devido a uma deficiência de vitamina B12 e/ou ácido fólico. Os principais acometidos são gestantes, lactentes, crianças abaixo da linha de pobreza, idosos e indivíduos com deficiência de fator intrínseco. Para o diagnóstico correto, deve-se reconhecer se a anemia megaloblástica está presente, distinguir entre as deficiências dos nutrientes e então determinar a causa. É muito importante que o diagnóstico diferencial entre a deficiência de vitamina B12 ou folato seja estabelecido para a uma terapêutica adequada. Diante do exposto, verifica-se a importância do conhecimento sobre a anemia megaloblástica, assim, este estudo teve por objetivo reunir informações sobre como a anemia megaloblástica se instala, abordando ainda os aspectos clínicos, suas causas, bem como seu diagnóstico, tratamento e prevenção. Para tal, foi realizado um levantamento bibliográfico. Concluiu-se a importância do diagnóstico precoce e do tratamento dessa anemia, uma vez que se não tratada a deficiência crônica da vitamina B12 pode conduzir além das alterações hematológicas, a manifestações digestivas, cardiovasculares e neuropsiquiátricas irreversíveis. A falta dessa vitamina pode ainda conduzir a uma deficiência de ácido fólico, que por sua vez, tem um papel fundamental no processo da multiplicação celular, desenvolvendo assim um quadro de anemia além de pancitopenia. Palavras-chave: Anemia megaloblástica. Vitamina B12. Ácido fólico. Diagnóstico laboratorial. Tratamento e prevenção.
INTRODUÇÃO
denominada classificação morfológica. Do ponto de vista fisio-
A anemia é considerada um dos distúrbios fisiológicos de
patológico, as anemias são classificadas em anemias por defi-
maior prevalência, atingindo aproximadamente um terço da po-
ciência de produção de hemácias, por excesso de destruição e
pulação mundial (WHO, 2001). Com predominância nos países
por perdas hemorrágicas. A classificação morfológica é base-
em desenvolvimento (HADLER et al., 2002), trata-se de uma
ada nos índices hematimétricos, o volume corpuscular médio -
condição clínica caracterizada por diminuição do hematócrito,
VCM e hemoglobina corpuscular média - HCM. Assim, do ponto
da concentração de hemoglobina ou da concentração de hemá-
de vista morfológico as anemias podem ser classificadas em:
cias no sangue. Esses valores abaixo dos de referência, diferem
microcíticas e hipocrômicas - VCM e HCM baixos, macrocíticas
conforme a idade, sexo ou localização geográfica do paciente
e normocrômicas - VCM alto e HCM normal e normocíticas e nor-
(altitude). A anemia não representa um diagnóstico definitivo e
mocrômicas - VCM e HCM normais (CANÇADO, 2007; SOUZA
sim um achado laboratorial que demanda criteriosa investigação
e FILHO, 2003).
etiopatogênica (FAILACE e FERNANDES, 2009).
Várias são as causas da anemia, no entanto a mais comum
Considera-se portador de anemia o indivíduo cuja concen-
é a deficiência de nutrientes como, por exemplo, de ferro, da vi-
tração de hemoglobina é inferior a 13g/dL no homem adulto,
tamina B12 e do ácido fólico que não são produzidos pelo orga-
12g/dL na mulher adulta e em crianças entre seis e 14 anos de
nismo humano e são essenciais para eritropoese. Sendo assim,
idade, 11g/dL na mulher grávida e em crianças entre seis meses
o desenvolvimento de anemia está presente especialmente na
e seis anos (WHO, 2001).
população de baixa renda, nas gestantes, em crianças e idosos
As manifestações clínicas são variadas e decorre da redu-
(FAILACE e FERNANDES, 2009).
ção da capacidade de transporte de oxigênio do sangue e con-
Nas anemias por deficiência de vitamina B12 e/ou ácido
sequente menor oxigenação dos tecidos. Os sinais e sintomas
fólico, o VCM é superior a 110fL e não há reticulocitose, consti-
refletem, portanto a hipóxia dos tecidos, a saber: cefaléia, verti-
tuindo assim em anemia megaloblástica. O diagnóstico conta
gens, tonturas, lipotimia, fraqueza muscular, câimbras e zumbi-
com a avaliação das alterações morfológicas características em
dos (ZAGO; FALCÃO; PASQUINI, 2001).
sangue periférico e medula óssea, sendo necessário definir com
As anemias podem ser classificadas de acordo com o me-
exatidão a carência vitamínica que causa a anemia. O diag-
canismo pelo qual ocorrem, ou seja, a classificação fisiopato-
nóstico diferencial entre a deficiência de vitamina B12 ou folato
lógica e de acordo com a morfologia dos glóbulos vermelhos,
é fundamental para uma terapêutica correta (NAVARRO e PAZ,
176 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
GURA 1). Como a deficiência de síntese de DNA atinge todas as
2006; ZAGO; FALCÃO; PASQUINI, 2001) A deficiência de vitamina B12 e/ou ácido fólico além de con-
células em divisão, ocorre o acometimento das três linhagens
duzir a um quadro de anemia megaloblástica causa danos ao
hematopoéticas: série vermelha, granulocítica e megacarioci-
sistema nervoso: neuropatia progressiva e demência e nas ges-
tária (DE PAZ e HERNÁNDEZ-NAVARRO, 2006; GARAY, 2006;
tantes aumento do risco de malformação fetal. Desta forma, o
GARCIA et al., 1998).
diagnóstico precoce é de suma importância para implantação da terapêutica adequada (GARCIA et. al., 1998; RANG et al.,
AS MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
2007; SOUZA e FERREIRA, 2004).
De um modo geral os sinais e sintomas da anemia megalo-
Diante do exposto, verifica-se a importância do conheci-
blástica são: perda de apetite e astenia, dores abdominais, en-
mento sobre a anemia megaloblástica, assim, o presente estu-
jôos e diarréia, desenvolvimento de úlceras dolorosas na boca e
do reúne informações sobre como a anemia megaloblástica se
na faringe, alterações da pele, perda de cabelo, cansaço, perda
instala através da deficiência de vitamina B12 e/ou ácido fólico
de energia e de vontade, sensação de boca e língua doloridas,
ocasionando defeitos na eritropoese. Aborda ainda os aspectos
durante a gravidez, parto prematuro e/ou a malformação do feto,
clínicos, as principais causas, bem como o diagnóstico laborato-
nas crianças, o crescimento pode ser retardado e a puberdade
rial, tratamento e prevenção desse tipo de anemia.
atrasada (ZAGO; FALCÃO; PASQUINI, 2001). As manifestações clínicas da deficiência de vitamina B12 são
METODOLOGIA
polimórficas, variando de estados mais brandos até condições
O presente estudo foi elaborado a partir de um levantamen-
muito severas. De uma maneira geral, é uma desordem que se
to bibliográfico realizado em livros-textos e artigos adotando
manifesta por um quadro clássico caracterizado por anemia me-
como critério inicial a consulta aos indexadores MEDLINE (Li-
galoblástica associada a sintomas neurológicos com freqüente
teratura Internacional em Ciências da Saúde), PubMed, LILACS
aparecimento da tríade fraqueza, glossite e parestesias (GARAY,
(Literatura Latinoamericana em Ciências da Saúde), SCIELO
2006) Incluem alterações neuropsiquiátricas, neuropatia óptica,
(Scientific Electronic Library Online) e BIREME, dissertações e
neuropatia sensitivo motora e neuropatia autonômica envolven-
teses publicadas. Após realização da busca na base de dados
do os plexos mioentérico, a inervação autonômica da bexiga, de-
online, foi feita uma seleção dos artigos que se adequavam ao
terminando, neste caso, o aparecimento de bexiga neurogênica,
tema proposto, considerando a confiabilidade, pertinência e cre-
situações todas essas que podem ser revertidas ou melhoradas
dibilidade dos mesmos.
com o tratamento de reposição com vitamina B12 (NETO, 2008). Na deficiência de folatos, glossite - ardência, dor e aparên-
A ANEMIA MEGALOBLÁSTICA
cia vermelha da língua, “língua careca”, queilite, diarréia, per-
A anemia megaloblástica representa a principal anemia
da de apetite e anemia megaloblástica indistinguível da anemia
macrocítica e resulta da deficiência de vitamina B12 e/ou ácido
megaloblástica causada pela deficiência de vitamina B12. No
fólico. Esses dois nutrientes são muito importantes, pois atuam
entanto, ao contrário da deficiência de vitamina B12, na carên-
como coenzimas em reações que ocorrem na síntese de DNA.
cia de ácido fólico, não se observa as alterações neurológicas
É, portanto, um distúrbio, ocasionado por uma alteração na sín-
típicas da deficiencia de vitamina B12, pois o sistema nervoso
tese do DNA que se caracteriza por um estado em que a divisão
do adulto não depende de ácido fólico. Outros efeitos são hiper-
celular se torna lenta, a despeito do crescimento citoplasmáti-
pigmentação da pele, esterilidade, diminuição da atividade bac-
co. Esta anormalidade nada mais é do que uma assincronia da
tericida e redução das subpopulações linfocitárias (BARRIOS e
maturação do núcleo em relação ao citoplasma. As células se
RAMÍREZ, 2009; ZAGO; FALCÃO; PASQUINI, 2001)
preparam para uma divisão que não ocorre, e, como resultado, acabam se tornando maiores (FAILACE e FERNANDES, 2009).
A deficiência de ácido fólico no início da gravidez pode ocasionar defeitos no tubo neural como mielomeningocele, hi-
As células mais afetadas são aquelas que possuem reno-
drocefalia e anencefalia, uma vez que o folato é essencial para
vação mais rápida, como as precursoras da medula óssea e
suprir as necessidades do feto em formação em períodos de
as células da mucosa do trato gastro-intestinal. Sendo assim,
constante renovação celular como na gestação, decorrente da
a anemia megaloblástica se caracteriza por macrocitose (VCM
intensa atividade do sistema hematopoético para o crescimento
maior que 110fL), sem reticulositose. Existe ainda, uma altera-
do feto e desenvolvimento do sistema nervoso (MCDONALD et
ção clássica, a hipersegmentação do núcleo dos neutrófilos (FI-
al., 2003; MELERE, 2010).
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 177
DESENVOLVIMENTO DA ANEMIA MEGALOBLÁSTICA
pode ocasionar a deficiência dessas vitaminas estão apresen-
A causa do desenvolvimento da anemia megaloblástica se
tadas resumidamente no QUADRO 1.
dá pela deficiência de vitamina B12 e/ou ácido fólico e o que QUADRO 1 - Principais causas de deficiência de vitamina B12 e ácido fólico que resultam em anemia megaloblástica.
Fonte: SILVA; HASHIMOTO (1999).
A anemia perniciosa é a causa mais comum da anemia
fólico. As principais causas da carência de folatos se dividem
megaloblástica e é resultado de uma deficiência de vitamina
em quatro grandes grupos: aporte dietético insuficiente, aumen-
B12, devido a incapacidade do indivíduo de absorvê-la por ter
to das necessidades (gestação, lactação, infância), defeitos na
ausência ou deficiência de fator intrínseco como consequência
absorção e interação com fármacos, além de etilismo crônico e
da atrofia da mucosa gástrica ou por destruição autoimune das
cirrose hepática (NAVARRO e PAZ, 2006).
células parietais que também secretam ácido clorídrico. Esta enfermidade compreende um amplo espectro de manifestações
METABOLISMO E FUNÇÃO DA VITAMINA B12
clínicas, podendo causar, além de anemia, manifestações neu-
A vitamina B12 ou cianocobalamina faz parte de uma família
ropsiquiátricas, alterações gastrointestinais, ginecológicas e he-
de compostos denominados genericamente de cobalaminas. É
matológicas (NAVARRO e PAZ, 2006).
uma vitamina hidrossolúvel, sintetizada exclusivamente por bac-
Entre as causas de carência de vitamina B12 está ingestão
térias que habitam o tubo digestivo de animais. É encontrada em
insuficiente, má absorção ileal (pode ocorrer devido a insuficiên-
praticamente todos os tecidos animais e estocada primariamen-
cia pancreática, síndrome da alça cega, pela presença de pa-
te no fígado na forma de adenosilcobalamina. Os humanos são
rasitas como o Diphyllobothrium latum, deficiência de transco-
incapazes de sintetizar esta vitamina e, portanto, completamente
balamina II, ressecção ileal, doença de Crohn, doença celíaca,
dependentes da dieta para sua obtenção (GARAY, 2006; KA-
espru e doença de Imerslund-Grãsbeck), medicamentos e dis-
WANISHI e ZANUSSO, 2010; ZAGO; FALCÃO; PASQUINI, 2001)
túrbios gástricos (gastrite atrófica, gastrectomia parcial ou total e anemia perniciosa) (ZAGO; FALCÃO; PASQUINI, 2001).
As principais fontes de vitamina B12 são as proteínas animais: leite, carne e ovos (FAIRBANKS e KLEE, 1998; LORENZI,
A carência de folato pode ser atribuída tanto à dieta rica
1992). As necessidades diárias são ínfimas (cerca de 0,5 – 2,0
quanto a dieta pobre em folato. De acordo com Silva e Hashimo-
µg/dia) e por isso a carência de vitamina B12 de origem alimen-
to (1999) a anemia megaloblástica na dieta rica em ácido fólico
tar ocorre somente em vegetarianos estritos depois de mais de
pode ser pela administração de medicamentos que antagoni-
uma década sem ingerir alimento de origem animal, devido a uma
zam a ação do folato como os antimaláricos e quimioterápicos,
eficiente conservação da vitamina pela circulação enterohepática
e a alimentação pobre em folato associada ou não a gestação,
(HERRMANN
et al. 2003; ZAGO; FALCÃO; PASQUINI, 2001).
pode levar a uma anemia por déficit de folatos. A diarréia tropi-
No organismo humano, a absorção de vitamina B12 já inicia
cal e sensibilidade ao glúten causam atrofia da mucosa gástri-
na boca, por ação da saliva, continua até o final do intestino del-
ca levando a diminuição na absorção de vitamina B12 e ácido
gado (íleo terminal) e depende de uma glicoproteína produzida
178 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
pelas células parietais da mucosa gástrica, denominada fator
O DIAGNÓSTICO LABORATORIAL
intrínseco (FI). Neste processo, além desta glicoproteína, várias
As estratégias para o diagnóstico das anemias megalo-
proteínas são necessárias à captação da B12 (KAWANISHI e ZA-
blásticas diferem de acordo com as apresentações clínicas. O
NUSSO, 2010; ZAGO; FALCÃO; PASQUINI, 2001)
quadro clínico muitas vezes é sugestivo, mas nem sempre os
A vitamina B12 é essencial em diversas reações bioquí-
dados observados são suficientes para firmar o diagnóstico, que
micas na natureza, a maioria das quais implica redistribuição
é feito a princípio pela observação das alterações morfológicas
de hidrogênios e de carbonos. No organismo humano funcio-
características em sangue periférico e medula óssea (VALDEZ;
na como um co-fator essencial para duas enzimas: metionina
BENETTI; SÁNCHEZ, 2008; ZAGO; FALCÃO; PASQUINI, 2001)
sintase e L-metilmalonil-coA mutase, ambas direta ou indire-
Além das alterações morfológicas típicas do hemograma e
tamente envolvidas no metabolismo da homocisteína (Hcy)
mielograma, outros exames se fazem necessários como: dosa-
(GARAY, 2006).
gem de cobalamina sérica, dosagem de folato sérico e/ou eritrocitário, dosagem de metilmalonato urinário (aumentado na defi-
METABOLISMO E FUNÇÃO DO ÁCIDO FÓLICO
ciência de vitamina B12), dosagem de homocisteína. O teste de
O ácido fólico é a vitamina B9 do complexo B, abundan-
Schilling é útil no diagnóstico de anemia perniciosa, entretanto
te nas folhas verdes, daí o nome fólico). Folato é um termo
é um teste em desuso por utilizar material radioativo (VALDEZ;
genérico para os compostos que têm atividade vitamínica si-
BENETTI; SÁNCHEZ, 2008).
milar a do ácido pteroilglutâmico e é a forma da vitamina na-
Definir com exatidão o defeito vitamínico que causa a
turalmente encontrada nos alimentos. Ácido fólico é a forma
anemia megaloblástica é muito importante, uma vez que a
sintética do folato, encontrada em suplementos vitamínicos
administração de vitamina B12 em pacientes com deficiência
e alimentos fortificados (FUTTERLEIB e CHERUBINI, 2005).
de ácido fólico pode corrigir parcialmente as alterações me-
Os folatos são amplamente distribuídos na natureza em for-
galoblásticas e inversamente, a administração de ácido fólico
ma reduzida, os poliglutamatos. As fontes mais ricas em folatos
em pacientes com deficiência de cobalamina induz a melho-
são vegetais: espinafre, alface, brócolis, vagens, frutas: banana,
ria hematológica, mas o quadro neurológico pode se agravar
melão e limão, cogumelos e proteínas animais: fígado e rins.
(NAVARRO e PAZ, 2006).
São vitaminas extremamente termolábeis, ou seja, o cozimento por mais de 15 minutos destrói os folatos. A quantidade mínima
O HEMOGRAMA
requerida por dia é 400μg/dia para adultos, 600μg para gestan-
De acordo com Henry (2008) a anemia megaloblástica é
tes, 150-200μg para crianças e 500μg para lactentes. O pico
dita como uma anemia macrocítica e normocrômica devido
plasmático é observado uma a duas horas após sua ingestão.
no eritrograma os valores de VCM ser elevado, HCM e CHCM
Na falta de ingestão seu estoque é consumido em três (HEB-
serem normais, RDW aumentado e os reticulócitos diminuí-
BERT, 1987; SAID; GHISHE; REDHA, 1987)
dos. No leucograma há a presença de neutrófilos hiperseg-
Os seres humanos são incapazes de sintetizar folatos e, por-
mentados diferenciando da anemia macrocítica não megalo-
tanto, devem obtê-lo através de suas fontes nutricionais e suple-
blástica. A hipersegmentação dos neutrófilos é o sinal mais
mentos, por meio da absorção intestinal (NASSER et. al., 2005).
precoce da disfunção da granulopoese, aparecendo mesmo
O folato atua como cofator essencial em muitas reações do metabolismo intermediário, como a transferência de unida-
antes da macrocitose e da anemia e persistindo por dias ou semanas após início do tratamento.
des de carbono, a síntese de nucleotídios, a interconversão de
O esfregaço sanguíneo mostra alterações eritrocitárias como
aminoácidos (metionina-homocisteína), requerendo cobala-
macro-ovalócitos, e graus extremos de anisocitose e poiquiloci-
mina de forma a prover S adenosilmetionina para a metilação
tose com esquistócitos, dacriócitos, corpúsculos de Howell-Jolly,
do DNA, RNA e proteínas, essencial para períodos de rápida
anel de Cabot, eritroblastos e até megaloblastos, conforme o grau
proliferação celular, como a gestação, por conta do crescimen-
da anemia. No hemograma há pancitopenia decorrente da con-
to e desenvolvimento fetal, além da intensa atividade hemato-
centração diminuída de hemácias, leucócitos e plaquetas sendo
poiética. O folato é essencial para a formação das hemácias
que com a cronicidade da doença aumenta-se a gravidade da
e leucócitos na medula óssea e para a maturação do heme
anemia megaloblástica. A FIG. 1 apresenta o esfregaço sanguí-
(ALEMDAROGLU, 2007).
neo de um paciente com anemia megaloblástica. A anisocitose é medida através do RDW (Red Cell DistribuPÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 179
tion Width), e o valor superior a 15% indica que a morfologia da
habitualmente abaixo de 7 – 8g/dL, o hematócrito inferior a
população eritrocitária é heterogênea, ou seja, o tamanho dos
25%, o número de eritrócitos entre 1,8 a 2,0 x 106/µL e o VCM
eritrócitos é diferente (NAOUM, 2008). Os reticulócitos estão di-
nos casos graves atinge de 110 a 170fL. Nos casos de ane-
minuídos na anemia megaloblástica significando problemas na
mia leve ou moderada a concentração de hemoglobina está
produção da linhagem eritróide, consequentemente a quantida-
entre 8 – 10g/dL, o hematócrito acima de 25%, o número de
de de hemoglobina também (GROTTO, 2010).
eritrócitos entre 2,5 a 3,8 x 106/µL e o VCM na faixa de 110 fL
Nos casos graves a concentração de hemoglobina está
(ZAGO; FALCÃO; PASQUINI, 2001).
FIGURA 1 - Esfregaço de sangue periférico: macroovalócitos (duas setas) anisocitose acentuada, hipersegmentação dos neutrófilos (uma seta).
Fonte: Mota et. al., 1996.
O MIELOGRAMA
duros da série branca, diminuição dos megacariócitos, que se
O aspirado de medula óssea confirma as alterações mega-
apresentam mais basofílicos e hiperlobulados. Além disso, há
loblásticas, mas este exame não é necessário se o caso é típico.
grandes quantidades de aberrações citológicas, como mega-
O quadro citológico medular é muito característico e quando a
loblastos gigantes ou com núcleos polilobulados, binucleados,
punção é realizada precocemente, antes do uso de medicamen-
contendo múltiplos micronúcleos, pontes citoplasmáticas e nu-
tos com vitamina B12 ou ácido fólico, o diagnóstico de anemia
cleares, cariorréxis. A FIG. 2 apresenta o esfregaço de medula
megaloblástica pode ser firmado com segurança (BARRIOS e
óssea de um paciente com anemia megaloblástica. Na série
RAMÍREZ, 2009; ZAGO; FALCÃO; PASQUINI, 2001)
branca as alterações são mais evidentes nas fases tardias da
Na medula óssea observa-se intensa hiperplasia, com
maturação e então observa-se presença de mielócitos e meta-
acentuada hiperplasia da linhagem eritróide que é composta
mielócitos de volume aumentado, com núcleo gigante (ZAGO;
por megaloblastos, diminuição do número de precursores ma-
FALCÃO; PASQUINI, 2001)
FIGURA 2 - Esfregaço de medula óssea: hipercelularidade com hiperplasia eritróide e eritropoiese megaloblástica. Série branca com células hipergranuladas e aumentadas de volume.
Fonte: Mota et. al., 1996.
180 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
De qualquer forma, é importante que o diagnóstico diferen-
DOSAGEM DE VITAMINA B12 SÉRICA A dosagem de vitamina B12 sérica é o teste mais comu-
cial entre vitamina B12 e folato seja estabelecido. Quando não
mente utilizado para diagnosticar deficiência de vitamina B12
houver esta possibilidade alguns autores afirmam que se pode
por ter menor custo e ser mais conhecida. Os níveis de vitamina
fazer ensaio terapêutico de deficiência de vitamina B12 e/ou de
B12 séricos são considerados baixos quando sua concentração
ácido fólico para auxiliar no diagnóstico de anemia megaloblásti-
é inferior a 200pg/mL (GARAY, 2006). Entretanto, esse exame
ca. No ensaio terapêutico de deficiência de vitamina B12 é admi-
apresenta limitações de sensibilidade e muitas controvérsias so-
nistrada uma dose parenteral de vitamina B12 (10 μg/dia) onde
bre sua especificidade.
a resposta hematológica ótima indica deficiência e consiste em
Diante do exposto, atualmente considera-se que a dosagem
produção de reticulócitos normalmente no terceiro ou quarto dia
de homocisteína e ácido metilmalônico, são exames confirmató-
após a dose de cobalamina. Caso não haja resposta, deve-se
rios para o diagnóstico, uma vez que indivíduos com deficiência
passar à fase seguinte que é a administração de ácido fólico,
de vitamina B12 têm na maioria dos casos níveis plasmáticos
2,5 mg/dia por via oral, repetindo-se a avaliação hematológica
elevados de homocisteína e ácido metilmalônico. A acurácia
após cinco a oito dias. Caso ainda não haja resposta, proceder
destes métodos tem aumentado seu uso, pois a alteração dos
à investigação mais especializada 5.
metabólitos antecede a diminuição sérica das vitaminas, sendo atualmente considerado o “padrão-ouro” para o diagnóstico da
DOSAGEM DE FOLATO SÉRICO E FOLATO ERITROCITÁRIO
deficiência de vitamina B12 (ZAGO; FALCÃO; PASQUINI, 2001)
Na deficiência de folatos, tanto o folato sérico quanto o
Paniz e colaboradores (2005) relataram que o método mais
eritrocitário estão diminuídos, enquanto os níveis de vitamina
sensível de triagem para deficiência de vitamina B12 é a medi-
B12 estão normais ou aumentados. O folato eritrocitário é mais
ção da concentração no soro de ácido metilmalônico e homocis-
acurado na avaliação dos depósitos de folatos, porque não so-
teína, pois estes aumentam logo no início da deficiência de co-
fre influência de medicamentos as ou dieta, mas tem caído em
balamina, uma vez que a vitamina B12 é utilizada como co-fator
desuso, pois seus níveis também caem em deficiências graves
na conversão de ácido metilmalônico em succinil-CoA e também
de vitamina B12, o que torna mais difícil interpretar este teste
juntamente como ácido fólico atua como co-fator na conversão
diagnóstico diferencial das anemias megaloblásticas, e também
de homocisteína em metionina. O desenvolvimento de ensaios
por sofrer influência de transfusões recentes (ZAGO; FALCÃO;
específicos de ácido metilmalônico serve para diferenciar a de-
PASQUINI, 2001).
ficiência de folato da vitamina B12, uma vez que o ácido metilmalônico só aumenta na anemia por carência de vitamina B12.
A melhor maneira de chegar ao diagnóstico da deficiência de folato é demonstrar baixos níveis de folato no sangue, infe-
Uma associação de ácido metilmalônico e homocisteína
riores a 4 ng/mL. Os níveis de folato são muito sensíveis às mu-
poderia ser útil devido à possibilidade de diferenciação entre
danças na dieta podendo normalizar apenas 24 horas depois de
deficiência de vitamina B12 e deficiência de folatos. Ambos os
iniciar uma dieta normal. Assim, a mensuração do folato sérico
metabólitos estão aumentados em cerca de 95% dos casos de
também deve ser analisada com cautela e o resultado isolada-
deficiência de vitamina B12, enquanto o aumento de homocis-
mente não deve orientar o tratamento porque pode apresentar
teína (sem aumento de ácido metilmalônico) ocorre em 91% na
dados falso-positivos ou falso-negativos (GARAY, 2006).
deficiência de folatos. A normalização das homocisteína após tratamento é particularmente importante, pois seu aumento é um fator independente de risco para trombose e arteriosclerose (GARY, 2006; ZAGO; FALCÃO; PASQUINI, 2001) A deficiência de vitamina B12 ocorre quando níveis de ácido metilmalônico estão superiores a 0,4μmol/L no soro, ou maiores que 3,2mmol/mol de creatinina na urina para adultos e superiores a 20- 23mmol/mol creatinina em crianças ( GARY, 2006). Cabe ressaltar, que quando o diagnóstico pode ser firmado com base nos testes de rotinas, não há indicação da pesquisa destes metabólitos, tendo em vista também o custo dos mesmos (ZAGO; FALCÃO; PASQUINI, 2001).
O DIAGNÓSTICO DA ANEMIA PERNICIOSA O diagnóstico de anemia perniciosa implica presença de anemia megaloblástica por carência de vitamina B12 associada à gastrite atrófica e deficiência de fator intrínseco. O principal desafio é fazer o diagnóstico precoce, para evitar danos neurológicos que são irreversíveis (LAHNER e ANNIBALE et. al., 2009; PAULINO et. al., 2008). Muitos hematologistas consideram que a forma mais direta e simples, atualmente, de identificar a anemia perniciosa é a realização de endoscopia gástrica com biópsia nos pacientes em que se identifica uma anemia megaloblástica com baixos níveis
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 181
de vitamina B12 e se houver sinais de gastrite atrófica, o diag-
com injeções de vitamina B12 até que a doença melhore. Essas
nóstico provável é de anemia perniciosa, e a execução de outros
injeções são aplicadas todos os dias inicialmente, depois sema-
exames somente é necessária se houver dúvidas ou se o quadro
nalmente e depois uma vez por mês. Muitas pessoas precisam
for atípico ( ZAGO; FALCÃO; PASQUINI, 2001).
dessas injeções mensais pelo resto da vida. As injeções podem
A pesquisa de anticorpos anti-fator intrínseco e anti-célula parietal, e a ausência de produção de ácido clorídrico pelo estô-
não ser mais necessárias após o tratamento adequado da doença de Crohn, doença celíaca ou do alcoolismo.
mago após estímulo máximo (acloridria) contribuem para confirmar o diagnóstico (LAHNER e ANNIBALE et. al., 2009; ZAGO; FALCÃO; PASQUINI, 2001).
TRATAMENTO DA CARÊNCIA DE ÁCIDO FÓLICO O déficit de folato é tratado com ácido fólico via oral na dose
Tem sido observado um aumento da proporção de casos
de 1 a 5 mg por dia até a correção da anemia, sempre procuran-
em que os sintomas iniciais são neurológicos, desacompanha-
do resolver a causa básica (GARAY, 2006). Nos casos agudos
dos de alterações hematológicas, em cerca de um terço dos
de anemia megaloblástica, a reposição deve ser feita em asso-
casos com deficiência de vitamina B12, talvez devido ao uso
ciação à cobalamina antes de ser feito um diagnóstico preciso
abusivo de suplementos vitamínicos contendo ácido fólico e
da doença. Além da suplementação farmacológica, a correção
dessa maneira mascarando a verdadeira deficiência de vitamina
da dieta também é muito importante, aumentando a ingestão
B12 (ZAGO; FALCÃO; PASQUINI, 2001).
de verduras e enfatizando a cocção não exagerada dos alimentos (NAVARRO e PAZ, 2006; ZAGO; FALCÃO; PASQUINI, 2001;
O DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL O diagnóstico diferencial deve ser feito com as doenças que cursam com anemia macrocítica ou com pancitopenia com macrocitose. Destas a que mais se assemelha com as anemias megaloblásticas, tanto por sua evolução crônica quanto em algumas alterações laboratoriais é a síndrome mielodisplásica (ZAGO; FALCÃO; PASQUINI, 2001). TRATAMENTO DA CARÊNCIA DE VITAMINA B12 O tratamento depende da causa da anemia por deficiência de vitamina B12. O diagnóstico de anemia perniciosa define que o tratamento será por toda a vida do paciente, uma vez que o defeito da absorção é irreversível. Deve ser tratada com vitamina B12 por via parenteral, pois é mais eficiente (NAVARRO e PAZ, 2006; ZAGO; FALCÃO; PASQUINI, 2001) Existem vários esquemas terapêuticos que visam recompor os depósitos para suprir as necessidades. Por exemplo, 1mg diariamente por via intramuscular nas duas primeiras semanas de tratamento, seguida de 1mg por semana até a normalidade do quadro hematológico e a seguir uma injeção mensal de 1mg. Em casos de anemia perniciosa, o tratamento com doses mensais de 1mg de cobalamina deve ser mantido pelo resto da vida do indivíduo (KAWANISHI e ZANUSSO, 2010; ZAGO; FALCÃO; PASQUINI, 2001). As pessoas com anemia devido a uma falta de vitamina B12 na dieta podem ter que tomar suplementos vitamínicos e seguir uma dieta mais balanceada. O tratamento pode começar com injeções de vitamina B12. A anemia causada por má digestão e absorção é tratada
ZÚÑIGA et. al., 2008) Antes de iniciar o tratamento deve-se assegurar a existência de níveis adequados de vitamina B12, e em caso de deficiência, deve-se realizar a administração conjunta de ambas as substâncias, uma vez que o tratamento exclusivamente com ácido fólico em pacientes com deficiência de vitamina B12 pode levar a um agravamento das manifestações neurológicas (NAVARRO e PAZ, 2006; ZAGO; FALCÃO; PASQUINI, 2001) RESPOSTA AO TRATAMENTO A melhora subjetiva acontece em 48 horas, com o restabelecimento da hematopoese normal. A eficácia do tratamento é controlada pela contagem do número de reticulócitos que atinge seu valor máximo no 10º dia após a primeira dose e sua elevação é proporcional ao grau da anemia. O início da recuperação da hemoglobina e do hematócrito acontece em quatro a sete dias e a hemoglobina deve atingir o seu valor normal em cerca de um mês. Se isto não ocorrer, deve ser investigada a associação da anemia megaloblástica com outras doenças que cursam com anemia hipocrômica (ZAGO; FALCÃO; PASQUINI, 2001) O número de neutrófilos normaliza em uma semana, enquanto a hipersegmentação dos neutrófilos desaparece gradualmente e normalmente não é observada após duas semanas. A contagem de plaquetas normaliza em até uma semana e pode aparecer trombocitose transitória. Os metabólitos diminuem na primeira semana (BARRIOS e RAMÍREZ, 2009; ZAGO; FALCÃO; PASQUINI, 2001) Na anemia perniciosa o tratamento corrige por completo as alterações hematológicas, mas não as alterações neurológicas
182 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
ZAGO; FALCÃO; PASQUINI, 2001)
(que podem persistir ou não). Os sintomas neurológicos devem melhorar nos primeiros
Há necessidade de conscientização da população sobre
seis meses e no máximo em 18 meses. Depois disto, pouca me-
a importância destes nutrientes, uma vez que a carência dos
lhora é evidenciada. Quanto maior o tempo da instalação destes
mesmos pode levar a situações irreversíveis. A inclusão de uma
sintomas, maior a probabilidade deles serem irreversíveis (BAR-
maior quantidade de vitamina na alimentação auxilia na preven-
RIOS e RAMÍREZ, 2009; ZAGO; FALCÃO; PASQUINI, 2001).
ção eficaz e pode reduzir riscos (NASSER et. al., 2005). CONSIDERAÇÕES FINAIS
MEDIDAS PREVENTIVAS As necessidades de folato variam em função da idade,
A anemia é considerada um problema de saúde pública no
sexo, estado fisiológico (gravidez e lactação). Gestantes, nutri-
mundo, sendo o distúrbio hematológico mais frequente na po-
zes, lactentes e idosos são considerados grupo de risco para
pulação. Representa um quadro clínico muito importante, pois
deficiência de ácido fólico (RAMOS; MAGNONI; CUKIER, [200-
está associada a inúmeras causas, dentre elas as carências nu-
?], ZAGO; FALCÃO; PASQUINI, 2001).
tricionais que levam à falta de fatores essenciais a produção dos
Mulheres em idade fértil devem consumir 400mg de ácido
eritrócitos, como a vitamina B12 e o ácido fólico.
fólico por dia. Para gestantes o aumento da necessidade é as-
A carência de vitamina B12 e/ou ácido fólico resulta em ane-
sociado com o rápido crescimento de estruturas maternas e o
mia megaloblástica. As causas são muito complexas devido a
crescimento e desenvolvimento celular do feto. A recomendação
vários fatores estarem envolvidos e pelo fato de que o meta-
de 600μg foi considerada suficiente para manter os níveis séri-
bolismo do ácido fólico depende da presença de vitamina B12,
cos de folato considerando a excreção urinária. Para mulheres
onde a falta desta vitamina pode acabar desenvolvendo a defi-
que já tiveram uma criança com defeito de fechamento do tubo
ciência de ácido fólico. Sendo a anemia megaloblástica desen-
neural a dose recomendada é de 4000mg, começando um mês
volvida por uma falha na maturação do material genético celular,
antes da concepção até o terceiro mês da gestação (NASSER
sua gravidade está no desenvolvimento de quadros de anemia
et. al., 2005).
acentuada além de pancitopenia severa.
Os idosos são candidatos à suplementação de ácido fólico,
Por estes fatos, o diagnóstico precoce da anemia mega-
vitamina B6 e vitamina B12, já que possuem maior predisposi-
loblástica principalmente pela deficiência de cobalamina é de
ção para situações de gastrite atrófica e hipocloridria, com dimi-
grande importância, onde os exames mais indicados seriam o
nuição na absorção de folatos e cobalamina, dependentes de
hemograma, a concentração do nível sérico de vitamina B12 e
meio ácido (RAMOS; MAGNONI; CUKIER, [200- ?])
análise de concentração no soro de ácido metilmalônico e ho-
O aporte dietético insuficiente é uma das causas mais fre-
mocisteína. E quando diagnosticada a anemia deve ser tratada
quentes da deficiência de ácido fólico e, por vezes, ocorre as-
com doses diárias de vitamina B12 e ácido fólico de acordo
sociada a condições que aumentam as necessidades diárias
com o tratamento prescrito pelo médico, dependendo da etio-
deste nutriente. Os folatos são encontrados abundantemente
logia da anemia.
nos espinafres, ervilhas, repolho, feijão, abacate, laranjas, nozes
Além disto, cabe ressaltar a necessidade de conscientiza-
e amêndoas. Também em cereais, legumes e algumas vísceras
ção da população e a informação sobre a alimentação correta,
animais como o fígado. Os alimentos devem ser consumidos,
uma vez que a maioria das pessoas não tem conhecimento que
preferencialmente, frescos ou crus. A deficiência de vitamina
a carência de nutrientes como a vitamina B12 e o ácido fólico
B12 de origem alimentar não é muito frequente, uma vez que
pode levar a situações irreversíveis.
ocorre apenas em vegetarianos estritos depois de muitos anos
O farmacêutico é um profissional com formação multidiscipli-
sem ingerir alimento de origem animal. Mas o conhecimento
nar, ou seja, pode atuar em várias áreas da saúde em benefício da
dos alimentos ricos em vitamina B12 é muito importante devido
sociedade. Nas análises clínicas, tem papel fundamental na recu-
a deficiência desta vitamina em recém nascidos e na infância,
peração da saúde do paciente, uma vez que tem grande respon-
uma vez que a mãe faz uso de dietas vegetarianas. Os alimentos
sabilidade no diagnóstico, participando da realização de exames,
mais ricos em vitamina B12 são as vísceras de origem animal
seja na bancada ou na emissão do laudo, sendo determinante para
(rim, fígado e coração) e ostras, e em quantidade moderada o
qualidade do resultado seguro, que implica em um bom contro-
leite em pó desnatado, alguns peixes e mariscos (caranguejos,
le de qualidade no laboratório levando a obtenção de resultados
salmão e sardinha) e gema de ovo (NAVARRO e PAZ, 2006;
confiáveis e reprodutíveis. Ao lidar com o paciente na farmácia tem
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 183
o papel da atenção farmacêutica, promovendo o uso correto dos medicamentos e esclarecendo a importância do tratamento correto. Garantindo que os usuários recebam orientações corretas quanto a posologia, indicação, interações, armazenamento, descarte e
HENRY, J. B. Diagnósticos Clínicos e tratamento por métodos laboratoriais. 20. ed. São Paulo: Manole, 2008. 632 p.
REFERÊNCIAS
HERRMANN W.; SCHORR H.; OBEID R.; GEISEL J. Vitamin B-12 status, particularly holotranscobalamin II and methylmalonic acid concentrations, and hyperhomocysteinemia in vegetarians. The American Journal Clinical Nuticion. Bethesda: v. 78, n. 1, p. 131-6, 2003.
ALEMDAROGLU, C. Impact of Folate Absorption and Transport for Nutrition and Drug Targeting. 2007, 260 f. Dissertação (Mestrado em princípios científicos) - Departamento de Química, Farmácia e Ciências da terra, Universidade Johanes Gutenberg, Ankara, 2007.
KAWANISHI, G.; ZANUSSO, G. Desenvolvimento da anemia megaloblástica e diagnóstico laboratorial. UNINGÁ Review. Nova Esperança, v. 5, n. 4, p. 58-66, out. 2010.
BARRIOS, M.; RAMÍREZ, P. Deficiencia de vitamina B12: ¿tratamiento oral o parenteral? Revista Cubana de Hematología, Inmunología y Medicina Transfusional. La Habana: v. 1, n. 25, p. 1 – 8, 2009.
LAHNER, E.; ANNIBALE, B. Pernicious anemia: New insights from a gastroenterological point of view. World Journal of Gastroenterology. Roma, 15(41), p. 5121 – 5128, 2009.
CANÇADO, R. D. Mieloma múltiplo e anemia. Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia. Campinas, v.29, n.1, p.67-76, 2007.
LORENZI, T. F. Manual de hematologia: propedêutica e clínica. Rio de Janeiro: MEDSI, 1992. 655 p.
eventos adversos dos medicamentos dispensados nas farmácias.
DE PAZ, R.; HERNÁNDEZ-NAVARRO, F. Manejo, prevención y control de la anemia perniciosa. Nutrición Hospitalaria. Madrid, v. 20, p. 433-435, 2005. FAILACE, R. R.; FERNANDES, F. B.; FAILACE, R. Hemograma: manual de interpretação. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2009. 424 p. FAIRBANKS, V. F.; KLEE, G. G. Aspectos bioquímicos da hematologia. In: BURTIS, C. A.; ASHWOOD, E. R. Tietz - fundamentos de química clínica. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabarra Koogan S. A., 1998. Cap. 36, p. 699-703. FUTTERLEIB, A.; CHERUBINI, K. Importância da vitamina B12 na avaliação clínica do paciente idoso. Scientia Medica. Porto Alegre, v. 15, n. 1, p. 74-78, jan./mar. 2005. GARAY, J. B. Anemias carenciales II: anemia megaloblástica y otras anemias carenciales. Información Terapeutica del Sistema Nacional de Salud. Madrid, v. 30, p. 67-75, 2006.
GARCIA L.Y.C., MOTA A.C.A., FILHO V.O., VAZ F.A.C. Anemias carenciais na infância. Jornal de Pediatria. Rio de Janeiro, v. 20, p. 112-125, 1998. GROTTO, H. Z. W. Diagnóstico laboratorial da deficiência de ferro. Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia. Campinas, v. 32, supl.2, p. 22-28, 2010. HADLER, M. C. C. M.; JULIANO, Y.; SIGULEM, D. M. Anemia do lactente: etiologia e prevalência. Jornal de Pediatria. Rio de janeiro, v. 78, n. 4, 2002. HEBBERT, V. - Recommended dietary intakes (RDI) of folates in human. The American Journal of Clinical Nutrition. Bethesda, 45: 661, 1987.
RAMOS, S.C.; MAGNONI, D.; CUKIER, C. Ferro e Ácido Fólico. Instituto de metabolismo e nutrição (IMeN). Nutrilite. Disponível em: http://www. grupodefoco.com.br/admin/arquivos/arquivo13_12_40_50.pdf>. Acesso em: 15 nov. 2012. MCDONALD, S.D; FERGUSON, S.; TAM. L; LOUGHEED. J; WALER, M. C.The prevention of congenital anomalies with periconceptional folic acid supplementation. Journal of Obstetrics and Gynaecology. Canada: v.25, n.2, p. 115–121, 2003. MELERE, C. Índice de Alimentação Saudável: proposta de adaptação para uso em gestantes brasileiras. Porto Alegre, 2010. 117f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2010. MOTA C.R.: RODRIGUES, M.; AIRES PEREIRA S.; TAVAREE. S; VILARINHO L; BARBOT J. Anemia megaloblástica grave em lactente de mãe vegetariana. Revista Saúde Infantil. Coimbra, n. 18, p. 33, 1996. NAOUM, P. C.; NAOUM, F. A. Hematologia Laboratorial: eritrócitos. 2 ed. São Paulo: Academia de Ciência e Tecnologia, 2008. 110 p. NASSER, C.; NOBRE, C.; MESQUITA, S.; RUIZ, J.; REIS, H; PROUVOT, L.; YACUBIAN, E. Semana da Conscientização Sobre a Importância do Ácido Fólico. Journal of Epilepsy and Clinical Neurophysiology. São Paulo, v.4, n. 11, p. 199 – 203, out. 2005. NAVARRO, F.; PAZ, R. Manejo, prevención y control de la anemia megaloblástica secundaria a déficit de ácido fólico. Revista Nutrición Hospitalaria. Madrid, v. 1, n. 21, p. 113 – 119, 2006. NAVARRO, F.; PAZ, R. Manejo, prevención y control de la anemia perniciosa. Revista Nutrición Hospitalaria. Madrid, v. 6, n. 20, p. 433 – 435, 2005.
184 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
NETO, F. T. Nutrição clínica. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara Koogan S.A., 2003. 519 p. PANIZ, C.; GROTTO, D.; SCHMITT, G. C.; VALENTINI. J.; SCHOTT, K. L.; POMBLUM, V. J.; GARCIA, S. C.. Fisiopatologia da deficiência de vitamina B12 e seu diagnóstico laboratorial. Jornal Brasileiro de Patologia e Medicina Laboratorial. Rio de Janeiro, v.41, n. 5, p.323-34, 2005. PAULINO, E.; MELO, A.; CARDOSO, M; SCHIAVON, L; NARCISO, J.; BUZZOLETE, F. Improvement of dementia and peripheral neuropathy with parenteral vitamin B12. Revista da Sociedade Brasileira de Clínica Médica. São Paulo, v. 6, n. 3, p. 123-124, 2008. RANG, H.P., DALE, M.M., RITTER J.M., FLOWER, R.J. Farmacologia. 6a ed. Rio de Janeiro: Ed. Elsevier, 2007. 829 p. SAID, H. M.; GHISHEN, F. K.; REDHA, R. Folate transport by human intestinal brush-border membrane vesicles. American Journal of Physiology. 252: G229, 1987. SILVA, P. H.; HASHIMOTO, Y. Interpretação Laboratorial do Eritrograma: Texto e Atlas. Curitiba: Ed. Lovise, 1999. 197 p. SOUZA, A. I.; FILHO M. B. Diagnóstico e tratamento das anemias carenciais na gestação: consensos e controvérsias. Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil. Boa Vista, v.3, n.4, p. 473-479, 2003.
SOUZA, E. B.; FERREIRA, V. A. Cuidados nutricionais no paciente gastrectomizado. Revista Brasileira de Nutrição Clínica. São Paulo, v.3, n.1, p.38-46, 2004. VALDEZ, J. G. R.; BENETTI, C. E. S.; SÁNCHEZ, C. L. Anemia megaloblástica. Revista de Posgrado de la VIa Cátedra de Medicina. Corrientes, n.177, p. 17-21, 2008. WORLD HEALTH ORGANIZATION - WHO. Iron deficiency anaemia: assessment prevention and control: a guide for program managers. Geneva, 2001. ZAGO, M.A ; MALVEZI, M,. Deficiências de vitamina B12 e de folato: anemias megaloblásticas. In: ZAGO, M.A; FALCÃO, R.P.; PASQUINI, R. (Org.). Hematologia: fundamentos e Prática. 1 ed. Rio de Janeiro: Editora Atheneu, 2001. cap. 21, p. 1081.
Notas de rodapé *Artigo resultante de Trabalho de Conclusão do Curso de Farmácia na área de Analises Clínicas. Farmacêutica graduada pelo Centro Universitário Newton Paiva – Belo Horizonte/MG
1
Farmacêuticas docentes do curso de Farmácia do Centro Universitário Newton Paiva – Belo Horizonte/MG
2
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 185
BIOTENSOATIVOS: uma alternativa mais limpa para as indústrias de cosméticos Izabella Branco Santos de Morais1 Lucia Helena de Angelis2
RESUMO: O segmento cosmético no Brasil apresentou nos últimos anos um grande avanço, comparado à indústria brasileira em geral. Juntamente a esse crescimento também surgiu à preocupação em relação aos problemas ambientais e sociais gerados pela indústria. Os tensoativos, substâncias amplamente utilizadas na sanitização de equipamentos e como matéria-prima, são, na maioria das vezes, descartados no ambiente, interferindo de maneira prejudicial no ecossistema aquático. Os biotensoativos surgiram como alternativa menos agressiva e biodegradável aos surfactantes de origem sintética. No presente artigo de revisão são discutidos os aspectos ambientais relacionados à indústria cosmética, o impacto ambiental causado pelos tensoativos e as propriedades dos biotensoativos. Palavras-chave: Indústria cosmética. Tensoativos. Biotensoativos.
INTRODUÇÃO
que podem influenciar de modo prejudicial à vida da população.
De acordo com a Resolução n°79 de 28 de agosto de 2000,
A ideia de “Produção mais Limpa” vem sendo cada vez mais
Cosméticos, Produtos de Higiene e Perfumes, são pre-
difundida e discutida e, juntamente com ela, surgem alternativas
parações constituídas por substâncias naturais ou sin-
para diminuir os impactos gerados por resíduos produzidos pe-
téticas, de uso externo nas diversas partes do corpo
las indústrias, como é o caso dos tensoativos (ABIHPEC, 2010).
humano, pele, sistema capilar, unhas, lábios, órgãos
O acúmulo de tensoativos, ou surfactantes, moléculas que
genitais externos, dentes e membranas mucosas da
apresentam tanto uma porção apolar quanto uma porção polar,
cavidade oral, com o objetivo exclusivo ou principal de
provoca grandes danos ecológicos, principalmente em ambientes
limpá-los, perfumá-los, alterar sua aparência e ou corri-
aquáticos, prejudicando inclusive os peixes (ROMANELLI, 2004).
gir odores corporais e ou protegê-los ou mantê-los em bom estado (BRASIL,2000).
A fim de reduzir os impactos ambientais e gerar produtos menos agressivos e biodegradáveis, os biotensoativos surgiram como alternativa aos surfactantes de origem sintética, que são,
Nesse conceito, inserem-se as emulsões para a pele, talcos, batons, perfumes, maquiagens, bloqueador solar, produtos infantis, desodorantes, soluções para enxague bucal dentre outros. No Brasil, o segmento de cosméticos é formado pelas grandes empresas
em sua maioria, derivados do petróleo (NISTCHKE et al, 2002). Esses compostos são de origem microbiana, capazes de diminuir a tensão superficial entre líquidos e apresentam grande capacidade emulsionante (NISTCHKE et al, 2002). O presente artigo tem como objetivo discutir sobre o im-
multinacionais e empresas nacionais de médio e pequeno
pacto ambiental provocado pela indústria de cosméticos, bem
porte, concentradas, em sua maioria, na região sudeste do país
como os resíduos gerados por ela, e abordar a cerca dos bios-
(ANGONESE et al, 2010).
surfactantes.
Comparado aos índices de crescimento da indústria brasileira em geral, o setor de cosméticos apresentou, nos últimos anos, um aumento cerca de cinco vezes maior e, até o início de 2010, eram estimadas cerca de 1700 empresas desse ramo no país (ABIHPEC, 2011). Em meio ao grande avanço industrial surgiu a preocupação, relativamente recente, com os problemas sociais e ambientais
METODOLOGIA Para a realização desse artigo foi realizada revisão de literatura em portais consagrados, como SCIELO, PUBMED, MEDLINE, utilizando como palavras chaves: indústria de cosméticos, meio ambiente, surfactantes e biotensoativos.
186 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
DESENVOLVIMENTO
(ABIHPEC, 2011).
O perfil da indústria de cosméticos no Brasil
Impactos ambientais causados pela indústria
A indústria de cosméticos, devido à sintetização e utilização de matérias-primas, é classificada como um segmento da indústria química. Nessa definição incluem-se os setores de perfumaria, cosméticos e higiene pessoal (MOTTA, 2008). Cosméticos, de acordo com a definição presente na Resolução n° 79 de 28 de agosto de 2000 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, são preparações que têm como finalidade limpar, proteger, manter em boas condições, mudar a aparência e corrigir odores corporais. Devido à vasta gama de produtos, o setor é dividido em três segmentos: higiene corporal, perfumaria e cosméticos. No ramo de higiene corporal estão contidos os sabonetes, desodorantes, produtos de higiene oral e capilar, produtos para barbear, fraldas descartáveis, papéis higiênicos e absorventes. Entre os produtos de perfumaria é possível citar os perfumes, colônias e loções pós-barba. Já o segmento de cosméticos é constituído por cremes e loções para a pele, maquiagens, loções depilatórias, produtos para fixação e coloração capilar e protetores solares (ABIHPEC, 2010). O setor de cosméticos no Brasil apresenta vasta diversidade empresarial. Nele estão inseridas as empresas nacionais, internacionais, diversificadas ou especializadas em uma determinada gama de produtos cosméticos e perfumaria (ABIHPEC, 2010). No país são estimadas cerca de 1700 empresas nesse segmento, sendo 20 delas de grande porte, localizadas, preferencialmente, na região sudeste. O Brasil também se destaca em relação ao comércio mundial de cosméticos, apresentando crescimento médio de 18,9%, comparando os anos de 2010 e 2011 (ABIHPEC, 2011). Apenas no ano de 2011 foi estimada a venda, em volume, de 1.767 mil toneladas de produtos cosméticos, de acordo com a Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos, ABIHPEC. O segmento apresentou crescimento acumulado de exportações nos últimos cinco anos de 165% e os produtos brasileiros já podem ser encontrados em 135 países pelo mundo (SEBRAE, 2011). O notório crescimento setorial pode ser relacionado, principalmente, ao aumento da participação da mulher no mercado de trabalho, aumento da expectativa de vida, trazendo com ele a busca pela conservação da juventude, aos constantes lançamentos de novos produtos pelas indústrias e o aumento da tecnologia, possibilitando o aumento da produtividade
De acordo com o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), artigo 1° da Resolução 001, de 23 de janeiro de 1986, impacto ambiental é “qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas (...)”. Nesse contexto insere-se a indústria cosmética. O processo industrial como um todo pode ser basicamente dividido em três etapas: o consumo de recursos, o processamento e a geração de produtos e subprodutos e, cada uma dessas etapas, gera grandes consequências ao meio ambiente. Entre os insumos empregados na indústria é possível apontar a água como a principal matéria-prima utilizada no setor. Além do uso na produção dos cosméticos, ela também participa de processos como limpeza e sanitização de equipamentos e tubulações, em sistemas de resfriamento e geração de vapor (ABIHPEC, 2010). Além da água, o conjunto de matérias-primas utilizadas na produção cosmética é bastante variado. Ele é composto, dentre outros, por tensoativos, alcoóis, óleos, extratos vegetais, corantes, pigmentos, conservantes e solventes orgânicos. Também é possível identificar a produção de resíduos e o consumo de energia em todas as etapas do processo produtivo. Durante o processo de envase do produto, por exemplo, são gerados resíduos provenientes de restos de embalagens, bem como resíduos e efluentes originados durante a limpeza dos equipamentos (ABIHPEC, 2010). Já entre os produtos e subprodutos gerados durante a produção se inserem os produtos acabados e suas sobras, como as aparas de extrusão de sabonetes em barra, por exemplo. Os resíduos gerados na indústria cosmética podem ser divididos em três categorias: resíduos sólidos, gasosos e líquidos. O maior componente sólido gerado pelo setor são os resíduos de embalagem. A grande variedade de frascos, potes, caixas de papelão, tambores e latas utilizados para o acondicionamento de produtos e matérias-primas podem causar sérios danos ambientais devido ao potencial de contaminação de solos e aquíferos por eles apresentados (ABIHPEC, 2010). Entre os resíduos gasosos as substâncias odoríferas e os solventes orgânicos voláteis, como o tolueno e alcoóis, são os compostos mais comumente gerados pela
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 187
indústria cosmética.
léculas tensoativas se orientam paralelamente e se distribuem
Os resíduos líquidos estão relacionados, basicamente, aos
na superfície da solução, sob a forma de monômeros. À medida
processos de limpeza da indústria. Na composição desses
que a quantidade de surfactante é aumentada, os monômeros
efluentes estão os óleos, fosfatos e polifosfatos, despejos amo-
vão saturando a superfície e começam a se ordenar. Em uma
niacais e os tensoativos (ABIHPEC, 2010).
determinada concentração ocorre a formação de uma camada
Os tensoativos, ou surfactantes, são moléculas anfifílicas e resistentes à biodegradação. Devido à porção lipofílica, esses com-
unidirecional, conhecida como Concentração Micelar Crítica ou CMC (MILLIOLI, 2009).
postos são capazes de interagir com a membrana de bactérias,
Acima da CMC os tensoativos formam agregados chama-
causando o efeito bactericida, o que prejudica importantes proces-
dos micelas. De acordo com a natureza do solvente podem
sos biológicos associados ao equilíbrio do ecossistema aquático.
ser formadas micelas diretas ou micelas inversas. As moléculas diretas se formam na presença de solventes polares, onde
Tensoativos
a porção apolar do surfactante fica orientada para o centro da
Os tensoativos são um grupo de moléculas que apresen-
estrutura enquanto que a porção polar fica em contato com o
tam, na mesma estrutura, uma porção hidrofílica e uma hidrofó-
solvente. Já na presença de solventes apolares, a parte interna
bica (uma cauda apolar ligada a uma cabeça polar). Por apre-
da estrutura micelar é composta pela porção polar do surfactan-
sentar duas regiões com afinidades distintas são consideradas
te, caracterizando a micela inversa (SANTANNA, 2003).
moléculas anfifílicas (SILVA, 2008).
A partir da micelização é possível observar alterações físico-
Devido à sua estrutura molecular, os tensoativos, quando
-químicas do sistema em questão, tais como o aumento da de-
em água, tendem a se acumular na superfície, diminuindo a
tergência, diminuição da tensão interfacial e aumento da condu-
tensão superficial. Se adicionados a líquidos imiscíveis, óleo e
tividade (SANTANNA, 2003).
água, por exemplo, os mesmos apresentam como tendência o
Os tensoativos são classificados, de acordo com a carga
acúmulo na interface das duas fases, diminuindo, assim, a ten-
apresentada pela sua porção polar (FIGURA 1) quando em so-
são interfacial do sistema.
lução aquosa, em aniônicos, catiônicos, anfóteros e não iônicos
Quando em uma solução, em baixas concentrações, as mo-
(SILVA, 2008).
O tensoativo aniônico é a classe mais comumente utilizada.
et al, 2010).
Quando em solução aquosa apresenta íons carregados nega-
Na indústria cosmética, os tensoativos aniônicos são fre-
tivamente. A porção hidrofóbica é, geralmente, composta por
quentemente utilizados em associações a outros surfactantes,
uma cadeia alquila enquanto que a porção hidrofílica é compos-
a fim de se obter um produto menos agressivo para a pele e
ta por sulfatos, sulfonatos, fosfatos e carboxilatos (IVANKOVIC
cabelos, com a viscosidade adequada e com boa formação de
188 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
espuma (GUERTECHIN, 2009).
celular, tais como peptídeos e lipídeos, aumentando a perme-
Tensoativos catiônicos são aqueles que apresentam carga
abilidade celular. O tensoativo também promove alterações na
positiva, quando em solução aquosa. Os compostos quaterná-
estrutura das mitocôndrias e na fosforilação oxidativa, inibindo a
rios de amônio são os maiores representantes dessa classe.
síntese de DNA e modificando a permeabilidade da membrana
Suas moléculas apresentam uma cadeia carbônica ligada a um
ao potássio (ROMANELLI, 2004).
átomo de nitrogênio carregado positivamente (IVANKOVIC et al, 2010).
A espuma formada em rios pela presença dos tensoativos é um fato preocupante. Através dela, poluentes tóxicos, impurezas
Os surfactantes catiônicos apresentam propriedades condi-
e vírus são disseminados pelo vento a grandes distâncias. Além
cionantes e antibacterianas, por isso são largamente utilizados
disso, ocorre a formação de uma película isolante na superfície
em produtos destinados aos cabelos (GUERTECHIN, 2009).
da água, diminuindo a troca gasosa com a atmosfera e inter-
Anfóteros são tensoativos que apresentam, na mesma molécula, um sítio carregado positivamente e um sítio de carga
ferindo na qualidade da água (PENTEADO et al, 2006; ROMANELLI, 2004).
negativa. A carga desse surfactante varia em função do pH do
Considerando os efeitos prejudiciais ao ambiente causados
meio: em meios com o pH abaixo de 4, atuam como tensoativos
pelos tensoativos, vem surgindo a tendência de substituição dos
catiônicos, em pH entre 4 e 9, como tensoativos não iônicos e
surfactantes de origem sintética pelos surfactantes de origem
quando adicionados a meios com pH entre 9 e 10 assumem
natural. Os biotensoativos, como são chamados, são de origem
característica de tensoativos aniônicos (SILVA, 2008).
microbiana, facilmente biodegradados e não causam danos às
Os surfactantes não iônicos não dissociam em íons quando em solução aquosa. Devido à ausência de cargas, essa classe
plantas e animais, o que os tornam adequados para a utilização em diferentes ambientes(NISTCHKE et al, 2002; CARA, 2009).
de tensoativos é compatível com a classe dos catiônicos e aniônicos (IVANKOVIC et al, 2010). Devido à baixa irritabilidade ocular e cutânea os tensoativos não iônicos são geralmente associados aos aniônicos e destinados ao uso infantil e para peles sensíveis
Biotensoativos Na busca de substâncias menos tóxicas e biodegradáveis, vem crescendo a tendência da substituição dos tensoativos de origem petroquímica, que representam 70 - 75% do consumo
(GUERTECHIN, 2009). Na indústria cosmética, os surfactantes também podem ser divididos de acordo com suas propriedades: agentes de limpeza, agentes emulsificantes, formadores de espuma, agentes solubilizantes e agente de suspensão (TAMURA, 2009).
em países industrializados, por tensoativos de origem microbiana, os biotensoativos (NISTCHKE et al, 2002). Os biossurfactantes, como também são chamados, apresentam propriedades tensoativas, isto é, são capazes de reduzir a tensão superficial e interfacial e ainda apresentam capacidade emulsionante (COSTA et al, 2008). Esses compostos podem ser produzidos através de bio-
Impacto ambiental provocado pelos tensoativos Devido às suas propriedades, a produção de tensoativos,
transformações de hidrocarbonetos de petróleo ou a partir de
bem como o seu uso residencial e industrial, vem aumentan-
substratos renováveis, como resíduos de processamento vege-
do expressivamente. O Brasil é apontado, de acordo com a
tal, glicerol, óleos dentre outros (CARA, 2009).
Associação Brasileira da Indústria de Limpeza e Afins, como o
De maneira geral, os biossurfactantes apresentam uma por-
responsável por cerca de metade das vendas de produtos de
ção hidrofílica, constituída principalmente por peptídeos, amino-
limpeza da América Latina (PENTEADO et al, 2006).
ácidos e sacarídeos (moni, di e polissacarídeos) e uma porção
Atualmente, a maior parte dos tensoativos utilizados tem
lipofílica formada por ácidos graxos saturados ou insaturados.
origem sintética, derivados do petróleo, e após o uso esses sur-
Em sua maioria, são compostos neutros ou aniônicos (BUENO,
factantes são na maioria das vezes descartados na superfície da
2008).
água. O acúmulo dessa matéria prima no ambiente afeta seria-
Os biotensoativos são classificados de acordo com suas
mente o ecossistema, causando inclusive toxicidade aos mamí-
características químicas e origem microbiológica (QUADRO 1)
feros e bactérias (IVANKOVIC et al, 2010; NISTCHKE et al, 2002).
e subdivididos em: glicolipídeos, lipopeptídeos, ácidos graxos,
Os surfactantes apresentam marcante atividade biológica.
biotensoativos particulados e biotensoativos poliméricos (LOU-
Eles são capazes de interagir com componentes da membrana
RITH et al, 2009).
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 189
Os glicolipídeos (FIGURA 2) são os biotensoativos mais
com a fonte de carbono disponível para o crescimento microbia-
amplamente conhecidos. Eles são constituídos por carboidratos
no os glicolipídeos podem ser classificados em ramnolipídeo,
combinados a ácidos alifáticos ou hidroxialifáticos. De acordo
soforolipídeo e trehalolipídeo (CARA, 2009; DESAI et al, 1997).
190 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
Entre os componentes citados, os ramnolipídeos são mais comumente estudados. A produção de ramnolipídeos por Pseudomonas aeruginosa foi relatada, primeiramente, em 1949 por Jarvis e Johnson. Esses são formados por uma ou duas molécula de ramnose ligadas a uma a duas moléculas de ácido β-hidroxidecanóico (KRONEMBERGER, 2007). Os soforolipideos são formados por um carboidrato dimérico da soforose ligado a uma cadeia longa de ácido hidroxicarboxílico. Esses compostos são capazes de diminuírem as tensões superficial e interfacial, no entanto não são bons agentes emulsionantes (DESAI et al, 1997). Já os trehalolipídeos são constituídos por dissacarídeo trealose ligado ao carbono C6 ou C6’ do ácido micolico. Esses compostos são gerados a partir de Mycobacterium sp e Rhodococcus erythropolis (DESAI et al, 1997). A classe do lipopeptídeos se caracteriza pela presença de peptídeos ligados a ácidos graxos. A porção polar da molécula pode apresentar carga negativa ou neutra. A surfactina
Os biotensoativos também podem ser divididos de acordo
(FIGURA 3), produzida a partir do Bacillus subtilis, é um re-
com a sua massa molecular: biossurfactantes de alta massa
presentante dessa classe e apresenta grande capacidade de
molecular e de baixa massa molecular. Os biossurfactantes de
reduzir a tensão superficial e interfacial (BARROS et al, 2007).
alta massa molecular são constituídos pelos biotensoativos particulados e poliméricos. Enquanto que o segundo grupo inclui os glicolipídeos, lipopeptídeos e ácidos graxos. Os de alta massa molecular auxiliam na formação de emulsão enquanto que os de baixo peso molecular são capazes de reduzir a tensão interfacial (BUENO, 2008). Propriedades e aplicações dos biotensoativos As classes de biossurfactantes apresentam características
Os ácidos graxos são obtidos a partir do crescimento de diversas espécies de bactérias e leveduras sobre n-alcanos, como o óleo de oliva, e são proteínas hidrofóbicas, como o ácido corinomicólico e o ácido ustilágico (DESAI et al, 1997). Algumas células bacterianas, por si só, são bastante hidrofóbicas em sua superfície. A produção de vesículas com capacidade de captação de alcanos para a célula, observada em bactérias do gênero Acinetobacter sp., também são consideradas biossurfactantes. Essas células e vesículas com capacidade tensoativa são classificadas em biotensoativos particulados (NETA, 2007). Biotensoativos poliméricos, como o Emulsan (FIGURA 4) e Liposan, são constituídos por grupos químicos diferentes. Devido à diversidade estrutural, esses compostos apresentam eficiência equivalente ou superior aos tensoativos sintéticos. Além disso, a possibilidade de modificação dessas estruturas permite o desenvolvimento de substâncias para necessidades específicas (NISTCHKE et al, 2002).
específicas, no entanto algumas propriedades são comuns a todos os biotensoativos, são elas: aumento da solubilidade de compostos hidrofóbicos, aumento da área de contato de compostos insolúveis na água e influência na adesão de micro-organismos em superfícies, sendo que a adesão permite que o micro-organismo se fixe ou se desligue de um determinado local de acordo com suas necessidades, visando sua multiplicação (BARROS et al, 2007; NETA, 2007). Devido à anfifilicidade da molécula, os biotensoativos são capazes de reduzir a tensão superficial e interfacial de soluções e sistemas, permitindo a solubilização de substâncias orgânicas em solventes polares, a emulsificação e a detergência. Em relação às propriedades específicas é possível apontar a marcante atividade antibiótica dos lipopeptídeos. Apesar de não apresentarem mecanismos de ação totalmente elucidados, essas substâncias podem atu-
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 191
ar como agentes antivirais, antibióticas e inibidores de enzimas e toxinas (BARROS et al, 2007). Os biossurfactantes são mais comumente utilizados na indústria petroquímica, devido às suas propriedades físico-quími-
Na indústria alimentícia, os biossurfactantes são empregados como agentes emulsionantes durante o processamento de matérias-primas, atuando na formação e textura de alimentos bem como na incorporação de aromas.
cas. Os derramamentos de óleo em águas e no solo tem se
Esses compostos, devido à compatibilidade com a pele,
tornado numerosos e causam grandes problemas ecológicos e
também são aplicados na indústria cosmética, agindo como
sociais. Nesse contexto, os biotensoativos podem ser usados
agentes emulsionantes, solubilizantes, detergentes e agentes
para solubilizar e emulsificar os contaminantes hidrofóbicos, au-
de espuma (NISTCHKE et al, 2002).
mentando a degradação destes contaminantes no ambiente e
Além dessas aplicações, os biotensoativos podem ser uti-
promovendo a biorremediação dos solos e águas (NISTCHKE
lizados em diversos ramos industriais (QUADRO 2), como na
et al, 2002).
mineração e na indústria de tintas.
Tensoativos x Biotensoativos
cando grandes impactos ecológicos.
Apesar do relativo custo elevado para a produção, compa-
Nesse contexto inserem-se os tensoativos. Utilizados lar-
rados aos tensoativos convencionais, os biotensoativos apre-
gamente na sanitização de equipamentos e como insumos
sentam as seguintes vantagens: a capacidade de diminuir a ten-
em indústrias cosméticas, essas substâncias com proprieda-
são superficial e interfacial a partir de menores concentrações,
des emulsionantes são, geralmente, descartadas na superfície
maior estabilidade frente à variação de pH, de temperatura e de
das águas, diminuindo a qualidade da mesma e interferindo no
salinidade, maior capacidade espumante, facilidade na biode-
ecossistema aquático.
gradação no solo e na água e menor toxicidade (NISTCHKE et al, 2002; BUENO, 2008). Além disso, essas substâncias podem ser produzidas a
A fim de minimizar os impactos ambientais gerados pelos tensoativos sintéticos, o uso dos surfactantes de origem microbiológica, os biossurfactantes, vem sendo cada vez mais difundido.
partir de substratos renováveis e apresentam grande varieda-
Apesar da grande vantagem em relação aos surfactantes de
de química, o que permite aplicações específicas em diversas
origem petroquímica, os biotensoativos ainda apresentam eleva-
áreas, como na indústria petroquímica, alimentícia, cosmética e
do custo de produção.
farmacêutica (BUENO, 2008).
No entanto, o uso de substratos de menor custo e o investimento em novas técnicas de síntese, associados à biodegra-
CONSIDERAÇÕES FINAIS
dabilidade e à baixa toxicidade, podem tornar os biotensoativos
O setor de cosméticos no Brasil apresenta grande diver-
em compostos mais comumente utilizados nas indústrias em um
sidade empresarial e vem crescendo a cada ano. No entanto,
futuro próximo.
juntamente ao aumento econômico do segmento, também vem crescendo os problemas ambientais relacionados a ele. Os resíduos originados durante o processo industrial são, em grande parte dos casos, descartados no ambiente, provo-
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABIHPEC. Associação Brasileira de Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos. Guia Técnico Ambiental da Indústria de Higie-
192 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
ne Pessoal, Perfumaria e Cosméticos. São Paulo: 2010. Disponível em: <http://www.crq4.org.br/downloads/higiene.pdf>. Acesso em 20 de março de 2012. ABIHPEC. Associação Brasileira de Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos. Panorama do setor, 2011. Disponível em: <http://www.abihpec.org.br/wp-content/uploads/2012/04/Panorama-do-setor-2011-2012-17-ABR-2012.pdf>. Acesso em 24 de março 2012. ANGONESE, R.; SILVA, C.L.M. Pressões Ambientais e Contexto de Referência de Organizações: A Indústria Brasileira de Cosméticos. Revista Eletrônica de Ciências Sociais Aplicadas, Campo Mourão, Edição Especial, p. 267 – 295, 2010. Disponível em: <http://revista.grupointegrado.br/revista/index.php/perspectivascontemporaneas/article/viewFile/911/307>. Acesso em 22 de março de 2012. BARROS, F.F.C.; QUADROS, C. P.; MAROSTICA, M.R.J.; PASTORE, G.M.. Surfactina: propriedades químicas, tecnológicas e funcionais para aplicações em alimentos. Revista Química Nova, São Paulo, vol.30, n.2, p. 409-414, 2007. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo. php?pid=S0100-40422007000200031&script=sci_arttext>. Acesso em 9 de maio de 2012. BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC nº 79, de 28 de agosto de 2000. Disponível em:< http://www.anvisa.gov.br/cosmeticos/guia/html/79_2000.pdf>. Acesso em 24 de março de 2012. BRASIL. MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Conselho Nacional de Meio Ambiente, CONAMA. Resolução CONAMA n° 001, de 23 de janeiro de 1986. Disponível em: < http://www.mma.gov.br/port/conama/res/ res86/res0186.html> . Acesso em 20 de março de 2012. BUENO, S.M. Bactérias produtoras de biossurfactantes: isolamento, produção, caracterização e comportamento num sistema modelo. 2008. 89 f. Dissertação (Doutorado em Engenharia e Ciência de Alimentos) – Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, São José do Rio Preto, 2008. Disponível em: http://www.athena.biblioteca.unesp.br/exlibris/bd/brp/33004153070P3/2008/bueno_sm_dr_sjrp.pdf. Acesso em 05 de maio de 2012. CARA, D.V.C. Produção de biossurfactante por Flavobacterium sp. a partir de óleo de soja residual e fertilizante comercial. 2009. 71 f. Dissertação (Mestrado em Ciências) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009. Disponível em: http://tpqb.eq.ufrj.br/ download/biossurfatante-de-oleo-de-soja-residual.pdf. Acesso em 22 de abril de 2012. COSTA, S.G.V.A.O.; NITSCHKE, M.; CONTIERO, J. Produção de biotensoativos a partir de resíduos de óleos e gorduras. Ciência e Tecnologia de Alimentos, Campinas, vol.28, n.1, p. 34 – 38, 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/cta/v28n1/06.pdf>. Acesso em 27 de abril de 2012.
DESAI, J.D.; BANAT, I.M. Microbial Production of Surfactants and Their Commercial Potential. Revista de Microbiologia e Biologia Molecular, v. 31, n. 1, p. 47 – 64, 1997. Disponível em: <http://www.ncbi.nlm. nih.gov/pmc/articles/PMC232600/pdf/610047.pdf>. Acesso em 27 de março de 2012. GUERTECHIN, L.O. Classification of Surfactants. In: PAYE, M.; BAREL, A.O.; MAIBACH, H.I. (Org.) Handbook of Cosmetic Science and Technology. 2ed. Nova Iorque: 2009. cap. 28, p. 347 – 366. IVANKOVIC, T.; HRENOVIC, J. Surfactants in the environment. Arquivos de Higiene Industrial e Toxicologia, v. 61, n. 1, p. 95 – 110, 2010. Disponível em: <http://versita.metapress.com/content/j350t840h25g8g63/ fulltext.pdf>. Acesso em 23 de março de 2012. KRONEMBERGER, F.A. Produção de Ramnolipídeos por Pseudomonas aeruginosa PA1 em biorreator com oxigenação por contactor de membranas. 2007. 153 f. Dissertação (Doutorado em Ciências em Engenharia Química) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007. Disponível em: <http://ged1.capes.gov.br/CapesProcessos/premio2008/969042-ARQ/969042_5.PDF>. Acesso em 05 de maio de 2012. LOURITH, N.; KANLAYAVATTANAKUL, M. Natural Surfactants used in cosmetics: glycolipids. Jornal Internacional de Ciências Cosméticas, v. 31, p. 255 – 261, 2009. Disponível em: <http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1468-2494.2009.00493.x/pdf>. Acesso em 23 de março de 2012. MILLIOLI, V.S. Avaliação da Potencialidade da Utilização de Surfactantes na Biorremediação de Solo Contaminado com Hidrocarbonetos de Petróleo. 2009. 200 f. Dissertação (Doutorado em Ciências) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009. Disponível em: <http://www.google.com.br/ url?sa=t&rct=j&q=impacto%20ambiental%20tensoativos&source=w eb&cd=11&ved=0CCIQFjAAOAo&url=http%3A%2F%2Fwww.eq.ufrj. br%2Fprh13%2Fdownload%2F%3Fprh13-surfactantes-na-biorremediacao-de-solo-contaminado.pdf&ei=ugltT-CzPMWhtwegyMGWBg&u sg=AFQjCNHE3s30_81mb4c_ZjtvpzRqRDeopQ>. Acesso em 23 de março de 2012. MOTTA, L.A.S. Uma análise da aplicação da matriz de portfólio de Kraljic no processo de compra de uma empresa de cosméticos no Brasil. 2008. 87 f. Dissertação (Mestrado em Administração de Empresas) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008. Disponível em: http://www.maxwell.lambda.ele.puc-rio. br/11978/11978_1.PDF . Acesso em 15 de abril de 2012. NETA, N.A.S. Estudo da reação de produção de ésteres de ácidos graxos por via enzimática objetivando aplicações alimentícias. 2007. 99 f. Dissertação (Mestrado em Tecnologia de Alimentos) – Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2007. Disponível em: http://www. ppgcta.ufc.br/nairamaral.pdf. Acesso em 05 de maio de 2012.
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 193
NISTCHKE, M.; PASTORE, G.M. Biossurfactantes: Propriedades e Aplicações. Revista Química Nova, Campinas, vol.25, n.5, p. 772 - 776, 2002. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/qn/v25n5/11408.pdf>. Acesso em 20 de março de 2012.
PRH14_UFRN_M.pdf. Acesso de 17 de abril de 2012. SEBRAE. Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas. II Caderno de Tendências: Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos. 2 ed. Disponível em http://www.sebrae.com.br/setor/cosmeticos/o-setor/mercado/cenario/Caderno%20de%20Tendecias.pdf. Acesso em 24 de março de 2012.
PENTEADO, J.C.P.; SEOUD, O.A.E.; CARVALHO, L.R.F. Alquilbenzeno Sulfonato Linear: Uma Abordagem Ambiental e Analítica. Revista Química Nova, São Paulo, v. 29, n. 5, p. 1038 – 1046, 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/qn/v29n5/31068.pdf>. Acesso em: 20 de março de 2012.
SILVA, P.K.L. Remoção de Óleo da Água de Produção por Flotação em Coluna Utilizando Tensoativo de Origem Vegetal. 2008. 104 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Química) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2008. Disponível em: http:// bdtd.bczm.ufrn.br/tedesimplificado/tde_arquivos/12/TDE-2008-0930T012738Z-1442/Publico/PaulaKLS.pdf. Acesso em 23 de março de 2012.
ROMANELLI, M.F. Avaliação da Toxicidade Aguda e Crônica dos Surfactantes DSS e LAS Submetidos à Irradiação com Feixes de Elétrons. 2004. 143 f. Dissertação (Mestre em Ciências) – Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares, São Paulo, 2004. Disponível em: http://pelicano.ipen.br/PosG30/TextoCompleto/Maria%20Fernanda%20 Romanelli_M.pdf. Acesso em 22 de março de 2012. SANTANNA, V.C. Obtenção e estudo das propriedades de um novo fluido de fraturamento hidráulico biocompatível. 2003. 193 f. Dissertação (Doutorado em Engenharia Química) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2003. Disponível em: http://www.dnc. gov.br/CapitalHumano/Arquivos/PRH14/Vanessa-Cristina-Santanna_
TAMURA,T. Surfactants. In: PAYE, M.; BAREL, A.O.; MAIBACH, H.I. (Org.) Handbook of Cosmetic Science and Technology. 2ed. Nova Iorque: 2009. cap. 27, p. 333 – 343.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Aluna do curso de Farmácia do Centro Universitário Newton Paiva. E-mail: izabella.branco@hotmail.com 2 Docente do curso de Farmácia do Centro Universitário Newton Paiva. E-mail: langelis.prof@newtonpaiva.br
192 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
DETECÇÃO E QUANTIFICAÇÃO DA ATIVIDADE ENZIMÁTICA DAS METALOPROTEINASES E DE SEUS INIBIDORES ATRAVÉS DA TÉCNICA DE ZIMOGRAFIA Nayara Ingrid de Medeiros1 Juliana de Assis Silva Gomes2 Rafaelle Christine Gomes Fares3
RESUMO: As metaloproteinases (MMPs) são enzimas envolvidas na síntese e degradação da matriz extracelular, que desempenham uma função importante em processos fisiológicos e patológicos. Para descrever sua participação em diversas doenças é preciso detectar e quantificar sua atividade proteolítica. A principal técnica com essa finalidade é conhecida como zimografia. A técnica de zimografia consiste em uma eletroforese em gel desnaturante de poliacrilamida, que permite detectar a atividade enzimática das MMPs e seus inibidores teciduais (TIMPs), a partir da degradação de seu substrato copolimerizado no gel. O presente trabalho apresenta uma revisão sobre a técnica de zimografia e dos principais estudos em que a técnica foi reproduzida, bem como sua aplicabilidade para os TIMPs e para as diferentes classes de endopetidases. Palavras-chave: Metaloproteinase. Zimografia. Atividade enzimática.
INTRODUÇÃO
desnaturam o colágeno IV. As matrilisinas, MMP-7 e MMP-26,
As metaloproteinases de matriz (MMPs) são uma família de
digerem a fibronectina e gelatinas. As MMPs de membrana são
endopeptidases zinco-dependentes, relacionadas com a funcio-
MMP-14, MMP-15, MMP-16, MMP-17, MMP-24 e MMP-25, que
nalidade e estrutura dos tecidos por atuarem principalmente na
podem digerir várias proteínas da MEC, como gelatina, fibronec-
degradação de componentes protéicos da matriz extracelular
tina e laminina. As estromelisinas, MMP-3 e MMP-10, degradam
(MEC) (SNOEK-VAN BEURDEN & VON DEN HOFF, 2005; KU-
principalmente a fibronectina, a laminina e a elastina. Embora a
PAI et al., 2010). As MMPs são reguladores importantes dos
MMP-11 seja conhecida como uma estromelisina, ela apresenta
processos fisiológicos, como a angiogênese, a morfogênese, a
diferença na sequência de aminoácidos e no seu substrato es-
reparação tecidual, tendo participação em algumas patologias
pecífico quando comparada com a MMP-3 e MMP-10. Por isso,
como câncer, doenças cardiovasculares, artrite, diabetes, entre
a MMP-11 também pode ser incluída no sexto grupo, que abran-
outros (PAGE-McCAW et al., 2007; GHAJAR et al., 2008; GHA-
ge as endopeptidases remanescentes MMP-12, MMP-19, MMP-
RAGOZLIAN et al., 2009).
20, MMP-21, MMP-23, MMP-27 e MMP-28 e que ainda não foi
As MMPs são secretadas em sua forma latente, como pró-enzimas ou zimogênios, e, por isso, requerem uma ativação
definido completamente (SNOEK-VAN BEURDEN & VON DEN HOFF, 2005).
proteolítica que ocorre após remoção do pró-peptídeo. Esse
A atividade das MMPs é regulada por fatores genéticos e
processo é acompanhado pela quebra de ligação entre o grupo
epigenéticos, bem como de maneira pós-transcricional por hor-
tiol da cisteína no pró-peptídeo e o zinco no domínio catalítico
mônios, fatores de crescimento, citocinas e interações célula-
(GEURTS et al., 2012; MANNELLO & MEDDA, 2012).
-célula e célula-matriz, podendo ser reguladas, também, por ini-
Desde a primeira descrição das MMPs em 1962, foram
bidores fisiológicos endógenos (KUPAI et al., 2010; GEURTS et
identificadas 30 enzimas pertencentes a essa família de endo-
al., 2012). Os principais inibidores endógenos das MMPs são os
peptidases, classificadas em seis grupos de acordo com seu
Inibidores Teciduais de Metaloproteinases (TIMPs) que, apesar
substrato específico e com a organização de seu domínio catalí-
da terminologia, são encontrados também no soro, assim como
tico (SNOEK-VAN BEURDEN & VON DEN HOFF, 2005; KUPAI et
as MMPs (NIKKOLA et al., 2005; MIN et al., 2012).
al., 2010; GEURTS et al., 2012). As colagenases correspondem
Atualmente, são conhecidos quatro tipos de TIMPs: TIMP-
a MMP-1, MMP-8 e MMP-13 e são capazes de clivar principal-
1, TIMP-2, TIMP-3 e TIMP-4, com o tamanho aproximado de 23
mente o colágeno I, II e III do interstício. O grupo das gelatina-
kDa (SCHULZ, 2007). Os TIMPs se ligam às MMPs através da
ses é composto por MMP-2 e MMP-9, que digerem a gelatina e
proporção molar estequiométrica 1:1 e, portanto, formam um
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 195
sistema importante para o controle da atividade endógena das
de renaturação permite identificar ambas as formas das MMPs
MMPs in vivo. Ao se ligarem às MMPs, os TIMPs bloqueiam o sí-
(LEBER & BALKWILL, 1997; KUPAI et al., 2010).
tio ativo, impedindo o acesso ao substrato específico (SPINALE et al., 2000).
Após a renaturação das MMPs, o gel é incubado por 18h a 37°C em uma solução contendo Tris 50mM e Zn2+ para que as
A detecção e a quantificação da atividade enzimática das
endopeptidases degradem o substrato copolimerizado no gel.
MMPs e dos TIMPs são fundamentais para compreensão da
Em seguida, o gel é corado com uma solução de azul brilhan-
participação dessas endopeptidases tanto no aspecto fisiológi-
te de Comassie 0,5% por 1 hora, e descorado em solução de
co, quanto patológico.
metanol 25% e acido acético 8% até a percepção de bandas incolores, em contraste com o fundo azul do gel (LA ROCCA
A TÉCNICA DE ZIMOGRAFIA
et al., 2004; SNOEK-VAN BEURDEN & VON DEN HOFF, 2005;
Numerosos métodos têm sido desenvolvidos para avalia-
KUPAI et al., 2010).
ção das formas ativas e latentes de enzimas proteolíticas em
O resultado final corresponde a bandas de atividade pro-
amostras biológicas. Entretanto, a zimografia é o método mais
teolíticas claras (figura 1), que podem ser quantificadas, entre
usado por ser o mais completo, capaz de detectar formas ati-
outras formas, por densidade de pixels (LEBER & BALKWILL,
vas e latentes das MMPs e quantificar a atividade enzimática,
1997; LA ROCCA et al., 2004; KUPAI et al., 2010).
além de apresentar alta sensibilidade para diferentes classes de MMPs e baixo custo em comparação a outras técnicas (LEBER & BALKWILL, 1997; SNOEK-VAN BEURDEN & VON DEN HOFF, 2005; KUPAI et al., 2010). A zimografia é um método simples, sensível, quantitativo e funcional para análise de atividade proteolítica (LEBER & BALKWILL, 1997). A técnica consiste em uma eletroforese em gel desnaturante de poliacrilamida, copolimerizado com dodecil
Figura 1 – Imagem de um gel de zimografia de gelatina, obtido a partir de um experimento utilizando soro de pacientes com a doença de Chagas. O gel foi digitalizado utilizando o scanner GS-800 Calibrated Densitometer (Bio-Rad) e a quantificação das bandas foi realizada através do software Quantity One®. (1) Padrão. (2) Controle. (3-9) amostras de soro.
sulfato de sódio (SDS) e com o substrato preferencial da enzima em análise. A aplicação de uma corrente elétrica possibilita a migração das MMPs no gel e sua separação pela diferença do tamanho molecular. Dependendo do substrato empregado, diferentes MMPs podem ser detectadas especificamente (KUPAI et al., 2010). Originalmente, a zimografia foi desenvolvida usando gelatina como substrato para mensurar a atividade enzimática das gelatinases, as MMP-2 e MMP-9 e, por isso, também pode ser chamada de zimografia de substrato. Outros substratos foram agregados ao protocolo original, sendo esta a principal diferença entre a zimografia de caseína usada para detecção da MMP-1, MMP-7, MMP-11, MMP-12 e MMP-13 e a zimografia de colágeno para detecção da MMP-1 e MMP-13, mas também das MMP-2 e MMP-9 (SNOEK-VAN BEURDEN & VON DEN HOFF, 2005; KUPAI et al., 2010). Durante a eletroforese, o SDS permite a desnaturação e inativação da MMP no gel (SNOEK-VAN BEURDEN & VON DEN HOFF, 2005; KUPAI et al., 2010). Após a eletroforese, as enzimas são renaturadas pela remoção do SDS através da lavagem do gel com uma solução aquosa 2,5% de um detergente não
A atividade dos TIMPs pode ser mensurada a partir da técnica de zimografia reversa. Esse método é baseado na zimografia de substrato e sendo a principal diferença a adição da MMP recombinante (MMP-R) que é copolimerizada no gel, juntamente com o substrato enzimático. Dessa forma, após a eletroforese, a renaturação permite à MMP-R consumir o substrato presente, com exceção, apenas, da região onde o inibidor permanece. Após a coloração, o gel pode ser descorado, exceto a banda dos TIMPs. Nessa área, os TIMPs formam um complexo de proporção molar 1:1 com a MMP-R, impedindo a degradação do substrato presente (SNOEK-VAN BEURDEN & VON DEN HOFF, 2005; HAWKES et al., 2010). O resultado obtido é um gel incolor, com bandas escuras (figura 2).
iônico, como o Triton X-100 (LA ROCCA et al., 2004; FIETZ et al., 2008; ROOMI et al., 2012). Uma vez que as formas latentes possuem peso molecular diferente das formas ativas, a etapa 196 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
Figura 2 – Imagem de um gel de zimografia reversa, obtida após
luminescente para a quantificação (LA ROCCA et al., 2004).
experimento com amostras de pacientes com doença de Chagas. O gel foi digitalizado utilizando o scanner GS-800 Calibrated Densitometer (Bio-Rad) e a quantificação das bandas foi realizada através do software Quantity One®. Não foi possível distinguir os TIMPs, pois eles possuem peso molecular semelhante. (1-6) Amostras de soro.
APLICABILIDADE DA ZIMOGRAFIA A importância das MMPs na patogênese de inúmeras doenças tem despertado a atenção de muitos grupos de pesquisa, justificando a aplicabilidade da técnica de zimografia na detecção e quantificação da atividade enzimática dessas endopeptidases. A zimografia foi executada em múltiplos estudos que relacionam as MMPs com enfermidades, como a fibrose pulmonar idiopática, o diabetes, a artrite, as doenças infecto-parasitárias e, principalmente, o câncer (HITCHON et al., 2002; LA ROCCA et al., 2004; GUTIERREZ et al., 2008; GHARAGOZLIAN et al., 2009; GARCÍA-DE-ALBA et al., 2010; ROOMI et al., 2012). A zimografia é amplamente usada como o único ensaio para observar a atividade enzimática das MMPs, entretanto, outras
QUANTIFICAÇÃO DA ATIVIDADE ENZIMÁTICA
técnicas podem ser associadas a fim de complementar os resul-
A análise da atividade enzimática a partir da técnica de zi-
tados alcançados. Dentre elas, o ensaio imunoenzimático (ELI-
mografia é realizada, preferencialmente, após a digitalização do
SA), o western blot, a imunohistoquímica e a imunofluorescência
gel. A área da banda é selecionada e analisada utilizando um
(HITCHON et al., 2002; LA ROCCA et al., 2004; GUTIERREZ et
software capaz de quantificar a densidade óptica de cada pixel,
al., 2008; GHARAGOZLIAN et al., 2009; GARCÍA-DE-ALBA et al.,
usando o fundo do gel como branco. La Rocca e colaborado-
2010; ROOMI et al., 2012).
res (2004) determinaram a densidade de pixels após subtrair da área total da banda selecionada, o valor de densidade óptica informada pelo software. Por outro lado, Roomi e colaboradores (2012) obtiveram seus dados de densidade óptica em escala logarítmica a partir do cálculo realizado pelo software. Considerando que a banda de atividade proteolítica das MMPs é incolor e não apresenta pixels, os valores obtidos são inversamente proporcionais à atividade enzimática, ou seja, quanto maior a densidade óptica, menor a atividade da MMP. Na quantificação das bandas da zimografia reversa, a banda correspondente aos TIMPs é escura e por isso exibe pixels, em contraste com o fundo do gel claro. O valor da densidade
CONSIDERAÇÕES FINAIS Conhecer a atividade proteolítica das MMPs é imprescindível para a compreensão da participação dessas enzimas em situações fisiológicas e patológicas. Para isso, a escolha de um método sensível e funcional é de extrema importância. A técnica de zimografia é o método mais conveniente para detecção e quantificação da atividade enzimática das MMPs, uma vez que é capaz de detectar as formas latentes e ativas, além de adequar-se à particularidade de cada classe das MMPs apenas pela mudança do substrato empregado.
óptica também é adquirido a partir do software empregado.
REFERÊNCIAS
Desta forma, os valores considerados são diretamente propor-
FIETZ, S. et al. Determination of MMP-2 and -9 activities in synovial fluid of horses with osteoarthritic and arthritic joint diseases using gelatin zymography and immunocapture activity assays. Equine Vet J., v.40, n.3, p.266-271, 2008.
cionais à inibição da atividade enzimática e a análise estatística pode ser feita diretamente com esses valores (HAWKES et al., 2010; ROOMI et al., 2012). A análise também pode ser realizada através da técnica de western blot, para confirmar a presença das MMPs no gel. Nessa técnica, após a eletroforese, as bandas protéicas são trans-
GARCÍA-DE-ALBA, C. et al. Expression of matrix metalloproteases by fibrocytes: possible role in migration and homing. Am J Respir Crit Care Med., v.182, n.9, p.1144-1152, 2010.
feridas para uma membrana de nitrocelulose e incubadas com anticorpos específicos para as MMPs. Após esse procedimento, a membrana é incubada novamente com um anticorpo conjugado com peroxidase e, em seguida, reincubada com o substrato
GEURTS, N.; OPDENAKKER, G. & VAN DEN STEEN, P. E. Matrix Metalloproteinases as therapeutic targets in protozoan parasitic infections. Pharmacology & Therapeutics, v.133, n.3, p.257-279, 2012.
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 197
GHAJAR, C. M. et al. Matrix metalloproteinase control of capillary morphogenesis. Crit Rev Eukaryot Gene Expr., v.18, n.3, p.251-278, 2008. GHARAGOZLIAN, S. et al. Matrix metalloproteinases in subjects with type 1 diabetes. BMC Clin Pathol., v.9, n.1, p.1-5, 2009. GUTIERREZ, F. R. S. et al. Increased activities of cardiac matrix metalloproteinases matrix metalloproteinase (MMP)-2 and MMP-9 are associated with mortality during the acute phase of experimental Trypanosoma cruzi infection. J. Infect. Dis., v.197, n.10, p.1468-1476, 2008. HAWKES, S. P.; LI, H. & TANIGUCHI, G.T. Zymography and reverse zymography for detecting MMPs and TIMPs. Methods Mol. Biol., v.622, n.1, p.257-269, 2010. HITCHON, C. A. et al. Gelatinase expression and activity in the synovium and skin of patients with erosive psoriatic arthritis. J Rheumatol., v.29, n.1, p.107-117, 2002. KUPAI, K. et al. Matrix metalloproteinase activity assays: Importance of zymography. Journal of Pharmacological and toxicological methods, v.61, n.2, p.205-209, 2010.
Pharmacol. Toxicol., v.47, n.1, p.211-242, 2007. SNOEK-VAN BEURDEN, P. A. M & VON DEN HOFF, J. W. Zymographic techniques for the analysis of matrix metalloproteinases and their inhibitors. Biotechniques, v.38, n.1, p.73-83, 2005. SPINALE, F. G. et al. Myocardial matrix degradation and metalloproteinase activation in the failing heart: a potential therapeutic target. Cardiovascular Research, v.46, n.2, p.225-238, 2000.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do curso de Farmácia do Centro Universitário Newton Paiva e estudante de iniciação científica no Centro de Pesquisas René Rachou - CPqRR/FIOCRUZ-MG. <nayara.medeiros@cpqrr.fiocruz.br> 2 Doutora em Bioquímica e Imunologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e professora adjunta do departamento de morfologia da UFMG. <estanislau.juliana@gmail.com> 3 Mestre em Biologia Celular e Molecular pelo CPqRR/FIOCRUZ-MG e doutoranda em Biologia Celular e Molecular pelo CPqRR/FIOCRUZ-MG. <rafaelle@cpqrr.fiocruz.br>
LA ROCCA, G. et al. Zymographic detection and clinical correlations of MMP-2 and MMP-9 in breast cancer sera. Br. J. Cancer, v.90, n.7, p.1414-1421, 2004. LEBER, T. M. & BALKWILL, F. R. Zymography: a single-step staining method for quantitation of proteolytic activity on substrate gels. Anal Biochem., v.249, n.1, p.24-28, 1997. MANNELLO, F. & MEDDA, V. Nuclear localization of matrix metalloproteinases. Prog. Histochem. Cytochem., v.47, n.1, p.27-58, 2012. MIN, B. S. et al. High levels of serum VEGF and TIMP-1 are correlated with colon cancer liver metastasis and intrahepatic recurrence after liver resection. Oncology Letters, v.4, n.1, p.123-130, 2012. NIKKOLA, J. et al., High Serum Levels of Matrix Metalloproteinase-9 and Matrix Metalloproteinase-1 Are Associated with Rapid Progression in Patients with Metastatic Melanoma. Clinical Cancer Research, v.11, n.14, p.5158-5166, 2005. PAGE-McCAW, A. et al. Matrix metalloproteinases and the regulation of tissue remodeling. Nat Rev Mol Cell Biol., v.8, n.3, p.221-233, 2007. ROOMI, M. W. et al. Modulation of u-PA, MMPs and their inhibitors by a novel nutrient mixture in human female cancer cell lines. Oncol Rep., v.28, n.3, p.768-776, 2012. SCHULZ, Richard. Intracellular targets of matrix metalloproteinase-2 in cardiac disease: Rationale and therapeutic approaches. Rev.
198 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
DIEDROS CONFORMACIONAIS E SUA APLICAÇÃO NO ESTUDO DE ESTABILIDADE DE BIOMOLÉCULAS Anderson Hollerbach Klier 1 George Schayer Sabino 1 Sonaly Cristine Leal 1 Ana Flávia Arantes Pereira 2 Liege Aparecida Mapa 2 Luna Elisabeth Carvalho Ferreira 2 Nathália Martins Moreira 2 Paula Guimarães Chiesa 2
RESUMO: Os diedros, ângulos gerados entre os planos espaciais existentes entre quatro átomos consecutivos ligados por uma ligação simples ou ligação sigma, podem ser utilizados para previsão da estabilidade conformacional. Tal estimativa é baseada na minimização de energia molecular das conformações geradas após um giro de 360° graus no diedro requerido, que pode gerar até 360 conformações que auxiliam no entendimento sobre estabilidade de ligações alternadas e eclipsadas. Ligações estas que estão intimamente relacionadas com a estabilidade de conformeros denominados anti ou antiperiplanar, anticlinal, sinclinal e gauche ou sinperiplanar. A análise dos diedros foi aplicada a glutationa, biomolécula essencial ao metabolismo de fase II e a seu conjugado com a N-acetilimidoquinona.
Palavras-chave: diedro, conformação, biomolécula, estabilidade
Introdução
estabilidade (FERREIRA, 2008; RAUPP, 2008; MARQUES, 2010,
Diversas publicações recentes tem ressaltado a importân-
KLIER 2012). As conformações em estruturas orgânicas básicas
cia da análise conformacional na previsão da estabilidade mo-
geradas por carbonos tetraédricos ligados consecutivamente
lecular, e em última instância, a aplicabilidade de softwares na
por ligações covalentes simples podem ser analisadas através
química computacional a fim de facilitar o entendimento desta
do chamado ângulo diedro, conforme figura 1.
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 199
Analisando a figura 1, pode-se visualizar dois planos ima-
bre a ligação entre os átomos 1 e 2. Assim, os substituintes A e
ginários trigonais denominados ACH2CH2 e BCH2CH2, sendo os
B que estavam espacialmente acima do eixo da ligação 1-2 e
carbonos metilênicos denominados de átomos 1 quando ligado
abaixo do eixo da ligação 1-2, respectivamente, após o giro de
ao substituinte A , e 2 quando ligado ao substituinte B. Denomi-
180° estarão ambos acima do eixo da ligação 1-2. Se aplicarmos
na-se diedro, o ângulo formado entre os dois planos trigonais,
conceitos de representação estrutural em projeção, especifica-
ou seja; se os planos ACH2CH2 e BCH2CH2 tem em comum a
mente a projeção de Newmann, à suposta estrutura elaborada
ligação simples entre os átomos 1 e 2, podemos conservar a
na figura 1, teríamos as projeções possíveis descritas a seguir
posição do plano ACH2CH2 e girar o plano BCH2CH2 de 180° so-
na figura 2.
Observa-se que dentre as conformações apresentadas,
de 60º para cada conformação, pode-se definir num esquema
três apresentam ligações alternadas (uma antiperiplanar e duas
gráfico a localização das geometrias sinperiplanar (SP), sincli-
sinclinais) e outras três apresentam ligações eclipsadas (uma
nal (SC), anticlinal (AC) e antiperiplanar (AP) como esquemati-
sinperiplanar e duas anticlinais. Considerando um giro limítrofe
zado abaixo na figura 3.
A simulação dos diedros pode ser feita com a utilização de softwares específicos que permitam sua análise, como o PcModel (SILVA,
2006; ANDREI, 2003, BARREIRO, 1997). A simulação se inicia com a construção molecular escolhida, aqui repre-
sentada pelo 1,2-difeniletano, conforme figura 4. 200 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
Estruturalmente o software difere os átomos por cores,
a fim de obtermos os dados de energia conformacional (MMx
permitindo o reconhecimento estrutural da molécula com seus
Energy), entalpia de formação (Hf) e momento dipolar (Dip.
respectivos grupos funcionais, quando for o caso. Construída
Moment), como pode ser observado na figura 5.
a estrutura molecular, a mesma é minimizada energeticamente
Observa-se valores simulados de 19,318 Kcal/mol para a
gia molecular, faz-se a marcação do diedro com a escolha dos
energia conformacional, 32,02 Kcal/mol para a entalpia de forma-
quatro átomos consecutivos a serem analisados, definindo-se o
ção e um momento dipolar de 0,053 Debies. Otimizada a ener-
ângulo inicial de giro (start angle), o ângulo final de giro (final an-
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 201
gle) e o passo angular (step) que definirá os pontos específicos
se definirmos como ângulo inicial 1, ângulo final 360 e passo
dentro do giro total requerido onde será feita uma simulação de
angular 20, teremos 18 simulações finais otimizadas a cada 20°
energia para análise conformacional (figura 6). Exemplificando:
girados a partir do ângulo inicial até o ângulo final.
Definidos os parâmetros para análise do diedro, é possível
pode-se avaliar, por exemplo, que a conformação mais estável
obter uma correlação gráfica entre a energia de cada uma das
para o 1,2-difeniletano, será a conformação com energia de
conformações geradas e o ângulo efetivo de giro. As confor-
18,15 Kcal/mol e um ângulo de giro de 181°, angulo esse que
mações mais estáveis serão as de menor energia e as menos
se enquadra no intervalo compreendido entre 150º e 210°, o que
estáveis as de maior energia. Aplicando-se as definições de ge-
permite defini-la como antiperiplanar (AP), conforme figura 7.
ometria ao gráfico obtido com as conformações especificadas,
202 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
A partir do gráfico obtido é possível analisar individualmente cada uma das conformações geradas, acessando a denomina-
ção do arquivo salvo, que fornece a lista de estruturas com todos os dados de cada uma das conformações, figura 8.
Acessando-se cada uma das conformações da lista de
distância entre dois dos carbonos aromáticos de ciclos distin-
estruturas pertinente, pode-se ainda calcular a distância entre
tos foi estimada em 6,786 Aº e o ângulo gerado por três dos
dois átomos quaisquer ou o ângulo gerado por três átomos
carbonos aromáticos benzênicos, estimada em 120°.
consecutivos, o que pode ser observado na figura 9, onde a
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 203
Objetivos
na glutationa como no conjugado foram marcados nos carbonos
Dessa forma, os objetivos do presente trabalho foram a
consecutivos da estrutura do aminoácido central cisteína e os ami-
obtenção de dados de energia conformacionais, momentos
noácidos glicina e ácido glutâmico foram otimizados na conforma-
dipolo e entalpia de formação, simulados no software PcMo-
ção antiperiplanar entre seus grupamentos mais polares antes da
del através da rotação de diedros desejados, a fim de avaliar
formação das ligações peptídicas com a cisteína.
a aplicabilidade destes dados no entendimento de estabilidade conformacional de fármacos e biomoléculas estruturais.
Resultados e discussão
Como moléculas protótipo foram estudados a glutationa, im-
Após as minimizações iniciais obtidas para a molécula da
portante biomolécula de conjugação no metabolismo de Fase
glutationa; que é um tripeptídeo de conjugação formado pelos
II, e o conjugado desta com a N-acetilimidoquinona, principal
aminoácidos ácido glutâmico, cisteína e glicina, é possível ob-
metabólito de Fase I do paracetamol.
servar que na conformação minimizada energeticamente, a molécula se apresenta fortemente estabilizada por uma interação
Material e Métodos
do tipo ligação de hidrogênio intramolecular. Essa interação é
As simulações de minimização de energia, distâncias inte-
gerada entre as carboxilas terminais dos aminoácidos glicina e
ratômicas e ângulos de giro de diedro foram obtidas no software
ácido glutâmico, interação esta que se apresenta delimitada na
PcModel 7.2 Serena software, utilizando-se o template do próprio
coloração amarela, com uma energia molecular total de - 8,745
software para simulação peptídica. Os diedros estipulados tanto
Kcal/mol, conforme figura 10.
A partir desta conformação obtida o diedro de giro foi delimitado como demonstrado abaixo entre os átomos de 1, 2, 3 e
4 e as conformações obtidas utilizando-se um passo angular ou step de 5 º, identificados na figura 11.
204 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
O gráfico que correlaciona a energia e o ângulo de giro para a glutationa é apresentado na figura 12.
Considerando o perfil gráfico da figura 12 associado à ta-
(-0,310 Kcal/mol), respectivamente nas geometrias sinperipla-
bela 1 (abaixo), observa-se a alternância entre máximos e mí-
nar, antiperiplanar, sinclinal e sinperiplanar. Em contrapartida
nimos de energia caracterizando nitidamente a existência con-
observam-se três mínimos de energia a 90 º com -0,186 Kcal/
formacional de quatro máximos de energia a 15 º (-4,808 Kcal/
mol, a 170 º com -9,820 Kcal/mol e a 315 º com -8,422 Kcal/mol,
mol), a 165 º (8,731 Kcal/mol), a 310 º (-6,948 Kcal/mol) e a 345º
sendo as geometrias sinclinal, antiperiplanar e sinclinal.
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 205
Correlacionando-se os mínimos de energia obtidos com as distâncias interatômicas entre os carbonos carbonílicos, para os diedros 18, 34 e 63, é possível estabelecer em qual geometria será mais provável a existência de interação intramolecular por ligação de hidrogênio associada ao ângulo, segundo os dados relatados na tabela 2.
A partir destes dados observa-se que mesmo possuindo a
entre carboxilas e inexistência de interação intramolecular foram
menor distância entre os grupamentos livres mais polares (car-
mais estáveis. A minimização de energia para o conjugado glu-
boxilas), o diedro 63 não foi a conformação mais estável do tri-
tationa-N-acetilimidoquinona proporcionou uma energia total de
peptídeo, os diedros 18 e 34 mesmo com maiores distâncias
-6,624 Kcal/mol, segundo a figura 13.
206 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
Delimitado o diedro de modo semelhante à glutationa, foram obtidas 72 conformações para o conjugado glutationa-N-
-acetilimidoquinona gerando o gráfico de correlação da figura 14.
A tabela 3 relata os dados de todas as conformações do con-
que todos eles apresentaram energia total entre -2,036 e -9,021
jugado glutationa-N-acetilimidoquinona obtidas na geração do
Kcal/mol. Os conformeros mais estáveis ou mínimos de energia
gráfico da figura 14. Diferentemente da glutationa, o conjugado
todos obtidos em ângulos de giro inferiores a 300 º, são relatados
apresentou um perfil gráfico mais homogêneo se considerarmos
na tabela 4.
os conformeros obtidos até 300º de giro, onde pode-se observar PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 207
Entre os mínimos do conjugado glutationa-N-acetilimidoqui-
amida entre o ácido glutâmico e cisteina, o que explica a maior
nona houve menor variação de energia total entre -9,021 e -9,181
distância interatômica entre os carbonos carbonílicos das carboxi-
Kcal/mol e todos os conformeros apresentaram interação intramo-
las terminais. Os diedros 54 e 56 apresentaram o mesmo padrão
lecular por ligação de hidrogênio. Entretanto, a interação intramole-
de interação intramolecular dos mínimos da glutationa, entre os car-
cular do diedro 13 ocorre entre o grupamento amino da glicina e a
bonos carbonílicos das carboxilas terminais, o que diminui conside-
carbonila da
ravelmente a distância interatômica entre as carbonilas.
208 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
A partir de 330º de giro observa-se um aumento substan-
com a compressão estérica gerada pela proximidade entre o
cial na energia molecular total, gerando um máximo de energia
ciclo aromático da N-acetilimidoquinona e o ciclo da glutationa
com 68,803 Kcal/mol no diedro 66. Os diedros entre 330° e 360º
momentaneamente estabilizado pela interação intramolecular,
apresentaram elevação da energia molecular total, compatível
conforme figura 15.
Conclusão Considerando as limitações do próprio software bem como a rigidez conformacional do método de simulação, uma vez que simulamos somente os diedros do aminoácido central cisteina, as simulações se mostraram totalmente aplicáveis as biomoléculas escolhidas proporcionando uma visão mais próxima da realidade no aspecto tridimensional. Além disso, as simulações permitiram prever as possíveis interações pertinentes à estabilização da forma cíclica momentânea de peptídios em sua forma isolada ou associada a metabólitos exógenos. Referências FERREIRA, P.F.M., JUSTI, R.S. Modelagem e o “Fazer Ciência”. Quim. Nova na escola, n.28, 2008. RAUPP, D., SERRANO, A., MARTINS, T.L.C. A evolução da química computacional e sua contribuição para a educação em química. Revista Liberato, v.9, n.12, 2008. KLIER, A.H. Conformações do cicloexano: um modelo de estudo no PcModel.Pós em Revista, n. 5, 2012.
SILVA, T.H.A. Practica III.3 Modelagem molecular com o auxílio do computador, 2006. Disponível em http://old.iupac.org/publications/cd/medicinal chemistry/Practica-III-3.pdf ANDREI, C.C., FERREIRA, D.T., FACCIONE, M., FARIA, T.J. Da Química Medicinal à Química Combinatória e Modelagem Molecular: um curso prático. Barueri, SP: Manole, 2003. 154p. MARQUES, M.V., RUSSOWSKY, D., FONTOURA, L.A.M. Análise Conformacional de Compostos de Biginelli com Atividade Antineoplásica. Eclet. Química, v.35, n.4, 2010. BARREIRO, E.J., RODRIGUES, C.R., ALBUQUERQUE, M.G., RABELLO DE SANT’ANNA, C.M., ALENCASTRO, R.B. Modelagem Molecular: Uma Ferramenta para o Planejamento Racional de Fármacos em Química Medicinal. Quim. Nova, v.20, n.1, 1997.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Docentes do Centro Universitário Newton Paiva 2 Discentes do Curso de Farmácia do Centro Universitário Newton Paiva
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 209
DISTRIBUIÇÃO E TRANSPORTE DE MEDICAMENTOS Gabriel Beggiato CORRÊA1 Marta M Gontijo AGUIAR2
RESUMO: Este artigo apresenta uma análise dos processos de distribuição/armazenamento e transporte de medicamentos. A qualidade, segurança e eficácia dos medicamentos estão diretamente relacionadas com o cumprimento das boas práticas de distribuição e transporte. Todavia, podem-se destacar o importante papel do farmacêutico no gerenciamento desses processos, as normas e legislações que regem essas etapas e os pontos críticos do transporte de medicamentos. Por fim, a validação do processo de transporte é essencial para garantir que os medicamentos não sofram alterações nas suas propriedades farmacotécnicas e farmacodinâmicas, mantendo a qualidade até o consumidor final. Palavras-chave: Armazenagem, distribuição, transporte, validação, logística.
1. Introdução
ção e transporte influenciam diretamente na segurança e eficá-
Segundo a Farmacopéia Brasileira 5ª edição, “medicamen-
cia dos medicamentos, porém não são bem desempenhadas,
to é um produto farmacêutico tecnicamente obtido ou elaborado
em relação à garantia da qualidade dos medicamentos, pelas
com finalidade profilática, curativa, paliativa ou para fins de diag-
distribuidoras e transportadoras, pois as legislações brasileiras
nóstico” (FARMACOPÉIA BRASILEIRA, 2010).
que referenciam essas etapas são muito deficitárias, tornando
A cadeia de produtos farmacêuticos abrange as etapas de produção, distribuição, transporte e dispensação. Todas as eta-
a fiscalização, pelos órgãos reguladores, ineficientes. (BRASIL, 1998a; CRF-SP, 2009).
pas envolvidas possuem uma responsabilidade solidária pela
A Portaria 802 de 8 de Outubro de 1998, (BRASIL, 1998a)
identidade, eficácia, qualidade e segurança dos produtos far-
institui o sistema de controle e fiscalização em toda cadeia de
macêuticos (BRASIL, 1998a).
produtos farmacêuticos e determina as BPD, as Portarias 1051
No que se refere à qualidade, BRASIL (2010) e a Wold Heal-
e 1052 de 29 de Dezembro de 1998, (BRASIL, 1998 b e c) insti-
th Organization (WHO, 2011) estabelecem que: os medicamen-
tuem o regulamento técnico para autorização/habilitação de em-
tos devem ser planejados e desenvolvidos de forma a serem
presas transportadoras de produtos farmacêuticos e determinas
consideradas as exigências das boas práticas de fabricação
as BPT.
(BPF); que o fabricante seja responsável pela qualidade dos
Em 1999, com a criação da Agência Nacional de Vigilância
medicamentos produzidos e assegure que estes sejam adequa-
Sanitária (Anvisa) pela promulgação da Lei 9782/99, a atuação
dos ao fim que se destinam e não coloquem os pacientes em
do farmacêutico nas áreas de distribuição e transporte de medi-
riscos; e que o armazenamento, distribuição e o transporte dos
camentos foi efetivada (CRF-SP, 2009).
medicamentos sejam adequados, minimizando qualquer risco à sua qualidade.
As Resoluções 365 de 2 de outubro de 2001 e a 433 de 26 de abril de 2005, ambas do Conselho Federal de Farmácia (CFF)
Segundo WHO (2010), para manter a qualidade dos me-
regulamentam a atuação do farmacêutico nas áreas de distri-
dicamentos, todas as etapas da cadeia de distribuição devem
buição e transporte de produtos farmacêuticos, aumentando a
cumprir com as legislações e regulamentações. Todas as ativi-
segurança e integridade dos produtos.
dades de distribuição de medicamentos devem ser realizadas
Os processos de armazenamento, distribuição e transporte
de acordo com os princípios das BPF, boas práticas de armaze-
de produtos farmacêuticos estão presentes desde o fornecimen-
nagem (BPA), boas práticas de distribuição (BPD) e boas práti-
to de matéria-prima ou insumos farmacêuticos até a dispensa-
cas de transporte (BPT).
ção do produto acabado, todas as empresas envolvidas nestas
Distribuição é qualquer atividade de posse, abastecimen-
etapas devem satisfazer as condições necessárias, entregando
to, armazenamento e expedição de produtos farmacêuticos,
ao consumidor final o produto com qualidade (CRF-SP, 2009).
excluindo o fornecimento público. Já o transporte é a parte da
Assim este artigo tem como objetivo analisar por meio de refe-
logística responsável pelo deslocamento de produtos farmacêu-
renciais teóricos as etapas de distribuição/armazenamento e o
ticos através de vários modais existentes. As Etapas de distribui-
transporte de produtos farmacêuticos.
210 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
2. Metodologia
portadora de medicamentos, e a Portaria 344 de 12 de maio de
Este artigo é baseado em revisões bibliográficas de artigos
1998 (BRASIL, 1998d) que especifica a distribuição e transporte
científicos, livros, periódicos e em legislações nacionais e inter-
de medicamentos sujeitos a controle especial (FLEURY, 2010;
nacionais que regem o tema.
MACEDO e GARCIA, 2007). Essas regulamentações foram implantadas decorrentes da necessidade de incrementar novos controles no processo de
3. Desenvolvimento
distribuição, armazenamento e transporte de medicamentos, uma vez que grande parte dos medicamentos falsificados era
3.1 Qualidade dos medicamentos A fabricação de produtos farmacêuticos segue a tendên-
proveniente de cargas roubadas, fabricações clandestinas e re-
cia de evolução do século atual, cada vez mais, os processos
aproveitamento de amostras grátis. Vieram a estabelecer crité-
utilizados apresentam uma complexidade crescente até obten-
rios para compra e venda, de forma que possibilitasse a rastrea-
ção do produto terminado. Sendo fundamental que a qualidade
bilidade em todo seu trajeto (MELO, 2012).
destes seja mantida desde a fabricação até a comercialização
Com o objetivo de intensificar a fiscalização na cadeia de produtos farmacêuticos, aumentando a rastreabilidade dos me-
(PINTO et al., 2010). A garantia da qualidade, eficácia e segurança dos produtos
dicamentos e a qualidade dos produtos, novas regulamentações
farmacêuticos são baseadas nas diretrizes das BPF da indús-
foram surgindo: a Resolução nº 329/MS/ANVS, de 22 de julho de
tria farmacêutica, entretanto o controle sanitário só é eficaz se
1999, que institui o roteiro de inspeção para transportadoras de
abranger toda cadeia de medicamentos. A não observância nas
medicamentos; a Resolução nº 49/GMC, de 28 de novembro de
condições adequadas para conservação, armazenagem e trans-
2002 e a Portaria nº 12/GMC, de 5 de janeiro de 2005, que regu-
porte podem produzir deterioração física ou decomposição quí-
lamentam as BPD e as BPT de produtos farmacêuticos do Mer-
mica do produto, resultando na alteração no período de validade
cosul, respectivamente; a Resolução nº 1/MS/ANVS de 29 de
do produto pela diminuição de sua atividade ou pela formação
julho de 2005, que estabelece o guia para realização de estudo
de produtos de degradação nocivos à saúde (BRASIL, 1998b).
de estabilidade; Resolução nº 204/MS/ANVS, de 14 de novembro de 2006, que regulamenta as boas práticas de distribuição
De acordo com WHO (2011): “para garantir a qualidade dos produtos farmacêuticos, as
e fracionamento de produtos farmacêuticos; Resolução nº 27/
distribuidoras e transportadoras devem estabelecer, do-
MS/ANVS, de 30 de março de 2007, que estabelece o Sistema
cumentar e manter uma estrutura organizacional para as
Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC)
operações de armazenagem, transporte e distribuição”.
e a Resolução nº 17/MS/ANVS, de 17 de abril 2010, que regulamenta as boas práticas de fabricação.
As distribuidoras e transportadoras devem assegurar que a qualidade e integridade dos produtos farmacêuticos sejam mantidas durante toda cadeia de distribuição e que as etapas críticas nos processos deverão ser validadas. As empresas devem transportar e armazenar os produtos em conformidade com as informações do fabricante, proteger contra adulterações, quebras ou roubos (EUROPEAN COMMISSION, 2011). O armazenamento, distribuição e transporte de medicamentos no Brasil são referenciados ainda por legislações muito antigas. As normas que citam essas etapas datam de 1973 com a Lei 5991/73 (BRASIL, 1973) de 1976 com a Lei 6360/76 (BRASIL, 1976), somente em 1998 foram criadas normas mais específicas para distribuição e transporte de medicamentos, as Portarias 802 de 8 de outubro de 1998 (BRASIL, 1998a), que define as BPD, as Portarias 1051 e 1052 de 29 de dezembro de 1998 (BRASIL, 1998b e BRASIL, 1998c), que estabelecem as BPT e determinam quais documentos necessários para obtenção da Autorização de Funcionamento de Empresa (AFE) para trans-
3.2 Papel do Farmacêutico na distribuição e transporte de medicamentos A atuação do farmacêutico na área da distribuição e transporte de medicamentos foi efetivada apenas no final da década de 90 com a criação da Anvisa e o surgimento de normas sanitárias específicas. Desde então ocorreram vários avanços nos aspectos sanitários e de regulamentação da profissão farmacêutica para controlar fatores como conservação e segurança dos medicamentos (CRF-SP, 2009). Em 2001, o CFF publicou a resolução 365 de 2 de outubro que regulamenta a assistência técnica farmacêutica em distribuidoras. Ressalta a necessidade da presença do farmacêutico durante todo horário de funcionamento e descreve algumas atribuições do farmacêutico, como: l
Cumprir e fazer cumprir a legislação sanitária;
l
Liberar produtos somente aos estabelecimentos autori-
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 211
zados/licenciados pelos órgãos sanitários; l
Manter o manual de boas práticas de distribuição e
armazenagem; l
Organizar, supervisionar e orientar as etapas de recebi-
mento, armazenagem e expedição de produtos farmacêuticos. Já a atuação do farmacêutico em empresas de transportes
março de 2007, respectivamente. Para reduzir custos de distribuição, as indústrias estão investindo em centros de distribuição (CD), próprios ou terceirizados. Essas unidades contribuem para um maior controle das operações logísticas e permite a obtenção de melhores serviços aos clientes (RODRIGUES e PIZZOLATO, 2003).
só foi regulada pelo CFF através da Resolução 433 de 26 de
A decisão de terceirizar parte do estoque permite que a
abril de 2005. São atribuições do farmacêutico em empresa de
indústria farmacêutica otimize o uso do espaço da planta para
transporte de medicamentos:
produção. Essa prática vem ampliando a importância do opera-
l
Zelar pelo cumprimento da legislação sanitária;
dor logístico, que de forma resumida possui a função de receber
l
Permitir somente o transporte de produtos registrados
os medicamentos, estoca-los e de acordo com os pedidos de
no órgão sanitário competente; l l
Implantar o manual de boas práticas de transporte; Elaborar procedimentos de limpeza dos veículos, de
faturamento, expedi-los. Esses agentes estão investindo em modernos CD próprios, para dedicar as operações de um ou mais clientes (FLEURY, 2010; RODRIGUES e PIZZOLATO, 2003).
registro e controle de temperatura e umidade, registro de ocor-
As funções básicas de um CD são: recebimento, estoca-
rência, avarias, extravios e devoluções, sobre controle de desin-
gem/ armazenagem, separação, expedição e transporte, sendo
setização e desratização.
esse último terceirizado ou próprio.
A documentação perante Anvisa e ao Conselho Regional de
A logística de transporte constitui um grande problema por
Farmácia (CRF) é de responsabilidade do farmacêutico e todos
apresentar um sistema complexo que demanda tempo, treina-
os trâmites documentais que envolverem outros profissionais,
mento de pessoal, roteirização, dimensionamento de frota de
devem ser supervisionados pelo farmacêutico que deverá ter
veículos e localização (SILVA e PANIS, 2009).
conhecimento das legislações em vigor.
De acordo com o Ministério do Transporte (2012), o transporte rodoviário é o modal mais utilizado no Brasil, porém possui
3.3 Logística de distribuição e transporte de medicamentos O conceito de logística foi introduzido durante a Segunda Guerra Mundial, devido às atividades de aquisição, estoque e transporte exercidos pela logística militar. A partir daí o gerenciamento logístico nas empresas engloba o conceito de fluxo de compras de matérias-primas, operações de produção e transformação, controle de materiais e processos, compreendendo também o gerenciamento do transporte e distribuição dos produtos destinados à venda até o consumidor final (CAVANHA-FILHO, 20011; CHING, 20062, apud SILVA e PANIS, 2009). Como aumento da competitividade do mercado, as empresas foram percebendo muitas atividades importantes que poderiam garantir uma lucratividade adicional. As atividades logísticas eram executadas puramente de forma funcional e não existia nenhum conceito de integração. Na direção de se obter uma melhor qualidade, a terceirização de algumas atividades do processo logístico foi considerada um fator de sucesso para os negócios empresariais e a atividade terceirizada com mais freqüência é o transporte (BOWERSOX e CLOSS, 20013, apud AZEITUNO et al., 2011). A terceirização de transporte e de armazenamento de medicamentos no Brasil é regulamentada pela Portaria 1051 de 29 de dezembro de 1998 e Resolução nº 25/MS/ANVS, de 29 de
grandes desvantagens em relação aos transportes ferroviários e hidroviários. Alto custo de manutenção; muito poluente com forte impacto ambiental; segurança comprometida devido a roubos de cargas; altos custos para grandes distâncias e baixa capacidade de carga com limitação de volume e peso. No transporte de medicamentos a malha rodoviária gera ainda mais transtornos. Para atender grandes distâncias o custo da operação encarece para o consumidor final e coloca em risco a qualidade do produto devido à demora desse processo. Fatores como temperatura, tempo de armazenagem, forma de acondicionamento, umidade, luz, oxigênio, se não muito bem controlados podem gerar instabilidade aos produtos diminuindo a eficácia, segurança e qualidades, podendo gerar graves problemas de saúde (REI, LIMA e SOUSA, 2010; SILVA e PANIS, 2009). 3.4 Pontos críticos de transporte de medicamentos No transporte de produtos farmacêuticos, um dos itens mais importantes é a temperatura. A condição do baú do veículo, a quantidade de volumes, distância do trajeto, duração da viagem e o carregamento e descarregamento, podem influenciar diretamente na perda da eficácia do produto, em virtude da oscilação de temperatura (DUBOC, 20064; MACEDO, 20045; ROJAS & DATZ 20036, apud MACEDO e GARCIA, 2007).
212 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
Segundo Duboc (2006), as dificuldades no transporte de
A conseqüência da não regulamentação e o controle por
medicamentos que podem gerar perda de qualidade e eficácia,
parte dos órgãos reguladores, promovem falta de disciplina no
não são restritas apenas às transportadoras. Representantes ou
transporte rodoviário de cargas no Brasil, permitindo o funcio-
propagandistas dos laboratórios transportam as amostras de
namento de transportadoras sem condições econômicas para
medicamento na maioria das vezes em automóveis convencio-
exercício da atividade, a circulação de caminhões em más con-
nais e essas ficam expostas a altas temperaturas e dessa forma
dições de conservação e sobrepeso e a existência de jornadas
se torna muito difícil estabelecer quais são os limites seguros
de trabalhos adequadas (VILELA et al., 2010).
para o tempo e a temperatura máxima de exposição o qual o medicamento pode ser submetido sem que suas propriedades farmacotécnicas e farmacodinâmicas sejam alteradas. Outro exemplo citado por Duboc (2006) é o transporte do medicamento pelo próprio usuário que muitas vezes os expões as altas temperaturas e choques térmicos. Nesse caso a perda de eficiência do medicamento não é responsabilidade do fabricante ou transportadora e sim do próprio usuário, mas isso pode gerar uma reclamação de mercado e pode causar certo impacto negativo para o fabricante, distribuidor ou transportador. Fleury (2010) aponta como fonte de problemas que prejudicam o que seria a condição ideal de transporte, a dificuldade de se ter um real controle do que ocorre a partir do momento em que o medicamento deixa a indústria. No transporte rodoviário, o caminhão que retira a mercadoria da indústria e que é devidamente inspecionado não é o mesmo que entregará os produtos a todos os pontos do Brasil, portanto é impossível saber se a legislação está sendo seguida corretamente. Já no aéreo, a mercadoria vai para a pista de embarque, se chover, fizer calor ou o avião atrasar, a mercadoria ficará exposta. No marítimo é ainda mais problemático, como não há contêineres dedicados a transporte de medicamentos são transportados em contêineres de produtos perecíveis como alimento. “O transporte é uma das áreas que eu acredito, hoje está mais frágil porque a circulação de mercadorias aumentou muito no mundo todo e isso agora é um problema global. Este é o momento que todo mundo está discutindo, porque o prejuízo é para todos, para quem vai usar o medicamento, para indústria, para quem vendeu, para própria transportadora e para seguradora” (FLEURY, 2010,).
Validação é “ato documentado que atesta que qualquer procedimento, processo, equipamento, material, atividade ou sistema realmente leva ao resultado esperado”. É parte essencial das Boas Práticas de Fabricação, consequentemente das Boas Práticas de Distribuição e Boas Práticas de Transporte de medicamentos (BRASIL, 2010). A validação de transporte é fundamental para detecção de falhas no sistema, reduzir atrasos e prejuízos, além de garantir a qualidade e estabilidade dos medicamentos (GABRIEL et al., 2007 7apud GORGULHO, GRASSO e MOURA, 2010). A validação do processo de transporte é a principal ferramenta da qualidade para controle e monitoramento do tráfego de produtos para sua conservação. Têm como objetivo a comprovação que uma determinada operação foi conduzida ao resultado esperado dentro dos critérios de aceitação pré-definidos, além de fornecer informações importantes para estabilidade dos produtos, pontos críticos de controle e desvio da qualidade (GODOY, 20088 apud GORGULHO, GRASSO e MOURA, 2010). A segurança e eficácia, no que tange a qualidade, serão garantidas desde que respeitadas às recomendações das autoridades sanitárias para produtos conservados entre 2ºC a 8ºC e entre 15ºC a 30ºC (BRASIL, 2005; GORGULHO, GRASSO e MOURA, 2010). A validação de transporte de medicamentos é um processo extremamente importante, principalmente para produtos sensíveis à temperatura e umidade, pois os medicamentos podem ter suas propriedades farmacotécnicas e farmacodinâmicas alteradas (DUBOC, 2005). Para garantir que os produtos termolábeis sejam transpor-
Outro ponto crítico no transporte de medicamentos no Brasil é o roubo de cargas que consome grande parte do faturamento bruto das transportadoras. Para minimizar esse tipo de contratempo, as empresas de transporte estão investindo em sistema de rastreamento de veículos via satélite, contratação de escolta armada, serviços de seguradoras e gerenciadoras de risco, para preservar a integridade física do motorista, do veículo e da carga transportada (SILVA e PANIS, 2009).
3.5 Validação de Transporte
tados de forma segura deve definir o intervalo de temperatura e umidade adequado para cada produto. Os equipamentos e os sensores utilizados para medir e registrar as temperaturas e umidades devem ser calibrados e qualificados frequentemente. Os equipamentos devem fornecer o registro de temperatura e umidade dos sensores no mínimo seis vezes ao dia (WHO, 2011). De acordo com European Commission (2011), deve-se calibrar, em intervalos regulares ou pelo menos uma vez ao ano,
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 213
o equipamento de refrigeração dos veículos e validar o sistema
habilitado para promover os gerenciamentos da logística de
de controle de temperatura a fim de garantir que as condições
transporte e de distribuição de medicamentos, pois é ele que irá
corretas de transporte sejam mantidas entre a distribuidora e/ou
garantir a qualidade do medicamento quando esse estiver dis-
transportadora e o cliente.
ponível para o consumo pela população (CRF-SP, 2009; SILVA
Para executar a validação de transporte deve-se utilizar
e PANIS, 2009).
a mesma diretriz de uma validação de processo, elaborar um
O conhecimento e o cumprimento das normas que tratam
protocolo contendo as especificações e os tipos de testes, as
as boas práticas de fabricação, armazenagem, distribuição e
metodologias e os critérios de aceitação. Após a realização dos
transporte devem-se traduzir em atos seguros e em um esfor-
testes, deve ser elaborado o relatório de validação, mostrando
ço coletivo de todas as empresas que integram a cadeia de
todos os resultados e concluindo o processo (DUBOC, 2005).
medicamentos e atuem para o bem da saúde da população
Portanto, para garantir que a qualidade, eficácia e seguran-
(ZARDO, 2012).
ça não seja afetada durante o transporte, a validação deve ser executada em todo o percurso: da indústria para distribuidora e/ ou transportadora e dessa para farmácias e drogarias. Devem também ser avaliadas, na validação de transporte, a temperatura e umidade durante os transportes em todas as estações do
5. Referências AZEITUNO, Andresa Aparecida et al. Armazenagem e distribuição na cadeia de suprimentos do setor farmacêutico. Revista Jovens Pesquisadores, v.8, n.2, jul/dez, 2001.
ano, o tempo do trajeto, qualificar as embalagens térmicas e os compartimentos térmicos dos veículos (CARVALHO e MACEDO, 2010; DUBOC, 2005). 4. Considerações finais O cumprimento das Boas Práticas por parte das empresas responsáveis pela cadeia de produtos farmacêuticos são requisitos essenciais para garantir o controle, eficácia e segurança, desde a aquisição das matérias-primas e/ou insumos farmacêuticos, materiais de embalagem e a armazenagem desses e do produto final, a fim de garantir que os medicamentos produzidos estão de acordo com as normas da BPF. Além desse controle por parte da indústria é necessário que todas as partes envolvidas no processo da cadeia de medicamentos, como por exemplo, a empresas de transportes, as distribuidoras e as farmácias e drogarias, cumpram com os requisitos de Boas Práticas e das legislações em vigor para que possam garantir a qualidade dos produtos farmacêuticos até o consumidor final. O uso terapêutico dos medicamentos é baseado na segurança e eficácia, devem ser estáveis e manter a qualidade durante todo o tempo de uso ou até a data de expiração da validade. A qualidade deve ser mantida nas várias condições que os medicamentos se encontram, durante a produção; estocagem em almoxarifados, transporte, estocagem em hospitais, farmácias/drogarias, bem como nas residências dos usuários (OLIVEIRA, 2005). A implantação das BPD e BPT está em processo de expansão no Brasil e é primordial para garantir a eficácia e a integridade dos produtos farmacêuticos comercializados no país (MACEDO e GARCIA, 2007). O farmacêutico, portanto destaca-se como o profissional
BRASIL. Ministério da Saúde. Lei 5991, de 17 de dezembro de 1973. Dispõe sobre o controle sanitário do comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos. Brasília, DF. Disponível em: http://www.anvisa.gov.br/legis/consolidada/lei_5991_73.htm. Acesso em : 24 nov. 2011. BRASIL. Ministério da Saúde. Lei 6360, de 23 de setembro de 1976. Dispõe sobre vigilância sanitária a que ficam sujeitos os medicamentos, as drogas, os insumos farmacêuticos e correlatos, cosméticos e saneantes. Brasília, DF. Disponível em: http://www.anvisa.gov.br/legis/ consolidada/lei_6360_76.pdf. Acesso em : 24 nov. 2011. BRASILd. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância Sanitária. Portaria n.344, de 12 de maio de 1998. Aprova o regulamento técnico sobre substâncias e medicamentos sujeitos a controle especial. Disponível em: http:// bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/svs/1998/ prt0344_12_05_1998_.html. Acesso em : 10 set. 2010. BRASILa. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância Sanitária. Portaria n.802, de 8 de outubro de 1998. Institui o Sistema de Controle e Fiscalização em toda cadeia de produtos farmacêuticos. Diário Oficial, n.194-E, seção 1, p.36-38. Brasília, DF, 9 de out. 1998. Disponível em: http:// bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/svs1/1998/prt0802_08_10_1998_ rep.html. Acesso em : 10 set. 2010. BRASILb. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância Sanitária. Portaria n.1051, de 29 de dezembro de 1998. Autoriza o regulamento técnico para autorização/habilitação de empresas transportadoras de produtos farmacêuticos e farmoquímicos. Disponível em: http:// bvsms.saude. gov.br/bvs/saudelegis/svs1/1998/prt1051_29_12_1998_.html. Acesso em : 10 set. 2010. BRASILc. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância Sanitária. Portaria n.1052, de 29 de dezembro de 1998. Aprova a relação de documen-
214 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
tos necessários para habilitar a empresa a exercer a atividade de transporte de produtos farmacêuticos e farmoquímicos. Disponível em: http:// bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/svs1/1998/prt1052_29_12_1998_. html. Acesso em : 10 set. 2010. BRASIL. Anvisa. Resolução n. 329, de 22 de julho de 1999. Institui o roteiro de inspeção para transportadoras de medicamentos, drogas e insumos farmacêuticos. Brasília, DF. Disponível em: http:// bvsms.saude. gov.br/bvs/saudelegis/anvisa/1999/res0329_22_07_1999_.html. Acesso em : 10 set. 2010. BRASIL. Conselho Federal de Farmácia. Resolução n° 365, de 2 de outubro de 2001. Dispõe sobre assistência técnica farmacêutica em distribuidoras, representantes, importadoras e exportadoras de medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos. Disponível em: http://www. crfsp.org.br/legislacao/784-resolucao-365-de-2-de-outubro-de-2001. html. Acesso em: 10 ago. 2010. BRASIL. Conselho Federal de Farmácia. Resolução n° 433, de 26 de abril de 2005. Regula a atuação do farmacêutico em empresa de transporte terrestre, aéreo, ferroviário ou fluvial, de produtos farmacêuticos, farmoquímicos e produtos para saúde. Disponível em: http://www.crfsp.org. br/legislacao/751-resolucao-433-de-26-de-abril-de-2005.html. Acesso em: 10 ago. 2010. BRASIL. Anvisa. Resolução n° 1, de 29 de julho de 2005. Aprova o guia para realização de estudos de estabilidade. Disponível em: http://www. anvisa.gov.br/legis/resol/2005/001_05/re.html. Acesso em : 19 abr. 2010. BRASIL. Anvisa. Resolução n° 204, de 14 de novembro de 2006. Aprova o regulamento técnico das boas práticas de distribuição e fracionamento de insumos farmacêuticos. Disponível em: http://www.anvisa.gov. br/legis/resol/2006/204_06/rdc.html. Acesso em : 25 jan. 2012. BRASIL. Anvisa. Resolução n° 27, de 30 de março de 2007. Dispõe sobre o Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados – SNGPC, estabelece a implantação do módulo para drogarias e farmácias. Disponível em: http://www.anvisa.gov.br/legis/resol/2007/027_07/ rdc.html. Acesso em : 10 ago. 2011. BRASIL. Anvisa. Resolução da Diretoria Colegiada n.49, de 23 de novembro de 2010. Aprova a Farmacopéia Brasileira V edição, Brasília, DF, v.1, p.47. 2010. BRASIL. Anvisa. Resolução da Diretoria Colegiada n.17, de 16 de abril de 2010. Dispõe sobre as Boas Práticas de Fabricação de Medicamentos, Brasília, DF, 2010. CARVALHO JR, S; MACEDO, M.S.H. Logística farmacêutica comentada. Ed. Medfarma. P.37, 2010. DISTRIBUIÇÃO E TRANSPORTES. São Paulo: Conselho Regional de Farmácia de São Paulo. Comissão Assessora de Distribuição e Transportes, ed.2, 2009. Disponível em: http://www.crfsp.org.br/comissoes-
-assessoras-/343-um-roteiro-geral-do-ambito-farmaceutico.html. Acesso em: 20 jan. 2011. DUBOC, Marco. Validação de transporte de produtos com temperatura controlada. Revista Controle de Contaminação. V.77, p.16-18, 2005. DUBOC, Marco. O transporte de medicamentos e os imprevistos não descritos em literatura. Revista Controle de Contaminação. V.82, p.36-37, 2006. EUROPEAN COMMISSION. Commission guideline on good distribution pratice of medicinal products for human use, 31 de December de 2011. Health and Consumers Directorate-General. Bruxelles, Belgique. 2011. FLEURY, Luciana. Boas práticas de armazenagem e transporte de medicamentos. Sociedade Brasileira de Controle e Contaminação, n.48, set/out, p.8-15, 2010. Disponível em: http://www.sbcc.com.br/revistas_ pdfs/ed48/08-15-Transporte.pdf. Acesso em: 20 fev. 2012. GORGULHO, D.; GRASSO, J. T.; MOURA, R. C. R. Qualificação térmica de embalagem como estratégia de qualidade na cadeia logística de imunobiológicos. UCG, 2010. Disponível em: http://www. cpgls.ucg.br/44.pdf. Acesso em: 05 fev. 2012. MACEDO, Sonja Helena Madeira; GARCIA, Tatiane Ramos Lopez. Influência da temperatura sobre o transporte de medicamentos por modal rodoviário. Infarma, v.19, n. 3/4, 2007. MELO, Maria Goretti Martins. Vigilância Sanitária de medicamentos. Belo Horizonte, farmácia ufmg, 2012. Disponível em: http://www.farmacia.ufmg.br/cespmed/text6.htm. Acesso em: 03 mar. 2012. MERCOSUL. GMC. Resolução n° 49, de 28 de novembro de 2002. Aprova o regulamento técnico Mercosul sobre as boas práticas de distribuição de produtos farmacêuticos. Disponível em: http://www.sice.oas. org/trade/mrcsrs/resolution/res4902p.asp. Acesso em: 28 fev. 2012. MERCOSUL. GM. Portaria n° 12, de 5 de janeiro de 2005. Aprova o regulamento técnico Mercosul sobre as boas práticas de transporte de produtos farmacêuticos e farmoquímicos. Disponível em: http://dtr2001.saude. gov.br/sas/portarias/port2005/gm/gm-12.htm. Acesso em: 28 fev. 2012. MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES (Brasil). Disponível em: http://www2. transportes.gov.br/bit/02-rodo/rodo.html. Acesso em: 02 mar. 2012. OLIVEIRA, M.G.R. Avaliação dos pontos críticos da armazenagem e transporte de produtos farmacêuticos em áreas de portos, aeroportos, fronteiras e recintos alfandegários. 2005. 111f. Dissertação (Mestrado em Ciências Farmacêutica) – Faculdade de Farmácia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2005. Disponível em: http://www.ufrgs.br/farmacia/cadfar/v21n2/indexP.html. Acesso em: 09 mar. 2012. PINTO, T.A.; KANEKO, T.M.; OHARA, M.T.O. Controle biológico de qualidade de produtos farmacêuticos, correlatos e cosméticos. 2.ed. São Paulo: Atheneu, 2010. p
PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 215
REI, Gabriela Lourenço; LIMA, Isabel Dischinger; SOUSA, Valter João. Análise multicriterial de estratégias de gestão de risco aplicadas na cadeia de distribuição de medicamentos. Faculdade de Tecnologia - FATEC, São José dos Campos, 2010. Disponível em: http://www.anpet.org.br/ssat/interface/content/autor/trabalhos/publicacao/2010/141_AC.pdf. Acesso em: 5 dez. 2011.
NOTAS DE RODAPÉ
RODRIGUES, G. Gonzaga; PIZZOLATO, N. Domingues. Centros de distribuição: armazenagem estratégica. In: 23º ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO. Ouro Preto, 21 a 24 out. 2003. Disponível em: http://www.abepro.org.br/biblioteca/ENEGEP2003_TR0112_0473. pdf. Acesso em: 12 jan. 2012.
3 BOWERSOX, D. J; CLOSS, D. J. Logística empresarial: O processo da integração da cadeia de suprimentos. Editora Atlas, 2001.
SILVA, Douglas Barbosa Cardoso; PANIS, Carolina. Análise da logística de transporte de medicamentos. Infarma, v. 21, n. 3/4, 2009. VILELA, Roberto et al. Transporte de medicamentos integrado ao supply chain – diferencial competitivo para empresas do segmento farmacêutico. Instituto Racine, 2010. Disponível em: http//www.racine. com.br/portal-racine/setor-industrial/supply-chain/transporte-de-medicamentos. Acesso em: 15 fev, 2012. WORLD HEALTH ORGANIZATION. Model guidance for the storage and transport of time-and-temperature-sensitive pharmaceutical products. Technical Report Series, n.961, annex 9, p.324-367. Geneva, Switzerland, 2011. WORLD HEALTH ORGANIZATION. Good distribution pratices for pharmaceutical products. Technical Report Series, n.957, annex 5, p.253264. Geneva, Switzerland, 2010.
1 CAVANHA-FILHO, A. O. Logística: novos modelos. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2001. 2 CHING, H. Y. Gestão de estoques na cadeia logística integrada – Supllay chain. São Paulo: Atlas, 2006.
4 DUBOC, M. O transporte de medicamentos e os imprevistos não descritos em literatura. Revista Controle de Contaminação. V.82, p.36-37, 2006. 5 MACEDO, S.H.M. Cuidados necessários na distribuição e transporte de medicamentos, Produtos para saúde e farmoquímicos. Revista do Farmacêutico, Ed. CRF/SP, n. 71-72, São Paulo, 2004. 6 ROJAS, A. & DATZ, D. A abordagem sistêmica para modelagem da gestão do transporte sob o enfoque da qualidade do serviço. Cadernos do IME – Série Informática, v. 14, junho, 2003. disponível em: http//www. ime.uerj.brcadernos/cadinf/vol14. 7 GABRIEL, A. et al. Validação do sistema de transporte e das dosagens de amostras biológicas enviadas para a central de um laboratório de grande porte. Revista Bras Patol Med Lab. Vol 43. n. 4. 2007. 235 – 240 p; 8 GODOY, G.F. Boas Práticas de Armazenagem e Distribuição de Medicamentos. São Paulo: Inforprint Price Editora. 2008.
ZARDO, Humberto. Boas práticas de armazenamento, transporte e distribuição de medicamentos: contribuição para visão integrada das necessidades. Instituto Racine, 2012. In: Revista fármacos e medicamentos, v.66, ago/set/out, 2011. Disponível em: http://www.racine.com. br/index.php. Acesso em: 10 fev. 2012.
216 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785
ESPOROTRICOSE HUMANA: aspectos clínicos, laboratoriais e caso clínico Carina Paulino Hugo1 Roberta D. Rodrigues Rocha2 Mônica de F. Ribeiro Ferreira2
RESUMO: A esporotricose é uma infecção fúngica granulomatosa crônica, subcutânea ou sistêmica, causada pelo fungo Sporothrix schenckii, que afeta principalmente homens e animais, em especial os gatos. É a mais frequente das micoses subcutâneas, com distribuição cosmopolita, de importância e prevalência variável em cada país. O Sporothrix schenckii, fungo dimórfico e sapróbio na natureza, cresce em solos e vegetações. Por essa característica, trata-se de uma doença relacionada com certas profissões como florista, jardineiro, fazendeiros, caçadores, veterinários. Para realização do diagnóstico laboratorial da esporotricose são utilizados como amostras biológicas, principalmente, aspirados ou swabs das lesões gomosas. São realizados os exames microscópicos e a cultura do fungo. O tratamento dessa infecção é simples e realizado com compostos azólicos ou solução de iodeto de potássio e na maioria das vezes, não apresenta complicações. O presente trabalho teve por objetivo realizar uma breve revisão da literatura sobre a esporotricose em relação aos seus aspectos clínicos e laboratoriais, bem como relatar um caso clínico ocorrido em Belo Horizonte/Minas Gerais. A paciente, estudante de medicina veterinária apresentou lesões sugestivas da infecção nos membros superiores: nódulos ulcerados no ponto de inoculação com formação de gomas na região da drenagem linfática ascendente. A suspeita de esporotricose foi confirmada com os resultados dos procedimentos laboratoriais. Após o exame direto e cultura de exsudato da lesão o Sporothrix schenckii foi isolado. Palavras-chave: Sporothrix schenckii. Esporotricose. Diagnóstico clínico e laboratorial.
1 INTRODUÇÃO
terinários. Após inoculação, ocorre um período de incubação do
Esporotricose é uma infecção micótica subaguda ou crô-
fungo que dura de sete a trinta dias, podendo chegar até seis
nica dos tecidos cutâneos e subcutâneos caracterizada por le-
meses (SIDRIM e ROCHA, 2004).
sões nodulares que podem supurar ou ulcerar, causada pelo
Os fungos dimórficos crescem de duas formas, a saber: a
fungo dimórfico Sporothrix schenckii. A causa mais comum de
forma miceliana (25 a 30ºC), encontrada no ambiente e infectan-
infecção é por traumas sofridos na pele, por onde o fungo é
te, e a forma de levedura (35 a 37ºC), que é invasiva, produzindo
inoculado ou muito raramente por inalação. A transmissão se-
infecções nos órgãos e tecidos. A identificação dessa classe de
cundária aos ossos, articulações e músculos não é frequente em
fungos deve ser feita mediante a comprovação de seu dimor-
pacientes com imunidade preservada (BARROS et al., 2010).
fismo a partir da mudança de temperatura de incubação das
A apresentação clínica da doença é muito variada, observa-se desde nódulos isolados a lesões múltiplas disseminadas.
colônias. Deve haver a conversão a forma leveduriforme quando incubadas a 35ºC (KONEMAN et al.,1997).
Mais raramente invadem mucosas, músculos, ossos e órgãos
A infecção se dá pela inoculação do fungo na pele por algum
internos. A esporotricose em sua forma subcutânea, que é a
tipo de trauma, como arranhaduras, mordeduras, perfurações
mais comum entre elas, não altera o estado geral do paciente e
com vegetais, animais ou objetos contaminados (ZAITZ et. al.,
a evolução é benigna, respondendo favoravelmente a terapia. A
2010). Existem casos relatados de transmissão através de morde-
evolução para óbito é rara (ESTEVES et al.,1990).
dura de ratos, cães, gatos, cavalos. Os animais contraem a doen-
O Sporothrix schenckii, fungo dimórfico e sapróbio na na-
ça ou são apenas veiculadores do fungo (ESTEVES et al.,1990).
tureza, cresce em solos e vegetações (SIDRIM e ROCHA, 2004).
A esporotricose, portanto, está relacionada a atividades
A forma miceliana do fungo, na qual é produzida a forma infec-
ocupacionais como floristas, horticultores, jardineiros, caçado-
tante, o conídio, está presente nos solos e plantas, principal-
res, donos de gatos, exploradores de madeiras, veterinários
mente naquelas em decomposição (KONEMAN et al.,1997). Por
(LOPES-BEZERRA et al., 2006). Como a transmissão por felinos
esse motivo, trata-se de uma doença relacionada com certas
tem sido relatada como a forma mais comum, veterinários, técni-
profissões como florista, jardineiro, fazendeiros, caçadores, ve-
cos e donos de gatos são considerados como novas categorias PÓS EM REVISTA l 217
de risco para adquirir a micose (BARROS et al., 2001).
achatadas, lesões eritematosas (ZAITZ et. al., 2010). Nesse
O local de inoculação do fungo mais frequente são os mem-
caso, diagnóstico diferencial deve ser realizado entre as chama-
bros superiores (75,5%), seguido dos membros inferiores (10%),
das Síndromes Verrucosas, que são a Leishmaniose, cromomi-
da cabeça (9%) e do 3,2% do tronco (ESTEVES et al.,1990).
cose, tuberculose verrucosa e psoríase (LOPES-BEZERRA et al., 2006; ZAITZ et. al., 2010).
2 EPIDEMIOLOGIA A esporotricose foi descrita pela primeira vez em 1898, por Benjamin Schenk nos Estados Unidos (BARROS et al., 2010). É considerada a micose subcutânea mais comum na América Latina. Tem sido relatada em diversos países, mas assumiu maiores proporções no Brasil, onde foi observada desde 1907, por Lutz e Splendore, em sua maioria nos estados de São Paulo e Rio Grande do Sul (BARROS et al., 2001). A maior epidemia de esporotricose relacionada com transmissão zoonótica foi descrita no Rio de Janeiro. Entre 1998 e 2004, a Fundação Oswaldo Cruz/FIOCRUZ diagnosticou 1.503 gatos, 64 cachorros e 759 humanos com a doença (LOPES-BEZERRA et al., 2006). De 1998 a 2001, nesse estado, foram descritos 178 casos da doença, passando essa a ser considerada a
A esporotricose invasiva pode acometer qualquer tecido ou órgão. Ocorre principalmente em indivíduos imunocomprometidos, nos pulmões e ossos, em sua grande maioria. Já a sistêmica, também associada a imunodepressão em pacientes HIV positivos, acomete olhos e nariz (ZAITZ et. al., 2010). A forma cutânea disseminada é menos frequente. Está associada a algum tipo de imunodepressão, como AIDS, alcoolismo, idade avançada, Diabetes, uso prolongado de corticoides, e frequentemente associada a forma extra cutânea ou sistêmica (SIDRIM e ROCHA, 2004). O prognóstico da esporotricose é benigno conforme extensão e tempo de duração da doença. As formas viscerais, que são mais raras, tem evolução grave e podem levar a óbito (ESTEVES et al.,1990).
maior epidemia por transmissão zoonótica no mundo (MUNIZ e PASSOS, 2009). Em 2001 foi isolado S. schenckii das unhas dos gatos após uma epidemia da doença no Rio de Janeiro (LACAZ et al., 2009).
4 DIAGNÓSTICO LABORATORIAL Para diagnóstico da Esporotricose os materiais biológicos examinados são o pus, a escarificação, a biopsia e escarro ou
O gato, principalmente os domésticos, tem papel importan-
líquor, em caso de formas mais graves -sistêmica ou extracu-
te na transmissão do agente a outros animais e para o homem
tânea. Os mais comuns são o pus e a escarificação, sendo o
(MUNIZ e PASSOS, 2009).
primeiro retirado da fístula e o outro com estilete ou bisturi. No caso de lesões fechadas deve-se evitar a punção para evitar
3 ASPECTOS CLÍNICOS
uma possível fungemia (MINAMI, 2003).
As manifestações clínicas da doença se resumem em espo-
O microorganismo em questão, em geral, está escassa-
rotricose cutânea (localizada e cutaneolinfática), esporotricose
mente presente no material biológico pus, aspirado ou exsuda-
invasiva (disseminada, osteoarticular, pulmonar) e sistêmica. As
tos e biópsia, podendo levar a uma inconclusão do diagnóstico
formas clínicas mais comumente encontradas são a cutaneo-
apenas com exame direto. Montagens com KOH podem revelar
linfática e a cutânea localizada, correspondendo a 90% do total
leveduras gemulantes globosas ou em forma de charuto, alon-
dos casos (ZAITZ et. al., 2010). A forma cutaneolinfática se inicia
gados e fusiformes. Raramente se encontram pequenos ele-
com um nódulo ou lesão ulcerada no local da inoculação do fun-
mentos hifálicos (NEUFELD, 1999).
go na pele e segue o trajeto linfático com nódulos que ulceram
Pelo método de Gram, as células leveduriformes apresen-
e fistulam, com o passar do tempo. Essa característica clínica é
tam-se como formas esféricas, ovais e alongadas, em forma de
o motivo de também ser chamada de Linfagite Ascendente No-
charuto, Gram positivas. S. schenckii provoca reação inflamató-
dular (LOPES-BEZERRA et al., 2006). Ou seja, a partir da lesão
ria mista, purulenta e granulomatosa, acompanhada de fibrose
inicial, seguindo trajeto ascendente nos membros, aparecem
(LACAZ et al., 1998).
nódulos indolores, ao longo dos vasos linfáticos, que podem ulcerar (ZAITZ et. al., 2010).
Algumas células são envolvidas por bainha eosinofílica radiada que cobre toda sua superfície, são os chamados corpos
A forma cutânea localizada é caracterizada por uma lesão
asteróides. A presença deles e das células em forma de charuto
única, no local da inoculação do fungo, que não acompanha o
fornecem um diagnóstico inicial da esporotricose (MENEZES e
trajeto linfático. Essas lesões podem ter inúmeras morfologias,
NEUFELD, 2006).
como pápulas que pustulizam e ulceram, abscessos, placas 218 | PÓS EM REVISTA
A amostra deve ser semeada em meios sólidos dentro de
tubos de ensaio, com movimentos de estrias, para sua cultura
da é a de uma solução saturada, na dose de 1g (20 gotas), três
(ANVISA, 2004). S. schenckii quando cultivado a temperatura
vezes ao dia (ZAITZ et. al., 2010).
ambiente (25°C) desenvolve a forma miceliana, apresentando colônias enrugadas e de coloração acastanhada a enegrecida,
6 RELATO DO CASO CLÍNICO
e a 37°C desenvolve forma parasitária de levedura, com colô-
I.C.F., 22 anos, sexo feminino, estudante de Medicina Veteri-
nias que lembram bactérias: úmidas, cremosas e de coloração
nária, procurou atendimento médico. Ao exame clínico o infecto-
amarelada (ZAITZ et. al., 2010). Pela microscopia, a primeira
logista observou a presença de lesão de característica nodular e
forma é caracterizada por hifas septadas hialinas ramificadas,
ulcerosa, localizada no braço. Após alguns dias, houve apareci-
contendo conidióforos com extremidades com conídios que se
mento de lesões múltiplas, ulceradas apresentando alguns nódu-
arranjam na forma de uma margarida. A forma leveduriforme é
los ascendentes na região. Questionada pelo clínico, a paciente
pleomórfica, apresentando células fusiformes e ovais, lembran-
não se lembrava de nenhum trauma específico ou manipulação
do um charuto (LOPES-BEZERRA et al., 2006).
de algum animal que pudesse veicular o agente fúngico. Entre-
Caso não seja possível a identificação apenas com a cultura, deve ser feito também o Cultivo em Lâmina (MINAMI, 2003). Apesar da presença do fungo nos tecidos ou exsudatos por
tanto, diante dos achados clínicos o infectologista suspeitava de Eritema Nodoso ou Esporotricose. Para o esclarecimento foi solicitado o exame direto do Swab da lesão e cultura para fungos.
exame direto já ser um indicativo da esporotricose, o diagnóstico
No laboratório, a amostra biológica foi colhida no centro da
definitivo da mesma se dá após isolamento do S. schenckii na
lesão matriz, com um Swab estéril e semeada em quatro tubos
cultura incubada a 25°C e sua conversão a forma leveduriforme
de Ágar Sabouraud, sendo que dois tubos foram incubados a
a 37°C (BARROS et al., 2001).
21ºC e os outros dois a 36ºC. Com o swab da lesão também foi confeccionada uma lâmi-
5 TRATAMENTO
na para exame micológico direto da amostra. Ao exame direto
Vários medicamentos podem ser utilizados para tratamento
o resultado negativo. A mesma lâmina foi submetida ao méto-
da esporotricose, a saber:o Iodeto de Potássio, Itraconazol, Ter-
do de coloração de Gram. Nesse caso, foi possível visualizar a
binafina, Fluconazol e Anfotericina B. A escolha do medicamen-
presença de raros cocos gram positivos isolados, aos pares e
to é baseada na clínica do paciente, nas extensões e tipo das
agrupados aos cachos por campo.
lesões, acesso ao medicamento e possíveis contra indicações (LOPES-BEZERRA et al., 2006).
Em relação à cultura, após dez dias de incubação, observou-se o crescimento fúngico, entretanto, apenas nas culturas incu-
Iodeto de Potássio foi a primeira droga eficaz usada para
badas a temperatura ambiente. Macroscopicamente, as colônias
esse tratamento. É, até hoje, o medicamento de escolha para
se apresentaram brancas, com textura seca a veludosa, com cen-
esporotricose (LOPES-BEZERRA et al., 2006). É indicado para
tro enegrecido (FIGURA 1). Após mais de dez dias de incubação,
as formas cutâneas e cutaneolinfáticas. A posologia recomenda-
estas ficaram quase que totalmente enegrecias (FIGURA 2).
FIGURA 01 A e B - Cultura da Amostra da Paciente I.C.F. após 10 dias de incubação a temperatura ambiente
Fonte: Arquivo do autor.
PÓS EM REVISTA l 219
FIGURA 02 - Cultura da Amostra da Paciente I.C.F. após mais de 10 dias de incubação a temperatura ambiente
Fonte: Arquivo do autor.
Após crescimento dessas colônias foi realizado o exame dire-
no ápice de conidióforos, semelhantes a margaridas, indicando
to das mesmas com Lactofenol e um microcultivo em Agar Bata-
Sporothrix schenckii como sendo o agente etiológico em questão
ta, onde confirmou-se a estrutura fúngica sugestiva de Sporothrix
(FIGURA 3), confirmando-se assim a Esporotricose Linfocutânea
schenckii: Foram visualizadas hifas hialinas, delgadas, septadas
nessa paciente.
e ramificadas, com agrupamentos de conídios ovais formados FIGURA 03 - Microscopia do microcultivo realizado das colônias de Sporothrix schenckii
Fonte: Arquivo do autor.
220 | PÓS EM REVISTA
A conduta terapêutica adotada foi o tratamento com Itraconazol e Meticorten (Prednisona). A paciente respondeu positivamente ao tratamento, sendo observada a remissão das lesões. 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS Esporotricose é uma doença de fácil tratamento e não
onosis in Rio de Janeiro. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz. Rio de janeiro, 96: 777-779, 2001. Disponível em: http://www.scielo. br/scielo.php?pid=S0074-02762001000600006&script=sci_arttext. Acesso em: 18 de Fevereiro de 2012. ESTEVES, J.A.; CABRITA, J.D.; NOBRE, G.N. Micologia Médica. 2ª ed. Lisboa: Fundação Caloute Gulbenkian, 1990. 1058 p.
apresenta complicações, na maioria das vezes. Embora possua quadro clinico dermatológico de lesões ulcerosas, seu prognóstico é bom. O custo da doença é social, pois acarreta em faltas ao trabalho e constrangimento devido ao aspecto desagradável que as lesões apresentam na pele. Desta forma, ressalta-se a importância do diagnóstico precoce e preciso com vista ao tratamento da doença. A partir das técnicas laboratoriais adequadas, corretamente executadas, é possível um diagnóstico preciso e rápido da esporotricose, uma vez que o Sporothrix schenckii possui características macro (colônias) e micromorfológicas específicas. Além disso, existem várias outras técnicas possíveis para ajuda em seu diagnóstico, diminuindo a chance de erros e ajudando nos possíveis diagnósticos diferenciais. O farmacêutico, por ser um profissional multidisciplinar, pode atuar em várias áreas da saúde, sendo o principal responsável em um laboratório de análises clínicas para coordenação dos setores, monitorização das atividades e dos outros profissionais envolvidos no mesmo, bem como para assegurar a adesão aos procedimentos da qualidade implantados e a sua correta realização, garantindo resultados confiáveis e corretos, diminuindo a margem de erro nos laudos finais. REFERÊNCIAS ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Detecção e Identificação dos Fungos de Importância Médica. Módulo VII. Serviços de Saúde. Microbiologia. 2004.
BARROS, M.B.L.; SCHUBACH, T.M.P.; COLL, J.O.; GREMIÃO, I.D.; WANKE,B.;SCHUBACH, A. Esporotricose: a evolução e os desafios de uma epidemia. Revista Panamericana de Salud Pública. Washington, v. 27, n. 6, 2010. Disponível em: http://www.scielosp.org/ pdf/rpsp/v27n6/07.pdf. Acesso em: 2 de Fevereiro de 2012. BARROS, M.B.L.; SCHUBACH, T.M.P.; GALHARDO, M.C.G.; SCHUBACH, A.O.; MONTEIRO, P.C.F.; REIS, R.S.; ZANCOPÉ-OLIVEIRA, R.M.; LAZÉRA, M.S.; CUZZI-MAYA, T.; BLANCO, T.C.M.; MARZOCHI, K.B.F.; WANKE, B.; VALLE, A.C.F. Sporotrichosis: na emergent zo-
KONEMAN,E.W.; ALLEN,S.D.; JANDA, W.M.; SCHRECKENBERGER, V.C.; WINN, W.C. Color Atlas and Textbook of Diagnostic Microbiology. 5ª ed. Philadelphia: Lippincott, 1997. 1395 p. LACAZ, C.S.; PORTO, E.; HEINS-VACCARI, E.M.; MELO, N.T. Guia para Identificação de Fungos, Actinomicetos e Algas. 1ª ed. São Paulo: Sarvier, 1998. 445 p. LACAZ, C.S.; PORTO, E.; MARTINS, J.E.C.; HEINS-VACCARI, E.M.; MELO, N.T. Tratado de Micologia Médica Lacaz. 9ª ed. São Paulo: Sarvier, 2009. 1104 p. LOPES-BEZERRA, L.M.; SCHUBACH,A.; COSTA, R.O. Sporothrix schenckii and Sporotrichosis. Anais Acadêmicos Brasileiros de Ciência. Rio de Janeiro, v. 78, n.2, 2006. Disponível em:http://www. scielo.br/scielo.php?pid=S0001-37652006000200009&script=sci_ arttext. Acesso em: 30 de Março de 2012. MENEZES E SILVA, C.H.P.; NEUFELD, P.M. Bacteriologia e Micologia – Para o Laboratório Clínico. 1ª ed. Rio de Janeiro: Revinter, 2006. 497 p. MINAMI, P.S. Micologia – Métodos Laboratoriais de Diagnóstico das Micoses. 1ª ed. Barueri: Manole, 2003. 198 p. MUNIZ, A. S.; PASSOS, J.P. Esporotricose Humana: Conhecendo e Cuidando em Enfermagem. Revista de Enfermagem UERJ. Rio de Janeiro, v. 17, n. 2, p. 268-272, 2009. Disponível em: http://bases. bireme.br/cgi bin/wxislind.exe/iah/online/?IsisScript=iah/iah.xis&src =google&base=BDENF&lang=p&nextAction=lnk&exprSearch=164 07&indexSearch=ID. Acesso em: 6 de Fevereiro de 2012. NEUFELD, P.M. Manual de Micologia Médica – Técnicas Básicas de Diagnóstico. 1ª ed. Rio de Janeiro: PNCQ, 1999. 240 p. SIDRIM,J.J.C.; ROCHA,M.F.G. Micologia Médica a Luz de Autores Contemporâneos. 1ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 2004. 388 p. ZAITZ, C.; CAMPBELL, I.; MARQUES, S.A.; RUIZ, L.R.B.; FRAMIL, V.M.S. Compêndio de Micologia Médica. 2ª Ed.. Rio de Janeiro: Editora Guanabara – Koogan, 2010. 432 p.
PÓS EM REVISTA l 221
NOTAS DE RODAPÉ Farmacêutica graduada pelo Centro Universitário Newton Paiva – Belo Horizonte/MG carinahugo@uol.com.br
1
Farmacêuticas docentes do curso de Farmácia do Centro Universitário Newton Paiva – Belo Horizonte/MG
2
222 | PÓS EM REVISTA
ESTUDO DE PRÉ-FORMULAÇÃO DE UM DENTIFRÍCIO INFANTIL SEM FLÚOR CONTENDO XILITOL Natália Gomes Lobato1, Nayara Ingrid de Medeiros1, Thiago Carvalho de Assis1, Verônica Barros Machado de Castro Alves1 Luciane de Abreu Ferreira2.
RESUMO:As patologias bucais constituem um problema de saúde pública, sendo que a cárie apresenta a maior prevalência. O uso de flúor constitui um dos principais métodos químicos de controle e prevenção da doença, no entanto, o uso excessivo pode levar a doença fluorose. O xilitol além de edulcorante também apresenta atividade anti-cárie. O presente trabalho realizou um estudo de pré-formulação de um dentifrício infantil, sem flúor, utilizando xilitol como princípio ativo. Os dentifrícios foram manipulados e a estabilidade analisada através de parâmetros físico-químicos pré-determinados. A avaliação da aceitação foi realizada por voluntários. Dos três dentifrícios pré-selecionados apenas um (HE1) apresentou aceitação pelos voluntários, sendo a opção escolhida para estudos sequenciais de estabilidade e eficácia. Palavras-chave: Dentifrício. Xilitol. Gel.
INTRODUÇÃO
des cavidades que se estendem para a polpa dental (LÁZARO
As patologias bucais, mesmo não se apresentando como
et al.,1999; THYLSTRUP & FEJERSKOV, 2001; FEJERSKOV &
ameaças à vida, constituem um grande problema de saúde pú-
KIDD, 2005).
blica, por sua alta prevalência e, também, por sua importância
Nas últimas décadas, tem-se observado um declínio na pre-
em termos de dor, desconforto e limitações funcionais e sociais
valência de cárie, não só nos países industrializados como tam-
que afetam a qualidade de vida. Dentre estas patologias a cá-
bém em alguns em desenvolvimento (NARVAI et al., 2006). Esse
rie acomete o maior número de pessoas, tanto adultos quan-
fenômeno é atribuído, em grande parte, à utilização de produtos
to crianças (APPEL & RÉUS, 1998; GONÇALVES et al., 2001;
fluoretados e aos programas governamentais para o controle de
STREY & SANTOS, 2006).
cárie (LIMA & CURY, 2001).
A cárie é a desintegração progressiva da estrutura dentária,
O uso de produtos com flúor é um dos métodos químicos
a qual avança da superfície para o interior. Esta desminerali-
de controle de cárie mais conhecido e eficaz. Apesar da eficiên-
zação do esmalte dentário é devida principalmente à formação
cia deste componente em diminuir o risco de cárie prevenindo
de produtos ácidos advindos da fermentação bacteriana. A
a desmineralização do esmalte, ele não é capaz de reduzir a
princípio, ocorre a formação da placa na superfície lisa e dura
retenção da placa na estrutura dentária. Fato realizado princi-
do esmalte. Esta é constituída principalmente por depósitos ge-
palmente pela ação mecânica da escovação (ELIAS et al., 2006;
latinosos de glucano (polímeros de carboidrato) de alto peso
STREY & SANTOS, 2006).
molecular, que servem como um meio de adesão das bactérias
No entanto, a ampla disponibilidade de flúor em dentifrícios,
produtoras de ácidos ao esmalte do dente (GONÇALVES et al.,
na água de abastecimento, nos enxaguatórios bucais além de
2001; APPEL & RÉUS, 2005; STREY & SANTOS, 2006).
outros produtos gerou a exposição excessiva de flúor pela po-
A etiologia da cárie dentária é multifatorial e seu apareci-
pulação, o que paralelamente aumentou a frequência da doen-
mento decorre da interação entre fatores relacionados como
ça fluorose, que é consequência da ingestão excessiva do íon
hospedeiro, microbiota e substrato adequado às necessidades
flúor. Nesta doença observam-se defeitos de mineralização do
energéticas das bactérias cariogênicas. Tais fatores unidos por
esmalte (com severidade diretamente associada à quantidade
um determinado tempo desencadearão o aparecimento da do-
ingerida), presença de linhas brancas dispostas horizontalmente
ença que se manifesta visualmente através de sinais na estrutura
na coroa dentária, podendo causar grave comprometimento es-
dentária, que vão desde pequenas manchas esbranquiçadas na
tético do esmalte dentário. Manchas castanhas também podem
superfície do esmalte, difíceis de serem identificadas, até gran-
aparecer em virtude da absorção de substâncias presentes na PÓS EM REVISTA l 223
dieta. Nas formas mais graves pode ocorrer, após a erupção, o
MILGROM et al., 2011). A ação antibacteriana do xilitol ocorre
desprendimento de porções do esmalte, o que leva ao apareci-
devido à interrupção do ciclo glicolítico da bactéria, estagnan-
mento de depressões na superfície do dente. Casos de ingestão
do a produção de ATP e com isso, inibindo o crescimento do
excessiva grave podem levar inclusive ao óbito (GONÇALVES
patógeno. Além disso, ele também é capaz de reduzir a ade-
et al., 2001; APPEL & RÉUS, 2005; ELIAS et al., 2006; STREY &
rência dos Streptococcus mutans ao biofilme do dente (MAT-
SANTOS, 2006).
TOS-GRANER et al., 1998; GONÇALVES et al., 2001; ALMEIDA,
A ingestão excessiva de flúor é particularmente grave em
2006; LIMA et al., 2007; PEREIRA, 2009; USA, 2011).
crianças abaixo de 6 anos, visto que estudos mostram que nesta
O xilitol praticamente não apresenta restrição de uso. Even-
idade as crianças podem engolir até 50% do dentifrício durante
tualmente observa-se (quando ingerido em altas doses) uma
a escovação. Daí uma das principais formas de prevenção da
diarréia osmótica, transitória, em menor grau e frequência que
fluorose para esta faixa etária ser o uso de dentifrício sem flúor
a promovida por sorbitol ou manitol, e que logo cessa com a
(THYLSTRUP & FEJERSKOV, 2001).
suspensão do seu uso (MATTOS-GRANER et al., 1998; GON-
Os dentifrícios são associações de substâncias que, usadas na escovação diária, limpam ou removem depósitos exógenos
ÇALVES et al., 2001; ALMEIDA, 2006; LIMA et al., 2007; PEREIRA, 2009).
aderidos aos dentes, tornando-os mais resistentes aos ataques
Alguns estudos demonstram que a concentração ideal de
das bactérias. Além disso, reduzem a flora bacteriana anormal,
xilitol para eficácia anti-cárie varia de 6 a 10%, valores bem su-
eliminam manchas nos dentes e auxiliam na remoção da pla-
periores daquele utilizado como edulcorante. No mercado in-
ca dental e do tártaro, controlando os odores bucais (APPEL &
dustrializado praticamente não existe produtos contendo xilitol
RÉUS, 1998; APPEL & RÉUS, 2005).
nesta concentração mais elevada (LIMA et al., 2007; NUNES et
A composição básica de um dentifrício inclui: um abrasivo
al, 1997; PEREIRA, 2009).
sólido, suspenso em uma fase líquida que contém detergentes,
Diante disso, o objetivo deste trabalho é realizar o estudo
umectantes, aglutinantes, conservantes, corantes, flavorizantes,
de uma pré-formulação de um dentifrício infantil, sem flúor, con-
água e flúor. Existe ainda a possibilidade de apresentarem fun-
tendo xilitol, incluindo testes físico-químicos dos produtos sele-
ções medicamentosas quando associados a princípios ativos
cionados, análise de custo e avaliação preliminar da aceitação
com ação terapêutica (NUNES et al., 1997; APPEL & RÉUS,
por voluntários.
2005). Dentre estes agentes cita-se o xilitol cujo nome relaciona-se à xilose, o açúcar da madeira, a partir da qual o xilitol foi obtido pela primeira vez. Devido ao sabor adocicado o xilitol tem sido utilizado como edulcorante em produtos farmacêuticos e alimentícios (ALMEIDA, 2006; PEREIRA, 2009). Na nomenclatura química, o xilitol é classificado similarmente ao sorbitol e ao manitol, ou seja, como um açúcar-álcool ou um poliól. O xilitol foi descoberto em 1890, pelo químico alemão Emil Herman Fischer e por seu assistente Rudolf Stahel, mas os estudos relacionados à utilização do xilitol e cárie dentária só tiveram início na década de 1970, na Finlândia. Inicialmente, foi observada a capacidade do xilitol em reduzir o crescimento e a produção de ácidos do Streptococcus mutans, principal bactéria responsável pelo desenvolvimento da cárie dentária (MUSSATO & ROBERTO, 2002; ALMEIDA, 2006; PEREIRA, 2009;
224 | PÓS EM REVISTA
MATERIAIS E MÉTODOS Na primeira etapa do estudo foram selecionados os polímeros formadores do gel para preparo do dentifrício, e os respectivos adjuvantes, considerando dados de compatibilidade e estabilidade. Foram utilizados os polímeros Hidroxietilcelulose (HE) e/ou carboximetilcelulose sódica (CMC) em diferentes concentrações. O xilitol, princípio ativo da formulação, foi utilizado na concentração de 10% juntamente com os componentes: lauril sulfato de sódio (tensoativo), benzoato de sódio (conservante), sorbitol (umectante), sucralose (edulcorante) e aroma de tutti-frutti (flavorizante). Os dentifrícios manipulados foram submetidos à avaliação preliminar da estabilidade físico-química diante de parâmetros e critérios de aceitação previamente definidos.
Tabela 1 - Parâmetros físico-químicos avaliados nos dentifrícios
Os dentifrícios aprovados na análise físico-química fo-
da avaliação da aceitação. HE1 apresentou maior número de
ram submetidos à avaliação de aceitação por voluntários,
respostas ótimas e boas. Já o dentifrício com HE/CMC apresen-
por meio de teste com uma amostra do produto e posterior
tou maioria de respostas ruins.
preenchimento de um questionário com dados da percepção
O sabor foi o parâmetro mais criticado pelos voluntários e
do dentifrício sobre os parâmetros: consistência, sabor, es-
considerado, por grande parte, como pouco sensitivo (muito su-
puma e custo. As respostas incluíam as opções: ótimo, bom
ave). A grande maioria das sugestões no questionário sugeriu o
e ruim. O preço dos dentifrícios foi calculado levando-se em
aumento do sabor de tutti-frutti.
consideração o custo das matérias-primas e da embalagem.
Em relação aos demais parâmetros analisados, o dentifrício
Paralelamente foi realizado um levantamento de mercado de
apresentou aspecto homogêneo, coloração rosa brilhante, com
produtos similares ao objeto do estudo. Todos os participan-
odor característico de tutti-frutti. A consistência alcançada da
tes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido
pré-formulação foi média e houve formação de espuma. Tratan-
concordando em participar da pesquisa. Os sujeitos do es-
do-se do pH, o valor obtido na análise foi 6,0, enquadrando-se
tudo foram escolhidos aleatoriamente e constituiu de uma
dessa forma, nos parâmetros estabelecidos.
amostra de 20 pessoas.
O custo dos dentifrícios foi de R$5,50 por 60g do produto, sendo que o preço médio de dentifrícios infantis comerciais
RESULTADOS E DISCUSSÃO Foram desenvolvidos 15 dentifrícios, dos quais três apresentaram-se dentro dos critérios de aceitação definidos na Tabela 1, sendo dois com o polímero HE (HE1 e HE2, em diferentes concentrações) e um com a associação de HE/CMC. Oito colaboradores da Faculdade de Odontologia do Centro Universitário Newton Paiva e doze pessoas leigas participaram
vendidos em supermercados, sem xilitol, é em torno de R$3,50 (60g). Apesar dos dentifrícios com xilitol terem apresentado custo compatível com produtos comerciais, alguns avaliadores ainda consideraram o valor elevado, porém estes não levaram em consideração que os produtos comerciais eram isentos do xilitol, o principal componente do dentifrício desenvolvido. Ressalta-se ainda que dentifrícios infantis apresentam um custo superior que PÓS EM REVISTA l 225
os dentifrícios tradicionais de adulto, justamente pelo diferencial da sua composição. CONSIDERAÇÕES FINAIS Está bem documentado na literatura a ação anticariogênica do xilitol e a importância da escovação dental no controle da cárie, além da contra-indicação do uso de dentifrício com flúor em crianças abaixo de 6 anos. Os resultados do estudo da pré-formulação do dentifrício infantil com xilitol apresentaram três preparações aprovadas na avaliação preliminar, das quais
LIMA, Y.B.O. & CURY, J.A. Ingestão de flúor por crianças pela água e dentifrício. Rev. Saúde Pública, São Paulo, v.35, n.6, p 576-581, 2001. LIMA, M.; MOTTA, M. E.; ALVES, G. Saúde da criança: para entender o normal. Editora Universitária UFPE, Recife, 2007. MATTOS-GRANER, R. O.; ZELANTE, F.; PEREZ, R. C. S. R.; MAYER, M. P. A. Prevalência de estreptococos do grupo mutans em crianças de 12 a 31 meses de idade e sua associação com a frequência e severidade de cárie dental. Revista de Odontologia da Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 12, n. 4, p. 309-314, 1998.
aquela contendo o polímero hidroxietilcelulose (HE1) apresentou a melhor aceitação pelos consumidores. Sendo, portanto, a formulação de escolha para realização de estudos sequenciais de estabilidade sob diferentes temperaturas e análise de eficácia. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Lys Maria A. Gondim. Aplicações otorrinolaringológicas do Xilitol. IV Manual de Otorrinolaringologia Pediátrica da IAPO. Guarulhos, 2006. Disponível em: <http://www.iapo.org.br/manuals/03-7.pdf>. Acesso em 01 abr. 2011. APPEL, G. & RÉUS, M. A odontologia e a farmácia de manipulação. Revista Racine, São Paulo, Jan/Fev. 1998. APPEL, G. & RÉUS, M. Formulações aplicadas à odontologia. RCN editora, São Paulo, 2ª ed., 2005. 607 p. ELIAS, F.; PINZAN, A. & BASTOS, J. R. M. Influência do complexo flúor-xilitol no controle da placa dentária e do sangramento gengival em pacientes herbiátricos com aparelho ortodôntico fixo. Revista Dental Press de Ortodontia e Ortopedia Facial, Maringá,v.11, n.5, p. 42-56, 2006. FEJERSKOV, O. & KIDD, E. Cárie dentária: A doença e seu tratamento clínico. São Paulo, Santos, 2005. 640p. ISBN 9788572888608 GONÇALVES, N. C. L. A. V; VALSECKI JUNIOR, A.; SALVADOR, S. L. S. & BERGAMO, G. C. Efeito de soluções fluoretadas contendo xilitol e sorbitol no número de estreptococos do grupo mutans na saliva de seres humanos. Revista Panamericana de Salud Publica. v. 9, n.1, p. 30-34, 2001.
MILGROM, Peter et al.. Xylitol pediatric topical oral syrup to prevent dental caries: a double blind, randomized clinical trial of efficacy. Disponível em: <http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/ PMC2722805/>. Acesso em 01 abr. 2011. MUSSATO, Solange Inês; ROBERTO, Inês Conceição. Xilitol: edulcorante com efeitos benéficos para a saúde humana. Revista Brasileira de Ciências Farmacêuticas, São Paulo, v.38, n.4. Out/Dez 2002. NARVAI, P. C.; FRAZÃO, P.; RONCALLI, A. G. R.; ANTUNES, J. L. Cárie dentária no Brasil: declínio, polarização, iniquidade e exclusão social. Rev. Panam. Salud Publica, Washington, v.1, n.6, p.385-392, 2006. NUNES, Jadir et al. Da necessidade da existência de dentifrícios específicos para as diferentes faixas etárias. Revista Racine, São Paulo, Jan/Fev. 1997. PEREIRA, A. F. F. et al. Revisão de Literatura: utilização do xilitol para prevenção da otite média aguda. Arquivos Internacionais de Otorrinolaringologia, São Paulo, v. 13, n. 1, p. 87-92, 2009. STREY, D. & SANTOS, M. A. J. P. Ação do xilitol adicionado a dentifrício em controle de crescimento de Streptococcus mutans em meio de cultura. 2006. 52 f. Monografia (Bacharelado em Odontologia) - Centro de Ciências da Saúde, Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí. THYLSTRUP, A. & FEJERSKOV, O. Cariologia clínica. 3ª ed. São Paulo: Santos, 2001, p. 16. USA. American Academy of Pediatric Dentistry. Policy on the Use of Xylitol in Caries Prevention.Oral Health Policies, v. 33, n. 6, p. 11-12, 2010.
INMETRO. Seção Informação ao Consumidor: Características Físico-Químicas. 2011. Disponível em: <http://www.inmetro.gov.br/consumidor/produtos/pastaDente.asp>. Acesso em: 30 mar. 2011.
NOTAS DE RODAPÉ
LÁZARO, C. P.; VALENÇA, A.; CHAPPINI, C. Estudo preliminar do potencialcariogênico de preparações doces da merenda escolar através do pH da saliva. Revista de Nutrição, Campinas, v.12, n.3, p. 273-287, 1999.
2 Mestre em Ciências Farmacêuticas pela Universidade Federal de Minas Gerais e Professora do Centro Universitário Newton Paiva. luabreu@ newtonpaiva.br.
226 | PÓS EM REVISTA
1 Acadêmicos do Curso de Farmácia do Centro Universitário Newton Paiva.
HEPATITE B: aspectos gerais* Luciana Vinhal dos Santos1 Roberta D. Rodrigues Rocha2 Mônica de F. Ribeiro Ferreira2
RESUMO: A hepatite B é uma inflamação no fígado causada pelo vírus da hepatite B - VHB. Seus principais sintomas são a icterícia, colúria, acolia fecal e astenia. A infecção pode ser assintomática e auto-limitada. A transmissão do vírus se dá pelo contato com sangue e outras secreções corpóreas contaminadas, pelo contato sexual e pela via vertical. As complicações mais comuns são a infecção crônica, a insuficiência hepática e a hepatite recorrente. A infecção crônica pode levar a cirrose hepática e carcinoma hepatocelular caracterizando um maior risco de morte. O diagnóstico da hepatite B pode ser realizado por exames bioquímicos e hematológicos, que são métodos considerados auxiliares, e pelos exames sorológicos, que são mais específicos. Considerando a importância do tema, o objetivo do presente trabalho foi reunir informações sobre a hepatite B, para tal foi realizado um foi levantamento bibliográfico abordando os diversos aspectos do vírus da hepatite B. Concluiu-se a importância do conhecimento a respeito desta infecção bem como da continuidade dos estudos, para um melhor acompanhamento dos pacientes. Vale também ressaltar a necessidade de campanhas de prevenção, para melhor informar a população dos riscos da h=epatite B, suas formas de transmissão e a vacinação. Palavras-chave: Hepatite B. Vírus da hepatite B. Aspectos clínicos. Diagnóstico laboratorial. Prevenção.
1 INTRODUÇÃO
marcadores positivos para HBsAg (antígeno de superfície); HB-
A doença conhecida como hepatite B, é causada pela infec-
cAg (antígeno para VHB do core); HBeAg (antígeno de replica-
ção do vírus da hepatite B (VHB). Apesar avanços tecnológicos
ção viral); anticorpo e antígeno para VHB DNA. Pode haver al-
no que diz respeito ao diagnóstico, tratamento e profilaxia dessa
gumas variações entre esses marcadores quando em infecção
infecção, a hepatite B mantém-se ainda como um problema de
crônica; porém, esses são os principais preditores de resposta
saúde pública mundial. A infecção crônica pelo vírus da hepa-
ao tratamento viral. (RONCATO et. al., 2008).
tite B é uma importante causa de morbidade e mortalidade no
A vacina contra hepatite B é altamente eficaz, sendo dese-
mundo. A estimativa é que 350 milhões de indivíduos estejam
jável fazer a vacinação na infância e a todos os indivíduos em
infectados e um milhão de infectados morram anualmente pela
risco. A triagem do vírus da hepatite B no pré-natal de todas as
doença (CASTELO et. al., 2005)
gestantes é indicada para prevenir outra geração de portadores
Os indivíduos cronicamente infectados pelo VHB têm maior
de infecção crônica (HEATHCOTE et. al., 2008).
risco de desenvolver cirrose podendo evoluir para descompen-
O principal objetivo do tratamento na hepatite crônica é re-
sação hepática e carcinoma hepatocelular. Embora a maioria
duzir o risco de progressão da doença hepática e de seus des-
dos pacientes com infecção pelo VHB não apresentem compli-
fechos primários, especificamente cirrose, hepatocarcinoma e,
cações hepáticas, existe a possibilidade de evoluir para uma do-
conseqüentemente, o óbito. Com o tratamento busca-se a ne-
ença grave no curso de sua vida, sendo mais provável que isso
gativação sustentada dos marcadores de replicação viral ativa,
aconteça em homens (HEATHCOTE et. al., 2008)
HBeAg e carga viral, pois estes traduzem remissão clínica, bio-
Os principais mecanismos envolvidos na transmissão do
química e histológica (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2009).
VHB estão relacionados à exposição percutânea ao sangue e
Considerando a importância do conhecimento sobre o tema
seus derivados, transmissão perinatal e transmissão sexual. Ou-
o objetivo do presente estudo foi reunir informações sobre a hepa-
tros mecanismos de transmissão seriam a intrafamiliar que ainda
tite B, contextualizá-la no cenário mundial, descrever as caracte-
não está bem definida, e em ambiente fechado onde ocorram res-
rísticas do vírus e os aspectos clínicos e laboratoriais da infecção.
pingos, nas paredes, de sangue contaminado pelo VHB, como
A metodologia utilizada foi levantamento bibliográfico em
exemplo em unidades de hemodiálise (RONCATO et. al., 2008).
artigos científicos consultados em bancos de dados BIREME
É considerado portador da infecção pelo vírus da hepatite B
(Biblioteca Regional de Medicina), LILACS (Literatura Latinoame-
indivíduos que apresentarem nos testes laboratoriais com níveis
ricana em Ciências da Saúde), SCIELO (Scientific Electronic Li-
duas vezes acima do normal de alanina aminotransferase (ALT);
brary Online), bem como dissertações e livros. Foram utilizadas PÓS EM REVISTA l 227
as seguintes palavras-chave: hepatite B, epidemiologia, aspec-
rivados e em acidentes com material biológico. Por outros tipos
tos clínicos, diagnóstico e prevenção. Os critérios de inclusão
de exposições percutâneas, incluem tatuagens, piercings, uso
foram textos completos de estudos randomizados e revisões
compartilhado de utensílios cortantes contaminados utilizados
abordando os diversos aspectos hepatite B.
por portadores do HBV como barbeadores, navalhas, lâminas de depilação, tesouras, alicates de unha entre outros (FERREI-
2 EPIDEMIOLOGIA A hepatite viral B constitui um dos mais importantes problemas de saúde pública. Estima-se que cerca de 300 milhões de indivíduos, em todo o mundo, sejam portadores crônicos do vírus da hepatite B e que um milhão morram anualmente pela doença (OSTI et al., 2010). Em algumas regiões mundiais, China e região sub-Saara da África, o carcinoma hepatocelular associado ao VHB é a principal causa de câncer em homens (KRAS-
RA, 2007; MELO e ISOLANI, 2011). O risco de desenvolver doença aguda ictérica aumenta com a idade do paciente, inversamente à possibilidade de cronificação. Quando os recém-nascidos entram em contato com os vírus B há 90% de chance de se tornarem cronicamente infectados; quando a infecção ocorre aos cinco anos, a possibilidade cai para 30-50%, sendo a taxa reduzida para 5-10% se a infecção ocorre em adultos (FERREIRA e SILVEIRA, 2004)
TEV, 2006). No contexto geral, o Brasil é considerado um país de baixa
4 ASPECTOS CLÍNICOS
prevalência de infecção pelo HBV, contudo os estados do Acre, Amazonas e Rondônia são considerados como regiões geográ-
4.1 Fase aguda da hepatite B
ficas de alta prevalência (FERREIRA e SILVEIRA, 1997). Segun-
A infecção aguda pelo HBV costuma ser benigna na maioria
do o Ministério da Saúde, 96.044 casos de hepatite B foram con-
dos casos. Dois terços dos indivíduos infectados apresentam
firmados entre os anos de 1999 e 2009. Desses, mais de 50% se
formas assintomáticas e evolui para cura, um terço tem mani-
concentraram em indivíduos entre 20 e 39 anos, com quadro de
festações clínicas e desses, apenas 10% tornam-se portadores
evolução aguda em cerca de 90% (BRASIL, 2010).
crônicos do vírus, podendo evoluir para hepatite crônica, cirrose hepática e hepatocarcinoma. Cerca de 1 a 2% dos casos agu-
3 O VÍRUS E AS VIAS DE TRANSMISSÃO
dos podem apresentar formas graves como hepatite fulminante
O HBV é um vírus envelopado pertencente à família Hepad-
ou necrose sub-fulminante (BARONE, 2008; FERREIRA e BOR-
naviridae e possui tropismo por células hepáticas. Apresenta-
GES, 2007).
-se como uma partícula esférica, é composto por ácido deso-
Na hepatite viral aguda em evolução, o período de incuba-
xirribonucleico, sendo o único vírus de hepatite a possuir DNA
ção varia de duas a vinte semanas, em grande parte baseado
como material genético e tem um diâmetro de 42 nm. Também é
na etiologia viral e na dose da exposição. Durante esta fase, o
constituído por um invólucro externo, o qual contém a glicopro-
vírus pode ser detectado no sangue, mas os níveis séricos de
teína de superfície viral – o antígeno de superfície (AgHBs) e uma
aminotransferases e bilirrubina são normais, e os anticorpos não
estrutura interna, núcleo ou core, que compreende o antígeno
são detectados (GOLDMAN, 2011).
nuclear da hepatite B (AgHBc), o antígeno e (AgHBe), o DNA vi-
As complicações da hepatite viral aguda incluem infecção
ral e a proteína DNA polimerase. O invólucro externo é composto
crônica, insuficiência hepática fulminante, hepatite recorrente
por proteínas, glicoproteínas e lipídios (HUSSAIN e LOK, 2001).
ou colestática e síndromes extra-hepáticas. A hepatite crônica,
É considerado bastante infectivo e sabe-se que uma só
que geralmente implica pelo menos seis meses de enfermidade,
partícula viral é capaz de infectar o ser humano. Apresenta alta
ocorre em aproximadamente em 5% dos adultos com hepatite B,
especificidade, infecta o homem, que constitui o seu reservatório
mais comumente em homens e indivíduos imunossuprimidos.. A
natural. O HBV é estável e resistente ao meio ambiente, sobre-
hepatite B é denominada crônica se a viremia persistir por mais
vivendo até uma semana fora do corpo humano. No plasma, a
de três meses após o início dos sintomas (GOLDMAN, 2011).
vida média do HBV varia de um a três dias, enquanto nos hepatócitos, pode variar de 10 a 100 dias (FONSECA, 2007).
O tempo decorrido entre o contato com a fonte de infecção e o aparecimento dos sinais e sintomas varia de 30 a 180 dias,
A transmissão do vírus pode ocorrer por via vertical - da mãe
média aproximada de 70 dias, essa variação pode estar relacio-
para o filho, no nascimento - por via sexual, por meio de feri-
nada em parte à quantidade do inóculo e ao modo de transmis-
mentos cutâneos, por compartilhamento de seringas e agulhas
são. O período de infectividade pode ser de várias semanas an-
entre usuários de drogas, por transfusão de sangue ou hemode-
tes do início dos primeiros sintomas até o final da fase aguda e,
228 | PÓS EM REVISTA
pode prolongar-se por vários anos, dependendo da replicação
pacientes possuem bom prognóstico (MINISTÉRIO DA SAÚDE,
do vírus durante o estado de portador (MINAS GERAIS, 2007)
2009).
4.2 Fases da hepatite B crônica
racterizados pelo reaparecimento dos marcadores de replicação
Após essa fase, podem surgir fenômenos de reativação, caO curso da HBV é afetado pelo nível de replicação viral, pela resposta imune e por outros fatores, como idade, alcoolismo, infecção pelo HIV podendo se dividir em três fases ao longo da vida (NGUYEN e KEEFFE et. al., 2009) A primeira fase é definida como fase da imunotolerância. Ocorre após o período de transmissão perinatal e é caracterizada pela presença sérica do HbsAg e do HBeAg, altos títulos de HBV-DNA (105 a 1010 cópias por mL), ALT normal ou discreta-
e exacerbação das atividades bioquímica e histológica. Essa reativação pode ocorrer de forma espontânea, através do VHB, ou após o emprego de drogas imunossupressoras (corticóides, quimioterápicos antineoplásicos, etc.), podendo adquirir caráter fulminante em alguns casos (FERREIRA, 2000; MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2002). Portanto, nessa fase recomendam-se determinações quantitativas de HBV-DNA a cada seis meses (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2009).
mente elevada, mínima lesão hepática histológica e curso assin-
5 DIAGNÓSTICO LABORATORIAL
tomático. Esta fase pode permanecer por até quatro décadas
A formulação diagnóstica é respaldada no quadro clínico,
em indivíduos expostos ao VHB na infância (FONSECA, 2007;
nos exames laboratoriais e na determinação dos marcadores vi-
MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2009) Nesta fase não há indicação de
rais (MATOS e DANTAS, 2001). Os testes de função hepática, es-
tratamento com as drogas atualmente disponíveis (MINISTÉRIO
pecialmente os níveis séricos das aminotransferases, apesar de
DA SAÚDE, 2009).
serem indicadores sensíveis do dano do parênquima hepático,
A segunda fase é conhecida como imunoativa, onde se es-
não são específicos para hepatites. O diagnóstico laboratorial por
gota a tolerância imunológica, e é caracterizada pela presença
meio de testes sorológicos ou biologia molecular é fundamental
no soro do HBeAg ou do anti-HBe+. Elevados níveis da ALT,
para a definição do agente etiológico (MINAS GERAIS, 2007).
altos níveis de HBV-DNA e doença hepática ativa observada na biópsia caracterizam esta fase. Nessa fase ocorre uma replicação viral pronunciada, com destruição dos hepatócitos pelo sistema imune e conseqüente elevação das transaminases, principalmente ALT (FONSECA, 2007; MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2002, 2009; NGUYEN e KEEFFE, 2009). A intensa replicação do VHB nessa fase pode ser observada pela presença no soro do HBeAg, do próprio DNA viral (DNAVHB), detectado por técnica de PCR, além dos anticorpos contra o core viral (anti- HBc) da classe IgG e, ocasionalmente, da classe IgM (FERREIRA, 2000). Na terceira fase ocorre baixa replicação viral com normalização dos níveis das transaminases. A transição da segunda para a terceira fase é chamada de soroconversão, onde há negativação do HBeAg, surgimento do soro de anti-HBe, com títulos baixos ou indetectáveis do HBV-DNA. Nesta fase há diminuição dos riscos de desenvolvimento de cirrose e hepatocarcinomas. Para avaliar se houve soroconversão também podem ser realizados testes de quantificação viral, sendo que alguns estudos mostram que a hepatite B em atividade está associada com cargas virais acima de 100.000 cópias/mL (FERREIRA, 2007; MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2002; NGUYEN E KEEFFE, 2009). Apesar disso, a eliminação do VHB não pode ser realizada pelo fato de o DNA viral se integrar ao núcleo dos hepatócitos do hospedeiro. Nesta fase também não há indicação de tratamento, pois esses
5.1 Provas de função hepática 5.1.1 Aminotransferases Na hepatite B, as aminotransferases persistem como as enzimas que melhor refletem lesão celular ou necrose do hepatócito e estão sempre elevadas durante alguma fase de todos os casos de hepatite aguda viral (MATOS e DANTAS, 2001). Os níveis de aminotransferases séricas elevam-se uma a duas semanas antes do início dos sintomas (MOTTA, 2009). As aminotransferases começam a elevar-se antes do início da icterícia e retornam ao normal, em média, depois de duas a quatro semanas da hepatite A. Na hepatite B e, notoriamente, na hepatite C, permanecem elevadas por um período mais prolongado. Normalmente, atingem níveis acima de dez vezes a cem vezes o valor normal, apesar de níveis entre 20 a 50 vezes, serem os mais encontrados (MATOS e DANTAS, 2001; MOTTA, 2009). Porém, poucos pacientes podem evoluir com índices mais baixos, às vezes, não superiores a três a quatro vezes o valor normal. As atividades máximas ocorrem entre o 7° e 12° dia; declinando entre a terceira e quinta semana, logo após o desaparecimento dos sintomas. Na fase aguda da hepatite viral ou tóxica, a ALT (TGP), geralmente, apresenta atividade maior que a AST (TGO). A relação AST/ALT é menor que 1. Geralmente, se encontram hiPÓS EM REVISTA l 229
perbilirrubinemia e bilirrubinúria com pequena elevação dos teo-
liação diagnóstica da hepatite aguda viral (MATOS e DANTAS,
res séricos da fosfatase alcalina (MOTTA, 2009). Outras enzimas
2001). Devido à presença normalmente aumentada da fração
não substituem com vantagens as aminotransferases (MATOS e
osteoblástica dessa enzima, durante o período de crescimen-
DANTAS, 2001).
to, esse aspecto deve ser considerado no acompanhamento de
Usualmente, a ALT aumenta mais do que a AST em pacientes com hepatite viral aguda ou crônica. Assim, a proporção
crianças e adolescentes. Não deve ser solicitada de rotina no acompanhamento de casos agudos (FUNASA, 2009).
AST/ALT é geralmente igual a 1 ou inferior em pacientes com lesão hepatocelular aguda (HENRY, 2008) Entretanto, em outras doenças hepatocelulares, como por exemplo, cirrose, hepatites crônicas, entre outras, é sempre maior que 1 (VIEIRA, 2003).
5.1.5 Proteínas totais e frações Estão normais, na maioria dos casos; no entanto, pode haver queda pouco acentuada na albuminemia (MINAS GERAIS, 2007). Porém, a determinação precoce pode contribuir para o
5.1.2 Bilirrubinas
diagnóstico diferencial que, ocasionalmente, impõe-se, entre
Na hepatite B, as bilirrubinas totais, habitualmente se ele-
uma hepatite aguda e uma hepatite crônica agudizada. A pre-
vam logo após as transaminases, podem alcançar valores de
sença de hipo-albuminemia com hiperglobulinemia, logo no
20 a 25 vezes acima do normal. De um modo geral, para a per-
início da fase ictérica, é sugestiva de doença hepática crônica
cepção de icterícia clínica e, conseqüentemente, definição de
(MATOS e DANTAS, 2001). O padrão eletroforético tem gran-
hepatite ictérica, são necessários valores de 2,5 a 3,0 mg/dL ou
de importância no acompanhamento das formas crônicas. Não
acima. Há, na maioria das vezes, o predomínio das bilirrubinas
deve ser solicitada de rotina no acompanhamento de casos agu-
conjugadas, embora as bilirrubinas não conjugadas também se
dos (FUNASA, 2009).
elevem. O valor total raramente ultrapassa o nível de 30 mg/dL. As bilirrubinas voltam aos níveis normais, em média, 4 a 8 sema-
5.2 O hemograma
nas após o início da icterícia (FUNASA, 2009; MATOS e DAN-
A leucopenia e a linfocitose são habituais nas formas agu-
TAS, 2001). Na urina pode ser detectada precocemente, antes
das, entretanto muitos casos cursam sem alteração no leuco-
mesmo do surgimento da icterícia. Sua normalização costuma
grama. A freqüência de linfócitos atípicos é inferior a 10%. A
ocorrer antes das aminotransferases, exceto nas formas coles-
presença de leucocitose sugere intensa necrose hepatocelular
táticas (FUNASA, 2009).
ou a associação com outras patologias. Não ocorrem alterações significativas na série vermelha, podendo ocorrer apenas a leve
5.1.3 Gama-glutamiltranspeptidase A ɣ-GT é a enzima mais relacionada aos fenômenos co-
diminuição na concentração da hemoglobina (FUNASA, 2009; MINAS GERAIS, 2007).
lestáticos, sejam eles intra e/ou extra-hepáticos. Em geral, há aumento nos níveis da ɣ-GT em icterícias obstrutivas, hepato-
5.3 A atividade de protrombina
patias alcoólicas, hepatites tóxicomedicamentosas, tumores
Nas formas agudas benignas, esta prova sofre pouca al-
hepáticos. Ocorre elevação discreta nas hepatites virais, exceto
teração, assim como, nas formas crônicas, quando pode não
nas formas colestáticas. Não deve ser solicitada de rotina no
haver alterações significativas até as fases terminais da doen-
acompanhamento de casos agudos (FUNASA, 2009).
ça. Nos quadros de insuficiência hepática, encontrada tanto nas formas agudas fulminantes, quanto nas cirroses descompen-
5.1.4 Fosfatase alcalina Na hepatite B, a fosfatase alcalina apresenta-se moderadamente elevada, salvo nas formas colestáticas, quando ascende a níveis mais altos (MATOS e DANTAS, 2001) Em função da pre-
sadas, a avaliação da atividade da protrombina adquire suma importância, pois os níveis detectados vão decrescendo proporcionalmente à gravidade do quadro, constituindo-se, por isso, o melhor marcador na avaliação prognóstica (FUNASA, 2009).
sença normalmente aumentada da fração osteoblástica dessa enzima, durante o período de crescimento, esse aspecto deve
5.4 Alfafetoproteína
ser considerado no acompanhamento de crianças e adoles-
Não tem valor clínico na avaliação das hepatites agudas. A
centes. Não deve ser solicitada de rotina no acompanhamento
presença de valores elevados, ou progressivamente crescentes,
de casos agudos (MINAS GERAIS, 2007). A fosfatase alcalina,
em pacientes portadores de hepatite crônica, em geral, indica o
como a 5-nucleotidade e γ-GT podem ser dispensáveis na ava-
desenvolvimento de hepatocarcinoma, sendo, por isso, utilizada
230 | PÓS EM REVISTA
no seguimento dos portadores dos vírus das hepatites B e C (MINAS GERAIS, 2007).
início dos sintomas, até 30 dias após o aparecimento do AgHBs e em geral são detectáveis por cerca de seis meses, enquanto o IgG anti-HBc
5.5 Os testes sorológicos e moleculares O diagnóstico laboratorial específico da hepatite B é realizado através da detecção dos constituintes do vírus, nas diferentes fases evolutivas da infecção, através de testes sorológicos - pesquisa de antígenos e anticorpos e moleculares - pesquisa qualitativa e quantitativa do DNA viral. Várias técnicas são empregadas no diagnóstico sorológico, contudo, as mais utilizadas atualmente são os ensaios imunoenzimáticos - ELISA e a quimiluminescência. Além disso, pode ser realizada a pesquisa dos antígenos AgHBs e AgHBc no tecido hepático (marcadores virais teciduais) pela imunohistoquímica (GONÇALES e CAVALHEIRO, 2006; PARANÁ; SCHINONI; OLIVEIRA, 2008). A carga viral, em geral, é dosada utilizando-se técnicas de PCR, incluindo PCR em tempo real, que se mostra muito mais sensível e confiável. A quantificação da carga viral é um componente crucial na avaliação de pacientes com infecção crônica por HBV e na avaliação da eficácia do tratamento antiviral (LOK e MACMAHON, 2007). Os primeiros marcadores virais detectados no soro são o DNA viral, seguido logo depois pelo AgHBs e AgHBe. O AgHBs pode ser detectado já entre a 1ª e a 2ª segunda semana ou somente na 11ª e a 12ª semana após a exposição ao vírus, a depender da sensibilidade do ensaio usado. A presença de AgHBs indica que o indivíduo pode transmitir o vírus e sua persistência é uma marcador de cronicidade (CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION, 2011). O AgHBe é detectado no soro e sua presença está associada a intensa replicação viral, podendo persistir por 10 semanas na fase aguda. Em pacientes crônicos esse marcador é associa-
permanece detectável por muitos anos, em geral, por toda vida; sua presença marca uma exposição ao HBV no presente ou no passado. O anti-HBc total é considerado um marcador de infecção pregressa do HBV. O anti-HBc IgM indica uma infecção recente, sendo o melhor marcador sorológico para uma infecção aguda, enquanto que o IgG anti-HBc representa memória imunológica (CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION, 2011; GONÇALES e CAVALHEIRO, 2006; VAZ; TAKEI; BUENO, 2007). O anti-HBe normalmente aparece logo após o clareamento do AgHBe, muitas vezes no auge da doença clínica e é um marcador sorológico favorável durante a hepatite B aguda, indicando o início da recuperação. O anti-HBs surge tardiamente durante a infecção, geralmente durante a recuperação ou convalescência, depois do clareamento do AgHBs. O anti-HBs persiste depois da recuperação, sendo associado à imunidade contra o HBV - em indivíduos vacinados, o único marcador a aparecer é o anti-HBs (CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION, 2011; LIANG, 2009). Após a resolução da infecção, alguns pacientes, mesmo sendo anti-HBs positivos, podem cursar com títulos positivos para DNA-HBV por um longo período de anos ou por toda vida (FONSECA, 2007). A ausência da soroconversão de AgHBe para anti- HBe até o 3º mês da doença aguda é sinal de cronificação, pois indica falha do sistema imunológico do hospedeiro em reprimir a replicação viral. A infecção crônica estará resolvida quando o paciente apresentar: anti-HBc total positivo, AgHBs negativo, níveis normais de ALT e DNA-HBV sérico indetectável, com ou sem
do a um mau prognóstico, refletindo a persistência da infecção
soroconversão para anti-HBs (PARANÁ; SCHINONI; OLIVEIRA,
viral e maior taxa de transmissão (VAZ; TAKEI; BUENO, 2007).
2008; FONSECA, 2007).
O AgHBc é um antígeno intracelular, que não pode ser de-
As Figuras de 1 a 2, que se seguem, apresentam os gráfi-
tectado no soro. O anti-HBc se desenvolve em todas as infec-
cos referentes A cinética da produção de antígenos e anticorpos
ções por HBV. Durante a fase aguda da infecção, anticorpos
relacionados às infecções pelos vírus da hepatite B que em um
anti-HBc da classe IgM, seguidos imediatamente da classe IgG,
determinado momento poderá expressar o perfil sorológico do
podem ser detectados. Os anticorpos IgM anti-HBc surgem no
indivíduo.
PÓS EM REVISTA l 231
FIGURA 1 - Perfil sorológico da hepatite aguda B
Fonte: FUNASA, 2009.
FIGURA 2 - Perfil sorológico da hepatite crônica B
Fonte: FUNSA, 2009.
5.6 A histopatologia
6 TRATAMENTO
O exame histopatológico do fígado na hepatite viral aguda
Não existe tratamento específico para as formas agudas
é caracterizado por inflamação parenquimatosa disseminada e
das hepatites virais. Faz-se o acompanhamento ambulatorial,
necrose salpicada. As células inflamatórias constituem-se pre-
com repouso relativo; dieta conforme a aceitação, normalmente
dominantemente de linfócitos, macrófagos e histiócitos. Não
de fácil digestão, pois freqüentemente os pacientes apresentam
há fibrose. Colorações imuno-histoquímicas para os antígenos
anorexia e intolerância alimentar; abstinência de consumo alcoó-
da hepatite geralmente são negativas durante a doença agu-
lico por ao menos seis meses e uso de medicação para vômitos
da e não existem características confiavelmente distintas que
e febre, se necessário (MINAS GERAIS, 2007).
separem cada uma das cinco formas virais de hepatite aguda.
Os tratamentos da hepatite C crônica objetivam a preven-
Devido aos testes sorológicos, em geral, serem adequados ao
ção ou redução do desenvolvimento de cirrose hepática e do
diagnóstico, a biópsia hepática não está recomendada na he-
carcinoma hepatocelular. Além disso, também objetivam su-
patite aguda, a menos que o diagnóstico continue incerto e
pressão viral, normalização dos níveis de ALT, diminuição do
seja necessária uma tomada de decisão terapêutica (GOLD-
dano hepático e soroconversão (FERREIRA, 2009; NGUYEN e
MAN, 2011).
KEEFFE, 2009; MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2002). As opções farmacológicas propostas pelo protocolo clínico
232 | PÓS EM REVISTA
e diretrizes terapêuticas2 incluem interferon alfa (convencional ou
servados: a) para a segunda dose: um mês após a primeira; b)
peguilado), de aplicação endovenosa, ou os nucleosídeos orais
para a terceira dose: dois meses após a segunda, desde que o
lamivudina, adefovir dipivoxil, entecavir ou tenofovir, com efeitos
intervalo de tempo decorrido a partir da primeira dose seja, no
antivirais, antiproliferativos e imunomoduladores. Qualquer uma
mínimo de 6 meses.
dessas opções pode ser utilizada como primeira opção de tra-
O esquema de vacinação para indivíduos adultos consiste
tamento, dependendo das características do caso (NGUYEN e
na aplicação por via intramuscular de três doses, contendo 10
KEEFFE, 2009; SHIM et. al., 2009; SOCIEDADE BRASILEIRA DE
microgramas de antígeno víral (HBsAg) por dose. O intervalo en-
HEPATOLOGIA, 2005) . Os análogos de nucleosídeos/nucleotí-
tre a primeira e a segunda dose é de um mês e entre a primeira
deos são utilizados por via oral, e inibem a transcrição reversa,
e a terceira, de seis meses. A vacina também está indicada para
que ocorre durante o ciclo de replicação viral no hepatócito.
todos os doentes submetidos à hemodiálise, hemofílicos, homossexuais, cônjuges de doentes HBsAg positivos, toxicôma-
7 PREVENÇÃO
nos, pessoal médico, dentistas e paramédicos, funcionários em
O conhecimento adequado sobre a freqüência do vírus da
contato com sangue e derivados. Para a prevenção da trans-
hepatite B e a implementação de estratégias indicadas para a
missão vertical, ou seja, os recém-nascidos de mães HBsAg
sua prevenção exigem métodos complexos de vigilância epi-
positivas devem ser vacinados imediatamente após o parto (nas
demiológica. Além da prevalência geral na população, devem
primeiras 12 horas) nas doses acima preconizadas, associa-
ser avaliados os indivíduos que constituem grupos de risco e,
das à imunoglobulina específica contra hepatite B (IgGHB 0,5
ainda, aqueles que apresentam diferentes condições patológi-
ml intramuscular). Ambas, vacina e imunoglobulina podem ser
cas tais como: infecção perinatal, hepatites agudas e crônicas,
administradas simultaneamente, porém em locais de aplicação
portadores assintomáticos do vírus B, cirróticos e pacientes com
diferentes. Se não se dispuser da imunoglobulina deve-se apli-
carcinoma hepatocelular (CDC, 2002).
car a vacina imediatamente. Estas crianças devem receber uma
A prevenção da hepatite B inclui: o controle efetivo de ban-
dose de reforço da vacina no primeiro e no sexto mês de vida.
cos de sangue através da triagem sorológica (exames feitos
Em 2001, a faixa etária de vacinação contra Hepatite B foi
de rotina no sangue armazenado), vacinação contra hepatite B
ampliada para 19 anos de idade e em 2011, para 24 anos. Em
(disponível no SUS), uso de imunoglobulina humana antivírus da
2012 a faixa etária será ampliada para 29 anos (BRASIL, 2010).
hepatite B (também disponível no SUS), uso de equipamentos de proteção individual pelos profissionais da área da saúde, não compartilhamento de alicates de unha, lâminas de barbear e escovas de dente, não compartilhamento de seringas e agulhas para uso de drogas, como a hepatite B pode ser adquirida através do ato sexual, o uso de preservativos também ajuda na prevenção desta doença. A vacina contra Hepatite B é a medida preventiva mais efetiva em populações adultas com fatores de risco. Os títulos de anti-HBs considerados protetores são superiores a 10 mUI/ml. A vacina tem estado disponível desde o início da década de 80. Na década de 90, a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomendou que essa fosse incorporada nos programas de vacinações nacionais (LIAW; CHU, 2009). Também a partir da década de 90, a vacina passou a ser oferecida pelo Sistema Único de Saúde (SUS) (BRASIL, 2010). Desde 1998, o Programa Nacional de Imunizações (PNI), do Ministério da Saúde, recomenda que crianças, a partir do seu nascimento, sejam vacinadas contra a Hepatite B. O esquema preconizado para os recém-nascidos é de três doses, sendo a primeira ao nascer, a segunda dose 30 dias após e a terceira seis meses após a primeira dose (esquema
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS A Hepatite B é uma doença inflamatória do fígado cuja causa está diretamente vinculada ao contato com secreções contaminadas com o vírus da hepatite B. Ela é uma das principais causas de carcinoma hepatocelular e juntamente com o alcoolismo, de cirrose hepática. É importante que os profissionais da saúde saibam identificar os seus sinais e sintomas e diagnosticá-la precocemente a fim de evitar suas complicações e também o óbito. Também é importante que campanhas de prevenção sejam empregadas com o objetivo de informar a população sobre os riscos da Hepatite B e suas formas de transmissão – parenteral e sexual – e como evitar o contágio da doença, além de informar sobre a vacinação, que tem sido de extrema importância no combate ao HBV. REFERÊNCIAS BARONE, A. A. Hepatite Crônica pelo Vírus B. In: ARAUJO, E. S. A. de (Ed.)., 2008, O ABC das Hepatites: manual clínico para o manuseio e prevenção da hepatite B. São Paulo: Bristol-Myers Squibb, 2008. p. 6-10.
0, 1 e 6 meses). Salienta-se os intervalos mínimos a serem obPÓS EM REVISTA l 233
BRASIL. Ministério da Saúde. Saúde amplia faixa etária para vacinação gratuita contra Hepatite B a partir de 2011. 2010. Disponível em:<http://portal.saude.gov.br/portal/aplicacoes/ n o t i c i a s / d e f a u l t . c f m ? p g = d s p D e t a l h e N o t i c i a &id_area=124&CO_NOTICIA=11563>. Acesso em: 30 set. 2011. CASTELO, A.; PESSOA, M.G.; BARRETO, T.C.B.B; et al. Estimativas de custo da hepatite crônica B no sistema único de saúde Brasileiro em 2005. Rev. Assoc. Med. Bras. [online]. São Paulo: vol.53, n.6, pp. 486491, 2007.
GOLDMAN, L. & AUSIELLO, D. CECIL - Tratado de Medicina Interna. 23 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011. GONÇALES, N. S. L; CAVALEIRO, N. P. Marcadores Sorológicos da Hepatite B e sua Interpretação. Braz. J. infect. Dis., Salvador: v. 10, n. 1, p. 19-22, ago. 2006. HEATHCOTE, J; ABBAS, Z.; ALBERTI, A.; ET AL. Hepatite B. Guias Práticas da Organização Mundial de Gastroenterologia. 2008. HENRY, J. B. Diagnósticos clínicos e tratamento por métodos laboratoriais. 20. ed. São Paulo: Manole, 2008. 1670 p.
CDC. Guidelines for Viral Hepatitis Surveillance and Case Management. Morbidity and Mortality Weekly Report. Recommendations and Reports. June 2002: 1-43. CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION. Epidemiology and Prevention of Vaccine-Preventable Diseases. 12. ed. Washington DC: Public Health Foundation, 2011. FERREIRA M.S., BORGES A.S. Advances in the treatment of hepatitis B. Rev Soc Bras. Med. Trop., São Paulo: 40(4):451-62, 2007.
FERREIRA M.S. Diagnosis and treatment of hepatitis B. Rev. Soc. Bras. Med. Trop., São Paulo: 33(4):389-400, 2000. FERREIRA, C. T.; SILVEIRA, T. R. Hepatites virais: aspectos da epidemiologia e da prevenção. Rev. Bras. Epidemiol. [online] São Paulo vol.7, n.4, pp. 473-487, 2004.
FERREIRA, C. T; SILVEIRA, T. R. Hepatites Virais: Atualização. J. Pediatr., Rio de Janeiro: v. 73, n. 6, p. 367-376, nov./dez. 1997.
FERREIRA, M. S.; BORGES, A. S. Avanços no Tratamento da Hepatite pelo Vírus B. R. Soc. Bras. Med. Trop., Brasília: v. 40, n. 4, p. 451-62, jul./ago. 2007.
FERREIRA, O. Estudo de Doadores de Sangue com Sorologia Reagente para Hepatites B e C, HIV e Sífilis no Hemocentro de Ribeirão Preto. 2007. 123 f. Dissertação (Mestrado em Saúde na Comunidade) – Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2007.
FONSECA, J. C. F. História Natural da Hepatite B Crônica. R. Soc. Bras. Med. Trop., Brasília: v. 40, n. 6, p. 672-677, nov./dez. 2007. FUNASA. Hepatites Virais. 2009. Disponível em: http://2009.campinas. sp.gov.br/saude/doencas/hepatites/hepatites_funasa.htm
234 | PÓS EM REVISTA
HUSSAIN, B. K; LOK, A. S. F. Hepatitis B virology: acute and chronic Infection - wild-type HBV and HBV Variants. In: GORDON, S. C (Edit.). Management of Chronic Viral Hepatitis., New York: Marcel Dekker, Inc, 2001. p. 1-32. KRASTEV, Z.A. The “return” of hepatitis B. World Journal of Gastroenterology. 2006; 12:7081-6. LIANG, T. J. Hepatitis B: The Virus and Disease. Hepatology., Baltimore: v. 49, n. 5, p. 513-521, May 2009. LIAW, Y.. F; CHU, C. M. Hepatitis B Virus Infection. Lancet., London: v. 373, n. 9663, p. 582-592, Feb. 2009. LOK, A. S. F; MACMAHON, B. J. Chronic Hepatitis B. Hepatology., Baltimore: v. 45, n. 2, p. 507-539, Jan. 2007. MATTOS, A. A.; DANTAS, W. Compêndio de Hepatologia. Sociedade Brasileira de Hepatologia. São Paulo: Fundação BYK, 2001. 919 p. MELO, F. C. A; ISOLANI, A. P. Hepatite B e C: Do Risco de Contaminação por Materiais de Manicure/Pedicure à Prevenção. R. Saúde e Biol., Campo Mourão: v. 6, n. 2, p. 72-78, maio./ago. 2011. MINAS GERAIS. Guia Estadual de Orientações Técnicas das Hepatites Virais. Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, Superintendência de Epidemiologia, Gerência de Vigilância Epidemiológica. Belo Horizonte, MG, 2007. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para o Tratamento da Hepatite Viral Crônica B e Coinfecções. In: Secretaria de Vigilância em Saúde – Departamento de DST AeHV, editor.: Programa Nacional para a Prevenção e o Controle das Hepatites Virais; 2009. p. 128. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas hepatite viral crônica B. 2002. MOTTA, V. T. Bioquímica Clínica para o Laboratório. 5 ed. Caxias do
Sul: Médica Missau. 2009. NGUYEN M.H, KEEFFE E.B. Chronic hepatitis B: early viral suppression and long-term outcomes of therapy with oral nucleos(t)ides. J. Viral Hepat., Oxford: 16(3):149-55, 2009.
OSTI, C.; MARCONDES, M. J. Vírus da hepatite B: avaliação da resposta sorológica à vacina em funcionários de limpeza de hospital-escola. Ciênc. Saúde Coletiva [online], Rio de Janeiro: vol.15, suppl.1, pp. 13431348, 2010.
PARANÁ, R; SCHINONI, M. I; OLIVEIRA, A. P. Diagnóstico e Monitorização da Hepatite B. In: ARAUJO, E. S. A. de (Ed.). O ABC das Hepatites: manual clínico para o manuseio e prevenção da Hepatite B. São Paulo: Bristol-Myers Squibb, 2008. p. 65-70.
RONCATO, M.; BALLARDIN, P.A.Z.; LUNGE, V.R. Influência dos genótipos no tratamento da hepatite B. Rev. HCPA, Porto Alegre: 28 (3): 188193, 2008.
SHIM J.H., SUH D.J., KIM K.M., LIM Y.S., LEE H.C., CHUNG Y.H., et al. Efficacy of entecavir in patients with chronic hepatitis B resistant to both lamivudine and adefovir or to lamivudine alone. Hepatology, Geneva: 50(4):1064-71, 2009.
SOCIEDADE BRASILEIRA DE HEPATOLOGIA. Consenso sobre condutas nas hepatites virais B e C. 2005.
VAZ, A. J; TAKEI, K; BUENO, E. C. Imunoensaios: fundamentos e aplicações. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2007. 372 p.
VIEIRA, R. P. Efeitos do Decanoato de Nandrolona sobre o fígado de ratos. 2003. Dissertação (Mestrado em ciências Biológicas) – Universidade do Vale do Paraíba – Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento. São José dos Campos, SP. 2003.
NOTAS DE RODAPÉ *Artigo resultante de Trabalho de Conclusão do Curso de Farmácia na área de Analises Clínicas. Farmacêutica graduada pelo Centro Universitário Newton Paiva – Belo Horizonte/MG
1
Farmacêuticas docentes do curso de Farmácia do Centro Universitário Newton Paiva – Belo Horizonte/MG
2
PÓS EM REVISTA l 235
LEVANTAMENTO SOBRE O USO RACIONAL DE PLANTAS MEDICINAIS NO CENTRO DE REFERÊNCIA DA PESSOA IDOSA DE BELO HORIZONTE Amanda Rodrigues de Freitas¹ Camila Morais Semião¹ Grazielle Souza Damasceno¹ Larissa Barbosa Vieira¹ Lílian Chaves Pereira¹ Marcela Elisa Pena Belém¹ Francielda Queiroz Oliveira²
RESUMOA terapia a base de plantas medicinais é comum entre os idosos, porém muitas vezes é inadequada, pela ausência de orientações quanto a sua realização. Com o objetivo de verificar essa realidade e promover a saúde, realizou-se uma visita ao Centro de Referência da Pessoa Idosa em Belo Horizonte, onde apresentou-se uma palestra, na qual foram levantados dados sobre o uso racional de plantas medicinais. Através de um questionário, observou-se que as plantas medicinais mais citadas pelos participantes foram erva-cidreira, hortelã e camomila e as principais doenças crônicas relatadas por eles foram hipertensão e diabetes. Os entrevistados possuem o hábito de cultivar as plantas medicinais em casa e a infusão foi o método mais citado nas preparações de chás. Estes têm a finalidade de tratar transtornos menores, como gripes e resfriados. Diante dos dados observados, notou-se a importância de ações que informem a população sobre o uso de correto de plantas medicinais. Palavras-chave: Promoção da saúde. Plantas medicinais. Farmacêutico.
Introdução
plantas medicinais e os fitoterápicos. Sabe-se que a utilização
O número de pessoas idosas está em crescente expansão
de derivados vegetais é muito ampla no mundo todo (MACE-
no Brasil. A cada ano que passa acrescenta-se 200 mil pesso-
DO; OSHIIW; GUARIDO, 2007; VEIGA JUNIOR, 2008; BALBINO;
as maiores de 60 anos à população brasileira, o que gera uma
DIAS, 2010). A utilização é grande uma vez que estes produtos
importante demanda para o sistema de saúde (SECRETARIA
naturais representam uma alternativa frente ao alto custo dos
DE SAÚDE DE ESTADO DE MINAS GERAIS, 2006). Diante des-
medicamentos sintéticos nos países subdesenvolvidos e prin-
te cenário, torna-se cada vez mais essencial a implantação de
cipalmente pelo fato de as pessoas acharem que tudo o que
programas que tenham como objetivo a promoção da saúde
possui origem natural nunca irá fazer mal, que esses produtos
do idoso, para assim tentar proporcionar um envelhecimento
não apresentam nenhuma contraindicação e que eles são inca-
ativo, aumentar a expectativa de vida saudável e melhorar a
pazes de provocar reações adversas (TUROLLA; NASCIMEN-
qualidade de vida de todas as pessoas que estão envelhecen-
TO, 2006). Porém, a maior parte dos fitoterápicos e das plantas
do (SILVESTRE; COSTA NETO, 2003; VENDRUSCOLO; MAR-
medicinais usados no processo de automedicação não possui
CONCIN, 2006).
perfil tóxico bem conhecido e é fato que a utilização incorreta
Os idosos necessitam mais dos serviços de saúde, são internados mais frequentemente e ocupam por mais tempo os
destes produtos pode acarretar graves problemas (SILVEIRA; BANDEIRA; ARRAIS, 2008).
leitos hospitalares do que os indivíduos de outras faixas etárias.
A utilização das plantas medicinais como recurso terapêuti-
Em geral, suas doenças são múltiplas e crônicas e exigem o
co é bastante difundida em todo o mundo. Atualmente, mesmo
acompanhamento de profissionais da área de saúde. Doenças
com a enorme variedade de medicamentos alopáticos disponí-
que antes eram caracterizadas por infecções, hoje, foram subs-
veis no mercado farmacêutico, foi comprovado que a terapêu-
tituídas por diabetes, doenças cardiovasculares, cânceres e de-
tica a base de plantas medicinais é ainda uma das principais
pressão (MARLIÉRE et al., 2008).
formas de tratamento utilizadas pelos idosos. Isso acontece,
Dentre os inúmeros meios utilizados pelos médicos e pelo
muitas vezes, devido à resistência que os idosos têm frente à
próprio idoso para tratar estas doenças que ele adquire estão as
medicina moderna ou então, quando eles visam simplesmente
236 | PÓS EM REVISTA
complementar a medicação prescrita pelo médico (LIMA; RENOVATO, 2010).
com outros medicamentos (VIEIRA, 2007). Neste contexto, foi estabelecido o objetivo de fazer um le-
E esse fato é bastante preocupante, pois somando-se ao
vantamento a respeito das principais plantas medicinais utili-
uso das plantas medicinais e dos fitoterápicos, sabe-se que
zadas pelos idosos que frequentam o Centro de Referência da
a maioria necessita tomar diariamente medicamentos alopáti-
Pessoa Idosa - CRPI, identificar as doenças mais frequentes e
cos para tratar distúrbios que aparecem ao longo da idade e
os principais medicamentos alopáticos utilizados por eles para
distúrbios predisponentes (VEIGA JUNIOR, 2008). E essas com-
tratá-las e, por fim, identificar as possíveis interações medica-
binações de medicamentos alopáticos, fitoterápicos e plantas
mentosas que possam prejudicar a saúde dos idosos do CRPI.
medicinais nem sempre são perfeitas e eficientes, podendo ha-
Diante destes dados, procurou-se desenvolver ações educa-
ver o aparecimento de interações medicamentosas e reações
tivas a respeito do assunto, visando à promoção da saúde e
adversas graves, que são desconhecidas pelo idoso e muitas
contribuindo para sua melhor qualidade de vida. O presente
vezes até pelos médicos e outros profissionais da área (MARLI-
trabalho teve como objetivo também a troca de experiências,
ÉR et al., 2008).
uma vez que o conhecimento popular é de extrema valia para os
A toxicidade causada pelos produtos de origem vegetal
acadêmicos e para os profissionais.
pode parecer sem importância se comparada com a toxicidade causada pelos medicamentos convencionais, mas é um sério problema que pode trazer consequências drásticas. As plantas medicinais podem causar reações adversas devido aos seus próprios constituintes, devido a interações com os medicamentos ou alimentos e ainda devido às características do paciente: idade, sexo, estado de saúde, estado nutricional e características genéticas (BALBINO; DIAS, 2010). A identificação errônea das espécies vegetais, o preparo incorreto e o uso diferente da forma tradicional podem ser extremamente perigosos para o usuário, podendo levar a superdosagem, reações adversas graves e redução da eficácia do produto. Podem também potencializar ou reduzir a eficácia dos medicamentos alopáticos, prejudicando os tratamentos convencionais instituídos pelo médico (BALBINO; DIAS, 2010). No entanto, apesar dos problemas que o uso inadequado dos produtos de origem vegetal pode causar, é de suma importância ressaltar que as plantas medicinais e os fitoterápicos podem trazer inúmeros benefícios para os idosos, como também para a população em geral, se forem utilizados com extremo cuidado e com orientação do farmacêutico, que é o profissional que tem mais conhecimento para dar orientações a respeito do assunto (BRASILEIRO et al., 2008). O farmacêutico, a partir de seus conhecimentos sobre farmacobotânica e farmacognosia, será capaz de orientar adequadamente a terapêutica a base de plantas, fornecendo informações a respeito das diversas espécies, para que distúrbios elas podem ser utilizadas, como elas podem ser utilizadas, como devem ser coletadas e armazenadas, como devem ser preparadas corretamente, quanto do produto se deve tomar diariamente, entre outras informações importantes. Ele também saberá avaliar o risco e benefício da utilização de plantas medicinais e de fitoterápicos em determinadas patologias e o uso concomitante
Metodologia O estudo foi realizado no Centro de Referência da Pessoa Idosa em Belo Horizonte - MG, que desenvolve ações educativas visando à promoção da cidadania e inclusão social da pessoa idosa. No local são desenvolvidas atividades dos programas Vida Ativa, Academia da Cidade e Saúde na Praça, dança sênior, biodança, informática, dança de salão e cigana, oficina de memória e diversas oficinas de artes, grupo de teatro, além da realização de palestras, campanhas educativas, ensino fundamental e alfabetização através da Educação de Jovens e Adultos - EJA. Estas ações educativas visam à promoção da cidadania e inclusão social da pessoa idosa. Foi realizado contato prévio com a coordenadora do CRPI, Márcia Figueiredo, para esclarecimento sobre o objetivo do trabalho e obtenção de autorização para realização e divulgação de uma palestra sobre o uso racional de plantas medicinais e fitoterápicos para os idosos. Posteriormente foi realizada no dia 10 de abril uma aula de teatro com a professora Beth Haas e alguns idosos para a preparação de um teatro e algumas orientações para serem apresentadas na palestra. Neste mesmo dia foi reforçado o convite para a presença de todos os idosos. O objetivo desta aula foi adequar a linguagem e o tempo. No dia 16 de abril foi iniciada às 15 horas, a palestra sobre o uso racional de plantas medicinais e fitoterápicos para os idosos e foi feita a solicitação para que os presentes respondessem a um questionário, que se tornou guia para a discussão e elaboração do presente artigo. O questionário contava com questões abertas e fechadas relativas ao uso das plantas medicinais e medicamentos fitoterápicos. Questões como plantas medicinais mais utilizadas, forma de preparo e finalidades do uso foram PÓS EM REVISTA l 237
abordadas. Com base nos dados coletados nos questionários
Resultados E Discussão
foram calculadas as porcentagens relativas às questões abor-
Realizou-se uma palestra com o tema: uso de plantas me-
dadas e algumas destas representadas em forma de gráficos.
dicinais e fitoterápicos, no CRPI em Belo Horizonte. Obteve-se
A palestra iniciou-se com um breve teatro mostrando uma
65 participantes, dentre os quais 32 pessoas com idade média
situação de uso incorreto de plantas medicinais e as consequ-
de 65 anos de idade responderam a um questionário relacio-
ências a que esse ato pode levar, seguido de orientações sobre
nado com a utilização de plantas medicinais, com objetivo de
uso correto, coleta, armazenagem, interações medicamentosas,
traçar um perfil dos entrevistados e compreender melhor o uso
informações sobre algumas plantas mais popularmente conhe-
de plantas medicinais e fitoterápicos neste grupo.
cidas, entre outros. Também foi reforçada a importância de pro-
Durante o evento foi possível observar que 87% das pesso-
curar orientação com o profissional farmacêutico sempre que
as entrevistadas eram do sexo feminino. Quando questionadas
se desejar utilizar plantas medicinais. Terminada a apresentação
se praticavam atividades físicas 94% responderam que sim. Este
e esclarecidas as dúvidas dos idosos presentes, foi oferecido
cenário condiz com o perfil dos participantes, uma vez que estes
pelas alunas um momento de chá com biscoito. Durante este
frequentam o CRPI, que é um local onde os idosos podem se
momento foi entregue um informativo sobre a forma correta de
exercitar fisicamente e psicologicamente. Vendruscolo e Mar-
preparação de chás e os participantes da palestra foram presen-
concin (2006), atividades como ginástica, teatro, dança e aulas
teados com uma amostra de duas plantas medicinais: camomila
de pintura auxiliam no envelhecimento saudável, por proporcio-
e erva-doce.
nar convivência grupal, desenvolvimento físico, atualização so-
Durante o chá com biscoitos alguns idosos procuraram as
ciocultural e autonomia dos idosos.
alunas para tirar mais algumas dúvidas. Algumas foram esclare-
No gráfico 1, observa-se que a maioria dos idosos entre-
cidas no momento com base nos conhecimentos já adquiridos
vistados eram hipertensos ou apresentavam a associação de
em sala de aula e outras questões foram anotadas e pesquisa-
diabetes e hipertensão. De acordo com estudos realizados pelo
das posteriormente. Estas foram encaminhadas à coordenação
programa de saúde do idoso, 65% dos idosos brasileiros são hi-
do CRPI para que pudessem ser repassadas aos idosos.
pertensos e a diabetes atinge 20% das pessoas idosas com idade superior a 70 anos (PROGRAMA SAÚDE DO IDOSO, 2003).
Como as doenças do aparelho circulatório corresponde a
-se, no presente estudo, que todos os entrevistados, que apre-
37,7% das principais causas de mortalidade entre os idosos bra-
sentam doenças crônicas, estavam sob tratamento farmaco-
sileiros é importante um tratamento seguro, eficaz e adequado
lógico. Os medicamentos inibidores da enzima conversora de
para cada paciente (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2010). Constatou-
angiotensina e os antagonistas â-adrenérgicos foram os mais
238 | PÓS EM REVISTA
relatados para o tratamento da hipertensão. O fármaco utilizado
de algumas plantas medicinais como o picão, a folha de algo-
pelos diabéticos da pesquisa era a metformina.
dão e capim-cidreira, diante disso disponibilizou-se um folheto
Com objetivo de levantar dados sobre as possíveis influ-
informativo com as seguintes informações:
ências para a utilização das plantas medicinais, questionou-se
a)infusão: deve-se colocar a planta medicinal em um
como os entrevistados adquiriram seus conhecimentos sobre as
recipiente, adicionar água fervente e tampar por 15 mi-
plantas medicinais, se possuíam as mesmas em suas casas e
nutos depois filtrar o chá e tomá-lo em até 24 horas, este
se já moraram na zona rural. Verificou-se que 62% tiveram como
método é indicado para folhas ou flores como óleos es-
referência, em relação ao uso das plantas medicinais, seus an-
senciais, elas possuem cheiro bem característico como
tepassados, sendo os mais citados os pais e avós. E 58% já
a hortelã, guaco, erva-doce, camomila, transagem, erva-
moraram no interior de Minas Gerais.
-cidreira, funcho, o gengibre e a canela também podem
Do total dos entrevistados 69% cultivavam plantas medici-
ser preparados desta maneira.
nais nos quintais de suas casas, sendo as mais citadas: boldo
b) decocção: deve-se colocar a planta medicinal junto
(Plectranthus sp.), hortelã (Mentha sp.), capim-cidreira (Cym-
com a água em uma vasilha e levar ao fogo, depois que
bopogon citratus (DC.) Stapf), alecrim (Rosmarinus officinalis
começar a ferver, deixar mais 20 minutos e em seguida
L.) e funcho (Foeniculum vulgare Mill). Entre os entrevistados
retirar do fogo, é recomendado o consumo do chá em
53% relataram que desconheciam o significado de fitoterápico.
até 24 horas, este método é indicado para raízes, rizo-
Quando questionados quanto à utilização das plantas medici-
mas, caules e cascas, por exemplo valeriana, romã.
nais no tratamento de enfermidades, nove pessoas as utilizavam
c) maceração: deve-se colocar a planta medicinal em
para aliviar os sintomas da gripe e resfriado, três com objetivo de
um recipiente com água filtrada, em temperatura am-
evitar a insônia e três para promover efeito calmante. O restan-
biente, durante em média 20 minutos, deve ser con-
te dos participantes as utilizava para outras finalidades ou não
sumido em até 24 horas. Alguns exemplos são: sene,
responderam. Em estudo semelhante, Lima e Renovato (2010),
boldo peludo.
foi constatado que os idosos entrevistados utilizavam as plantas medicinais para tratarem transtornos menores como gripe e resfriado. Comparando os dois estudos observa-se que a população idosa vê as plantas medicinais como uma alternativa para o tratamento de sintomas mais simples. Perguntou-se também quanto ao costume de tomar chás e obteve-se uma porcentagem de 72%. A maioria dos idosos preparam seus chá pelo método de infusão. Durante a palestra os participantes questionaram sobre a forma correta de preparação
O gráfico 2 refere-se às plantas mais usadas nas preparações de chás pelos entrevistados no presente estudo. Observa-se que a hortelã, o capim-cidreira, a camomila, o boldo e o alecrim são as plantas medicinais mais utilizadas. Este fato pode estar relacionado à disponibilidade de plantas medicinais nas casas dos idosos, uma vez que observou-se que o boldo, a hortelã, o capim-cidreira e o alecrim são as plantas mais cultivadas pelos participantes.
PÓS EM REVISTA l 239
Finalizando o questionário, os idosos foram questionados
realizadas por profissionais da saúde.
a respeito dos malefícios causados pelas plantas medicinais.
A preocupação com a polimedicação e as possíveis inte-
Mais da metade dos entrevistados responderam que as plantas
rações devem ser preocupações constantes do farmacêutico,
medicinais não fazem mal. Em estudo semelhante, Lima e Reno-
e deve ser redobrada com idosos uma vez que esta população
vato (2010), obteve-se o mesmo resultado. Esta crença acarreta
está em constante crescimento. A população tem grande conhe-
riscos à saúde dos idosos, uma vez que estes usam as plan-
cimento, mas nota-se que há ainda muitas dúvidas e mitos que
tas medicinais na maioria das vezes sem orientação médica ou
devem ser esclarecidos.
farmacêutica. Os fármacos alopáticos são usados pelos idosos
Profissionais da saúde como o farmacêutico são essenciais
corriqueiramente, o que aumenta os riscos de interações medi-
e contribuem para a promoção desta, informam a população,
camentosas e reações adversas (BALBINO; DIAS, 2010).
minimizando riscos e trazendo educação, que é a ferramenta
Um profissional importante neste contexto é o farmacêutico (VIERA, 2007). Como se observou no presente estudo e em estu-
mais importante para a melhoria da qualidade de vida em qualquer âmbito.
dos de mesmo caráter, a maioria dos idosos tratam suas doenças com medicamentos sintéticos e tomam chás, o que torna necessária a intervenção em casos de possíveis interações e aparecimento de reações adversas e o acompanhamento dos pacientes idosos durante todo o tratamento, por um profissional capacitado. Além disso, o farmacêutico pode orientar quanto ao uso racional
Referências BALBINO, Evelin E.; DIAS, Murilo F.. Farmacovigilância: um passo em direção ao uso racional de plantas medicinais e fitoterápicos. Revista Brasileira de Farmacognosia, Brasília, v. 20, n. 6, p. 992-1000, dez. 2010.
das plantas medicinais, visando à promoção da saúde.
Conclusão Diante desse contexto, foi possível concluir que o uso racio-
BRASILEIRO, Beatriz Gonçalves et al. Plantas medicinais utilizadas pela população atendida no “Programa de Saúde da Família”, Governador Valadares, MG, Brasil. RBCF - Revista Brasileira de Ciências Farmacêuticas, São Paulo, v. 44, n. 4, p. 629-636, dez. 2008.
nal das plantas medicinais é de grande importância na qualidade de vida da população, mas para que isso ocorra é fundamental a orientação correta para a promoção da saúde. Sendo assim, o farmacêutico é um profissional qualificado, uma vez que cursa disciplinas referentes ao uso de plantas e detém conhecimento
LIMA, Silvia Cristina da Silva; RENOVATO, Rogério Dias. As representações e usos de plantas medicinais em homens idosos no cotidiano. 2010. Disponível em: <http://periodicos.uems.br/index.php/enic/article/,iew/>. Acesso em: 13 fev. 2012.
para orientar e fazer intervenções, uma vez que se não forem utilizadas corretamente, as plantas medicinais podem trazer malefícios à saúde. Os idosos, mesmo com todo conhecimento adquirido com o tempo, precisam ser orientados, pois possuem muitas dúvi-
MACEDO, A.F.; OSHIIWA, M.; GUARIDO, C.F. Ocorrência do uso de plantas medicinais por moradores de um bairro do município de Marília-SP. Revista de Ciências Farmacêuticas Básica e Aplicada. São Paulo, v. 28, n.1, p.123-128, ago. 2007.
das sobre o assunto mesmo com toda a experiência de vida. Geralmente é a parte da população que mais precisa desse tipo de orientação, já que possui doenças crônicas e para tratá-las utilizam medicamentos sintéticos que por sua vez podem intera-
MARLIÉR, Lucianno D. P. et al. Utilização de fitoterápicos por idosos: resultados de um inquérito domiciliar em Belo Horizonte (MG), Brasil. Revista Brasileira de Farmacognosia, Brasília, v.18, p. 754-760, dez. 2008.
gir com o princípio ativo das plantas utilizadas, causando efeitos inesperados e indesejáveis. As plantas medicinais trazem muitos benefícios, e por isso é importante disponibilizar informações referentes a elas, já que podem ser usadas para o bem da população. Ações que visem
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Atenção à saúde da Pessoa Idosa e Envelhecimento. Brasília, 2010. Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/volume12.pdf> Acesso em: 21 abr. 2012.
a educação sanitária, a melhora da qualidade de vida e o conhecimento da realidade dos pacientes são essenciais, engrandecem profissionais e diminuem riscos à saúde. A desmistificação de velhas crenças e a construção de um novo conhecimento são resultados de tais ações, por isso, devem ser incentivadas e 240 | PÓS EM REVISTA
SECRETARIA DE ESTADO DE SAÚDE DE MINAS GERAIS. Saúde em casa. Belo Horizonte, 2006. Disponível em: <http://www.saude.mg.gov. br/publicacoes/linha-guia/linhas-guia/ LinhaGuiaSaudeIdoso.pdf> Acesso em: 20 mar. 2012.
SILVEIRA, Patrícia Fernandes da; BANDEIRA, Mary Anne Medeiros; ARRAIS, Paulo Sérgio Dourado. Farmacovigilância e reações adversas às plantas medicinais e fitoterápicos: uma realidade. Revista Brasileira de Farmacognosia, Brasília, v. 18, n. 4, p. 618-626, dez. 2008. SILVESTRE, Jorge Alexandre; COSTA NETO, Milton Menezes da. Abordagem do idoso em programas de saúde da família. Caderno Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 19, n.3, p.839-847, jun. 2003. PROGRAMA SAÚDE DO IDOSO. Manual de Saúde do Idoso. Santos, 2003. Disponível em: <http://www.santos.sp.gov.br/saude/idoso.pdf> Acesso em: 21 abr.2012. TUROLLA, Monica Silva dos Reis; NASCIMENTO, Elizabeth de Souza. Informações toxicológicas de alguns fitoterápicos utilizados no Brasil. RBCF - Revista Brasileira de Ciências Farmacêuticas, São Paulo, v. 42, n. 2, p. 289-306, jun. 2006. VEIGA JUNIOR, Valdir Florencio da. Estudo do consumo de plantas medicinais na Região Centro-Norte do Estado do Rio de Janeiro: aceitação pelos profissionais de saúde e modo de uso pela população. Revista Brasileira de Farmacognosia, Brasília, v. 18, n. 2, p. 308-313, jun. 2008. VENDRUSCOLO, Rosecler; MARCONCIN, Priscila Ellen. Um estudo dos programas públicos para idosos de alguns municípios paranaenses: a atividade física, esportiva e de lazer em foco, 2006. Disponível em: <http://www.redecedes.ufpr.br/livro/parte6.pdf> Acesso em: 21 abr. 2012. VIEIRA, Fabiola Sulpino. Possibilidades de contribuição do farmacêutico para a promoção da saúde. Ciência & Saúde Coletiva, Brasília, v.12, n. 1, p. 213-220, 2007.
NOTAS DE RODAPÉ ¹Acadêmicas do curso de Farmácia do Centro Universitário Newton Paiva. ²Mestre em Ciências Farmacêuticas pela Universidade Federal de Minas Gerais, Professora das disciplinas Farmacobotânica e Farmacognosia do curso de Farmácia do Centro Universitário Newton Paiva.
PÓS EM REVISTA l 241
PLANTAS MEDICINAIS: o uso popular e a identificação botânica Kyrlah Jeronymo de Moraes 1 Fernanda Cristina Silva Cardoso Cerqueira 2
RESUMO: As plantas medicinais são espécies vegetais com propósitos terapêuticos. A OMS recomenda seu uso, desde que submetidas a estudos e tenham garantia de qualidade, segurança e eficácia. O uso tradicional encontra no Brasil uma grande parcela da população favorável a essa opção terapêutica. A aquisição dessas plantas e muito comum em lojas de ervas (ervanárias), onde são embaladas sem muita informação de origem. A identificação da espécie e uma garantia de autenticidade, assim como a parte da planta e a forma de preparo para o uso racional. A pesquisa realizada em uma ervanaria da cidade de Belo Horizonte teve como objetivo identificar as plantas medicinais solicitadas para tratamento de algum problema de saúde e avaliar as informações contidas nas embalagens. Palavras-chave: plantas medicinais; identificação botânica; segurança e eficácia de fitoterapicos.
INTRODUÇÃO
clínicos. Enquanto para plantas medicinais, é estabelecido
A grande diversidade de plantas atualmente conhecidas e
que sejam espécies vegetais capazes de aliviar ou curar en-
utilizadas pelo homem é resultante da coevolução ocorrida du-
fermidades, ou seja, tenham fins terapêuticos (NICOLETTI et
rante milênios, entre as populações nativas de todo o mundo e
al, 2007; BRASIL, 2010).
as diferentes formas com que estes se utilizaram, neste largo
Atualmente a Organização Mundial de Saúde - OMS - con-
período, das espécies vegetais, suprindo necessidades alimen-
sidera fundamental que se realizem investigações experimentais
tícias, industriais, medicas ou mesmo ritualísticas. Em meio a
de validação acerca das plantas utilizadas para fins medicinais e
esta inter-relação dinâmica, o homem aprendeu a curar suas en-
de seus princípios ativos, para garantir sua eficácia e segurança
fermidades e a tornar mais rica a sua alimentação (ALBUQUER-
terapêutica.
QUE, 2002; MIGUEL & MIGUEL,1999).
A prática da fitoterapia segura encontra aqui, no entanto,
No Brasil, detentor de uma das maiores biodiversidades
uma série de dificuldades que vão desde a identificação botâ-
do planeta, a medicina popular e o conhecimento específico
nica e fitoquímica, já que as plantas geralmente apresentando
sobre o uso de plantas são os resultados de uma série de
muitos nomes vulgares, correspondendo a espécies totalmente
influências culturais, como a dos colonizadores europeus,
diferentes, causando confusão e dificultando o seu estudo, à
dos indígenas e dos africanos (AQUINO et al, 2007). Esse
inexistência de estudos sobre a necessidade, segurança e efi-
uso tradicional é mostrado em registros históricos, como a
cácia de grande parte das plantas (CALIXTO & YUNES, 2001,
embaiba (Cecropia pachystachya Trecul) e copaíba (Copai-
2001; ROCHA et al, 2006).
fera spp.) que são plantas nativas usadas no passado, mas
Neste contexto, o profissional da área, como o farmacêu-
atualmente raras são as pessoas que realmente conhecem
tico, pode desempenhar papel fundamental, recolhendo da-
e aproveitam seus benefícios medicinais (BRANDAO & AL-
dos junto a população sobre a utilização, forma de uso, dose
MEIDA, 2011).
preconizada e indicação terapêutica. Investigações nessa
O uso de plantas medicinais é equivocadamente en
área têm contribuído, entre outros aspectos, para o manejo e
tendido, pela população de uma maneira geral, como o em
conservação dos recursos naturais e para o conhecimento da
prego de fitoterapia. Segundo conceito da Agência Nacional
diversidade de plantas economicamente importante em seus
de Vigilância Sanitária, o medicamento fitoterápico é obtido,
respectivos ecossistemas (ALBUQUERQUE, 2002; SIMÕES et
através do emprego exclusivo de matérias-primas vegetais,
al, 1998).
sendo caracterizado pelo conhecimento da eficácia e dos
O objetivo deste trabalho foi identificar as plantas medici-
riscos de seu uso. Sua eficácia e segurança são validadas,
nais solicitadas para tratamento de algum problema de saúde e
através de levantamentos etnofarmacológicos de utilização,
avaliar as informações contidas nas embalagens em um comér-
documentações tecnocientíficas em publicações ou ensaios
cio de plantas medicinais de Belo Horizonte – MG.
242 | PÓS EM REVISTA
MATERIAL E MÉTODOS
naturais e, portanto, “inócuas”. Assim, podemos supor que os
Foi desenvolvido um questionário semi-estruturado sobre o
motivos na busca dessa terapia poderia ser o forte interesse e
perfil demográfico (sexo, idade, escolaridade), e o histórico de
tradição de uso pela maior parte da população brasileira.
utilização de plantas medicinais. Esse questionário foi aplicado
Foram feitas trinta e três (33) citações totalizando vinte e sete
para dezoito (18) indivíduos aleatoriamente na loja de ervas me-
(27) plantas medicinais (Tabela 1), distribuídas em vinte (20) fa-
dicinais localizada à Av. Augusto de Lima 744 (Mercado Cen-
mílias, utilizadas para tratar dos problemas de saúde atuais dos
tral) no centro de Belo Horizonte - MG. Utilizou-se como critério
entrevistados. As plantas medicinais citadas pelos entrevistados
de inclusão idade acima de 18 anos, não havendo restrições
e comercializadas na loja de ervas apresentavam-se secas e em
o uso ou não das plantas medicinais para fins terapêuticos, e
embalagens identificadas com o nome popular. De acordo com
relações quanto a sexo, cor ou grupo social. Os sujeitos partici-
a analise das embalagens, apenas 37,03% (10) apresentou na
pantes desta pesquisa assinaram um termo de consentimento
rotulagem a descrição da espécie vegetal, descrita pelo gênero
livre e esclarecido, submetido e aprovado pelo Comitê de Ética
mais epíteto especifico: Bowdichia major, Echinodorus gran-
em Pesquisa (CEP) do Centro Universitário Newton Paiva. Após
diflorus, Maytenus ilicifolia, Cordia verbenacea, Cynara scoly-
a coleta de dados, foi analisado o perfil sócio demográfico e
mus L, Ginkgo biloba L, Rosmarinus officinalis, Salvia officina-
as informações sobre o conhecimento de plantas medicinais.
lis L., Endopleura uchi, Uncaria tomentosa Willd.
As embalagens das plantas citadas foram analisadas sobre os aspectos legais.
Tabela 1 – Plantas medicinais citadas pelos usuários para o tratamento de problemas de saúde, de acordo com as embalagens
RESULTADOS E DISCUSSÃO
adquiridas.
O perfil dos entrevistados foi de 66,66% (12) pertencentes ao sexo feminino. Destes, 11,11% (2) incluem-se na faixa etária de 18-25 anos, 44,44% (8) na faixa de 26-40 anos, 33,33% (6) na idade de 41- 59 anos e 11,11% (2) com idade acima de 60 anos. Em relação á escolaridade 22,22% (4) possuía o ensino fundamental, 38,88% (7) ensino médio, 33,33% (6) ensino superior e 5,55% (1) nunca estudaram. Esses dados aproximam-se da maioria dos estudos de conhecimento e utilização de plantas medicinais que descreve as mulheres como mais cuidadosas com a saúde e conhecedoras das informações culturais (RAMOS, SOLEDADE, BAPTISTA, 2011; LEITE et al, 2008). Segundo a OMS, 80% da população mundial utilizam plantas medicinais ou preparações destas, no que se refere à atenção primária de saúde, pois não possuem acesso á esse atendimento, por encontrar-se longe dos centros de saúde, ou por não possuir poder aquisitivo que permita tal atendimento (NICOLETTI, 2009). Dos entrevistados nessa pesquisa 83,33% (15) responderam que utilizam plantas medicinais para tratar de problemas de saúde, porem os motivos citados pela OMS não poderiam justificar essa procura, visto por exemplo que essas pessoas encontram-se num grande centro, portanto tendo acesso mais fácil a serviços de saúde. NAVARRO (2000) cita que parte da sociedade utiliza de plantas medicinais por dois motivos: as plantas medicinais são contempladas como remédios caseiros, utilizadas sem prescrição ou consentimento de um profissional habilitado; e se encontram isentas de possíveis efeitos secundários e incompatibilidades, posto que se tratam de substâncias PÓS EM REVISTA l 243
Se essas plantas possuem o propósito medicinal, deve-
O uso das plantas e seus derivados levam muitas vezes á
riam ser diferenciadas dos chamados chás, definidos pela RDC
substituição por conta própria, do atendimento médico, e por
n.277/2005 como “produto constituído de uma ou mais parte de
sua vez, da terapêutica adequada, como detectado na pesqui-
espécie (s) vegetal (is) inteira (s), fragmentada (s) ou moída(s),
sa. Os riscos de intoxicação, contaminação microbiológica e
.... pode ser adicionado aroma e ou especiaria para conferir aro-
agravamento dos estados patológicos, se oportunizam quando
ma ou sabor” (BRASIL, 2005), ou seja, não possuem alegação
não ocorrem atendimentos médico e farmacêutico adequado
terapêutica. Sendo assim, o melhor conceito seria dado por ou-
(MIGUEL & MIGUEL,1999). Segundo registro de intoxicações
tra resolução, RDC n.14 de 2010, onde se considera planta me-
humanas apresentadas pelo Sistema Nacional de Informações
dicinal como droga vegetal:
Tóxico-Farmacológicas, as plantas representaram 1, 47% das
Droga vegetal e uma planta medicinal, ou suas partes,
causas mais citadas como agente causador (BRASIL, 2012), o
que contenham as substancias, ou classes de substan-
número de adultos e crianças, vítimas de intoxicações pelo uso
cias, responsáveis pela ação terapêutica, após proces-
indevido de plantas medicinais e medicamentos, tem aumenta-
sos de coleta, estabilização, quando aplicável, seca-
do muito nos últimos anos, mostrando ser risco para a saúde
gem, podendo estar na forma integra, rasurada, triturada
pública. A falsa concepção de que “medicamento natural,
ou pulverizada (BRASIL, 2010).
se não fizer bem, mal não faz” e literaturas promocionais que resultam em informações de baixa qualidade, dentre outros, contribui muito para o aumento das estatísticas de intoxicação (NICOLETTI et al, 2007; RATES, 2001).
Sendo assim, as plantas comercializadas deveriam conter as seguintes informações técnicas nas embalagens: nomenclatura botânica completa, parte da planta utilizada, data e local de coleta, modo de preparo e responsável.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os fatores determinantes para alcançar o efeito terapêutico
Várias plantas medicinais são utilizadas para tratamento
desejado são eficácia, segurança e qualidade, e esses requi-
de inúmeras patologias, e adquiridos em mercados e ervaná-
sitos devem ser aplicados também para o uso de plantas me-
rias. Para que os usuários dessa opção terapêutica tenham o
dicinais (NAVARRO, 2000). Essa falta da descrição correta das
mínimo de qualidade para obterem eficácia e segurança no
espécies pode ter como uma das causas a grande variedade e
tratamento aos agravos a saúde, o primeiro passo deve ser
dificuldade de identificação das espécies nativas, pois aquelas
a identificação correta, no caso o nome botânico, da planta
identificadas tratam-se de espécies exóticas, na sua maioria.
medicinal que na grande maioria e conhecida pelo nome po-
Alem disso, essas plantas adquiridas pelos entrevistados são
pular. Na cadeia produtiva o inicio da melhoria deve acontecer
obtidas a granel e precisam possuir o mínimo de garantia de
através de um correto cultivo, e posteriormente colheita, seca-
autenticidade para evitar uso de espécies que podem possuir
gem, armazenagem e rotulagem. Também deve estar expresso
toxicidade, ou que sejam utilizadas de forma irracional, visto não
a parte a ser utilizada, com as devidas quantidades e forma de
possuir dosagem e forma de preparo recomendadas.
preparo (infusão ou decocção), e dados de local, data e res-
Portanto, a população deveria ter acesso a uma opção tera-
ponsável pelo cultivo e embalagem.
pêutica acessível, como a fitoterapia, mas com o mínimo de qualidade. E para melhorar essa situação a ANVISA tem regulamen-
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
tado varias leis, como o Formulário Nacional de Fitoterápicos,
ALBUQUERQUE, UP. Introdução a Etnobotânica. Recife: Bagaço, 2002. 87 p.
disponível na internet, que orienta o uso de plantas medicinais. Esse instrumento pode ser um primeiro passo para a melhoria da fabricação e comercialização de ervas medicinais. Foi observado que a maioria dos entrevistados (80%), não
AQUINO D et al. Nível de conhecimento sobre riscos e benefícios do uso de plantas medicinais e fitoterápicos de uma comunidade do Recife — PE. Revista de enfermagem UFPE on line. 2007 jul./set.; 1(1):107-110
recebeu orientação medica e utilizam planta medicinal por indicações de vizinhos e/ou familiares. Porem 66,66% destes declarou que utiliza plantas medicinais como terapia auxiliar, sem dispensar o tratamento com outros medicamentos e orientações médicas, e 33,33% já afirmam que conseguem melhora com a utilização de plantas somente. 244 | PÓS EM REVISTA
BRANDAO, MGL; ALMEIDA, JMA. Ensinando sobre plantas medicinais na escola. Belo Horizonte: Museu de Historia Natural e jardim Botânico da UFMG, DATAPLAMT, 2011. BRASIL. Ministério da Saúde. Sistema Nacional de Informações Tóxico Farmacológicas. Registro de intoxicações, dados nacionais. Dis-
ponível em: http://www.fiocruz.br/sinitox_novo/cgi/cgilua.exe/sys/start. htm?sid=379. Acesso em 17 de setembro de 2012.
BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Formulário de Fitoterápicos da Farmacopéia Brasileira / Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Brasília: Anvisa, 2011. 126p.
NOTAS DE RODAPÉ Professora do Curso de Farmácia do Centro Universitário Newton Paiva, Farmacêutica, Especialista em Farmacoquimica.
1
Acadêmica do Curso de Farmácia do Centro Universitário Newton Paiva
2
BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 14 de 31 de marco de 2010. Dispõe sobre o registro de medicamentos fitoterápicos. Brasília: ANVISA, DOU, 2010. BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 277 de 22 de setembro de 2005. Dispõe sobre o regulamento técnico para café, cevada, cha, erva mate e produtos solúveis. Brasília: ANVISA, DOU, 2005. CALIXTO, JB; YUNES, R. Plantas medicinais sob a ótica da moderna química medicinal. Chapecó: Argos, 2001. 523p. LEITE, JPV et al. Plantas medicinais no entorno do Parque estadual da Serra do brigadeiro. MG BIOTA, Belo Horizonte, v.1, n.4, 2008 MIGUEL, MD; MIGUEL, OG. Desenvolvimento de Fitoterápicos. São Paulo: Robe Editorial, p.115, 1999. NAVARRO MOLL, MC. Uso racional de las plantas medicinales. Pharmaceutical Care España, Espanha, n.2, p.9-19, 2000. NICOLETTI, MA et al. Principais interações no uso de medicamentos fitoterápicos. Revista Infarma. São Paulo - v.19, nº 1/2, 2007. NICOLETTI, MA . Administração de medicamentos contendo drogas de origem vegetal e de plantas medicinais . importância da orientação correta para seu uso racional. Rev. Bras. Farm., 90(3), 2009. RAMOS, UF; SOLEDADE, SC; BAPTISTA, ER. Utilização de plantas medicinais pela comunidade atendida no programa saúde da família da Pirajá, Belém, PA. Revista Infarma, v.24 n.5/6, 2011 RATES, SMK. Promoção do uso racional de fitoterápicos: uma abordagem no ensino de Farmacognosia.. Revista Brasileira de Farmacognosia. Universidade Federal do Rio Grande do Sul Vol. 11 no. 2 Maringá, 2001. ROCHA, GM et al. Uso popular de plantas medicinais. Saúde e Ambiente em revista. Duque de Caxias, v.1, n.2, p.76-85, jul-dez 2006 SIMÕES, CMO et al. Plantas da medicina popular no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: UFRGS, 1998. 173 p.
PÓS EM REVISTA l 245
VALIDAÇÃO DE MÉTODO ALTERNATIVO PARA PESQUISA DE COLIFORMES TOTAIS E Escherichia coli NA ÁGUA Karina TEIXEIRA PONTELO Marta M Gontijo de AGUIAR
RESUMO: :A utilização de “kits” no controle microbiológico da água é uma alternativa prática, pois elimina etapas de preparação e esterilização de meios de cultura no laboratório de microbiologia. Entretanto, antes de sua implantação na rotina, deve-se analisar a adequabilidade dos testes presentes no mercado. Assim, o objetivo deste trabalho foi validar o kit COLItest® para detecção de coliformes totais e E.coli na água. Para tanto foram avaliados os parâmetros de validação de métodos qualitativos: repetibilidade, precisão intermediária, robustez, limite de detecção e especificidade. O Kit COLItest® atendeu a todos os requisitos avaliados. Portanto, o método pode ser considerado validado. Palavras-chave: Análise microbiológica da água. Coliformes totais. Escherichia coli. Validação de métodos microbiológicos alternativos.
Introdução
público em condições apropriadas para o consumo humano. No
A água é uma matéria-prima amplamente utilizada na fabri-
Brasil, a qualidade da água potável é regulamentada pela Portaria
cação de produtos farmacêuticos, de biotecnologia, correlatos e
nº 2914 de 2011, que estabelece os procedimentos e responsa-
cosméticos, sendo de grande relevância para indústria farmacêu-
bilidades relativos ao controle e vigilância da qualidade da água
tica. A qualidade da água necessária para as diferentes etapas de
para consumo humano, seu padrão de potabilidade, e dá outras
produção vai depender do uso pretendido, levando-se em consi-
providências (ALVES, 2002; BRASIL, 2011).
deração a natureza, a utilização do produto final e a etapa em que ela será utilizada (PINTO et al., 2010).
As fontes e os reservatórios de água potável estão sujeitos a contaminações físicas, químicas e microbiológicas. Assim,
Assim, a água pode ser classificada em diferentes tipos que
para assegurar a baixa contaminação microbiana, uma das
devem atender a padrões e limites de qualidade. A água potável
medidas tomadas é a adição de um agente antimicrobiano à
é utilizada para o abastecimento dos sistemas de tratamento de
água potável, sendo o mais utilizado o cloro. Entretanto, falhas
água, a partir dela são obtidos os outros diferentes tipos de água
nas tubulações ou falta de limpeza nos reservatórios podem
como: a água purificada e a água para injetáveis (Figura 1). Quadro
fazer com que a concentração do cloro adicionada não seja
1 lista os principais tipos de água utilizados na indústria farmacêuti-
efetiva. Portanto, a indústria farmacêutica deve realizar testes
ca, suas características, parâmetros e exemplos de utilização (PIN-
periódicos para confirmar se a água potável atende aos parâ-
TO et al., 2010; SEBRAI, 2010; FARMACOPEIA BRASILEIRA, 2010).
metros exigidos (BRASIL, 2010; PINTO et al., 2010; THE UNI-
A água potável geralmente é fornecida por abastecimento
246 | PÓS EM REVISTA
TED STATES PHARMACOPEIA, 2011).
Deve-se reconhecer que não há um método único que seja
que indiquem a contaminação da água. Esses indicadores estão
capaz de detectar todos os contaminantes microbianos poten-
presentes em quantidade superior à dos microrganismos pato-
ciais de um sistema de água, sendo praticamente impossível
gênicos e indicam o grau de contaminação da água (AGUIAR,
investigar a presença de cada microrganismo patogênico que
2006; CARMO et al., 2008; THE UNITED STATES PHARMACO-
possa ser transmitido pela água. Adicionalmente, muitos micror-
PEIA, 2011). Neste contexto, a Portaria 2914 de 2011 determina
ganismos estão presentes em pequena quantidade e de forma
a pesquisa dos seguintes microrganismos indicadores: colifor-
descontínua. Desta forma, o usual é escolher microrganismos
mes totais, Escherichia coli (Quadro 2).
Os coliformes totais englobam um grupo de microrganismos
sais biliares ou tensoativos, além de fermentarem a lactose, com
bacilos Gram-negativos, aeróbios ou anaeróbios facultativos,
produção de ácido. Esse grupo é constituído, principalmente,
oxidase negativos, capazes de desenvolverem em presença de
pelos gêneros Escherichia, Citrobacter, Klebsiella e EnterobacPÓS EM REVISTA l 247
ter. A presença destes microrganismos é utilizada para avaliar a
partir dos tubos positivos de EC. A Escherichia coli produz a
eficiência do tratamento e a integridade do sistema de distribui-
enzima β-glucoronidase, capaz de hidrolisar o substrato MUG
ção de água (BRASIL, 2004; WORLD HEALTH ORGANIZATION,
(4-methylumbelipheril-b-D-glucuronide) presente no EC-MUG,
2005; PINTO et al., 2010).
liberando 4-metilubeliferona. Esta substância, quando exposta
Os coliformes termotolerantes são um subgrupo das bacté-
a radiação ultravioleta (365 nm), exibe fluorescência azulada
rias do grupo coliforme totais que fermentam a lactose também
(BACTERIOLOGICAL ANALYTICAL MANUAL, 2002; STANDARD
a 44,5 ± 0,2 C em 24 horas. A principal representante desse
METHODS FOR THE EXAMINATION OF WATER AND WAS-
subgrupo é a Escherichia coli, uma bactéria de origem exclu-
TEWATER, 2005).
○
sivamente fecal. Também pertencem a esta classe de bactérias
A maior desvantagem das técnicas convencionais é o tem-
algumas espécies de Klebsiella, Enterobacter, e Citrobacter
po exigido, sendo desejável reduzir o tempo da análise da água
(BRASIL, 2004; WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2005).
potável. Portanto, durante os últimos anos diferentes técnicas
A pesquisa de coliformes pode ser realizada por diferen-
têm sido desenvolvidas (PINTO et al.; 2010).
tes técnicas convencionais, sendo o Standard Methods for the
Dentre os métodos alternativos desenvolvidos para pesqui-
Examination of Water and Wasterwater a literatura oficial para
sa de coliformes na água tem-se o COLItest®, que é composto
análise microbiológica da água potável no Brasil (PINTO et al.,
por um substrato cromogênico e fluorogênico para detecção
2010; BRASIL, 2011). Dentre as técnicas convencionais pode-se
simultânea de coliformes totais e Escherichia coli, possuindo
citar: filtração por membrana e fermentação em tubos múltiplos,
em sua formulação substâncias, nutrientes e MUG que, devida-
sendo esta última a mais utilizada. A técnica de tubos múltiplos,
mente balanceados, inibem o crescimento de bactérias Gram-
para esta análise, é realizada em três fases: fase presuntiva, fase
-positivas, favorecendo o crescimento de bactérias do grupo co-
de confirmação e fase completa (STANDARD METHODS FOR
liforme e facilitando a identificação de Escherichia coli através
THE EXAMINATION OF WATER AND WASTEWATER, 2005).
da fluorescência e do teste de indol após incubação a 37ºC por
A primeira fase (presuntiva) utiliza como meio de cultura o
18-48 horas (, 2011).
caldo lauriltriptose e, baseia-se nas características deste grupo
A utilização de métodos alternativos pela indústria farmacêu-
de bactérias em produzir ácido e gás a partir da fermentação da
tica é permitida, desde que, estes tenham sua eficiência com-
lactose. Nesta fase, presumi-se que os micro-organismos que
provada. Adicionalmente, vários critérios devem ser avaliados na
cresceram em presença do tensoativo e que produzem gás a
escolha de um método, para monitoramento de microrganismos
partir da lactose sejam coliformes. Entretanto, como não há ou-
em um sistema de água farmacêutica, incluindo a sensibilidade
tras informações, é necessária a fase de confirmação termotole-
do método, período de incubação, custo e complexidade meto-
rantes (KONEMAN et al. 2001; STANDARD METHODS FOR THE
dológica. Após ter sido adequadamente selecionado, deve-se
EXAMINATION OF WATER AND WASTEWATER, 2005).
validar o novo método alternativo de modo a garantir que tenha
A fase de confirmação, para coliformes totais, é realizada inoculando uma alíquota de cada tubo positivo da fase presuntiva
sensibilidade e correlação com o teste oficial (BRASIL, 2003; THE UNITED STATES PHARMACOPEIA, 2011).
em caldo bile verde brilhante. Neste meio, os sais biliares têm a
Para a validação de um método é inicialmente necessária a
função de inibir o crescimento de bactérias não entéricas e o ver-
identificação do tipo de análise a ser realizada: quantitativa ou
de brilhante de inibir o crescimento de bactérias Gram-positivas,
qualitativa. No caso da análise de pesquisa de coliformes totais
sendo novamente observada a fermentação da lactose com pro-
e termotolerantes na água, esta é classificada como uma aná-
dução de gás (KONEMAN et al. 2001; STANDARD METHODS
lise qualitativa, visto que o resultado deverá ser expresso como
FOR THE EXAMINATION OF WATER AND WASTEWATER, 2005).
presença ou ausência.
Para confirmação da presença de coliformes termotoleran-
Para que um método analítico qualitativo, não descrito em
tes é utilizado o caldo EC, que também contém como agente
farmacopéias ou formulários oficiais, seja considerado validado
restritivo os sais biliares, sendo esta fase realizada pela inocu-
é necessário que sejam avaliados os parâmetros relacionados
lação de cada tubo positivo da fase presuntiva, os tubos são
no Quadro 3. Em caso de grande mudança, como variação
incubados a 44,5º C por 24 h (KONEMAN et al. 2001; STAN-
de fornecedores e alterações na composição das amostras ou
DARD METHODS FOR THE EXAMINATION OF WATER AND
meios de cultura, a revalidação pode ser necessária para ade-
WASTEWATER, 2005).
quação do método (BRASIL, 2010).
Na fase completa, a presença de Escherichia coli na água pode ser investigada utilizando o meio de cultura EC-MUG, a 248 | PÓS EM REVISTA
QUADRO 3: Parâmetros para validação de métodos microbiológicos a serem avaliados em ensaios qualitativos.
A especificidade de um ensaio microbiológico avalia a sua
sença de coliformes totais e E. coli na água.
capacidade em detectar a espécie microbiana de referência. Esse estudo se baseia na promoção de crescimento, para de-
Materiais e métodos
monstrar a presença ou ausência de microrganismos e deve assegurar que a presença de corpos estranhos no sistema de ensaio, não interfira no resultado final do teste (THE UNITED STATES PHARMACOPEIA, 2011).
2.1 Materiais Microrganismos: Escherichia coli (ATCC 8739), Pseudomonas aeruginosa (ATCC 9027).
A precisão representa o grau de repetibilidade entre os resultados de análises individuais, quando o procedimento é aplicado múltiplas vezes numa mesma amostra homogênea, em condições idênticas de ensaio. Engloba também a precisão intermediá-
Meios de cultura: Caldo EC (Difco); Caldo Lauril Sulfato de Sódio (Oxoid) Reagentes: COLItest® (LKP diagnósticos); reagente de kovac (Merck); água purificada estéril; solução salina pura estéril.
ria, definida como a resistência intrínseca às influências exercidas
Equipamentos: Espectrofotômetro UV-visível (Shimadzu),
pelas variáveis operacionais e ambientais sobre os resultados do
estufa de cultura (Jouan), agitador de tubos (Fanem), autoclave
ensaio (THE UNITED STATES PHARMACOPEIA, 2011).
(Phonix), lâmpada ultra-violeta 365 nm (Handheld Blacklight Re-
O limite de detecção é o menor número de micro-organis-
quires 4X AA Batteries).
mos que se pode detectar a partir do método, dentro de uma determinada condição experimental, mas não necessariamente
2.2Métodos:
quantificado (THE UNITED STATES PHARMACOPEIA, 2011). Já a robustez de um método analítico é a medida de sua capacidade em resistir a pequenas e deliberadas variações dos parâmetros analíticos. Os critérios de aceitação devem ser adaptados
2.2.1 Amostra utilizada para validação do método: Para validação do método foram utilizadas amostras de água purificada estéril.
ao tipo de técnica (THE UNITED STATES PHARMACOPEIA, 2011). Assim, este trabalho teve como objetivo a validação do método analítico alternativo COLItest para determinação da pre®
2.2.2 Preparação dos inóculos A preparação do inóculo foi realizada partir da cultura de PÓS EM REVISTA l 249
trabalho, recém-preparada de cada micro-organismo a ser ava-
tecção e especificidade, conforme diretrizes da The United Sta-
liado. Através de uma alça de repique os micro-organimos foram
tes Pharmacopeia (2011).
transferidos para solução salina estéril para obtenção de uma
A repetibilidade do teste foi avaliada através da análise de
suspensão de micro-organismos na concentração de 1 x 108
três amostras de água purificada estéril, contaminadas com E.
UFC/mL. Após a padronização do inóculo foram realizadas dilui-
coli, em concentrações baixa, média e alta (5, 50 e 500) UFC
ções seriadas, cujo fator de diluição foi 10 e realizada a conta-
por 100mL de amostra. O teste foi realizado em triplicata. A pre-
gem em placas, para determinar a densidade microbiana obtida
cisão intermediária foi analisada através da repetição dos proce-
em cada diluição. Obteve-se um padrão da concentração utili-
dimentos descritos para repetibilidade em dias diferentes com
zada para contaminar as amostras de água a serem analisadas.
analistas diferentes. A robustez do método foi avaliada através da variação de
2.2.3 Análise de presença de coliformes totais e
três parâmetros, para isso foram realizados três ensaios: no pri-
termotolerantes de acordo com o método oficial
meiro houve a variação do volume da amostra (± 5 mL), no se-
Foram transferidos 10 mL de água para 10 tubos contendo
gundo houve a variação da temperatura de incubação (± 2 ○C)
10 mL de caldo lauril sulfato de sódio. Bactérias do grupo dos
e no terceiro houve a variação do tempo de incubação (± 2 h).
coliformes causam turvação no meio e ou formação de gás,
Estes ensaios foram utilizados para avaliar a resistência do teste
detectado em tubos de Duhran, após 24-48 horas de incubação
as pequenas e deliberadas variações na rotina laboratorial.
a 35º C. Após o período de incubação foram transferidos dos
O limite de detecção do método foi avaliado através da con-
tubos positivos amostras, através da alça de repique, para tubos
taminação de amostras de água purificada estéril com concen-
contendo 10 mL de caldo EC. Estes foram incubados a 44,5ºC,
trações baixas de E. coli (0,05; 0,5 e 5 UFC/100 mL), em triplica-
durante 24 horas, a presença de coliformes termotolerantes leva
ta. Para avaliação do limite de detecção do método alternativo
a turvação do caldo EC com formação de gás, detectado em
foi realizado em paralelo o mesmo ensaio com o método oficial,
tubos de Duhran (STANDARD METHODS FOR THE EXAMINA-
afim de comparar os resultados obtidos. Para que o método al-
TION OF WATER AND WASTEWATER, 2005).
ternativo seja considerado adequado este deve ser equivalente ao oficial, dentro do limite de confiança de 95%, utilizando para
2.2.4 Presença de coliformes totais e E. coli de acordo
esta análise a Tabela de Número mais Provável (NMP). A especificidade do método alternativo foi avaliada através
com o método alternativo Transferir para o frasco do COLItest 100 mL da amostra de
da capacidade do mesmo para diferenciar um micro-organismo
água. Adicionar o meio de cultura COLItest e homogeneizar até
que pertence ao grupo dos coliformes e um que não pertence
sua dissolução completa. Incubar o frasco em estufa bacterioló-
a este grupo. Duas amostras de água purificada estéril foram
gica por 18-48 horas a 37 C. A partir de 18 horas pode-se inter-
contaminadas uma com E. coli e a outra com P.aeruginosa, res-
pretar os resultados dos frascos positivos, devendo-se aguardar
pectivamente, na concentração de 100UFC/100mL. Como con-
até 48h de incubação para os frascos negativos. O teste será ne-
trole negativo para este teste foi utilizada uma amostra de água
gativo (ausência de coliformes) quando não houver alteração na
purificada estéril, sem contaminação.
®
®
○
coloração (mantêm-se púrpura) após o período de incubação e positivo se houver a mudança da coloração púrpura para a ama-
3 Resultados e Discussão
rela. No caso de resultado positivo deve-se verificar a presença
Os métodos alternativos qualitativos são uma importante
de E. coli através da transferência de 5 mL, do frasco positivo,
ferramenta para detecção de microrganismos patogênicos e po-
para um tubo de ensaio. O tubo de ensaio deve ser exposto a luz
dem facilitar a prática na rotina laboratorial, entretanto os mes-
ultra-violeta (365 nm), o ensaio será considerado positivo para E.
mos devem ser validados. Para validação do método alternativo
coli se houver formação de fluorescência azul. Após a leitura da
COLItest® para análise de coliformes totais e termotolerantes na
fluorescência, adicionar no mesmo tubo 0,2 mL do revelador de
água foi utilizado como referência os parâmetros estabelecidos
Indol. O teste será considerado positivo (presença de E.coli) se
pela Farmacopéia Americana em seu método geral <1223>
houver formação de anel vermelho.
(THE UNITED SATATES PHARMACOPEIA, 2011), já que a Brasil (2003) e a Farmacopéia Brasileira (2010) não contemplam a va-
2.2.5 Validação do método alternativo
lidação de métodos alternativos microbiológicos.
Para validação do método foram avaliados os parâmetros
Para avaliação da precisão do método foram avaliados os
de repetibilidade, precisão intermediária, robustez, limite de de-
parâmetros de repetibilidade e precisão intermediária, o método
250 | PÓS EM REVISTA
alternativo mostrou-se capaz de detectar tanto a presença de
ções de E coli (0,05; 0,5 e 5 UFC/100 mL). Os resultados mos-
coliformes totais quanto E. coli nas três concentrações avaliadas
traram que o COLItest® apresentou alteração da cor púrpura
(baixa, média e alta). Nos dois dias diferentes nos quais o ensaio
para amarelo, em três tubos na concentração de 5UFC/100mL,
foi realizado, todos os tubos avaliados apresentaram mudança
dois tubos da concentração 0,5UFC/100mL e não apresentou
de coloração (lilás para o amarelo), confirmando a presença de
alteração na concentração de 0,05UFC/100mL. Este ensaio foi
coliformes totais. Os tubos apresentaram também a presença de
realizado em paralelo com o método oficial, para comparação
fluorescência, quando expostos à luz ultravioleta, assim como a
dos resultados. Para o método oficial, obteve-se turvação com
formação de anel vermelho para o teste de indol, confirmando a
formação de gás em apenas dois tubos da concentração de
presença de E. coli. Assim, o método apresentou repetibilidade
5UFC/100mL. Embora os número de tubos positivos sejam
e precisão intermediária nestas condições, indicando a precisão
diferentes nos os dois métodos, os resultados encontram-se
dos resultados em todo intervalo do ensaio avaliado.
dentro do limite máximo e mínino do número mais provável
Quando avaliada a robustez do método os resultados de-
(NMP) (Tabela 1 e Tabela 2), representando a equivalência do
monstram a resistência do teste em todas as variações testadas,
método oficial e do COLItest® para detecção de coliformes to-
assim o método mostrou-se capaz de detectar a presença de
tais e E. coli na água.
coliformes totais e E. coli, mesmo quando o volume ou a temperatura ou o tempo de incubação sofreram pequenas variações. Para avaliação do limite de detecção as amostras de água purificada estéril foram contaminadas com baixas concentra-
Tabela 1: Resultados das análises do limite de detecção do método alternativo (COLItest®) Tabela 2: Resultados das análises do limite de detecção do método oficial
A especificidade do teste foi demonstrada através da ca-
purificada estéril sem contaminação). O grupo contaminado
pacidade do mesmo em diferenciar um microrganismo perten-
com E. coli apresentou coloração amarela e fluorescência, vis-
cente à classe dos coliformes (E. coli) na água de outro micro-
to que este microrganismo pertence ao grupo dos coliformes to-
-organismo, que possa estar presente e que não pertença a este
tais e é capaz de produzir β-glucoronidase, enzima que hidrolisa
grupo (P. aeruginosa). Os tubos contaminados com P. aerugi-
o MUG presente no COLItest®, resultando em 4-metilubeliferona,
nosa, permaneceram com a cor púrpura e não apresentaram
substância que, quando em exposta à luz ultravioleta, produz flu-
fluorescência, o que era desejado já que este microrganismo
orescência (BACTERIOLOGICAL ANALYTICAL MANUAL, 2002;
não pertence ao grupo dos coliformes totais. Este mesmo com-
STANDARD METHODS FOR THE EXAMINATION OF WATER
portamento foi observado também para o grupo controle (água
AND WASTEWATER, 2005). PÓS EM REVISTA l 251
4 Conclusão Os resultados do presente trabalho demonstraram que o método alternativo COLItest® atende aos parâmetros de validação para análises microbiológicas qualitativas especificados pela Farmacopéia Americana (THE UNITED STATES
Association (A.W.W.A.), Water Environment Federation (W.E.F.), 2005. DOMINGUES, V.; TAVARES, G.; STÜKER, F.; MICHELOT, T.; REETZ, L.; BERTONCHELI, C. Contagem de bactérias heterotróficas na água para consumo humano:comparação entre duas metodologias.Saúde-Revista da Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria,RS. vol 33, n 1: p 15-19, 2007.
PHARMACOPEIA, 2011): repetibilidade, precisão intermediária, robustez, limite de detecção e especificidade para detecção de coliformes totais e E. coli na água, podendo, portanto, ser utilizado em substituição ao método oficial para rotina de análise no laboratório.
EPA (THE FEM MICROBIOLOGY ACTION TEAM). Method Validation of U.S. Environmental Protection Agency Microbiological Methods of Analysis. Document Number 2009-01 October 7, 2009. FARMACOPEIA. Farmacopeia Brasileira. 5 ed. Brasília: Anvisa, v.1, 2010.
AGUIAR, Z.N.; RIBEIRO, M.C.S. Vigilância e Controle das Doenças Transmissíveis. 2. Ed., São Paulo: Martinari, 276p., 2006.
FENG, P.; WEAGANT, S.D.; GRANT, M.A. Enumeration of Escherichia coli and the Coliform Bacteria. In: NEW HAMPSHIRE: FOOD AND DRUGS ADMINISTRATION, CENTER FOR FOOD SAFETY & APPLIED NUTRITION. Bacteriological Analytical Manual. FDA/CFSAN, 2002.
ALVES, N.C.; ODORIZZI, A.C.; GOULART, F.C. Análise microbiológica de águas minerais e de água potável de abastecimento, Marília, SP. Rev. Saúde Pública, São Paulo, v. 36, n. 6, Dec. 2002 .
KONEMAN, E. W.; ALLEN, S .D.; JANDA, W. D.; SCHRECKENBERGER, P. C.; WINN, W. C., Jr. Diagnóstico Microbiológico. 5. Ed. Rio de Janeiro: Medsi, 2001.
BACTERIOLOGICAL ANALYTICAL MANUAL,. Disponível: http://www.fda. gov/food/scienceresearch/laboratorymethods/bacteriologicalanalyticalmanualbam/ucm064948.htm#lst-mug. 2002.
KUBICA, R.; IVO, D.A Instrumentação Analítica utilizada na obtenção de Água Purificada para produção de fármacos: Foco na importância da calibração. Labsoft, São Paulo. Vol38. 2009.
BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução-RE nº899, Guia para Validação de Métodos Analíticos e Bioanalíticos. 29 de maio de 2003.
PELCZAR, M. J. Jr.; CHAN, E. C. S., and KRIEG, N. R. Microbiologia: conceitos e aplicações. 2.Ed. v. 1 e 2. São Paulo: Makron Books, 1997. PINTO, T.; KANEKO, T.; OHARA, M. Controle Biológico de Qualidade de Produtos Farmacêuticos, Correlatos e Cosméticos. São Paulo. Atheneu Editora, 3.Ed. 2010.
5 Referências Bibliográficas
BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Portaria nº 518, de 25 de março de 2004. Dispõe sobre os procedimentos e responsabilidades relativos ao controle e vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 26 de março de 2004.
SBARAI, C.. Águas Farmacêuticas. Revista Brasileira de Controle de Contaminação. Maio. 46Ed. 2010.
BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução - RDC Nº 17. Dispõe sobre as Boas Práticas de Fabricação de Medicamentos. Brasília, DF, 2010.
SILVA, A.S.; SEVERO, A.A.L.; DUTRA, R.C.C.; LIRA, R.G.P.; CLEMENTINO, Maria Roseane dos Anjos. Revalidação de um sistema de tratamento de água: ações estratégicas da garantia da qualidade em uma indústria farmacêutica. Revista Brasileirado Farmacêutico. 2008.
BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Portaria nº 2914, de 14 de dezembro de 2011. Dispõe sobre os procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade. Diário Oficial da União, Brasília, DF. 14 dez. 2011.
STANDARD METHODS FOR THE EXAMINATION OF WATER AND WASTEWATER. American Public Health Association (Alpha); American Water Works Association (Awwa); Water Environment Federation (Wef). 21st edition. 2005
CARMO, R.F.; BEVILACQUA, P.D; BASTOS, R.K.X. Vigilância da qualidade da água para consumo humano: abordagem qualitativa da identificação de perigos. Eng. Sanit. Ambient., Rio de Janeiro, v. 13, n. 4, Dec. 2008 . Available from <http://www.scielo.br>. accesso em 15 Mar. 2011.
THE UNITED STATES PHARMACOPOEIA-USP 34 and The National Formulary-NF28.Rockville:The United States Phamacopeial Convention. 2011.
CLESCERI, L. S., GREENBERG, A. E., EATON, A. D., (Eds.). Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater, 21th ed. Washington: American Public Health Association (A.P.H.A.),American Water Works
252 | PÓS EM REVISTA
WHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION; UNICEF. For water life: making it happen. Geneva. 2005.
As Novas Tecnologias da Educação e o Ensino de Filosofia: Possibilidades, Problemas e Desafios Bruno Luciano de Paiva Silva*
Resumo: O objetivo do presente artigo é de refletir sobre a relação entre as Novas Tecnologias da Educação (e, em particular, a internet) e o Ensino de Filosofia. Ora, refletir sobre esta questão significa retornar ao problema da Filosofia Contemporânea: a questão da Razão. Assim, o artigo visa refletir sobre os problemas, possibilidades e desafios que as Novas Tecnologias da Educação impõem ao Ensino de Filosofia. Palavras-chave: Novas Tecnologias da Educação; Ensino de Filosofia; Razão; Theodor Adorno; Jürgen Habermas.
1 - Introdução
e capital para o homem é o pensamento perder o seu poder de
A relação entre Tecnologia e Filosofia foi e continua sendo
pensar a si mesmo, pois ele reifica-se, em instrumento, a seme-
amplamente discutida na Teoria Crítica. Pensadores como M.
lhança das máquinas que ele mesmo construiu.
Horkheimer, T. Adorno, W. Benjamim, M. Marcuse e J. Haber-
Diante deste diagnóstico do novo tempo, elaborado pelos
mas analisam, em diversos âmbitos, o impacto da tecnologia na
filósofos frankfurtianos, se faz necessário refletir, hoje, sobre a re-
vida dos seres humanos. Horkheimer, por exemplo, em seu livro
lação das Novas Tecnologias da Educação (e, em particular, a in-
“Eclipse da Razão”, questiona a ideia de progresso gerado pela
ternet) com o Ensino de Filosofia. Desse modo, o presente artigo
aplicação das tecnologias em seu tempo.
se divide em dois momentos: (a) no primeiro apresentaremos o
“Parece que enquanto o conhecimento técnico expande
Ensino de Filosofia mediante as Novas Tecnologias da Educação
o horizonte de atividade e do pensamento humano, a
(Internet). Exemplificaremos este primeiro momento com a nossa
autonomia do homem enquanto indivíduo, a sua capaci-
experiência no ensino de filosofia na Educação à Distância (Ead)
dade de opor resistência ao crescente mecanismo
no Centro Universitário Newton Paiva. Veremos, com isso, que
de manipulação de massas o seu poder de imaginação
dessas relações surgirá um problema: até que ponto é possível
e o seu juízo independente sofreram aparentemente
proporcionar, ao educando, uma experiência formativa emanci-
uma redução. O avanço de recursos técnicos de infor-
pada utilizando instrumentos elaborados pela racionalidade ins-
mação se acompanha de um processo de desumaniza-
trumental? (b) já no segundo momento, apresentaremos uma
ção. Assim, o progresso ameaça anular o que se supõe
alternativa teórica para este problema que as Novas Tecnologias
ser o seu próprio objetivo: a ideia de homem.” ( Horkhei-
da Educação trazem para o Ensino de Filosofia.
mer, 1976, p. 74) Na “Dialética do Esclarecimento”, Horkheimer e Adorno já questionavam a articulação entre ciência, técnica e capital. Para eles, a técnica foi desenvolvida, desde as origens da ciência moderna, como resultado de um saber prático, vinculado ao poder político do capital e a dominação: “O saber que é poder não conhece nenhuma barreira [...] está a serviço de todos os fins da economia burguesa na fábrica e no campo de batalha [...]. A técnica é a essência desse saber [...] o que os homens querem aprender com a natureza é como empregá-la para dominar completamente a ela e aos homens.” (Horkheimer; Adorno; 1985, p. 20) Uma das consequências da articulação entre saber, técnica
2 - Possibilidades, Problemas e Desafios do Ensino (Virtual) de Filosofia 2.1 O Ensino (Virtual) de Filosofia no Centro Universitário Newton Paiva (CUNP) O Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) utilizado no Centro Universitário Newton Paiva (CUNP) é o Portal Universitário. O Portal dispõe de ferramentas que permitem a interação dos envolvidos, organização e apresentação do material didático. Podemos destacar, no Portal Universitário (que tem a internet como suporte tecnológico), duas importantes ferramentas: (A) o Fórum que permite ao professor, acompanhar as interações PÓS EM REVISTA l 253
entre os alunos e as reflexões sobre o tema discutido; (B) e a
uma análise das expressões linguísticas para reconstruir racional-
Sala Virtual (Chat; bate papo) que é um espaço virtual onde o
mente o conhecimento das regras gramaticais. Desse modo,
professor e o aluno estarão em tempo real para discutir em de-
os sinais lingüísticos, que serviram apenas como instru-
terminado tema.
mento e equipamento das representações, adquirem,
A questão que surge neste contexto é de saber se o alu-
como reino intermediário dos significados lingüísticos,
no que utiliza o Portal Universitário, ou qualquer outro suporte
uma dignidade própria. As relações entre linguagem e
tecnológico, para participar de debates que reflitam sobre um
mundo, entre proposição e estados de coisas, substi-
determinado tema filosófico, consegue construir um saber filo-
tuem as relações sujeito-objeto. O trabalho de constitui-
sófico. Este aluno, afinal, consegue filosofar? Ao utilizar as fer-
ção do mundo deixa de ser uma tarefa da subjetividade
ramentas criadas pela razão instrumental, o educado consegue
transcendental para se transformar em estruturas grama-
uma experiência formativa emancipada na educação virtual?
ticais. (HABERMAS, 1990b, p.15).
Estes problemas que as Novas Tecnologias da Educação provocam no Ensino de Filosofia remetem a um problema da filosofia contemporânea: a questão da Razão. Por isso, no segundo momento do artigo, recorremos ao conceito de Razão Comunicativa de Jürgen Habermas.
Sendo assim, o paradigma da filosofia da linguagem, mostra que a linguagem é um elemento fundamental na constituição de nosso conhecimento. Todo esse conhecimento do mundo, por exemplo, é linguisticamente mediado, ou seja, desaparece a ideia de sujeito solitário que se volta para os objetos manipu-
2.2 O conceito habermasiano de Razão Comunicativa e a possibilidade de construção do saber filosófico no espaço virtual.
láveis do mundo. Nesse sentido, a mediação linguística ocorre até na relação do sujeito consigo mesmo. O próprio ato de pensar já pressupõe linguagem e, efetivamente, a comunidade ilimitada de co-
2.2.1- A guinada linguística
municação. O próprio ato de pensar, para ter sentido e validade,
O ponto de partida da filosofia da consciência está na “au-
deve estar em condições de justificar-se. Assim, a filosofia da
to-referência de um sujeito que representa e manipula objetos”
linguagem mostra que a linguagem não é apenas um instrumen-
(HABERMAS, 1990b, p. 32), ou seja, os entes do mundo se con-
to de comunicação, mas um elemento constitutivo de nosso co-
vertem, por meio da razão moderna, em objetos manipuláveis. É
nhecimento.
por isso que o paradigma da filosofia da consciência caracteriza-
A partir dessa afirmação, constatamos que o mundo da vida
-se por uma racionalidade que transforma os objetos do mundo
já está sempre interpretado pela linguagem. Os indivíduos, por
em objetos de conhecimento (HABERMAS, 1990b). Com efeito,
um lado, “encontram-se num mundo aberto e estruturado lin-
a validade das normas morais depende, dentro do paradigma
guisticamente e se nutrem de contexto de sentido gramatical-
da filosofia da consciência, não do consenso dos participantes
mente pré-moldados” (HABERMAS, 1990b, p. 52) e, por outro
de um discurso prático, mas da própria razão que é capaz de
lado “o mundo da vida, aberto e estruturado linguisticamente,
dar imperativos morais a si própria.
encontra o seu ponto de apoio somente na prática de enten-
A filosofia da consciência passou a ser questionada por meio de desenvolvimentos históricos como, por exemplo, o ad-
dimento de uma comunidade de linguagem.” (HABERMAS, 1990b, p. 32)
vento de um novo tipo de racionalidade metódica que questiona
A guinada linguística apresentou a linguagem como médium
o privilégio atribuído ao conhecimento filosófico; e ao surgimen-
constitutivo e intransponível de todo sentido e validade e, por isso,
to da crítica contra a reificação e a funcionalização de formas de
não é possível dissociar plenamente questões de signi-
vida e de relacionamento que se assentam nas relações sujeito-
ficado de questões de validez. Não é possível isolar, de
-objeto. Esses acontecimentos foram aos poucos, segundo o
um lado, a questão fundamental da teoria do significado,
teórico, preparando para uma importante transformação no inte-
isto é, o que significa compreender o significado de uma
rior da filosofia, a guinada linguística. .
expressão lingüística, e, de outro lado, a questão referente
Além disso, a possibilidade de evidência pré-linguística, ou
ao contexto em que essa expressão pode ser aceita como
seja, de um acesso direto aos fenômenos da consciência, afir-
válida. Pois não saberíamos o que significa compreender
mada pela filosofia da consciência, é questionada pela guinada
o significado de uma expressão lingüística, caso não sou-
linguística. A filosofia da linguagem parte, segundo Habermas, de
béssemos como utilizá-la para nos entendermos com al-
254 | PÓS EM REVISTA
guém sobre algo. (HABERMAS, 1990b, p. 77)
de coisas; e 3) a função interpelativa, que estabelece relações intersubjetivas. (HABERMAS, 1989a). Assim, a linguagem sem-
É assim que Habermas mostrou a necessidade da passa-
pre mediatiza a relação significante entre sujeito-objeto e, conse-
gem da filosofia da consciência para a filosofia da linguagem. No
quentemente, toda relação sujeito-sujeito. A linguagem entendi-
entanto, a guinada linguistica num primeiro momento, estaria li-
da nesta dimensão pragmática implica um entendimento sobre
mitada ao estudo da dimensão semântica da linguagem, e, com
algo, isto é, implica um entendimento sobre os sentidos das
isso, sem levar em conta as relações que se estabelecem entre
palavras usadas e sobre o sentido do ser das coisas medidas
os sujeitos. Por isso, Habermas propõe, como complemento à
pelos significados das palavras.
primeira guinada, a guinada pragmática, como já destacamos no início desta seção.
Com isso, a dimensão pragmática da linguagem já está presente no uso dos sinais de uma língua, em outras palavras, na relação dos sinais com o sujeito e com o uso que eles fazem dos
2.2.2 A guinada pragmática A guinada linguística priorizou, fundamentalmente, a dimensão semântica da linguagem, ou seja, as relações dos sinais com o significado. E nesse sentido, a análise semântica reproduziu o esquema da relação sujeito-objeto, da filosofia da consciência, na medida em que limitavam-se à análise da relação entre sentenças (linguagem) e estado-de-coisas (mundo). Desse modo, o estudo da dimensão semântica da linguagem negligenciou, segundo Habermas, o conjunto da comunicação. Nesse sentido, o estudo da dimensão pragmática da linguagem amplia a solução do paradigma (linguagem) a partir do momento em que se apoia numa relação de três termos – linguagem, mundo e participantes de uma comunidade linguística –, portanto, a relação sujeito-objeto, que era uma relação monológica, passa a ser uma relação dialógica. A partir da análise da dimensão pragmática da linguagem, isto é, a linguagem enquanto forma de comunicação, constatou que o uso de sentenças com uma intenção comunicativa buscava alcançar um entendimento sobre algo. Assim, segundo Habermas, alcançar entendimento sobre algo é o objetivo fundamental da fala humana. Com isso, o entendimento visa a produção de um acordo, que termina na comunidade intersubjetiva da compreensão mútua, do saber compartilhado, da confiança recíproca e da concordância de uns com os outros. O acordo descansa sobre a base do reconhecimento de quatro correspondentes pretensões de validades: inteligibilidade, verdade, correção e sinceridade. (HABERMAS, 1989a, p. 301) Desse modo, a guinada pragmática mostrou que a linguagem é o médium intransponível de todo sentido e validade e que a linguagem enquanto médium, realiza três funções: 1) a função expressiva, que serve para expressar as intenções de um falante; 2) a função representativa, que apresenta estados
sinais. Assim, constatamos que todo ato de fala tem uma dupla estrutura performativo-proposicional: 1) um elemento performativo que estabelece uma forma determinada de comunicação e nesse plano intersubjetivo, falante e ouvinte estabelecem mediante atos ilocucionários, relações que permitem entender-se entre si (HABERMAS, 1989a); 2) e um elemento proporcional que constitui o conteúdo da comunicação em que, nesse plano de experiência e estados de coisas, falante e ouvinte buscam entender-se sobre algo mediante a função fixada por (1) (HABERMAS, 1989a). Sob essa perspectiva, toda proposição envolve uma atitude comunicativa, que nos relaciona com os outros indivíduos, e uma atitude semântica - referencial, que nos relaciona com algo do mundo. Sendo assim, “os participantes de um diálogo, ao satisfazer a dupla estrutura de fala, tem que comunicar simultaneamente em ambos os níveis, tem que unir a comunicação de um conteúdo com a comunicação a cerca do sentido em que se emprega o conteúdo comunicado”. (HABERMAS, 1989a, p. 342) A dupla estrutura de todo ato de fala revela um elemento fundamental da linguagem: “a reflexividade que é inerente à linguagem” (HABERMAS, 1989a, p. 342), isto é, as linguagens naturais possuem uma auto-reflexividade própria. Elas possuem uma capacidade de se auto-explicar e de se auto-interpretar. Assim, em todo ato de fala, os participantes precisam, ao comunicarem-se nos dois planos, no ilocucionário e no proporcional, buscar a manutenção contínua de uma coerência entre eles. Portanto, toda proposição envolve uma atitude comunicativa, que nos relaciona com os outros indivíduos, e uma atitude semântica – referencial, que nos relaciona com algo do mundo. Para Habermas, a virada linguística pragmática da filosofia mostrou, que na estrutura da linguagem está presente uma exigência de racionalidade, a partir do momento em que o falante, ao se comunicar com o ouvinte dentro da comunidade linguística , buscar o entendimento sobre algo. Assim, é preciso uma nova racionalidade que permita o acordo racional e dialógico entre os sujeitos: a razão comunicativa. PÓS EM REVISTA l 255
2.2.3 Racionalidade Comunicativa
à sinceridade, o falante tem de querer expressar suas intenções
O resultado da virada linguística pragmática foi, segundo
de formar veraz, para que o ouvinte possa crer em sua manifes-
Habermas, o aparecimento de uma nova racionalidade: a razão
tação; e por último, os mandamentos, os processos, os conse-
comunicativa. Ela supera a racionalidade instrumental da filoso-
lhos, isto é, as manifestações normativas orientadas, implicam
fia da consciência, que centrada no sujeito, proporcionava um
pretensão à correção. (HABERMAS, 1989a)
controle instrumental sobre a natureza, a partir do momento que
Além disso, os atos de fala proferidos pelo falante não po-
busca o entendimento mútuo e, promove um acordo racional
dem ser aceitos parcialmente pelo ouvinte, mas devem basear
entre os sujeitos.
sua validade em algumas condições, a saber: (1) a oração deve
Para a filosofia da consciência, a racionalidade é medida,
obedecer às estruturas gramaticais aceitas; (2) o enunciado
por um lado, pela maneira como a subjetividade solitária se
deve ser verdadeiro; (3) a intenção do falante deve ser veraz; (4)
orienta pelas suas representações e, por outro, pelos critérios
e a manifestação deve ser normativamente correta (HABERMAS,
de verdade que, regulam as relações do indivíduo que conhece
1989a). É por isso que o ouvinte pode, diante do ato de fala do
e age segundo fins com o mundo de objeto. A filosofia da lingua-
falante, recusar, indagar ou aceitar. Por isso,
gem concebe o saber como algo mediado pela comunicação e,
um falante possa motivar racionalmente um ouvinte à
por isso, entende a racionalidade como a capacidade que os
aceitação de semelhante oferta não se explica pela va-
sujeitos, que participam de uma interação comunicativa, têm de
lidade do que é dito, mas, sim, pela garantia assumida
orientar-se por pretensões de validade.
pelo falante, tendo um efeito de coordenação, de que
Logo um sujeito se exprime racionalmente, segundo Haber-
se esforçará, se necessário, para resgatar a pretensão
mas, na medida em que se orienta performativamente por preten-
erguida. Sua garantia, o falante pode resgatá-la, no caso
sões de validade (HABERMAS, 1989a). Com isso, esse sujeito
de pretensões de verdade e correção, discursivamen-
não se comporta apenas de modo racional, mas é, sobretudo,
te, isto é, aduzindo razões; no caso de pretensões de
racional, pois pode justificar seu agir por pretensões de validade.
sinceridade, pela consistência de seu comportamento.
Mas quais são, então, as pretensões de validade que o su-
(HABERMAS, 1989c, p.79)
jeito levanta com os seus atos de fala? Para Habermas (1989a), em todo ato de fala estão presentes quatro pretensões de va-
O falante, ao se comunicar com um ouvinte, visa se fa-
lidade: pretensão à compreensibilidade, pretensão à verdade,
zer entender a respeito de algo. Esse entendimento, segundo
pretensão à correção normativa e pretensão à sinceridade.
Habermas, “é o processo de construção de um acordo sobre
Ao se relacionar com os mundos objetivo, social e subjetivo,
a base pressuposta das pretensões de validade reconhecidas
o sujeito levanta para cada um desses mundos uma determi-
em comum”. (HABERMAS, 1989c, p. 301). Esse acordo entre
nada pretensão de validade. Ele espera, ao relacionar-se com
os participantes fundamenta-se sobre a base das quatro preten-
o mundo objetivo, que o conteúdo proposicional do seu ato de
sões de validade. Assim,
fala seja aceito como verdadeiro; ao relacionar-se com o mun-
o falante pode atuar ilocucionariamente sobre o ouvinte e
do social, deseja que suas manifestações sejam aceitas como
este, por sua vez, atuar ilocucionariamente sobre o falante
corretas e, ao relacionar-se com o mundo subjetivo, espera que
porque as obrigações típicas dos atos de fala vão asso-
suas intenções sejam consideradas sinceras. A pretensão à
ciadas com pretensões de validade suscetíveis de exame
compreensibilidade diz respeito à determinada competência de
cognitivo, quer dizer, porque a vinculação recíproca tem
regra que dispomos, ou seja, o nosso enunciado será compre-
um caráter racional. (HABERMAS, 1989c, p. 362-363)
ensível ao ouvinte quando ele for bem formado gramaticalmente e pragmaticamente. Assim, a pretensão à compreensibilidade só pode ser satisfeita quando falante e ouvinte dominarem a mesma língua.
Então, a racionalidade comunicativa compõe-se de pretensões de validade que se resolvem discursivamente. Passaremos, agora, ao conceito de mundo da vida.
Quando acontece o contrário, de falante e ouvinte não falarem a mesma língua, será necessário, segundo Habermas, um esforço hermenêutico para alcançar um esclarecimento semântico. Se falante tem a intenção de comunicar um conteúdo proporcional verdadeiro, ele levanta a pretensão à verdade; já na pretensão 256 | PÓS EM REVISTA
2.2.4 Mundo da Vida As pretensões de validade que o falante levanta com seus atos de fala não estão situadas fora do mundo, mas, no mundo da vida. O mundo da vida como um saber não-temático está, segun-
do Habermas, de modo implícito e pré-reflexivo. Assim, ele “é algo
duz a cultura, a sociedade e as estruturas de personalidade”.
que todos nós temos sempre presente, de modo intuitivo e não
(HABERMAS, 1989c, p. 96)
problemático, como sendo uma totalidade pré-teórica, não-obje-
A linguagem, segundo o autor, desempenha uma função
tiva - como esfera das auto-evidências cotidianas, do common-
importante no mundo da vida. Ela é o médium de constituição
-sense”. (HABERMAS, 1989c). O mundo da vida caracteriza-se
e reprodução das estruturas do mundo da vida. Além disso,
como certeza imediata, como força totalizante e pelo holismo do
tem como função buscar o entendimento mútuo, coordenar as
saber que serve como pano de fundo. Enquanto uma certeza ime-
ações e promover a socialização. Desse modo, as estruturas do
diata, o mundo da vida “mostra-se como uma forma intensificada
mundo da vida são reproduzidas por meio da continuação do
e, não distante, deficiente, do saber”. (HABERMAS, 1989c, p.92)
conhecimento válido, estabilização da solidariedade de grupo e
Como força totalizante, o mundo da vida “forma uma totalidade
da socialização de atores responsáveis.
que possui um ponto central e limites indeterminados, porosos e,
A reprodução cultural assegura a ligação das novas si-
mesmo assim, intransponíveis, que vão recuando” (HABERMAS,
tuações apresentadas [...] às condições existentes do
1989c, p. 92). Por último, o mundo da vida, enquanto holismo, se
mundo: garante a continuidade da tradição e uma coe-
torna emaranhado, ou seja, “nele os componentes encontram-se
rência do saber suficiente para necessidade de enten-
liquefeitos”. (HABERMAS, 1989c, p. 93)
dimento própria à práxis cotidiana. A integração social
Mas quais são os elementos que se encontram emara-
assegura a ligação das novas situações apresentadas
nhados no mundo da vida? Para Habermas, o mundo da vida
[...] às condições existentes do mundo [...]. A socializa-
estrutura-se a partir da cultura, da sociedade, das estruturas de
ção dos membros assegura, finalmente, a ligação das
personalidade e da linguagem.
novas situações apresentadas [...] à condição existente
Conforme Habermas, cultura “é o armazém do saber, do
do mundo [...]. Nesses três processos de reprodução
qual os participantes da comunicação extraem interpretações no
renovam-se, portanto, os esquemas de interpretação
momento em que se entendem mutuamente sobre algo” (HA-
suscetíveis de consenso (ou “saber válido”), as relações
BERMAS, 1989c, p. 96). Assim, a cultura está encarnada em for-
interpessoais ordenadas legitimamente (ou “solidarie-
mas simbólicas que são, por sua vez, transmitidas pela tradição.
dades”), assim com as capacidades de interação (ou
É por meio da tradição que o ethos de cada grupo social se
“identidades pessoais”). (HABERMAS, 2000, p. 477)
exprime. Por isso, esse elemento do mundo da vida mereceu um destaque maior de Habermas, pois é a partir da cultura, como acervo do saber (tradição), que foi permitida a análise genealógica do teor cognitivo da moral. Veremos, no Capítulo 4, como Habermas reconstruirá as intuições morais presentes no mundo cotidiano da vida. A sociedade, por sua vez, “compõe-se de ordens legítimas através das quais os participantes da comunicação regulam sua pertença a grupos sociais e garantem solidariedade” (HABERMAS, 1989c, p. 96). Por último, Habermas identifica “entre as estruturas de personalidade todos os motivos e habilidades que colocam um sujeito em condições de falar e de agir, bem como de garantir sua identidade própria”. Portanto, o mundo da vida é o horizonte não-questionado e não-problematizado no qual os sujeitos das interações dialógicas se movem para se comunicarem. Dessa forma, os componentes do mundo da vida – a cultura, a sociedade e as estruturas da personalidade – formam, segundo Habermas, “conjuntos de sentido complexos e comunicantes, embora estejam incorporados em substratos diferentes”. Logo, as práticas comunicativas cotidianas se estendem sobre a cultura, a sociedade e sobre as estruturas da personalidade, “constituindo o meio através do qual se forma e se repro-
Os elementos do mundo da vida não são sistemas que formam ambientes uns para os outros, mas eles interagem entre si por meio da linguagem. Os sistemas de ação, por exemplo, responsáveis pela reprodução cultural (escolas), pela integração social (direito) ou pela socialização (família), não funcionam como sistemas separados. Elas interagem, por meio da linguagem, mantendo a totalidade do mundo da vida. O mundo da vida possui, segundo Habermas, um status diferente dos conceitos formais de mundo. Os mundos objetivo, social e subjetivo são juntamente com as pretensões de validade susceptíveis de crítica, o acervo categorial que serve para classificar no mundo da vida, já interpretado quanto a seus contextos, situações problemáticas, isto é, situações que necessitam de acordo. Com os conceitos formais de mundo falante e ouvinte podem qualificar os referentes possíveis de seus atos de fala de modo que lhes sejam possível referir-se a estes como a algo no mundo objetivo, como algo normativo ou como algo subjetivo. (HABERMAS, 2003d, p. 178-179) PÓS EM REVISTA l 257
Assim, o mundo da vida é por assim dizer, o lugar transcendental no qual falante e ouvinte se saem ao encontro; em que podem colocar-se reciprocamente a pretensão de que seus proferimentos concordam com o mundo (com o mundo objetivo, com
______. A Crise de Legitimação no Capitalismo Tardio. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. 1980b. ______. Que significa pragmática universal? (1976). In: ______. Teoría de la acción comunicativa: complementos y estudios previos. Madrid: Cátedra. 1989a.
o mundo subjetivo e com o mundo social); e em que podem criticar e exibir os fundamentos dessas pretensões da validade, resolver seus dissentimentos e chegar a um acordo.. (HABERMAS, 2003d, p. 179) Desse modo, o que distingue o mundo da vida dos conceitos formais de mundo está no fato de que o entendimento é constitutivo do mundo da vida, enquanto que os conceitos formais de mundo formam, segundo Habermas, um sistema de referência para aquilo sobre o que entendimento é possível. Vimos que a virada linguístico-pragmática, que resultou em uma nova racionalidade (a razão comunicativa) situada no mundo da vida, permitiu a Habermas a construção de um novo marco teórico que possibilitará, consequentemente, a elaboração de uma nova resposta ao problema do Ensino de Filosofia. Recorremos ao conceito de razão comunicativa de Habermas, apresentado aqui em linhas gerais, para mostrar que
______. Teoría de la acción comunicativa: complementos y estudios previos. Madrid: Cátedra. 1989b. ______. Notas programáticas para a fundamentação de uma ética do discurso. In ______. Consciência Moral e Agir Comunicativo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989c. p. 61-141. ______. Consciência Moral e Agir Comunicativo. In: ______. Consciência Moral e Agir Comunicativo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989d. p. 143-233. ______. Consciência Moral e Agir Comunicativo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. 1989e. ______. Guinada Pragmática. In: ______. Pensamento Pós-Metafísico. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1990a. p. 65-148. ______.Pensamento Pós-Metafísico. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. 1990b
mesmo utilizando de instrumentos fabricados pela racionalidade instrumental, o educando consegue exercer uma racionalidade crítica, pois a todo instante ele é obrigado a justificar, através de argumentos racionais, a sua participação no debate virtual. Portanto, é possível construir um saber filosófico mediante as Novas Tecnologias da Educação. 3 - Conclusão Para concluir, gostaríamos de destacar que este artigo oferece apenas um ponto de vista, e de um local determinado (CUNP), sobre esta complexa questão. Com isso, esperamos estimular a reflexão sobre este tema ainda pouco discutido nos departamentos de filosofia de todo o país.
______. Uma outra via para sair da filosofia do sujeito – Razão Comunicativa Vs. Razão centrada no sujeito. In: ______. O Discurso Filosófico da Modernidade. São Paulo: Martins Fontes, 1990c. p.411-451. ______. O conteúdo normativo da modernidade. In: ______. O Discurso Filosófico da Modernidade. São Paulo: Martins Fontes, 1990d. p.467-509. ______. O Discurso Filosófico da Modernidade. São Paulo: Martins Fontes. 1990e. ______.Uma visão genealógica do teor cognitivo da moral. In: ______. A inclusão do outro: estudos de teoria política. Tradução de George Sperber et al. São Paulo: Loyola, 2002a . p.13-62. ______. A inclusão do outro: estudos de teoria política. Tradução de George Sperber et al. São Paulo: Loyola. 2002b.
REFERÊNCIAS DUTRA, Delamar José Volpato. Razão e Consenso: uma introdução ao pensamento de Habermas. Pelotas: UFPEl. 1993.
______. Direito e Democracia: entre facticidade e validade I. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. 2003a.
______. Kant e Habermas: A reformulação discursiva da moral Kantiana. Porto Alegre: EDIPUCRS. 2002.
______. Direito e Democracia: entre facticidade e validade II. Trad: Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. 2003b
HABERMAS, Jürgen. A Relação entre Questões Práticas e Verdade. In: ______. A Crise de Legitimação no Capitalismo Tardio. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1980a. p. 130-140.
______. Teoría de la acción comunicativa, I: racionalidade de la acción y racionalización social. Tradução de Manuel Jiménez Redondo. Madrid: Taurus. 2003c.
258 | PÓS EM REVISTA
______. Teoría de la acción comunicativa II: Crítica de la razón funcionalista. Tradução de Manuel Jiménez Redondo. Madrid: Taurus. 2003d. ______. Racionalidade do entendimento mútuo. In: ______. Verdade e justificação: ensaios filosóficos. Tradução de Milton Camargo Mota. São Paulo: Loyola, 2004a. p. 99-132. ______. Correção versus Verdade. In: ______. Verdade e Justificação: ensaios filosóficos. Tradução de Milton Camargo Mota. São Paulo: Loyola, 2004b. p. 267-310. ______. Verdade e Justificação: ensaios filosóficos. Tradução de Milton Camargo Mota. São Paulo: Loyola. 2004c. ______. Entre Naturalismo e Religião. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. 2007. PIZZI, Jovino. Ética do Discurso: a racionalidade ética – comunicativa. Porto Alegre: EDIPUCRS. 1994. ______. O conteúdo moral do agir comunicativo. São Leopoldo: Unisinos. 2005. SIEBENEICHLER, Flavio Beno. Jürgen Habermas: razão comunicativa e emancipação. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. 1990. ______. O papel da análise genealógica no cognitivismo moral de J. Habermas. In: Ethica-Cad. Acad. Rio de janeiro, V.5, N.2, 1998. p. 24-40. ______. A Ética do Discurso à luz das revisões dos seus fundadores pós-kantianos. In: Ethica-Cad. Acad. Rio de janeiro, v.7, n.2, 2000. p. 37-51.
NOTA DE RODAPÉ * É Graduado em Filosofia (PUC-MG), Especialista em Filosofia (UFMG) e em Ciências da Religião (ISTA) e Mestre em Filosofia (FAJE). Atualmente é Professor Auxiliar de Filosofia e Sociologia no Centro Universitário Newton Paiva.
PÓS EM REVISTA l 259
COMPARAÇÃO DOS EFEITOS DO EXERCÍCIO AERÓBICO REALIZADOS EM DIAS DE DIÁLISE E EM DIAS DE NÃO DIÁLISE: Revisão da literatura Giselle Aparecida Silva Melgaço[a] Jaqueline Vieira Rabelo de Freitas[b] Lidiane Aparecida Pereira de Sousa[c] Regina Márcia Faria de Moura[d]
Resumo: A Doença Renal Crônica (DRC) é decorrente de uma lesão e perda progressiva e irreversível da função dos rins, sendo necessária a utilização de recursos terapêuticos específicos. Objetivo: comparar os efeitos de exercícios aeróbicos realizado em dias de diálise e em dias de não diálise. Métodos: Foram utilizadas as bases de dados bibliográficos: Medline, Scielo, Lilacs, Crochrane, PEDro. Resultados e Discussão: os estudos mostraram que pacientes alcançaram resultados positivos nos dois tipos de protocolos. Porém, observou-se ainda, que os participantes preferiram realizar as atividades durante as sessões dialíticas. Conclusão: as evidências encontradas sugerem que o treinamento com exercício aeróbico seja benéfico e seguro no tratamento de pacientes com DRC, tanto em dias de diálise, quanto em dias de não diálise. Palavras-chave: Insuficiência Renal Crônica, Hemodiálise, Exercício aeróbico.
Introdução
II, diminuição de vasodilatadores, como as prostaglandinas e al-
A Doença Renal Crônica (DRC) é decorrente de lesão e
terações na função endotelial com síntese prejudicada do óxido
perda progressiva e irreversível da função dos rins, considerada
nítrico. (BORTOLOTO 2008).
grave problema de saúde pública, por causa das elevadas taxas
Outro fator importante a ser considerado trata do papel da IRC
de morbi-mortalidades e do impacto negativo sobre a qualidade
como fator de risco cardiovascular. Mesmo pacientes em estágios
de vida relacionada à saúde. (COELHO 2006; SOARES 2007).
mais precoces da patologia têm risco cardiovascular aumentado,
Em todo o mundo a Insuficiência Renal Crônica (IRC) tem
pois podem associar os riscos “tradicionais” (hipertensão, diabe-
aumentado em proporções alarmantes, quadro agravado pelo
tes, dislipidemias) com os não tradicionais, como proteinúria e re-
envelhecimento da população. No Brasil, de 1994 a 2005, o nú-
dução da taxa de filtração glomerular. (BORTOLOTO 2008).
mero de pacientes em hemodiálise e diálise peritoneal elevou-se
Dessa forma, indivíduos com falência renal apresentaram
de 24.000 para 65.121. Como conseqüência do número cres-
limitações e restrições tanto em função da própria disfunção
cente de doentes renais crônicos, os gastos do Ministério da
(uremia, a anemia, a fraqueza muscular, o sedentarismo, a des-
Saúde com a terapia renal substitutiva são de aproximadamente
nutrição) quanto em relação ao desenvolvimento de complica-
1,4 bilhões de reais por ano, quantia esta correspondente a cer-
ções cardiovasculares, resultando em diminuição da capacida-
ca de 10% do orçamento global desse ministério. (REBOREDO
de funcional, baixa tolerância ao exercício e, consequentemente,
2007;NAJAS 2009;CHERCHIGLIA 2010).
dificuldade de realização das atividades da vida diária e pior
Dentro do contexto da falência renal, destacam-se ainda,
percepção da qualidade de vida. (REBOREDO 2007).
comorbidades como, por exemplo, a hipertensão arterial, po-
A explicação anátomo-fisiológica para tais limitações funcio-
dendo tal disfunção ser tanto a causa como a conseqüência da
nais baseia-se em distintos aspectos. Acredita-se que anormali-
IRC. Independente da ordem de aparecimento dessas condi-
dades cardiovasculares e musculoesqueléticas, comuns nesses
ções está bem determinado que a hipertensão é o principal fator
pacientes, contribuam para a ocorrência dessas alterações. As
relacionado à progressão da IRC. Os principais mecanismos da
anormalidades estruturais e funcionais dos músculos são carac-
hipertensão arterial na IRC são sobrecargas salinas e de volu-
terizadas por miopatia urêmica, que se manifesta como atrofia e
me, sendo que outros mecanismos podem estar envolvidos, tais
fraqueza muscular, estando muito provavelmente relacionada à
como maior produção de vasoconstritores, como a angiotensina
anemia, desuso, alterações no metabolismo energético, diminui-
260 | PÓS EM REVISTA
ção da utilização de lipídios associada à deficiência de carnitina,
tema. O material foi identificado com auxílio das bases eletrô-
decréscimo no fluxo sanguíneo muscular, neuropatia periférica e
nicas de dados Medline, Scielo, Lilacs, Crochrane, PEDro. Não
a presença de toxinas urêmicas. (MOREIRA 2000; MOURA 2008).
houve restrição quanto ao desenho metodológico ou ao tempo
No que se refere ao processo terapêutico direcionado a
de publicação dos estudos e foram empregadas as seguintes
essa população, destaca-se a Hemodiálise (HD), método que
palavras chaves: em português, Insuficiência Renal Crônica, he-
consiste na remoção de substâncias tóxicas e excesso de lí-
modiálise, exercício aeróbico; e em inglês, Chronic Renal Fai-
quido por uma máquina específica. Tal procedimento apesar
lure, hemodialysis, aerobic exercise. Para seleção dos artigos,
de trazer benefícios indiscutíveis para os pacientes poderá
inicialmente foi realizada leitura dos resumos, verificando se
resultar em complicações e efeitos adversos, além de impor
preenchiam os seguintes critérios de inclusão: indivíduos com
um cotidiano monótono e restrito aos envolvidos, tornando
idade ≥ 18 anos, do sexo masculino e feminino, submetidos à
as atividades dos indivíduos com IRC ainda mais limitadas.
hemodiálise para tratamento da insuficiência renal crônica. Além
(SOARES 2007;MARCHESAN 2009).
disso, somente foram incluídos estudos que tiveram como inter-
Diante do quadro exposto, de inatividade (associada à
venção o exercício aeróbico, durante as sessões de hemodiálise
patologia e ao tratamento), e possibilidade de complicações
e em dias de não hemodiálise. A princípio foram encontrados 56
cardiovasculares, faz-se necessário a utilização de métodos te-
estudos. Contudo, após análise dos critérios de inclusão, foram
rapêuticos adicionais que pudessem auxiliar na assistência da
utilizados somente 23 trabalhos.
população renal crônica visando minimizar tais aspectos. Dentro dessa realidade, acredita-se que programas de exer-
Resultados e Discussão
cícios para pacientes com DRC, em diálise, constituam método
Nos últimos anos, vários autores têm descrito os benefícios
seguro, de fácil aplicação, contribuindo para o controle pressóri-
da atividade física para portadores de DRC. (SOARES 2007;
co, para o aumento da capacidade funcional, melhora da função
REBOREDO 2007; HENRIQUE 2010; COELHO 2008; MUSTATA
cardíaca, melhora da força muscular e consequentemente melho-
2004). Contudo, pouco se tem aplicado desses protocolos que,
ra da qualidade de vida dessa população. (REBOREDO 2007).
acredita-se, poderiam trazer benefícios diversos para essa po-
A aplicação de programas de exercícios durante a HD contu-
pulação. Assim, buscou-se neste estudo analisar aspectos rela-
do, ainda é restrita, apesar de ser comprovado através de estudos
tivos a tal conduta, apresentados na literatura, sua aplicabilidade
que tal programa tem efeitos positivos sobre os pacientes, melho-
clínica, protocolos sugeridos e, sobretudo qual seria o melhor
rando a sua capacidade cardiorrespiratória, função física e qua-
momento do exercício: durante as sessões de hemodiálise ou
lidade de vida (NAJAS 2009). Além disso, achados importantes,
em dias alternados (quando não havia a conduta dialítica).
indicam que os programas de treinamento físico, especialmente aeróbico, poderiam resultar em maior eficiência dialítica, redução
Treinamento intradialítico
dos solutos e melhora da resposta hemodinâmica. (KONSTANTI-
No que se refere ao protocolo utilizado, observou-se que
NIDOU 2002; KOUIDI 2004; KOH 2009; HENRIQUE 2010).
a grande maioria dos estudos foi realizado com frequência de
Diferentes tipos de protocolo de treinamento têm sido re-
atividade em torno de três vezes por semana (COELHO 2006;
alizados, durante os dias de HD e em dias de não HD, como
HENRIQUE 2010; STORER 2005; SOARES 2011), em progra-
exercícios aeróbicos, de resistência e a combinação de ambos,
mas com duração média de 6 a 12 semanas. (COELHO 2006;
entretanto há necessidade de maiores estudos sobre a melhor
HENRIQUE 2010; MUSTATA 2004; MOUG 2003). Já a duração
intervenção e a forma mais adequada de aplicação.
da atividade aeróbica, em média, girou em torno de 30 a 60 minutos. (COELHO 2006; HENRIQUE 2010; MUSTATA 2004; STO-
Objetivo
RER 2005; SOARES 2011; MOUG 2003; CAPPY 1999; REBORE-
O presente estudo foi proposto com o objetivo de realizar
DO 2011). Uma preocupação comum também observada nos
uma revisão da literatura para descrever e comparar os efeitos
estudos refere-se à realização de atividade nos primeiros 90 a
do exercício aeróbico realizados em pacientes com Doença Re-
120 minutos de hemodiálise, fato aparentemente relacionado a
nal Crônica, em dias de diálise e dias de não diálise.
menor número de intercorrências. (STORER 2005; MOUG 2003). A intensidade do exercício aplicado nas sessões de treinamento
Metodologia
foi verificada por alguns autores pela Escala de Percepção Sub-
Para realização deste estudo, foi realizada uma revisão da
jetiva do Esforço de Borg, na qual se classificava como 11 (leve)
literatura mediante consulta às principais publicações sobre o
e 13 (um pouco intenso) (HENRIQUE 2010; REBOREDO 2011), PÓS EM REVISTA l 261
ou pela porcentagem da frequência cardíaca máxima atingida
redução significativa da pressão arterial sístole de repouso,
em teste de esforço máximo (60 a 80%) (COELHO 2006; MUS-
melhora na força muscular respiratória e periférica e aumento
TATA 2004; MOUG 2003) e ainda em torno de 50% da capacida-
do consumo máximo de oxigênio.
de funcional máxima. (STORER 2005)
Estudos recentes corroboram os achados acima apresenta-
Em relação aos benefícios a serem alcançados com a práti-
dos. Henrique et al (2010), em um estudo experimental realizado
ca de exercícios observou-se importantes achados. Cappy et al.
com 14 pacientes sob tratamento hemodialítico, utilizando pro-
(1999), realizaram um estudo com 16 voluntários com IRC que
tocolo semelhante ao descrito por Coelho et al., também encon-
completaram os três primeiros meses de treinamento, Desses,
traram redução significativa da pressão arterial sistólica, diastó-
6 completaram 6 meses e 4 chegaram a um ano de treinamento
lica e média, além de obter melhora na capacidade funcional e
intradialítico. Foram realizados em média de 20 a 40 minutos de
do quadro de anemia. A taxa de adesão foi medida durante o es-
exercícios físicos. Observou-se que após três meses de estudo
tudo e encontrou-se cerca de 82% de participação. Outro ponto
houve uma diminuição na pressão arterial sistólica e relato de
importante a ser relatado refere-se à ausência de complicações
benefícios secundários como nível de energia e apetite.
clinicas relevantes durante o exercício, com apenas 1 episódio
Benefícios adicionais podem ser encontrados na literatura.
de pré-síncope, que motivou a interrupção do exercício.
Estudo publicado em 2004 teve como amostra 11 pacientes
Recentemente, dois estudos (SOARES 2011; REBOREDO
com IRC (sete mulheres e quatro homens). A população estu-
2011) reforçam a importância da prática de exercícios físicos
dada foi submetida a um programa de condicionamento físico
para a população em questão, ressaltando benefícios adicio-
em esteiras ou bicicletas ergométricas, cada sessão com du-
nais com da qualidade de vida e aspectos relevantes no que
ração de uma hora, por três meses, com 60 a 80% da FCmáx
tange a segurança e fatores que poderiam interferir na prática
atingida em teste de esforço. Esse estudo avaliou o efeito de
de exercícios intradialítica. Soares et al. observaram melhora da
um programa de treinamento físico na rigidez arterial e resis-
qualidade de vida de portadores de IRC, utilizando o SF-36. O
tência a insulina, dois fatores de risco para mortalidade de pa-
tratamento foi realizado com 27 indivíduos em tratamento he-
cientes em hemodiálise. Não houve complicações maiores ou
modialítico, duas vezes por semana, totalizando vinte sessões.
efeitos colaterais, apenas um episódio transitório de hipoten-
Mais uma vez, foi observada boa adesão às sessões. (SOARES
são sintomático foi observado em um paciente durante uma
2011). Adicionalmente, um estudo longitudinal, publicado em
sessão de exercício. (MUSTATA 2004)
2011, traz resultados de um acompanhamento de 5 anos no
Pode-se ainda observar que os efeitos encontrados nos
setor de hemodiálise do Hospital Universitário da Universidade
protocolos de treinamento físicos para IRC podem resultar em
Federal de Juiz de Fora, MG. O treinamento foi realizado três
melhora da estrutura e função, além de incrementos na atividade
vezes por semana com duração media de 1 hora cada sessão
e participação do envolvidos. Ensaio clínico publicado em 2005
durante as sessões de hemodiálise, totalizando 3.077 sessões
teve como objetivo analisar os efeitos do treinamento aeróbico,
individuais. Considerando todos os pacientes, a adesão mé-
em cicloergômetro, com intensidade de 50% do consumo má-
dia ao exercício foi de 65% e apenas um paciente apresentou
ximo de oxigênio, na força muscular e na performance física de
dois episódios de hipotensão severa durante as atividades. A
pacientes com IRC. Foram avaliados doze pacientes em trata-
principal causa de abandono foi à falta de motivação (40% dos
mento de hemodiálise durante 10 semanas. O grupo controle,
pacientes), complicações cardiovasculares (20%), limitações
também composto de 12 pacientes não recebeu nenhum treina-
por outras patologias, como osteoartrose (15%) e realização de
mento. Ao final do estudo observou-se que mesmo os pacientes
transplantes renais (10%). (REBOREDO 2011)
não tendo completado as dez semanas de treinamento, a inter-
Dentre os estudos analisados, somente um, não encontrou
venção resultou em melhora da força muscular e do desempe-
resultados significativos. Cabe ressaltar, contudo, que nesse estu-
nho físico dos pacientes, operacionalizado por testes funcionais
do foram realizadas somente 12 de sessões de treinamento, fato
como subir e descer escadas e o teste “TUG”. (STORER 2005).
inclusive levantado pelos próprios autores, sugerindo ser neces-
Posteriormente, Coelho et al. (2006), realizaram ensaio
sário maiores períodos de treinamento, como observado anterior-
clinico não controlado com 5 pacientes em HD objetivando
mente, para se alcançar resultados significativos.(MOUG 2003).
avaliar os efeitos de um programa de exercícios físicos realizado três vezes por semana, durante 30 minutos (15 min
Treinamento Interdialítico
bicicleta ergométrica e 15 min esteira rolante de acordo com
Como citado anteriormente, muito tem sido discutido na li-
a tolerância dos membros). Observaram-se ao final do estudo
teratura sobre o uso de atividade durante as sessões de HD.
262 | PÓS EM REVISTA
Contudo, existe ainda a possibilidade de uso do exercício nos
melhante na distância caminhada no teste de caminhada de 6
dias em que o paciente não está realizando a hemodiálise.
minutos nas duas situações analisadas. Por outro lado, o nível
No que se refere ao protocolo, normalmente os parâmetros
da atividade física, investigado pelo “Active Austrália Question-
relacionados ao tempo e duração utilizados em dias de não di-
naire” teve aumento significativo somente no grupo intradialítico.
álise são muito semelhantes aos utilizados durante sessões de
Não foram encontrados, ainda, diferenças estatisticamente sig-
HD. Por outro lado, a intensidade utilizada em atividades am-
nificativa entre os grupos no que se refere à adesão. (KOH 2010)
bulatoriais supervisionadas normalmente são mais altas quando comparadas às sessões intradialíticas. (KOUIDI 2004).
A literatura demonstra ainda, que também pacientes em HD e com co-morbidades como as patologias cardíacas, alcançam
Especificamente, quando se trata da comparação dos efei-
resultados positivos em programas de atividade física. Deligia-
tos e aspectos da atividade vários achados chamam atenção.
mis et al. (1999)a, em um estudo realizado para avaliar os efeitos
Konstantinidou et al. (2002), comparam os efeitos de três mo-
dos exercícios físicos em pacientes cardiopatas e nefropatas,
dalidades de treinamento: a) intradialítico; b) ambulatorial com
em hemodiálise, randomizaram os participantes em três grupos,
supervisão direta de um profissional, em dias de não diálise; c)
38 pacientes (Grupo A – exercício supervisionado em dias de
treinamento realizado em domicílio (não supervisionado). Foram
não diálise; Grupo B – exercícios em casa, sem supervisão; C
encontrados resultados positivos, na capacidade aeróbica (ana-
– grupo controle de indivíduos renais crônicos em HD, sem exer-
lisada antes e depois do treinamento, utilizando o teste cardio-
cícios). As patologias cardiovasculares encontradas foram: Hi-
pulmonar), nas três situações, porém os resultados foram mais
pertensão, Doença Arterial Coronariana e Insuficiência Cardíaca.
satisfatórios no treinamento em dias de não diálise. Foi apon-
Os resultados do aumento da capacidade funcional pelo teste
tado, contudo, que os pacientes relataram preferir fazer o trei-
cardiopulmonar foram mais uma vez superiores nos indivíduos
namento durante as sessões de hemodiálise, sendo inclusive
que faziam atividades no dia de não diálise. Além disso, obser-
registrado maior índice de adesão. Outro ponto de suma impor-
vou-se, de forma específica, que ambos os tipos de treinamento
tância diz respeito a ausência de complicações musculoesque-
resultaram em melhora significativa da função sistólica ventricu-
léticas, cardiovasculares e outras relacionadas aos programas
lar esquerda, sendo tal aspecto também mais pronunciado no
de exercício em todas as situações analisadas.
grupo de atividades não intradialítica.
A adesão e facilidade em participação ao treinamento du-
Estudo adicional do mesmo grupo de pesquisa, discute ain-
rante sessões de HD também são temas analisados em outros
da sobre os efeitos autonômicos de um programa de atividade
trabalhos. Kouidi et al. (2004) avaliaram 48 pacientes em HD,
física nessa população. Nesse trabalho apesar de somente ana-
divididos aleatoriamente em dois grupos, o grupo A seguiu um
lisados os efeitos do treinamento em dias de não diálise pode-se
programa com bicicleta estacionária durante as sessões de HD
observar importantes achados. O treinamento resultou em maior
e o grupo B seguiram treinamento supervisionado ambulatorial
atividade vagal, no sistema cardiovascular e consequente queda
em dias de não-diálise. Um dos fatores mais importantes rela-
na vulnerabilidade às arritmias. (DELIGIANNIS 1999)b.
tados pelos autores trata do índice de abandono apresentado pelo grupo que fazia treinamento ambulatorial. Foram registra-
Conclusão
dos índices de quase 40% de abandono durante os quatros
As evidências encontradas neste estudo sugerem que o exer-
anos de acompanhamento. Além disso, também sugerem que
cício aeróbico durante a sessão de hemodiálise e em dias não di-
o treinamento durante as sessões de HD além de seguras, po-
álise, realizados em casa ou em ambulatório são seguros para os
dem propiciar resultados semelhantes aos realizados em dias
pacientes, além de gerar benefícios importantes, tanto na atividade
alternados, propiciando aos pacientes facilidades em relação ao
quanto na participação dos renais crônicos submetidos à HD. Além
deslocamento e aproveitamento do tempo. Nenhuma compli-
disso, observou-se que os maiores efeitos são alcançados quando
cação relacionada ao treinamento foi relatada durante o estudo,
o treinamento é realizado em dias de não diálise. Por outro lado,
mais uma vez.
fatores relacionados á adesão e disponibilidade falam a favor da
Recentemente, estudo publicado em 2010 apresenta re-
realização do treinamento durante as sessões de HD. Diante do
sultados distintos. A amostra foi composta por 70 pacientes de
exposto, considera-se que ambas as formas de abordagem po-
três centros distintos de HD sendo comparados resultados de
deriam ser benéficas, sendo importante a consideração de fatores
atividades intradialíticas e atividades sem supervisão (em casa),
individuais e motivacionais dos participantes. Faz-se, contudo, ne-
após seis meses de treinamento. Diferentemente, dos estudos
cessário à realização de mais estudos sobre o assunto para que se
acima relatados, o presente trabalho mostrou incrementos se-
possa chegar a conclusões mais precisas e definitivas. PÓS EM REVISTA l 263
BORTOLLOTO, Luiz Aparecido. Hipertensão arterial e insuficiência renal crônica. Rev Bras Hipert. Rio de Janeiro, v. 15,n. 3, p.152-155, jul/set. 2008.
siopatologia Renal: Bases fisiopatológicas da miopatia na insuficiência renal crônica. J Bras Nefrol. São Paulo, v. 22, n.1, p.34-38, jan/fev/ mar. 2000.
CAPPY, Stine Carol; JABLOMKA, John; SCHROEDEER, Edward. The Effects of Exercise During Hemodialysis on Physical Performance and Nutrition Assessment. J Ren Nutri. Philadelphia, v. 9, n. 2, p. 63-70, abr. 1999.
MUSTATA, Stefan; CHAN, Cristopher; MILLER, Judith. Impact of an exercise program on arterial stiffines an insulin resistance in hemodialysis patients. J Am Soc Nephrol. Baltimore, v.15,, p.2713-2718, oct. 2004.
CHERCHIGLIA, Mariangela Leal et al. Perfil epidemiológico dos pacientes em terapia renal substitutiva no Brasil. Rev Saúde Pública. São Paulo, v. 44, n. 4, p.639-649, ago. 2010.
MOUG, SJ, et al. Exercise during haemodialysis: west of Scotland pilot study. Scott Méd J. Edinburgh,v.49,n.1,p.14-17,fev 2004.
Referências
COELHO, Douglas Martins et al. Efeitos de um programa de exercícios físicos no condicionamento de pacientes em hemodiálise. J Bras Nefrol. São Paulo, v.28, n.3, p.121-127, jul/ago/set. 2006. COELHO, Douglas Martins et al . Exercícios físicos durante a hemodiálise: uma revisão sistemática. J Bras Nefrol. São Paulo, v. 30, n. 2, p. 88-98, abr/maio/jun. 2008. DELIGIANNIS, Asterios et al. Cardiac effects of exercise rehabilitation in hemodialysis patients. Int J Cardiol. Amsterdam, v. 70, n. 3, p. 253-266, aug. 1999a. DELIGIANNIS, Asterios; KOUIDI, Evangelia; TOURKANTONIS, Achilleas. Effects of physical training on heart rate variability in patients on hemodialysis. Am J Cardiol. New York, v. 84, n .2, p. 197-202, jul. 1999b. HENRIQUE, Daiane Michela et al. Treinamento aeróbico melhora a capacidade funcional de pacientes em hemodiálise crônica. Arq Brasil Cardiol. Rio de Janeiro, v.94, n. 6, p. 823-828, jun. 2010. KOH, Kirsten et al. Intradialytic versus home based exercise training in hemodialysis patients: a randomized controlled trial. BMC Nephrology. London, v.10, n. 2, p.2-6, jan. 2009. KOH, Kirsten et al. Effect of intradialytic versus home-based aerobic exercise training on physical function and vascular parameters in hemodialysis patients: A randomized pilot study. Am J Kidney Dis. Philadelphia, v. 55, n. 1, p. 88-99, jan. 2010. KONSTANTINIDOU, Erasmia et al. Exercise training in patients with end-stage renal disease on hemodialysis: Comparison of Three Rehabilitation Programs. J Rehabil Med. Stockolm, v.34, n.1, p.40-45, jan. 2002. KOUIDI, E et al. Outcomes of long-term exercise training in dialysis patients: comparison of two training programs. Clin Nephrol. Munchen, v.61, S.1, p.31-38, may 2004. MOANE, Marchesan et al. Composição corporal de pacientes com insuficiência renal crônica. Disponível em: http:/ www.efdeportes.com. Acesso em 5 jan. 2012. MOREIRA, Paulo; BARROS, Elvino. Atualização em Fisiologia e Fi-
264 | PÓS EM REVISTA
MOURA, Regina Márcia Faria et al. Efeitos do exercício físico durante a hemodiálise em Indivíduos com insuficiência renal crônica: uma revisão. Fisioterapia e Pesquisa. São Paulo, v.15, n.1, p.86-91, jan. 2008. NAJAS, Cláudio Spínola et al. Segurança e eficácia do treinamento físico na insuficiência renal crônica. Rev Bras Med Esporte. São Paulo, v.15, n.1, p.384-388, set/out. 2009. REBOREDO, Maycon Moura et al. Exercício Físico em pacientes dialisados. Rev Bras Med Esporte. São Paulo, v.13, n.6, p.427-430, nov/dez. 2007. REBOREDO, Maycon Moura et al. Exercício aeróbico durante a hemodiálise: relato de cinco anos de experiência. Fisioter Mov. Curitiba, v.24, n.2, p.239-246, abr/jun 2011. SOARES, Alexandre; ZETETMEYER, Michele; ROBUSKE, Marilene. Atuação da Fisioterapia durante a Hemodiálise. Rev Saúde da UCPEL. Pelotas, v.1, n.1, p.07-12, jan/jun. 2007. SOARES, Araujo Teles Karoline et al. Eficácia de um protocolo de exercício físico em pacientes com insuficiência renal crônica, durante o tratamento de hemodiálise, avaliada pelo SF-36. Fisioter Mov. Curitiba, v.24, n.1, p.133-140, jan/mar. 2011. STORER, Tomas et al. Endurance exercise training during haemodialysis improves Strength , power, fatigability and physical performance in maintenance haemodialysis patients. Nephrol Dial Transplant. Oxford, v.20, n.7, p.1429-1437, jul. 2005.
Notas de rodapé Acadêmica do curso de Fisioterapia do Centro Universitário Newton Paiva;
[a]
Fisioterapeuta; Doutora em Infectologia e Medicina Tropical - UFMG; Profa. do Curso de Fisioterapia do Centro Universitário Newton Paiva; [b]
Fisioterapeuta; Doutora em Ciências da Reabilitação - UFMG; Profa. do Curso de Fisioterapia do Centro Universitário Newton Paiva. [c]
FEITOS DO TREINAMENTO AERÓBICO DURANTE A HEMODIÁLISE EM UM INDIVÍDUO COM INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA: estudo de caso Regina Márcia Faria de Moura1, Renata Cristina Magalhães Lima2, Patrícia Cunha Barros3, Talita Oliveira Souza3
RESUMO: A Insuficiência Renal Crônica (IRC) é caracterizada por perda lenta, progressiva e irreversível da função renal e suas consequências incluem baixa capacidade aeróbica, perda de força muscular e piora da qualidade de vida (QV). O objetivo deste estudo foi avaliar os efeitos do treinamento aeróbico realizado durante hemodiálise (HD) na capacidade funcional e QV em um indivíduo com IRC. Foram avaliadas a capacidade funcional pelo teste de caminhada de 6’ e a QV pelo questionário SF-36 antes e após a realização de um protocolo de treinamento aeróbico durante a HD. Houve aumento da distância caminhada em 70 metros e um aumento de 50,1% no domínio aspecto emocional do SF-36. Este estudo evidenciou benefícios sobre a capacidade funcional e QV do participante, porém se trata de um estudo de caso e a generalização dos resultados é comprometida. Mais estudos são necessários para confirmar estes achados. Palavras-chave: insuficiência renal crônica, exercício aeróbico, qualidade de vida.
INTRODUÇÃO
programa de diálise e transplante renal no Brasil é em torno de
A IRC é considerada atualmente um grande problema de
1,4 bilhões de reais ao ano (DIRETRIZES BRASILEIRAS DE DO-
saúde pública no Brasil e no mundo por ser uma doença responsável por altas taxas de morbidade e mortalidade (MARTINS & CESARINO, 2005).
ENÇA RENAL CRÔNICA, 2004). Estudos mostram importantes avanços em técnicas, equipamentos e manuseio terapêutico para tratamento da IRC mas
A IRC consiste em uma lesão renal e perda progressiva e
ainda assim, esta doença é uma condição que gera problemas
irreversível das funções glomerular, tubular e endócrina dos rins.
médicos, sociais e econômicos em todo o mundo (DIRETRIZES
Em sua fase mais avançada, denominada estágio final da do-
BRASILEIRAS DE DOENÇA RENAL CRÔNICA, 2004; MARTINS
ença renal, os rins não conseguem mais manter a normalidade
& CESARINO, 2004).
do meio interno, sendo necessário tratamento dialítico ou trans-
As pessoas atingem a fase terminal da doença têm, hoje,
plante renal (DIRETRIZES BRASILEIRAS DE DOENÇA RENAL
três métodos de tratamento que substituem as funções dos rins:
CRÔNICA, 2004).
a diálise peritoneal, a Hemodiálise (HD) e o transplante renal.
Entre as causas da IRC pode-se destacar a diabetes melli-
Este último é a forma de tratamento ideal para pacientes com
tus, a Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS), a glomerulonefrite,
IRC, porém, devido à dificuldade de se conseguir um rim para o
as doenças císticas dos rins, as doenças vasculares, as doen-
transplante e ao fato de existirem poucos centros de transplante
ças intersticiais, o lúpus eritematoso sistêmico e rins policísticos
equipados e capacitados, a forma de tratamento mais utilizada
(ROSNER, 2005; MAGALHÃES et al, 2004).
é a HD (MARTINS & CESARINO, 2005).
No Brasil, a incidência de casos de IRC aumenta cerca de
O tratamento hemodialítico é responsável por um cotidiano
8% ao ano e a prevalência de pacientes mantidos em programas
monótono e restrito, sendo as atividades desses pacientes limi-
de diálise mais que dobrou nos últimos oito anos (DIRETRIZES
tadas após o início do tratamento, favorecendo o sedentarismo
BRASILEIRAS DE DOENÇA RENAL CRÔNICA, 2004). De acor-
e limitações funcionais, fatores estes que refletem diretamente
do com os dados emitidos pelo Censo da Sociedade Brasileira
na Qualidade de Vida (QV) (MARTINS & CESARINO, 2005).
de Nefrologia de 2004, o Brasil encontra-se em quarto lugar no
Situações como isolamento social, perda de emprego, de-
número de pacientes em programas de diálise. De 24.000 pa-
pendência da previdência social, perda da autoridade no con-
cientes mantidos em programas de diálise em 1994, o número
texto familiar, afastamento dos amigos, parcial impossibilidade
de pacientes já ultrapassam 59.153 em 2004. O gasto com o
de locomoção em razão do estado clínico geral, impossibilidade PÓS EM REVISTA l 265
de passeios e viagens prolongadas em razão das sessões de
mais freqüentes são a HAS, a hipertrofia ventricular esquerda e
HD, diminuição da atividade física e disfunção sexual, são exem-
a insuficiência cardíaca congestiva. A alteração muscular mais
plos de situações que influenciam diretamente na QV destes pa-
comum é a miopatia urêmica (FERREIRAS, ROCHA & SARAIVA,
cientes (MARTINS & CESARINO, 2004).
2005; MAGALHÃES et al, 2004; MOREIRA & BARROS, 2000).
A Organização Mundial da Saúde (OMS) define QV como
As alterações cardiovasculares crônicas estão relacionadas
a percepção do indivíduo de sua posição na vida no contexto
à sobrecarga de volume, anemia, HAS e a presença de toxinas
da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação
urêmica. A HAS acompanha a IRC em 60% a 90% dos casos e
aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações (THE
sua prevalência aumenta com a progressão da doença renal. A
WORLD HEALTH ORGANIZATION QUALITY OF LIFE ASSES-
hipertrofia ventricular esquerda é também uma alteração muito
SMENT, 1995). A QV é um construto subjetivo que envolve a
comum, podendo levar, por fim, a insuficiência cardíaca con-
auto-percepção, composto por múltiplas dimensões positivas,
gestiva (ABENSUR, 2004; MAGALHÃES et al, 2004; MOREIRA
negativas e bidirecionais, como função física e bem estar emo-
& BARROS, 2000).
cional e social. Função cognitiva, função sexual, produtividade
Os distúrbios cardiovasculares e musculares levam a uma
no trabalho, percepção de doença, dor, auto-estima, imagem
diminuição da capacidade física, perda de força muscular e con-
corporal e sono também são importantes dimensões na avalia-
seqüentemente a uma limitação funcional. Estas alterações es-
ção da QV, além de outros aspectos não relacionados à saúde,
tão relacionadas muitas vezes a uma piora importante da QV de
mas que influenciam, como renda, liberdade e saneamento am-
pacientes com diagnóstico de IRC (ABENSUR, 2004; CASTRO
biental, dentre outros (THE WORLD HEALTH ORGANIZATION
et al, 2003).
QUALITY OF LIFE ASSESSMENT, 1995).
A prática regular de exercícios físicos por pacientes sub-
O termo Qualidade de Vida Relacionado à Saúde (QVRS) é
metidos ao tratamento de HD pode melhorar acentuadamente
definido como o valor atribuído à vida, ponderado pelas deterio-
a deteriorização psicológica, funcional e física destes pacientes
rações funcionais; as percepções e condições sociais que são
(CHEEMA & SINGH, 2005). Estudos mostram que um progra-
induzidas pela doença, agravos, tratamentos e a organização
ma de exercícios físicos, envolvendo a modalidade aeróbica e
política e econômica do sistema assistencial, sendo empregado
treino de força muscular, associado às mudanças no estilo de
para designar o construto QV por meio da percepção individual
vida, promove benefícios para pacientes em tratamento de HD
de saúde (EBRAHIM, 1995).
tais como: redução dos níveis pressóricos e de fatores de risco
Os instrumentos de QVRS servem para conceituar, medir
cardiovasculares, diminuição da incidência de câimbras, melhor
e avaliar os domínios mais comprometidos após a instalação
controle de peso, aumento do hematócrito e melhora da capa-
da doença ou após uma intervenção terapêutica, contribuindo
cidade funcional (CHEEMA & SINGH, 2005; KNAP, 2005; MA-
para uma ação mais direcionada dos profissionais de saúde
GALHÃES et al, 2004; MILLER et al, 2002; KOUIDI, 2002). Além
que lidam com essa população (MARTINS & CESARINO, 2004;
disso, a prática de exercícios de forma regular pode também
EBRAHIM, 1995).
promover melhora do humor, da ansiedade, da depressão e di-
Há descrito na literatura vários estudos que têm como des-
minuir o estresse (KNAP, 2005). Estudos têm evidenciado que
fechos primários e secundários a avaliação da QVRS de pa-
todos esses benefícios possuem influência direta sobre a QV de
cientes com IRC em tratamento hemodialítico. A maioria destes
pacientes com IRC (KNAP, 2005; MAGALHÃES et al, 2004).
estudos avaliou a QVRS por meio do questionário genérico Me-
A literatura recomenda que um programa de exercícios fí-
dical Outcomes Study Short-form 36 (SF-36). Este questionário
sicos durante a HD deve ser realizado duas a três vezes por
é amplamente utilizado na área de saúde por ser considerado
semana no mínimo, com duração média de 60 minutos e inten-
um instrumento de fácil aplicação e possuir boas proprieda-
sidade de 60 a 80% da Freqüência Cardíaca máxima (FCmax).
des psicométricas (MARTINS & CESARINO, 2005; MARTINS &
A sessão deve ser iniciada com exercícios de flexibilidade e
CESARINO, 2004; CLEARY & DRENNAN, 2004; CASTRO et al,
calistênicos, devem ser feitos de 20 a 30 minutos de exercícios
2003; DEPAUL et al, 2002; OH-PARK et al, 2002; NETO et al,
aeróbicos com exercícios de resfriamento ao final da sessão
2000; PAINTER et al, 2000a).
(CHEEMA & SINGH, 2005; MAGALHÃES et al, 2004; MARTINS
As alterações cardiovasculares e musculares são freqüen-
& CESARINO, 2004; KOUIDI, 2002). A prescrição apropriada
tes em portadores de IRC que se submetem ao tratamento he-
de exercícios envolvendo modalidades aeróbicas e/ou de re-
modialítico, chegando a ser de 10 a 20 vezes superior quando
sistências são seguras e benéficas para os pacientes na HD
comparado à população geral. As alterações cardiovasculares
(CHEEMA & SINGH, 2005).
266 | PÓS EM REVISTA
Existem hoje descritas na literatura duas formas de realizar
segundo a classificação funcional da New York Heart Association,
treinamento aeróbico e de fortalecimento muscular em pacien-
anemia grave, processo infeccioso sistêmico, trombose venosa, ne-
tes em HD: em dias de não diálise e em dias de diálise. As duas
oplasia maligna e disfunções músculos-esqueléticos nos membros
formas de treinamento têm demonstrado promover benefícios
inferiores e superiores que impedissem o participante de realizar
físicos e psicológicos para pacientes com IRC. Porém a adesão
o treinamento aeróbico em cicloergômetro de membros inferiores.
ao tratamento tem sido maior nos grupos de pacientes que realizaram o treinamento durante a HD (MOORE et al, 1998).
A capacidade funcional foi avaliada pelo teste de caminhada de seis minutos e a percepção da QV pelo questionário
Os exercícios não são rotineiramente administrados em
SF-36. Estes foram aplicados antes e após intervenção pelos
pacientes com IRC durante a HD, comparada à prática em
mesmos examinadores, que foram devidamente treinados, no
outras doenças crônicas (CHEEMA & SINGH, 2005). Apesar
mesmo local e horário do dia.
de a literatura apresentar várias evidências dos benefícios da realização de exercícios físicos realizados durante a HD, essa abordagem quase não tem sido utilizada na prática clínica (CHEEMA & SINGH, 2005).
Avaliação da capacidade funcional A capacidade funcional foi avaliada pelo teste de caminhada de seis minutos. Este é um teste de exercício submáximo que tem como objetivo produzir um nível de estresse com o exercí-
OBJETIVO
cio, para que se possa estimar o consumo máximo de oxigênio,
O objetivo deste estudo foi avaliar os efeitos do treinamento
avaliar limitações funcionais e efetividade de técnicas de reabi-
aeróbico realizado durante o período de HD na capacidade funcional e na QV em um indivíduo com IRC.
litação (CASABURI et al., 2002; AMILTON & HAENNEL, 2000 ). O participante foi instruído a caminhar em um corredor demarcado de 30 metros por seis minutos, mantendo a maior
MATERIAIS E MÉTODOS
velocidade que ele conseguisse. Durante o teste foram utiliza-
Trata-se de um estudo de caso que teve como objetivo ava-
das frases de encorajamento verbal pelo examinador de 2 em
liar a capacidade funcional e da QV de um indivíduo com IRC
2 minutos como: “você está indo muito bem”. Imediatamente
antes e após a realização de um protocolo de treinamento aeró-
antes e após realização de cada teste foram mensurados os se-
bico durante a HD.
guintes parâmetros: Freqüência Cardíaca (FC), Pressão Arterial
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa
(PA), Freqüência Respiratória (FR), Saturação de Oxihemoglobi-
do Hospital São Francisco de Assis (HSFA) e antes da inclu-
na (SpO2), Percepção Subjetiva ao Esforço (PSE) pela escala de
são do indivíduo no estudo, este foi informado sobre o propó-
BORG modificada e a distância percorrida.
sito do mesmo e assinou um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Para realização do teste de caminhada o participante foi instruído a não realizar atividades extenuantes 18 horas antes, não
O estudo foi desenvolvido no serviço de hemodiálise do Ins-
ingerir alimentos pesados, cafeína ou nicotina 2 a 3 horas antes
tituto Mineiro de Nefrologia – Unidade HSFA durante o período
do teste e dormir no mínimo de 8 horas de sono na noite anterior
de 26 de agosto a 7 de outubro de 2006.
ao teste (CASABURI et al., 2002; AMILTON & HAENNEL, 2000 ).
Para ser incluído no estudo o participante deveria ser vo-
Foram realizados dois testes com intervalo de 15 minutos
luntário, ter diagnóstico médico de IRC, estar em tratamento
entre eles. Foi considerado o teste que o paciente percorreu a
de HD por mais de três meses, ter idade entre 18 e 60 anos e
maior distância.
ter liberação do médico responsável para realização das atividades propostas neste estudo. Não houve restrição quanto
Avaliação da qualidade de vida
ao sexo e nem quanto ao uso de eritropoetina sintética. O
A QV foi avaliada pelo questionário SF-36 que é um instru-
participante deveria ler, estar de acordo e assinar o termo de
mento genérico, multidimensional, composto por 36 itens agru-
consentimento livre e esclarecido.
pados em oito domínios que avaliam componentes de saúde
Foram excluídos os participantes que tinham acesso vascular
física e mental. O componente saúde física apresenta os seguin-
para HD em membros inferiores, dificuldades de compreensão, si-
tes domínios: capacidade funcional, aspectos físicos, dor, esta-
nais e sintomas de angina, história de infarto agudo do miocárdio
do geral da saúde. Já o componente de saúde mental apresenta
há pelo menos seis meses, HAS não controlada, diabetes mellitus
os domínios: vitalidade, aspectos sociais, aspectos emocionais
descompensada, insuficiência cardíaca congestiva classe III ou IV
e saúde mental. O escore do questionário varia de zero a 100 e quanto maior o escore obtido melhor a percepção que o indivíPÓS EM REVISTA l 267
duo tem em relação à sua QV (MARTINS & CESARINO, 2005;
a 80% da FCmax atingida no teste ergométrico realizado pelo
MARTINS & CESARINO, 2004). O questionário SF-36 foi aplica-
participante uma semana antes do início do estudo. A FCmax
do na forma de entrevista por um dos pesquisadores responsá-
atingida no teste ergométrico pelo participante foi de 118 bati-
veis pelo estudo.
mentos por minutos e a PA de 145/60 mmHg. Após o exercício aeróbico foram realizados alongamentos estáticos bilateralmen-
Protocolo de treinamento O protocolo de treinamento foi realizado três vezes por semana por um período de oito semanas. As sessões consistiram de exercícios preparatórios, treinamento aeróbico em cicloergômetro de membros inferiores e exercícios de resfriamento. Durante o treinamento foram monitorizadas a PA pelo esfigmomanômetro da marca BDâ devidamente calibrado e um estetoscópio da marca Littmann classic IIâ, FC por um cardiofreqüêncímetro da marca Polarâ e a PSE pela escala de BORG modificada. Foram mensurados a FC, PA, PSE antes, durante e após a realização da intervenção. Estes dados foram registrados em uma ficha de controle diário. Todas essas atividades foram realizadas durante as duas primeiras horas de HD. Antes de iniciar o estudo foi solicitado ao participante que ele realizasse um teste ergométrico para garantir que a intensidade de todas as atividades realizadas estivesse de acordo com sua condição clínica. Caso o participante apresentasse HAS maior que 180/100 mmHg, hipotensão, e/ou sinais de fadiga muscular durante a realização do protocolo, as atividades seriam interrompias imediatamente e o fato seria comunicado ao enfermeiro e médico responsáveis. No serviço de hemodiálise do Instituto Mineiro de Nefrologia – Unidade HSFA sempre estavam presentes um médico e um enfermeiro que foram previamente informados a respeito das atividades realizadas e de suas possíveis complicações. Os exercícios preparatórios consistiram de alongamentos estáticos bilateralmente dos músculos isquiossurais e tríceps surais sendo duas repetições para cada grupo muscular mantida por 30 segundos, exercícios circulatórios dos pés e marcha estacionária na posição assentada. Essa fase do protocolo teve duração aproximada de 10 minutos e foi realizada no início da sessão. Após realização dos exercícios preparatórios foi realizado treinamento aeróbico em ciclo ergômetro de membros inferiores durante 20 a 30 minutos, com FC de treinamento entre 60
268 | PÓS EM REVISTA
te dos músculos isquiossurais e tríceps surais sendo duas repetições para cada grupo muscular mantida por 30 segundos. Foram realizados também exercícios respiratórios ao final da sessão. Essa fase do protocolo teve duração aproximada de 10 minutos. ANÁLISE ESTATÍSTICA Foi feita análise descritiva e exploratória dos dados. RESULTADOS Foi recrutado no serviço de hemodiálise do Instituto Mineiro de Nefrologia – Unidade HSFA o participante S.L.R., sexo masculino, aposentado, sedentário, não etilista, não tabagista, com diagnóstico de HAS e IRC há 13 anos. Aos 29 anos realizou transplante renal (doador cadáver) evoluindo após um ano e seis meses com disfunção renal retornando ao tratamento hemodialítico. Os medicamentos em uso pelo participante durante realização do protocolo de treinamento eram: anti-hipertensivos (betabloqueador - 40 mg, inibidor da enzima conversora da angiotensina - 20mg e bloqueador dos canais de cálcio - 20mg), polímero catiônico livre de alumínio e cálcio - 0,25 mg, vitaminas do complexo B e vitamina C - 500mg, acetato de cálcio - 700mg , acido fólico - 5mg eritropoetina sintética (3000 u) e glicosídeo digitálico - 0,25 mg. O participante apresentava independência funcional para todas as atividades instrumentais de vida diária. O participante possuia diagnóstico de osteoartrite da articulação coxofemoral direita e faz uso de dispositivo de auxílio à marcha (bengala). O grau de comprometimento motor decorrente da osteoartrite não impediu que o participante realizasse todas as atividades propostas neste estudo, apenas foi orientado que durante a realização do treinamento em cicloergômetro de membros inferiores a flexão e abdução excessiva dos quadris fossem evitadas. Os parâmetros demográficos, antropométricos e hematológicos do participante do estudo estão representados na TABELA 1.
O participante aumentou em 70 metros (12,2%) a distância
respectivamente. A PSE obtida nos testes não modificou após
caminhada no teste de caminhada de seis minutos após as oito
o treinamento. Os parâmetros do teste de caminhada de seis
semanas de treinamento. A FC, FR e a PA de repouso sistóli-
minutos obtidos pelo participante pré e pós-intervenção estão
ca e diastólica reduziram em (6,17%, 22,2%), (15,3% e 12,5%)
representados na TABELA 2.
Com relação à QV, os domínios aspecto físico (escore de
redução de 21,9% e 5% respectivamente. O escore do domínio
100), estado geral da saúde (escore de 92), vitalidade (escore
aspecto emocional passou de 66,6 para 100 representando um
de 65) não modificaram. Os escores dos domínios dor e saúde
aumento de 50,1%. Os escores dos domínios do questionário
mental eram 41 e 80 na avaliação pré-intervenção e passaram
SF-36 obtidos pelo participante pré e pós-intervenção estão re-
para 32 e 76 na avaliação pós-treinamento, representando uma
presentados no GRÁFICO 1. PÓS EM REVISTA l 269
seis minutos e do escore do SF-36 obtidos pelos indivíduos com DISCUSSÃO
IRC no período pré-intervenção com valores obtidos por sujeitos
Pacientes com IRC em tratamento hemodialítico apresen-
saudáveis e foi evidenciado uma redução significativa destes
tam uma perda progressiva de sua capacidade funcional e de
parâmetros nos indivíduos com IRC (DEPAUL et al, 2002).
sua QV. Apesar das evidências poucos são os estudos que ava-
Painter et al em um estudo controlado de 16 semanas de
liaram a capacidade funcional e após treinamento aeróbico (DE-
exercícios aeróbicos individualizados com aumento progressi-
PAUL et al, 2002; PAINTER et al, 2000a). A literatura apresenta
vo da carga e duração, demonstraram que houve aumento da
divergências quanto aos resultados do teste de caminhada de
distância caminhada que foi avaliado pelo teste de caminhada
seis minutos e da QV de pacientes com IRC que realizaram trei-
de seis minutos, bem como melhora da função física avaliada
namento aeróbico durante a HD (MOUG et al, 2003; DEPAUL et
pelo questionário SF-36, no grupo intervenção comparado com
al, 2002; PAINTER et al, 2000a).
o controle (PAINTER et al, 2000a).
DePaul et al observaram que após 12 semanas de inter-
Moug et al. envolvendo exercícios aeróbicos de cicloergô-
venção com cicloergômetro de membros inferiores associados
metro de membros inferiores realizados durante a HD, verifica-
ao fortalecimento muscular de quadríceps e isquiossurais houve
ram que a pós seis semanas de intervenção não foram suficien-
um aumento significativo no teste de exercício submáximo no
tes para desencadear melhoras significativas da capacidade
grupo intervenção, porém não foi observada diferença signifi-
funcional no grupo intervenção (MOUG et al, 2003).
cativa da distância caminhada no teste de caminhada de seis
Em uma revisão sistemática a respeito dos efeitos do exer-
minutos do grupo intervenção comparado com o grupo controle
cício físico em pacientes que realizam hemodiálise foi observado
que não realizou nenhuma intervenção. Quanto à avaliação da
que a duração dos programas de treinamentos variou de seis
QV realizada pelo questionário SF-36, os autores também não
semanas a quatro anos e que os programas de exercícios físicos
observaram diferenças significativas entre os resultados do gru-
com duração igual ou superior a oito semanas apresentaram
po intervenção e do grupo controle. Os autores compararam
efeitos benéficos nos aspectos físicos, funcionais e psicológicos
os valores da distância caminhada no teste de caminhada de
dos participantes (CHEEMA & SINGH, 2005).
270 | PÓS EM REVISTA
Kouidi et al fizeram uma comparação de duas formas de
tensão (MOORE et al, 1998).
aplicação dos programas de exercícios: grupo A que realizaram
O protocolo de treinamento foi realizado durante as duas
exercícios nos dias de não diálise e grupo B que realizam exer-
primeiras horas de hemodiálise e os efeitos adversos observa-
cícios durante HD. Os resultados mostraram que houve melho-
dos durante o período de treinamento foram mínimos. Nas duas
ra significativa da capacidade funcional avaliado pelo teste de
primeiras semanas de treinamento o participante apresentou
caminhada de seis minutos e da QV avaliada pelo SF-36, tanto
cefaléia logo após o término dos exercícios, não havendo, en-
após um ano quanto após quatro anos de intervenção, no grupo
tretanto alterações importantes da PA e FC. O participante evo-
A e no grupo B. O número de desistência foi maior no grupo A
luiu com alívio da cefaléia após as duas semanas e não mais
(37,5%) quando comparado com o grupo B (21%). Os exercí-
apresentou este sintoma durante as sessões. Na quarta semana
cios realizados durante HD mostraram ser de maior preferência
de treinamento o participante apresentou dores na articulação
e mais convenientes pelo fato dos participantes não terem que
coxofemural direita durante toda a sessão. Neste dia, o treina-
dispor te tempo extra já que estes se encontravam no local onde
mento aeróbico foi realizado de forma intermitente, de acordo
seria realizado o exercício físico (KOUIDI et al, 2004). Os exercí-
com a queixa de dor relatada pelo participante.
cios realizados nos dias em que o paciente realiza HD possuem
Durante a HD há uma redução de peso, de osmoralidade,
maior adesão dos pacientes e no presente estudo o participante
volume plasmático e de potássio. Estas alterações, associada
apresentou uma assiduidade ao programa de 100%.
ao uso crônico de drogas vasoativas e os possíveis efeitos ne-
Segundo a literatura a distância caminhada no teste de ca-
gativos da membrana e do alcalinizante em uso sobre o siste-
minhada de seis minutos em indivíduos saudáveis variam de
ma circulatório, produzem instabilidade cardiovascular podendo
400 a 700 metros. O participante deste estudo apresentou uma
ocorrer o mecanismo de hipotensão arterial, em cerca de 30 a
distância caminhada no teste de 504 metros (pré intervenção) e
50% dos pacientes (CHOR, BOIM & SANTOS, 2004). Estudos
uma distância de 574 metros (pós intervenção). Na literatura não
que realizaram o exercício durante a HD apontaram a hipoten-
existem dados para avaliação de ganhos da distância caminha-
são como o principal evento adverso ocorrido durante a reali-
da e qual a sua relação com o ganho na capacidade funcional
zação do exercício (STORER et al, 2005; CHOR, BOIM & SAN-
em pacientes com IRC. Em pacientes com doença pulmonar
TOS, 2004; PARSONS, TOFFELMIRE & KING-VANVLACK, 2004;
obstrutiva crônica acredita-se que aumentos de aproximada-
PAINTER et al, 2000b).
mente 50 metros representam ganhos clínicos importantes para estes pacientes (ENRIGHT, 2003, LACASSE et al, 1996).
Os estudos que tem utilizado o SF- 36 para avaliar QV de pacientes com IRC em tratamento hemodialítico, têm observado
Outro aspecto relevante que deve ser pontuado, é que no
importante comprometimento das condições físicas e emocio-
segundo teste além do aumento da distância caminhada o par-
nais dessa população (CASTRO et al, 2003). A literatura eviden-
ticipante manteve níveis de FC, FR, PA abaixo dos valores do
cia que a prática de exercícios físicos de forma regular propor-
primeiro teste, além disso seu nível de percepção em relação
ciona ao indivíduo benefícios físicos, emocionais e a sensação
ao esforço permaneceu o mesmo, estes achados sugerem uma
de bem estar. No presente estudo, após as oito semanas de trei-
melhor tolerância ao esforço após o treinamento.
namento, foi observado aumento do escore do domínio aspecto
Miller et al. em um estudo controlado, verificou que exercí-
emocional. Acredita-se que o aumento deste escore esteja re-
cios aeróbicos em cicloergômetro de membros inferiores duran-
lacionado com os efeitos do protocolo de treinamento aeróbico
te a hemodiálise produziram redução da PA e FC basal, redução
realizado (CHEEMA & SINGH, 2005; KNAP, 2005; MAGALHÃES
da resistência vascular periférica e também redução de 36% no
et al, 2004; KOUIDI, 2002; MILLER et al., 2002).
uso de medicamentos anti-hipertensivos após seis meses de in-
A presença de uma doença crônica está associada à pio-
tervenção (MILLER et al., 2002). Neste estudo tanto a FC quanto
ra da QV de uma população. Autores demonstram redução na
e PA de repouso reduziram após 8 semanas de treinamento su-
QV de pacientes com IRC, quando comparados á população
gerindo a possibilidade de terem ocorrido adaptações cardio-
geral (MARTINS & CESARINO, 2005; CASTRO et al, 2003). O
vasculares positivas ao treinamento aeróbico
participante apresentou comprometimento nos diferentes domí-
Segundo o estudo de Moore et al tanto o treinamento aeró-
nios avaliados pelo questionário SF-36, sendo que os menores
bico quanto o de força muscular, devem ser realizados durante
valores foram observados nas dimensões dor e vitalidade. É im-
as duas primeiras horas da HD, pois nesse período o paciente
portante lembrar que essas dimensões avaliam principalmente
está hemodinamicamente estável e após este período há maior
a sensação de desânimo e falta de energia que são sintomas
chance de ocorrerem fadiga, câimbras e principalmente a hipo-
freqüentes em pacientes com IRC. As limitações referentes aos PÓS EM REVISTA l 271
aspectos emocionais, referem-se a problemas com o trabalho ou outras atividades diárias como resultante de problemas emocionais, gerando baixos escores, refletindo, assim, comprometimento desse domínio. O domínio dor apresentou uma redução de 21,9%. Essa redução pode estar associada à um aumento da intensidade das atividades realizadas pelo participante no seu dia-a-dia e também devido à osteoartrite da articulação coxofemural direita. Após as oito semanas de intervenção que registrassem por escrito as modificações percebida por ele. “Embora seja difícil relatar a atenção expressiva que
CASABURI, R.; COATES, A. L..; ENRIGHT, P. L.; MACINTYRE, N. R.; MCKAY, R. T. ATS statement: guidelines for the six- minute walk test. American Journal Respiratory and Critical Care Medicine, v.166, n.1, p. 111-117, 2002. CASTRO, M.; CAIUBY, A. V. S.; DRAIBE, S. A.; CANZIANI, M. E. F. Qualidade de vida de pacientes com insuficiência renal crônica em hemodiálise avaliada através do instrumento genérico SF- 36. Revista Associação Médica Brasileira, v. 49, n. 3, p. 25-36, 2003. CHEEMA, B.; SINGH, M. Exercise training in patients receiving maintenance hemodialysis: A systematic review of clinical trials. American Journal of Nephrology, v. 25, n. 4, p. 352-364, 2005.
recebi das pesquisadoras, porque não dizer amigas pesquisadoras, isto eu falo pelo benefício que pude sentir em tão pouco tempo nas sessões de fisioterapia realizadas durante a hemodiálise no Hospital São Francisco em BH. Pois só quem faz hemodiálise pode realizar uma caminhada subindo ladeira, e não sentir as pernas pesadas ou coração disparado. E foi este bem
CHOR, N.; BOIM, M. A.; SANTOS, O. F. P. Bases Moleculares da Nefrologia. Clínica Médica - Medicina Celular e Molecular. São Paulo: Atheneu, p. 204-220, 2004. CLEARY, J.; DRENNAN, J. Quality of life patients on hemodialysis for end-stage renal disease. Journal of Advanced Nursing, v. 51, n. 6, p. 577-586, 2004.
estar que senti.” Estudos mostram que o comprometimento da QV desses pacientes com IRC pode ser modificado através de atitudes, respostas e ação deles próprios, através de intervenções de programas de atividades aeróbicas dos profissionais envolvidos nos programas e de políticas de saúde direcionadas aos portadores de IRC (MARTINS & CESARINO, 2004). CONCLUSÃO O exercício físico aeróbico realizado durante a HD promove benefícios na capacidade funcional e na QV. Embora os resultados encontrados neste estudo tenham sido positivos tanto em relação à capacidade funcional quanto à QV, a generalização
DEPAUL, V.; MORELAND, J.; EAGER, T.; CLASE, M. C. The Effectiveness of Aerobic and Muscle Strength Training in Patients Receiving Hemodialysis and EPO: A Randomized Controlled Trial. American Journal of Kidney Diseases, v. 40, n. 6, p. 1219-1229, 2002. DIAS, R. C.; DIAS, J. M. D. Avaliação da qualidade de vida relacionada à saúde em idosos com osteoartrite de joelhos. Revista Brasileira fisioterapia, v. 6, n. 3, p. 105-111, 2002. DIRETRIZES BRASILEIRAS DE DOENÇA RENAL CRÔNICA. Jornal Brasileiro de Nefrologia, v.26, n. 5, p.1-3, 2004. EBRAHIM, S. Clinical and Public Health Perspectives and Applications of Health-Related Quality of Life Measurement. Social science & medicine, v. 41, n. 10, p. 1383-1394, 1995.
desses resultados para a população com IRC é limitada pelo fato de se tratar de um estudo de caso. Sabe-se que essa abordagem ainda é muito pouco utilizada na prática clínica, sendo necessário maior conhecimento acerca dos benefícios do treinamento aeróbico realizado durante a HD. Por se tratar de um tema recente e ainda pouco explorado mais estudos são necessários para confirmação destes achados. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABENSUR, H. Anemia da Doença Renal Crônica. Jornal Brasileiro de Nefrologia, v. 26, n. 3, p.1-4, ago. 2004. AMILTON D.M.; HAENNEL R.G.; Validity. and Reliability of the 6 – Minute walk test in a cardiac rehabilitation population. Journal of Cardiopulmonary Rehabilitation, v.20, n. 3, p.156-164, 2000.
272 | PÓS EM REVISTA
ENRIGHT, P. L. The Six-Minute Walk Test. Respiratory care, v. 48, n. 8, p. 783-785, 2003. FERREIRAS, S. R. S.; ROCHA, A. M.; SARAIVA,J. F. K. Estatinas na doença renal crônica. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, v. 85, n. 5, p. 58-67, 2005. KNAP, B.; PONIKVAR, J. B.; PONIKVAR, P.; BREN, A. F. Regular Exercise as a Part of Treatment for Patients With End-stage Renal Disease. Therapeutic Apheresis and Dialysis, v. 9, n. 3, p. 211-213, 2005. KOUIDI, E; Exercise training in dialysis patients: why, when, and how? International Society for Anrtificial Organs, v. 26, n. 12, p. 1009-1013, 2002. KOUIDI E., GREKAS D., DELIGIANNIS A., TOURKANTONIS A. Outcomes
of longterm exercise training in dialysis patients: comparison of two training programs. Clinical Nephrology. v. 61, p. 31-38, 2004. LACASSE, Y.; WONG, E.; GUYATT, H. G.; KING, D.; COOK, J. D.; GOLDSTEIN, S. R. Meta-analysis of respitory rehabilitation in chronic obstrutive pulmonary disease. Lancet, v. 348, n. 8, p. 1115-1119, 1996. MAGALHÃES, H. G.; PINTO, T. A.; REBOREDO, M. M.; FONSECA, F. D.; ALMEIDA, P. C. Análise da eficiência do atendimento fisioterapêutico em pacientes com doenças renal crônica em hemodiálise. In: Anais do II Congresso Brasileiro de Extensão Universitária. Belo Horizonte, 2004. MARTINS, M. R. I.; CESARINO, C. B. Atualização sobre programa de educação e reabilitação para pacientes renais crônicos submetidos à hemodiálise. Jornal Brasileiro de Nefrologia, v. 26, n. 1, p. 45-50, 2004. MARTINS, M. R. I.; CESARINO C. B. Qualidade de vida de pessoas com doença renal crônica em tratamento hemodialítico. Revista Latino Americana de Enfermagem, v.13, n. 5, p. 670-676, 2005. MILLER, B. W.; CRESS, C. L.; JOHNSON, M. E.; NICHOLS, D. H.; SCHNITZIOR, M. A. Exercise During Hemodialysis Decreases the Use of Antihypertensive Medication. American Journal of Kidney Diseases, v. 39, n. 4, p. 828-833, 2002. MOORE, G. E.; PAINTER, P. l.; BRINKER, K. R.; GUNDERSEN, J. S.; MITCHELL, J. H. Cardiovascular Response to Submaximal Stationary Cycling During Hemodialysis. American Journal of Kidney Diseases, v. 31, n. 4, p. 631-937, 1998. MOREIRA, P. R.; BARROS, E. Atualização em fisiologia e fisiopatologia renal: bases fisiopatológicas da miopatia na insuficiência renal crônica. Jornal Brasileiro de Nefrologia, v. 22, n. 1, p. 40-44, 2000. MOUG J., GRANT S., CREED G., JONES M.B. Exercise during hemodialysis: West of Scotland Pilot Study. Scott Med J. v. 49, p. 14-17, 2003. NETO, J.F.R.; FERRAZ, M. B.; CENDOROGLO, M.; DRAIBE, S. NETO, J.F.R.; FERRAZ, M. B.; CENDOROGLO, M.; DRAIBE, S. Quality of life at the initiation of maintenance dialysis treatment - comparison between the sf-36 and the questionnaires. Quality of Life Research, n. 9, p. 101-107, 2000.
OH-PARK, M. et al. Exercise for the dialyzed: Aerobic and strength training during hemodialysis. American Journal of Physical Medicine & Rehabilitation, v. 81, n. 11, p. 814-821, 2002. PAINTER, P.; CARLSON, L.; CAREY, S.; PAUL, S. M.; MYLL, J. LowFunctioning hemodialysis patients prove with exercise training. American Journal of Kidney Diseases. v. 36, n. 3, p. 600-608, 2000a. PAINTER, P.; CARLSON, L.; CAREY, S.; PAUL, S.; MYLL, J. Physical functioning and healh related Quality-of-live changes with exercise training in hemodialysis patients. American Journal of Kidney Diseases, v. 35, p. 482-492, apr. 2000b. PARSONS T, TOFFELMIRE E, KING-VANVLACK C. The effect of an exercise program during hemodialysis on dialysis efficacy, blood pressure and quality of life end-stage renal disease (ESRD) patients. Clinical Nephrology, v. 61, p. 261-274, 2004. ROSNER, M. Hemodialysis for the Non-nephrologist. Southern Medical Journal, v. 98, n. 8, p. 795-791, aug. 2005. STORER, W., CASABURI, R., SAWELSON S., KOPPLE J.D. Endurance exercise training during hemodialysis improves strength,power, fatigability and physical performance in maintenance hemodalysis patients. Nephrology Dialyses Transplant. v. 20, p. 1429-1437, 2005. THE WORLD HEALTH ORGANIZATION QUALITY OF LIFE ASSESSMENT (WHOQOL): POSITION PAPER FROM THE WORLD HEALTH ORGANIZATION. Social Science and Medicine, v. 41, n. 10, p.1403-1409, 1995.
NOTAS DE RODAPÉ Docente do Curso de Fisioterapia do Centro Universitário Newton Paiva, Doutora em Ciências da Reabilitação/UFMG. E-mail: regimarcia@ yahoo.com.br
1
Docente do Curso de Fisioterapia do Centro Universitário Newton Paiva, Mestre em Ciências da Reabilitação/UFMG
2
3
Fisioterapeutas graduadas no Centro Universitário Newton Paiva.
PÓS EM REVISTA l 273
Tratamento Fisioterápico na Escoliose Adriane Lopes Alves1 George Schayer Sabino2 Raphael Borges de Oliveira Gomes3 Diogo Carvalho Felício4
RESUMO: Através de uma revisão sistemática, o objetivo do presente trabalho foi buscar informações relativas aos tratamentos fisioterápicos empregados no manejo da escoliose idiopática. Foram utilizadas as bases de dados: Pubmed, Medline, Bireme, Lilacs, Scielo e PEDro. Foram extraídos de cada estudo dados sobre: tipo de intervenção, duração da intervenção, características da amostra e alterações no ângulo de Cobb. Foram incluídos no estudo 18 artigos. Em média ocorreu uma melhora de -6,8° (±5,71º) no ângulo de Cobb. Diversos métodos e técnicas fisioterapêuticas, aparentemente tem o potencial de reduzir a curvatura escoliótica. São necessários estudos mais elaborados para aumentar a força dessa evidência. Palavras-chave: Escoliose, Fisioterapia, Reabilitação.
INTRODUÇÃO
musculares no tronco, tornando a musculatura do lado côncavo
A escoliose é um desvio postural da coluna vertebral, carac-
retraída, e mais alongada no lado convexo, o que irá caracteri-
terizada por uma curvatura anormal no plano frontal, superior a
zar um problema de disposição muscular, com consequentes
10º, associada ou não à rotação dos corpos vertebrais nos pla-
sobrecargas assimétricas (KISNER, COLBY, 2005). Isto poderá
nos transverso e sagital (REAMY, SLAKEY, 2001; KANE, 1977).
levar ao aparecimento de outras patologias como a osteoartrite
Esse tipo de alteração na postura da coluna pode ser classi-
(CONOLLY et al, 1998) e a hérnia de disco (PINTO et al, 2002).
ficada em estrutural e não-estrutural. Uma escoliose estrutural
Abrangendo, dessa forma, questões posturais e musculoes-
envolve uma curvatura lateral irreversível com rotação fixa das
queléticas, o tratamento da escoliose idiopática (EI) envolve es-
vértebras. A escoliose não-estrutural, também denominada de
sencialmente procedimentos fisioterápicos. Existem vários méto-
escoliose funcional ou postural, é reversível e pode ser alterada
dos fisioterápicos citados para o tratamento da escoliose, como:
com mudanças de posição (KISNER, COLBY, 2005).
Reeducação Postural Global (RPG) (SOUCHARD, OLLIER, 2001),
A escoliose está presente em 1 a 3% dos adolescentes,
Isostretching (REDONDO, 2001), Osteopatia (RIBEIRO, 2007),
sendo as meninas as mais afetadas, numa proporção de apro-
Cadeias Musculares (BUSQUET, 2001), Pilates (RODRIGUES et
ximadamente 4/1 (VELEZIS et al, 2002). Diversos fatores são
al, 2010), método Klapp (FISCHINGER, 1984), método Schroth
mencionados como possíveis causas para o desenvolvimento
(SCHROTH, 1992) e Mézières (MÉZIÈRES, 1984).
da escoliose (BADARO et al, 1995), entretanto, o tipo mais co-
Entretanto, a conduta de tratamento, ou mesmo a eficácia da
mum na população é a idiopática, aonde a causa é desconheci-
intervenção sobre essa disfunção, ainda são pouco conhecidas
da (STOKES et al, 1998) .
e por vezes muito questionadas (SEGUNDO-MOZO et al, 2009;
A maioria das escolioses idiopáticas adolescente é assin-
ROMANO, NEGRINI, 2008). Dessa forma, o objetivo deste estudo
tomática antes de atingir grandes angulações, normalmente
foi realizar uma busca abrangente na literatura científica atual a
produzindo sintomas acima de 40° Cobb (TORREL et al, 1981).
respeito dos diferentes tipos de tratamentos fisioterápicos empre-
Afetando o sistema musculoesquelético da região torácica, a es-
gados na conduta de pacientes com EI e relatar seus resultados.
coliose, nesses casos mais graves, poderá levar a restrições da função pulmonar (BADARO et al, 1995).
MATERIAL E MÉTODO
Todavia é importante observar a presença da escoliose pre-
A procura dos artigos foi realizada através das bases de da-
viamente ao aparecimento de sintomas, pois a detecção preco-
dos: Pubmed, Medline, Bireme, Lilacs, Scielo e PEDro em busca
ce irá aumentar em três vezes a chance de sucesso com o tra-
de artigos relacionados ao tratamento fisioterapêutico para a es-
tamento conservador (TORREL et al, 1981). Além disto, mesmo
coliose nos idiomas inglês, português e espanhol. A busca foi feita
assintomática a escoliose poderá alterar a distribuição de forças
a partir da palavra chave: escoliose; combinada com: tratamento
e a atividade muscular na coluna predispondo a seu desgaste
conservador, reabilitação, fisioterapia, reeducação postural global,
precoce (CONOLLY et al, 1998; PINTO et al, 2002). Basicamen-
cadeias musculares, pilates, quiropraxia, manipulação, massagem,
te, a escoliose conduz a desequilíbrios de força e comprimento
mobilização, terapia manual, manipulação terapêutica, osteopatia e
274 | PÓS EM REVISTA
seus similares na língua inglesa e espanhola, sem restrições quanto
procedimentos a utilização de um grupo controle e um grupo
à data de publicação. Também foram observadas referências bi-
experimental, a alocação de forma aleatória entre os grupos e
bliográficas dos próprios artigos e de livros da área.
que, por fim, relataram o pré e o pós tratamento. Foram conside-
Considerando que o objetivo principal do trabalho foi anali-
rados estudos Quase-experimental os estudos que apresenta-
sar o efeito do tratamento fisioterápico para amenizar ou melhorar
vam grupos de tratamento, mas que não relataram alguma das
de forma conservadora a escoliose, foram excluídos os artigos
características citadas acima. São Estudos de Caso os trabalhos
que abordavam cirurgias e também o uso de coletes, mesmo que
que apresentavam apenas a descrição da intervenção para o
nesses casos tenham sido realizados anteriormente, posterior-
tratamento conservador da escoliose em um ou mais pacientes.
mente ou em conjunto técnicas ou exercícios fisioterápicos.
Dada a heterogeneidade das condições clínicas e das in-
Foram extraídos de cada artigo o tipo de intervenção, o tem-
tervenções observadas nos diversos trabalhos, optou-se por
po de duração da intervenção, as características da amostra e
agrupar seus resultados classificando-os apenas como positivo
os resultados. A fim de padronizar a comparação dos resultados
ou negativo, a partir da melhora ou não do ângulo de Cobb ob-
foi escolhido como desfecho da intervenção a medida do ângu-
servada após a intervenção. Por se tratar de uma medida con-
lo de Cobb. O ângulo de Cobb é uma medida feita através da
tínua e suscetível a erros, só foram consideradas melhoras no
intersecção de linhas traçadas no bordo superior e inferior das
ângulo de Cobb quando a alteração nessa medida foi superior
vértebras limites da curva vertebral (COBB, 1948; DICKSON, LEA-
ao desvio médio das alterações de todos os trabalhos incluídos,
THERMAN, 1998). É um método válido e confiável (GSTOETTNER
ou seja, quando a evolução foi superior à variância da amostra.
et al, 2007) e é o método mais mencionado na literatura para a avaliação da escoliose. O ângulo de Cobb pode ser utilizado tanto para documentar a progressão da curva como para selecionar e avaliar a efetividade de um tratamento (CUNHA et al, 2009). Para comparação metodológica e análise do nível de evidência os artigos foram classificados em Ensaio Clínico Aleatorizado (ECA), Quase-experimental e Estudo de Caso. Foram classificados como ECA os trabalhos que relatavam em seus
RESULTADOS
A partir da busca pré determinada foram selecionados
18 artigos, dos quais 8 nas línguas inglesa e espanhola e 10 em língua portuguesa, os dados desses artigos encontram-se expressos nas tabelas 1 e 2. A classificação dos artigos quanto a seu formato se encontra exposta no Quadro 1.
PÓS EM REVISTA l 275
276 | PÓS EM REVISTA
PÓS EM REVISTA l 277
A partir dos dados apresentados é possível perceber que a
tivos para o tratamento da escoliose. Cinco estudos (ROWE et
amplitude das variações no ângulo de Cobb foi de uma redução
al, 2006; BORGHI et al, 2008; BONORINO et al, 2007; FREGO-
do ângulo de -18,5º (NEGRINI, A et al, 2008) a um aumento do
NESI et al, 2007; OLIVEIRAS, SOUZA, 2004) não apresentaram
ângulo de +6° (MANHÃES et al, 2009). Em média ocorreu uma
melhoras homogêneas no ângulo de Cobb superior ao desvio
melhora de -6,8° com desvio padrão de ± 5,71º. Cinco estudos
pré determinado e foram assim classificados de forma negativa
não se enquadram nestes resultados citados acima, pois três es-
(sem melhora).
tudos não utilizaram a medida do ângulo de Cobb para avaliar a
Além do ângulo de Cobb, foram avaliados nos artigos: a
efetividade do tratamento (LASLETT, 2009; ARAÚJO et al, 2010;
dor, a flexibilidade, a força e retração muscular, o alinhamento
IUNES et al, 2010); um estudo não relatou os valores do ângulo
das curvas (lordoses e cifoses), o equilíbrio, o ângulo de rotação
de Cobb mesmo citando sua melhora (MANHÃES et al, 2009) e
vertebral, a simetria corporal, a expansibilidade torácica, os sin-
um estudo não relatou os valores do ângulo de Cobb em graus,
tomas respiratórios (dispnéia e infecção de repetição) e a quali-
expressando-o em dados percentuais (NEGRINI, S et al, 2008).
dade de vida, as quais foram observadas para citação, mas não
Oito estudos (BROOKS et al, 2009; NEGRINI, A et al, 2008;
analisadas no presente estudo.
MONSALVE et al, 2007; MORNINGSTAR, WOGGON, LAWREN-
O tempo médio da intervenção nos estudos foi de 21 se-
CE, 2004; MORNINGSTAR, STRAUCHMAN, GILMOUR, 2004;
manas, sendo que 2 estudos (BROOKS et al, 2009; MARQUES,
GESSER et al, 2007; MOLINA, CAMARGO, 2003; MARQUES,
1996) não apresentaram esta informação. O tempo empregado
1996) relataram melhora do ângulo de Cobb maior que 5,71º e
em relação à utilização de cada técnica utilizada se encontra
foram assim classificados como apresentando resultados posi-
descrito na Tabela 3.
278 | PÓS EM REVISTA
O total de participantes incluídos nos estudos abordados foi
respeito de uma intervenção particular, mas que apresenta um
de 191 indivíduos, destes, 124 são do sexo feminino, sendo que
grau de evidência limitado para extrapolação de seus achados.
2 estudos incluídos não forneceram esta informação (MORNIN-
O grande número de estudo de casos sobre escoliose (9 artigos)
GSTAR, WOGGON, LAWRENCE, 2004; MANHÃES et al, 2009).
catalogados em bases de dados de qualidade (Pubmed, Bireme,
Em 3 estudos a amostra apresenta indivíduos com idade igual
Lilacs, e PEDro), nos mostra que é comum o tratamento fisiote-
ou maior que 40 anos (BROOKS et al, 2009; LASLETT, 2009;
rápico conservador dessa condição e que seus resultados são
MORNINGSTAR, WOGGON, LAWRENCE, 2004). Nos outros 15
promissores, considerando a melhora média dessa condição e
estudos, os indivíduos apresentam idade igual ou menor que 25
que nenhum desses relatou efeitos colaterais ou complicações
anos, sendo que em 10 destes estudos os indivíduos apresen-
significativas. Todavia, para se aumentar a certeza dessa afirma-
tam idade igual ou menor que 18 anos.
ção estudos mais bem elaborados metodologicamente são necessários, e não temos como escapar dessa afirmação. Ou seja,
DISCUSSÃO
pôde-se observar que a escoliose é uma condição presente na
Houve uma melhora média de -6,8° no ângulo de Cobb
clínica de fisioterapia, na qual o tratamento apresenta-se, aparen-
nos estudos selecionados. Tal melhora é superior ao desvio
temente, promissor, apesar de não se ter certeza disso com base
mínimo predeterminado. Todavia, alguns pontos merecem
nos níveis de evidência disponíveis na literatura atual.
ser observados.
Existem diversos tipos de intervenções diferentes que
A inclusão na presente revisão de apenas dois ECAs cor-
podem ser empregadas no tratamento da EI. É possível que
robora com os aspectos previamente discutidos na introdução
uma técnica não seja melhor que outra e elas sejam, sim,
sobre o desconhecimento e, portanto, razoáveis questionamen-
complementares ou específicas para condições diferentes.
tos a respeito do tratamento conservador da escoliose. Todos os
A intenção principal do presente trabalho não foi determinar
tipos de estudo têm sua importância literária, todavia, determi-
qual seria a técnica mais eficiente ou não, e sim averiguar
nadas metodologias são mais apropriadas para se determinar a
quais seriam as diversas possibilidades descritas na literatura
real eficácia de uma intervenção, como no caso dos ECAs.
para lidar com a EI. Dessa maneira, segue abaixo (Tabela 4)
O trabalho atual não se ateve à seleção de ECAs apenas. Ao
uma descrição sucinta para elucidar a respeito das diversas
incluir diversos tipos de trabalhos (como os estudos de caso), o
técnicas catalogadas. O leitor que se interessar por determi-
presente estudo optou por considerar todas as evidências dis-
nada técnica deve buscar livros específicos sobre tal forma de
poníveis. Estudo de caso é um tipo de intervenção importante,
intervenção, bem como os artigos referenciados no presente
a qual norteia o profissional, pois aborda aspectos específicos a
trabalho. PÓS EM REVISTA l 279
O tempo médio da intervenção fisioterápica analisada nos es-
da amostra) e cinco artigos foram classificados como negativos
tudos foi de 21 semanas, sendo que um estudo (MANHÃES et al,
ou sem alteração (38% da amostra), o que nos indica que o tra-
2009) realizou a intervenção por apenas 4 semanas e três estudos
tamento fisioterapêutico para a EI é próspero, mesmo levando
(NEGRINI, S et al, 2008; NEGRINI, A et al, 2008; FREGONESI et
em consideração para essa classificação índices conservadores
al, 2007) apresentaram o tempo máximo de intervenção entre os
como a variância da amostra.
artigos selecionados, totalizando 48 semanas de intervenção (um
A opção do presente trabalho de selecionar apenas a medi-
ano). Vale observar que, para que a melhora da condição mus-
da do ângulo de Cobb também pode ser considerada distinta e,
culoesquelética se mantenha após o tratamento, é necessário
portanto, polêmica. Essa opção teve como propósito certificar-
que o paciente mantenha bons hábitos de vida e, recomenda-se,
-se, através de uma medida precisa, a real evolução do trata-
também, que ele continue sendo acompanhado periodicamente.
mento. Essa opção acarretou a ausência da análise de alguns
Os artigos estudados apresentam em sua amostra 65% de
dados importantes apresentados nos estudos. Todavia, mesmo
indivíduos do sexo feminino e 71% com idade igual ou menor
sem explicitar seus resultados, os estudos foram incluídos para
que 18 anos, demonstrando coerência quanto à seleção da
que sua forma de intervenção fosse apresentada e divulgada.
amostra a partir da prevalência dessa condição na população
Os autores do presente trabalho não preconizam a obrigatorie-
(VELEZIS et al, 2002).
dade do uso do ângulo de Cobb para o acompanhamento tera-
Este estudo apresentou 18 artigos sendo que 5 destes não
pêutico da EI, porém é importante ressaltar que quaisquer que
apresentaram resultados numéricos em graus quanto ao ângulo
sejam as medidas empregadas elas deverão ser confiáveis e
de Cobb, restando 13 artigos que contém esta informação. Oito
válidas, sob risco de colocar em dúvida todas as conclusões a
artigos foram classificados como tendo resultado positivo (62%
respeito de um tratamento.
280 | PÓS EM REVISTA
CONCLUSÃO Diversos métodos e técnicas fisioterapêuticas, mesmo sem estarem associadas ao uso de coletes ou a realização de procedimentos cirúrgicos, podem reduzir a curvatura da escoliose idiopática. Porém, são necessários estudos com desenhos metodológicos mais elaborados para aumentar a força dessa afirmação.
REFERÊNCIAS ARAÚJO, M.E.A.; SILVA, E.B.; VIEIRA, P.C.; CADER, S.A.; MELLO, D.B.; DANTAS, E.H.M. Redução da dor crônica associada à escoliose não estrutural, em universitárias submetidas ao método Pilates. Motriz, v.16, n.4, p.958-66, 2010. BADARO, A.F. et al. Efeitos da escoliose sobre a função pulmonar. Fisioterapia em Movimento, v.8, n.1, p.25-31, 1995. BONORINO, K.C.; BORIN, G.S.; SILVA, A.H. Tratamento para escoliose através do Iso-stretching e uso de bola suíça. Cinergis, v.8, n.2, p.1-5, 2007.
BORGHI, A.S.; ANTONINI, G.M.; FACCI, L.M. Isostretching no Tratamento da Escoliose: Série de Casos. Saúde e Pesquisa, v.1, n.2, p.167-71, 2008.
Reversal of childhood idiopathic scoliosis in an adult, without surgery: a case report and literature review. Scoliosis, v.4, n.27, 2009.
BROOKS, W.J.; KRUPINSKI, E.A.; HAWES, M.C.
BUSQUET, L. As cadeias musculares: lordose, cifoses, escolioses e deformações torácicas. Belo Horizonte: Busquet, 2001. COBB, J.R. Outline for the study of scoliosis. In Instructional Course Lectures, The American Academy of Orthopaedic Surgeons (AAOS), v.5, p. 261-75, 1948 CONOLLY, B.H.; LEZBERG, S.F.; WEILER, D.R. Lo que los jóvenes y sus padres necesitan saber sobre la Escoliosis. Rev. Apta, p.01-16, 1998. CUNHA, A.L.L.M.; ROCHA, L.E.M.; CUNHA, L.A.M. Método de Cobb na escoliose idiopática do adolescente: avaliação dos ângulos obtidos com goniômetros articulados e fixos. Coluna/Columna, v.8, n.2, p.161170, 2009. DICKSON, R.A.; LEATHERMAN, K.D. The management of spinal deformities. Wright, p.1-54, 1998. FISCHINGER, B. Escoliose em fisioterapia. São Paulo: Panamed Editorial, 1984. FREGONESI, C.E.P.T.; VALSECHI, C.M.; MASSELLI, M.R.; FARIA, C.S.R.; FERREIRA, D.M.A. Um ano de evolução da escoliose com RPG. Fisioter. Bras., v.8, n.2, p.140-142, 2007.
GESSER, M.O.; OLIVEIRA, E.M.; SILVA, K.M.A. O uso da bola suíça no tratamento da escoliose. Um estudo de caso. Revista Digital, v.12, n.107, 2007. GSTOETTNER, M.; SEKYRA, K.; WALOCHNIK, N.; WINTER, P.; WACHTER, R.; BACH, C.M. Interand intraobserver reliability assessment of the Cobb angle: manual versus digital measurement tools. Eur Spine J., v.16, n.10, p.1587-92, 2007 IUNES, D.H.; CECÍLIO, M.B.B.; DOZZA, M.A.; ALMEIDA, P.R. Análise quantitativa do tratamento da escoliose idiopática com o método klapp por meio da biofotogrametria computadorizada. Rev Bras Fisioter., v.14, n.2, p.133-40, 2010. KANE, W.J. Scoliosis prevalence: a call for a statement of terms. Clin Orthop Relat Res., v.126, p.43-6, 1977. KISNER, C.; COLBY, L.A. Exercícios Terapêuticos. Fundamentos e Técnicas. São Paulo: Manole, 2005.
LASLETT, M. Manual Correction of An Acute Lumbar Lateral Shift, Maintenance of Correction and Rehabilitation: A Case Report with Video. Journal of Manual and Manipulative Therapy, v.17, n.2, p.78-85, 2009. MANHÃES, C.S.; CUNHA, G.P.A.; CISILIO, M.F.; BARACAT, P.J.F.; JORGE, F.S. Efeitos da corrente russa associada à postura sentada da RPG em pacientes com escoliose juvenil. Perspectivas Online, v.3, n.9, 2009. MARQUES, A.P. Escoliose tratada com Reeducação Postural Global. Rev Fisioter., v.3, n.1/2, p.65-68, 1996.
MÉZIÈRES, F. Originalité de la méthode Mézierès. Paris: Maloine, 1984. MOLINA, I.A.; CAMARGO, O.P. O tratamento da criança com escoliose por alongamento muscular. Fisioterapia Brasil, v.4, n.5, p.369-72, 2003. MONSALVE, C.Y.F.; CORENA, Z.M.G.; SAMUDIO, M.P.O. Estudio de caso: terapia manual en una paciente de 18 años con escoliosis juvenil idiopática. Rev. Cienc. Salud, v.5, n.3, p.78-90, 2007. MORNINGSTAR, M.W.; STRAUCHMAN, M.N.; GILMOUR, G. Adolescent idiopathic scoliosis treatment using pettibon corrective procedures: a case report. J Chiropr Med., v.3, n.3, p.96-103, 2004. MORNINGSTAR, M.W.; WOGGON, D.; LAWRENCE, G. Scoliosis treatment using a combination of manipulative and rehabilitative therapy: a retrospective case series. BMC Musculoskelet Disord., v.5, n.32, 2004. NEGRINI, A.; PARZINI, S.; NEGRINI, M.G.; ROMANO, M.; ATANASIO, S.; ZAINA, F.; NEGRINI, S. Adult scoliosis can be reduced through specific SEAS exercises: a case report. Scoliosis, v.3, n.20, 2008. PÓS EM REVISTA l 281
NEGRINI, S.; ZAINA, F.; ROMANO, M.; NEGRINI, A.; PARZINI, S. Specific exercises reduce brace prescription in adolescent idiopathic scoliosis: a prospective controlled cohort study with worst-case analysis. J Rehabil Med.,v.40, n.6, p.451-5, 2008. OLIVEIRAS, P.A.; SOUZA, D.E. Tratamento Fisioterapêutico em Escoliose através das Técnicas de Isostretching e Manipulações Osteopáticas. Terapia Manual, v.2, n.3, p.104-113, 2004. PINTO, F.C.G.; POETSCHER, A.W.; QUINHONES, F.R.E.; PENA, M.; TARICCO, M.A. Lumbar disc herniation associated with scoliosis in a 15-year-old. Arq Neuropsiquiatr., v.60, n.2A, p.295-298, 2002. REAMY, B.V.; SLAKEY, J.B. Adolescent idiopathic scoliosis: review and current concepts. Am Fam Physician, v.64, n.1, p.111-6, 2001. REDONDO, B. Isostretching: a ginástica da coluna. Piracicaba: Skin Direct Store, 2001. RIBEIRO, A.P.C.M.M. Osteopatia. Fisioterapia Especialidades, v.1, n.1, p.4-9, 2007. RODRIGUES, B.G.S.; CADER, S.A.; TORRES, N.V.B.; OLIVEIRA, E.M.; DANTAS, E.H.M. Pilates Method in Personal Autonomy, Static Balance, and Quality of Life of Elderly Females. J Bodyw Mov Ther, v.14, n.2, p.195-202, 2010. ROMANO, M.; NEGRINI, S. Manual therapy as a conservative treatment for adolescent idiopathic scoliosis: a systematic review. Scoliosis, v.3, n.2, 2008. ROWE, D.E.; FEISE, R.J.; CROWTHER, E.R.; GROD, J.P.; MENKE, J.M.; GOLDSMITH, C.H.; STOLINE, M.R.; SOUZA, T.A.; KAMBACH, B. Chiropractic manipulation in adolescent idiopathic scoliosis: a pilot study. Chiropr Osteopat., v.14, n.15, 2006. SCHROTH, C.L. Introduction to the three-dimensional Scoliosis treatment according to Schroth. Physiotherapy, v.78, n.11, p.810-15, 1992. SEGUNDO-MOZO, R.S.; VALDÉS-VILCHES, M.; AGUILAR-NARANJO, Y.J.J. Tratamiento conservador de la escoliosis. Papel de la cinesiterapia. Rehabilitación, v.43, n.6, p.281-6, 2009. SOUCHARD, P.; OLLIER, M. As escolioses. Seu tratamento fisioterapêutico e ortopédico. São Paulo: É Realizações, 2001. STOKES, I.A.F.; ARMSTRONG, J.G.; MORELAND, M.S. Spinal deformity and back surface asymmetry in idiopathic scoliosis. J Orthop Res., v.6, n.1, p.129-137, 1998. TORREL, G.; NORDWALL, A.; NACHEMSON, A. The changing pattern of scoliosis treatment due to effective screening. J Bone Joint Surg Am, v.63, n.3, p.337-41, 1981. VELEZIS, M.; STURM, P.F.; COBEY, J. Scoliosis screening revisited: fin-
282 | PÓS EM REVISTA
dings from the District of Columbia. J. Pediatr Orthop, v.22, n.6, p.78891, 2002.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Discente de Fisioterapia da Faculdade Pitágoras Betim. Email: adrianefisio@yahoo.com.br 2 Mestre em Ciências da Reabilitação pela UFMG. Docente da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais e do Centro Universitário Newton Paiva. Email: george@propulsao.com 3 Fisioterapeuta especialista em Ortopedia e Esportes. Docente de Fisioterapia da Faculdade Pitágoras Betim. Email: raphaborges82@yahoo. com.br 4 Mestrando em Ciências da Reabilitação pela UFMG. Docente Faculdade Pitágoras Betim. Email: diogofelicio@yahoo.com.br
O fantástico surrealista de Murilo Rubião Virgínia Carvalho de Assis Costa
O que é admirável no fantástico é que não existe mais o fantástico: só há o real. André Breton. resumo:O presente artigo pretende investigar meandros estilísticos do percurso literário de Murilo Rubião, indicando pontos em que as cores surrealistas se revelam. Entre tais aspectos destacam-se a manifestação de uma suprarealidade, as potencialidades revolucionárias e a relativização da loucura. Evidenciam-se, assim, o alcance do surrealismo e o hibridismo do texto muriliano.
Palavras-chave: Surrealismo. Murilo Rubião. Literatura fantástica.
INTRODUÇÃO
revelam. O objetivo desse estudo não é colocar uma etiqueta na
Em análises sobre os contos de Murilo Rubião, há apon-
obra muriliana, mas apontar o seu hibridismo e a conseqüente
tamentos para afinidades entre os textos do autor mineiro e o
impossibilidade de conceituação definitiva.
surrealismo. (BASTIDE, 1948; LUCAS, 1983; SCHWARTZ, 2006). No Primeiro Manifesto do Surrealismo, André Breton (1924/1976)
SUPRARREALIDADE
define o movimento francês como:
Os surrealistas travaram uma guerra cerrada contra o mun-
Automatismo psíquico pelo qual alguém se propõe a ex-
do cartesiano e os binarismos que ele acarreta. “O raciona-
primir seja verbalmente, seja de qualquer outra maneira,
lismo absoluto que continua na moda só permite considerar
o funcionamento real do pensamento. Ditado do pen-
fatos de pequena relevância de nossa experiência” (BRETON,
samento, na ausência de todo controle exercido pela
1976, p. 173). Uma das principais reivindicações do movimento
razão, fora de qualquer preocupação estética ou moral.
é a valorização da imaginação ilimitada, capaz de exceder a
(BRETON, 1924/1976, p.)
restritiva percepção realista do mundo. De maneira análoga, o
fantástico surge “para alargar as áreas da ´realidade’ humana Sabemos que Rubião reescrevia obsessivamente seus con-
interior e exterior que podem ser representadas pela lingua-
tos. “Reelaboro a minha linguagem até a exaustão numa busca
gem e pela literatura [...]” (CESERANI, 2006, p. 67). No modo
desesperada de clareza”. (RUBIÃO, 1974, p. 6). À primeira vista,
fantástico, entretanto, o real acaba soterrado pelo mundo da
nada poderia ser mais contrário aos propósitos surrealistas. En-
fantasia. É preciso que um dos dois sucumba para que o ou-
tretanto, o surrealismo ultrapassou largamente a primeira defini-
tro se realize. Ao contrário do que declara Breton na citação
ção de Breton. Questões levantadas pelo movimento, como as
que abre este artigo, não há mais real. “O fantástico supõe a
críticas ao racionalismo absoluto e o elogio à loucura e ao ma-
solidez do real a fim de arruiná-lo.” (CALLOIS apud GOULART,
ravilhoso, refletiram-se, ainda que indiretamente, nas produções
1995, p. 40). Todavia, no fantástico muriliano, as coisas se dão
artísticas posteriores. Murilo Rubião não seguia os modelos de
de outro modo, aproximando-o do surrealismo e confirmando
criação propostos pelo surrealismo, nem incluía o movimento
o seu peculiar hibridismo.
em suas influências. Entretanto, características surrealistas são fortemente evidenciadas em seus textos.
O que o movimento francês reclama é a reconciliação dos opostos. Contrapondo-se ao dualismo defendido pelo logocen-
O modo fantástico presente em todos os contos de Rubião
trismo ocidental, propõe-se o monismo, onde há espaço para
tem aspectos comuns ao movimento francês, mais marcada-
uma dupla presença. Ao contrário do que ocorre no fantástico,
mente a corrosão da racionalidade. Porém, em cada caso, tais
“para o monismo surrealista, as exigências das duas partes de-
aspectos apresentam feições próprias. O presente artigo preten-
vem ser mantidas, não sendo nenhuma delas anulada pela ou-
de, portanto, investigar meandros estilísticos do percurso literá-
tra”. (DUROZOI e LECHERBONNIER, 1972, p. 106). No primeiro
rio de Rubião, indicando pontos em que as cores surrealistas se
manifesto, Breton propõe que se institua a super-realidade ou PÓS EM REVISTA l 283
suprarealidade, onde estados contraditórios como o sonho e a realidade se relacionem. (BRETON, 1976, p. 177)
se intercalassem com a vigília. Não por acaso, o autor, bem ao gosto do surrealismo, decla-
Nos contos de Murilo Rubião, a presença do suprareal é
rava ter extraído a temática de “Epidólia” de um sonho. (Arrigucci
evidente, cria-se uma terceira via entre o real conhecido e a
Jr., 2001). São recorrentes em seus textos, personagens em es-
fantasia. O universo muriliano é lacunar, transgressor de tempo
tado de semi-sono ou em meio a devaneios, os sonhos diurnos.
e espaço, remetendo quase sempre ao formato dos sonhos ou
Em “O Bloqueio”: “[...] levava tempo para se integrar no novo dia,
de outras formações inconscientes. Na narrativa de Rubião, o
confundindo restos de sonho com fragmentos da realidade.” (RU-
insólito é dissolvido no cotidiano habitual, através de uma pri-
BIÃO, 2005, p. 245). Em “A noiva da casa Azul”: “O chefe do trem
morosa organização semântica e sintática. Esse labor harmo-
arrancou-me bruscamente do meu devaneio.” (RUBIÃO, 2005, p.
nioso que atua sobre os mais disparatados elementos acaba
52). A freqüência de tais passagens somada à escolha por conte-
por naturalizar o insólito.
údos revelados em sonhos parece concordar com a crença sur-
No conto “Bárbara”, o narrador é o marido dedicado de uma
realista de que os sonhos poderiam revelar a chave do comporta-
mulher impertinente, que lhe exige os mais inusitados presentes.
mento humano consciente. “Por que não haveria eu de esperar do
Ao mesmo tempo em que a esposa submete o marido aos seus
indício do sonho mais do que espero de um grau de consciência
pedidos, ela submete-se a ele, que os realiza. A cada desejo
cada dia mais elevado?” (BRETON, 1976, p. 175).
satisfeito, Bárbara engorda, chegando a proporções desmesuradas. Ainda que desenhados de acordo com as leis do fantásti-
POTENCIALIDADES REVOLUCIONÁRIAS
co, a bárbara esposa e a sua plenitude inalcançável fazem parte
Ao questionar a razão, o surrealismo coloca-se em oposição
do “real”. Cumpre-se assim o objetivo surrealista de promover
ao sistema. A liberdade radical é a maior bandeira ideológica do
a imaginação como forma de ampliar a percepção. O suprareal
movimento. A revolta latente acaba por empurrar parte do gru-
presente nos contos de Rubião acaba por dar lugar a um aflora-
po de uma atividade contemplativa a uma atitude revolucionária
mento de um real mais fundo.
com adesão ao Partido Comunista, em 19272. Ao ser acusado
O supra-real é um princípio imanente. Não se deixa redu-
de idealista pelos marxistas que veem o interesse pelos sonhos
zir ao irreal e não se opõe, portanto ao real. Distingue-se,
e as críticas à realidade, como fugas do concreto, Breton tenta
contudo daquilo que comumente é chamado real, porque
provar que o mundo dos sonhos e o mundo real são apenas um,
o mostra sob um aspecto completamente novo. Une nele,
corroborando sua adesão ao materialismo dialético. Além disso,
com efeito, todas as formas do real. Integra mesmo o que
“se a actividade onírica revela que o desejo humano não pode
se chama com facilidade o irreal, porque o irreal é pelo me-
ser realizado pelo mundo tal como ele é, não poderia existir con-
nos um elemento do imaginário, e o imaginário uma forma
tradição entre a continuação do seu estudo e a de uma atividade
de existência humana. (BRETON, 1976, p. 109)
revolucionária.” (DUROZOI; LECHERBONNIER, 1972, p. 142) Este homem fadado à irrealização, preso ao mal-estar na
“Epidólia” relata a busca de Manfredo pela amada, que de-
civilização freudiano, é o mesmo que figura nos contos de Murilo
saparecera repentinamente de seus braços. Durante a procura,
Rubião. A angústia da impossibilidade imprime-se no tom trági-
a personagem cruza com tipos como um marujo com moedi-
co e aflitivo que encerra a maioria absoluta dos contos. Vejamos
nhas de ouro dependuradas na barba e um pintor tomado pela
a frase que encerra A flor de Vidro:
caxumba. Fatos extraordinários como uma casa que muda de
“Na volta, um galho cegou-lhe a vista.” (RUBIÃO, 2005, p. 132)
fachada depois que Manfredo conhece Epidólia e um mar que
Decepamentos, mutilações e cortes, como o que aparece
surge numa cidadezinha do interior convivem pacificamente
no referido conto são freqüentes no texto de Murilo Rubião. O
com situações comezinhas. Num hotel onde a mulher estivera
conto inicia-se num devaneio de Eronides, que rememora a mu-
hospedada, o gerente hesita em dar informações a Manfredo:
lher que se fora: “Da flor de vidro restava somente uma reminis-
“Distante da rotina, seu raciocínio emperrava, sobretudo se es-
cência amarga. Mas havia a saudade de Marialice, cujos movi-
tavam em jogo pessoas de condição social acima da sua [...] O
mentos se insinuavam pelos campos- às vezes verdes, também
anel de grau no dedo do desconhecido valeu como argumento
cinzentos.” (RUBIÃO, 2005, p. 129) A partir daí, o passado mis-
definitivo para decidi-lo a prestar informações.” (RUBIÃO, 2005,
tura-se com o presente, e a mulher reaparece. “Uma realidade
p. 171) Nada mais corriqueiro. As leis que regem tal universo são
inesperada sacudiu-lhe o corpo com violência. Afobado, colo-
harmonicamente ambíguas. É como se passagens de um sonho
cou uma venda negra na vista inutilizada e passou uma navalha
284 | PÓS EM REVISTA
no resto do cabelo que lhe rodeava a cabeça” (rubião, 2005,
No primeiro manifesto, Breton cita Reverdy:
p. 129) Na narrativa, a perda de uma vista desliza para a perda
A imagem é uma criação pura do espírito. Ela não pode
da mulher. Com a chegada de Marialice, Eronides reencontra os
nascer de uma comparação, mas da aproximação de
antigos cabelos e a venda negra desaparece, mostrando dois
duas realidades mais ou menos afastadas. Quanto mais
brilhantes olhos. Enquanto o casal passeia pelo bosque, o ho-
distantes e justas forem as relações das duas realidades
mem deixa a companheira para trás, que vaticina: “Tomara que
aproximadas, tanto mais forte será a imagem - mais terá
um galho lhe fure os olhos, diabo!” (RUBIÃO, 2006, p. 131). As
ela capacidade ou poder emotivo e de realidade poéti-
férias terminam e, após deixar Marialice no trem, a flor de vidro
ca...etc. (REVERDY apud BRETON, 1976, p. 182)
revela-se, e um galho cega a vista de Eronides. Os olhos furados de Eronides remetem à angústia de castra-
Inseridas em textos que seguem as normas do código lin-
ção; afinal “o ato pode ser deformado, substituído por outros da-
güístico, tais imagens aguçam o estranhamento. Nos contos
nos à integridade física[...]e mesmo à integridade “psíquica” (LA-
murilianos, elas acabam ainda, por tornar a prosa fortemente
PLANCHE; PONTALIS, 2001, p. 73), ambos presentes no texto.
poética, num hibridismo de gêneros tão reclamado pelo movi-
É importante enfatizar que a castração é uma categoria sim-
mento francês. Em “Marina, a intangível”, as cores surrealistas
bólica e, como sublinham Laplanche & Pontalis (2001, p. 75), ela
são explícitas. José Ambrosio aguarda a chegada do poema ou
também deve ser referida à ordem cultural no que concerne aos
da inspiração - Marina, a intangível - a fim de preencher o vazio
termos da proibição e da lei.
das folhas em branco: “Para vencer a esterilidade, arremeti-me
Sob este ponto de vista, a atmosfera onírica muriliana está
sobre o papel, disposto a escrever uma história, mesmo que
muito mais para o pesadelo do que para o sonho; afinal, nestes,
fosse a mais caótica e absurda”. (RUBIÃO, 2005, p. 78).
os desejos se realizam. O pesadelo está mais próximo do real,
O conto termina com a composição do poema:
o que reitera a hipótese de que, na obra de Rubião, a realidade
Nem cheguei a me alegrar constatando-lhe a existên-
está tão presente quanto a fantasia.
cia, porque num andor forrado de papel de seda, surgiu
O potencial revolucionário mais uma vez aproxima o autor
Marina, a Intangível, escoltada por padres sardentos e
mineiro do movimento francês. Nos dois casos, a insatisfação
mulheres grávidas. Trazia no corpo um vestido de cetim
com a ordem vigente se expressa através da forma. Walter Ben-
amarfanhado, as barras sujas de lama. Na cabeça, um
jamin (1989, p. 25), ao analisar o movimento francês, aponta
chapéu de feltro, bastante usado, com um adorno de
“as energias revolucionárias que transparecem no ‘antiquado’”
pena de galinha. Os lábios, excessivamente pintados
presente na lista canônica de objetos surrealistas. O antiquado
e olheiras artificiais muito negras, feitas a carvão. Em-
indicado pelo filósofo alemão remete às ruínas, termo que tres-
punhava na mão direita um girassol e me olhava com
passa sua obra, e é, justamente por isso, de difícil definição.
ternura. Por entre o vestido rasgado, entrevi suas coxas
Recorramos a um dos verbetes de “Reflexão sobre ruínas”, de
brancas, bem-feitas. Hesitei um instante, entre os olhos
Alberto Lins Caldas:
e as pernas. Mas os anjos de metal me prejudicaram
A ruína não representa somente o esquecimento, a extinção, o acabamento: é o vir-a-ser, o que além do esfacelamento permanece. [...] é figura ambivalente, designa o que foi destruído pelas classes dominantes apontando também para o que se dissolve daquilo que foi construído com o entulho. É o reviver do malogro, mas também num sentido antecipatório: espaço de reivindicação e luta.” (CALDAS, 2003)
a visão, enquanto as figuras começaram a crescer e a diminuir com rapidez. Passavam velozes, pulando os muros, que se estendiam continuamente, ao mesmo tempo que os planos subiam e baixavam. Eu corria de um lado para outro, afobado, arquejante, ora buscando os olhos, ora procurando as coxas de Marina, até que os gráficos encerraram a procissão. Os linotipos vinham voando junto os obreiros, que compunham, muito atentos ao serviço. Letras manuscritas e garrafais [...] (RUBIÃO, 2005, p.84/85)
Este mesmo antiquado revela-se nas cidadezinhas abandonadas e em significantes pertencentes ao campo semântico de ruí-
As imagens arbitrárias conclamam o absurdo, tiram a lín-
na, recorrentes nos contos de Murilo Rubião. Em “A noiva da Casa
gua do seu uso habitual, arrebatam o leitor. Elas tiram o leitor
Azul”, encontramos “Em ruínas”, “escombros”, “descolorida”, “des-
do prumo porque trazem consigo o silêncio, sempre colocado à
troços”, “semidestruída”, “esburacado”. (RUBIÃO, 2005, p. 56) PÓS EM REVISTA l 285
margem. Preservá-lo é reconhecer o indizível, negar “a intratável mania que consiste em ligar o desconhecido ao conhecido, ao classificável” (BRETON, 1976, p.172). Revolucionário é roçar o silêncio, “no qual a vivência do mistério - que não é outra coisa além do real suportado como derradeira imponderabilidade
Bruma. Sobre os braços, chorei longamente. Ao me levantar, prestes a findar a tarde, estendia-se na minha frente uma estrela vermelha. Pouco a pouco, ela se desdobrou em cores. Todas as cores. (Rubião, 2005, p.124)
- subtrai o homem do solo petrificado do óbvio: o liberta.” (KOVADLOFF, 2003, p.24).
Ficam transpostas as fronteiras entre loucura e sanidade. Por várias vezes, Godofredo responsabiliza Bruma pelas atitudes do
FRONTEIRAS FLUIDAS: A LOUCURA E A RAZÃO
irmão: “- Você o põe louco, Bruma!”(Rubião, 2005, p.119). Ele
Dentro dos princípios do anti-racionalismo, é evidente que o
relata também sentir-se “perturbado” com o corpo da moça. O
surrealismo reclame o espaço da loucura, grande paria do logo-
nome Bruma, não por acaso, significa nevoeiro, sombra, incerte-
centrismo. Os loucos são aquele que conduziram a imaginação
za. É depois de se entregar as emoções, assumindo o seu amor
ao ponto extremo, libertaram-se das coações psíquicas e sociais.
pela moça, que Godofredo vê a estrela vermelha. Emerge, aí, a
Os surrealistas são, inclusive, inauguradores da luta antimanico-
possibilidade da desrazão como conseqüência do amor. Se só
mial. “Afirmando que o limite entre loucura e não-loucura é intei-
ao louco é dada a possibilidade de enxergar estrelas coloridas
ramente convencional [...], o surrealismo obrigou a psiquiatria a
e, sendo a loucura característica do ser apaixonado, o amor traz
interrogar-se sobre a sua função social.” (DUROZOI; LECHER-
consigo uma transgressão libertária. O referido conto parece fa-
BONNIER, 1972, p.153).
zer coro a Breton, que afirmava não haver solução fora do amor.
Do mesmo modo, ao relativizar o pensamento cartesiano, Ru-
Benjamin, mais uma vez, concorda: “De resto, basta levar a sério
bião traz a loucura à tona. No universo muriliano, razão e desrazão
o amor para descobrir, também nele, uma ‘iluminação profana’.”
são apenas faces da mesma moeda. No conto “Bruma (A estrela
(BENJAMIN, 1989, p. 24)
vermelha)”, o narrador-personagem Godofredo questiona a sani-
O diálogo entre o surrealismo e a prosa muriliana, aqui su-
dade de seu irmão Og, que afirma enxergar astros luminosos no
gerido, evidencia-se através de aspectos estritamente literários.
céu claro do dia. Valendo-se disso, o narrador conduz Og a um
Tais evidências dispensam a confirmação de uma influência di-
consultório psiquiátrico. No entanto, seu verdadeiro propósito era
reta do movimento. É possível supor que a presença de carac-
separá-lo de Bruma, irmã de criação de ambos, por quem Godo-
terísticas chamadas surrealistas pudesse se dar nos textos de
fredo também estava apaixonado. No caminho, mais uma vez, Og
Rubião por puro “acaso objetivo”3, independentemente de um
afirma ver estrelas coloridas. Nesse momento, o narrador chega
conhecimento prévio sobre o movimento. Ainda assim, é revela-
a reconsiderar sua postura: “Pupilas dilatadas, o rosto transfigu-
dora a presença de mais de vinte obras efetivamente surrealistas
rado, Og parecia mesmo contemplar um espetáculo único, que a
ou relacionadas ao movimento encontradas na biblioteca pesso-
ninguém mais seria dado ver. Estive para propor nosso regresso
al de Murilo Rubião, que fica no Acervo dos Escritos Mineiros da
a casa. [...]” (RUBIÃO, 2005, p.122) Surge aí, a possibilidade de
Universidade Federal de Minas Gerais. Entre elas, destacamos:
o louco ser um visionário, como quer o surrealismo. Ao chegar ao
“L’Amour fou”, “Os manifestos do surrealismo” e “Surrealismo,
consultório do Dr. Sacavém, Godofredo relata não entender os mé-
pontos de vista e manifestações”, todas de André Breton.
todos do psiquiatra, que retruca: “Entenderá mais tarde quando
É no Primeiro Manifesto que Breton escreve: “O medo, a atra-
tratarmos do seu caso”. (RUBIÃO, 2005, p.123). Começa aí, um
ção pelo insólito, as oportunidades, o gosto pelo luxo são recur-
deslizamento no significado da loucura, reforçada pela figura insó-
sos aos quais não se fará nunca um apelo em vão. Há contos a
lita do próprio médico, de nome estranho e barba ruiva, que não vê
serem escritos para adultos, contos ainda quase de fadas.” (BRE-
nada de anormal nas visões de Og. Pelo contrário, para Dr. Saca-
TON, 1976, p.178). É apenas possível que Rubião tenha ouvido o
vém, quem age de modo estranho é Godofredo, a quem passa a
apelo e aceito o convite. Mas não há dúvidas de que depois dele
examinar, desalentado. O narrador foge, deixando o irmão e Bruma
foi preenchida parte da lacuna reclamada por Breton.
para trás. Ao regressar a casa, é tomado por remorso e retorna ao consultório, que havia desaparecido dando lugar a um lote vago.
REFERÊNCIAS
Percorre toda a cidade numa busca inútil:
ARRIGUCCI JR., Davi. Minas, assombros e anedotas (Os contos fantásticos de Murilo Rubião) In: ARRIGUCCI JR., Davi. Enigma e comentário. Ensaios sobre literatura e experiência. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. p.141-165.
Voltei ao lote. Senti-me na grama e me abandonei ao desespero, sabendo que jamais reencontraria 286 | PÓS EM REVISTA
BASTIDE, Roger. Romances daqui e dalhures. In: A manhã – suplemento literário. Rio de Janeiro, 15 de agosto de 1948. BENJAMIN, Walter. O surrealismo: o último instantâneo da inteligência européia. In: BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. Ensaios sobre literatura e história da cultura. Obras Escolhidas.1. Tradução Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1989. BRETON, André. Manifesto do surrealismo. In: TELES, Gilberto de M. (org.). Vanguarda Européia e Modernismo Brasileiro. Apresentação dos principais poemas, manifestos, prefácios e conferências vanguardistas, de 1857 até hoje. Petrópolis: Vozes, 1976.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Virgínia Carvalho de Assis Costa: Aluna do curso de Letras no Centro Universitário Newton Paiva. Mestre em Literaturas de Língua Portuguesa pela PUC-Minas. 2 A questão da filiação ao partido comunista resulta em uma grave cisão no grupo surrealista. Em 1933, a adesão de Breton chega ao fim; em 1935, dá-se o desligamento total do movimento com o partido. 3 Acaso objetivo é o nome que Breton dá ao “encontro entre duas séries causais diferentes, uma delas externa, a outra interna” (WILLER, 2002), ocasionado pela projeção do desejo do sujeito envolvido.
BRETON, André. Manifestos do Surrealismo. Rio de Janeiro: Nau Editora, 2001. CALDAS, Alberto Lins. Reflexão sobre ruínas. In: Primeira Versão. Disponível em: http://www.primeiraversao.unir.br/index.html. Acesso em 14 de outubro de 2009. CESERANI, Remo. O Fantástico. Tradução Nilton Tridapalli. Londrina: Ed. UFPR, 2006. DUROZOI, Gerard; LECHERBONNIER Bernard. O surrealismo. Teorias, temas, técnicas. Coimbra: Almedina, 1972. GOULART, Audemaro T. O Conto Fantástico de Murilo Rubião. Belo Horizonte: Editora Lê: 1995. KOVADLOFF, Santiago. O silêncio primordial. Rio de Janeiro: José Olympio, 2003. LAPLANCHE, Jean & PONTALIS, J.B. Vocabulário da psicanálise. Tradução Pedro Tamen. São Paulo: Martins Fontes, 2001. LUCAS, Fábio. A arte do conto de Murilo Rubião. O Estado de São Paulo. São Paulo. 21 ago. 1983. RUBIÃO, Murilo. O Pirotécnico Zacarias. São Paulo: Ática, 1974 RUBIÃO, Murilo. Contos reunidos. São Paulo: Editora Ática, 2005. SCHWARTZ, Jorge. Murilo Rubião: um clássico do conto fantástico. In: Rubião, Murilo. O pirotécnico Zacarias e outros contos. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. WILLER, Cláudio. O acaso objetivo e André Breton: encontros com a vida e a morte. In: Agulha- revista de cultura. Disponível em: http://www.revista.agulha.nom.br/ag24willer.htm. Acesso em 11 de novembro de 2008.
PÓS EM REVISTA l 287
A TEMPORALIDADE NOS CONTOS “AS MARGENSDA ALEGRIA” E “OS CIMOS”, DE GUIMARÃES ROSA Shirley Maria de Jesus
“Mas que um som já ouvido, um olor outrora aspirado, o sejam de novo, tanto no presente como no passado, reais sem serem atuais, ideais sem serem abstratos, logo se libera a essência permanente das coisas, ordinariamente escondida, e nosso verdadeiro eu, que parecia morto, por vezes havia muito, desperta, anima-se ao receber o celeste alimento que lhe trazem. Um minuto livre da ordem do tempo recriou em nós, para o podermos sentir, o homem livre da ordem do tempo.” Marcel Proust resumo:O presente trabalho pretende analisar a questão da temporalidade nos contos “As margens da alegria” e “Os cimos”, do livro Primeiras estórias2, de João Guimarães Rosa, observando questões relacionadas à narrativa. Há que enfatizar que este estudo não visa à identificação de todos os “tipos” de tempo, mas procura verificar em que medida ele – o tempo – se apresenta como uma categoria importante do processo narrativo. Palavras-chave: Tempo, transição, memória, aprendizado, mythós, logos
O presente trabalho pretende analisar a questão da temporali-
perceber que, com o fragmento -“O menino, agora3, vivia; sua
dade nos contos “As margens da alegria” e “Os cimos”, que fazem
alegria despedindo todos os raios.”(p.04) - se estabelece um
parte do livro Primeiras estórias, de Guimarães Rosa, observando
eixo perpendicular na narrativa para realçar que ali se encontra
questões relacionadas à narrativa. É importante dizer que este estu-
“a existência de uma espécie de grau zero, que seria um estado
do não visa à identificação de todos os “tipos” de tempo, mas quer
de perfeita coincidência temporal entre discurso e história”4, o
demonstrar como ele (o tempo) se apresenta como uma categoria
marco divisor do que será colocado a seguir como “pontos de
importante do processo narrativo. E para isso, será necessário tra-
vista para trás e para a frente a partir do presente”5, ou seja, a
balharmos com alguns conceitos dessa categoria.
partir deste marco que simboliza o presente narrativo.
Empreendendo uma leitura comparativa entre os dois contos,
Nesse conto, também podemos verificar a relatividade da
uma vez que se aproximam tanto na temática quanto na estrutura
duração temporal, onde um segundo pode significar muito mais
narrativa, intenta-se mostrar como o(s) protagonista(s) transita(m),
do que o seu tempo real: “O Menino tinha tudo de uma vez, e
com o fluir do tempo, do seu universo infantil para o universo adul-
nada, ante a mente.” (p.04) A intensidade do momento é que vai
to, aprendendo que o sentimento de alegria, por exemplo, em um
definir essa durabilidade. É o tempo humano revelando-se como
breve instante, pode ceder lugar a tristeza e vice-versa.
um tempo variável.
Vejamos, primeiramente, o conto “As margens da alegria”.
Até aqui, temos a mistura de tipos de tempos (tempo linear,
O narrador inicia a narrativa com uma seqüência dos aconteci-
tempo de expectativas...) mas que não interrompem o fluxo da
mentos em sua ordem imediata: “Saíam ainda com o escuro...” ;
narrativa (saída a noite, vôo de aproximadamente duas horas,
“O vôo ia ser pouco mais de duas horas.” (p.03) Aqui, podemos
chegada), o que nos remete a Santo Agostinho quando nos diz
dizer que ele utiliza o tempo linear para fazê-la. A seguir, passa
que só existe um tipo de tempo, o presente, e que ele se desfaz
a utilizar um tempo feito de expectativas no qual podemos per-
em presente-passado (saída a noite), presente-presente (o vôo)
ceber um aspecto “factual”, onde considera-se um fato da “rea-
e presente-futuro (chegada e o que dali por diante aconteceria).
lidade” social, infantil e familiar, ainda que com implicações psi-
Podemos falar mais uma vez em presente da narrativa, já que
cológicas: “E as coisas vinham docemente de repente, seguindo
o narrador nos informa que um menino e seus tios iam “passar
harmonia prévia, benfazeja, em movimentos concordantes: as
dias no lugar onde se construía a grande cidade”.(p.03)
satisfações antes da consciência das necessidades.” (p.03) Pre-
Além dos tempos já mencionados, teremos a inserção do
sente e futuro se mesclam e nos perguntamos: Como medir o
que poderíamos chamar de tempo da calmaria, em que tudo
tempo nesse enunciado?! É possível medi-lo?!
parece estar parado: “Enquanto mal vacilava a manhã. A grande
Mesmo que as respostas ainda não sejam dadas, podemos 288 | PÓS EM REVISTA
cidade apenas começava a fazer-se, num semi-êrmo, no cha-
padão: a mágica monotonia, os diluídos ares.” (p.04) Mas esse
der o que se passa. E aqui, ficamos sabendo que ela se limita ao
momento de calmaria será interrompido com o aparecimento da
espaço de um dia (manhã-tarde-noite). Tal linearidade, mescla-
ave, o que acaba causando uma espécie de ruptura, sem inter-
da a outros tempos, revela a fugacidade do próprio tempo: não
ferir entretanto, na seqüenciação da narrativa (chegada, averi-
somos capazes de detectar um momento preciso, já que “um
guação do espaço – o menino vê a ave –, saída para um passeio
instante” pode ultrapassar o espaço narrativo. Sem contar que
de jeep). A personagem adentra, agora, o mundo interior: “[...] o
temos, também, mais uma circunstância em que o tempo é ofe-
peru para sempre.” (p.04) Ainda podemos perceber uma remis-
recido em termos interpretativos, e sua difícil identificação se dá
são bem nítida ao tempo histórico, datado, no qual essa “grande
por causa da difícil identificação do “eu” e dos seus sentimen-
cidade” parece remeter à construção da cidade de Brasília.
tos. Mas podemos dizer que esse intervalo é o suficiente para
Vamos dar um pequeno salto: a ave será sacrificada e a
uma criança adquirir experiência de vida e ingressar no mundo
criança irá se decepcionar: “Tudo perdia a eternidade e a cer-
adulto, onde sentimentos como alegria e tristeza se alternam
teza; num lufo, num átimo, da gente as mais belas coisas
numa fração de segundos, podendo durar muito ou pouco, de-
se roubavam (...) Por que tão de repente? Soubesse que ia
pendendo de uma outra interrupção temporal.
6
acontecer assim, ao menos teria olhado mais o peru – aquêle.”
Passamos, agora, a analisar o conto “Os cimos”, que se
(p.06) A personagem condensa em uma única palavra (“Tudo”)
inicia com o uso do tempo casual: “Outra era a vez”. O narra-
a dimensão da sua (in)certeza; é como se ele nos dissesse que
dor mescla o passado e o presente para dar ênfase ao aspecto
seu pequeno mundo desabava naquele instante, o que o remetia
psicológico da personagem: “E o Menino estava muito dentro
ao duro aprendizado da fugacidade das coisas e da inconstân-
dêle mesmo, em algum cantinho de si. Estava muito para trás.”
cia do tempo. A grande lição, digamos assim, é a importância do
(p.169) Para a personagem7 fica difícil identificar o tempo que
olhar: olhar detalhadamente, demoradamente, mesmo que isso
está vivendo: “Tudo era, todo-o-tempo, mais ou menos igual,
implique um paradoxo: olhar um instante a mais, a fim de transi-
as coisas ou outras.” (p.169) Mas ela tinha a certeza de que o
tar, posteriormente, do campo visual ao campo da memória, mas
tempo fluía: “A vida não parava nunca, para a gente poder viver
sem deixar de perceber a dura realidade de que os momentos
direito, concertado?” (p.169)
escapam entre os dedos, na inútil tentativa de reter o tempo entre
Apesar do fluir do tempo, o narrador parece querer imobi-
as mãos: “(...) num átimo, da gente as mais belas coisas se rou-
lizá-lo para que a personagem perceba o espaço físico como
bavam (...)”. Nesse excerto, a criança deixa entrever que também
inalterado ou, talvez, para tornar o espaço compatível com o
aprendeu sobre a transitoriedade dos sentimentos o que simbo-
estado psicológico da personagem (“Estava muito para trás
liza o aprendizado da perda em uma construção que se vale da
...”), congelado num outro tempo, anterior, sem data (“Até o
alternância entre tempo psicológico e linear, tempo da dúvida e
macaquinho sem chapéu iria conhecer do mesmo jeito o ta-
da decepção para promover esse processo. Ainda podemos di-
manho daquelas árvores, da mata, pegadas ao terreiro da
zer que a personagem dobra o tempo sobre si mesma ao pensar
casa.”(p.169); “Na casa, que não mudara8, entre e adiante das
o que poderia ter feito no presente-passado, revelando a circula-
árvores (...)” (p.168). Com esse último fragmento, temos a refe-
ridade da vida onde passado e presente não estão tão distantes
rência temporal ao conto já analisado - o primeiro conto da obra,
assim: “(...) Por que tão de repente? Soubesse que ia acontecer
“As margens da alegria”. E ele também nos remete a um tempo
assim, ao menos teria olhado mais o peru – aquêle.”
mítico (um tempo d’antanho, de antes). Podemos também dizer
É importante ressaltar que se podem perceber dois níveis na
que a personagem necessitava recordar o passado, rememorar
narrativa: o do factual (caso narrado) e o do psicológico ou das
aquele espaço para ter a certeza de que ainda era o mesmo.
reflexões, que se mesclam no desenvolver dos fatos: “E em sua
Para se situar novamente, irá elaborar uma síntese do cenário
memória ficavam, no perfeito puro, castelos já armados. Tudo,
onde se passa o conto; é como se apresentasse ao leitor o local
para o seu tempo ser dadamente descoberto, fizera-se primeiro
visto pela última vez - o tempo d’As margens da alegria.
estranho e desconhecido.” (p.05) Temos, também, o cruzamen-
Parece que a personagem sente necessidade de ficar presa
to do mythós ao logos ou vice-versa: “Pensava no peru, quando
a um passado, presa a imagens que, por certo, não são iguais
voltavam. Só um pouco, para não gastar fora de hora o quente
atualmente. A mesma sensação que sente no avião é experi-
daquela lembrança, do mais importante, que estava guardado
mentada em terra firme: “O avião não cessava de atravessar a
para êle, no terreirinho das árvores bravas. Só pudera tê-lo um
claridade enorme, êle voava o vôo – que parecia estar parado.”
instante, ligeiro, grande, demoroso.” (p.05)
(p. 168) Assim, o narrador deixa entrever a necessidade de fazer
No final da narrativa, temos a personagem tentando enten-
com que o espaço físico, e tudo o que nele se encontra, nos PÓS EM REVISTA l 289
dê a impressão de estar parado num tempo anterior. Trata-se
Percebemos que o tempo psicológico convive, nesse con-
realmente de uma impressão, pois o tempo se caracteriza pela
to, lado a lado com o tempo cronológico: “Ainda que relutasse,
“diversidade e pela heterogeneidade.”9
não podia pensar para trás.” (p.172) A retrospecção provoca
Na leitura desse conto, percebemos que ele, em relação ao
confusão mental, torna tudo um “borrão”. Temos a fragilidade
primeiro (“As margens da alegria”), funciona de forma invertida,
que se estabelece entre as barreiras temporais: a ausência da
produzindo afastamento e aproximação, imagem para a frente
mãe provoca-lhe desorientação e vivenciar o presente (apreciar
(agora, é uma criança triste que viaja) e uma imagem para trás (“O
o belo pássaro) causa remorso, mas também, a percepção de
Menino agora, vivia; sua alegria despedindo todos os raios.” - p.
que tudo passa. E essa oscilação entre uma barreira e outra pa-
04), o que nos remete ao título da primeira parte do conto “O in-
rece fazer com que ele viva em um tempo só seu; é como se os
verso afastamento” e a primeira frase já referida: “Outra era a vez”.
outros vivessem em um outro tempo - a parte do seu: “Depois
A criança desse conto, assim como a outra, também passa
do encanto, a gente entrava no vulgar inteiro do dia. O dos ou-
pelo aprendizado da perda: “Enquanto a gente brincava, des-
tros, não da gente. As sacudidelas do jeep formavam o aconte-
cuidoso, as coisas ruins já estavam armando a assanhação de
cer mais seguido.” (p.173)
acontecer: elas esperavam a gente atrás das portas.” (p. 170)
Nesse episódio, sabemos que, após a visita do pássaro,
Aqui, outro espelhamento com o primeiro conto se dá no surgi-
na maioria das vezes, o Menino saía com o tio de jeep. Essas
mento de outra ave, agora um tucano.
“sacudidelas” e os telegramas parecem arrancá-lo do seu pró-
Temos o desenrolar da narrativa em períodos diários
prio tempo e inseri-lo no tempo real e ao mesmo tempo linear,
– tempo cronológico –, o que reafirma a consciência da perso-
digamos assim. Mas, nesses momentos, apenas uma parte dele
nagem de que o tempo, segundo seu lado interior, pode até pa-
é despertada: “O Menino, em cada instante, era como se fôs-
recer parado, mas para o seu lado exterior, esse tempo sempre
se só uma certa parte dêle mesmo, empurrado para adiante,
avança: “Ainda que a gente quisesse, nada podia parar, nem
sem querer.” (p.173) Assim, o ‘tucano’ serve para organizar a
voltar para trás, para o que a gente já sabia, e de que gostava.”
“nebulosa”, e, logo, o dia e o espaço que o separam da mãe. A
(p.170) – o que nos remete a um duplo movimento do tempo e
criança está dividida temporalmente (“Entretempo”); é intervalar.
ao inexorável o que, em termos de trabalho com o tempo em
Ela se vale do tempo da memória para fugir do tempo real que
Rosa, parece bastante produtor de sentido: “Ou porque, mesmo
a faz lembrar-se da mãe: “O Menino o guardava, no fugidir, de
enquanto (as coisas) estavam acontecendo, a gente sabia que
memória, em feliz vôo, no ar sonoro, até a tarde. O de que podia
elas já estavam caminhando, para se acabar, roídas pelas ho-
se servir para consolar-se com, e descobrir-se, por escapar do
ras, desmanchadas ...”. (p.171)
aperto de rigor – daqueles dias quadriculados.” (p.174). Isto im-
É interessante observar a marca do tempo de permanência
plica o fato de que o “caos” organiza-se através do mito. Mesmo
do tucano: “só os dez minutos”. Segundo Heidegger, o relógio
quando vai retornar à casa materna, não deixa de transitar entre
não indica a duração, a quantidade de tempo que flui, mas o ‘ago-
as fronteiras temporais: “E, com pouco, o Menino espiava, da
ra’ tal como é fixado de cada vez em relação à ação presente,
janelinha, as nuvens de branco esgarçamento, o veloz nada. En-
passada ou futura. Dessa forma, não é importante o tempo de
tretanto, se atrasava numa saudade, fiel às coisas de lá.” (p.175)
duração daquela visão e sim a atualização/enfoque/informação
É interessante observar que o avião se adianta, mas o menino
de que trata-se do momento presente, do momento imediato.
se atrasa em sua saudade – saudade do que ficou para trás.
10
Podemos dizer que quando o menino vê pela primeira vez o
Uma variedade de tempos condensados em um só: o presente,
tucano, ocorre para ele um momento mágico que faz com que
o que nos remete mais uma vez à análise do primeiro conto: um
ele, de certa forma, fique completamente destituído de passa-
instante pode ultrapassar o espaço da narrativa para revelar a
do e futuro: “O Menino se lembrava sem lembrança nenhuma.”
importância do olhar, a fugacidade do tempo, o (des)dobramen-
(p.171) A espera passa a ser o seu relógio em função de um
to do tempo e a questão do aprendizado.
aparecimento que regula a distância entre a tristeza (pelo fato da
Cumpre observar que o tucano e o bonequinho também se
mãe estar doente) e felicidade (expectativa que afugenta essa
constituem como marcas temporais. A chegada do tucano implica
tristeza) proporcionada pela visão do pássaro. O tucano é como
tempo de esquecer as coisas ruins e vislumbrar, sem pensar em
uma chave interruptora, acionada pelo olhar, pela vontade, pela
nada, apenas aquele espetáculo que dura dez minutos ou, ainda,
curiosidade e pela inocência infantil ante o novo que proporcio-
pode ser visto como tempo de culpa: a criança não se sente au-
na, por poucos instantes, um sentimento de extravasamento, de
torizada a sentir-se alegre e, por isso, tenta reprimir seus desejos,
desligamento temporário de sensações ruins.
a fim de compactuar com a situação atual de sua mãe. A nosso
290 | PÓS EM REVISTA
ver, o tucano e o chapéu vêm organizar o que é bom no meio do
“Chegamos, afinal!” – o Tio falou.
que é ruim. Quando o Menino, por exemplo, joga fora o chapéu, é
“Ah, não. Ainda não ...” – respondeu o Menino.
como se partisse o tempo em dois momentos: mãe com saúde e
Sorria fechado: sorrisos e enigmas, seus. (“O Menino
mãe enferma. Aqui, o gesto anuncia um tempo em que as coisas
agora, vivia;” (p. 4)) E vinha a vida. (p. 176)
são ruins para o menino: tempo no qual sente a falta da proteção materna. Ao perder o bonequinho e ao perceber-se distante do
REFERÊNCIAS
“espetáculo”, é como se não conseguisse se articular entre esses
ARRIGUCCI JR, Davi. O mundo misturado: romance e experiência em Guimarães Rosa. In: Novos Estudos – CEBRAP (40). São Paulo: nov. 1994, p. 7-29.
períodos; é como se estivesse perdido no tempo. Mas quando lhe dão o “chapeuzinho vermelho” que pertencia ao seu “companheiro”, passa para um dos lados da fronteira: o agora (mãe com saúde). Metonimicamente, significa que voltou ao tempo da
BACHELARD, Gaston. A dialética da duração. In: As superposições temporais. Trad. Marcelo Coelho. São Paulo: Ática, 1988, p.85-103.
inocência, ao tempo infantil, aos bons tempos; agora, ele podia contar com a proteção materna: “O Menino sorriu do que sorriu, conforme de repente se sentia: para fora do caos pré-inicial, feito o desenglobar-se de uma nebulosa.” (p.175) Mas esse estar de um lado da fronteira dura muito pouco. “Durou um nem-nada, como a palha se desfaz, e, no comum, na gente não cabe: paisagem, e tudo, fora das molduras.” (p.175)
BAKHTIN, M. Formas de tempo e de cronotopo no romance: ensaio de poética histórica. In: Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. Trad. Aurora Fornani Bernardini et al. São Paulo: UNESP/Hucitec, 1990, p. 211-238. BOSI, A . O encontro dos tempos. In: O ser e o tempo na poesia. São Paulo: Cultrix, 1993, p.111-137.
Esse Menino não cabe em uma moldura que fixa determinado tempo; ele se articula em outras molduras, ou seja, em outras seqüências que denotam outros tempos e, até mesmo, a sobreposição deles: “(...) e no jeep aos bons solavancos ... e em toda-a-parte ... no mesmo instante só ... o primeiro ponto do dia ...
BRANDÃO, Helena R. N. Introdução à análise do discurso. Campinas: Editora da UNICAMP, 1991. CÂNDIDO, Antônio. O homem dos avessos. In: Tese e antítese. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1978, p. 119-139.
donde assistiam, em tempo-sôbre-tempo, ao sol no renascer e ao vôo, ainda muito mais vivo, entoante e existente-parado que não se acabava – do tucano (...).” (p.176) Um tempo sobreposto ao outro, para mostrar que ele (o tempo) não pára, e para nos informar de que, nesse processo, a criança, a partir de suas experiências e do seu dia-a-dia, vai adquirindo conhecimento, vai se desenvolvendo, como se pode perceber no decorrer da narrativa. O importante, nos contos, não é analisar apenas as categorias de tempo ali presentes, mas observar também de que modo os elementos que aparecem nas narrativas (peru, tucano, bonequinho, paisagem, reticências, etc.) podem marcar a mudança de um tempo para o outro ou a alternância entre eles. Esses elementos chegam a ser mais eficazes do que as formas verbais presentificadas e se constituem como um meio para explicitar o(s) outro(s). “Em as margens da alegria” e em “Os cimos”, o tempo pode ser analisado a partir da vivência das personagens, dos seus sentimentos, dos elementos da narrativa e como elemento de sutura entre ambos. Sutura que revela a importância do olhar, do olhar pela primeira vez; um olhar que (des)articula fronteiras temporais, revelando personagens intervalares (“Entretempo”) que, através do aprendizado da perda, da brusca separação e da ruptura do olhar, também tornam-se outros (transitam do mundo infantil para o mundo adulto) em um processo que deixa entrever a fragilidade do ser e a flexibilidade do tempo em nós:
COUTINHO, Afrânio. Coleção fortuna crítica – Guimarães Rosa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2ª ed. COUTINHO, Eduardo. O idioma rosiano e o desafio de traduzi-lo. In: Revista Scripta. Belo Horizonte: Puc-Minas, v. 2, n.3, p.83-84, 2º sem. 1998. COVIZZI, Lenica Marques. O insólito em Guimarães Rosa. São Paulo: Ática, 1978 (Ensaios, 48). DASTUR, Françoise. Heidegger e a questão do tempo. In: A temporalidade do ser enquanto questão fundamental. Lisboa: Instituto Piaget, 1990, p. 26-33. GALVÃO, Walnice Nogueira. Forasteiros e À escuta do verbo. In: Desconversa. Rio de Janeiro: UFRJ, 1998, p. 15-19; 80-82. MAINGUENEAU, Dominique. Pragmática para o discurso literário. São Paulo: Martins Fontes, 1996. (Coleção Leitura e Crítica) _______. A cena enunciativa. In: Novas tendências em análise do discurso. Campinas, SP: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1989, p. 29-52. NUNES, Benedito. O tempo da narrativa. São Paulo: Ática, 1988. _____. A matéria vertente. In: SEMINÁRIO DE FICÇÃO MINEIRA II, 1983, PÓS EM REVISTA l 291
Belo Horizonte. De Guimarães Rosa aos nossos dias. Belo Horizonte: Conselho Estadual de Cultura de Minas Gerais, 1983, p. 09-29. _____. Tempo e história: introdução à crise. In: Crivo de Papel. São Paulo: Ática, 1988, p.131-154. PERRONE-MOISÉS, Leyla. Flores da escrivaninha. In: Nenhures – Considerações psicanalíticas à margem de um conto de Guimarães Rosa. São Paulo: Cia. Das Letras, 1990, p.111-126. ROSA, Guimarães. Primeiras estórias. Rio de Janeiro: José Olympio, 1972. SANTIAGO, Silviano. Transtornado incerto. Suplemento Literário. Belo Horizonte, n.º 19, p. 3-8, nov./1996. SANTOS, Wendel. A construção do romance em Guimarães Rosa. São Paulo: Ática, 1978 (Ensaios, 48). SILVA, Cibele Imaculada da. A linguagem literária em Primeiras estórias, de João Guimarães Rosa. Littera; revista de lingüística e literatura, Pedro Leopoldo, 2000, 56 páginas.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Mestre em Literaturas de Língua Portuguesa e Professora no Centro Universitário Newton Paiva. 2 Rosa, 1972. 3 Grifo nosso. 4 NUNES, 1995. 5 BENVENISTE, 1974: 70. 6 Destaque nosso. 7 Aqui, podemos apontar mais um aspecto que nos chama a atenção nessa obra de Rosa: a voz da personagem na voz do narrador mesclada à dele mesmo. 8 Destaque nosso. 9 DASTUR, 1990: 27. 10 DASTUR, 1990: 30-31.
292 | PÓS EM REVISTA
DIET & LIGHT: entenda a diferença Michael Ruberson Ribeiro da Silva1 Rosângela Maria Gomes2 Taiane Marla Alves dos Santos Rodrigues3 Isabela Bruzinga Monge3 Vanessa Oliveira Fróes3 Adriana Rodrigues da Mata4 Maria de Lourdes Mohalen5
RESUMO: O consumo de produtos diet e light tem crescido muito nos últimos anos, embora haja muitas dúvidas com relação às diferenças entre eles. Esse entendimento é particularmente importante para pessoas com doenças que requerem restrições alimentares. Um trabalho de campo, com palestra e dinâmica, foi realizado, no dia 6 de maio de 2011, com os alunos do 9° ano de uma escola no Barreiro, em Belo Horizonte - MG, com o objetivo de levar o esclareci-
mento sobre os alimentos diet e light para um público que pudesse agregar esse conhecimento para a própria vida e que também fosse capaz de disseminá-lo. Os resultados revelaram que realmente existe um déficit de informação relacionado aos termos trabalhados. No entanto, o desenvolvimento dos conceitos foi muito bem construído, uma vez que o entendimento, por parte dos jovens, foi alcançado de maneira satisfatória. Palavras-chave: Diet. Light. Alimentos. Doenças Crônicas.
INTRODUÇÃO
produtos, o que também está associado ao nível de escolarida-
Dados de 2007 dizem que, nos últimos anos, o setor de
de ou conhecimento das pessoas. A carência por esse entendi-
vendas de produtos diet e light obteve crescimento da ordem de
mento produz consequências aos próprios consumidores, entre
870%, apesar de custarem em média 15% mais que os produtos
elas, o uso indiscriminado de produtos diet e light, que pode,
comuns, o que leva a inferir que a compra desses alimentos não
por exemplo, prejudicar o consumo calórico mínimo diário de
é influenciada pelo preço, mas pela busca de benefícios para
alguns nutrientes (PRIORE, 1998, apud Faria, et al, 2007).
saúde e para o corpo (FARIA, 2007). De acordo com Ventura
Tecnicamente, há uma simples diferença entre os termos
(2010), atualmente, 80% dos jovens afirmam, em pesquisas,
diet e light que pode passar despercebida pelo consumidor,
procurar alimentos mais saudáveis e naturais, sendo que 35%
principalmente por aquele que não está acostumado a ler os
dos domicílios brasileiros consomem produtos diet e light. Esse
rótulos dos produtos. Segundo a ANVISA (2001), o termo diet
fato pode ser constatado nas gôndolas dos supermercados,
se refere a:
uma vez que é ofertada uma variedade cada vez maior de ali-
“Alimentos adaptados para utilização em dietas diferen-
mentos e bebidas classificados como diet e light. Os produtos
ciadas ou opcionais, normalmente, podem ter restrição
vão desde leite, iogurtes, pães, geléias, refrigerantes, requeijão,
de algum nutriente (carboidratos, gorduras, proteínas,
chocolates, barras de cereais, até comidas pré-cozidas (LUC-
sódio), ou são alimentos com ingestão controlada de
CHESE, et al, 2006).
nutrientes (classificados como alimentos para controle
Desde o início da comercialização dos alimentos diet, a
de peso ou controle de ingestão de açúcares). Os ali-
maioria dos consumidores associou esses produtos como sen-
mentos diet podem conter, no máximo, 0,5g do nutrien-
do de baixo valor calórico e, consequentemente, permitido para
te em referência (restrito ou com quantidade controlada)
as pessoas que precisam ou desejam perder os quilos extras.
por 100g ou 100 mL do produto final a ser consumido”
Com a inclusão dos alimentos light, formou-se uma grande con-
(ANVISA.b., 1998).
fusão (ABIAD, 2011). De acordo com uma pesquisa realizada por Faria, et al
Já o termo light pode ser utilizado para o atributo BAIXO
(2007), o desconhecimento entre as duas categorias pela po-
relacionado ao conteúdo energético ou de nutrientes, como
pulação pode estar relacionado com o grau de escolaridade,
açúcares, gorduras totais, dentre outros (ANVISA.a., 1998).
e segundo Lima (2003), apud Faria, et al (2007), outro fator re-
O produto ao qual o alimento é comparado deve ser indicado
lacionado é a utilização dos termos em inglês nos rótulos dos
no rótulo. Como exemplo, um alimento light deve ter no máPÓS EM REVISTA l 293
ximo 40kcal/100g. No caso de bebida, a proporção é de até
um grupo de pessoas, em forma de palestra e dinâmica. Dessa
20kcal/100ml ou uma redução mínima de 25% em termos de
forma, o próximo passo foi ir em busca de um público que pu-
calorias, em comparação com produtos similares convencionais
desse se beneficiar com esse conhecimento. Por isso, em pri-
(ANVISA, 2001).
meiro momento, pensou-se num grupo de idosos de um asilo,
Dessa forma, pessoas que precisam de restrições nutricio-
no entanto, não foi possível realizar esse trabalho por motivos
nais específicas podem consumir produtos diet que atendam a
de horários. Em seguida, uma escola localizada no Barreiro, em
sua necessidade, por exemplo, quem tem diabetes pode consu-
Belo Horizonte-MG, possibilitou que a palestra fosse ministrada
mir um produto diet com restrição de açúcar, desde que orien-
para os seus alunos do 9° ano do turno vespertino. Primeiramen-
tado por nutricionista ou médico, e quem tem dislipidemia pode
te, houve certo questionamento do grupo se esse seria o público
consumir um produto diet com restrição de gordura, desde que,
ideal, ou, ao menos, um público interessado no assunto, entre-
também, orientado por nutricionista ou médico; já o light sur-
tanto, tal público foi bem aceito uma vez que podem ser bons
giu para o consumidor que se preocupa com a saúde, mas não
multiplicadores de informações, repassando o conhecimento
precisa, necessariamente, ter isenção total ou restrição de um
obtido para as pessoas do seu convívio, como pais e avós, bem
determinado nutriente. Sendo assim, é de extrema importância
como agregar esse entendimento para a própria alimentação,
que o consumidor entenda e saiba escolher o produto adequa-
podendo fazê-la de maneira mais saudável.
do a sua necessidade no momento da compra (PERETTI, 2010).
Como o público a ser atingido seria de adolescentes com
A fim de promover e proteger a saúde do consumidor e inter-
idade por volta de 15 anos, a equipe se preocupou em como
vir nos riscos decorrentes da produção e do mau uso de produtos,
manter a atenção dos jovens durante a palestra. Para tal, uma
a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) é responsável
apresentação interativa e rica em figuras foi montada, em slide
por regulamentar normas a serem cumpridas na rotulagem dos
show, para que não desviassem a atenção. Além disso, surgiu a
alimentos industrializados, incluindo os critérios para o uso dos
ideia de realizar uma dinâmica utilizando alimentos de verdade, e
termos “Diet” e “Light” no rótulo (ABIAD, 2011; ANVISA, 2011). As
com eles, oferecer um lanche para os alunos ao final do trabalho.
legislações em vigor têm o objetivo, entre outros, de:
Sendo assim, o trabalho de campo foi realizado no dia 06
- garantir que a população ingira alimentos satisfatórios em
de maio de 2011, na escola supracitada, para uma sala com
relação ao estado higiênico-sanitário e em conformidade com os
20 alunos, após o intervalo, e supervisionado pela professora
padrões toxicológicos para aditivos, metais pesados, resíduos
da turma. Participaram do trabalho prático, seis dos pesquisa-
de agrotóxicos etc.;
dores autores do presente estudo. Antes da exposição teórica,
- garantir que os alimentos adquiridos estejam dentro dos Padrões de Identidade e Qualidade;
os alunos foram questionados, por um dos pesquisadores, oralmente, e de maneira geral, sobre dois aspectos: se conheciam
- assegurar que o rótulo do alimento contenha todas as in-
os alimentos diet e light e se sabiam quais as diferenças entre
formações adequadas para a escolha consciente do consumi-
eles, a fim de avaliar o conhecimento prévio dos mesmos. As
dor (ANVISA, 2001).
respostas foram anotadas por duas pesquisadoras do trabalho.
Diante do exposto, o presente trabalho visou esclarecer as
Esperava-se que os alunos conhecessem esses alimentos, já
principais diferenças entre os alimentos diet e light, como suas
que são produtos muito vendidos nos últimos anos, porém que
características e indicações, visto a importância desse entendi-
não soubessem falar sobre as diferenças entre eles de maneira
mento, principalmente para pessoas que possuem doenças que
precisa, uma vez que as pessoas não possuem o costume de ler
necessitam de restrições alimentares, como diabetes, hiperten-
os rótulos e por não ser um assunto muito divulgado pela mídia.
são, dislipidemia e obesidade. Além disso, o objetivo também
Em seguida, a fim de continuar a observar os conhecimen-
foi levar esse esclarecimento para um grupo de pessoas que,
tos dos alunos e a sua curiosidade em ler os rótulos, uma dinâ-
além de se beneficiarem com tais informações, pudessem ser
mica, coordenada por uma das pesquisadoras, foi realizada uti-
capazes de disseminá-las para outras pessoas.
lizando alimentos industrializados (refrigerantes, iogurtes, pães de forma, biscoito, torrada, requeijão cremoso e suco), trazidos
METODOLOGIA
pelos pesquisadores, rotulados como ‘diet’, ‘light’ e ‘zero’, os
Realizou-se um trabalho de revisão de literatura sobre os
quais deveriam ser colocados sobre uma das três mesas que
alimentos diet e light como base fundamental para um trabalho
estivesse com o símbolo referente à restrição ou à redução que
de campo, no qual tais informações fossem repassadas para
continham (de açúcar, sal ou gordura) - cinco alunos foram chamados, aleatoriamente, para realizar essa dinâmica. O objetivo
294 | PÓS EM REVISTA
era que os alunos lessem os rótulos a fim de relacionar, de forma
sobre o assunto abordado. As perguntas feitas e as respostas
precisa, cada alimento com a sua restrição ou redução nutricio-
corretas se encontram na Tabela 1. As respostas dadas pelos
nal, corretamente.
alunos foram anotadas por duas pesquisadoras do trabalho, e
Posteriormente, foi informado que seria realizado um escla-
as dúvidas foram retiradas simultaneamente. Com isso, os pró-
recimento teórico sobre as definições dos termos diet e light e
prios alunos fizeram correção dos produtos que tinham coloca-
depois disso os próprios alunos veriam se acertaram ou não.
do sobre as mesas, na dinâmica.
Dessa forma, dois pesquisadores do estudo ministraram a pa-
Por fim, um folder (ANEXO I), produzido pelos autores da
lestra sobre os nutrientes essenciais, sua importância para a
pesquisa, de caráter informativo foi entregue aos alunos e à
saúde e sobre a necessidade de restrição de alguns deles para
professora, para que pudessem disseminar os conhecimen-
pessoas que possuem doenças, como diabetes, hipertensão,
tos que receberam e esclarecer possíveis dúvidas futuras. E,
dislipidemia e obesidade. A partir desse assunto, foram inseri-
com os alimentos utilizados na dinâmica, realizou-se um lan-
dos os alimentos diet e light: quais as diferenças entre eles, a
che com todos os participantes, como forma de agradecimen-
importância de ler os rótulos dos alimentos, para quem eles são
to pela oportunidade e pela atenção que deram ao trabalho.
indicados, e quais as conseqüências do seu uso indiscriminado.
Para isso, os pesquisadores tiveram o cuidado de comprar os
Ao final da palestra, outro questionamento, oral e geral, foi
refrigerantes e sucos gelados e de levar pratinhos, talheres e
realizado para avaliar a atenção e a compreensão dos alunos
copos descartáveis para servir.
PÓS EM REVISTA l 295
RESULTADOS E DISCUSSÃO
diminuição do teor de algum nutriente energético (carboidrato,
No início do trabalho de campo, em que foi perguntado aos
proteína, gordura). Sendo que a redução de um nutriente não
alunos se eles conheciam os termos diet e light e se eles sabiam
energético, como sódio, não interfere na quantidade de calorias.
a diferença entre os produtos, todos responderam que conhe-
Ainda é preciso ficar atento se, na retirada ou redução de
ciam sim esses alimentos, e, com relação à segunda pergunta,
um nutriente energético de um alimento não houve o aumen-
apareceram respostas variadas, como “diet é sem açúcar, light
to da quantidade de outro mais ou igualmente energético, para
é sem gordura” e vice versa, o que demonstra que, mesmo sen-
compensar o peso do produto. Por exemplo, o chocolate diet
do termos muito conhecidos, as pessoas possuem dúvidas em
possui isenção de açúcar, mas possui uma grande quantida-
relação ao seu significado.
de de gordura, adicionada durante a fabricação a fim de com-
Segundo Meira e colaboradores (2010), os adolescentes
pensar o peso e o sabor que foram retirados juntamente com
não sabem a diferença entre os termos diet e light, embora os
o açúcar, levando-o a apresentar um valor calórico equivalente
consumam em larga escala sem saber o porquê de seu uso.
ou maior do que do chocolate comum, não sendo, portanto, in-
Além disso, destacam que muitos buscam informações sobre os
dicado para pessoas que querem emagrecer, ou que precisam
produtos na TV. Isso confirma a necessidade de esclarecimento
de restrição de gordura na dieta. Por isso, nem sempre o que é
da população, principalmente para esta faixa etária, quanto ao
diet ou light é indicado para pessoas que precisam de restrições
consumo correto desses produtos.
alimentares. Sendo assim, a melhor escolha por um produto
Ao realizar a dinâmica das mesas, colocando cada produto
adequado é prestar atenção aos rótulos no momento de adquiri-
em seu devido lugar (sem sal ou sem açúcar ou sem gordura),
-los, pois esses são a fonte de informação disponível quanto à
percebeu-se que a maioria dos alunos agiu pela intuição, sem
composição e às características desses alimentos e auxiliam na
ler os rótulos, e por isso, não acertaram.
alimentação balanceada e no uso correto.
Meira e colaboradores (2010) enfatizaram a importância da
Explicou-se também que os alimentos diet, sem açúcar,
realização de projetos educativos com a introdução de concei-
por exemplo, não possuem adição de açúcar, mas é permitida
tos sobre os alimentos, aos jovens, para a melhora do hábito
a existência do açúcar natural do alimento, como é o caso da
alimentar e o consumo adequado desses alimentos. Nesse caso, foi apresentado aos alunos, em slide show, de forma interativa, o conceito e os tipos de nutrientes existentes
geléia diet, que tem como açúcar natural o açúcar da fruta, a frutose. Porém, existem os alimentos diet sem açúcar, que não possuem nem mesmo o açúcar natural das matérias-primas.
nos alimentos, a diferença entre os nutrientes essenciais e não
Foi possível perceber, durante a participação dos alunos,
essenciais. Ainda, foi ensinado aos alunos como observar no
que os mesmos ficaram atentos à apresentação e interagiram
rótulo a quantidade dos nutrientes presentes no alimento, e por
sempre, com respostas às perguntas e, também, com formu-
fim, a real diferença entre os alimentos diet e light assim como a
lação de questões. Ao final, perguntas sobre o tema abor-
importância de conhecê-los para o consumo correto.
dado (Tabela 1) foram realizadas para averiguar a compre-
Foi exposto que os produtos diet são aqueles em que há
ensão dos participantes quanto às informações dadas, e em
a retirada de um determinado nutriente (sal, ou açúcar, ou gor-
seguida as respostas corretas foram informadas. O resultado
dura), no entanto, podem conter no máximo 0,5g do nutriente
foi o seguinte: a maioria dos alunos acertou a pergunta n°.1;
em referência (retirado ou com quantidade controlada) por 100g
na pergunta n°.2 a turma se dividiu entre sim e não; todos
ou 100 mL do produto final a ser consumido (ANVISA.b., 1998).
os alunos responderam a pergunta n°.3 corretamente; entre-
E que os produtos light podem ser aqueles que possuem uma
tanto, na pergunta n°.4 os alunos não souberam responder.
quantidade reduzida referente ao conteúdo energético ou ao
Nesse sentido, as dúvidas foram retiradas. Percebeu-se que
conteúdo de nutrientes, como açúcares, gorduras totais, den-
houve uma grande evolução no entendimento dos alunos em
tre outros (ANVISA.a., 1998). Ou ainda, aqueles que possuem
relação ao tema abordado, uma vez que antes da explicação
determinada redução no conteúdo energético ou de nutrientes
havia uma grande confusão sobre o que seriam os alimentos
indicado pela diferença relativa mínima de 25% e pela diferença
diet e light, e após a explicação já conseguiam responder
absoluta em valores iguais aos definidos para o atributo BAIXO.
com maior precisão sobre a diferença entre eles. Na entrega
Nesse caso, foi importante lembrar que a redução de um
do folder (ANEXO I) e no lanche com os alimentos apresenta-
nutriente de um alimento pode causar a redução de calorias
dos, foi perceptível de que havia uma grande satisfação dos
do mesmo, mas para que isso ocorra é necessário que haja a
alunos pelo aprendizado recebido somado ao entretenimento.
296 | PÓS EM REVISTA
CONSIDERAÇÕES FINAIS Este trabalho objetivou levar o esclarecimento sobre as diferenças entre os alimentos diet e light para um grupo de pessoas. Além de alcançar esse objetivo, foi possível concluir que ler os rótulos dos alimentos é essencial no momento da compra,
DF: Ministério da Saúde, 2006. 210 p. FARIA, Monalisa G., et al. Avaliação do nível de conhecimento dos consumidores de Ipatinga-MG, sobre as características e propiedades de produtos diete light e a diferença entre ambos. Higiene Alimentar: São Paulo, v.21, n.153, p.34-38, jul./ago. 2007.
a fim de fazer a melhor escolha para cada necessidade. Dessa maneira o consumidor pode evitar complicações como: um diabético consumir um iogurte diet pensando que o diet é sempre sem açúcar, e na verdade a restrição do produto pode ser em gordura. O trabalho com os jovens foi importante para observar que fazem parte de um grupo de pessoas interessadas em aprender
LIMA, A; GUERRA, N.B.; LIRA, B.F. Evolução da legislação brasileira sobre rotulagem de alimentos e bebidas embaladas, e sua função educativa para promoção da saúde. Higiene Alimentar, v. 17, n. 110, p. 12-17, 2003 apud FARIA, Monalisa Gomes et al. Avaliação do nível de conhecimento dos consumidores de Ipatinga-MG, sobre as características e propiedades de produtos diete light e a diferença entre ambos. Higiene Alimentar: São Paulo, v.21, n.153, p.34-38, jul./ago. 2007.
sobre as questões relacionadas à alimentação e à saúde, e que esse aprendizado é facilmente recebido por eles quando o ensino é realizado de maneira dinâmica e interativa. E que, além de levarem esse conhecimento para a própria vida, também podem se interessar em compartilhá-lo. Dessa forma, com esse trabalho foi possível perceber que é papel do profissional da saúde, inclusive do farmacêutico, esclarecer às pessoas sobre as diferenças entre esses dois tipos de alimentos e ajudá-las a fazer a melhor escolha no momento da compra desses produtos, a fim de que possuam uma boa alimentação e, portanto, qualidade em saúde. REFERÊNCIAS ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Portaria nº 27, de 13 de janeiro de 1998. ANVISA.a. Disponível em: <http://www. anvisa.gov.br/legis/portarias/27_98.htm>. Acesso em: 22 set 2012. ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Portaria nº 29, de 13 de janeiro de 1998. ANVISA.b. Disponível em: <http://www.anvisa. gov.br/legis/portarias/29_98.htm>. Acesso em: 30 abril 2011. ANVISA - Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Universidade de Brasília – Brasília : Ministério da Saúde, 2001, 45p. Disponível em: <http://www.anvisa.gov.br/alimentos/rotulos/manual_rotulagem.pdf>. Acesso em: 12 março 2011. ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Proteção à Saúde: Alimentos. Disponível em: < http://portal.anvisa.gov.br/wps/content/ Anvisa+Portal/Anvisa/Inicio/Alimentos>. Acesso em: 12 março 2011. ABIAD - Associação Brasileira da Indústria de Alimentos Dietéticos e para Fins Especiais. Disponível em: <http://www.abiad.org.br/dietlight. htm>. Acesso em: 12 março 2011.
BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. SECRETARIA DE ATENÇÃO A SAÚDE. DEPARTAMENTO DE ATENÇÃO BÁSICA. Guia alimentar para a população brasileira: promovendo a alimentação saudável. Brasília,
MEIRA, C. C., TERTULIANO, A. F., RODRIGUES F. L., LIBERALI, R., COUTINHO, V. F. Estado nutricional e consumo de alimentos diet e light entre adolescentes de escola privada do município de João Pessoa – PA. Ensaios e Ciência: Ciências Biológicas, Agrárias e da Saúde, v. 14, n.1,p.65-81, 2010. PRIORE, S. E. Composição corporal e hábitos alimentares de adolescentes: uma contribuição à interpretação de indicadores do estado nutricional. Dissertação (doutorado em ciência). Escola paulista de medicina/ Universidade Federal de São Paulo. São Paulo, 1998 apud FARIA, Monalisa Gomes et al. Avaliação do nível de conhecimento dos consumidores de Ipatinga-MG, sobre as características e propiedades de produtos diete light e a diferença entre ambos. Higiene Alimentar: São Paulo, v.21, n.153, p.34-38, jul./ago. 2007. HAR, Celso M. O perfil do Consumidor de produtos light e diet no mercado de varejo supermercadista de campinas. 2003. Disponível em: <http://www.isa.utl.pt/daiat/INT-EngAlimentar/trabalhos%20alunos/ trabalho% 205%20tema%20proposto/temas%20e%20bibliografia/produtos%20light/Minoro%20Hara.pdf>. Acesso em 30/04/2011. LUCCHESE. T.; BATALHA. M. O.; LAMBERT. J. L. Marketing de Alimentos e o comportamento de consumo: Proposição de uma tipologia do consumo de produtos Light e Diet. 2006. Disponível em: <http://ageconsearch.umn.edu/ bitstream/43819/2/(07)%20Artigo%2005.193.pdf>. Acesso em: 30/04/2011. PERETTI, A. P. Revista Veja Online, Ed. Abril, São Paulo, SP, 2010. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/quem/diet-light.shtml. Acesso em 30/04/2011>. VENTURA, R. Mudanças no Perfil do Consumo no Brasil: Principais Tendências nos Próximos 20 Anos. Macroplan – Prospectiva, Estratégia e Gestão. Agosto de 2010. 15p.
PÓS EM REVISTA l 297
NOTAS DE RODAPÉ Graduado em Farmácia pelo Centro Universitário Newton Paiva. Pesquisador do Grupo de Pesquisa em Farmacoepidemiologia da UFMG. 2
Mestranda em Medicamentos e Assistência Farmacêutica pela UFMG. Graduada em Farmácia pelo Centro Universitário Newton Paiva. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Farmacoepidemiologia da UFMG.
3
Graduada em Farmácia pelo Centro Universitário Newton Paiva.
298 | PÓS EM REVISTA
4
Doutoranda em Medicamentos e Assistência Farmacêutica pela UFMG. Mestre em Ciência de Alimentos pela UFMG. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Farmacoepidemiologia da UFMG.
5
Docente dos cursos de Farmácia e Nutrição do Centro Universitário Newton Paiva. Mestre em Ciência de Alimentos pela Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp.
PROBIÓTICOS E A PERMEABILIDADE INTESTINAL Márcio Leandro Ribeiro de Souza1
RESUMO: Os probióticos estão relacionados a inúmeros efeitos benéficos no organismo, entre eles a melhora da função de barreira intestinal. Os mecanismos que podem explicar essa interação estão sendo propostos. Entre eles, podemos citar o estímulo para aumento da produção de muco, de peptídeos antimicrobianos como defensinas e catelicidinas, e outras moléculas antimicrobianas como ácidos graxos de cadeia curta, bacteriocinas ou microcinas. Essas bactérias probióticas também competem com patógenos por sítios de ligação nas células epiteliais e na camada mucosa sobrejacente, além de diminuir alterações nas junções tight e aumentar a produção e liberação de IgA secretória. Assim, existem evidências sobre os benefícios decorrentes do uso dos probióticos para melhoria da função de barreira intestinal e controle da permeabilidade intestinal e este estudo pretende abordar os mecanismos pelos quais as bactérias probióticas contribuem para o controle dessa permeabilidade. Palavras-chave: Probióticos. Permeabilidade. Mucosa intestinal.
INTRODUÇÃO
transporte das mesmas bem como a função de barreira. O ter-
O intestino humano representa a parte final do tubo di-
mo permeabilidade intestinal se refere a essa função de barreira,
gestório e é dividido em intestino delgado e grosso. O intestino
capaz de permitir ou não a passagem de moléculas por meca-
delgado é responsável por completar a digestão e absorção da
nismos de difusão não mediada, por diferenças de gradiente de
maioria dos nutrientes, enquanto o intestino grosso é responsá-
concentração ou pressão, sem a assistência de um sistema car-
vel pela absorção da maior parte de água e alguns eletrólitos, o
reador bioquímico passivo ou ativo (TRAVIS; MENZIES, 1992).
que fornece consistência firme às fezes (SHILS et al., 2002). O
Além disso o TGI contribui para a saúde garantindo a digestão e
intestino delgado contém aproximadamente 7 metros de com-
absorção adequada de nutrientes, minerais e fluidos, induzindo
primento, variando entre 5 e 8 metros, e o intestino grosso tem
a tolerância da mucosa e sistêmica, defendendo o hospedeiro
aproximadamente 1,5 metro (NETTER, 2011).
de infecções e outros patógenos, e enviando sinais da periferia
O trato gastrointestinal (TGI) contém um epitélio contí-
para o cérebro, conforme esquematização na Figura 1. Assim a
nuo que apresenta diferentes propriedades em relação às subs-
barreira intestinal contribui para prevenção de desnutrição, aler-
tâncias presentes na luz intestinal, promovendo a função de
gias e infecções no hospedeiro (BISCHOFF, 2011).
Figura 1: O impacto do intestino na saúde
Fonte: Adaptado de Bischoff, 2011.
PÓS EM REVISTA l 299
Os probióticos são microrganismos vivos, administrados em quantidades adequadas, que conferem benefícios à saúde
probióticos e a barreira intestinal, e suas interferências na permeabilidade intestinal.
do hospedeiro. Os probióticos atualmente estão relacionados a inúmeros efeitos no organismo, como função hipocolesterolê-
METODOLOGIA
mica, tropismo na mucosa intestinal, efeito anticarcinogênico,
O presente estudo é uma revisão bibliográfica, realizada
tratamento e prevenção da diarreia, melhoria da digestão da lac-
no período de abril a maio de 2012, com consulta às bases
tose (WHO, 2002; SANDERS, 2003).
de dados LILACS, MEDLINE e SciELO. Utilizou-se como crité-
Os probióticos podem interferir diretamente na barreira
rio de busca o formulário básico com os seguintes descritores:
intestinal, podendo ou não prejudicar a permeabilidade intes-
microbiota intestinal, probióticos, permeabilidade intestinal. Fo-
tinal. Diversos mecanismos vêm sendo propostos para expli-
ram selecionadas pesquisas em português, inglês e espanhol,
car essa possível interação, como estímulo para aumento da
prevalecendo publicações dos últimos 10 anos (2002 a 2012).
produção de muco, de pepitídeos antimicrobianos como de-
Algumas publicações anteriores a 2002 foram utilizadas quando
fensinas e catelicidinas, e outras moléculas antimicrobianas
estas representavam estudos clássicos sobre os temas.
como ácidos graxos de cadeia curta (AGCC) e bacteriocinas ou microcinas. Essas bactérias probióticas também podem contribuir para a função de barreira intestinal competindo com patógenos por sítios de ligação nas células epiteliais e na camada mucosa sobrejacente, além de diminuir alterações nas junções tight e aumentar a produção e liberação de IgA secretória (COLLINS; BERCIK, 2009; BARTON; KAGAN, 2009; RESTA-LENERT; BARRETT, 2006; MUMY et al., 2008; MADSEN et al., 2001; EWASCHUK et al., 2008; GALDEANO; PERDIGON, 2006).
Assim, o presente trabalho pretende descrever as fun-
ções dos probióticos na saúde humana, bem como os principais mecanismos envolvidos na interação entre os microrganismos
O INTESTINO O intestino humano representa a parte final do tubo digestório e é dividido em intestino delgado e grosso. Juntas, essas duas porções podem atingir aproximadamente 9 metros de comprimento (SHILS et al., 2002; NETTER, 2011). O termo “intestino saudável” vem sofrendo alterações pela comunidade científica desde a definição de saúde como ausência de doenças pela OMS em 1948 até a conceituação mais aceita atualmente. Hoje em dia, existem cinco critérios que precisam ser preenchidos pelo indivíduo para que se possa confirmar o diagnóstico de intestino saudável, conforme descrito na Tabela 1 (BISCHOFF, 2011).
Legenda: TGI, trato gastrointestinal; IgA, imunoglobulina A; Qi, ideograma chinês. Fonte: Adaptado de Bischoff, 2011.
300 | PÓS EM REVISTA
Entre os cinco critérios para classificação de um “intestino
sem a assistência de um sistema carreador bioquímico passivo
saudável” percebe-se a importância da manutenção da integri-
ou ativo. Essa função pode ser considerada dinâmica, com al-
dade da barreira intestinal, bem como da composição normal da
terações transitórias reversíveis após estresse hiperosmolar e
microbiota (BISCHOFF, 2011). O intestino humano contém uma
também afetada por doenças, hormônios, drogas, dieta, cito-
abundante flora, aproximadamente 100 trilhões de células bac-
cinas e fatores ambientais. Essas alterações podem provocar
terianas, que fornecem uma média de 600.000 genes a cada ser
maior permeação de antígenos à mucosa intestinal, iniciando
humano, localizadas fundamentalmente no cólon e que abran-
ou prolongando processos inflamatórios locais (TRAVIS; MEN-
gem centenas de espécies de bactérias. Existe uma alta diver-
ZIES, 1992).
sidade microbiana interindividual de espécies e de cepas, ou
O epitélio intestinal é sustentado por uma estrutura de-
seja, cada indivíduo abriga seu próprio padrão de composição
nominada citoesqueleto, que se estende através das porções
bacteriana, determinado em parte pelo genótipo do hospedeiro
látero-apicais das células e forma as junções firmes ou zônulas
e pela colonização inicial no nascimento via transmissão vertical
ocludentes. Essas junções representam uma interrupção natural
(WGO, 2011).
à continuidade da membrana celular, tornando-se uma via de
A microflora do adulto é um ecossistema complexo que
acesso de macromoléculas e permitindo ou não a passagem
abriga mais de 500 espécies bacterianas diferentes. Acredita-
bidirecional de várias substâncias, como as células inflamatórias
-se que o tamanho da população de cada espécie seja rigoro-
(DeMEO et al., 2002).
samente controlado pela competição pelos nutrientes e pelo
Duas rotas de permeação de substâncias pela mucosa
espaço. Esta “resistência à colonização” é uma função da mi-
do intestino são aceitas atualmente: transcelular e paracelu-
croflora normal. A colonização bacteriana do TGI começa no
lar. Na rota transcelular, as moléculas menores que 0,4nm,
parto, a partir de bactérias pertencentes à flora materna. Gra-
como o manitol por exemplo, atravessam as membranas ce-
dualmente o número de bactérias eleva-se, podendo algumas
lulares através de pequenos poros aquosos (0,4nm a 0,7nm
vezes aumentar rapidamente e provocar infecções neonatais
de raio), de alta incidência, presentes na membrana dos
(ADLERBERTH, 1998).
enterócitos. Já na rota paracelular, as moléculas maiores
O trato gastrointestinal representa o maior sítio de exposi-
que 0,5nm, como lactulose e celobiose, atravessam canais
ção do organismo ao meio externo e participa das reações en-
aquosos maiores (6,5nm de raio) existentes nas junções fir-
tre microrganismos presentes na luz intestinal e o hospedeiro.
mes, de baixa incidência e susceptíveis ao estresse hiperos-
A adequada manutenção da integridade epitelial exerce papel
molar (TRAVIS; MENZIES, 1992). Essa teoria é denominada
fundamental contra a patogenicidade exercida por bactérias, to-
teoria das duas vias de permeação e está demonstrada na
xinas e outras moléculas que podem funcionar como antígenos
Figura 2.
(TRAVIS; MENZIES, 1992). O trato digestório apresenta outras li-
Quando se utilizam marcadores com pesos moleculares
nhas de defesa, além da barreira exercida pelo intestino, como a
variados, em diferentes gradientes osmóticos, constata-se a
ação exercida pelo suco gástrico ácido e pelas enzimas pancre-
presença tanto de poros eletroneutros maiores (6,5nm), quan-
áticas, IgA, defensinas, além da resposta imunológica (SARKER;
to de poros menores (0,7nm), cátio-seletivos, localizados entre
GYR, 1992; BENVIS; MARTIN-POWER; GANZ, 1999).
as células epiteliais. Esse modelo é conhecido como teoria da via única, também demonstrado na Figura 2, no qual as molé-
PERMEABILIDADE INTESTINAL E ROTAS DE PERMEAÇÃO
culas maiores passariam apenas pelos poros maiores através
A permeabilidade intestinal se refere à função de barreira
da via paracelular, enquanto as menores passariam tanto pelos
exercida pelo epitélio intestinal, capaz de permitir ou não a pas-
poros maiores quanto menores, utilizando as vias transcelular
sagem de moléculas por mecanismos de difusão não media-
e paracelular (DAVIS et al., 1982; PAPPENHEIMER; RENKIN;
da, por diferenças de gradiente de concentração ou pressão,
BORRERO, 1951).
PÓS EM REVISTA l 301
A permeação a macromoléculas aumenta em processos
que eles são microrganismos vivos, administrados em quantida-
que causam reação inflamatória na mucosa intestinal, favoreci-
des adequadas, que conferem benefícios à saúde do hospedei-
da por afrouxamento nas junções intercelulares, enquanto a per-
ro (WHO, 2002; SANDERS, 2003).
meação dos monossacarídeos retrata a área absortiva intestinal,
Vários microrganismos são usados como probióticos, en-
embora não haja consenso para explicar as vias de permeação
tre eles bactérias ácido-lácticas, bactérias não ácido-lácticas e
(VILELA, 2005).
leveduras. Bactérias pertencentes aos gêneros Lactobacillus e
A quebra da integridade da barreira intestinal e aumento da
Bifidobacterium e, em menor escala, Enterococcus faecium,
permeação aumentada de macromoléculas têm sido associa-
são mais frequentemente empregadas como suplementos pro-
das a mecanismos etiopatogênicos comuns a várias doenças
bióticos para alimentos, uma vez que têm sido isoladas de todas
de caráter inflamatório do trato digestivo, bem como a doen-
as porções do trato gastrintestinal do humano saudável. O íleo
ças auto-imunes, como diabetes mellitus e a dermatite atópica
terminal e o cólon parecem ser, respectivamente, o local de pre-
(SECONDULFO et al., 2004; ROSENFELDT et al., 2004). Para
ferência para colonização intestinal dos lactobacilos e bifidobac-
que a mucosa possa exercer sua função de forma adequada,
térias. Dentre as bactérias pertencentes ao gênero Bifidobacte-
sua integridade deve ser mantida e o uso de bactérias probió-
rium, destacam-se a B. bifidum, B. breve, B. infantis, B. lactis,
ticas vem sendo associado a essa manutenção da integridade
B. animalis, B. longum e B. thermophilum. Dentre as bactérias
do epitélio intestinal.
láticas pertencentes ao gênero Lactobacillus, destacam-se a Lb. acidophilus, Lb. helveticus, Lb. casei- subsp. paracasei e
PROBIÓTICOS
subsp. tolerans, Lb. paracasei, Lb. fermentum, Lb. reuteri, Lb.
O termo probiótico possui origem grega e foi proposto ini-
johnsonii, Lb. plantarum, Lb. rhamnosus e Lb. Salivarius (HOL-
cialmente para descrever compostos ou extratos de tecidos ca-
ZAPFEL; SCHILLINGER, 2002).
pazes de estimular o crescimento microbiano. Os probióticos
Para que os probióticos possam atuar satisfatoriamente
eram definidos como suplementos alimentares à base de mi-
no organismo, eles devem apresentar algumas características
crorganismos vivos, que afetam beneficamente o animal hospe-
específicas: serem habitantes normais do intestino; reproduzi-
deiro, promovendo o seu balanço microbiano (FULLER, 1989).
rem-se rapidamente; produzirem substâncias antimicrobianas;
Entretanto, a definição atualmente aceita internacionalmente é
resistirem ao tempo entre a fabricação, comercialização e inges-
302 | PÓS EM REVISTA
tão do produto devendo atingir o intestino ainda vivos na con-
por sítios de adesão. O segundo desses mecanismos seria a
centração mínima de 106 UFC/mL ou g. Assim, o mecanismo de
alteração do metabolismo microbiano, através do aumento ou
atuação dos probióticos no organismo se refere principalmente
da diminuição da atividade enzimática. O terceiro seria o estímu-
à inibição que estes exercem na colonização do intestino por
lo da imunidade do hospedeiro, através do aumento dos níveis
bactérias patogênicas. Os mecanismos através dos quais os
de anticorpos e o aumento da atividade dos macrófagos. O es-
probióticos reduzem as bactérias patogênicas seriam: produção
pectro de atividade dos probióticos pode ser dividido em efeitos
de substâncias bactericidas; disputa por nutrientes; alteração do
nutricionais, fisiológicos e antimicrobianos (FULLER, 1989).
metabolismo microbiano; estimulação do sistema imunológico a
Os benefícios à saúde do hospedeiro atribuídos à ingestão
partir da capacidade de adesão à mucosa intestinal (ALVAREN-
de culturas probióticas que mais se destacam são: controle
GA et al., 2001).
da microbiota intestinal; estabilização da microbiota intestinal após o uso de antibióticos; promoção da resistência gastrin-
Funções dos probióticos
testinal à colonização por patógenos; diminuição da popula-
A influência benéfica dos probióticos sobre a microbiota in-
ção de patógenos através da produção de ácidos acético e lá-
testinal humana inclui fatores como efeitos antagônicos, com-
tico, de bacteriocinas e de outros compostos antimicrobianos;
petição e efeitos imunológicos, resultando em um aumento da
promoção da digestão da lactose em indivíduos intolerantes à
resistência contra patógenos. Assim, a utilização de culturas
lactose; estimulação do sistema imune; alívio da constipação;
bacterianas probióticas estimula a multiplicação de bactérias
aumento da absorção de minerais e produção de vitaminas.
benéficas, em detrimento à proliferação de bactérias potencial-
Embora ainda não comprovados, outros efeitos atribuídos a
mente prejudiciais, reforçando os mecanismos naturais de defe-
essas culturas são a diminuição do risco de câncer de cólon
sa do hospedeiro (PUUPPONEN-PIMIA et al., 2002). São vários
e de doença cardiovascular. É sugerida, também, a diminui-
os efeitos benéficos atribuídos aos probióticos, entre os quais
ção das concentrações plasmáticas de colesterol, efeitos anti-
se destacam o efeito trópico na mucosa intestinal, hipocoleste-
-hipertensivos, redução da atividade ulcerativa de Helicobacter
rolêmico, anticarcinogênico, tratamento e prevenção da diarréia
pylori, controle da colite induzida por rotavírus e por Clostri-
e melhora da digestão da lactose. Os probióticos exercem efei-
dium difficile, prevenção de infecções urogenitais, além de
tos inibidores sobre a microflora intestinal patogênica. Também
efeitos inibitórios sobre a mutagenicidade (KAUR, CHOPRA,
podem existir efeitos indiretos como a estimulação de outros
SAINI, 2002; TUOHY et al., 2003).
lactobacilos, diferentes dos microrganismos do probiótico administrado. O mecanismo causador destes efeitos inibidores não é bem conhecido, embora estudos sugiram que a concorrência por receptores de aderência no intestino talvez seja uma explicação possível (FULLER, 1989). As bactérias patogênicas do tubo digestório possuem sistemas enzimáticos responsáveis pela produção de carcinogênicos. A administração de probióticos pode suprimir a atividade de enzimas como a β-glicosidase e a β-glicoronidase. Também podem provocar diminuição da 7 α-desidroxilase dos ácidos biliares que produzem o ácido desoxicólico, um ácido biliar secundário. Os probióticos também podem atuar na supressão dos sintomas das enfermidades. Embora essa ação de supressão não seja bem descrita, isto pode acontecer através da ação direta sobre o número de agentes patogênicos ou sobre sua atividade, pelo estímulo à imunidade do hospedeiro ou competição pelos receptores de adesão (FULLER, 1989). Três possíveis mecanismos de atuação são atribuídos aos probióticos, sendo o primeiro deles a supressão do número de células viáveis através da produção de compostos com atividade antimicrobiana, a competição por nutrientes e a competição
PROBIÓTICOS E A PERMEABILIDADE INTESTINAL Durante muitos anos, os mecanismos propostos para explicar os efeitos benéficos dos microrganismos probióticos estavam concentrados na sua capacidade de suprimir o crescimento de patógenos. De fato, essa competição entre probióticos e bactérias patogênicas por sítios específicos no epitélio intestinal constituía-se no seu principal mecanismo de ação (CLANCY, 2003). Algumas hipóteses são formuladas para explicar possíveis mecanismos pelos quais as bactérias probióticas podem interferir na barreira intestinal. Uma delas está relacionada às camadas de muco. Ao longo de todo o epitélio intestinal existem inúmeras células de Goblet (células caliciformes). Essas células são glandulares polarizadas do tipo mucoso, pois secretam mucina, que se dissolve na água formando muco. Essa camada de muco fornece proteção contra antígenos e moléculas estranhas, ao mesmo tempo que atua como lubrificante para a motilidade intestinal. O muco é a primeira barreira que as bactérias intestinal encontram, e os patógenos precisam penetrá-la durante uma PÓS EM REVISTA l 303
infecção para atingir as células epiteliais (PHILLIPSON et al.,
secreção de ácidos acético e lático, o que inibe o crescimen-
2008). Alguns microrganismos, como Helicobacter pylori, Can-
to de alguns patógenos, incluindo a E. coli enterohemorrágica
dida albicans e Entamoeba histolytica, desenvolveram diversos
(OGAWA et al., 2001). A produção de AGCC pode provocar
métodos para degradar o muco (BRADSHAW et al., 1994; MON-
rompimentos das membranas de patógenos gram-negativos,
CADA et al., 2000).
inibindo o crescimento (ALAKOMI et al., 2000). Lactobacillus
Os probióticos podem promover secreção de muco como
salivarius produz um peptídeo que inibe o crescimento de es-
um dos mecanismos de melhorar a função de barreira e elimina-
pécies de Staphylococcus, Bacillus, Listeria e Enterococcus
ção de patógenos. In vitro, algumas espécies de Lactobacillus
(FLYNN et al., 2002).
aumentaram a expressão de mucina em células humanas intes-
Essas bactérias probióticas também podem contribuir para
tinais Caco-2 (MUC2) e HT29 (MUC 2 e 3), bloqueando então a
a função de barreira intestinal competindo com patógenos in-
invasão e aderência da Escherichia coli patogênica (MACK et
vasores por sítios de ligação nas células epiteliais e na camada
al., 2003; MATTAR et al., 2002). In vivo, poucos estudos foram
mucosa sobrejacente (BARTON; KAGAN, 2009). Também po-
realizados e estes mostraram uma tendência para o aumento da
dem inibir a diminuição da resistência e alterações nas junções
expressão de mucina pelos probióticos, embora haja a neces-
apertadas (tight) causadas por estresse, infecção ou citocinas
sidade de melhores estudos para que um resultado mais con-
inflamatórias em doenças inflamatórias intestinais (RESTA-
clusivo possa ser afirmado (OHLAND; MacNAUGHTON, 2010).
-LENERT; BARRETT, 2006; MUMY et al., 2008s; MADSEN et al.,
Outro mecanismo que pode explicar a interação entre pro-
2001; EWASCHUK et al., 2008) . Além disso, os probióticos au-
bióticos e a barreira intestinal correlaciona-se com os peptídeos
mentam os níveis totais de IgA secretória (IgAs) além dos níveis
antimicrobianos das células do hospedeiro. As duas principais
patógenos-especifícos nas infecções, enquanto normalmente
famílias desses peptídeos são as defensinas e catelicidinas. A
não induz a produção de IgAs probiótico-específico (GALDEA-
expressão de catelicidina é induzida pelo butirato, produzido
NO; PERDIGON, 2006).
pela microflora entérica (SCHAUBER et al., 2003). Rubhana et al. (2006) usou butirato para tratar infecção por Shigella em coe-
CONSIDERAÇÕES FINAIS
lhos e encontrou uma significativa redução na disenteria que foi
As funções dos probióticos e suas interações com o orga-
correlacionada com uma “upregulation” de catelicidina. Baixas
nismo humano vêm recebendo grande destaque nos estudos
produção de defensinas tem sido associada com o desenvol-
científicos recentes. A cada dia novas interações são descober-
vimento de doença inflamatória intestinal e com o aumento da
tas e descritas. As informações geradas ao longo dos últimos
susceptibilidade a infecções bacterianas (MENENDEZ; BRETT
anos indicam que vários probióticos têm diversas participações
FINLAY, 2007).
na saúde humana, além de sua atividade como promotores de
Kadowaki et al. demonstraram que tanto as células epite-
crescimento e reguladores da microbiota das mucosas. As evi-
liais quanto as células imunológicas possuem a capacidade de
dências acumuladas sobre os benefícios decorrentes do uso
discriminar diferentes espécies de microrganismos. Ao nível da
dos probióticos para melhoria da função de barreira intestinal
barreira mucosa, as células epiteliais expostas ao Streptococ-
e controle da permeabilidade intestinal justificam o aprofunda-
cus thermophilus e ao Lactobacillus acidophilus aumentam a
mento dos estudos sobre seu modo de ação, a fim de esclare-
fosforilação da actina e da ocludina nas junções firmes, com
cer melhor os mecanismos pelos quais as bactérias probióticas
isso impedem a adesão e a invasão da E. coli enteroinvasiva
contribuem para o controle da permeabilidade.
(KADOWAKI et al., 2001; RESTA-LENERT; BARRETT, 2003). Segundo Lammers et al (2002), as células epiteliais secretam interleucina-8 em resposta a bactérias como a E. coli, mas não o fazem na presença dos probióticos. Probióticos podem inibir o crescimento ou matar patógenos pela produção de moléculas antimicrobianas incluindo ácidos graxos de cadeia curta (AGCC) e bacteriocinas ou microcinas (COLLINS; BERCIK, 2009). Estudos mostraram que tanto
REFERÊNCIAS ADLERBERTH, I. Estabelecimento da microflora intestinal normal do recém-nascido. In Probióticos, outros fatores nutricionais e a microflora intestinal. Nestlé 1998: 7-10. ALAKOMI, H.L.; SKYTTA, E.; SAARELA, M. et al. Lactic acid permeabilizes gram-negative bacteria by disrupting the outer membrane. Appl Environ Microbiol 2000; 66: 2001–5.
Lactobacillus quanto Bifidobacterium podem matar Salmonella typhimurium in vitro (FAYOL-MESSAOUDI et al., 2005). As bactérias probióticas podem abaixar o pH luminal através da 304 | PÓS EM REVISTA
ALVARENGA, A.; LOTTENBERG, A.M.P.; SALGADO, J.M.; BORGES, V.C. Impacto dos alimentos funcionais para a saúde. Rev Nutrição em
Pauta 2001: mai/jun.
tics. Food Res Int 2002; 35 (2/3): 109-16.
BARTON, G.M.; KAGAN, J.C. A cell biological view of Toll-like receptor function: regulation through compartmentalization. Nat Rev Immunol 2009; 9: 535–542.
KADOWAKI, N.; HO, S.; ANTONENKO, S. et al. Subsets of human dendritic cell precursors Express different Toll-like receptors and respond to different microbial antigens. J Exp Med 2001; 194(6): 863-9. KAUR, I.P.; CHOPRA, K.; SAINI, A. Probiotics: potential pharmaceutical applications. Eur. J. Pharm. Science 2002; 15: 1-9.
BENVIS, C.L.; MARTIN-POWER, E.; GANZ, T. Defensins and innate host defense of the gastrointestinal tract. Gut 1999; 45(6): 911-15. BISCHOFF, S.C. Gut healthy: a new objective in medicine? BMC Medicine 2011; 9-24.
LAMMERS, K.M.; HELWIG, U.; SWENNEN, E. et al. Effect of probiotic strains on interleukin 8 production by HT29/19a cells. Am J Gastroenterol 2002; 97(5): 1182-6.
BRADSHAW, D.J.; HOMER, K.A.; MARSH, P.D.; BEIGHTON, D. Metabolic cooperation in oral microbial communities during growth on mucin. Microbiology 1994; 140: 3407–3412.
MACK, D.R.; AHRNE, S.; HYDE, L.; WEI, S.; HOLLINGSWORTH, M.A. Extracellular MUC3 mucin secretion follows adherence of Lactobacillus strains to intestinal epithelial cells in vitro. Gut 2003; 52: 827–833.
CLANCY, R. Immunobiotics and the probiotic evolution. FEMS Immunol Med Microbiol 2003; 38:9-12.
MADSEN, K.; CORNISH, A.; SOPER, P. et al. Probiotic bacteria enhance murine and human intestinal epithelial barrier function. Gastroenterology 2001; 121: 580–591.
COLLINS, S.M.; BERCIK, P. The relationship between intestinal microbiota and the central nervous system in normal gastrointestinal function and disease. Gastroenterology 2009; 136: 2003–14. DAVIS, G.; SANTA ANA, C.; MORAWSKI, S.; FORDTRAN, J. Permeability characteristics of human jejunum, ileum, proximal colon and distal colon: results of potencial difference measurements and unidirectional fluxes. Gastroenterology 1982; 83(4): 844-50. DeMEO, M.T.; MUTLU, E.A.; KESHAVARZIAN, A.; TOBIN, M.C. Intestinal permeation and gastrointestinal disease. J Clin Gastroenterol 2002; 34(4): 385-96. EWASCHUK, J.B.; DIAZ, H.; MEDDINGS, L. et al. Secreted bioactive factors from Bifidobacterium infantis enhance epithelial cell barrier function. Am J Physiol Gastrointest Liver Physiol 2008; 295: G1025–G1034. FAYOL-MESSAOUDI, D.; BERGER, C.N.; COCONNIER-POLTER, M.H. et al. pH-, lactic acid-, and non-lactic acid-dependent activities of probiotic Lactobacilli against Salmonella enterica serovar Typhimurium. Appl Environ Microbiol 2005; 71: 6008–6013. FLYNN, S.; VAN SINDEREN, D.; THORNTON, G.M.; HOLO, H.; NES, I.F.; COLLINS, J.K. Characterization of the genetic locus responsible for the production of ABP-118, a novel bacteriocin produced by the probiotic bacterium Lactobacillus salivarius subsp. salivarius UCC118. Microbiology 2002; 148: 973–984. FULLER, R. Probiotics in man and animals. J. Appl. Bacteriol 1989; 66: 365-78. GALDEANO, C.M.; PERDIGON, G. The probiotic bacterium Lactobacillus casei induces activation of the gut mucosal immune system through innate immunity. Clin Vaccine Immunol 2006; 13: 219–226. HOLZAPFEL, W.H.; SCHILLINGER, U. Introduction to pre- and probio-
MATTAR, A.F.; TEITELBAUM, D.H.; DRONGOWSKI, R.A. et al. Probiotics up-regulate MUC-2 mucin gene expression in a Caco-2 cell-culture model. Pediatr Surg Int 2002; 18: 586–590. MENENDEZ, A.; BRETT FINLAY, B. Defensins in the immunology of bacterial infections. Curr Opin Immunol 2007; 19: 385–391. MONCADA, D.; YU, Y.; KELLER, K.; CHADEE, K. Entamoeba histolytica cysteine proteinases degrade human colonic mucin and alter its function. Arch Med Res 2000; 31: S224–S225. MUMMY, K.L.; CHEN, X.; KELLY, C.P.; McCORMICK, B.A. Saccharomyces boulardii interferes with Shigella pathogenesis by postinvasion signaling events. Am J Physiol Gastrointest Liver Physiol 2008; 294: G599–G609. NETTER, F.H. Atlas de Anatomia Humana. 5ed. Porto Alegre: Artmed, 2011. 624 p. OGAWA, M.; SHIMIZU, K.; NOMOTO, K. et al. Inhibition of in vitro growth of Shiga toxin-producing Escherichia coli O157:H7 by probiotic Lactobacillus strains due to production of lactic acid. Int J Food Microbiol 2001; 68: 135–140. OHLAND, C.L.; MacNAUGHTON, W.K. Probiotic bacteria and intestinal epithelial barrier function. Am J Physiol Gastrointest Liver Physiol 2010; 298: G807-G819. PAPPENHEIMER, J.R.; RENKIN, E.M.; BORRERO, L.M. Filtration, diffusion and molecular sieving through capillary membranes. A contribution to the pore theory of capillary permeability. Am J Physiol 1951; 167: 13-46. PHILLIPSON, M.; JOHANSSON, M.E.V.; HENRIKSNAS, J. et al. The gasPÓS EM REVISTA l 305
tric mucus layers: constituents and regulation of accumulation. Am J Physiol Gastrointest Liver Physiol 2008; 295: G806–G812.
cosal alterations and increased intestinal permeability in non-celiac, type 1 diabetic patients. Dig Liver Dis 2004; 36(1): 35-45.
PUUPPONEN-PIMIA, R.; AURA, A.M.; OKSMANCALDENTEY, K.M. et al. Development of functional ingredients for gut health. Trends Food Sci Technol 2002; 13: 3-11.
SHILS, M.E.; OLSON, J.A.; SHIKE, M.; ROSS, A.C. Tratado de Nutrição Moderna na Saúde e na Doença. 9 ed. Ed. Manole, 2002. 2122 p.
RESTA-LENERT, S.; BARRETT, K.E. Live probiotics protect intestinal ephitelial cells from the effects of infection with enteroinvasive Escherichia coli (EIEC). Gut 2003; 52(7): 988-97. RESTA-LENERT, S.; BARRETT, K.E. Probiotics and commensals reverse TNF-alfa- and IFN-gamma-induced dysfunction in human intestinal epithelial cells. Gastroenterology 130: 731–746, 2006. ROSENFELDT, V.; BENEFELDT, E.; VALERIUS, N.H. et al. Effect of probiotics on gastrointestinal symptoms and small intestinal permeability in children with atopic dermatitis. J Pedriatr 2004; 145(5): 612-6. RUBHANA, R.; PROTIM, S.; PETER, B. et al. Improved outcome in shigellosis associated with butyrate induction of an endogenous peptide antibiotic. Proc Natl Acad Sci USA 2006; 103: 9178–9183. SANDERS, M.E. Probiotics: considerations for human health. Nutr Rev 2003; 61(3): 91-99. SARKER, S.A.; GYR, K. Non-immunologic defense mechanisms of the gut. Gut 1992; 33(7): 987-93. SCHAUBER, J.; SVANHOLM, C.; TERMEN, S. et al. Expression of the cathelicidin LL-37 is modulated by short chain fatty acids in colonocytes: relevance of signalling pathways. Gut 2003; 52: 735–741. SECONDULFO, M.; IAFUSCO, D.; CANATU, R. et al. Ultrastructural mu-
306 | PÓS EM REVISTA
TRAVIS, S.; MENZIES, I. Intestinal permeability: functional assessment and significance. Clin Sci 1992; 82(5): 471-88. TUOHY, K.M.; PROBERT, H.M.; SMEJKAL, C.W.; GIBSON, G.R. Using probiotics and prebiotics to improve gut health. Drug Discovery Today 2003; 8(15): 692-700. VILELA, E.G. A influência do Saccharomyces boulardii na permeabilidade intestinal de pacientes com doença de Crohn em fase de remissão. Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2005. Tese de Doutorado. 117 p. WGO World Gastroenterology Organisation. Probióticos e prebióticos: diretrizes mundiais (tradução) 2011. Disponível em www.worldgastroentreology.org Acesso em 22/05/2012. WHO World Health Organization. Guideline for the evaluation of probiotics in food. Canada 2002. Disponível em www.who.int Acesso em 22/05/2012.
NOTA DE RODAPÉ 1 Graduado em Nutrição pelo Centro Universitário Newton Paiva. Mestrando em Saúde do Adulto na Faculdade de Medicina da UFMG. Pós-graduado em Treinamento Desportivo pela FACEL (PR) e pós-graduando em Nutrição Clínica Funcional pela UNICSUL / VP (SP).
PROBIÓTICOS: enfoque na tecnologia de produção dos leites fermentados Anna Carolina Silva Messeder1 Felipe Keltke2 Sabrina Meire Alves3 Maria de Lourdes Mohallem4
RESUMO: Este artigo tem como finalidade discorrer, através de uma revisão bibliográfica, sobre a veiculação de probióticos em leites fermentados, os atributos necessários para que estes atendam os aspectos de funcionalidade e sua adequação para sua produção. Nos últimos anos, as pesquisas voltadas para a manutenção dos produtos lácteos cresceram e são os laticínios que registram maior número de pesquisas. A discussão concentrou-se não só na compreensão do processo de fermentação de lácteos, mas também no estudo dos critérios para a seleção dos probióticos. Verificou-se, então, que as bactérias probióticas utilizadas na produção em escala industrial e de processamento devem ser bem caracterizadas, apropriadas para cada tipo de produto e manter-se com boa viabilidade durante o seu armazenamento. Palavras-chave: Probióticos. Leite fermentado. Aspectos tecnológicos. Micro-organismos.
1 INTRODUÇÃO
redução do risco de doenças (STANTON et al. 2005;
Com o aumento na expectativa de vida da população, alia-
ROBERFROID, 2005, p. 520).
do ao crescimento exponencial dos custos médico-hospitalares, a sociedade necessita vencer novos desafios, com o desenvol-
Para Sanders (1998), o potencial desse tipo de alimento é
vimento de conhecimentos científicos e de tecnologias, os quais
importante para promoção da saúde. No entanto, é necessário
resultem em modificações importantes no estilo de vida. Nesse
ressaltar que seu efeito não é de cura, ou seja, eles se limitam a
contexto, Roberfroid, no livro de Saad (2002), afirma que a nu-
promoção da saúde e não a cura de doenças.
trição precisa se adaptar a esses novos desafios. Hoje se fala
A demanda do mercado consumidor levou a elaboração
em nutrição otimizada, ciência que visa dar mais importância às
pela indústria, de produtos funcionais. Dentre eles des-
funções fisiológicas de cada indivíduo, de maneira a assegurar
tacam-se os probióticos, definidos internacionalmente
tanto o bem-estar e a saúde, quanto minimizar o risco de de-
como micro-organismos vivos, administrados em quan-
senvolvimento de doenças ao longo da vida. Dessa forma, os
tidades adequadas, que conferem benefícios à saúde
alimentos funcionais e, especialmente, os probióticos são con-
do hospedeiro (FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZA-
ceitos novos e estimulantes.
TION OF UNITED NATIONS; WORLD HEALTH ORGANI-
Para a indústria de alimentos, o desenvolvimento de novos
ZATION, 2001; SANDERS, 2003, p. 96).
produtos alimentícios é desafiador, pois procura atender à demanda dos consumidores por produtos que, concomitantemente, sejam saudáveis e atrativos.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) também propõe uma definição para os probióticos. De acordo com
Alimentos funcionais são aqueles que, além de contri-
a ANVISA (2010), probióticos são micro-organismos vivos capa-
buírem com a nutrição em termos de macro e micronu-
zes de melhorar o equilíbrio microbiano intestinal, produzindo
trientes, contêm substâncias que podem ser conside-
efeitos benéficos á saúde do indivíduo. Apesar das culturas de
radas biologicamente ativas, produtoras de benefícios
probióticos serem encontradas, tradicionalmente, em formula-
clínicos ou de saúde. A definição aceita descreve os
ções farmacêuticas, atualmente, pode-se encontrá-las em varia-
alimentos funcionais como aqueles que afetam benefi-
dos produtos alimentícios fermentados.
camente uma ou mais funções do organismo, além de
A introdução de culturas probióticas em alimentos está de
garantirem efeitos nutricionais adequados, conduzindo
encontro com o esforço da tecnologia para acompanhar os no-
melhorias do estado geral de saúde e bem-estar e/ou
vos conceitos de nutrição otimizada. Cada dia mais,há no merPÓS EM REVISTA l 307
cado novos produtos alimentícios, que além de elevada qualida-
te previamente pasteurizado ou esterilizado por fermentos lácticos
de nutricional, possuem alegações funcionais, e, em especial,
próprios, cuja fermentação se realiza com um ou vários dos seguin-
veiculados com probióticos. Dados de Gomes & Malcata (2002)
tes cultivos: Lactobacillus acidophilus; Lactobacillus casei; Bifi-
apontam que há, aproximadamente, oitenta produtos comer-
dobacterium sp; Streptococus salivarius subsp; thermophilus e/
ciais com micro-organismos probióticos disponíveis no mercado
ou outras bactérias ácido láticas que por sua atividade contribuem
mundial, os quais são produzidos principalmente no Japão, na
para a determinação das características do produto final.
Comunidade Europeia e nos EUA. O Japão é o líder do mercado, com cerca de cinquenta produtos diferentes.
A bioquímica da fermentação é descrita por Van de Walter (2003) da seguinte maneira: a produção de ácido láctico no leite
Stanton (2003) afirma que os alimentos mais comuns vei-
é consequência do metabolismo das bactérias láticas e a intera-
culados com probióticos são os leites fermentados e os produ-
ção entre as cepas selecionadas. Assim, o aumento da acidez
tos infantis. Araújo (2007) cita, ainda, que os produtos lácteos
leva as micelas de caseína se desestabilizarem. A coagulação
probióticos são a alternativa tecnológica que melhor atende ao
se completa quando o pH original do leite atingir o valor 4,6,
consumidor, já que estes buscam produtos inovadores, diferen-
quando a fermentação é interrompida.
ciados e benéficos para a promoção da saúde e bem estar.
A coagulação da caseína é responsável pela alteração da
Segundo Roberfroid (2002) outro fator importante para a
consistência original do leite e durante o metabolismo bacteria-
tecnologia de produção de derivados lácteos com probióticos
no há produção de outros compostos, tais como, acetaldeído,
é a seleção de cepas que desempenhe um bom funcionamento
diacetil, CO2, etanol.
em humanos e simultaneamente sejam tecnologicamente adequadas.
“A fermentação ocorre, em geral, em um tempo inferior a 4 a 5 horas e na temperatura de 40 a 44°C. A temperatura da
Este trabalho apresenta uma revisão bibliográfica sobre o
fermentação afeta, primariamente, a multiplicação bacteriana e,
uso de probióticos em leites fermentados, com enfoque tecno-
consequentemente, a estrutura e o sabor do produto.” (KRISTO;
lógico. O objetivo do presente trabalho, portanto, é discutir os
BILIADERIS; TZANETAKIS; 2003, p.1).
atributos necessários para que os probióticos atendam, conco-
Há ainda outros micro-organismos probióticos possíveis de
mitantemente, os aspectos de funcionalidade e da adequação
serem utilizados nos leites fermentados, como por exemplo, as
para a produção de leites fermentados.
bactérias pertencentes ao gênero Bifidobacterium, cujas principais espécies são: B. bifidum, B. brevis, B. infantis, B. lactis, B.
2 METODOLOGIA Foi realizada uma pesquisa na base de dados Scielo (Scientific Eletronic Library On line), a partir das seguintes palavras-chaves: probióticos, tecnologia de produção de leites fermentados, leite fermentado. O material coletado, que constou vinte e três artigos, todos
animalis, B. longum e B. thermophilum. Klaenhammer (2001) ainda cita as bactérias que pertencem ao gênero Lactobacillus e as espécies que se destacam são: L. acidophilus, L. helveticus, L. casei - subsp. paracasei e subsp.tolerans, L. paracasei, L. delbrueckii, L. fermentum, L. reuteri, L. johnsonii, L. plantarum, L. rhamnosus e L. salivarius.
indexados na base de dados do Scielo, foi analisado e avaliado quanto a sua contribuição para o objetivo do trabalho. Os artigos
3.2 Critérios para a seleção de probióticos
publicados anteriormente ao ano de 1997, bem como os que
usados nos leites fermentados
não citavam as palavras chaves, foram eliminados. No entanto,
Para a utilização em leites fermentados, os probióticos de-
artigos de 1997 foram utilizados, pois houve contribuição para o
vem atender requisitos mínimos de seguridade e funcionalidade
desenvolvimento da pesquisa.
para humanos, além de atender a critérios relacionados com a
Também, foram utilizadas publicações de órgãos oficiais, li-
tecnologia de produção.
vros acadêmicos da área de Nutrição e Tecnologia de Alimentos e pesquisa on-line.
3.2.1 Aspectos relacionados com a seguridade para humanos
3 DESENVOLVIMENTO
De acordo com Saarela et al. (2000), para serem seguras, as cepas probióticas devem: ser de origem humana, a fim de
3.1 Bioquímica da fermentação do leite Leite fermentado é o produto resultante da fermentação do lei308 | PÓS EM REVISTA
permitir segurança no manuseio e ingestão destes micro-organismos. Bieleck et al. (2002) confirmam que os lactobacilos e
as bifidobactérias atendem estes requisitos, pois colonizam, preferencialmente, o íleo terminal e o cólon. De acordo com os
ponante e o pH do alimento são fatores relevantes para manter viabilidade durante a passagem pelo TGI.
mesmos autores, elas necessitam ser isoladas do trato gastroin-
Ainda, segundo Saarela et al. (2000), os micro-organismos
testinal (TGI) saudável, portanto não devem ter capacidade de
eleitos devem ter capacidade de aderir à superfície epitelial do
desencadear doenças e não estar associadas com doenças.
TGI e persistir viável, pois de outra maneira, poderiam ser expul-
Nem todos os lactobacilos são benéficos ou podem ser usa-
sos pelos fluidos intestinais ou pelos movimentos peristálticos.
dos como probióticos veiculados pelos alimentos. Rautio et al.
A capacidade de adesão se deve à presença de estruturas mi-
(1999) cita que os L. rhamnosus são responsáveis por endo-
crobianas denominadas “fatores de aderência” ou “fatores de
cardite em homens idosos e abscessos no fígado de mulheres
colonização” ou “adesinas” ou “antígenos de aderência”.
também idosas com histórico de hipertensão e diabetes;
De acordo com Kopp-Hoolihan (2001) e Van de Walter
Muitos autores, dentre eles Salminen (1998), O’brien (1999)
(2003), as cepas probióticas devem ser capazes de estimular
e Saarela (2000), sustentam que o probiótico não deve possuir
a imunidade do hospedeiro através do aumento dos níveis de
resistência aos antibióticos, a fim de evitar a transmissão dos
anticorpos e atividade dos macrófagos.
fatores de resistência para bactérias patogênicas, dificultando,
Um pool de bactérias probióticas no intestino é essencial
assim, a cura de infecções. No entanto, algumas cepas de bac-
para proteção contra patógenos, por isso os probióticos esco-
térias láticas, especificamente as de Lactobacillus spp. são re-
lhidos necessitam ter atividade antagonista aos patógenos. De
sistentes a certos antibióticos. Essa resistência geralmente não
acordo com Saavedra et al (2004), isso acontece porque, quan-
é mediada por plasmídeos, logo não é transmissível horizon-
do há a predominância de probióticos, no intestino o antagonis-
talmente. Contudo, há descrição de cepas portadoras de plas-
mo microbiano é formado, criando uma concorrência com as
mídeos de resistência, particularmente cepas de Enterococcus
bactérias patogênicas. Experiências in vivo comprovaram que
resistentes à vancomicina.
fórmulas suplementadas com probióticos auxiliam na diminuição de cólicas e irritabilidade intestinal em crianças e consequente-
3.2.2 Aspectos relacionados com a funcionalidade para humanos Ainda de acordo com Saarela et al. (2000), a seleção de cepas probióticas deve atender critérios de funcionalidade para humanos, tais como: possuir tolerância aos ácidos estomacais; aos sucos gástricos e a bile, com o objetivo de atingir altos níveis no intestino. Segundo Holzapfel & Schillinger (2002) a ação antimicrobiana da pepsina, assim como a acidez do estômago (pH entre 2,5 e 3,5) são importantes para proporcionar um efeito barreira contra a entrada de bactérias no TGI. Esses conhecimentos são determinantes na escolha da consistência dos alimentos veiculadores de probióticos, pois se sabe que, quanto menor o tempo de permanência do alimento no estômago, maior será a sobrevivência microbiana. Como sustenta Charteris (1998), os alimentos líquidos têm trânsito mais rápido que os sólidos, logo eles são os mais adequados para veicular os probióticos. Produtos alimentícios com pH entre 3,5 a 4,5, tais como leites fermentados, têm alta capacidade tamponante, pois após a metabolização, produzem resíduos alcalinos, responsáveis pelo aumento do pH do TGI. O aumento do pH confere efeito protetor à viabilidade de Lactobacillus e Bifidobacterium sensíveis aos ácidos do TGI. Para Charteris et al. (1998), a capacidade tam-
mente reduzem o uso de antibióticos no tratamento destas. Segundo Kopp-Hoolihan (2001), é necessário que os probióticos possuam atividades antimutagênicas e anticarcinogênicas, já que o metabolismo de algumas bactérias intestinais se relaciona com a síntese de compostos carcinogênicos. O autor, ainda, afirma que as bactérias probióticas ajudam na degradação de alguns dos compostos citados, pois reduzem ou eliminam a atividade das enzimas B-glicuronidase, nitrorredutase, azorredutase, responsáveis pela produção desses compostos. Ling (2008) afirma, no livro de Bedani e Rossi (2008), que o probiótico não deve destruir sais biliares, já que esta metabolização é negativa para o intestino delgado. Para a digestão das gorduras, ácidos biliares combinados a moléculas de taurina ou glicina são liberados e reabsorvidos no intestino, embora uma parte, ainda possa passar para o cólon e ser metabolizado por bactérias. Na metabolização, os ácidos biliares são, primeiramente, separados dos aminoácidos e sofrem reações subsequentes, com formação dos ácidos desoxicólico e litocólico. O autor afirma que as bactérias probióticas não devem fazer a metabolização dos sais biliares, já que estes podem exercer efeito citotóxico sobre as células epiteliais, e assim conduzir ao desenvolvimento do câncer de cólon. Os probióticos devem possuir enzimas com capacidade de degradar a lactose presente no leite em níveis satisfatórios, já que, este é um carboidrato nem sempre bem metabolizado por humanos. A reação de degradaPÓS EM REVISTA l 309
ção da lactose encontra-se na Figura 1.
probióticas e desenvolver a textura dos produtos. Já Svensson (1999), Lourens-Hattingh & Vilipen (2001) e
FIGURA1: Reação de degradação da lactose
Oliveira et al. (2002) demonstram que a adição de proteínas resulta no aumento da capacidade tamponante do leite fermentado e pode retardar a queda de pH durante o armazenamento do produto, permitindo, assim, maior sobrevivência das cepas probióticas. Conforme Oliveira (2002), existe, ainda, a possibilidade de adição complementar de bactérias do iogurte, L delbrueckii ssp. Bulgaricus e Streptococcus thermophilus, para melhorar o processo de fermentação durante a fabricação de leites fermentados contendo probióticos. Dave & Shah (1998), Almeida, Bonassi e Roça (2001) e
FONTE: Google Imagens
Os probióticos devem, ainda, aumentar a absorção e a biodisponibilidade de determinados micronutrientes. As bifdobactérias, que tem o crescimento estimulado pelos frutooligosacarídeos (FOS), são capazes de produzir vitaminas B1, B2, B6, B12, ácidos nicotínico e fólico, como cita Saarela et al. (2000). 3.2.3 Aspectos relacionados com a tecnologia de produção dos leites fermentados A escolha dos micro-organismos probióticos veiculados pelos leites fermentados deve ser pautada também nos aspectos tecnológicos e sensoriais. Há de se considerar que o alimento é um ambiente complexo, que pode ou não permitir a sobrevivência microbiana, aspecto fundamental para a funcionalidade de um probiótico. Saarela et al. (2000) discutem os aspectos de produção relacionados com as cepas probióticas. Segundo os autores os probióticos devem conferir boas propriedades sensoriais aos alimentos veiculados. Para os leites fermentados, os probióticos são constantemente misturados ao S. thermophilus, e ao L. delbrueckii, responsáveis pela promoção de sabor e textura agradável. Muitos consumidores acham os produtos fermentados com o L. delbrueckii exageradamente ácidos e com sabor forte de acetoaldeído. O acetaldeído é responsável pelo sabor e aroma característicos de iogurte e é produzido por diferentes vias metabólicas pelas bactérias lácticas. Ainda de acordo com o autor supracitado, os probióticos devem ser resistentes ao processamento, ou seja, manter-se com boa viabilidade durante a produção. Svensson (1999), em seus estudos, concluiu que a adição de hidrolisados protéicos de caseína ou de soro, extrato de levedura, glicose, vitaminas e minerais (sempre em proporções compatíveis com a legislação) pode estimular a multiplicação e a sobrevivência das culturas 310 | PÓS EM REVISTA
Donkor (2006) verificaram um índice de proteólise mais elevado em bebidas lácteas fermentadas fabricadas com cultura mista, composta de L delbrueckii ssp. bulgaricus, thermophilus, Bifidobacterium e L. acidophilus, em comparação às bebidas fabricadas apenas com a adição dos micro-organismos tradicionais do iogurte. Segundo alguns autores, esse aumento na proteólise do produto pode resultar em uma melhor sobrevivência dos micro-organismos probióticos, decorrente da produção de aminoácidos essenciais por L. delbrueckii ss. bulgaricus. Outros autores, dentre eles Lourens-Hattingh & Viljoen, sugerem a adição de suco de tomate, hidrolisado de caseína, caseinato, proteína de soro de leite, polpa de mamão e açúcares simples fermentáveis, para promoverem a multiplicação de lactobacilos. Kalantzopoulos (1997), em seu experimento, verificou que é importante escolher a cepa mais adequada para cada tipo de produto, já que muitas cepas de L. acidophilus não são capazes de se multiplicar no leite e sua sobrevivência em produtos fermentados é pouco provável. Em concordância com o autor citado, Dave & Shah (1998) e Stanton (2003) afirmam que as bifidobactérias não se adaptam bem ao leite fermentado e sofrem com a presença de oxigênio. Dessa forma, Kalantzopoulos (1997), conclui que um critério de seleção importante para cepas é a multiplicação e a sobrevivência sob condições de acidificação e aerobiose. Tamine; Marshall e Robinson (1995) sugerem o aumento da multiplicação dessas bactérias em leites com a adição de fatores bifidogênicos ou prebióticos. Segundo Thamer & Penna é necessário que os probióticos permaneçam viáveis durante a vida de prateleira do alimento. Sabe-se que, durante a estocagem refrigerada, há metabolismo microbiano, com decréscimo do valor de pH do produto, o que leva a redução na contagem de viáveis de L. acidophilus e Bifidobacterium. Portanto a viabilidade pode ser baixa, o que é con-
tornado com a redução de vida de prateleira destes produtos.
viabilidade das bactérias do iogurte e probióticas foram investi-
Preocupa-se muito com a manutenção da viabilidade dos
gadas por Shah e Ravula (2000). Os autores concluíram que a
probióticos, pois é necessária, segundo Antunes et al. (2007), a
adição de açúcar pode ser deletéria ao crescimento dos micro-
ingestão diária de populações acima de 106 UFC/mL por grama
-organismos, pois altas concentrações do mesmo adicionadas
para que haja importância fisiológica. Ou 109 a 1010 UFC/100g, de
ao leite antes da fermentação podem inibir as bactérias levando
acordo com Rybka & Fleet (1997), Vinderola & Reinheimer (2000).
a longos tempos de fermentação e a um baixo desenvolvimento
Os estudos sobre a viabilidade das culturas probióticas – durante a produção e armazenamento – e a passagem desse
da acidez. Assim não haverá boa multiplicação das bactérias probióticas no produto.
produto pelo TGI, afirmam que as culturas podem ser protegidas através da técnica de microencapsulação e imobilização em uma série de substratos, como as proteínas do leite e carboidratos complexos. Krasaekoopt, Bhabdari e Deeth (2003) afirmam que essa técnica de microencapsulação ou imobilização, além de proteger as bifidobactérias sensíveis ao pH ácido, também, aumentam sua sobrevivência durante a vida-de-prateleira do leite fermentado, assim como durante a sua passagem pelo TGI. O método da imobilização mais utilizado envolve o preparo de cápsulas com hidrocolóide, que consiste na preparação de uma solução de hidrocolóides, estáveis sob condições de pH baixo, onde são adicionados os micro-organismos. Da mesma forma, Capela, Hay e Shah (2006) observaram melhor sobrevivência de probióticos microencapsulados. De acordo com Oliveira et al. (2002), as cepas probióticas devem ser apropriadas para a produção industrial em larga escala, resistindo a condições de processamento como a liofilização ou secagem por spray drying. Para Barreto et al. (2003) e Shah et al. (2007), a viabilidade dos probióticos no leite fermentado pode ser, ainda, afetada pela produção de peróxido de hidrogênio pelas bactérias lácticas. O peróxido de hidrogênio tem atividade antimicrobiana e são prejudiciais para as bifidobactérias, as quais são estritamente anaeróbias. Assim, altas concentrações de oxigênio afetam seu crescimento e sua viabilidade. Os mesmos autores citam, também, que o emprego de culturas probióticas associado com culturas de suporte compostas, preferencialmente, S. thermophilus ou culturas mesofílicas com diferentes combinações de cepas de Lactococcus, é aconselhável, pois o emprego dessas bactérias tem como finalidade resolver problemas de sabor, textura e aroma; aumentar a taxa
4 CONCLUSÃO As cepas probióticas, além de seguras, devem ser veiculadas no leite, pois este permite a sobrevivência dos probióticos ao passar pelo TGI. Outra possibilidade seria utilizar a técnica de microencapsulação, já que as cepas são sensíveis aos ácidos e peróxido de hidrogênio produzidos durante a fermentação. A adição de outros nutrientes, nos leites fermentados, também promove o aumento da população de probióticos, fundamental para a sua funcionalidade em humanos. A associação de cepas, de acordo com os trabalhos usados, sempre é desejável, pois algumas geram metabolitos, que são nutrientes para outras, além de resolver problemas sensoriais. Contudo, percebeu-se, ainda, que mais estudos devem ser realizados, visto que, de acordo com Svensson (1999), a adição de glicose estimula a multiplicação e sobrevivência microbiana no armazenamento. Dados não ratificados com os obtidos por Shah e Ravula (2000), que observaram a ação deletéria da adição de açúcares na manutenção de viabilidade dos probióticos. Através da pesquisa bibliográfica, observou-se que o estudo de técnicas que possam assegurar a viabilidade dos probióticos, nos leites fermentados, é importante para o desenvolvimento de produtos mais adequados aos propósitos esperados de funcionalidade. Dessa forma, verificou-se que esses pré-requisitos representam desafios tecnológicos significativos e bastante promissores, tendo em vista que os consumidores mais conscientes e com estilo de vida equilibrado optam, cada vez mais, por produtos que, ao mesmo tempo, resultem em benefícios à saúde e sejam sensorialmente atrativos, aspecto que não pode ser minimizado na tecnologia de produção dos leites fermentados.
de crescimento e diminuir o tempo de fermentação, além de garantir o processo fermentativo evitando problemas de contaminação. Esse fato demonstra que é fundamental a seleção de uma cultura de suporte apropriada para cada cultura probiótica, a fim de se obter produtos fermentados com boa sobrevivência
REFERÊNCIAS AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA: proteção da saúde da população. Brasília, 2005-2009. Disponível em: <http://portal.anvisa. gov.br> Acesso em: 20 de maio 2011.
de culturas probióticas durante sua vida de prateleira. A influência da atividade de água, em função da adição de açúcar, no tempo de acidificação e consequentemente na
ALMEIDA, K.E.; BONASSI, I.A.; ROÇA, R.O. Características físicas e químicas de bebidas lácteas fermentadas e preparadas com soro de queijo PÓS EM REVISTA l 311
minasfrescal. Ciência e Tecnologia de Alimentos, São Paulo, v.21, p.187192, 2001. ANTUNES, A. E. C.; MARASCA, E. T. G.; MORENO, I. Desenvolvimento de buttermilkprobiótico. Ciência e Tecnologia de Alimentos, São Paulo, v. 27, n. 1, p. 83-90, 2007. ARAÚJO, E. A. Desenvolvimento e caracterização de queijo tipo Cottage adicionado de Lactobacillus Delbrueckii UFV H2b20 e de Inulina. 2007. 54f. Dissertação (Mestrado em Ciência e Tecnologia de Alimentos)-Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia de Alimentos, Viçosa, MG, 2007. BARRETO, G. P. M. et al. Quantificação de Lactobacillus acidophilus, Bifidobactérias e Bactérias Totais em Produtos Probióticos Comercializados no Brasil. Brazilian Journal Food Technology, v. 6, n. 1, p.119-126, jan./jun. 2003. BIELECKA, M.; BIEDRZYCKA, E.; MAJKOWSKA, A. Selection of probiotics and prebiotics for synbiotics and confirmation of their in vivo effectiveness. Food Res. Int., Amsterdam, v.35, n.2/3, p.125-131, 2002. BRASIL, Ministério da Agricultura, Disponível em: <http://www.agricultura.gov.br>. Acesso em 24 de maio de 2011. CAPELA, P.; HAY, T.K.C.; SHAH, N.P. Effect of cryoprotectants, prebiotics and microencapsulation onsurvival of probiotic organisms in yogurt and freeze-dried yogurt. Food Res. Int., v.39, p.203-211, 2006. CALDER, P.C.; KEW, S. The immune system: a target forfunctional foods? Br. J. Nutr., Wallingford, v.88, suppl.1,p.S165-S176, 2002. CHARTERIS, W.P.; KELLY, P.M.; MORELLI, L.; COLLINS, J.K. Ingredient selection criteria for probiotic microorganisms in functional dairy foods. Int. J. Dairy Technol., Long Hanborough, v.51, n.4, p.123-136, 1998. DAVE, R.I.; SHAH, N.P. Ingredient supplementation effects on viability of probiotic bacteria in yogurt. J. Dairy Sci.,v.81, p. 2804-2816, 1998. DONKOR, O.N.; HENRIKSSON, A.; VASILJEVIC, T.; SHAH, N.P. Effect of acidification on the activity of probiotics in yoghurt during cold storage. Int. Dairy J., v.16, p.1181-1189, 2006.
FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS, WORLD HEALTH ORGANIZATION. Evaluation of health and nutritional properties of probiotics in food including powder milk with live lactic acid bacteria. Córdoba, 2001. Disponível em: <ftp://ftp.fao.org/es/esn/food/ probioreport_ en.pdf>. Acesso em: 03 de maio de 2011. GOMES, A. M. P.; MALCATA, F. X. Agentes probióticos em alimentos: aspectos fisiológicos e terapêuticos, e aplicações tecnológicas. Biotecnologia Alimentar: Boletim de Tecnologia, v. 101, p. 12–22, 2002. HOLZAPFEL, W.H.; SCHILLINGER, U. Introduction to pre-and probiotics. Food Res. Int., Amsterdam, v.35, n.2/3, p.109-116, 2002. KOPP-HOOLIHAN, L. Prophylactic and therapeutic uses of probiotics: a
312 | PÓS EM REVISTA
review. J. Am. Diet. Assoc., Chicago, v.101, p.229-241, 2001. KALANTZOPOULOS, G. Fermented products with probiotic qualities. Anaerobe, v.3, p.185-190, 1997. KRASAEKOOPT, W.; BHANDARI, B.; DEETH, H. Evaluation of encapsulation techniques of probiotics for yoghurt. Int. Dairy J., v.13, p.3-13, 2003. KRISTO, E.; BILIADERIS, C.G.; TZANETAKIS, N. Modelling of rheological, microbiological and acidification properties of a fermented milk product containing a probiotic strain of Lactobacillus paracasei. Int. Dairy J., v.13, p.517-528, 2003 LING BEDANI. R, ROSSI. E.A. Micro biota intestinal e probióticos: implicações sobre o câncer de cólon. São Paulo: Departamento de alimentos e nutrição, faculdade de ciências farmacêuticas, 2008. LOURENS-HATTINGH, A.; VILJOEN, B. C. Yogurt as probiotic carrier food. International Dairy Journal, v. 11, p. 1-17, 2001.
LUCAS, A.; SODINI, I.; MONNET, C.; JOLIVET, P.; CORRIEU, G. Probiotic cell counts and acidification in fermented milks supplemented with milk protein hydrolysates. Int. Dairy J., v.14, p. 47-53, 2004. OLIVEIRA, M.N.; SIVIERI, K.; ALEGRO, J.H.A.; SAAD, S.M.I. Aspectos tecnológicos de alimentos funcionais contendo probióticos. Rev. Bras. Cienc. Farm., São Paulo, v.38, n.1, p.1-21, 2002. OLIVEIRA, M.N.; DAMIN, M.R. Efeito do teor de sólidos e da concentração de sacarose na acidificação, firmeza e viabilidade de bactérias do iogurte e probióticas em leite fermentado. Ciênc. Tecnol. Aliment, v.23, supl., p.172- 176, 2003. OSTLIE, H.M.; TREIMO, J.; NARVHUS, J.A. Effect of temperature on growth and metabolism of probiotic bacteria in milk. Int. Dairy J., v.15, p.989-997, 2005. RAUTIO, M.; JOUSIMIES-SOMER, H.; KAUMA, H.; PIETARINEN, I., SAXELIN, M., TYNKKYNEN, S.; KOSKELA, M. Liver abscess due to a Lactobacillus rhamnosus strain indistinguishable from L. rhamnosus strain GG. Clinical Infections Diseases, v. 28, p. 1160–1161, 1999.
RYBKA, S.; FLEET, G.H. Populations of Lactobacillus delbrueckii spp. bulgaricus, Streptococcus thermophilus, Lactobacillus acidophilus and Bifidobacterium species. Australian yoghurts. Food Aust., Sydney, v.49, n.10, p.471-475, 1997.
ROBERFROID, M.B. Functional food concept and its application to prebiotics. Dig. Liver Dis., Rome, v.34, suppl.2, p.S105-S110, 2002. ROBERFROID, M.B. Introducing inulin-type fructans. Br. J. Nutr., v.93, suppl. 1, p.S13-S25, 2005.
ROSS, R.P.; DESMOND, C.; STANTON, C. Overcoming the technological hurdles in the development of probiotic foods. J. Appl. Microbiol., v.98, p.1410-1417, 2005. SAAD, S. M. I. Probióticos e prebióticos: o estado da arte. Brazilian Journal of Pharmaceutical Sciences, v. 42, n. 1, p. 01-16, 2006. SAARELA, M.; MOGENSEN, G.; FONDÉN, R.; MÄTTÖ, J.; MATTILASANDHOLM, T. Probiotic bacteria: safety, functional and technological properties. J. Biotech., Amsterdam, v.84, p.197-215, 2000. SAAVEDRA, J. M.; ABI-HANNA, A.; MOORE, N.; YOLKEN, R. H. Longterm consumption of infant formulas containing live probiotic bacteria: tolerance and safety. American Journal of Clinical Nutrition, v. 79, n. 2, p. 261-267, 2004 SANTOS, D. Operon. Disponível em: <http://djalmasantos.wordpress. com/2011/03/12/operon>. Acesso em: 05 junho. 2011 SHAH, N.P.; RAVULA, R.R. Microencapsulation of probiotic bacteria and their survival in frozen fermented dairy desserts. Aust. J. Dairy Technol., v.55, p.139-144, 2000.
technological aspects of milks fermented by bifidobacteria. J. Dairy Res., v.62, p.151- 187, 1995. THAMER, K.G.; PENNA, A.L.B. Efeito do teor de soro, açúcar e de frutooligossacarídeos sobre a população de bactérias lácticas probióticas em bebidas fermentadas. Rev. Bras. Ciênc. Farm., v.41, p.393-400, 2005. VAN DE WATER, J. Yogurt and immunity: the health benefits of fermented milk products that contain lactic acid bacteria. In: FARNWORTH, E.R., ed. Handbook of fermented functional foods. Boca Raton: CRC Press, 2003. VINDEROLA, C.G.; PROSELLO, W.; GHIBERTO, D.;REINHEIMER, J.A. Viability of probiotic (Bifidobacterium, Lactobacillus acidophilus andLactobacillus casei) and nonprobiotic microflora in Argentinian fresco cheese. J. Dairy Sci., Lancaster, v.83, n.9, p.1905-1911, 2000. VINDEROLA, C.G.; REINHEIMER, J.A. Enumeration of Lactobacillus casei in the presence of L. acidophilus, bifidobacteria and lactic starter bacteria in fermented dairy products. Int. Dairy J., Amsterdam, v.10, p.271-275, 2000.
SHAH, N.P. Functional cultures and health benefits. Int. Dairy J., v.17, p.1262-1277, 2007 SALMINEN, S.; et al. Demonstration of safety of probiotics: a review. Int. J. Food Microbiol., Amsterdam, v.44, p.93-106, 1998. SANDERS, M.E. Overview of functional foods: emphasis on probiotic bacteria. Int. Dairy J., Amsterdam, v.8, p.341-347, 1998. SANDERS, M.E.; KLAENHAMMER, T.R. Invited review: the scientific basis of Lactobacillus acidophilus NCFM functionality as a probiotic. J. Dairy Sci., Savoy, v.84, p.319-331, 2001.
SANDERS, M.E. Probiotics: considerations for human health. Nutr. Rev., New York, v.61, n.3, p.91-99, 2003. STANTON, C. et al. Handbook of fermented functional foods. Boca Raton: CRC Press, 2003.
STANTON, C. et al. Fermented functional foods based onprobiotics and their biogenic metabolites. Curr. Opin. Biotechnol., v.16, p.196-203, 2005
SVENSSON, U. Industrial perspectives. In: TANNOCK,G.W. (Ed.) Probiotics: a critical review. Wymondham:Horizon Scientific Press, 1999. p.57-64. SAXELIN, M. et al. Thetechnology of probiotics. Trends Food Sci. Technol., Amsterdam, v.10, p.387-392, 1999. TAMIME, A.Y.; MARSHALL, V.M.E.; ROBINSON, R.K. Microbiological and PÓS EM REVISTA l 313
SISTEMA INVISALIGN®: UMA ALTERNATIVA ORTODÔNTICA ESTÉTICA Caroline Peixoto Temponi Neves¹ Ignês de Lima Coutinho¹ Edson Antônio Ferreira² Thaís de Lima Coutinho³ Suzana Coulaud da Costa Miranda
RESUMO: O aumento da preocupação com a estética na área odontológica resultou na viabilização de várias novas alternativas de tratamento. Uma delas é representada pelo sistema Invisalign®, um método de movimentação ortodôntica, desenvolvido pela empresa Align Technology, baseado em uma tecnologia digital tridimensional. O objetivo deste trabalho é, através de uma revisão de literatura e de um levantamento do número de publicações, descrever técnica do sistema Invisalign® e sua evolução nos últimos dez anos. A análise da literatura pesquisada permitiu constatar que, para se alcançar um resultado final satisfatório, a colaboração do paciente é essencial. Apesar das limitações desse sistema, artifícios especiais e técnicas de aparelhos convencionais têm sido associados no intuito de minimizá-las. Palavras-chave: Ortodontia; estética; maloclusão; alinhadores; Invisalign®. ABSTRACT: The increased concern with aesthetics in the dental field resulted in the viability of several new treatment alternatives. One of them is represented by the Invisalign® system, a method of orthodontic movement developed by Align Technology, based on a three-dimensional digital technology. The objective of this work is, through a literature review and a survey of the number of publications, report the innovation introduced in orthodontics with the treatment modality offered by the technique of Invisalign®. The analysis of literature has showed that, to achieve a satisfactory final outcome, the patient’s cooperation is essential. Although the limitations of this system, special devices and techniques of conventional appliances have been associated in order to minimize them. Keywords: Orthodontic; aesthetic; malocclusion; aligners; Invisalign®.
removíveis aos dentes, na correção das maloclusões, determina
1 INTRODUÇÃO O sistema Invisalign foi desenvolvido pela Align Technolo®
gy, em 1998 nos Estados Unidos. Este método de tratamento
uma condição estética satisfatória e de favorável higiene bucal (FALTIN et al., 2003; SCHUSTER et al., 2004).
para promover movimentação ortodôntica foi o primeiro basea-
A maioria dos adultos que procuram tratamento ortodônti-
do exclusivamente em uma tecnologia digital tridimensional (3D)
co é motivada principalmente pela preocupação com sua apa-
(FALTIN et al., 2003; HAHN et al., 2009; KRAVITZ et al., 2009).
rência. A aparência do sorriso tem forte impacto na vida das
Além disso, essa nova técnica incorporou tecnologia ao tratamen-
pessoas, podendo prejudicar o convívio social e profissional.
to ortodôntico, com o auxílio de computadores e com o desen-
A odontologia estética, ao mesmo tempo em que restabelece
(MILLER;
a função durante o tratamento, ressalta e restaura a harmonia
DERAKHSHAN, 2004; VLASKALIC; BOYD, 2001). As imagens 3D
facial (CHÁVEZ et al., 2002; FILHO et al., 2006; MACHADO et
(virtuais) das maloclusões são manipuladas através desse pro-
al., 2011; MALTAGLIAT; MONTES, 2007). O tratamento com o
grama computadorizado que produz uma série de estágios de
sistema Invisalign® é a principal alternativa para pacientes que
sucessivas e pequenas movimentações dentárias. Para cada um
são esteticamente exigentes.
volvimento de um software denominado Clin Check
TM
destes estágios são construídos modelos estereolitográficos, so-
O objetivo deste trabalho é, através de uma revisão de
bre os quais são confeccionados alinhadores transparentes fiel-
literatura e de um levantamento do número de publicações,
mente adaptados às coroas dentárias. Estes alinhadores devem
descrever a inovação na ortodontia introduzida com a modali-
ser utilizados sequencialmente pelo paciente durante 14 dias em
dade de tratamento oferecida pela técnica do sistema Invisa-
média, por isso, são numerados de acordo com a evolução do
lign®, que representa um avanço biotecnológico adotado por
tratamento. A justaposição destes alinhadores transparentes e
muitos profissionais.
314 | PÓS EM REVISTA
2 O SISTEMA INVISALIGN®
ser realizados através de uma série de posicionadores fabricados
Os dois aspectos mais importantes para o paciente adul-
a partir de movimentos sequenciais no setup (PHAN; LING, 2007).
to em relação ao tratamento ortodôntico são provavelmente a
Dessa forma, essas técnicas foram utilizadas durante anos,
estética e o tempo de tratamento. A criação de aparelhos que
porém com sucesso limitado. A desvantagem destas, é que qua-
são fixados somente na face lingual dos dentes e de brackets
se todos os movimentos dentários requerem um novo modelo
estéticos contribuíram para as demandas estéticas, mas ainda
de setup e, portanto, um novo conjunto de moldagens deve ser
assim alguns pacientes desejavam modalidades de tratamento
realizado em praticamente todas as consultas. Assim, o descon-
ainda menos visíveis e mais rápidas. Durante os últimos anos,
forto proporcionado ao paciente fica evidente, além do trabalho
foram introduzidas técnicas com o objetivo de atender a estas
árduo do ortodontista e da perda de tempo com a confecção de
preocupações (OWEN III, 2001). Uma dessas alternativas é re-
novos modelos (JOFFE, 2003).
presentada pelo sistema Invisalign . ®
A Align Technology, com o auxílio de computadores para digitalização e arrojada tecnologia de produção, insere definitiva-
2.1 HISTÓRICO
mente essa técnica na prática ortodôntica rotineira (JOFFE, 2003).
O sistema Invisalign® não representa um conceito novo. Em
O desenvolvimento do sistema Invisalign® começou em
1971, Ponitz introduziu um aparelho, chamado “retentor invisí-
1996, com a formação de uma pequena equipe de engenheiros
vel” feito em um modelo mestre que posicionava previamente
de computação especializados em tecnologia digital 3-D. Em
os dentes numa chapa base de cera. Porém, este produzia mo-
1997, uma técnica desenvolvida por Crude, foi estabelecida e
vimentos dentários limitados. Sheridan et al., em 1994, desen-
permitiu a fabricação a vácuo de alinhadores, baseada em um
volveram uma técnica que envolve a redução interproximal dos
modelo estereolitográfico de resina, criado a partir de um feixe
dentes e alinhamento progressivo utilizando o aparelho Essix
de laser programado de computador (VLASKALIC; BOYD, 2002).
(JOFFE, 2003; PHAN; LING, 2007). No entanto, este método foi
Em 1999, a empresa Align Technology, localizada na cidade
introduzido pela primeira vez, em 1945, baseado na proposta de
de Santa Clara, na Califórnia, aliou praticidade à teoria de Kes-
Kesling e colaboradores, através do qual o tratamento ortodôn-
ling e ao invés de confeccionar um modelo de setup para cada
tico era realizado sem a utilização de bandas, brackets ou fios
alinhador novo, associou a tecnologia CAD-CAM com técnicas
ortodônticos (WONG, 2002). Com o emprego de um aparato de
de laboratório para fabricação de uma série de alinhadores, que
borracha flexível, fabricado num setup de cera, obtido com a re-
poderiam mover os dentes em pequenos incrementos (PHAN;
moção individual de cada dente e colocação em posição ideal,
LING, 2007). Dessa forma, surgiu o sistema Invisalign®.
vários movimentos dentários menores poderiam ser incorporados e realizados (PHAN; LING, 2007).
Com o passar do tempo vem sendo introduzidas inovações nessa técnica que foram denominadas Invisalign G3 e Invisalig-
Esse aparelho de posicionamento dentário era utilizado como
ne G4, que consistem em novas gerações desses aparelhos, vi-
método de refino da fase de finalização ortodôntica. Kesling pre-
sando melhorar os resultados clínicos e ampliar a sua aplicação
viu também que certos movimentos dentários maiores poderiam
clínica, como demonstrado a seguir, na Figura 1.
PÓS EM REVISTA l 315
A colocação de attachments nos dentes, como mstrado na
- Discrepâncias entre a relação cêntrica e a oclusão cêntrica;
Figura 2 servem para direcionar as forças e obter um sistema
- Dente com giroversões superiores a 20º;
de esforços mais compatíveis com os objetivos propostos no
- Mordidas abertas (anterior e posterior);
Sistema Invisalign.
- Extrusões dentárias; - Inclinações dentárias superiores a 45 º;
2.2 DEFINIÇÃO
- Dentes com coroas clínicas curtas;
O Invisalign é uma marca registrada pela empresa Align
- Arcadas com múltiplas perdas dentárias (DJEU; SHEL-
Technology, Inc., que foi introduzido em junho de 1999 nos Esta-
TON; MAGANZINI, 2005; JOFFE, 2003; JOSSEL; SIEGEL, 2007;
dos Unidos da América, sendo o primeiro método de tratamento
MELKOS, 2005; VICÉNS; RUSSO, 2010; SCHUPP; HAUBRICH;
ortodôntico baseado quase exclusivamente em tecnologia tridi-
NEUMANN, 2010).
®
mensional (NAIK; CHAVAN, 2010). Segundo Boyd e colaboradores (2006), no ano de 2000, o sistema Invisalign foi introduzido na literatura por autores como Boyd, Vlaskalic e Miller.
2.4 LIMITAÇÕES A dificuldade de tratar algumas maloclusões com o méto-
O sistema Invisalign® apresenta aspectos inovadores como
do Invisalign® não inviabiliza seu uso por completo, pois há a
o escaneamento de moldagens de precisão, para a aquisição
opção de realizar o tratamento combinado com uma grande
de modelos de alta fidelidade. Dessa forma, as movimentações
variedade de aparelhos convencionais. Também é possível
dentárias são simuladas num modelo tridimensional, em tela de
acrescentar acessórios especiais, a fim de alcançar os movi-
computador, que pode ser manipulado. Esse modelo pode ser
mentos dentários desejados (MELKOS, 2005). A instalação de
“virtualmente” corrigido, através de um plano de tratamento de-
attachments em resina composta colados ao esmalte dentário,
senvolvido pelo ortodontista e traduzido para a linguagem do
o recorte nos alinhadores, a colagem de botões aos dentes ou
Invisalign®, usando-se as sofisticadas propriedades de seu sof-
aos alinhadores, e a aplicação de elásticos individuais, intra e
tware (JOFFE, 2003).
intermaxilares são propostos como eficientes elementos auxi-
A terapia com Invisalign® corrige maloclusões dentárias
liares no controle de efeitos indesejados, reduzindo as limita-
através da instalação de uma série de alinhadores transparen-
ções do sistema (FALTIN et al., 2003; KRAVITZ et al., 2008). Os
tes feitos de um material plástico, o poliuretano, o constituinte
attachments são colocados para auxiliar na retenção do alinha-
polimérico básico desses aparelhos, que é produzida através da
dor, intrusão, rotação, fechamento de espaço e verticalização
técnica de CAD-CAM. Cada alinhador possui aproximadamente
(JOSSEL; SIEGEL, 2007).
0,7mm de espessura e movimenta os dentes cerca de 0,25-0,30
Ainda assim, o tratamento de mordida aberta anterior com o
mm (FALTIN et al., 2003; MELKOS, 2005; MILLER, 2010; PHAN;
aparelho Invisalign® tem tido sucesso limitado. A falta de mecâni-
LING, 2007; SCHUSTER et al., 2004).
ca interarcos pode explicar essa limitação. Womack e colaboradores, 2002, observaram que apesar de haver extrusão anterior,
2.3 INDICAÇÕES Segundo Sheridan (2001), os ortodontistas restringem o tratamento com o Invisalign a pacientes adultos, sendo a maior parte de 30 a 45 anos de idade.
isso não foi o suficiente para que se alcançar um trespasse vertical ideal. (PHAN; LING, 2007). De acordo com Joffe (2003), por ser um aparelho removível, o Invisalign® tem pouco controle sobre os movimentos precisos
Tipos de maloclusões tratadas com o Invisalign®:
dos dentes, especialmente para: verticalização, rotação, extru-
- Maloclusão dentária leve;
são e fechamento de espaços após fechamento de espaços
- Apinhamento moderado (1-5 mm);
com adequado paralelismo radicular após extrações.
- Diastemas (1-5 mm);
Outra limitação descrita está relacionada ao tempo adicio-
- Trespasse vertical aumentado (Classe II, divisão 2);
nal significativo para incorporar mudanças após o planejamento
- Arcos atrésicos que podem ser expandidos sem inclinação
inicial, além da documentação suplementar, que deve ser incor-
dentária excessiva;
porada para que o plano de tratamento seja modificado. O novo planejamento do caso deve incluir os movimentos seqüenciais
Tipos de maloclusões dificilmente tratadas com o Invisalign®:
para cada dente desde o início até o fim do tratamento. Além
- Apinhamento e espaçamento superiores a 5 mm;
disso, o intervalo entre a elaboração de um novo plano de trata-
-Discrepâncias esqueléticas ântero-posteriores superiores a
mento e inserção do aparelho pode ser de até 2 meses (PHAN;
2 mm (medidos pela relação de Classe I); 316 | PÓS EM REVISTA
LING, 2007).
2.5 TÉCNICA Antes de iniciar o tratamento com o sistema Invisalign®, é
rem seu posicionamento inicial mais desfavorável (FALTIN et al., 2003; JOSELL; SIEGEL, 2007).
necessário que o paciente já tenha realizado todo o tratamento
Os alinhadores devem ser usados por, no mínimo, 22 horas
restaurador básico caso seja indicado, não apresente doença
por dia (SCHUSTER et al., 2004). A motivação do paciente é fun-
periodontal em atividade e a erupção dos segundos molares
damental para que o resultado desejado possa ser alcançado.
permanentes esteja completa (JOSSEL; SIEGEL, 2007). A documentação ortodôntica digitalizada é encaminhada
2.6 VANTAGENS/ DESVANTAGENS
por correio eletrônico, para se avaliar a viabilidade do tratamen-
Vários problemas como, distúrbios da fala, disfagia e fluxo
to. A resposta será fornecida ao dentista por e-mail em 48 horas.
salivar aumentado, são mais comuns em pacientes que fazem
Então, as moldagens e o registro de mordida em PVS (polivinilsi-
uso de aparelhos removíveis do que nos que fazem uso de apa-
loxano) são realizados e enviados pelo cirurgião dentista para a
relhos fixos. O fluxo salivar aumentado é verificado especialmen-
Align Technology (Santa Clara, Califórnia, USA) (BOYD; FALLAH;
te para aparelhos removíveis convencionais em forma de placas,
VLASKALIC, 2006; FALTIN et al., 2003; HAJEER, 2004). A empre-
que na maioria dos casos não cobrem completamente o palato
sa realiza a digitalização das moldagens, que ganham um for-
(NEDWED; MIETHKE, 2005).
mato tridimensional, através da tecnologia CAD-CAM. O planeja-
Em contrapartida, quase metade de todos os pacientes que
mento do tratamento feito pelo ortodontista é transferido para os
fizeram uso do Invisalign® sentiram sua fala inalterada desde o
modelos virtuais das arcadas, obtendo assim o tratamento vir-
início do tratamento. O Invisalign® é, portanto, muito bem indica-
tual, que é acessado pelo profissional via Internet, podendo ser
do para pacientes que aparecem com freqüência em público ou
modificado se necessário (HAMULA; BREWKA, 2005; OWEN III,
matem muito contato com o cliente, por não causar alterações
2001). Cabe ao ortodontista aprovar o plano de tratamento vir-
na fala (NEDWED; MIETHKE, 2005).
tual inicialmente proposto, para que os alinhadores possam ser
Uma outra vantagem dos aparelhos Invisalign® está relaciona-
confeccionados. Nesta etapa fica determinado o resultado final
da ao fato de nenhuma atividade citotóxica ter sido documentada
do tratamento virtual. O número de estágios necessários para
em ensaio in vitro, realizado por Eliades e colaboradores (2009), ao
correção da maloclusão vai depender da quantidade e comple-
utilizarem um modelo padrão para a avaliação da citotoxicidade de
xidade dos movimentos dentários desejados (WONG, 2002).
materiais. Já os aparelhos convencionais podem sofrer corrosão no
O tempo total de tratamento, que varia em média de 12 a 18
interior da cavidade bucal, devido ao seu constante contato com
meses dependendo da complexidade do caso, se aplica a par-
a saliva, e liberar assim diversos componentes tóxicos, como por
tir da instalação do primeiro alinhador com plena colaboração
exemplo o níquel. Este elemento químico é associado comumente
do paciente, sendo que cada alinhador deve ser usado durante
a reações de hipersensibilidade e alergias na mucosa ou pele do
duas semanas (BOYD; FALLAH; VLASKALIC, 2006).
paciente, podendo também desencadear efeitos carcinogênicos e
Pode-se optar ainda, pela colocação de attachments em alguns dentes para maior controle de giro, inclinação e intrusão/
citotóxicos (DOLCI, et al., 2008; KOLOKITHA; CHATZISTAVROU, 2009; MENEZES; FREITAS; GONÇALVES, 2009).
extrusão pela retenção e adaptação mecânica adicional determi-
Owen III (2001), observou que o tratamento com o sistema
nada por estes acessórios. Também é possível solicitar peque-
Invisalign® tem duração semelhante à do tratamento com apa-
nas sobrecorreções para determinados dentes que apresenta-
relhos fixos.
PÓS EM REVISTA l 317
2.7 CUIDADOS COM O APARELHO
à sua transparência, para reduzir o risco de perda. O mesmo
Uma higiene bucal diária adequada é de extrema importân-
deve ser removido apenas durante a alimentação e ingestão de
cia para qualquer pessoa, assim a atenção deve ser redobrada
bebidas, pois estes podem causar deformações ou manchas
quando se trata de usuários de aparelhos ortodônticos. Estes
nos aparelhos. (MILLER et al., 2007; WOMACK, 2006).
possuem um maior risco de desgaste do esmalte e acúmulo de biofilme, que é um fator determinante de cárie dentária, doenças
2.8 ACEITAÇÃO DO PACIENTE
periodontais e, consequentemente, a halitose. Por ocasionarem
O sistema Invisalign® é uma alternativa atrativa aos tra-
o acúmulo de resíduos alimentares e placa bacteriana, foram
dicionais aparelhos ortodônticos para a população adulta,
desenvolvidos produtos especialmente para a limpeza dos apa-
por ser removível, estético e permitir elevados padrões de
relhos removíveis, como por exemplo a solução anti-séptica KIN
higiene oral durante o tratamento. Como tal, tem atraído mui-
Orthonet . O produto é constituído por um kit contendo 2 frascos
tos pacientes que não teriam procurado tratamento de outra
de 400 ml cada, sendo uma solução de uso semanal e outra
maneira (BOYD, 2005; VLASKALIC; BOYD, 2002; VOGOT,
para manutenção diária. É altamente eficaz por apresentar ação
2005).
®
bactericida e fungicida, podendo ser utilizado também para hi-
O aumento do interesse em ortodontia pelo adulto hoje em
gienização de próteses removíveis, placas de bruxismo e mol-
dia, tem sido acompanhada por um aumento da procura de
deiras (TOASSI; PETRY, 2002; PHARMAKIN). Os métodos quí-
alternativas estéticas para o aparelho ortodôntico fixo conven-
micos são de grande relevância, principalmente em pacientes
cional. No entanto, outras vantagens, tais como a eliminação
com higiene bucal deficiente ou pouco cooperativos (OLYMPIO
de uma oclusão traumática e melhora da função, redução da
et al., 2006).
tendência de desgaste de esmalte, melhoria e manutenção da
De acordo com Phan e Ling (2007), os aparelhos Invisalign® requerem uma atenção especial por serem removíveis e devido 318 | PÓS EM REVISTA
saúde periodontal, podem ser fornecidas pelo alinhamento da dentição do paciente (MELKOS, 2005).
2.9 LEVANTAMENTO DO NÚMERO DE ARTIGOS PUBLICADOS SOBRE A
Journal of Orthodontics (AJO), European Journal e Angle Ortho-
TÉCNICA INVISALIGN®
dontics. Para isso, foram consultados os sites desses periódicos
Para certificar-se da relevância da técnica estudada, atra-
e contabilizou-se o número obtido de publicações em cada um
vés da revisão de literatura, foi realizado um levantamento do
dos últimos dez anos (Graf. 2). Os resultados (Graf. 1) indicaram
número das publicações em três periódicos consagrados na
que houve dois picos de publicações; o primeiro entre os anos
comunidade científica da especialidade de ortodontia: American
de 2002 e 2005 e o segundo, entre os anos de 2009 e 2011.
Esse resultado coincide com a necessidade de comprovação da eficiência e eficácia da recém lançada técnica, assim
vestigado (MILLER et.al, 2002; FALTIN et. al, 2003; COLUNGA e VASCONCELLOS, 2010; EUCLIDES e ALENCAR, 2011)
que a mesma foi introduzida em 1999 e, posteriormente com o estudo de recursos que levaram a um refinamento e maior apli-
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
cabilidade do sistema.
A importância de um sorriso com características estéticas
Foi verificado também através deste trabalho que poucas
favoráveis extrapola a satisfação pessoal. Um sorriso agradável
são as publicações brasileiras sobre este assunto, sendo so-
e atrativo proporciona uma melhora na aceitação do indivíduo
mente quatro artigos que se referem diretamente ao sistema in-
na sociedade, elevando assim sua auto-estima. Dessa forma, o PÓS EM REVISTA l 319
sistema Invisalign® é uma técnica ortodôntica adequada para os pacientes que desejam alcançar a estética ao final da terapia sem apresentar alterações bruscas em seu sorriso, apresentando sobretudo a grande vantagem de ser estética durante todo o tratamento. Além disso, o elevado número de publicações observado no levantamento realizado corrobora o crescimento desse sistema como uma modalidade contemporânea viável segura e cientificamente avaliada. A cooperação é decisiva para pacientes que fazem o uso do Invisalign®, pois se os alinhadores não forem usados com freqüência suficiente o tratamento estará condenado ao fracas-
Revista Ortho Science, v. 3, n.11, p:268-272, 2010. DJEU, G.; SHELTON, C.; MAGANZINI, A. Outcome assessment of Invisalign and traditional orthodontic treatment compared with the American Board of Orthodontics objective grading system. American Journal of Orthodontics and Dentofacial Orthopedics, v.128, n.3, p. 292-298, 2005. DOLCI, G. S. et al. Biodegradação de braquetes ortodônticos: avaliação da liberação iônica in vitro. Revista Dental Press de Ortodontia e Ortopedia Facial, v. 13, n.3, p. 77-84, 2008. ELIADES, T. et al. Cytotoxicity and estrogenicity of Invisalign appliances. American Journal of Orthodontics and Dentofacial Orthopedics, v. 136, n.1, p. 100-103, 2009.
so (NEDWED; MIETHKE, 2005). É importante ressaltar a necessidade de informar aos usuários do Invisalign® sobre a sucessão das etapas de tratamento para garantir a elevada motivação, principalmente naqueles casos em que a estética não vai melhorar imediatamente. Pacientes inadequadamente informados podem apresentar uma insatisfação desnecessária e prejudicial ao tratamento.
EUCLIDES, N.J.; ALENCAR, M.C. Invisalign tratamento ortodôntico sem bráquetes e fios. Revista da Associação Paulista de Cirurgiões Dentistas, v. 65, n.3, p. 228-233, 2011. FALTIN, R. M. et al. Eficiência, planejamento e previsão tridimensional de tratamento ortodôntico com sistema Invisalign: relato de caso. Revista Clínica de Ortodontia Dental Press, Maringá, v.2, n.2, p. 61-71, 2003.
Os pacientes que apresentam desgaste excessivo nos dentes decorrentes de bruxismo também podem ser bons candidatos para o tratamento com o Invisalign®. Além de corrigir maloclusões, o alinhador diminui o desconforto miofacial e desgaste oclusal causado durante os hábitos parafuncionais noturnos, como o apertamento e ranger dos dentes (BOYD, 2008). Portanto, se corretamente indicado, a terapia com o Invisalign® proporciona ótima satisfação tanto para o usuário quanto para o ortodontista. Cabe ao profissional informar sobre a forma correta de utilização do aparelho e motivar o paciente, lembran-
FILHO, P. F. M. et al. Avaliação crítica do sorriso. International Journal of Dentistry, v.1, n.1, p. 14-19, 2006. HAHN, W. et al. Initial forces generated by three types of thermoplastic appliances on an upper central incisor during tipping. European Journal of Orthodontics, v. 31, n. 6, p. 625-631, 2009.
HAJEER, M. Y. et al. Current Products and Practices Applications of 3D imaging in orthodontics: Part II. Journal of Orthodontics, v.31, n. 2, p.154162, 2004.
do-se que este apresenta uma maior expectativa por se tratar de uma alternativa não convencional. 4 REFERÊNCIAS BOYD, R. L. Improving Periodontal Health through Invisalign Treatment. Clinical feature, p. 24-26, 2005. BOYD, R. L. Esthetic Orthodontic Treatment Using the Invisalign Appliance for Moderate To Complex Malocclusions. Journal of Dental Education, v.72, n.8, p. 948-967, 2008. BOYD, R. L.; FALLAH, M.; VLASKALIC, V. An Update on Present and Future Considerations of Aligners. Journal of the California Dental Association, v.34, n.10, p.783-803, 2006. CHÁVEZ, O. F. M. et al. A Exelência da Estética: Proporção Áurea. Jornal Brasileiro de Dentística e Estética, v.1, n.1, p. 22-27, 2002. COLUNGA, E.K.R. ; VASCONCELLOS, O.V. Invisalign: uma alternativa estética para a movimentação dentária.
320 | PÓS EM REVISTA
HAMULA, W.; BREWKA, R. Orthodontic Office Design. Journal of Clinical Orthodonitc, v. XXXIX, n. 4, p.259-263, 2005. JOFFE, L. Current Products and Practice Invisalign®: early experiences. Journal of Orthodontics, v. 30, p. 348-352, 2003. JOSELL, S. D.; SIEGEL, S. M. An Overview of Invisalign® Treatment. Dental Continuing Education Course, p. 1-6, 2007. KOLOKITHA, O. E.; CHATZISTAVROU, E. A Severe Reaction to Ni – Containing Orthodontic Appliances. The EH Angle Education and Research Foundation, Inc, p. 186-192, 2009. KRAVITZ, N. D. et al. How well does Invisalign work? A prospective clinical study evaluating the efficacy of tooth movement with Invisalign. American Journal of Orthodontics and Dentofacial Orthopedics, v. 135, n.1, p.27-35, 2009. KRAVITZ, N. D. et al. Influence of Attachments and Interproximal Reduction oh the Accuracy of Canine Rotation with Invisalign. Angle Ortho-
dontist, v. 78, n. 4, p. 682-687, 2008.
MACHADO, A. W. et al. O papel da Ortodontia como auxiliar na estética labial. Anais Brasileiros de Dermatologia, v.86, n.4, p. 773-777, 2011. MALTAGLIATI, L. A.; MONTES, L. A. P. Análise dos fatores que motivam os pacientes adultos a buscarem o tratamento ortodôntico. Revista Dental Press de Ortodontia e Ortopedia Facial, v.12, n.6, p. 54-60, 2007. MELKOS, Aristides B. Advances in digital technology and orthodontics a reference to the Invisalign method. Medical Science Monitor Journal, Thessaloniki, v.11, n. 5, p. 139-142, 2005. MENEZES, L. M.; FREITAS, M. P. M.; GONÇALVES, T. S. Biocompatibilidade dos materiais em Ortodontia: mito ou realidade?. Revista Dental Press de Ortodontia e Ortopedia Facial, v. 14, n. 2, p. 144-157, 2009.
OWEN III, Albert H. Accelerated Invisalign Treatment. Journal of Clinical Orthodonitc, v.XXXV, n. 6, p.381-385, 2001. PHAN, X.; LING, P. H. Clinical Limitations of Invisalign. Journal of the California Dental Association , v. 73, n. 3, p. 263-266, 2007. PHARMAKIN. Disponível em: http://www.pharmakin.com.br SCHUPP, W.; HAUBRICH, J.; NEUMANN, I. Treatment of Anterior Open Bite with the Invisalign System. Journal of Clinical Orthodonitc, v. XLIV, n. 8, p. 501-505, 2010. SCHUSTER, S. et al. Structural conformation and leaching from in vitro aged and retrieved INvisalign appliances. American Journal of Orthodontics and Dentofacial Orthopedics, v.126, n.6, p. 725-728, 2004.
SHERIDAN, J. J. The Readers’ Corner. JCO, v. XXXV, n. 4, p.267-271, 2001.
MILLER, R. J.; DERAKHSHAN, M. Three-Dimensional Technology Improves The Range of Orthodontic Treatment with Esthetic and Removable Aligners. World Journal of Orthodontics, v. 5, n. 3, p. 242-249, 2004.
TOASSI, R. F. C.; PETRY, P. C. Motivação no controle do biofilme dental e sangramento gengival em escolares. Revista de Saúde Pública, v.36, n.5, p. 634-637, 2002.
MILLER, K. B. et al. A comparison of treatment impacts between Invisalign aligner and fixed appliance therapy during the first week of treatment. American Journal of Orthodontics and Dentofacial Orthopedics, v. 131, n. 3, p. 302-309, 2007.
VOGT, R-R. M. S. A Comparison of the Periodontal Health of Patients during Treatment with the Invisalign® System and with Fixed Orthodontic Appliances. Journal of Orofacial Orthopedics, v. 66, n. 3, p. 219-229, 2005.
MILLER, R. J. Using the Invisalign System. Orthodontic Cyber Journal, p. 1-12, 2010. MILLER, R. J. Utilizando o Sistema Invisalign. Rev. clin. ortodon. Dental Press, v.1, n.1, p: 57-62, 2002. NAIK, V. R.; CHAVAN, P. Invisalign: The invisible braces. International Journal of Contemporary Dentistry, v.1, n.2, p. 54-57, 2010. NEDWED, V.; MIETHKE, R. R. Motivation, Acceptance and Problems of Invisalign Patients. Journal of Orofacial Orthopedics, v. 66, n. 2, p. 162-173, 2005. OLYMPIO, K. P. K. et al. Prevenção de cárie dentária e doença periodontal em ortodontia: uma necessidade imprescindível. Revista Dental Press de Ortodontia e Ortopedia Facial, v.11, n.2, p. 110-119, 2006.
VICÉNS, J.; RUSSO, A. Comparative Use of Invisalign by Orthodontists and General Practitioners. Angle Orthodontist, v. 80, n. 3, p. 425-434, 2010.
VLASKALIC, V.; BOYD, R. L. Clinical Evolution of the Invisalign Appliance. Journal of the California Dental Association, p. 769-776, 2002. VLASKALIC, V.; BOYD, R. Orthodontic treatment of a mildly crowded malocclusion using the Invisalign System. Australian Orthodontic Journal, v.17, n. 1, p. 41-46, 2001. WOMACK, W. R. Case Report four-premolar extraction treatment with Invisalign. Journal of Clinical Orthodonitc , v.40, n.8, p. 493-500, 2006. WONG, Benson H. Invisalign A to Z. American Journal of Orthodontic and Dentofacial Orthopedic, v.121, p. 540-541, 2002.
PÓS EM REVISTA l 321
INSPEÇÃO ESCOLAR: do controle à democratização do ensino Humberto Magela de Abreu*
Resumo: O papel do inspetor escolar tem apresentado mudanças significativas no decorrer dos anos. Este estudo tem por objetivo analisar a trajetória da inspeção no cenário educacional brasileiro. Busca-se compreender quem é esse profissional, qual a sua importância para a educação, como surgiu essa profissão, quais as transformações ocorridas em relação às suas funções, bem como mostrar a evolução do seu papel, tendo em vista a democratização do ensino. Percebe-se que os inspetores deixaram de exercer a função fiscalizadora e burocrática do passado, quando atendiam aos interesses de governos autoritários, preocupados em padronizar e controlar as práticas escolares, e passaram a ter uma atuação mais democrática e participativa no cotidiano das escolas. No entanto, as mudanças ocorreram entre tensões e conflitos, devido às especificidades e complexidades do cargo. Palavras-chave: Inspeção escolar, Controle da educação, Democratização do ensino.
INTRODUÇÃO
INSPEÇÃO ESCOLAR: conceitos e revisão teórica
O ato de inspeção, desde o período do Brasil Colônia, nos
“Inspeção é a ação de olhar. É o exame; vistoria. Encargo
remete à fiscalização, observação, análise, verificação, controle
de vigiar, superintender. Cargo, emprego de inspetor”1.
e vistoria. Neste período as escolas já estavam sujeitas à fis-
Para Augusto (2010), inspetor é aquele que inspeciona,
calização. Em 1854, Luis Pedreira do Couto Ferraz estabeleceu
examina, verifica, exerce vigilância, fiscaliza. As ações do inspe-
como missão do inspetor geral supervisionar todas as escolas,
tor compreendem basicamente na verificação das obrigações
colégios, casas de educação, estabelecimentos de instrução
legais prescritas, das instituições e pessoas que as integram,
primária e secundária públicos e particulares. Além disso, “cabia
assim como, as restrições e proibições de ações, tendo em vista
ao inspetor presidir os exames dos professores e lhes conferir o
o funcionamento correto e legal dos serviços.
diploma, autorizar a abertura de escolas particulares e até mes-
Segundo Lawn (2001 apud Augusto), a inspeção é uma das
mo rever os livros, corrigi-los ou substituí-los por outros” (SAVIA-
ferramentas que regula e controla o funcionamento das escolas.
NI, 2002, p. 23).
De acordo com Augusto (2010), em Minas Gerais, o pa-
O objetivo geral é mostrar a evolução do papel do inspe-
recer nº 794/83, publicado em 29/12/1983, apresenta a inspe-
tor escolar com a democratização do ensino. Especificamente,
ção como uma maneira de prevenir e corrigir desvios e dis-
apresentar o papel do inspetor escolar, observando sua impor-
funções no sistema. Ela pode também colaborar na revisão
tância, origem, transposições e contradições no contexto social,
crítica das normas e práticas institucionalizadas. A inspeção
político e econômico brasileiro; discutir a atuação do inspetor
é uma prática educativa que se reveste de forte cunho político
no passado e na atualidade e sua importância na qualidade do
e acentuado caráter pedagógico. Segundo o parecer, a ins-
ensino; repensar o perfil necessário a esse profissional sob a
peção cuida da organização e funcionamento das escolas em
perspectiva de uma gestão democrática e participativa.
todos os seus aspectos. Assim, cabe à inspeção vigiar e con-
A estrutura da pesquisa constitui-se de cinco capítulos: o
trolar, bem como, avaliar, orientar, corrigir, contribuindo para
primeiro capítulo aborda os conceitos e a revisão teórica. O se-
a melhoria da qualidade do ensino. O parecer deu origem
gundo capítulo apresenta as formulações teóricas de Saviani
à resolução 305/83, definida como um processo pelo qual a
(2002), Augusto (2010) e outros autores sobre a trajetória históri-
administração do sistema de ensino assegura a comunicação
ca da inspeção. O terceiro capítulo apresenta-se um relato sobre
entre os órgãos centrais, os regionais e as unidades de ensi-
a inspeção escolar como forma de controle da sociedade no
no, por meio da verificação, avaliação, orientação, correção
Brasil. O quarto capítulo mostra um estudo do papel do inspetor
e realimentação das ações escolares. O Inspetor exerce as
na sociedade atual. O quinto capítulo apresenta as perspectivas
suas funções no estabelecimento de ensino sem estar vincu-
da comunidade escolar em relação ao inspetor, tendo em vista
lado a ele, atualmente, é um profissional lotado nas Superin-
a democratização do ensino.
tendências regionais de ensino.
322 | PÓS EM REVISTA
TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA INSPEÇÃO ESCOLAR NO BRASIL
atendia às vontades dos governantes autoritários da época, que
Segundo Saviani (2006c apud FERREIRA, s.n.), a inspeção
possuíam modelos de educação e formação a serem implanta-
surgiu como forma de controle no cenário brasileiro já no Ratío Stu-
dos e rigorosamente controlados.
diorum2, conforme o Plano Geral dos Jesuítas e que passou a vigo-
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº
rar em todos os colégios da Companhia de Jesus a partir de 1599.
9.394/96 em seu artigo 64 apresenta o inspetor escolar, atual-
A inspeção escolar é uma profissão antiga e a sua história
mente, como um profissional da educação cuja função está vol-
acompanha a evolução da educação no país. De acordo com
tada para a administração escolar, planejamento, supervisão e
Saviani (2002), o inspetor era nomeado de diferentes modos
orientação educacional. De acordo com essa lei, o inspetor deve
ao longo da história de acordo com sua situação hierárquica
ter graduação em pedagogia ou pós-graduação:
e função. Esse profissional era denominado Inspetor Geral ou
Art. 64. A formação de profissionais de educação para
Paroquial no período imperial; Inspetor de Distrito ou Supervisor
administração, planejamento, inspeção, supervisão e
na era republicana. Em determinados momentos os serviços de
orientação educacional para a educação básica, será
inspetoria foram denominados de Diretoria de Instrução.
feita em cursos de graduação em pedagogia ou em ní-
De acordo com Senore (apud Augusto, 2010), a inspeção
vel de pós-graduação, a critério da instituição de ensi-
precisa ser vista como um processo de mediação e suas ações
no, garantida, nesta formação, a base comum nacional.
devem estar fundamentadas em uma conduta ética, diontológi-
(BRASIL, LDB, 1996)
ca, para evitar assim, as decisões arbitrárias dos inspetores. Esta conduta contribuiria para uma nova definição das ações do inspe-
A trajetória histórica da inspeção escolar permite focar a
tor, que estaria orientado para exercer a função de acompanhador
atenção nas forças que mobilizam a educação brasileira atual-
e formador, diferente daquela de controlador e vigilante.
mente, que é promoção da gestão democrática, da cidadania e
A atuação dos inspetores escolares sobre a educação no
da inclusão social.
Brasil remonta há mais de cento e cinqüenta anos, no exercício de um papel legitimador da estrutura burocrática do estado, preocupado em manter o controle das escolas. Segundo Botelho apud Augusto (2010), em 1799 iniciou-se a fiscalização das aulas régias, serviço de inspeção realizado por um professor de confiança do vice-rei. O trabalho do inspetor nessa época era de fiscalizar o funcionamento das escolas, os métodos de ensino, o comportamento dos professores e o aproveitamento dos alunos. Segundo Augusto (2010), com a reforma de Afonso Pena, em 1892, os Inspetores passaram a ser nomeados por concurso. Ocorria, porém, no final do século XIX um desinteresse dos homens públicos pelos problemas do ensino, embora o número de escolas houvesse crescido. Em 1927 é criada a Inspetoria Geral de Instrução pública, atuando junto ao Conselho Superior de Instrução. O ensino elementar (antigo primário) era fiscalizado pelos inspetores municipais e os estabelecimentos de ensino médio e superior de 1930 a 1961 ficam sujeitos à inspeção federal. Na década de 30 a sociedade brasileira passou por grandes transformações com um movimento crescente de industrialização e urbanização. A educação ganha reconhecimento do Estado e passa a ser considerada como um direito do cidadão, conforme a constituição de 1934. A história da educação mostra que a qualidade do ensino antes e durante o período do Estado Novo era regulada, fiscalizada de forma vertical e pontual pela inspeção que controlava com rigidez os estabelecimentos de ensino. Esse controle
A INSPEÇÃO ESCOLAR EM MINAS GERAIS Segundo Finoto (2010) apud Educação, antes da Reforma Universitária de 1968, Lei de nº5.540 de 28/11/1968, a inspeção em Minas Gerais era efetuada por pessoas sem habilitação. Assim, professores de ensino médio e portadores de diploma de curso superior, muitas vezes sem qualquer ligação direta com os problemas educacionais podiam exercer o cargo de inspetor. De acordo com Augusto (2010), a inspeção escolar é descentralizada em 1954 e cada Estado passou a criar as inspetorias seccionais de ensino para fiscalizar as escolas. Dez anos depois, o Estado de Minas Gerais cria suas primeiras delegacias regionais de ensino: A SEEMG, cria em 1964, as dez primeiras Delegacias Regionais de Ensino, em cidades-pólos. As Delegacias Regionais de Ensino - DRE foram transformadas em Superintendências Regionais de Ensino, e exerciam pela inspeção escolar, a fiscalização do ensino primário e médio, em toda a sua jurisdição. A SEEMG definiu, entre as décadas de 60 e 70, várias resoluções e portarias, sobre as atividades de inspeção, inclusive a Resolução SEE nº 43/66, que estabeleceu as normas para a realização da inspeção no Estado. Em 1968, duas resoluções, também instruem a função, as de nº 82 e 87/68. Segundo o parecer nº 794 de 29/12/1983: naquele tempo, como ainPÓS EM REVISTA l 323
da hoje, pedia-se tudo ao inspetor, desde assegurar o
trolava questões pontuais das escolas. Esse controle atendia os
cumprimento da legislação vigente, até executar projetos
interesses do governo, que possuía moldes de educação e for-
e pesquisas educacionais e participar do processo peda-
mação a serem implantados e rigorosamente controlados.
gógico da escola. (AUGUSTO, 2010, p. 78)
Conforme Ferreira (s.n.), percebe-se a penetração da ideologia nacionalista no cotidiano das instituições de ensino no
Com o surgimento da Lei 15.293/2003, o cargo Inspetor
período de 1937-1945, verificando os relatórios dos inspetores
Escolar passa a compor o chamado quadro das carreiras da
escolares. Esses profissionais tinham a função de fiscalizar as
educação em Minas Gerais. O cargo muda de denominação e
escolas, verificando o atendimento às orientações legais do De-
passa a chamar Analista Educacional – Inspetor Escolar – ANE.
partamento de Educação quanto à gestão, à docência e práticas
De acordo com Augusto (2010), esta mudança tornou-se motivo
pedagógicas.
de questionamentos por parte dos inspetores, já que é consen-
Os termos de visita dos inspetores continham a identifica-
so entre eles, de se tratar de uma função de magistério, definido
ção da escola visitada e a descrição da classificação e quali-
pelas leis das carreiras docentes. O parecer nº 794/83 faz uma
ficação dos professores. Era registrada também a quantidade
retrospectiva da inspeção no Estado desde a lei nº 4.024/61 e
de alunos por turma, a freqüência, uma descrição das salas de
sua relatora considera que as leis do Estado referentes à ins-
aula, de seu mobiliário e do material didático utilizado pelo pro-
peção sempre tiveram um caráter parcial, carecendo de uma
fessor e os alunos. Quanto ao que se refere à escrituração, era
orientação mais ampla.
verificado o correto e atualizado preenchimento de documentos, tais como os livros de matrícula, de chamada, e de registro de
ESTADO NOVO: a inspeção como forma de controle da sociedade O Estado novo é um dos períodos mais curiosos da história e por isso mesmo, um dos mais pesquisados. A educação escolar foi utilizada pelo governo de Getúlio Vargas como ferramenta para a construção de uma identidade nacional. Os atos do governo eram orientados por ideais de desenvolvimento e modernização. Para alcançar seus objetivos o Estado exigiu que os professores atuassem como veiculadores da nacionalização, transformando as crianças em cidadãos e valorosos patriotas. De acordo com Monarcha (1999 apud Werle, 2003) durante o Estado Novo foi criada uma rede de agências por meio das quais o estado assumia a legislação, a administração e o controle do sistema de ensino. Segundo Ferreira (s.n.), a questão educacional tornou-se uma estratégia importante para o governo viabilizar o seu projeto nacionalista, a partir de 1937. Esse projeto teve grande impacto nas escolas do sul, principalmente nas chamadas “escolas alemãs”, situadas em colônias rurais de origem alemã. A educação escolar foi utilizada pelo governo durante o período de 1937 a 1945, com a finalidade de eliminar focos de resistência à ideologia nacionalista de Getúlio.
As práticas pedagógicas das escolas alemãs contra-
riavam os ideais nacionalistas, pois não utilizavam a língua portuguesa e ignoravam os valores nacionais. O inspetor tinha a incumbência de buscar uma reformulação dessas instituições de ensino e enquadrá-las à ideologia educacional difundida pelo governo. O controle da qualidade do ensino era exercido com rigidez e de forma burocrática, pela inspeção escolar que con324 | PÓS EM REVISTA
exames. A aprendizagem, segundo Santos (2008), era avaliada utilizando o item aproveitamento, onde o inspetor verificava a habilidade dos alunos para a leitura, o uso da linguagem oral e os conhecimentos referentes à educação moral e cívica, aritmética, língua portuguesa, história e geografia. O projeto de nacionalização do Estado Novo, alcançou as unidades de ensino dos colonos estrangeiros e as antigas escolas das comunidades rurais de origem italiana e alemã, gerando conflitos e incertezas. Assim, entre 1937 e 1945, as comunidades escolares foram marcadas pela imposição por parte do governo de conteúdos patrióticos e atitudes nacionalistas. Foi exigido o uso de símbolos nacionais e comemorações de datas consideradas importantes para o cultivo do espírito patriótico. A inspeção escolar foi utilizada pelo governo como forma de controle das instituições de ensino. É importante lembrar que nesse período, ocorreu a obrigatoriedade da adoção nas escolas, de livros de autores brasileiros, bem como a obrigatoriedade do ensino de geografia e história do Brasil, com ênfase na educação moral e cívica. Conforme Saviani (2006b apud FERREIRA, s.n.), a supervisão, embora já estivesse presente em “comunidades primitivas” em que a educação ocorria de forma difusa e indiferenciada com uma vigilância discreta, transformada em uma forma de controle, de conformação, de fiscalização e de coerção expressa, no Estado Novo, com a nomenclatura de inspeção escolar, se apresenta como uma reconfiguração desta forma de controle. No Estado Novo, buscou-se implementar nas escolas atividades que girassem em torno de temas que reafirmassem o patriotismo por meio de homenagens cívicas. Esses eventos constituí-
am-se de passeatas, desfiles da guarda militar, paradas e outras
estreita ligação entre órgãos do sistema educacional tais como
manifestações de cunho pedagógico militarista que atendia os
Secretarias, Regionais e as Unidades Escolares, visando garan-
interesses do governo nacionalista e autoritário da época.
tir a aplicação da lei. Esse profissional tem concentrado esforços
O governo de Getúlio atribuiu à educação, papel fundamen-
para garantir o bom funcionamento das escolas nos aspectos
tal na implantação de seu projeto nacionalista. Ele enxergou nas
administrativos, financeiros e pedagógicos, trabalhando até
escolas um espaço de aprendizado e de gestação de idéias e
mesmo como agente sócio-político.
valores patrióticos. Assim, as escolas de origem estrangeira fo-
O papel do inspetor é de articulação, integração e somente
ram vistas como locais de desintegração, que não implemen-
quando esse profissional adquire uma postura de educador é
tavam as políticas e as praticas pedagógicas condizentes com
que se torna capaz de ajudar a escola na criação e desenvolvi-
seus ideais.
mento de projetos pedagógicos, que viabilizam o trabalho inte-
Segundo Ferreira (2006c apud FERREIRA, s.n.), o projeto nacionalizador condicionou o modelo educacional à obediência
grador, no qual a instituição de ensino deverá estar empenhada com a participação de todos que nela trabalham.
e à alienação com formas de pensar, agir e sentir nos moldes hierárquicos, desagregando culturas já existentes e impedindo que as pessoas experimentassem a verdadeira emancipação da
O PAPEL DO INSPETOR ESCOLAR NO ESTADO DE MINAS GERAIS
aquisição do conhecimento e dos valores humanos. O naciona-
O parecer nº 794/83 do Conselho Estadual da Educação
lismo buscou a formação para a cidadania configurada num mo-
(CEE/MG), definiu um novo papel para o inspetor escolar, pas-
delo de subalternização, obediência e culto a símbolos, regras e
sando esse profissional a ser chamado de Inspetor-Educador e
princípios nacionalistas em detrimento da liberdade de expres-
deixando de ser um mero fiscalizador, para ter mais participação
são, direito de escolha e de outros valores verdadeiramente hu-
no cotidiano das escolas sob a sua responsabilidade. Houve
manos que emancipam e formam o cidadão.
uma espécie de reconstrução no papel do inspetor que se tornou mais crítico, democrático e engajado na luta por uma escola
O PAPEL DO INSPETOR NA SOCIEDADE ATUAL A história da educação mostra que no passado, o controle da qualidade do ensino imposto pelo Estado, obedecia a padrões rígidos e o inspetor escolar era incumbido de exercer esse controle de forma rigorosa e pontual. Hoje, no entanto, o que se busca é uma gestão democrática da educação, cujo controle é exercido com a participação de toda a comunidade escolar. Segundo Ferreira (s.n.), a concepção cultivada e defendida pelos educadores da atualidade, é um controle coletivo da qualidade da educação, ou seja, por todos os atores que integram o cenário educacional. Esse tipo de controle poderá assegurar às escolas, a formação de cidadãos éticos e ricos de caráter. Os novos paradigmas da educação exigem um novo perfil do inspetor escolar, que deve atuar em consonância com a nova realidade que a educação experimenta atualmente. Ele terá que saber lidar com as mudanças culturais, comportamentais, sociais e tecnológicas que vem surgindo. Segundo Medina (2005) o inspetor deve ser capaz de encontrar nos dispositivos legais, os caminhos mais apropriados e as alternativas possíveis para alcançar seus objetivos, garantindo assim a qualidade do ensino. Ele deve ter competência suficiente para melhorar as condições de trabalho dos educadores, tornando mais fértil e satisfatória a atuação desses profissionais. O inspetor escolar atualmente tem a função de proporcionar
mais autônoma. Conforme Santos (2008), desde o período imperial até a década de 70 do século XX, os profissionais que exerciam a função de inspetor escolar, eram contratados por serem considerados de confiança do governo. Por muito tempo, o inspetor foi tratado como autoridade máxima da escola, onde atuavam de forma rígida e autoritária. Nesse período, suas principais atribuições eram: observar, vigiar, fiscalizar, bem como comparar os resultados das escolas e relatar ao órgão competente. O papel do inspetor escolar no Estado de Minas Gerais nos dias atuais é de representar os interesses do Estado, garantindo que as políticas educacionais sejam efetivamente adotadas pelas instituições de ensino. Hoje o inspetor é mais democrático, atuante e participativo do cotidiano das escolas que estão sob a sua responsabilidade. O inspetor é um professor, com formação em pedagogia, assim, é um profissional preocupado com o processo de desenvolvimento da educação. Esse profissional deve, portanto, preocupar-se com o processo de ensino-aprendizagem e estar apto a compreender as funções da avaliação escolar, tanto no que se refere ao sistema de ensino, quanto ao desenvolvimento do aprendizado do aluno. De acordo com a resolução da Secretaria Estadual de Ensino de Minas Gerais nº 305/83, é função do Inspetor: PÓS EM REVISTA l 325
estabelecer a comunicação entre os órgãos da admi-
por meio do repasse de recursos financeiros, pela participação
nistração superior do sistema e os estabelecimentos de ensino
dos educadores e da comunidade escolar na construção do
que o integram;
projeto político pedagógico e pela participação da comunidade
l
l verificar e avaliar as condições de funcionamento das escolas;
local nos conselhos escolares. A sociedade atual tem experimentado inúmeras transforma-
l orientar e dar assistência aos estabelecimentos de ensino na aplicação das normas do sistema;
ções que obviamente atingiram a educação. A idéia que tínhamos sobre o conhecimento, a criança, a escola e os métodos de
l promover medidas para a correção de falhas e irregula-
ensino, já não é mais a mesma. Na sociedade moderna, o papel
ridades verificadas nas escolas, visando a regularidade de seu
fundamental da educação é formar cidadãos atuantes, críticos e
funcionamento e a melhoria da educação escolar;
participativos. Novos paradigmas estão surgindo com o objetivo
informar aos órgãos decisórios do sistema sobre as
de transformar a educação num instrumento de democratização
improbidades ou inadequação de normas relativas ao ensino e
social, capaz de inserir toda a sociedade em seu contexto. O
sugestões de modificações quando for o caso.
processo democrático e participativo exige envolvimento de to-
l
Segundo Santos (2008), o trabalho do inspetor vem se reestruturando dentro de um planejamento onde ocorre a partici-
dos e o estabelecimento de vínculos de liderança e tomada de decisão compartilhada.
pação do órgão regional e do próprio grupo de inspetores. Esta
Para Tavares e Escott (2005), o inspetor deve ser criador de
reorganização, no entanto, é carregada de conflitos e tensões. A
espaços que favoreçam novas relações dentro das escolas para
complexidade do cargo exige dos inspetores uma visão ampla
que os alunos, os pais, professores e funcionários se transfor-
dos assuntos educacionais e uma postura crítica, questionadora
mem numa equipe capaz de construir uma escola voltada para a
e estudiosa das normas e das políticas públicas para que se
aprendizagem do aluno e sua formação como cidadão compro-
possa exercer a função com eficiência, ética e responsabilidade.
metido com o desenvolvimento da sociedade. O inspetor deve
Observa-se que hoje, o inspetor escolar busca atuar den-
também estar preparado para se deparar com dificuldades, ser
tro de uma postura mais democrática, porém não abandonou
capaz de trabalhar causas e não efeitos, estimular pensamen-
o caráter fiscalizador exigido pelo próprio sistema. Seu papel
tos transformadores, mudar posturas, articular informações e
atualmente, não se resume em detectar falhas e desvios e de-
ações, lutar contra as condições precárias de trabalho e lidar
nunciá-los aos órgãos competentes, mas também, encontra-se
com incertezas e imprevistos.
comprometido com aspectos preventivos, corretivos e de asses-
Espera-se do inspetor, tendo em vista os novos paradigmas
soramento. Esse profissional deve sempre estar bem instruído
educacionais, que ele tenha compromisso, vontade política,
sobre a legislação educacional para reunir condições de prestar
competência, dinamismo e sabedoria, para refutar o autoritaris-
auxílio às instituições escolares, professores e alunos.
mo e a arrogância do passado e adotar posturas que contribu-
Percebe-se que em Minas Gerais existem interpretações equivocadas da lei por parte dos profissionais de educação.
am para o crescimento profissional do professor, efetiva aprendizagem dos alunos e melhoria da qualidade da educação.
Isso faz com que seja necessária uma maior presença do ins-
Segundo Augusto (2010), em entrevista feita à SEE/MG, so-
petor nas escolas, para que ele auxilie no entendimento claro e
bre o papel do inspetor escolar, o secretário adjunto afirmou que
preciso dos princípios básicos e fundamentais da constituição.
o inspetor deve acompanhar os resultados e saber o que está
Segundo Augusto (2010), o cargo de inspetor escolar em-
acontecendo nas escolas. Ele deve procurar saber se existem
bora tenha perdido o prestígio de décadas anteriores à mas-
alunos com maus resultados escolares e descobrir qual é a cau-
sificação da educação, exerce ainda em Minas Gerais, grande
sa desse problema e junto com a direção da escola, ver o que
poder de atração entre os funcionários da educação, apesar de
deve ser feito, apoiar a direção, orientá-la, auxiliá-la a sanar o
ser considerada por muitos como uma função impopular.
problema. O inspetor deve ter uma visão da escola, como uma instituição saudável, uma visão do todo e assim deve trabalhar
A INSPEÇÃO ESCOLAR E A DEMOCRATIZAÇÃO DO ENSINO: perspectivas
para que a escola caminhe em direção ao ideal. O inspetor escolar está sempre em contato com as comuni-
Segundo o inciso VIII do artigo 3º da LDBEN, a gestão es-
dades escolares, e é o profissional que tem um papel relevante
colar deve ser democrática, prática que torna-se evidente nas
na comunicação com os órgãos da administração superior do
unidades escolares da atualidade. Essa prática pode ser vista
sistema educacional e as escolas. Desta forma, ele poderá su-
326 | PÓS EM REVISTA
gerir mudanças, criando assim, condições para a implementa-
REFERÊNCIAS
ção de uma política de democratização da educação, garantin-
AUGUSTO, Maria Helena O. Gonçalves. A REGULAÇÃO DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS EM MINAS GERAIS E A OBRIGAÇÃO DE RESULTADOS: O DESAFIO DA INSPEÇÃO ESCOLAR. Tese de Doutorado. Belo Horizonte: FAE – UFMG, 2010.
do o acesso de todas as camadas da sociedade às instituições de ensino, ao conhecimento e à cultura. CONSIDERAÇÕES FINAIS Pretendeu-se com essa pesquisa mostrar a evolução do papel do inspetor escolar com a democratização do ensino, observando a origem da inspeção escolar e sua importância para a qualidade da educação e discutir a atuação do inspetor no passado e nos tempos atuais, bem como repensar o perfil necessário a esse profissional numa sociedade que privilegia cada vez mais a democratização do ensino. O levantamento bibliográfico voltado para a história da inspeção escolar, permitiu visualizar a trajetória do inspetor em diferentes contextos e épocas, além de permitir conhecer as transformações pelas quais a carreira perpassou para chegar até a sua consolidação atual. A leitura direcionada ao tema escolhido
BRASIL. Lei de Diretrizes Básicas da Educação Nacional - LDB. Lei n.934, de 20 de Dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, 1996. EDUCAÇÃO, Instituto Brasileiro de. Gestão educacional e a importância da Inspeção escolar. (Apostila Pós Graduação Lato Sensu). Instituto IBE/FACEL: 2010, Guia de estudo 9. FERREIRA, Naura Syria Carapeto; FORTUNATO, Sarita Aparecida de Oliveira. A INSPEÇÃO ESCOLAR COMO FORMA DE CONTROLE NO ESTADO NOVO: UMA CONSTRIBUIÇÃO ÀS ORIGENS DA GESTÃO DA EDUCAÇÃO. Universidade Tuiuti do Paraná, [s.n.]. Disponível em: <http://www.sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe4/individuais-coautorais/eixo03/Naura%20Syria%20Carapeto%20Ferreira%20e%20 Sarita%20Aparecida%20de%20Oliveira.pdf> Acesso em: 07/08/2011
contribuiu para que os objetivos fossem alcançados. A conclusão a que se chegou é que no passado a inspeção escolar era marcada pela interferência política, religiosa e pela obediência às normas, ditames de governos autoritários que tinham o interesse de controlar a educação. Nos dias atuais, no entanto, o Sistema Educacional Brasileiro tem exigido uma nova
MEDINA, Antônia da Silva. Supervisão Escolar: da educação exercida à ação repensada. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2005. SANTOS, Ademir Valdir dos. A CAMPANHA NACIONALISTA E A INSPEÇÃO ESCOLAR. Revista QUAESTIO, Sorocaba, SP, v.10, n. 1/2, maio/nov., 2008.
postura do inspetor. Hoje, ele, além de fiscalizar a vida das escolas, dela participa como educador, observando, orientando e corrigindo, pois o contexto escolar cobra uma atuação mais flexível e democrática desse profissional. A importância da inspeção escolar para o sistema de ensino vai além da contribuição para a manutenção da qualidade da educação, pois o inspetor é um essencial agente político de caráter pedagógico. Ele reúne condições para sugerir mudanças nas decisões dos órgãos do sistema educacional, possibilitando a implementação de projetos que atendem às necessidades da comunidade. O papel do inspetor no decorrer do tempo sofreu uma evolução considerável. Hoje, ele é um profissional consciente da importância de ser mediador e colaborador, pronto para mostrar os caminhos de interligação entre a direção da escola, professores, alunos e comunidade. O inspetor escolar adquiriu consciência de que a escola é o reflexo da sociedade na qual está inserida e somente com uma
SANTOS, Mara Leonor Barros. AS MUDANÇAS NA INSPEÇÃO ESCOLAR NO ESTADO DE MINAS GERAIS: algumas considerações. [s.l., 2008]. In: SANTOS, M.L.B. A PALAVRA E O TEMPO: as mudanças na Inspeção Escolar no Estado de Minas Gerais, 2009, Tese Mestrado em Educação – Universidade Católica de Petrópolis, Petrópolis. SAVIANI, Demerval. A supervisão educacional em perspectiva histórica: da função à profissão pela mediação da idéia. In: FERREIRA, Naura Syria Carapeto (Org.). Supervisão educacional para uma escola de qualidade: da formação à ação. 3.ed. São Paulo:Cortez, 2002. P. 13-38. TAVARES, Ana Cristina Rodrigues; ESCOTT, Clarice Monteiro. A construção da escola de qualidade – uma reflexão sobre o papel do especialista em educação. Série Interinstitucional, V CEPEL, 2007. WERLE, Flávia Obino Corrêa. Modernizando os cursos de formação de professores: disciplinarização da pedagogia e deslocamento da prática. In: FERREIRA, Naura Syria Carapeto (Org.). FORMAÇÃO CONTINUADA E GESTÃO DA EDUCAÇÃO. São Paulo:Cortez, 2003.
educação democrática, participativa e transformadora é possível formar cidadãos preparados para viver num mundo cheio de in-
NOTAS DE RODAPÉ
certezas e em constante transformação.
*Humberto Magela de Abreu: Aluno do Curso de Pedagogia do Centro
PÓS EM REVISTA l 327
Universitário Newton Paiva. Graduado em Administração de empresas –Newton Paiva. Pós Graduado em Linguística pela Universidade Gama Filho. Pós Graduado em Inspeção Escolar pela FACEL. Ver em http://www.dicio.com.br/inspecao/ último acesso em 02/08/2011. “Ratío Studiorum é uma espécie de coletânea privada, fundamentada em experiências acontecidas no Colégio Romano e adicionada a observações pedagógicas de diversos outros colégios, que busca instruir rapidamente todo jesuíta docente sobre a natureza, a extensão e as obrigações do seu cargo. (...) Constituiu-se numa sistematização da pedagogia jesuítica contendo 467 regras cobrindo todas as atividades dos agentes diretamente ligados ao ensino e recomendava que o professor nunca se afastasse em matéria filosófica de Aristóteles, e da teologia de Santo Tomás de Aquino.” (EDUCAÇÃO, 2010, p.14)
328 | PÓS EM REVISTA
OS DESAFIOS NA Consultoria: a resistência à mudança Sheyla Rosane de Almeida Santos Karina Paes Rabbi
RESUMO: O presente trabalho constitui-se em um estudo de caso a partir do estágio curricular em Consultoria Organizacional do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. Para tanto, foi imprescindível conhecer o conceito de consultoria e de resistência à mudança, para enfim, ser feita a discussão do caso. O artigo apresentado parte de um diagnóstico de clima organizacional realizado na empresa LX, atuante no ramo topográfico, onde foram assinalados os pontos essenciais de mudança. Logo são apresentadas as sugestões de intervenção, para enfim, apontar os resultados da consultoria na referida empresa. Palavras-chave: Consultoria; Resistência à mudança; Mudança Organizacional.
Consultoria ORGANIZACIONAL
Nesse contexto, em que consultor diagnostica e orienta,
No atual contexto de competitividade organizacional, o
cabe à alta gestão da empresa, implementar ou não as suges-
sucesso de qualquer empreendimento depende de compe-
tões de mudança organizacional. Block (2004, p.1) observa
tências essenciais e clareza de objetivos por parte da gestão.
que “quando você não tem controle direto sobre as pessoas e
Toda organização, em algum momento de seu ciclo produtivo,
mesmo assim quer que elas ouçam o que você diz e prestem
enfrentará alguma dificuldade interna ou externa, que poderá
atenção às suas orientações, você está diante de um dilema do
oferecer risco ou oportunidade implicando, contudo, em algum
consultor.” O autor pontua que quando uma pessoa solicita uma
tipo de mudança.
orientação e o outro lhe fala o que precisa ser feito, já há, neste
Para que tais mudanças ocorram de maneira planejada se faz necessário que a alta gestão esteja bem assessorada tecni-
contexto, uma ação de consultor e consequentemente os entraves e possibilidades.
camente e segura quanto às decisões estratégicas a serem to-
Os serviços de consultoria são oferecidos por meio de uma
madas. Neste caso, a consultoria especializada se mostra uma
metodologia, o qual o consultor, a partir de ferramentas de diag-
estratégia eficaz para que tais mudanças ocorram de maneira
nóstico organizacional, leva seus clientes ao entendimento de
assertiva para a empresa, seus gestores e colaboradores.
questões necessárias sobre um assunto definido. Oliveira (2011)
Segundo Leite et al. (2011) a palavra consultoria vem do
aponta que:
latim consultore, sendo aquele que oferece ou solicita conse-
embora o consultor não tenha o controle direto da situa-
lhos. Antes, o papel do consultor era realizado por religiosos
ção, ele não deve colocar-se como profissional que não
ou ocupantes de cargos de atividades especificas, sejam eles
tem responsabilidade pelos resultados da implementa-
médicos, contadores ou advogados. Para os autores, com o
ção do projeto idealizado, estruturado e desenvolvido
tempo e como solução às necessidades emergidas pelo de-
sob sua responsabilidade (OLIVEIRA, 2011, p. 7).
senvolvimento da administração, a consultoria passou a ser a forma encontrada pelas organizações para o alcance do sucesso organizacional. A consultoria organizacional possui as modalidades interna e externa. A consultoria interna é realizada por funcionários da própria empresa. Já a consultoria aqui retratada será do tipo externa. Oliveira (2011) assinala que a consultoria é um método interativo de uma pessoa externa à organização que se encarrega de ajudar os gestores e funcionários da empresa nas tomadas de decisões. Logo, o consultor é contratado pelas empresas para auxiliar a organização a identificar, avaliar,
Apesar dos consultores não serem chamados para tomar decisões no lugar dos gestores, nem para dirigir as organizações, os mesmos possuem a responsabilidade pelos resultados de seus projetos. De acordo com Oliveira (2011, p. 178) “o consultor empresarial, como resultado de sua atuação e influência na empresa-cliente, tem responsabilidade profissional e social”. Tais responsabilidades se estendem à gestão da mudança organizacional na implementação das propostas levantadas na consultoria.
recomendar soluções para os problemas e orientá-la na implantação das soluções. PÓS EM REVISTA l 329
Resistência à mudança ORGANIZACIONAL
considerada como um fenômeno natural, porém, sendo um dos
As constantes mudanças organizacionais pretendem fazer
principais obstáculos na implementação de procedimentos de
face à crescente competitividade, cumprir novas leis ou regula-
mudanças. Contudo, os autores assinalam que esta argumen-
mentações, introduzir novas tecnologias ou atender a variações
tação tem sido interrogada, já que a resistência à mudança não
nas preferências de consumidores ou de parceiros (HERNAN-
seria um fenômeno que sucederia sempre. Quando a mesma
DEZ; CALDAS, 2001).
ocorre, ela habita na imaginação do indivíduo e a barreira pode
Por isso, todo processo de mudança organizacional precisa
estar na estrutura organizacional da empresa.
ser amplamente discutido e planejado para que não haja impre-
Do ponto de vista da organização, a literatura gerencial tende
vistos e entraves do ponto de vista processual e tecnológico,
a enfatizar o lado negativo da resistência, sendo frequentemente
mas também, entraves no que tange às pessoas envolvidas. De
apontada como uma das maiores barreiras aos processos bem-
acordo com Silva e Vergara (2003), a mudança organizacional,
-sucedidos de transformação organizacional (HERNANDEZ;
não deve ser apreendida apenas com a visão de estratégias,
CALDAS, 2001). Já do ponto de vista dos sujeitos implicados no
processos ou tecnologias. É necessário que se veja a mudança
processo, há de se observar que pouca ou nenhuma atenção
organizacional ao mesmo tempo como uma modificação de re-
tem sido dedicada aos processos internos e inconscientes na
lações. A conciliação de interesses divergentes, a alteração do
análise do processo de resistência à mudança (SILVA E VERGA-
status quo, a administração de conflitos, a negociação de im-
RA, 2003), tais como os sentimentos dos indivíduos, aos signifi-
passes, faz parte de um processo de gestão da mudança orga-
cados que eles atribuem às mudanças e às chances de que eles
nizacional gerado na implementação das mudanças propostas
se constituam como sujeitos ativos nesse processo.
na consultoria.
Analisar a resistência à mudança sob a ótica individual é
Tais mudanças não são consideradas fáceis, mas precisam
significar demais fatores, tais como: a personalidade dos indi-
ser gerenciadas para que não haja foco de resistência negativa.
víduos; as diferentes histórias pessoais e profissionais dentro
Hernandez e Caldas (2001, p.32) pontuam que a resistência à
e fora da organização; as diferenças de posições ocupadas e
mudança “é, qualquer conduta que objetiva manter o status quo
de oportunidades percebidas pelos indivíduos no contexto; os
em face da pressão para modificá-lo”. Os autores observam que
diferentes tempos com os quais cada um evolui no processo de
ainda não sabemos muita coisa sobre o que é a resistência à
reconstrução de suas identidades; e o momento pessoal, até
mudança, sua causa, quando é mais provável que aconteça, o
mesmo as variações de estado de espírito, de um mesmo indiví-
efeito que pode (ou não) produzir em esforços de transformação
duo. (SILVA; VERGARA, 2003).
ou os métodos que podem existir para lidar com ela.
Há uma convergência de autores ao considerar a resis-
A mudança organizacional mobiliza as emoções dos indi-
tência individual motivada por características emocionais,
víduos, tais como: ansiedade, medo, angústia, raiva, nostalgia.
comportamentais e de personalidade. Robbins (2004) nos for-
Então, as manifestações de resistência são, antes de tudo, ma-
nece cinco motivações individuais de resistência à mudança
nifestações de emoções. A formação de mecanismos de defe-
no plano individual:
sa se dá ao procurarem anular a possibilidade de os indivíduos manifestarem seus reais sentimentos (SILVA; VERGARA, 2003). Caso a mudança proposta tenha sido percebida como oportunidade, as emoções resultantes são positivas e podem incluir amor, carinho, orgulho, paz, etc. A resistência emocional, por sua vez, é o resultado da formação de emoções negativas, tais como medo, angústia, tristeza, raiva, culpa, vergonha, etc. (HERNANDEZ; CALDAS, 2001, p. 41).
l
os hábitos como forma de responder à mudança de
acordo com respostas programadas; l
a busca pela segurança quando o indivíduo se sente
ameaçado pelas novidades; l
a preocupação da mudança implicar na redução de
rendimentos financeiros; l a ambigüidade e incerteza pelo medo do desconhecido; l o processo seletivo de informações que os sujeitos processam, ignorando informações que podem desconstruir seu mundo.
Segundo Hernandez e Caldas (2001), a frase “resistência à
Mesmo que os funcionários de uma organização tenham
mudança” é conferida a Kurt Lewin que assinalava que as orga-
percepções coincidentes em um processo de mudança, não há
nizações seriam um sistema formado por um agrupamento de
como afirmar que o modo como cada um interpreta o significado
forças contrárias, que possuem mesma intensidade e que se
desses eventos seja, realmente, comum. São variados os tipos de
conservam em equilíbrio. Assim, a resistência à mudança era
sentimentos, as interpretações, as implicações percebidas, sejam
330 | PÓS EM REVISTA
no nível individual ou no coletivo. (SILVA; VERGARA, 2003).
so de mudança em que haja pleno engajamento de todas as
Laplanche e Pontalis (1992) define a resistência como uma
pessoas da organização, é preciso que cada uma delas, preser-
atitude de oposição, que corresponde a uma função defensi-
vando sua condição de sujeito, esteja engajada como um ator
va do ego (eu). Na visão Psicanalítica, os sujeitos necessitam
que se apropria do sentido de coletividade (SILVA; VERGARA,
dos mecanismos de defesa como uma forma de não desestru-
2003), com empowerment e ação participativa no processo de
turação do ego (eu) diante de uma ameaça (externa ou interna).
mudança organizacional.
Hernandez e Caldas (2001, p.38) concordam ao afirmarem que:
Silva e Vergara (2003) observam que o aspecto que mais
Como os indivíduos estão constantemente expostos a
parece contribuir para a autodescoberta como sujeito é a possi-
uma grande quantidade de estímulos provenientes do
bilidade de fazer uso da palavra, a chance de compartilhar com
ambiente, eles acabam por desenvolver mecanismos
as pessoas à sua volta – sejam os colegas ou mesmo o supe-
de defesa para não ficarem completamente desorienta-
rior imediato – suas dúvidas, sentimentos, expectativas, medos,
dos. Esse mecanismo de defesa é representado pelos
concordâncias e discordâncias, para minimizar e elaborar os
estímulos interiores, que emergem na forma de pre-
processos de mudança.
disposições, tais como expectativas, motivos e lições
Nesse pressuposto a resistência à mudança pode cons-
aprendidas, todas baseadas em experiências anteriores.
tituir um fenômeno saudável e positivo enquanto neces-
A combinação desses dois tipos de estímulos, interiores
sária à estrutura do ego. Voltando para a organização, a
e exteriores, proporciona aos indivíduos representações
resistência à mudança será salutar quando pressionar
distintas e individuais da realidade.
os agentes da mudança a serem mais cuidadosos ou a modificarem a natureza da mudança a fim de torná-la
Também Silva e Vergara (2003) consideram a resistência como um dentre os vários mecanismos de defesa contra a ansiedade que as pessoas usam inconscientemente, no contexto
mais compatível com o ambiente ou mesmo quando os indivíduos resistirem às situações opressivas (HERNANDEZ; CALDAS, 2001, p.35).
da organização, com o objetivo de lidar com a mudança. Dentre os outros mecanismos de defesa se enquadram: l
a repressão – ou o bloqueio das experiências desagra-
dáveis da memória; l a regressão – ou o retorno a ações que tenham fornecido alguma segurança anteriormente; l a projeção – ou a transferência das falhas pessoais para os outros; l
a formação de reação – ou a manifestação excessiva
O ajustamento do indivíduo às situações de mudança requer a construção de uma nova visão sobre si mesmo, de novas identidades, de uma nova relação com o mundo. E essas construções não se tornam possíveis se o indivíduo não tiver a oportunidade de compreender e manifestar seus sentimentos, de elaborar os medos e angústias gerados pela mudança, de passar, necessariamente, por um processo de subjetivação (SILVA; VERGARA, 2003).
de sentimentos opostos àqueles sentimentos que são ameaçadores; l a negação – ou a recusa em aceitar uma realidade incômoda ou desagradável. No modo de conceber psicanalítico, a resistência possui uma função estruturante do sujeito, daí a necessidade de se pensar a resistência não só como algo negativo, mas como se refere Hernandez e Caldas (2001) em repensar a abordagem que considera a resistência como um problema em si mesmo. Robbins (2004) considera a resistência à mudança como algo positivo, que pode oferecer estabilidade e previsibilidade ao comportamento. Para ele, se não houvesse resistência, o comportamento organizacional se revestiria de uma aleatoriedade caótica. O palco da resistência à mudança nos leva a repensar esse conjunto de definições que, para ser possível criar um proces-
Metodologia O presente artigo foi desenvolvido a partir de uma revisão bibliográfica e estudo de caso, investigados por métodos quantitativos e qualitativos. O caso estudado foi realizado na empresa LX de equipamentos topográficos, em Belo Horizonte, no período de agosto de 2011 a julho de 2012, durante o estágio curricular de Psicologia na área de consultoria organizacional. Para a concretização do estudo, foram desempenhadas visitas iniciais para o reconhecimento da estrutura física da empresa, entrevistas individuais e aplicação de questionários nos funcionários e gestores da empresa. Como abordagem geral, adotou-se a pesquisa-ação, como método investigativo para o diagnóstico organizacional, que pode ser explicada como: PÓS EM REVISTA l 331
Um tipo de pesquisa com base empírica que é concebi-
menta 5W1H, o consultor colocou-se à disposição para orien-
da e realizada em estreita associação com uma ação ou
tar a implementação das sugestões citadas. Contudo, não foi
com a resolução de um problema coletivo e no qual os
possível colocar em prática e nem acompanhar nenhuma das
pesquisadores e participantes representativos da situa-
sugestões, pois a gestão da empresa mostrou-se bastante re-
ção ou do problema estão envolvidos de modo coope-
sistente às mudanças propostas.
rativo ou participativo. (GIL, 2002, p. 55).
As poucas intervenções da consultoria constituíram-se em elaborar a declaração de missão, visão e valores da empresa
O questionário fechado com perguntas estruturadas foi a ferramenta utilizada para o diagnóstico de clima organizacional com o intuito de coletar dados que norteassem a atuação do consultor em gestão de pessoas e dessa forma, propor intervenções necessárias.
e seu organograma institucional. Criou-se ainda, um processo seletivo por competências, mas a empresa não a incorporou em suas práticas, por considerar “desnecessário”. A gestora incumbida de acompanhar o processo de consultoria não tinha formação na área de Gestão, e em alguns momentos, confundia o papel da Psicóloga Organizacional, a invocando para um atendimento clínico aos funcionários: “se você tiver com problema, a psicóloga está aqui, ela pode conversar com você”. Portanto, a gestora possuía uma visão restrita da Psicologia voltada apenas para a clínica, demonstrando seu desconhecimento sobre a atuação do Psicólogo Consultor Organizacional na área de Gestão de Pessoas, apesar de bem acordado na reunião de negociação da consultoria, assim como durante todo o processo. Muitas vezes, ao sugerir uma intervenção, a gestora colocava: “tudo bem, se você quiser fazer”. O fato de a gestora concordar com o que o consultor desejava fazer ou agir, já era uma forma de resistência. A gestora que precisaria estar envolvida no processo de mudança organizacional e impedir focos de resistência, acabou, por ser ela mesma, o foco de resistência,
Os colaboradores revelaram um índice alto no que se refere a sua postura profissional no ambiente de trabalho; aos mecanismos e aos relacionamentos dentro do ambiente de trabalho. Contudo, os colaboradores revelaram um índice mediano em relação à sua satisfação a respeito das recompensas (salários, benefícios, entre outros) na empresa; à liderança no ambiente de trabalho; às estruturas do ambiente de trabalho e aos objetivos da organização. E ainda um resultado satisfatório em relação à abertura da empresa para mudanças. A partir do diagnóstico realizado, foi proposto para a empresa: l
Desenvolvimento de um planejamento estratégico;
l
Elaboração do organograma institucional;
l
Revisão e descrição dos cargos;
l
Criação de um processo seletivo por competências;
l
Realização de treinamentos e capacitações de forma a in-
tegrar as equipe de trabalhos e os setores da empresa além de prepará-los para a gestão das mudanças propostas pela consultoria. Após a apresentação do plano de ação por meio da ferra332 | PÓS EM REVISTA
evitando que o processo de mudança na empresa ocorresse. Ao considerarmos a resistência como um dentre os vários mecanismos de defesa usados inconscientemente, a conduta da gestora nos faz indagar se outro mecanismo utilizado tenha sido a negação - recusa em aceitar uma realidade incômoda ou desagradável – sobre a realidade diagnosticada. CONSIDERAÇÕES FINAIS O levantamento descritivo da prática de estágio supervisionado acabou por significar os limites e impasses acerca da consultoria organizacional quando deve lidar com a resistência à mudança. O estudo realizado permitiu concluir que, embora o diagnóstico organizacional identifique os fatores que precisam de mudanças, este não é o único determinante para que a empresa as implemente para o alcance de melhorias. Os consultores têm a responsabilidade de diagnosticar e orientar os gestores nas tomadas de decisões frente às mudanças propostas, contudo somente o gestor possui o controle
desse processo. Cabe ao consultor identificar os focos de resistência e por meio de estratégias tentar dizimá-los, na gestão da mudança organizacional. Porém, nem sempre são focos facilmente solúveis, dependendo principalmente, do personagem em jogo. Além disso, cabe ao consultor a habilidade de lidar com suas próprias angústias e frustrações ao se deparar com as resistências às mudanças frente às suas sugestões de melhoria. Referências BLOCK, Peter. Consultoria: o desafio da liberdade. 2ª ed São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2004. GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. Ed. São Paulo: Atlas, 2002. HERNANDEZ, José Mauro da Costa; CALDAS, Miguel P. Resistência à mudança: uma revisão crítica. RAE – Revista de Administração de Empresas, v.41, n.2, 2001. p.31-451. LEITE, Luiz Augusto Mattana da Costa et al. Consultoria em gestão de pessoas. 2. ed. Rio de Janeiro: FGV Ed., 2011. 144 p. OLIVEIRA, Djalma de Pinho Rebouças de. Manual de consultoria empresarial: conceitos, metodologia, práticas. 10.ed. São Paulo: Atlas, 2011. ROBBINS, Sthepen P. Fundamentos do Comportamento Organizacional. 7. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2004. SILVA, José Roberto Gomes da; VERGARA, Sylvia Constant Vergara. Sentimentos, subjetividade e supostas resistências à mudança organizacional. RAE – Revista de Administração de Empresas, v.43, n.3, jul/ set. 2003. p.10-21.
NOTAS DE RODAPÉ Sheyla Rosane de Almeida Santos: Psicóloga, Especialista em Gestão de Pessoas, Mestre em Administração. Professora do Centro Universitário Newton Paiva. Karina Paes Rabbi: Psicóloga graduada pelo Centro Universitário Newton Paiva.
PÓS EM REVISTA l 333
REDUÇÃO DE DANOS: Utopia ou realidade? Camila Ferreira Ilda Jardim Nádja Curvelo Natália Guerra Rosângela Nascimento1
RESUMO: O presente artigo visa conceituar a redução de danos bem como compreender a inserção desse conceito no contexto das políticas públicas, esclarecendo sua lógica de funcionamento de modo a reduzir possíveis interpretações equivocadas do que venha a ser essa política. Concluiu-se que a Política de Redução de Danos firma-se, cada vez mais, como uma estratégia eficiente e eficaz de prevenção e promoção da saúde, com ênfase na redução de danos a médio e longo prazo. Palavras-chave: Redução de Danos. Gestalt. Drogas. Política Pública. Dependência química.
O ser humano, desde os tempos imemoriais, sempre fler-
Universo enquanto uma totalidade, ou seja, enquanto
tou com a alteração de consciência. Todas as civilizações tive-
uma unidade indivisível, um todo que é muito maior que
ram, ou ainda têm, rituais próprios para o uso lícito ou ilícito, de
a soma de suas partes, pois só pode ser compreendido
substância psicoativas. Essas alterações de consciência podem
pelas interações entre as partes que o compõem (DIA-
se dar por diversas maneiras: drogas “naturais”, sintéticas, psi-
LÓGICO, 2009).
cofármacos, tabaco, álcool, etc. O mundo contemporâneo tem apresentado uma fórmula forma particular de lidar com o uso
O conceito integrador da saúde, aliado a essa noção de ho-
de substâncias psicoativas, principalmente as consideradas ilí-
mem, como um ser relacional e contextual, que enfatiza processos
citas: o combate às drogas com ênfase na redução da oferta
e escolhas, é um caminho aberto para compreensão de uma nova
do produto, baseado no modelo moral/criminal americano, que
política, denominada de “Política de Redução de Danos”. Marlatt
considera o uso e a dependência de drogas como moralmen-
(1999), depois de uma temporada na Holanda, para entender a po-
te incorreto. Dentro dessa lógica, o seu uso e/ou distribuição é
lítica de redução de danos, instaurada naquele país, afirma:
passível de punição e tem como objetivo e ideal, uma sociedade
[...] A redução de danos é muito mais que apenas uma
livre de drogas (MARLATT, 1999).
alternativa à abstinência no tratamento da dependência
Atualmente o consumo de substâncias consideradas “ilíci-
química e na prevenção do HIV/AIDS. A redução de da-
tas” vem crescendo no mundo inteiro. Governos e organizações
nos trata do manejo seguro de ampla gama de compor-
não governamentais tentam, através de medidas de políticas
tamentos de alto risco e dos danos associados a ele. O
públicas diminuir ou acabar com uso de tais substâncias, com
importante não é se determinado comportamento é bom
redução de oferta e eliminação do tráfico.
ou ruim, certo ou errado; na redução de danos a ênfase
No Brasil, o combate ao uso e ao tráfico de drogas, em ge-
é se o comportamento é seguro ou inseguro, favorável
ral, segue o modelo americano, apesar de existirem algumas
ou desfavorável. A redução de danos centra-se no que
alternativas a ele. O conceito de saúde adotado pela OMS, cor-
funciona (pragmatismo) e no que ajuda (empatia e soli-
roborado pela Constituição de 1988, e que leva em considera-
dariedade) (MARLATT, 1999, p. 22).
ção o bem-estar individual, social, afetivo, psicológico, familiar, dentre outros, mudou de maneira significativa o olhar sobre a
Dentro desse conceito, começa a surgir no Brasil e no mun-
forma de se ver a dicotomia saúde/doença sempre presentes
do uma política de enfrentamento ao abuso de substâncias ilí-
nessa questão das drogas.
citas que foca o usuário como indivíduo e também a tolerân-
A Gestalt terapia,
cia assistida como ferramenta de redução de danos. Segundo
[...] possui uma visão holística de homem e de mun-
Marlatt (1999), a política de redução de danos se contrapõe ao
do, o que envolve compreender o homem, a natureza,
tradicional modelo moral/criminal/doentio de uso e abuso de
o planeta, cada ser vivo, cada objeto ou fenômeno do
drogas, na medida em que rompe com as acepções biológicas para dependência e assume que mais do que abstinência a todo
334 | PÓS EM REVISTA
custo (muitas vezes, muito caro aos usuários), é necessário en-
midores significativos (se consideramos os altos custos de
fatizar [...] “nos programas de tratamento e de prevenção que
compra tanto de substâncias lícitas quanto ilícitas, do tabaco
procuram remediar o desejo ou a demanda por drogas por parte
à heroína) (MARLATT, 1999. p. 52).
do indivíduo – uma abordagem de “redução da demanda” ”. (Marlatt, 1999. p. 46).
Segundo Marlatt (1999), os princípios da redução de danos
A raiz filosófica dessa política se dá no pragmatismo e ofere-
podem ser aplicados em três níveis: na redução de comporta-
ce alternativas para o atual modelo moral/criminal. Para o autor,
mentos prejudiciais, na modificação do ambiente para aumento
a redução de danos [...] “desvia a atenção do uso de drogas em
de segurança e diminuição de riscos e na mudança de políticas,
si para as consequências ou para os efeitos do comportamento
leis e regulamentações de forma a reduzir danos tanto para o
adictivo”. (MARLATT, 1999. p. 46). Dessa forma:
indivíduo quanto sociedade.
[...] a redução de danos oferece uma ampla variedade
No Brasil, a Política Nacional do Ministério da Saúde (MS)
de políticas e de procedimentos que visam a reduzir as
para o problema do álcool e outras drogas, considera o tema
consequências prejudiciais de comportamento adictivo.
de forma transversalizadora, com implicações sociais, psico-
A redução de danos aceita o fato concreto de que muitas
lógicas, econômicas ou políticas, não somente sobre a ótica
pessoas usam drogas e apresentam outros comporta-
psiquiátrica ou médica. Para o Ministério da Saúde, o fato do
mento de alto risco, e que visões idealistas de uma socie-
uso de álcool e outras drogas estar associado à criminalidade
dade livre de drogas não tem quase nenhuma chance de
e práticas antissociais, leva a políticas de caráter fechado, total,
tornarem-se realidade (MARLATT, 1999. p.46).
cujo objetivo passa a ser única e exclusivamente a abstinência; o MS se posiciona claramente contrário a esta perspectiva pois
Outro ponto importante na política de redução de danos
não concorda com essa política.
[...] “é que ela reconhece abstinência como resultado ideal, mas
A percepção distorcida da realidade do uso de álcool e
aceita alternativa que reduza os danos”. (Marlatt, 1999. p.46), le-
outras drogas promove a disseminação de uma cultura
vando em conta o fato de que qualquer passo em direção opos-
de combate às substâncias que são inertes por natureza,
ta ao uso e abuso de drogas é um passo na direção correta.
fazendo que o indivíduo e o seu meio de convívio fiquem
A abordagem de redução gradual estimula os indivídu-
aparentemente relegados a um plano menos importante.
os com comportamento excessivo ou de alto risco a “dar
Isso, por vezes é confirmado pela multiplicidade de pro-
um passo de cada vez” para reduzir as consequências
posta e abordagens preventivas, terapêuticas, considera-
prejudiciais de seu comportamento. Abstinência, como
velmente ineficazes, por vezes, reforçadoras da própria si-
meta final, reduz muito ou elimina totalmente o risco de
tuação de uso abusivo e/ou dependência (MS, 2006, p. 7).
danos associados ao uso excessivo de drogas ou a partir de sexo inseguro. Nesse sentido, a abstinência é incluída
De acordo com o Ministério da Saúde, é necessário que a
como um ponto final ao longo de um continuum, que va-
política de prevenção, tratamento e de educação para o consumo
ria de consequências excessivamente prejudiciais a con-
de álcool e outras drogas seja construída com base na interseto-
sequências menos prejudiciais (MARLATT, 1999. p. 47)
rialidade, já que considera o consumo dessas substâncias como um grave problema de saúde pública. Pensando dessa maneira,
Dessa forma, a redução de danos pode ser definida como:
a abstinência passa a não ser o único objetivo possível e viável
[...] uma abordagem empática porque não denigre as pes-
aos usuários. (MS, 2006). Ainda, segundo o MS o problema da
soas que envolvem em comportamento sexual ou de con-
dependência de drogas é complexo, heterogêneo, multifacetado,
sumo de drogas de alto risco. Em vez de usar termos pejo-
multicausal, podendo afetar diretamente as políticas preventivas
rativos para rotular tais pessoas, a redução de danos desvia
e o nível de adesão ao tratamento, dificultando, muitas vezes, a
a atenção para o comportamento do indivíduo e para suas
inserção social e familiar do usuário. Assim, para esse órgão,
consequências. Por exemplo, deixa-se de falar de “abuso
Para que uma política de saúde seja coerente, eficaz e efe-
de drogas” para chamá-lo de “consumidor” que sofre con-
tiva deve ter em conta que as distintas estratégias são com-
sequências nocivas ou favoráveis. A palavra “consumidor”
plementares e não concorrentes e, que, portanto, o retardo
parece particularmente adequada, pois as pessoas conso-
do consumo de drogas, a redução dos danos associada
mem tanto substâncias quanto serviços; os usuários de dro-
ao consumo e à superação do consumo são elementos
gas também representam um grupo econômico de consu-
fundamentais para sua construção. (MS, 2006. p. 8). PÓS EM REVISTA l 335
É pensando sobre essa ótica que se insere a redução de
ela deve ser operada inter-ações, promovendo aumento
danos dentro da Política Nacional do Ministério da Saúde. A vi-
de superfície de contato, criando pontos de referências,
são passa a ser a de transversalização, na qual não há mais so-
viabilizando o acesso e o acolhimento, a descrevendo a
mente a lógica binarista/dicotômica saúde coletiva versus âmbi-
clientela e qualificando a demanda, multiplicando as pos-
to clínico de intervenção, mas uma [...] “outra maneira de pensar
sibilidades de enfrentamento ao problema da dependên-
e fazer que experimente as diferentes contribuições, fazendo-as
cia no uso do álcool e outras drogas (MS, 2006. p. 11).
interpelações umas das outras”. (MS, 2006. p.8) Para o Ministério da Saúde:
Ainda de acordo com o MS:
Comprometer-se com a formulação, execução e avalia-
[...] a abordagem se afirma como clínico-política, pois,
ção de uma política de atenção ao usuário de álcool e
para que não reste apenas como “mudança comporta-
outras drogas exige exatamente a ruptura de uma lógica
mental” a redução de danos deve se dar como ação no
binarizante que separa e detém o problema em fronteiras
território, intervindo na construção de redes de suporte
rigidamente delineadas, e cujo eixo principal de entendi-
social com clara pretensão de criar outros movimentos
mento (e, portanto, de “tratamento”) baseia-se na asso-
possíveis na cidade, [...] (MS, 2006. p. 11).
ciação drogas/comportamento antissocial (álcool) ou criminoso (drogas ilícitas). Em ambos os casos a um único
Dessa maneira, é importante salientar o papel da Psicolo-
objetivo a ser alcançado: a abstinência (MS, 2006. p. 10).
gia e do psicólogo nessa transição de paradigma sobre o uso/
Essa nova forma de encarar e entender o fenômeno do uso/
posicionamento em favor de uma política pública que reconheça
abuso de substâncias psicoativas vem se constituindo como
a saúde como um bem coletivo, mas também veja a singulari-
uma ampliação de um conceito de saúde integral herdada da
dade de cada ser humano. Esse novo paradigma que se apre-
Constituição de 1988, que adota a visão de ser humano como
senta está em perfeita consonância com a visão da Gestalt, que
um ser bio-psico-social. O papel do psicólogo se insere na po-
entende que o Homem é um ser que se constrói na experiência,
lítica pública dessa forma, juntamente com esse conceito de
em eternas construções e desconstruções de si mesmo, nos es-
integralidade e promoção da saúde, amparado pela noção de
paços vitais que lhe são próprios e nos processos de figura e
homem como ser em construção, sempre em processo.
fundo que lhe são inerentes.
abuso do álcool e outras drogas, afirmando e reafirmando seu
Assim, a redução de danos inserida na política pública do MS
A política de redução de danos propicia novas possibilida-
para atenção integral ao usuário de álcool e outras drogas traba-
des de reconstrução do modo de estar no mundo de cada indi-
lha em duas vertentes, uma interventiva e ou preventiva, já que:
víduo, na medida em que amplia e reconhece que determinados
[...] quando se trata de cuidar de vidas humanas, temos de,
comportamentos são melhores entendidos se considerados os
necessariamente, lidar com as singularidades, com as dife-
inúmeros fatores (econômicos, sociais, biológicos, etc.) que
rentes possibilidades e escolhas que são feitas. As práticas
influenciam a relação de uma pessoa com a droga. Somente
de saúde, em qualquer nível de ocorrência devem levar em
dessa forma é possível ampliar conhecimentos válidos e gerar
conta essa diversidade. Devem acolher, sem julgamento, o
novas formas possíveis de intervenção. Usando a política de re-
que em cada situação, com cada usuário, é possível, o que
dução de danos como mecanismo legítimo de defesa, de con-
é necessário, o que está sendo demandado, o que pode
trole e de promoção da saúde, tanto do indivíduo quanto da co-
ser ofertado, o que deve ser feito, sempre estimulando a sua
munidade, pode-se vislumbrar não uma sociedade utópica livre
participação e o seu engajamento (MS, 2006. p. 10).
das drogas, mas uma sociedade menos afligida e mais realista dentro das suas possibilidades.
E é justamente o que oferece a política de redução de danos: a possibilidade de tratar a singularidade do indivíduo, não objetivando apenas a abstinência da droga, mas, acima de tudo, a defesa de sua vida. É um método, um caminho, se não para a cura, pelo menos para a redução de comportamentos de risco, aumentando o grau de liberdade e de co-responsabilidade do usuário como maior adesão ao tratamento. É uma estratégia [...] que, enquanto tal, e para ter a eficácia que pretende, 336 | PÓS EM REVISTA
REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. SVS/CN-DST/AIDS. A Política do Ministério da Saúde para Atenção Integral a Usuários de Álcool e outras Drogas/Ministério da Saúde. 2. Ed. Brasília. 2006. 64p. Gestalt-terapia – Visão de Homem – disponível em: <http://dialogico. com.br/visao_do_homem.php> Acesso em 07 nov 2011
MARLATT, G. Alan. Redução de danos: estratégias práticas para lidar com comportamentos de alto risco. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999.
NOTAS DE RODAPÉ Alunas do 8º período de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. 1
PÓS EM REVISTA l 337
A INFLUÊNCIA DOS CONFLITOS RELIGIOSOS NO CENÁRIO POLÍTICO E NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS: conflitos religiosos na Nigéria entre Islamismo e Cristianismo na atualidade e as repercussões em suas relações políticas. Autoria: Caio Rosa, Messias Santos, Thiago Cardoso* Orientador: Professor Júlio César Buere**
Resumo: O presente artigo foi instrumento de análise em torno dos conflitos religiosos entre grupos cristãos e islâmicos na Nigéria, a fim de se compreender como tais conflitos influenciaram algumas de suas relações internacionais. Apresentaram-se vários fatores que condicionaram as relações políticas da Nigéria, sendo portanto sensato analisar apenas parte dos fatores-chave. Vale esclarecer que a pesquisa se desenvolveu sobre um misto de etnia, religião e recursos econômicos naquele país, com foco desde tempos razoavelmente recentes até atualidade, que são, contudo, centrais com relação à posição cautelosa que se deveria assumir, com respeito às questões internas. Dispensou-se ainda atenção especial às mazelas, hostilidade e corrupção do Governo Nigeriano e como essas foram percebidas por parceiros estrangeiros e organizações internacionais, devido a, acredita-se, sua significância política e sua posição como um importante produtor de petróleo mundial. Palavras-chave: Cristianismo. Islamismo. Nigéria. Política Internacional. Conflitos Religiosos.
1 INTRODUÇÃO
2 AS RELIGIÕES ANTAGÔNICAS NA NIGÉRIA:
Os conflitos religiosos entre Muçulmanos e Cristãos na Ni-
ISLAMISMO E CRISTIANISMO
géria têm fortes raízes nos interesses políticos e econômicos, ali presentes. A falta de unidade nacional é sobremodo favorável à
2.1 Contexto histórico dos conflitos religiosos na Nigéria
divisão de poder interna, além de fomentar as disputas étnicas.
A República Federativa da Nigéria tem, em média, 140 milhões
As grandes reservas de petróleo ostentadas pelo país alimentam
de habitantes e 36 estados, o que a torna o maior país da África Oci-
as disputas econômicas internas e mobilizam os interesses ex-
dental. A Nigéria é um complicado mosaico étnico, dividido pelas
ternos, na relação com as grandes potências. Ainda que tenha
religiões mais difundidas: o Islamismo, com 50% e o Cristianismo,
sido considerada uma média potência internacionalmente, o
com 40%. O restante se divide em seitas locais e outras religiões.
conceito de grande potência aplicado à Nigéria é relativo ape-
Nos últimos anos, 12 estados introduziram a Sharia, conjunto de
nas com relação à região dos países Norte-Africanos, não se
leis baseadas no livro Islã Sagrado, o Corão, acentuando grandes
estendendo ao âmbito mundial. Além dos conflitos religiosos,
contrastes entre as regiões e as religiões, sendo o Sul predominan-
discutiu-se, a seguir, como, a despeito de as grandes riquezas
temente cristão (IAVELBERG, São Paulo, 2009)1.
envolvendo o petróleo serem reais na Nigéria, a distribuição de
Segundo os autores, a luta pelo poder manifesta a vontade
renda no país não se deu de maneira eficiente e tornou-se fo-
do Islamismo Nigeriano de ocupar o poder central e assim impor
mentadora de problemas sociais entre a população carente e a
seu fundamentalismo na Nigéria. Embora não seja possível cul-
classe dominadora.
par diretamente a religião como causa dos conflitos, as trágicas
Fez-se importante analisar a relação da Nigéria com outros países do continente, que revelou-se pouco uniforme. Foi feita
consequências revelam, contudo, o quanto o país esta dividido: a Sharia e o Islamismo de um lado, o Cristianismo do outro.
uma comparação entre a Nigéria e quatro outros países Africa-
A introdução da Sharia nos Estados de maioria Islâmica pro-
nos e percebeu-se que, embora seja satisfatória sua parceria
voca uma série de conflitos entre cristãos e muçulmanos. Um
com a Libéria e a Zâmbia, a mesma relação não ocorre com a
fato comum é que os Cristãos ao NortE migram para o Sul e os
África do Sul e a Líbia. 338 | PÓS EM REVISTA
Muçulmanos ao Sul migram para o Norte. Dezenas de cristãos
géria é uma construção política artificial criada pelos
morrem em ataques a suas igrejas, por parte dos radicais islâmi-
Europeus, no caso pelo colonialismo britânico. Mesmo
cos, provocando revide a atentados de ativistas cristãos.
durante o período pré-colonial, o que hoje identificamos
Segundo Iavelberg (2009), “esses ataques provocam o des-
como o território Nigeriano, nunca foi unido. Durante
locamento em massa de certas comunidades do país”. Explica-se
a época colonial e mesmo depois da independência,
que alguns líderes políticos usam extremistas muçulmanos para
conquistada no início da década de 1960, o embate en-
esconder atos corruptos e criminosos, criando caos dentro do país.
tre forças unificadoras e desagregadoras da nação tem
Um confronto ocorrido no dia 7 de março de 2010 deixou apro-
sido uma característica marcante da evolução política
ximadamente 500 mortos. Religiosos muçulmanos da etnia Fulani
do país. A estruturação do espaço político Nigeriano
invadiram casas e mataram homens, mulheres e crianças. Confor-
pode ser entendida no contexto de uma divisão dual, de
me artigo pesquisado da Agência EFE (2010), acredita-se que o
natureza geográfica e religiosa que opõe, de uma forma
massacre, ocorrido a menos de 2 km da casa do governador de
bastante genérica, um Norte Muçulmano politicamente
Plateau, Jonah Jang, tenha sido a resposta dos muçulmanos aos
dominante a um Sul, cristianizado e animista, economi-
confrontos religiosos com cristãos em janeiro, que deixaram 326
camente mais próspero (MORI, 2008)3.
2
mortos. O incidente foi considerado por membros da própria Etnia Fulani como uma ação organizada para assassinar os cristãos.
Conforme Mori (2008), os conflitos religiosos na Nigéria são
A Organização Islâmica Radical Boko Haram, conhecida como
resultado da fraca unidade nacional, que sempre caracterizou as
o Talibã Nigeriano, foi responsável por invadir prédios públicos e
ex-colônias europeias na África, por conta de sua história evolu-
queimar carros, aprisionar mulheres e crianças. Boko Haram, figu-
tiva. Dividida geograficamente, a Nigéria tem como base de dis-
rativamente “a educação ocidental ou nãoislâmica é pecaminosa”,
puta religiosa a força política e dominante do Norte Muçulmano
não aceita escolas que não seguem a orientação islâmica.
contra um Sul Cristão e desenvolvido economicamente.
Desde a prisão e assassinato do líder do grupo pelo Gover-
Percebe-se que as disputas entre essas religiões são a tenta-
no, os atentados começaram e se espalharam por vários outros
tiva de estabelecer o domínio político no país. Uma das formas de
estados, onde encontram-se corpos espalhados pelas ruas de
disputa de poder é a já mencionada imposição da Sharia em doze
várias cidades. Ficaram pelo menos 3,5 mil pessoas desaloja-
Estados Nigerianos de predominância Islâmica, desrespeitando o
das, impedidas de voltar para suas casas. O conflito de cinco
Estado Nacional, que se mostra contrário a essa determinação. O
dias, em agosto de 2009, em Maiduguri, Capital do Estado de
Estado considera inconstitucional a condenação à morte, segun-
Borno, ao Norte da Nigéria, deixou 700 mortos. As disputas na
do os motivos justificados, ou alegados, pelos islâmicos adeptos
Nigéria são antigas e têm crescido nos últimos anos. Esses con-
da Sharia, porém, mesmo com essa inconstitucionalidade, Esta-
flitos deixaram mais de 12 mil mortos desde 1999, quando, con-
dos do Norte continuam aplicando a pena de morte.
forme citado anteriormente, foi implantada a Sharia. Tais conflitos vêm crescendo na Nigéria, desde a década de 50.
A Nigéria possui um Governo Laico, ou seja, que não tem permissão para escolher uma religião, ameaçado pela crescente
Esses acontecimentos ressuscitam a relação entre violên-
expansão do Islamismo em seu território, o qual tem imposto
cia, guerras e religiões. Esses são fatores de paz, que contri-
suas regras em alguns estados, desrespeitado a Constituição
buem para agravar tensões e conflitos, pois falam em nome de
do país, demonstrando uma disputa de poder entre o Cristianis-
Deus e trabalham com a noção de absoluto, inclusive ético.
mo e o Islamismo. O próprio governo se mostra dividido, com alguns de seus membros apoiando islâmicos radicais.
3 INTRODUÇÃO AOS ASPECTOS POLÍTICOS E ECONÔMICOS
Os conflitos religiosos explodiram em 1999, quando a Sharia
DOS CONFLITOS RELIGIOSOS NA NIGÉRIA, DIVISÃO DE PODER E
foi oficializada nos estados de predominância islâmica. Porém,
CONFLITOS PROPRIAMENTE DITOS
os cristãos ali presentes se revoltaram e protestaram contra, gerando conflitos entre esses dois grupos rivais, resultando em
3.1 Aspectos Políticos e Econômicos Os conflitos religiosos na Nigéria se viram divididos, basicamente, entre Norte e Sul, tendo o Norte predominância muçulmana e o sul, predominância cristã. Como a imensa maioria dos Estados Africanos, a Ni-
centena de milhares de mortos. Em 2007, as eleições presidenciais e parlamentares provocaram uma nova onda de violência entre os dois grupos religiosos. Em 2008, os conflitos permaneceram e se iniciaram ações de sabotagem à economia petrolífera praticada no Delta do Rio Níger, de onde se extrai grande volume e petróleo. Este foi alvo de ataque PÓS EM REVISTA l 339
de grupos rebeldes, mostrando sua força perante o Estado. Apesar de ser um dos países de maior produção de petró-
Além disso, o caráter Federal e o processo de criação esta-
leo, a desigualdade social é grande, facilitando assim, a atuação
tal aumentaram o poder entre as maiorias étnicas, às custas de
de grupos com interesse no poder, pois o Estado se mostra mui-
minorias étnicas, que se sentiram marginalizadas.
to corrupto e omisso a várias necessidades da população. Segundo os autores, a tentativa do equilíbrio de poder gera grandes conflitos, pois o sul não aceita que os muçulmanos go-
Finalmente, constituem-se também fator considerável, os problemas relacionados aos alto níveis de corrupção. A corrupção despreza os sistemas e
vernem. Semelhantemente, o Norte não aceita os cristão assu-
instituições em torno dos quais os acordos de divisão de
mirem a liderança do país, portanto ocorre um acordo entre as
poder são construídos, fomentando violência política e roubos
partes, sobre alternância de poder, tentando evitar assim que os
no sistema do petróleo. Problemas de legitimidade e confiança
conflitos tenham cada vez mais volume. A solução encontrada
são também criados para os poderes centrais, entre os grupos
foi a de um acordo entre os dois grupos políticos, para que cada
marginalizados. Como resultado, vemos o crescimento de gru-
mandato tenha representante ora do Norte ora do Sul.
pos de segurança privados, economias obscuras e grupos militantes políticos (RUSTAD, 2008).
3.2 As lutas pelo domínio A Nigéria possui um longo histórico de divisão de poder,
3.3 Conflitos Étnicos, Sectários e Intercomunitários
com respeito a três áreas principais: territorial, econômica e po-
Segundo Jean Christophe Servant (2006), uma onda de con-
lítica. Essas três correntes se desenvolveram separadamente,
flitos étnicos, sectários e intercomunitários se espalhou pela Nigé-
mas permanecem fortemente ligadas pelas lutas entre os vá-
ria, desde a restauração do governo civil eleito, em maio de 1999.
rios grupos étnicos nigerianos, além de disputas pelas enormes
Parte dessa violência é resultante de antigas disputas interétnicas
reservas de petróleo do Delta do Rio Níger, assunto que será
e intercomunitárias, as quais um governo atrás do outro, na me-
investigado a seguir, para se compreenderem os conflitos reli-
lhor das situações, tem ignorado e na pior das situações, provo-
giosos, do ponto de vista econômico.
cado ou agravado ainda mais, por imposição discriminatória da
Amplos foram os efeitos, tanto das políticas macroeconômicas, como microeconômicas, do período colonial da Nigéria. Tal
lei, uso de força violenta policial ou ação militar, além da distribuição de recursos do governo, para favorecer um grupo ou outro.
período deixou como herança o Sistema Federal, que nos últimos
Mais recentemente, muita violência se sucedeu com a ex-
quase 50 anos, aumentou de 3 a 36 estados, mudança crucial para
tensão da Sharia a ataques criminosos, em alguns estados do
o desenvolvimento da divisão de poder na Nigéria. Uma das formas
norte da Nigéria. Relatórios a respeito da introdução planejada
de divisão estava justamente relacionada à distribuição da receita
da Sharia induziu a conflitos entre Muçulmanos e Cristãos em
pública, principalmente ligada ao petróleo (RUSTAD, 2008).
Kaduna e Kano, em fevereiro de 2000. No mínimo 700 pessoas
A despeito do fato de a Nigéria ter desenvolvido seus siste-
foram mortas nos conflitos e em consequentes matanças reta-
mas de divisão de poder ao longo de décadas, é possível que
liativas de Muçulmanos, no Sudeste da Nigéria, chamado por
estes tenham sido um importante fator nos crescentes conflitos
Servant (2006) de “centro de um novo triângulo comercial”.
violentos no Delta do Rio Níger. Vários são os fatores em jogo.
O autor explica como a pobreza e desemprego se torna-
Primeiro, ainda que os estados ao Norte Nigeriano rece-
ram mais severos e difundidos, devido à corrupção endêmica do
bessem mais renda per capita do que qualquer outra região na
governo e desgoverno, a competição pelas escassas oportuni-
Nigéria, boa parte da renda não chegava às pessoas assoladas
dades de se garantir empregos, educação e apoio político se in-
pelas consequências da extração do petróleo, a saber danos
tensificou dramaticamente, um quadro interessante para a inves-
ambientais, pobreza e desemprego.
tigação sociológica da região. No dia 24 de fevereiro de 2004,
O povo do Delta sabe que o petróleo gera uma enorme
na região central, entre o Norte, principalmente ocupado pelos
riqueza, da qual ele não aproveita praticamente nada.
Muçulmanos e Sul, armados mataram mais de 75 Cristãos na
(...) Esta combinação não só nega a boa governança,
cidade de Yelwa, sendo que no mínimo 48 deles estavam dentro
como também cria ressentimentos, tanto em relação às
de uma igreja. Nos dias 2 e 3 de maio, centenas de Cristãos
empresas que criam essa riqueza, como em relação aos
armados cercaram a cidade de diferentes direções e mataram
chefes de comunidades acusados de conluio com elas
em torno de 700 Muçulmanos. Além disso, eles abduziram mu-
(ROBERTSON4, citado por SERVANT, 2006).
lheres, sendo que algumas delas foram violentadas. Ambos os
340 | PÓS EM REVISTA
ataques foram bem organizados e em ambos os casos, as víti-
petróleo representava foi de 5% em 1965 a 26% em 1970, 43%
mas morreram com base em suas religiões (SERVANT, 2006).
em 1971 e cresceu em até 80% em 1980.
Conforme Takirambudde (2005), como forma de reação aos
Segundo a autora, o petróleo na região do Delta do Rio Níger
ataques de Yelwa, uma semana mais tarde, Muçulmanos da ci-
representou o motivo de muitos conflitos ali. As discussões sobre
dade de Kano investiram contra residentes Cristãos em 11 e 12
como a receita do petróleo deveria ser alocada e distribuída tem
de maio, matando mais de 200 pessoas. Além disso, os próprios
sido lidada por meio do Princípio da Derivação. Segundo Rustad
policiais e soldados com a missão de restaurarem a ordem em
(2008), outro problema é o alto nível de corrupção naquela área.
Kano, efetuaram dezenas de mortes extrajudiciais. As vítimas in-
Apesar de ser umas das maiores áreas de produção de petróleo
cluíam pessoas que, de acordo com as testemunhas oculares,
no mundo, a maior parte da renda não vai para o povo que enfren-
nem sequer estavam envolvidas nos conflitos.
ta as consequências das atividades de sua extração.
Os relatos em torno dos conflitos oferecem informação de base sobre as causas da violência em Plateau e explica como
Subsequentemente, essa região possui alto nível de pobreza e uma ausência de serviços de utilidade pública e infraestrutura.
uma briga localizada entre grupos étnicos, competindo pelo
Bevan, Collier e Gunning (1992) relatam que em 1970, a
controle político, pelas terras e por recursos econômicos se
temporária bonança do petróleo na Nigéria criou um dramático
transformou em um conflito religioso totalmente desenvolvido e
aumento nos investimentos, que teve pouco efeito em seus re-
que se estende para muito além das fronteiras do Estado.
sultados e foi rapidamente seguido de uma baixa, resultante de
Tanto os Muçulmanos como os Cristãos perceberam que
uma economia assolada pelo débito acumulado, corrupção em
a religião é um meio extremamente efetivo de mobilizar
forma de apoio e intervenções governamentais nos preços.
uma grande massa de pessoas. Líderes locais de ambos
Os autores descrevem uma característica única da histó-
os lados manipularam cinicamente a religião, gerando
ria da Nigéria é explicada pela sucessão de governantes. Seu
consequências desastrosas (TAKIRAMBUDDE, 2005).
governo foi militar, com uma certa inclinação tecnocrática, no período do aumento nos preços do petróleo, em 1974, o que
Desde o término do governo militar, mais de 11.000 nige-
desencadeou consequências tanto favoráveis, como desfavorá-
rianos morreram em mais de 500 conflitos violentos sectários e
veis. Favoráveis, pois permitiram que o volume do aumento no
políticos. As causas intrínsecas de tais rixas são várias e com-
preço do petróleo refletisse no aumento de reservas internacio-
plexas, visto que as tensões étnicas e religiosas, entre outras,
nais, decisão prudente que muitos dos outros países exporta-
que as provocam, geralmente se sobrepõem e se intensificam
dores de petróleo não foram fortes e corajosos o bastante para
entre si. O autor explica que muitas políticas governamentais
implementar. Na segunda parte da empreitada, a Nigéria falhou,
discriminam i nativos, ou seja, descendentes dos habitantes ori-
no sentido que foram presas fáceis de uma visão que já estava
ginais de suas comunidades, o que tem tornado as questões
desacreditada naquela época: industrialização com substituição
de cidadania local altamente contenciosas. Muitos nigerianos
de importação. Grandes quantias foram alocadas em megapro-
acreditam que o fracasso por parte do Governo, em combater a
jetos de setores públicos, que nunca tiveram condições de com-
degradante pobreza da nação, está justamente no coração de
petir nos mercados mundiais. Tais investimentos não trouxeram
muitos conflitos que parecem ser étnicos e/ou religiosos em sua
nenhum benefício mensurável ao povo Nigeriano.
natureza, uma vez que a competição pelos escassos recursos econômicos se tornam mais e mais desesperadora.
Historicamente, vale lembrar, a Nigéria se tornou uma colônia não de colonos, mas de negociadores. Tal governo instituiu uma política de portas-abertas, que dizia que não havia restri-
4 O ESTADO NIGERIANO MEDIANTE OS CONFLITOS INTERNOS
ções na importação ou em investimentos diretos. Etnicamente, a Nigéria é bem diversificada e as políticas coloniais reforçaram
4.1 Contexto Econômico: O Petróleo
as tensões tribais.
A Nigéria possui grandes reservas de petróleo na Região
Segundo Bevan, Collier e Gunning (1992), quando a Nigéria
do Delta do Rio Níger. Em 2010, a Nigéria foi o 10a maior pro-
se tornou independente em 1960, as exportações do petróleo,
dutor de petróleo do mundo, produzindo 2,458 milhões de barris
iniciadas em 1958, eram ainda insignificantes. Sua economia
por dia e possuindo a 10a maior reserva de petróleo do mundo
era ainda basicamente agricultural. O governo incentivava o
(37,2 bilhões de barris), segundo livro de fatos da CIA. (RUSTAD,
crescimento industrial, parcialmente por meio de incentivos aos
2008). A autora descreve que nos anos 70, o preço do petróleo
investimentos diretos estrangeiros e parcialmente por meio de
no mercado mundial subiu e a parcela de receita nacional que o
investimento público. PÓS EM REVISTA l 341
Durante os primeiros seis anos de independência,
ta por alguns como o gigante da África, o líder da Líbia, Muammar
1960-1966, tensões regionais levaram o país ao caos.
Gaddafi, parece gostar de colocar a nação em seu lugar”. Se-
A estabilidade política foi ignorada quando o governo
gundo Barbé (1995, p.50), com relação a vizinhos como a Líbia, a
federal, dominado pelo Norte, interferiu nas eleições do
Nigéria pode ser considerada uma Média Potência Regional. Não
Oeste. Norte e Oeste formaram uma aliança, para se be-
obstante sua influência cultural ter sido imensa em outras partes
neficiarem da prosperidade do Leste, rico em petróleo.
da África, a Líbia se manteve inatingida, apesar dos muitos mi-
Tal movimento causou dois golpes militares em 1966,
grantes Nigerianos que normalmente atravessam o deserto, com
a secessão do Leste da Federação e a Guerra Civil de
a esperança de eventualmente chegarem à Europa.
1967 a 1970, que deixou 2 milhões de mortos (BEVAN, COLLIER, GUNNING, 1992).
Segundo a autora, muitos habitantes da Líbia consideram que a única coisa que ambos os países compartilham é o petróleo. Suas experiências de migrantes ilegais perpetuaram imen-
4.2 O Estado Nigeriano e outros Atores Internacionais Africanos Vários fatores condicionaram o posicionamento político estrangeiro da Nigéria. Primeiramente, o misto de etnia e religião do país exigiu posições cautelosas com respeito a algumas questões, como a política com respeito a Israel. A Nigéria considerou difícil restaurar laços diplomáticos com Israel e não o fez a partir de 1990, por causa
samente uma imagem negativa da Nigéria e seu povo, que são vistos como suspeitos, não merecedores de confiança e como frente no contrabando de drogas e assaltos. Na frente política, Jawad (2010) reportou que o líder da Líbia, Muammar Gaddafi, sugeriu, para a fúria dos Membros do Parlamento Nigeriano, que o país se dividisse em dois, seguindo linhas religiosas. Pouco tempo depois, ele foi além e sugeriu que o país se fragmentasse em estados, segundo etnias.
da oposição muçulmana e simpatia com o restante do mundo Árabe Muçulmano. Em segundo lugar, o legado
4.2.2 Relações com a Libéria
da Nigéria como uma ex-colônia Britânica, junto com
Já na Libéria, os Nigerianos serviram a ECOMOG - Grupo
seu papel de produtor de energia na economia global,
de Monitoramento Econômico da Comunidade dos Estados
predispôs a Nigéria a ser pró-Ocidental na maioria das
Africanos Ocidentais, ou as Nações Unidas ali por vários anos.
questões, apesar de seu desejo de manter uma posição
(PAYE-LAYLEH5, Monrovia, 2010). Segundo informações da
desalinhada, para evitar o neocolonialismo (METZ, 1991).
Central Intelligence Agency (CIA, 2007) o número de refugiados da Libéria na Nigéria é de 5.778. O número de pessoas interna-
Percebe-se que nenhum dos parceiros estrangeiros da Ni-
mente desalojadas não se pode determinar, devido a conflitos
géria, além de organizações internacionais, condenou severa-
entre cristãos e muçulmanos, desde que o Presidente Obasanjo,
mente os padrões correntes de corrupção e abuso, que foram
foi eleito em 1999. Elos econômicos entre a Libéria e o Gigante
demonstrados, nem desejou exercer pressão significante sobre
da África Ocidental sempre foram muito fortes. O sinal mais visí-
a Nigéria, por sua significância política e sua posição como um
vel disso é a Rodovia de 85km, Ibrahim Babangida, batizada em
importante produtor de petróleo.
homenagem a um antigo Chefe de Estado Nigeriano,que leva
Apesar de sua posição favorável, o país não se destacou
até a fronteira com Serra Leoa.
como poderia, devido aos inúmeros intempéries nacionais, ou seja:
Para Paye-Layleh (2010), todavia, foram os esforços pela
Os dois Estados africanos mais qualificados para se tor-
paz por parte da Nigéria que deixaram os Liberianos mais agra-
narem Estados-núcleo são, ambos, anglófonos. Tamanho,
decidos. Quando a Guerra Civil se alastrou, a Nigéria conduziu
recursos naturais e localização fazem da Nigéria, um Estado-
a intervenção Afro-Ocidental, ECOMOG, a qual evitou que os
-núcleo em potencial, porém sua desunião intercivilizacional,
rebeldes de Charles Taylor, ultrapassassem a capital, Monrovia,
corrupção maciça, instabilidade política, governos repressi-
em agosto de 1990.
vos e problemas econômicos limitaram drasticamente sua
As igrejas Nigerianas são as maiores na Libéria e são fervo-
capacidade de desempenhar esse papel, embora o tenha
rosamente religiosas, visto que o país foi fundado nos princípios
feito em algumas ocasiões (HUNTINGTON, 1997, p.168).
do Cristianismo por escravos libertos, que foram repatriados dos Estados Unidos, no século XIX. Segundo Paye- Layleh (2010), é
4.2.1 Relações com a Líbia Segundo Rana Jawad5 (2010), “Ainda que a Nigéria seja vis342 | PÓS EM REVISTA
correto afirmar que os Nigerianos se sentem em casa, na Libéria. Muitos Nigerianos, inclusive aqueles que fazem parte da força pela
manutenção da paz das Nações Unidas e negociadores privados,
centra en los recursos y la segunda en El sistema. Así,
são casados com mulheres Liberianas e têm gerado centenas de
algunos autores responden a la cuestíon de qué es una
crianças nos anos recentes. Segundo Paye-Layleh (2010), “os Ni-
gran potencia centrándose en su capacidad para ganar
gerianos, infelizmente, também têm sido associados a assaltos a
en una guerra a otra gran potencia, o en su reputación
mão armada e tráfico de drogas no período pós-guerra”.
como potencia militar, igualable pero no superable por ninguna otra potencia (BARBÉ, 1995, p.147).
4.2.3 Relações com a Zâmbia A influência Nigeriana foi tão infetuosa que, em alguns círcu-
Segundo Helen Chapin Metz (1991), as relações Nigerianas
los, amigos escolhem o distinto sotaque Afro-Ocidental, sempre
com o Ocidente foram originalmente mais fortes com o Reino Uni-
que contam uma anedota, ou conversam entre si, sobre aconte-
do, seu antigo colonizador e que tal relação durou até o golpe de
cimentos em suas vidas. (CHANDA5, Reino Unido, 2010). Para o
1966 e levou a Nigéria a ser parceira do Reino Unido, mediante
autor, o poder de persuasão dos Nigerianos, independentemen-
a maioria de seus problemas. Líderes Nigerianos reprovaram o
te do que fazem, é o que torna seus produtos atrativos.
apoio do Reino Unido a governos ‘brancos’, na região sul do con-
Chanda (2010) explica que é exatamente isso que os tor-
tinente Africano. A autora completa que vários grupos Nigerianos
na tão influentes, mesmo dentro dos círculos religiosos e que
pressionaram o novo governo para enfraquecer as relações com
a Zâmbia é anfitriã de igrejas com origens na Nigéria e muitas
o Reino Unido, como o único caminho para a verdadeira inde-
delas possuem grande número de fiéis. Sua marca é tão popular
pendência e que com o tempo, mais danos verbais e simbólicos
que muitos enfermos Zambianos viajam para a Nigéria, em bus-
foram causados às relações entre Nigéria e Reino Unido.
ca de tratamentos especializados.
Metz (1991) explicou que ao longo da Guerra Fria, os Estados Unidos e a União Soviética estavam interessadas na Nigéria, por
4.2.4 Relações com a África do Sul Em muitas partes do país, o esteriótipo de criminosos maltrapilhos para os Nigerianos, foi aceito como fato. Obviamente isso é apenas uma generalização, mas por alguma razão, o Sul Africano comum ainda pensa que os nigerianos, principalmente homens, são os únicos responsáveis pelas questões como narcotráfico e crimes. No entanto, as práticas religiosas Nigerianas
causa de seu tamanho, população, potencial econômico e militar, além de, especialmente para os Estados Unidos, seu petróleo. Além disso, a autora completa que os Estados Unidos reconheceram a Nigéria como uma força estabilizadora na África e estavam dispostos a se aconselharem com a Nigéria, sobre questões Africanas. Os dois governos pareciam ter interesses similares no sul da África.
e vestuário se propagaram por todo o continente (FIHLANI5, Reino Unido, 2010).
5 CONCLUSÃO
Apesar do preconceito, milhões de Nigerianos fizeram da
As várias frentes políticas e militares da Nigéria ilustraram
África do Sul o seu lar, onde constituíram família. Isso prova mais
uma nação de grupos unitários Realistas, exercendo poder co-
um pomo de discórdia. Frases como “eles estão roubando nos-
ercitivo uns sobre os outros. Não houve jamais qualquer coope-
sos empregos e nossas mulheres” são comumente lançadas,
ração em favor da sociedade e desenvolvimento do país. Houve
em reuniões de jantar, sempre que surge o assunto sobre os
acirrada tentativa de se estabelecer o domínio e a disputa pelo
irmãos e irmãs do Norte. Há que se admirar os Nigerianos por
poder político e econômico no país, gerando grandes e lamen-
sua habilidade de manterem suas cabeças erguidas, em meio
táveis conflitos, que custaram a vida de cidadãos, tanto aqueles
a grande e frequente, porém indevida, reprovação. Igrejas con-
envolvidos nos conflitos, como inocentes.
duzidas por Nigerianos têm se espalhado em muitas cidades,
Dotada de distintas qualificações, como tamanho, recursos
principalmente nas redondezas de Johannesburg (FIHLANI, Rei-
naturais e localização propícia, a Nigéria se caracteriza como
no Unido, 2010).
um estado núcleo, no entanto, sua desunião intercivilizacional, corrupção e problemas econômicos limitaram sua capacidade
4.3 Relações com as Grandes Potências O conceito de grande potência pode ser entendido como segue: [...] se pueden apuntar dos grandes tendencias a la hora de definir el concepto de gran potencia. La primeira se
de desempenhar efetivamente seu papel. Esses foram fatos que corresponderam e influenciaram diretamente em suas relações políticas. Observou-se, também, como se atribuiu à religião, o cargo de um efetivo meio de se mobilizar pessoas, uma vez que os líderes conseguiam manipulá-la a seu favor. PÓS EM REVISTA l 343
Apesar de a identidade religiosa e crenças extremistas serem frequentemente citadas como fatores contribuintes dos conflitos intercomunitários na Nigéria, muitos desses conflitos estão, de fato, mais enraizados em tensões políticas e econômicas. Lutas antigas pelo controle do poder político e rivalidades econômicas, entre vários grupos étnicos, frequentemente funda-
co-49-os-conflitos-nanigria. html> Acessado em: 09 de abr. 2012. <http://graduate.ua.edu/mcnair/journals/2009/Yusef.pdf> em: 09 de abr. 2012.
Acessado
<http://hrw.org/news/2000/08/22/human-rights-nigeria> Acessado em: 05 de abr. 2012.
mentaram a violência sectária ali percebida. Conclusivamente, pode-se dizer que em vários dos casos apresentados, percebe-se claramente que os conflitos entre religiões se deram em âmbito geral, fundamentados pelo interesse no poder político e econômico, caracteristicamente realista, do ponto
<http://hrw.org/news/2009/09/24/statement-us-congressional-international-religiousfreedom- caucus-prospects-justice-> Acessado em: 05 de abr. 2012.
de vista teórico, e não apenas no que tange convicções religiosas.
<http://monergismo.com/textos/missoes/Cristianismo_africa. htm>Acessado em: 09 de abr. 2012.
REFERÊNCIAS
<http://noticias.r7.com/internacional/noticias/confronto-religioso-mata-500-pessoas-nanigeria- 20100308.html> Acessado em: 09 de abr. 2012.
BARBÉ, Esther. Relaciones Internacionales. Madrid: Editora Tecnos, S.A., 1995. p.50 e p.147. BEVAN, John A.; COLLIER, Paul; GUNNING, Jan W.. Policy responses to shocks 1970 - 1990. São Paulo: ICS Press, 1992. HUNTINGTON, Samuel P.. O choque de civilizações. Objetiva, 1997. p.168. METZ, Helen Chapin. Nigeria: A Country Study. GPO for the Library of Congress, Washington, 1991. Disponível em: <http://countrystudies.us/ nigeria/> Acessado em: 09 mar. 2012. PEDROSO, Hélio. Mundo e missão: Atualidades no mundo - África. Guia do estudante, Atualidades Vestibular, 2010, 2011. p. 28-39. PINTO, Paulo Gabriel Hilu da Rocha. Islamismo: religião e civilização, uma abordagem antropológica. Aparecida: Santuário, 2010. 3p.
<http://portasabertas.org.br/cristaosperseguidos/perfil/nigeria/Acessado em: 09 de abr. 2012. <http://telanon.info/politica/2009/12/08/2300/na-nigeria-eminentes-figuras-politicasapelam- a-demissao-do-presidente-umaru-yaradua/> Acessado em: 09 de abr. 2012.
NOTAS DE RODAPÉ * Alunos do curso de Relações Internacionais da Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas Newton Paiva. e-mail: caioalv@hotmail.com, juniorbhbr@yahoo.com, ttabelini@ hotmail.com ** Professor do curso de Relações Internacionais da Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas Newton Paiva. e-mail: buere@pucminas.br 1
RUSTAD, Siri Aas. Power-sharing and Conflict in Nigeria. Centro de Estudos de Guerras Civis - Instituto de Pesquisa Sobre a Paz Internacional. Oslo. 2008. 39p. Disponível em: <http://www.prio.no/CSCW/Research-and-Publications/Project/? oid=65122> Acessado em: 09 mar. 2012.
Carlos Iavelberg é redator da UOL Noticia em São Paulo.
A Agência EFE é uma agência de notícias e informações multimídia, formada por uma rede mundial de jornalistas. Site oficial: <http://www.efe.com>
2
Mario Fernando de Mori é professor em Cachoeiro de Itapemirim, Espírito Santo e é autor do artigo Foco 49: Os Conflitos na Nigéria.
3
VELHO, Otávio. Globalização: antropologia e religião. Rio de janeiro. 1996. 22p. <http://alem-mar.org/noticias/EkylpVkppZywXPkVGr.html> Acessado em: 09 de abr. 2012. <http://arresala.org.br/not-vis.php?op=112&data+O&cod=683> Acessado em: 09 mar. 2012. <http://bbc.co.uk/news/world-africa-11429067> Acessado em: 05 de abr. 2012. http://diplomatique.org.br/acervo.php?id=1951&tipo=acervo 01 de abril de 2006 Acessado em: 05 de abr. 2012. <http://focosdetensoesinternacionais.blogspot.com.br/2008/09/fo-
344 | PÓS EM REVISTA
John Robertson é um Deputado Trabalhista Britânico e Presidente do All Party Parliamentary Group on the Niger Delta (Grupo Parlamentar de Todos os Partidos do Delta do Níger.)
4
Os autores citados em 4.2.1 a 4.2.4, JAWAD, PAYE-LAYLEH, CHANDA e FIHLANI são jornalistas redatores da BBC News, Reino Unido e co-autores do artigo publicitário How Nigeria has afftected the rest of Africa, de 30 de setembro de 2010.
5
A TEOCRACIA IRANIANA E SEUS REFLEXOS NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS utoria1: Jéssica Maria Maciel Martins, Jéssica Rúbia Gonçalves, Kelly Cristina Rodrigues dos Santos, Orientadora2: Simone Gelmini Araújo.
resumo:O referente artigo aborda os conflitos religiosos iranianos e seus reflexos no sistema internacional. Caracterizando o Estado teocrático em oposição ao Estado laico, a personalidade do líder Mahmoud Ahmadinejad e do Aiatolá Ali Khamenei, respectivamente, presidente e líder supremo religioso do Irã, responsáveis por todas as medidas empreendidas até então. A insegurança em relação à política iraniana é predominante na comunidade internacional, assim como a insatisfação em relação ao programa nuclear desenvolvido neste país, que alega ser para fins econômicos. As reais intenções do Irã não são claras perante os outros Estados, que ficam apreensivos em relação a sua política externa, muitas vezes considerada agressiva e perigosa. Palavras-chave: Irã. Programa Nuclear. Teocracia.
1INTRODUÇÃO
governo teocrático, um regime que não cabe questionamentos,
Segundo Marx a religião é o ópio do povo. É realmente ine-
já que as ordens são dadas por um representante direto de
gável que a religião é um instrumento de poder e que diversas
Deus na terra.
vezes já foi usada como meio de opressão e submissão; prova disso são as teocracias, governos baseados na religião. Parece
2 A RELIGIÃO E AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
quase impossível imaginar o sistema internacional sem influên-
O Estado é soberano, ou seja, é o único capaz de exercer o
cia da religião, porém, esse foi o principal propósito de um con-
uso legítimo da força. Os pensadores realistas acreditam que as
junto de tratados que pôs fim a Guerra dos Trinta Anos, a Paz
relações internacionais são necessariamente conflituosas e os
de Westfália (1648), que teve como objetivo criar um sistema de
conflitos são, em última análise, resolvidos por meio da guerra,
governo laico, ou seja, um governo no qual a religião não influen-
que a natureza humana é má, egoísta e que todos os Estados
ciasse nas decisões do Estado. Atualmente, o Irã é o exemplo
se movem em busca de poder. “A política é uma luta pelo po-
mais claro que se possa dar de um Estado teocrático (apesar
der sobre os homens e quais quer que sejam seus objetivos
de ter dois líderes, um político e um religioso); trata-se de uma
finais, o poder é seu objetivo imediato e as formas de adquiri-lo,
república islâmica que possui como religião oficial o xiismo duo-
mantê-lo e demonstra-lo determinam a técnica da ação” (MOR-
decimano, vertente da religião islâmica que tem uma interpre-
GENTHAU, 1965, p.195). As relações atuais entre os Estados se
tação rígida do alcorão, segundo eles o mundo islâmico deve
baseiam tão e somente na busca por seus interesses, definidos
ser controlado apenas pelos descendentes do profeta Maomé.
em termos de poder. Eles buscam mostrar poder, manter po-
Por este motivo tem sido alvo de várias polêmicas envolvendo a
der e aumentar o seu poder no cenário internacional. O realismo
comunidade internacional. O objetivo central desse artigo será a
também faz referência a uma das principais premissas do Esta-
análise das influências dos conflitos religiosos na política inter-
do, segundo Maquiavel (1513), o líder de Estado não deve agir
nacional iraniana, seus impactos; além de caracterizar a figura
de acordo com os princípios da ética cristã. Para ele, Estado e
do líder religioso como chefe de Estado. Serão analisados os
religião não devem se misturar, pois o governante corre o risco
conflitos político-religiosos; que segundo o embaixador Seixas
de fracassar e não alcançar os seus objetivos principais, a se-
Corrêa (2010, p. 2), “[...] a religião conduz a comprometimentos
gurança e a sobrevivência do Estado. Ao conduzir sua política
sociais e cria obrigações, chegando a confundir-se com ideolo-
baseado na ética religiosa, o Estado pode vir a ficar limitado e
gias e gerando conflitos, as religiões terão no século XXI um pa-
impossibilitado de tomar decisões na esfera política, já que tem
pel análogo no século XX.” A fé é um dos instrumentos políticos
como base valores e crenças religiosas, que nem todos adotam.
mais fortes e autoritários, uma vez que é incontestável. A partir
Apesar de serem contra a junção de religião e política, os rea-
da análise da política iraniana, será mais bem compreendido o
listas condenam qualquer tipo de interferência cultural, de um PÓS EM REVISTA l 345
Estado sobre o outro, atualmente denominado etnocentrismo,
no livro como um choque entre diferentes culturas e religiões.
que ocorre quando se impõe uma cultura sobre a outra. “Os
Á medida que o Ocidente tenta impor seus valores e
princípios morais não são universais, mas sim particulares. As
proteger seus interesses, as sociedades não ocidentais
aspirações morais de uma nação não se aplicam ao resto do
se defrontam com uma escolha. Algumas tentam emular
universo” (MORGENTHAU, 1930). O alvo é a política externa
o Ocidente e a ele se juntar ou “atrelar-se” a ele. Ou-
norte-americana, que Morgenthau critica, por lidar com o mundo
tras sociedades confucianas e islâmicas tentam expan-
baseado em seus próprios valores.
dir seu próprio poder econômico e militar para resistir e para “contrabalançar” o Ocidente. (HUNTINGTON,
2.1 O Poder da Religião
1997. p. 29).
Não é possível entender as relações políticas internacionais, sem compreender a religião, pois esta é uma peça fundamen-
2.1.1 As instituições
tal no sistema internacional. Para Prandi (1997) as principais
Diferente dos realistas, a corrente liberal acredita que a na-
transformações vividas pela religião na sociedade global, estão
tureza humana é boa e que através da criação de instituições é
ligadas ao crescimento da religiosidade em um mundo desen-
possível obter uma cooperação entre os Estados. Segundo Nye
cantado, onde as principais decisões não são tomadas na es-
(1977) “[...] as instituições proporcionam uma estrutura garanti-
fera da religião. Os governantes precisam levar em considera-
da de interações; essas interações ocorrerão não somente em
ção, ao praticar a política externa, a questão religiosa no mundo
questões de segurança, mas em todo conjunto de questões in-
de hoje, já que esta tem tido um crescimento e um destaque
ternacionais, entre elas direitos humanos, ambiente, imigração e
maior com a crescente transformação que a globalização trou-
economia.” As instituições servem para regular as ações dos Es-
xe. A separação westfaliana da religião e política internacional,
tados que aderem as suas normas. Essa é a controvérsia entre
produto idiossincrático da civilização ocidental, está chegando
realistas e liberais, se o Estado é um ator unitário nas relações in-
ao fim, e a religião como sugere Edward Mortimer “[...] tem a
ternacionais e só pode contar com ele mesmo, por que cooperar
probabilidade cada vez maior de se imiscuir nos assuntos in-
com os outros Estados no sistema internacional. Os liberais res-
ternacionais.” (HUNTINGTON, 1997, p.62). Na análise feita por
pondem a esta pergunta da seguinte forma: os Estados cooperam
Robertson, (1999) o crescimento do fundamentalismo religioso
no sistema internacional, porque tem mais a ganhar cooperando.
não é apenas uma reação à globalização, mas é parte constituinte da mesma. A globalização pode afetar a religiosidade de
3 A PAZ DE WESTFÁLIA E A CRIAÇÃO DO ESTADO LAICO
uma pessoa a partir dos seguintes pontos: o individuo pode se
O ano de 1648 foi um marco na história das Relações Inter-
desprender de suas crenças, optando por outra religião, ou ele
nacionais; nesse ano surgiram os Estados nacionais modernos,
pode reforçar sua identidade, se integrando a um grupo, que
tal qual se conhece hoje, soberanos e laicos. Os Estados nacio-
tenha as mesmas características que ele. A influência que a re-
nais modernos são frutos da paz de Westfália, uma primeira ten-
ligião trouxe nos dias atuais, tem sido mais importante do que
tativa para tentar estabelecer uma ordem internacional no mun-
a maioria das pessoas percebem. É possível interpretá-la como
do. No sistema westfaliano os Estados passavam a ser laicos,
uma fonte de representação de ideias, onde cada uma delas
ou seja, com liberdade religiosa. Depois de Westfália política e
acredita, em uma verdade absoluta e incontestável. Tornando
religião eram tratadas em esferas distintas e uma não deveria
a resolução das controvérsias menos inviáveis, e logo, conside-
influenciar a outra.
rando outras crenças como ameaçadoras. A política mundial está sendo reconfigurada seguindo
4 ATEOCRACIA IRANIANA
linhas culturais e civilizacionais. Nesse mundo, os confli-
Um governo de Deus, esse é o significado literal da palavra
tos mais abrangentes, importantes e perigosos, não se
teocracia, o líder político que é também líder religioso, realiza
darão entre classes sociais, ricos e pobres, ou entre ou-
um governo por meio de dogmas e não de leis constitucionais.
tros grupos definidos em termos econômicos, mas sim
Diferente dos Estados laicos, nas teocracias religião e política se
entre povos pertencentes a diferentes entidades cultu-
misturam. O Irã é uma república islâmica, que tem como religião
rais. (HUNTINGTON, 1997, p. 21).
oficial o xiismo duodecimano, um ramo do xiismo que acredita na vinda dos 12 Imãs, espécies de líderes ou governantes un-
Huntington em seu livro Choque de Civilizações ,aborda um
gidos, e escolhidos por Alá, exemplos de como governar uma
dos principais problemas envolvendo a ordem mundial. Tratado
nação em todos os sentidos. Com um regime político híbrido,
346 | PÓS EM REVISTA
mas predominantemente teocrático. O sistema de governo é
em um de seus discursos, a existência de um “Eixo do Mal”, no
composto pelos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, sob
qual incluiu a Coréia do Norte, o Irã e o Iraque, países suspeitos
o controle do líder supremo. Desde 1989 o líder supremo do Irã,
de colaborar com o terrorismo e considerados uma ameaça aos
é o aiatolá Ali Khamenei, ele possui mandato ilimitado e fiscaliza
EUA e a comunidade internacional.
os três poderes, além de comandar as forças armadas. O Aiatolá Khamenei tem o poder de resolver qualquer problema que
6. O PROGRAMA NUCLEAR IRANIANO
atinja sua nação.
O atual presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad, é totalmente antiocidental, característica marcante de sua política ex-
4.1 Dinastia Pahlevi: Antecedentes De Uma Revolução.
terna. Uma das primeiras medidas que o presidente implemen-
Em 1953 foi estabelecida no Irã dinastia Pahlevi, com apoio
tou após ser reeleito em 2009, foi dar continuidade ao programa
dos Estados Unidos e da Inglaterra. Porém esta dinastia não
nuclear do Irã, que segundo ele, tem fins pacíficos e econômi-
era apoiada pela população, devido a sua corrupção política e
cos. Esse programa é baseado no enriquecimento de Urânio,
práticas brutais que causavam inúmeros protestos domésticos e
o que pode leva-lo a produzir uma bomba atômica, e é esta a
outros por parte da comunidade internacional, gerando uma for-
preocupação da comunidade internacional que tem como obje-
te oposição ao Xá Reza Pahlevi. O aiatolá Khomeini era um líder
tivo, interrompe-lo por tempo indeterminado. A Agência Interna-
da oposição que discordava do regime do Xá. Depois de sua
cional de Energia Atômica –AIEA tem a função de inspecionar a
prisão e exílio em 1964, os protestos dos religiosos aumentaram
porcentagem de urânio enriquecido nos países signatários do
e então o Xá Pahlevi decidiu reagir violentamente, assassinan-
Tratado de Não Proliferação Nuclear -TNPN. O fato de o Irã não
do vários manifestantes. Entre 1963 e 1967 a economia iraniana
detalhar perante a AIEA as suas atividades de enriquecimento
cresceu consideravelmente, porem os pobres continuavam po-
de urânio, causou preocupação a comunidade internacional,
bres. Com uma oposição de líderes religiosos e de pequenos
já que em 2008 Ahmadinejad afirmou que Israel e a potencia
empresários, cada vez maior, o regime do Xá Pahlevi decidiu,
satânica norte-americana vão desaparecer em breve, por esse
em 1975, empreender um novo esforço para tentar controlar a
motivo vem sofrendo sanções aplicadas pelo conselho de segu-
sociedade iraniana. O surgimento de uma revolução foi pratica-
rança da ONU.
mente inevitável, o governo era deficiente de várias formas; não
O Irã mistura nacionalismo religioso, política de oportunis-
tinha os avanços tecnológicos de um governo moderno, e havia
mo, antiamericanismo e antissionismo. O presidente iraniano
a ausência da estabilidade de um governo consolidado.
declarou no plenário da ONU em 22 de Setembro de 2011, que eles (potencias ocidentais), não estão preocupados com a bom-
5. A REVOLUÇÃO ISLÂMICA
ba, o que querem é impedir o desenvolvimento do Irã. O líder su-
Em janeiro de 1979, o Xá Reza Pahlevi deixou o Irã. Em fe-
premo Aiatolá Khamenei anunciou o fim dos tempos através dos
vereiro do mesmo ano Khomeini voltou do exílio. As forças go-
órgãos estatais de mídia do Irã, fato reforçado pelo presidente
vernistas tentaram resistir, mas em 11 de fevereiro, a Revolução
Ahmadinejad , que afirma ser dirigido por Alá para preparar o
triunfou. Em abril, após um referendo, foi estabelecida a Repúbli-
caminho para a chegada do glorioso Imã Mahdi (entidade islâ-
ca Islâmica do Irã; em setembro, foi aprovada a nova constitui-
mica), no entanto, segundo a profecia(baseado na teologia mu-
ção, com um governo sob controle indireto de um líder supremo,
çulmana xiita) para a vinda do 12° Imã, trazendo a paz ao mundo
o aiatolá Khomeini. No mesmo ano Khomeini tornou-se o líder
é necessário que seja primeiro instaurado o completo caos.
supremo que iria controlar o Irã de 1979 a 1989, esse período foi marcado pela consolidação da Revolução Islâmica e da Re-
CONCLUSÃO
pública Islâmica. Uma de suas primeiras medidas foi a extinção
Até onde foi pesquisado é possível concluir que as medidas
do cargo de primeiro ministro, na época ocupado por Hussein
adotadas pelo Irã, buscam legitimar o poder do Estado usando a
Mussavi. Em 1995, os EUA impuseram um embargo econômico
retórica religiosa. Foi visto que baseado nos conceitos do realismo,
total ao Irã, alegando que o país financiava o terrorismo, busca-
de que a relação entre os Estados são sempre conflituosas e que
va obter armas nucleares e colocava em risco as negociações
não há um poder central no mundo capaz de ditar as regras, o
de paz no Oriente Médio. Em Setembro, de 2003, quando os
Irã tenta se tornar um Estado forte, a fim de competir no cenário
EUA foram alvo de um ataque terrorista, organizado pelo grupo
internacional com os demais atores. Ao longo de todos esses
terrorista Al Qaeda, a relação entre os dois países pioraram. Em
anos o Irã sofreu com a interferência das potencias ocidentais,
2002, o presidente norte-americano George W. Bush, afirmou
principalmente os EUA, que do ponto de vista de Ahmadinejad é PÓS EM REVISTA l 347
um inimigo a ser eliminado. Por está razão a construção de uma bomba nuclear se justificaria se levado em conta que os Estados se movem em busca de poder. Porem, ao usar a religião para tratar de assuntos políticos, fato condenado totalmente pela teoria realista, o presidente iraniano gera um clima de desconfiança e medo na comunidade internacional. Apesar de o sistema internacional ser uma arena pluralista de poder; os liberais acreditam que, para manter a ordem os Estados cooperam entre si. Para estes fins foram criadas as instituições, os Estados que se submetem à suas regras, assumem o compromisso de cumpri-las. O Irã desafia instituições como a ONU e a AIEA, das quais é signatário de acordos, não fazendo valer a sua palavra em relação a estas. Convém lembrar a força que tais instituições têm no sistema internacional, chegando ao ponto de aplicar punições aos estados que descumprem os acordos, enfatizando as premissas da corrente liberal. O que não chega a ser um obstáculo, de fato, para a interrupção do programa nuclear iraniano. Ao usar a religião, atualmente, o principal motivo de conflito entre os povos, o Irã desafia normas primordiais das relações internacionais, que mediante a existência de conflitos religiosos não se aplicam, já que há um poder divino que interfere no modo em como os governantes vão agir. É preciso levar em consideração a força que a religião tem nos Estados teocráticos, já que essa é capaz de mobilizar indivíduos em prol de uma causa que realmente acreditam. REFERENCIAS CAMARGOS,Maria;CARRANCA,Adriana.O Irã sob o chador. São Paulo:Globo, 2010.238p. CORRÊA, Luiz Felipe de Seixas. O Fator Religioso nos Conflitos Internacionais. Disponível em : http://www.cebri.com.br/midia/documentos/resumo_debate_19-041.pdf Acesso em 04 mar. 2012 HUNTINGTON, Samuel. Choque de Civilizações e a recomposição da ordem mundial. Rio de Janeiro :Objetiva,1997;p. 1- 90. KEOHANE, R. O. ; NYE, J. Power and interdependence: World Politics in transition. Boston: Little, Brown na Company, 1977. MORGENTHAU, Hans. A política entre as nações: a luta pelo poder e pela paz. São Paulo: Imprensa, 1965; p. 195.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Alunas do curso de Relações Internacionais do Centro universitário Newton Paiva. E-mail: jessicarubia2011@hotmail.com 2 Professora orientadora do curso Relações Internacionais do Centro Universitário Newton Paiva. E-mail: gelmini.prof@newtonpaiva.br
348 | PÓS EM REVISTA
ADMINISTRAÇÃO DE DADOS: uma atividade imprescindível no processo de gestão de dados nas organizações IREMAR NUNES DE LIMA 1 GEANNINE ELAUDIENE HERONVILLE ALVES 2
RESUMO: Este artigo analisa a importância da área de administração de dados nas corporações, através da descrição de suas principais atividades, da diferenciação entre suas atividades e as atividades dos administradores de banco de dados. É apresentado também, um caso que exemplifica a atuação do administrador de dados. Palavras-chave: Banco de Dados, Administração de Dados
1. INTRODUÇÃO
Neste cenário, este artigo tem o objetivo de mostrar a ne-
Atualmente verifica-se que o avanço tecnológico possibilitou
cessidade de se ter, nas organizações, uma área de administra-
às instituições gerar e armazenar grandes volumes de dados.
ção de dados com processos, tarefas e padrões bem definidos.
Porém, a análise destes dados e a extração de informações relevantes e estratégicas, a partir deles, não é algo tão freqüente. Neste contexto, as instituições investem em novas tecnologias, ferramentas e infra-estrutura para realizar o tratamento destes dados. Porém, muitas vezes, deixa-se de investir na base de todo este processo que é a qualidade dos dados captados e/ou mantidos nos sistemas corporativos e que serão utilizados numa etapa posterior de análise e tratamento. Carlos Barbieri (2011), em suas reflexões para escrever o livro BI2- Business Inteligence -Modelagem e Qualidade, ponderou “... o porquê da qualidade de dados não ter ainda alcançado um patamar de importância corporativa semelhante à qualidade dos processos”. O problema nasce, muitas vezes, no fato de as instituições não possuírem, no processo de desenvolvimento e manutenção de software, etapas e tarefas formais e bem definidas sobre administração de dados e, principalmente, não possuírem uma equipe dedicada, responsável pela definição, atualização e execução destas etapas e tarefas dentro da instituição. A consequência disto é o risco de se ter um arsenal de infra-estrutura e ferramentas para armazenar, processar e tratar os dados, porém estes dados não terem a qualidade necessária. E, esta falta de qualidade, no momento de sua utilização, por exemplo, na etapa de tratamento, implica, muitas vezes, em um esforço enorme de correção, reprocessamento e de um grande retrabalho na manutenção de sistemas corporativos. Isto representa um enorme custo para a instituição. Porém este custo não é óbvio e por conseqüência, não é contabilizado de uma forma específica, uma vez que as citadas ações de correção, etc. são dissolvidas na rotina de trabalho.
2. AS ATRIBUIÇÕES DE UM ADMINISTRADOR DE DADOS Muitas instituições não possuem uma equipe de administração de dados (ADs) por não conhecer suas atribuições e por , muitas vezes, confundi-las com as da equipe de administradores de banco de dados (DBAs) e com as da equipe de analistas e desenvolvedores de sistemas. Em conseqüência disto, muitas tarefas importantes deixam de ser executas ou são executadas sem o cuidado necessário. Vamos, a princípio, diferenciar a tarefas dos ADs das tarefas dos DBAs : os DBAs são responsáveis pelo bom funcionamento do(s) software(s) de banco de dados adotado(s) pela instituição. A grosso modo, eles são responsáveis por manter o banco disponível, atualizado, bem configurado, seguro, sem erros e com o melhor tempo de resposta possível para o ambiente em questão. Já os ADs são responsáveis pelo banco de dados no seu aspecto lógico. Também, a grosso modo, eles são responsáveis por zelar para que os dados estejam estruturados no banco de dados da melhor maneira possível, considerando o ambiente em questão, e com a qualidade necessária. Por exemplo, não se perguntaria, para um AD, qual é a memória alocada para uma determinada instância do banco de dados ou não se cobraria do AD o fato de o banco de dados estar fora do ar. Por outro lado, não se perguntaria, para um DBA, como determinado dado está estruturado dentro do banco de dados ou em que esquema se encontra determinado dado. Porém, há muita interseção no trabalho destes dois profissionais, tanto na rotina diária quanto na definição da melhor maneira PÓS EM REVISTA l 349
de trabalhar. A forma como o banco é configurado e os padrões colocados pela equipe de DBAs para funcionamento do banco irá interferir no trabalho dos ADs. Por exemplo, no caso do Oracle, se for posto com padrão, pelos DBAs, que apenas haja Data Base Link em casos excepcionais, isto irá interferir no trabalho dos ADs.
e executar as ações necessárias para garantir o cumprimento desta política; controlar usuários e privilégios de usuários; etc. 10. Suporte à equipe de ADs na manutenção das estruturas de dados; 11. Suporte à equipe de desenvolvedores para melhoria da performance das aplicações;
Por outro lado, pode ser que a forma com que os ADs estrutura-
12. Estabelecimento, atualização, formalização e comunica-
rem os dados, em uma certa situação, interfira na performance
ção de todos os padrões e regras necessários para o bom fun-
do banco. Então, embora com atribuições distintas, os DBAs e
cionamento do banco, principalmente aqueles que precisem ser
ADs devem sempre alinhar suas atividades e colocar, um para o
seguidos/conhecidos pelas outras equipes que fazem interface
outro, os seus padrões para que o resultado final seja uma boa
com a equipe de DBAs.
utilização do banco de dados, em todos os seus aspectos, uma vez que é isto que importa para o usuário final. De uma forma resumida, as principais atribuições dos DBAs são:
De uma forma geral as atribuições do Administrador de Dados são : 1) Conhecer e documentar os dados e objetos Buscar o conhecimento dos dados armazenados na institui-
1. Suporte na especificação e dimensionamento do equipamento destinado à instalação do servidor do banco de dados;
ção, documentar e divulgar este conhecimento é a principal atribuição dos administradores de dados. Mesmo porque, é preciso
2. Criação e administração do ambiente de banco de dados
conhecer aquilo que será administrado. Em última instância, isto
– isto implica instalação da ferramenta, configuração da ferra-
significa promover o conhecimento do contexto do negócio da
menta, realização de atualizações, aplicação de service packs,
instituição. Se alguém, na instituição, tiver dúvidas sobre a exis-
abertura de chamados junto ao suporte, etc. Em resumo, garan-
tência de um determinado dado nas bases de dados, ele deve
tia de que o banco esteja instalado, atualizado e configurado da
questionar aos administradores de dados. Porém, conhecer não
melhor maneira possível;
significa ter a resposta imediata – significa ter a responsabilida-
3. Estabelecimento e atualização de critérios e padrões para
de de produzir e promover acesso a este conhecimento. Então,
instalação do programa cliente e suporte à equipe responsável
pode ser que o AD não saiba sobre a existência do dado, mas
por esta instalação;
ele deve pesquisar e fornecer a resposta.
4. Avaliação da necessidade de upgrade da aplicação; 5. Planejamento, junto a outras equipes, das paradas necessárias do banco para manutenções corretivas e preventivas;
Para a geração e manutenção deste conhecimento – conhecimento dos dados da instituição, os administradores têm, como tarefa contínua, a documentação das bases de dados.
6. Monitoramento do banco de dados: monitoramento e to-
A documentação dos dados é uma tarefa essencial da ad-
mada de providências, a partir deste monitoramento, que garan-
ministração de dados, uma vez que dá suporte a várias outras
tam um bom desempenho do banco e um bom aproveitamento
tarefas. Entende-se, de uma forma resumida, por documentar
do(s) hardware(s) envolvido(s), tais como reorganização de ta-
os dados:
belas, novas configurações para atendimento a novas necessi-
l
Definir um padrão para se agrupar os objetos de uma
dades, etc. Os monitoramentos são vários: monitoramento do
aplicação ou módulo: por exemplo, o fato de se agrupar os ob-
espaço em disco, de desempenho, de uso de CPU, de memória
jetos de uma mesma aplicação ou módulo em um esquema
alocada, etc.
específico, no caso do Oracle, ou em um database específico,
7. Garantia da segurança de dados: rotinas de backup e restore do banco;
no caso do SQL Server , é uma maneira simples de dizer qual aplicação/módulo é responsável pelo objeto e/ou mantém o ob-
8. Garantia da disponibilidade do banco: implantação de
jeto. Isto parece óbvio, mas já presenciei situações em que os
mecanismos para garantir a disponibilidade do banco de acor-
objetos de vários módulos foram criados dentro de um mesmo
do com as necessidades das aplicações, como, por exemplo,
esquema Oracle e o resultado foi um esquema com um grande
instalação de um servidor “standby” que garanta a disponibili-
número de tabelas, sem documentação, para as quais não se
dade do banco em caso de problemas com o servidor principal,
sabia, na grande maioria, qual era a aplicação/módulo respon-
para atendimento de aplicações de alta disponibilidade;
sável;
9. Garantia da segurança de acesso: estabelecer, junto a
l Definir, manter e divulgar um padrão para nomenclatura
outras equipes, a política de acesso aos vários bancos de dados
dos objetos da base de dados: esta, também, é uma tarefa sim-
350 | PÓS EM REVISTA
ples e importante, uma vez que um nome de objeto, que siga um bom padrão, já fala muito sobre o objeto. Para citar como exem-
Ainda, segundo Modelagem de dados (2000, p.10), “A ad-
plo, vivenciei um problema, no banco Oracle, que era descobrir
ministração de dados participa apoiando os desenvolvedores
qual sequence gerava o ID (identificador) de uma determinada
de sistemas em tarefas de modelagem de dados e na elabora-
tabela, pois não havia nada no nome da sequence que a vincu-
ção da documentação, além de definir a segurança e a integri-
lasse ao nome da tabela, nem ao menos havia documentação.
dade dos mesmos”.
Criamos, então, um padrão para o nome da sequence que era
A etapa de modelagem de dados é particularmente impor-
SQ<nome da tabela>. É uma medida simples, porém absolu-
tante, pois é nesta que se define a estrutura – cada tabela neces-
tamente eficaz;
sária, cada atributo, tipo dos atributos, tamanho dos atributos,
l
Dizer o que cada tabela contém;
relacionamento entre as tabelas, etc., que os dados serão arma-
l
Dizer como cada tabela é mantida ou carregada - qual
zenados. Isto significa que toda a aplicação será desenvolvida
a aplicação, módulo ou processo é responsável por sua manu-
com base nesta estrutura.
tenção/ origem; ou, no caso de carga batch, dizer qual a origem
Há todo um conhecimento sobre modelagem de dados
dos dados, qual o processo responsável pela carga e qual a
que precisa ser dominado pelos profissionais envolvidos nesta
periodicidade desta carga.
etapa. Muitas vezes, por exemplo, a tarefa de modelagem dos
l
Dizer qual a taxa de crescimento da tabela, com base
em um intervalo de tempo;
dados fica confiada aos analistas ou desenvolvedores de sistemas. Realmente, muitos destes profissionais, na sua formação,
l
Dizer o que cada atributo contém;
passaram por disciplinas de modelagem de dados. Porém, sua
l
Elaborar, atualizar e publicar os modelos das bases de
experiência maior está no desenvolvimento, suas técnicas e seu
dados; l
foco está na entrega da solução. Então, muitas vezes, a tarefa Dizer o que faz cada procedimento/função armazena-
dos nas bases de dados.
de definir e estruturar os dados, da melhor forma possível, dentro do ambiente em questão, não se torna tão prioritário.
Cabe à administração de dados definir um processo que
Daí a necessidade de se ter uma equipe responsável por
garanta a documentação dos objetos à medida que sejam cria-
validar esta modelagem e estabelecer, atualizar, e formalizar pa-
dos/mantidos. Ainda assim, em muitas instituições, há bases de
drões e regras que garantam uma boa modelagem de dados
dados, de aplicações antigas, sem documentação. Neste caso,
para o ambiente em questão.
os ADs devem recorrer aos analistas que mantém estas aplicações para que estes revelem, às vezes através do próprio códi-
Abaixo segue uma sugestão de processo a ser seguido na etapa de modelagem de dados:
go, o significado dos dados existentes. Isto dependerá de mui-
1. Primeiramente, a equipe de negócio (requisitos) deve
tas iniciativas do AD, pois normalmente são aplicações grandes,
apresentar, à equipe de AD, o diagrama de contexto da aplica-
de disponibilidade de tempo e de boa vontade dos analistas das
ção. Neste momento, os ADs irão ter conhecimento dos dados
aplicações.
necessários e irão revelar os dados já existentes nas bases de dados da instituição, que serão utilizados pela aplicação em
2) Projetar as bases de dados
questão (esta integração com os dados da instituição é uma
Independentemente do processo de desenvolvimento de
outra atividade da Administração de Dados que será detalhada
software adotado pela instituição, caso o software envolva ge-
adiante).
ração ou manutenção de dados, haverá sempre uma etapa que
2. Num segundo momento, a equipe de negócio irá apre-
consiste na definição destes dados. Esta definição dos dados
sentar aos ADs o diagrama de dados. Este será validado, com
compreende várias tarefas e é apenas o início do ciclo de vida
base nas formas normais e nos padrões da instituição, para se
do dado que irá ser inserido no banco de dados da instituição.
chegar a um modelo teoricamente correto, sem redundâncias.
De acordo com Modelagem de Dados (2000, p.10):
3. A partir do modelo do passo anterior, deverá ser feita uma
Devemos observar, então, que os dados precisam ser:
análise da aplicação: analisar o volume de dados das tabelas;
modelados (identificados na sua composição e na sua
os tipos de acesso que serão feitos aos dados; o tempo de res-
semântica), resguardados (na integridade, segurança
posta necessário para os acessos, etc. A partir destas análises,
e documentação) e disponibilizados (para o acesso,
várias avaliações podem ser feitas: necessidade de particiona-
atualização e simulação).
mento de tabelas; necessidade de criação de índices; necesPÓS EM REVISTA l 351
sidade de alguma alteração no modelo de modo a garantir o
para se pesquisar os dados, de modo a promover a integração.
melhor acesso ao dado, etc. Pode ser que, em alguns casos,
Na maioria dos casos, a integração é ignorada e a aplicação
haja necessidade de algum tipo de redundância de dados para,
nasce como autônoma, com a persistência de todos os dados
por exemplo, melhoria de performance; pode ser que, em al-
de que necessita, o que , muitas vezes, acarreta redundância
guns casos, seja necessário trazer dados de uma outra base e
desnecessária e/ou sem nenhum controle. Já testemunhei si-
redundar estes dados na base em questão; etc. No caso de re-
tuações onde os desenvolvedores achavam que não deveriam
dundâncias, o importante é que essas sejam feitas com controle
“mexer” com os dados de determinados sistemas, mesmo sa-
para que não resultem em divergências nos valores dos dados.
bendo que a base de dados destes sistemas continham e man-
4. A partir do modelo final, devem-se verificar as adaptações
tinham informações básicas da instituição, necessárias para a
necessárias no código – por exemplo, no caso de particiona-
aplicação a ser desenvolvida.
mentos, dependendo do tipo adotado, deve-se fazer referência, nas sentenças SQL, ao atributo considerado para particionar. 5. Quando o modelo estiver na versão final, a equipe de negócio deverá entregar, à equipe de ADs, toda documentação exigida.
4) Criar as bases das aplicações nos bancos de desenvolvimento Quando se chega à versão final do modelo de dados, parte-se para a criação dos objetos e preparação do banco de dados de desenvolvimento, para que os desenvolvedores possam ini-
3) Integrar os dados Além da teoria e das boas práticas, há outra tarefa que permeia a projeto das bases de dados que é o conhecimento dos dados já existentes na instituição. Os dados corporativos e/ou os dados de outros sistemas podem ser necessários para a modelagem do sistema em questão. Então, é essencial que o profissional de dados, envolvido na modelagem, conheça os dados da instituição, ou tenha a responsabilidade de pesquisá-los para dar suporte à modelagem , para que haja integração entre os sistemas e para que não ocorra problemas clássicos como, por exemplo, redundância desnecessária de dados, praticada sem nenhum controle. O conhecimento dos dados corporativos é uma tarefa que exige, dos profissionais de dados, constante pesquisa e documentação. Serra (2002, p.135), na sua abordagem sobre arquitetura de dados, define da seguinte maneira o papel do arquiteto de dados, que seria o profissional que lida com o dado : Ele se ocupa de trabalhar os dados como um recurso estratégico da organização, representando-os independentemente dos processos das diferentes unidades que
ciar a codificação da aplicação. Neste momento, os ADs irão executar várias atividades: l
Colocar os nomes de objetos na nomenclatura padrão;
l
Criar o esquema, as roles (caso o banco de dados e a
organização trabalhe com roles) e as tablespaces; Criar os objetos: tabelas, sequences, triggers, cons-
l
traints, índices, views, funções, procedures, etc.; l
Inserir, no banco de dados, caso este permita, ou em
qualquer outro repositório, a documentação dos objetos; l Conceder grant dos objetos para as roles, caso o banco de dados e a organização opere com roles; Verificar quais usuários irão participar do desenvolvi-
l
mento e criá-los no banco de dados de desenvolvimento; l Conceder grant dos objetos e/ou roles para os usuários ; l
Criar sinônimos públicos e/ou privados;
l
Fazer o modelo da base de dados e publicar este mo-
delo. Para esta tarefa, o ideal é utilizar uma ferramenta case, integrada com o banco de dados, que tenha o recurso de engenharia direta e reversa, para que fique fácil a atualização dos modelos.
os utilizam, respeitando as múltiplas visões derivadas do mesmo dado, permitindo seu compartilhamento, considerando as características dos níveis de informação
necessários: operacional – tático – estratégico e disponibilizando estruturas de dados de forma organizada; propiciando com isso a construção da base para sistemas de informação flexíveis e integrados. Esta é uma tarefa delicada de se deixar a cargo de desenvolvedores e analistas: muitas vezes não há documentação dos dados das aplicações existentes e não há tempo no cronograma 352 | PÓS EM REVISTA
5) Executar, nos bancos de desenvolvimento / homologação, as instruções DDL Fica a cargo de a organização definir quem poderá executar instruções DDL nos bancos de dados. Pode haver vários cenários : l
Apenas os ADs e DBAs poderem executar instruções
DDL nas bases de dados. Pode haver, também, um cenário mais restrito: no banco de produção e pré-produção, apenas os DBAs executarem estas instruções. Já, nos bancos de desen-
volvimento e homologação, os ADs executariam;
de muitos usuários.
Pode-se dar uma proteção maior apenas para os ban-
Para que esta “equivalência” seja feita, é desenvolvido um
cos de produção, pré-produção e homologação: nestes bancos
trabalho conjunto entre DBAs, ADs, analistas e desenvolvedo-
as instruções de DDL seriam executadas apenas por DBAs e/
res, que engloba as seguintes tarefas:
l
ou ADs . Já, no banco de desenvolvimento, estas instruções poderiam ser executadas pelos desenvolvedores.
l
Levantar as diferenças de estrutura entre os objetos do
banco de produção e do outro banco envolvido.
Qualquer um dos cenários traz vantagens e desvantagens.
- Pelo fato de os bancos de desenvolvimento, homo-
Concentrar as instruções DDL nas mãos dos DBAs e ADs
logação e pré-produção possuírem novos objetos, ou
tem a desvantagem de tornar mais moroso o processo de de-
objetos alterados, que ainda não constam em produção,
senvolvimento/homologação, uma vez que gera a necessidade
não se pode, simplesmente, “sobrepor” o outro banco
de os desenvolvedores e analistas criarem uma solicitação de
com o de produção. Caso as operações de DDL sejam
alteração para os ADs ou DBAs e esperar a solicitação ser aten-
executadas apenas por DBAs e/ou ADs e caso haja uma
dida. Mas, por outro lado, esta opção tem como grande vanta-
boa ferramenta para registro e controle destas deman-
gem a garantia do cumprimento das etapas e atividades defini-
das, é possível que todas as alterações feitas após a
das para o processo de administração dos dados, o que resulta
última cópia de produção estejam armazenadas separa-
num banco de dados mais bem estruturado e documentado.
damente para serem replicadas na nova cópia.
Desta forma, muitos problemas são evitados antes da codifica-
- Caso as operações de DDL sejam efetuadas pelos de-
ção da solução iniciar.
senvolvedores ou sejam efetuadas apenas por ADs e/ou
Quando se libera as instruções DDL para os desenvolvedo-
DBAs, porém não se tenha uma boa organização das
res, as regras e atividades da administração de dados devem
solicitações atendidas, deve-se fazer um levantamen-
ser claras e públicas, e os próprios desenvolvedores deverão
to das diferenças entre o banco de produção e o ou-
conhecê-las e segui-las. A ação dos ADs deixa de ser preventi-
tro banco em questão . Há ferramentas que fazem este
va para ser corretiva. A vantagem desta opção é um processo
levantamento, gerando as diferenças como instruções
de desenvolvimento um pouco menos moroso. Porém, em mi-
DDL e DML.
nha opinião, as desvantagens desta opção são muitas: primei-
l Verificar, junto aos analistas e desenvolvedores, as dife-
ramente, dependendo da estrutura da organização, tem-se um
renças que devem ser reaplicadas : esta é uma etapa de limpe-
número grande de desenvolvedores, em alguns casos localiza-
za, para eliminar objetos desnecessários do banco em questão;
dos em fábricas de software, e a rotatividade destes também é grande. Todos estes fatores aumentam a possibilidade destes desenvolvedores não conhecerem as regras para os dados e/ ou, apesar de conhecerem, não dar a elas a devida importância.
l
Copiar o banco de produção em uma nova área de
modo a criar um novo banco; l
Rodar rotinas para alterar os dados do novo banco, de
modo a garantir o sigilo dos dados de produção;
Além disso, há a questão “tempo”: após a aplicação ser desen-
l
Aplicar as diferenças levantadas no passo acima.
volvida sobre uma estrutura de dados inadequada, dificilmente
l
Disponibilizar o novo banco para uso.
haverá cronograma para que ela seja alterada para atender a
Obs: o banco de dados substituído é mantido, por algum
uma outra estrutura. Então, não se consegue fazer uma correção
tempo, como segurança, caso alguma estrutura e dado neces-
completa. Quando muito, faz-se alguns reparos, nem sempre de
sários não tenham sido levados. Porém, este banco não fica
uma maneira adequada.
acessível aos usuários. Apenas aos DBAs e ADs.
6) Executar, juntamente com os DBAs, réplica de dados do banco de produção para os bancos de homologação/desenvolvimento
7) Levar as bases das aplicações para os bancos de homologação, pré-produção e produção
Periodicamente, é necessário fazer com que os bancos de
À medida que os módulos ou aplicações vão passando pe-
desenvolvimento, homologação e pré-produção fiquem com
las etapas de desenvolvimento, homologação, pré-produção e
dados semelhantes ao banco de produção, para que os testes
produção, a estrutura da base de dados destas aplicações tem
sejam feitos em cima de dados mais reais, com volumes reais, e
que caminhar para os respectivos bancos. A primeira migração
para que sejam corrigidos dados inconsistentes destes bancos,
ocorre do banco de desenvolvimento para o banco de homolo-
principalmente o de desenvolvimento, que sofre operações DML
gação, onde a aplicação passará por testes e, posteriormente, PÓS EM REVISTA l 353
será validada pelo usuário. Esta migração significa, em nível de
lista responsável pela aplicação a revelação do significado
banco de dados, passar para o banco de homologação tudo –
dos valores. Muitas vezes se descobre lacunas na aplicação
estrutura e dados, que o novo módulo ou iteração ou aplicação
e outras vezes se descobre que esta passou a persistir no-
necessita. Isto significa que os ADs, juntamente com analistas e
vos valores para o atributo, porém não houve atualização da
desenvolvedores, terão que mapear esta estrutura e dados para
documentação. O resultado, normalmente, além de correções
esta migração. Uma boa prática é os ADs desenvolverem um
na aplicação e documentação dos dados, é a criação de che-
template para direcionar este mapeamento. A princípio, a tarefa
ck constraints que apenas aceitam um conjunto definido de
parece simples. Porém, o novo módulo, além de seus objetos
valores para o atributo. Isto evita o surgimento de novos valo-
próprios (que podem estar separados em um esquema), pode
res que não estejam previstos no banco. A criação de check
provocar alterações em objetos de outros módulos ou inserir
constraints pode se tornar um padrão estabelecido pela área
dados em objetos de outros módulos. Além disso, muitas apli-
de dados, quando não há uma tabela auxiliar que contenha a
cações utilizam frameworks , cujos dados também devem ser
descrição dos valores.
levados para novo banco. Tudo isto traz mais complexidade a
Na verdade, o objetivo da inspeção é zelar pela qualida-
esta tarefa de migração. Então, este template, a ser preenchido
de dos dados, e é um trabalho contínuo da administração de
por ADs, analistas e desenvolvedores, é útil para organizar esta
dados. É esta qualidade que traz segurança aos utilizadores
tarefa além de, uma vez efetuado e atualizado nesta fase de ho-
do dado. Há ferramentas de qualidade de dados que auxiliam
mologação, ficar pronto para as migrações para a pré-produção
neste trabalho.
e para produção. 3. ESTUDO DE CASO 8) Inspecionar os dados
Será descrito, aqui, um caso real de redundância descon-
Esta tarefa requer do administrador de dados um espírito
trolada de dados. O cenário é a TI de uma empresa que havia
investigativo. Os ADs, em suas várias pesquisas na base de da-
desenvolvido e mantinha um grande sistema corporativo, origi-
dos para documentá-lo, ou para verificar se dados necessários
nalmente construído na linguagem Natural e banco de dados
para uma dada aplicação já existem na base de dados, ou para
DB2 e posteriormente migrado para o banco Oracle. Iremos cha-
verificar algum erro detectado , ou por qualquer outro motivo,
mar este primeiro sistema de S1.
podem se deparar com dados incorretos ou indefinidos.
Num dado momento, foi contratada uma empresa para
Quando os dados estão incorretos, o AD tentará descobrir
migrar parte deste S1 para a plataforma Web, com linguagem
a origem do problema e, juntamente com os analistas que man-
Java, para disponibilização de vários serviços na Internet. Cha-
tém as aplicações envolvidas, mapear a solução a ser adotada.
maremos este novo sistema de S2. Como apenas parte do S1
Esta solução pode envolver apenas uma correção de da-
seria migrada, os dois sistemas teriam que funcionar, e, em
dos, sem afetar a aplicação em si. Neste caso, os analistas
muitos casos, teriam que se comunicar, isto é: alguns dados
construiriam o script para correção, este seria revisado pelos
inseridos e mantidos no S1 seriam tratados pelo S2 e vice-versa.
ADs e, posteriormente, seria executado nos diversos bancos.
Como não havia, na empresa, área de Administração de Dados,
Em outros casos, a solução envolve correções na própria aplicação, para que a persistência dos dados seja feita corre-
a empresa contratada era responsável por desenhar e criar todas as bases de dados.
tamente, além da correção dos dados já persistidos com erro.
Uma determinada tabela auxiliar do S1, que chamaremos
Nestes casos, a área de Administração de Dados passa a ser
de TAB-S1, seria necessária também no S2. Entenda por auxiliar
demandante da área de soluções.
a tabela que contém dados importantes, cujos atributos chaves
E o que seriam os dados indefinidos ? No dicionário, indefinido significa que não se pode explicar, incerto, vago,
compõem os registros das tabelas com que a tabela auxiliar se relaciona.
indeciso, indistinto. Tudo que um dado não pode ser. Segue
Havia as seguintes necessidades:
um exemplo prático: muitas vezes nos deparamos com atri-
l
butos flags, cuja documentação indica os possíveis valores,
Nem todos os atributos da TAB-S1 eram necessários
para S2;
porém a base de dados apresenta outros valores persistidos,
l
que diferem da documentação. Então, a princípio, não se
para o S2;
sabe o que o valor significa. Os ADs, então, solicitam ao ana354 | PÓS EM REVISTA
Nem todos os registros da TAB-S1 eram necessários
Havia 10 atributos novos necessários apenas para o S2.
Resolveram, então, criar uma tabela na base de dados
tabelas somente eram considerados válidos se inseridos na
do S2, que chamaremos de TAB-S2, com alguns atributos per-
TAB-S1. Em outras palavras, todo registro da TAB-S2 teria que
tencentes à TAB-S1 e com atributos novos. Porém, pela dinâ-
existir, primeiramente, na TAB-S1. A figura abaixo, representa o
mica do negócio da empresa, os registros tratados pelas duas
cenário descrito.
l
Segundo relatos de analistas e funcionários que participa-
devido ao desenho e necessidade das aplicações. Além disto,
ram desta etapa do projeto, a criação da TAB-S2 ocorreu devi-
como as duas tabelas faziam relacionamentos com tabelas dife-
do a um certo sentimento de autonomia do novo sistema, que
rentes, as chaves estrangeiras, levadas para as tabelas relacio-
permeou todo o projeto : cria-se uma nova tabela para o novo
nadas, deveriam ser iguais;
sistema e não “mexe” com a tabela do sistema existente.
l A inserção de novos registros teria que ser feita, primei-
Os atributos em verde eram os atributos comuns entre as
ramente, na TAB-S1. Na inserção do mesmo registro, na TAB-
duas tabelas e os atributos em azul, na TAB-S2, eram os atribu-
-S2, a aplicação localizaria, pela chave, o registro na TAB-S1 e
tos novos, necessários apenas para o S2.
os atributos comuns teriam os conteúdos trazidos, via TRIGGER,
A criação de uma outra tabela poderia se justificar pelos seguintes motivos : l Seria um tipo de especialização, uma vez que há atributos novos, que somente interessam ao SIS2; l
Apesar de haver redundância , uma vez que temos atri-
butos que são os mesmos nas duas tabelas, esta poderia ser ne-
da TAB-S1. Desta forma, apenas os atributos novos da TAB-S2 poderiam ser alterados via aplicação. l
Na alteração de registros, os atributos comuns seriam
alterados apenas na TAB-S1 e os novos conteúdos seriam levados, via TRIGGER, para a TAB-S2. l
Como a exclusão dos registros das tabelas é lógica, e
cessária caso o acesso à TAB-S1 fosse muito grande. Seria uma
a validade dos registros é controlada pela TAB-S1, a exclusão
forma de não sobrecarregar a TAB-S1 com os acessos do S2.
seguiria a mesma lógica da alteração: assim que se inserisse
Porém, várias medidas teriam que ser sido tomadas para que os atributos comuns entre as duas tabelas continuassem iguais e se mantivesse, assim, a exatidão e integridade dos da-
DATA-FIM na TAB-S1, esta data-fim seria levada, via TRIGGER, para a TAB-S2. l
Na TAB-S1, como o atributo CODIGO-COMPLETO é
dos. Estas medidas poderiam ser, em ordem decrescente de
uma concatenação dos atributos CODIGO e DV, apenas estes
segurança, a nível de banco de dados, a nível de aplicação ou
últimos seriam inseridos pela aplicação. O CODIGO-COMPLE-
a nível de processo.
TO também seria inserido via TRIGGER.
A nível de banco de dados, estas medidas de controle seriam as seguintes:
Estas medidas garantiriam valores iguais para os atributos redundantes.
Primeiramente, as chaves das duas tabelas teriam que
Posteriormente, a instituição passou a ter uma área de Ad-
ser iguais, pois na verdade a tabela é uma só, que foi dividida
ministração de Dados e foi demandado a esta área eliminar a
l
PÓS EM REVISTA l 355
TAB-S2. Partindo do pressuposto que os registros equivalentes
de documentos gerados para usuários externos. Teoricamente,
das duas tabelas teriam valores iguais nos atributos comuns,
os dados destas tabelas relacionadas teriam que permanecer
este trabalho seguiria o seguinte roteiro:
fiéis aos documentos gerados que os continham. Além disso,
l
Levar, para a TAB-S1, os atributos novos da TAB-S2
e popular estes atributos com os valores contidos na TAB-S2;
caso estes documentos fossem reabertos, por alguma opção da aplicação, após a unificação, ocorreria um erro pelo fato de
Criar, na TAB-S1, uma chave única com o atributo CO-
os dados gravados no documento (dados incorretos, originados
DIGO, para que a TAB-S1 pudesse se relacionar com as tabelas
da TAB-S2) não constarem na TAB-S1, que seria a única tabela.
que se relacionavam com a TAB-S2, uma vez que este atributo
Então, a unificação ficou no aguardo de a aplicação ser alte-
l
era chave na TAB-S2;
rada para que este problema fosse contornado. Este caso ilustra
Eliminar o relacionamento entre outras tabelas da base
como erros na estrutura de dados podem originar problemas
com a TAB-S2 e criar, nestas outras tabelas, um relacionamento
que, para serem resolvidos, demandam um grande esforço de
com a TAB-S1, através da chave única criada no passo anterior;
manutenção e como é importante a atuação da administração
Como segurança, criar uma tabela backup da TAB-S2,
de dados para agir de forma preventiva e zelar por esta estrutura.
l
l
com mesma estrutura e dados, e atribuir-lhe o nome BKP-TAB-S2; l
Eliminar a TAB-S2;
l
Criar uma view com o nome TAB-S2 (mesmo nome da
tabela eliminada), cujos atributos retornados teriam os mesmos nomes dos atributos da TAB-S2 e cujos dados seriam buscados da TAB-S1. Desta forma, o código da aplicação S2 não precisaria ser alterado. No início do trabalho foi constatado que as medidas de controle citadas acima, além de não terem sido tomadas a nível de banco de dados, também não foram tomadas a nível de aplicação e nem a nível de processo. Foram encontrados, então, vários tipos de problemas: l
do, ou no produto gerado, é essencial se ter OBJETIVOS, isto é, qual o nível de qualidade que se deseja alcançar, PROCESSOS, o mais formalizados possível (formalizado e não engessado) e EQUIPE RESPONSÁVEL por manter e executar estes processos. Não se pode ser ingênuo a ponto de acreditar que todas as pessoas envolvidas buscarão, por iniciativa própria, sem nenhum direcionamento, os mesmos padrões de qualidade.
Divergência de valores de atributos comuns entre as
tro da TI, como desenvolvedores e DBAs, assumam para si a
Registros com DATA-FIM na TAB-S2 que não estavam
com DATA-FIM na TAB-S1. l
área, se é desejável certo nível de qualidade no serviço presta-
Com os dados de uma instituição não é diferente. Não se pode
duas tabelas; l
Diante de todo o exposto, o que podemos concluir, de uma forma genérica, é que, em qualquer instituição, de qualquer
Registros que existiam na TAB-S2 e não existiam na
TAB-S1; l
4. CONCLUSÃO
Atributo CODIGO-COMPLETO, da TAB-S1, não corres-
pondia à concatenação dos atributos CODIGO+DV, da mesma tabela. Várias pesquisas foram feitas nas bases de dados para se decidir a melhor maneira de corrigir as divergências e várias medidas foram tomadas. Porém, a unificação ficou com uma pendência: devido à divergência de valores de atributos que eram comuns entre as duas tabelas, foram investigados quais eram os valores corretos, pois após a unificação, somente existiria uma tabela. Os valores corretos estavam na TAB-S1. Então, aparentemente, nestes casos, não havia correção a fazer, pois somente existiriam dados da TAB-S1. Porém, ao se relacionar com outras tabelas, a TAB-S2, que continha os dados incorretos, levou estes dados para estas outras tabelas, que não poderiam sofrer modificação automática, por já fazerem parte 356 | PÓS EM REVISTA
pensar que profissionais, que estejam em outras funções denresponsabilidade pela estrutura e qualidade de dados em toda sua amplitude. Não se pode pensar, também, que o fato de se ter uma ótima infraestrutura e ótimas ferramentas - banco de dados, ferramentas de Business Inteligence e outras vão garantir a qualidade dos dados. É preciso ter processos e pessoas que estejam imbuídas destas responsabilidades . É imprescindível se ter uma área de Administração de Dados que irá fazer a ponte dos outros profissionais de Tecnologia da Informação com os bancos de dados. É claro que o tamanho desta área e o grau de complexidade de seus processos dependerão do porte da empresa e dos níveis de controle e qualidade que se deseja alcançar. O importante é que a área exista formalmente e seja estruturada e dimensionada para conseguir atuar de forma significativa, dentro dos objetivos e diretrizes da instituição. Deste modo, a área irá adquirir a confiança e a parceria do restante dos profissionais, seus processos irão amadurecer de uma forma contínua e tudo isto se traduzirá em organização, controle,
domínio, documentação, integração e qualidade dos dados da instituição. REFERÊNCIAS BARBIERI, Carlos. BI2 – Business Intelligence – Modelagem e Qualidade. Elsevier. 2011. SERRA, Laércio. A Essência do Business Intelligence. Berkeley. 2002. SENAC.Modelagem de dados. Senac Nacional.2000. TEOREY, Toby. Projeto e Modelagem de Bancos de Dados. Campus.2007.
notas de rodapé 1
Professor do Centro Universitário Newton Paiva (iremar.prof@uol.com.br).
Pós graduanda em Banco de dados e Business Intelligence no Centro Universitário Newton Paiva.(geannine.heron@hotmail.com).
2
PÓS EM REVISTA l 357
GOOGLE HACKING Alex Sander de Oliveira Toledo 1 Sérgio Henrique de Moraes2
RESUMO: O presente trabalho apresenta os mecanismos de busca do Google para localizar vulnerabilidade na segurança na Internet e como explora-las e com base nessa análise quais os mecanismos de proteção podem ser usados para prevenir ataques através do Google. Palavras-chave:Google, Hacking, Invasão, Proteção, Ataque, Busca.
1 INTRODUÇÃO
com uma interface com o seu inconfundível Look and Feel3 que
A informação, na visão de Rezende e Abreu (2000), é o
é protegido por direitos autorais e por uma boa razão. É limpa e
dado com uma interpretação lógica ou natural agregada pelo
simples. O que a maioria não percebe é que a interface é tam-
usuário. A informação é um ativo que, como qualquer outro ativo
bém extremamente poderosa.
importante para os negócios, tem um valor para a organização
O Google em 1996 possuía 25 milhões de páginas indexa-
e, consequentemente, necessita ser adequadamente protegido
das, contra 40 bilhões em 2010. Colocando essa informação em
(NBR ISO/IEC 27001, 2005). Como salienta Dias (2000), a infor-
perspectiva, para exibir todos os sites indexados pelo Google
mação é o principal patrimônio da empresa e está sobre cons-
em 2010, teríamos que usar um monitor com 9.660,000 quilô-
tante risco. Segundo Lyra (2008) a informação é o bem mais
metros de ponta a ponta ou 241 vezes o comprimento da linha
precioso e estratégico do século XXI. A preocupação com as
do Equador.
ameaças à confidencialidade, integridade e disponibilidade tam-
Se alguém dedicar um minuto a cada página existente no
bém é crescente e o assunto tem sido tratado nas reuniões de
Google em 2010, esta pessoa levaria 38,026 anos para ver to-
grandes corporações.
das; o Google leva 0,5 segundos no máximo.
Entretanto nem toda informação é crucial ou essencial a
Os números do Google de fato nos impressionam e pode-
ponto de merecer cuidados especiais. Por outro lado, uma de-
mos ficar ainda mais impressionados com a nossa vulnerabilida-
terminada informação pode ser tão vital que o custo de sua inte-
de na internet. Com tantas páginas indexadas diariamente como
gridade, qualquer que seja ainda será menor que o custo de não
podemos tirar aproveito dessas informações?
dispor dela adequadamente.
Existe uma linha tênue entre o bem e o mal principalmente
Confidencialidade, integridade e disponibilidade da infor-
quando se está na web, onde existe a falsa ideia de que os cri-
mação, podem ser essenciais para preservar a competividade, o
mes cometidos pela Internet não são punidos, portanto fica a
faturamento, a lucratividade, o atendimento aos requisitos legais
cargo do usuário escolher o seu caminho.
e a imagem da organização no mercado. Diariamente as organizações privadas e públicas ao redor
2 CONSTRUINDO CONSULTAS NO GOOGLE
do mundo são colocadas à prova quanto a sua vulnerabilidade à
Construir consultas no Google é um processo (LONG).
segurança da informação de uma variedade de fontes, incluindo
É altamente possível criar uma consulta ineficiente, mas com
fraudes eletrônicas, espionagem, sabotagem, vandalismo, fogo
o crescimento explosivo da Internet e do tamanho do cache
ou inundação. Transtornos causados por vírus e hackers estão
do Google, uma consulta ineficiente pode prover excelentes
se tornando cada vez mais comuns, mais ambiciosos e incrivel-
resultados amanhã, ou no mês que vem, ou até mesmo ano
mente mais sofisticados.
que vem. A ideia por trás de uma consulta realmente efetiva
Por necessidade o mundo caminha na mesma direção no
no Google é ter uma ideia firme sobre a sintaxe básica e, em
que se refere à conectividade: páginas na web, e-mails, redes
seguida, visando obter resultados melhores é a compreensão
sociais, dispositivos móveis entre outros recursos. Esse movi-
das técnicas de construção de busca visando aprimorar o re-
mento não é exclusivo de pessoas, mas também de empresas
sultado final da busca.
de pequeno porte a grandes corporações.
Antes de aprofundar nas várias maneiras possíveis de
Toda empresa hoje possui o seu site na web, este por sua
pesquisar e obter melhores resultados utilizando o Google é
vez é indexado pelo Google que provê um excelente buscador
necessário entender algumas regras básicas adotadas pelo
358 | PÓS EM REVISTA
Google em sua ferramenta de busca.
das individualmente, o Google não irá ignora-las. Outra
- Consultas no Google não usa case sensitive4: Para o
maneira de incluir palavras ignoradas na pesquisa é in-
Google se uma busca for realizada em caixa alta ou não,
cluir o símbolo de + na palavra ignorada. Por exemplo,
por exemplo, a palavra Hacker: hAcKeR ou haCKeR, a
a palavra para deve ser pesquisada assim: +para sem
palavra a ser pesquisa é a Hacker. Isso é especialmen-
aspas e sem espaço, assim a palavra para não foi igno-
te importante quando é realizada a procura por códigos
rada e a quantidade de registros encontrados agora é
fontes, quando o termo da busca possui um significado
de 2.520,000 totalizando em 980,000 registros a mais.
para o programador. A única exceção é com a palavra
O interessante é que mesmo com um número maior de
or. Quando usado o operador Booleano or este deve ser
resultados obtidos o tempo de pesquisa é menor.
escrito em caixa alta, assim OR. - Curingas: O conceito de curingas do Google não é
3 PESQUISA
o mesmo conceito de curingas de um programador. A
No Google, a pesquisa não se baseia na procura de infor-
maioria considera que os curingas são representações
mações sensíveis como usuários e senhas, mas sim em focar
simbólicas de qualquer letra (fãs de UNIX logo pensam
no que se procura, visando usar essas informações para seus
no ponto de interrogação) ou qualquer outra série de
próprios objetivos. Entretanto os exemplos apresentados repre-
letras representadas por um asterisco (*) quando na
sentam o nível mais baixo de uma árvore de segurança. Encon-
verdade o asterisco representa nada mais do que uma
trar esse tipo de dados é parte da rotina básica de um hacker.
única palavra na frase pesquisada. Usando um asterisco
Existem várias formas de se conseguir o nome de usuário e
no início ou no final de uma palavra o Google não irá
senha utilizando o Google. Um excelente exemplo é o registro do
exibir mais resultados por si só.
Windows, responsável por armazenar todo tipo de informações
- O Google reserva o direito de ignorar você: O Goo-
para autenticação desde nome de usuário até chaves de regis-
gle ignora certas palavras comuns, caracteres e pala-
tros de programas. Entretanto é raro e muito incomum encontrar
vras soltas na pesquisa. Podemos chamar isso de stop
esse tipo de informação ao vivo, visto que é necessário exportar
words5. Quando o Google ignora qualquer uma das
esse registro e disponibiliza-lo na web. No momento que esse
palavras pesquisadas, na versão anterior do Google,
artigo foi escrito existia cerca de 289 resultados da consulta:
uma notificação era exibida na página de resultado, logo
filetype:reg HKEY_CURRENT_USER username, responsável por
abaixo da caixa de busca, mas como houve modifica-
localizar arquivos de registro do Windows que contenham a pa-
ções na interface de todos os produtos do Google essa
lavra username e em alguns casos a senha, conforme demostra-
notificação não é mais exibida. Palavras, se pesquisa-
do na figura 1.
PÓS EM REVISTA l 359
Qualquer invasor talentoso ou profissional de segurança
asp?acs=anon. Nesta pesquisa, pouco mais de 5 registros fo-
dirá que é raro conseguir acesso a esse tipo de informação dis-
ram retornados por essa consulta. Certamente existe mais que
ponibilizada tão facilmente. A maioria das descobertas conside-
5 sites rodando o webmail da Microsoft. Infelizmente não é in-
ráveis precisam de persistência, criatividade, inteligência e um
comum encontrar empresas que hospedam esse serviço com
pouco de sorte. Por exemplo: considere o portal Microsoft Ou-
algum diretório público conforme demostrado na figura 2.
tlook Web Access que pode ser localizado pela busca inurl:root.
Um diretório público permite acesso a página de busca que
dos melhores, é a compreensão das técnicas de construção de
por sua vez pode ser utilizada para encontrar usuários pelo nome.
busca visando aprimorar o resultado final da busca.
Na maioria dos casos, buscas utilizando curingas não são permi-
3.1 Procurando por senhas
tidas nos diretórios públicos, portanto pesquisas usando * não
Senhas, um dos segredos mais desejados durante uma in-
retornaram a lista de usuários. Procurar por espaços é uma ideia
vasão, deveriam ser protegidas. Infelizmente é possível usar vá-
interessante, devido a grande maioria, se não em sua totalidade,
rias formas de pesquisa no Google para localizar senhas na Web.
possuir espaço na descrição do nome, entretanto em diretórios
Na maioria dos casos, senhas descobertas na Web são crip-
grandes a mensagem de erro “Essa consulta retornou muitos en-
tografadas ou codificadas de alguma maneira. Na maioria dos
dereços” será apresentada. Aplicando um pouco de criatividade,
casos essas senhas podem ser quebradas usando algumas fer-
um invasor pode começar a pesquisa procurando por letras indi-
ramentas de quebra criptografica, permitindo que a senha seja
viduais comuns como A, E, I, O, U, R, S, T, L e N. Eventualmente
usada em uma invasão.
uma dessas pesquisas irá retornar vários registros. Uma vez que a lista de usuários é acessível. Uma consulta realmente efetiva no Google é ter uma ideia firme sobre a sintaxe básica e, em seguida, visando obter resulta-
360 | PÓS EM REVISTA
Ao pesquisar por inurl:auth_user_file.txt o Google retornou na pesquisa 178 registros, ao clicar no primeiro registro foi possível ver o nome de usuário, senha, nome e o e-mail conforme figura 3.
3 .2 Procurando por nomes, telefones, e-mails
a maioria desconhece que seus dados estão visíveis na internet.
A quantidade de informações sensíveis disponíveis na internet
Pode-se supor que um funcionário em sua residência toma algu-
é assustadora. A preocupação com dados sensíveis não deve par-
mas precauções visando não se expor na internet, mas por uma fa-
tir somente das empresas mas de seus empregados. Ao pesquisar
lha da empresa em que trabalha, as informações mais detalhadas
pelo termo filetype:xls inurl:”email.xls” o Google retornou na pes-
estarão disponíveis.
quisa 914 resultados. Em poucos cliques é possível ter acesso a
A figura 4 é uma planilha que registra o envio e recebimento de
conversas de e-mail, telefone residencial, nome completo, número
e-mails incluindo o remetente, destinatário bem como as primeiras
de registro de empregado, ramal e etc. O grande problema é que
palavras do e-mail e do seu conteúdo de uma instituição de ensino.
A figura 5 é uma planilha de uma empresa de engenharia e manufatura no segmento de energia e infraestrutura. A planilha contem o número do empregado, nome completo e o e-mail. A planilha contem 668 registros.
A figura 6 é uma planilha de um conselho de pesquisa agrícola onde é possível saber o telefone comercial, residencial, celular e e-mail dos empregados inclusive dos diretores gerais.
PÓS EM REVISTA l 361
Entretanto o conselho disponibiliza em seu site http://www.
que o público não tem acesso ao e-mail do diretor geral e o
parc.gov.pk/Ph-Dir.html um documento com o telefone comer-
telefone listado não é o seu ramal direto, possivelmente ao ligar
cial e alguns e-mails conforme demonstrado na figura 7, repare
no telefone uma secretaria atenderá a ligação.
Conforme demostrado na figura 6 é possível ter acesso ao telefone residencial do diretor geral bem como o seu celular e a partir dessas informações é possível descobrir o endereço de sua residência.
de segurança são expostas. A figura 8 exibe as 4 câmeras de segurança de uma loja de conveniência. As câmeras da figura 9 estão foram monitoradas desde o início da pesquisa. O fator preocupante é que desde então a empresa
3.3 Invasão de privacidade
permanece fechada sem nenhuma movimentação ao longo do dia
Nem mesmo as câmeras de segurança interna de empresas
e noite. É possível ver o nome da empresa escrito no tapete na
ao redor do mundo estão a salvo da privacidade. Ao pesquisar pelo
porta de entrada. Pelo IP das câmeras é possível localizar o en-
termo inurl:IndexFrame.shtml “Axis Video Server” várias câmeras
dereço, site e telefone da empresa.
362 | PÓS EM REVISTA
Sites privados
que algumas páginas não devem ser acessadas pelo público.
O indexador do Google é bastante eficaz, sendo possível
A consulta que retorna esses registros é “robots.txt” “disallow:”
informar quais páginas não devem ser indexadas pelo Google. Empresas e governos optam por fazer esse processo por
filetype:txt. Na figura 10 podemos ver alguns sites que foram ocultos.
PÓS EM REVISTA l 363
3.4 Impressoras Através do Google é possível monitorar, configurar e imprimir documentos. A pesquisa que retorna esses registros é inurl:”port_255” –htm. A figura 11 mostra uma impressora localizada no campus de uma Universidade.
Ao clicar no botão Print é possível selecionar um documento no computador local e imprimi-lo conforme demostrado na figura 12.
364 | PÓS EM REVISTA
A figura 13 mostra que o documento foi enviado e impresso com sucesso.
3.5 Cartão de Crédito
esse tipo de informação. O termo utilizado nessa pesquisa foi:
Por questões de segurança somente um dos termos possí-
intitle:index.of balance.xls+x. As figuras abaixo demonstram o
veis para encontrar números de cartões de créditos será descri-
nome completo, endereço, telefone, itens comprados e o núme-
to. Não existe uma palavra mágica que retorne os números de
ro do cartão de crédito, que por questões de segurança não são
cartão de crédito, é necessário percorrer falhas vasculhando por
exibidos em sua integridade.
PÓS EM REVISTA l 365
4 CONCLUSÃO Conforme demonstrado nessa pesquisa, existe uma quantidade expressiva de informações sigilosas e sensíveis que deveriam ser de acesso restrito, porém estão expostas ao mundo através de simples consultas no Google. A exposição de informações contempla desde governos, grandes empresas e usu-
LONG, Johnny. 2007. Google Hacking for Penetration Testers. Google Hacking: Teste de Invasão. Rockland, Massachusetts, EUA: Syngress. LYRA, Maurício Rocha. 2008. Segurança e Auditoria em Sistemas de Informação. Primeira Edição. São Paulo, Ciência Moderna.
ários comuns. Funcionários estão sendo expostos sem o seu consentimento e conhecimento. O alarmante é perceber que erros primários cometidos por pessoas da área de informática comprometem toda a estrutura de segurança da informação. A facilidade de acesso à tecnolo-
NBR ISSO/IEC 27001. 2005. Tecnologia da Informação. Técnicas de Segurança – Sistemas de Gerência da Segurança da Informação. Associação Brasileira de Normas Técnicas. Rio de Janeiro.
gia é louvável, mas a falta de capacitação técnica por parte de
REZENDE, Denis Alcides e ABREU, Aline França. 2000. Tecnologia da Informação Aplicada a Sistemas de Informação Empresariais. São
seus usuários é preocupante.
Paulo: Altas
Não é necessário ser um hacker para ter acesso a essas informações basta ser uma pessoa curiosa e com habilidade para
NOTAS DE RODAPÉ
pesquisar e investigar. Hoje com o advento das redes sociais,
1 Professor/Coordenador do Curso de Sistemas de Informação do Centro Universitário Newton Paiva. asotoledo@hotmail.com
informações que antes eram difíceis de conseguir podem ser acessadas a alguns cliques como, por exemplo: quem são os familiares de determinada pessoa? Onde ela trabalha? Estuda? e etc. Rotinas que antes eram privadas estão sendo expostas por seus próprios usuários sem levar em considerações questões de segurança da informação e o mais perigoso, a sua própria segurança. REFERÊNCIAS DIAS, Cláudia. 2000. Segurança e Auditoria da Tecnologia da Informação. Rio de Janeiro: Axcel Books.
366 | PÓS EM REVISTA
2 Graduando do curso de Sistemas de Informação do Centro Universitário Newton Paiva. serginho.henrique@gmail.com 3 Look and Feel é um termo usado na descrição dos produtos e áreas, como a concepção de produtos, marketing e etc. Na concepção do software o termo Look and Feel é utilizado em relação a interface gráfica do usuário e compreende os aspectos da sua concepção, incluindo elementos como cores, formas, disposição e tipos de fonte (o “Look”), bem como o comportamento de elementos dinâmicos tais como botões, caixas, e menus (o “Feel”). Look and Feel também pode referir-se aos aspectos de uma API.
4 Case sensitive é um termo em Inglês que significa sensível ao tamanho, sendo que esse tamanho refere-se a maiúsculas e minúsculas na definição de variáveis, métodos e comandos de um programa ou compilador, faz a distinção entre os tamanhos de letras. 5 Stop words (ou palavras de parada – tradução livre) são palavras que podem ser consideradas irrelevantes para o conjunto de resultados a ser exibido em uma busca realizada em um buscador. Exemplos: as, e, os, de, para, com, sem, foi.
PÓS EM REVISTA l 367
O Processo de Informatização no Agronegócio Dayene Ângela de Almeida1 - dayene.infor@gmail.com Juliana Costa Silva - jcs.julianacostasilva@gmail.com Hiram Castelo Branco - hiram.castelo@gmail.com Marcelo Norte - marcelonorte.ti@gmail.com Vinicius Augusto - viniciusaugustocs@gmail.com Iremar Nunes de Lima 2 - iremar.prof@uol.com.br
RESUMO: A informatização do agronegócio apresenta um grande potencial para ganhos concretos, pois com o maior controle da produção, uma atividade, mesmo que lucrativa, será também sustentável através da tecnologia. A informatização de processos do agronegócio traz inúmeros benefícios aos envolvidos quando realizada de forma estruturada. Percebe-se, porém, que existem obstáculos a serem enfrentados na implantação deste tipo de projeto, entre eles, a resistência cultural por parte dos produtores em relação à adoção de tecnologias e a má qualidade do suporte pós-implantação. O presente artigo aborda o processo de informatização no agronegócio procurando analisar os impactos da informática na agropecuária, nas cooperativas agrícolas e a aplicação da tecnologia de Business Intelligence no agronegócio. Palavras-chave: Agronegócio, Informatização.
INTRODUÇÃO
ponentes da cadeia produtiva, e ofertar produtos de qualidade.
A tecnologia em seu processo transforma de forma signi-
Neste artigo será analisado o uso da tecnologia no setor
ficativa diversas áreas e não seria diferente no agronegócio. O
agrícola e os resultados de sua implantação no agronegócio a
agronegócio é toda relação comercial e industrial que envolve
partir de uma revisão bibliográfica sobre o assunto. Também se-
a cadeia produtiva agrícola e pecuária, que define o uso eco-
rão relatadas experiências bem ou mal sucedidas de aplicação
nômico do solo para o cultivo da terra associado com a criação
da tecnologia no agronegócio a partir da bibliografia utilizada.
de animais. Segundo Silva (2006) o processo do agronegócio aplica-se num cenário em que as relações entre fornecedores e clientes estão fortemente pautadas em requerimentos de padrões de qualidade física, sanitária, nutricional, de matérias primas agros alimentares e derivados. Ainda, segundo o site Guia do Estudante3, agronegócio é “o conjunto de conhecimentos usados para planejar e gerenciar as atividades de uma propriedade rural, desde o cultivo até a administração dos negócios”. Hoje em dia, busca-se eficiência administrativa no agronegócio numa crescente demanda de tecnologia da informação visando redução de custos e eficiência na cadeia produtiva.
OS IMPACTOS DA INFORMÁTICA NA AGROPECUÁRIA A popularização da informática facilitou sua aplicabilidade em diversas áreas e em particular na agropecuária, possibilitando a modernização rural. Segundo Bornstein e Lobianco (2000, Apud Saraiva e Cugnasca, 2000): Sistemas computacionais estão sendo desenvolvidos para ajudar agropecuaristas a monitorar o meio-ambiente, identificar áreas problemáticas, delinear estratégias de intervenção e implementar planos de ação.
Novas tecnologias e equipamentos, como, por exemplo, o Business Intelligence (BI), ajudam a reduzir o desperdício do processo produtivo. O BI na aplicação do agronegócio está cada vez mais forte nos estudos estatísticos para levantar os pontos positivos e negativos do negócio possibilitando estratégias na produção animal e vegetal. Desta maneira, empreendedores do agronegócio aprimoram práticas que objetivam analisar custos, reduzir os prazos de entrega, melhorar o fluxo de informação entre os com368 | PÓS EM REVISTA
A utilização destes sistemas facilita o trabalho do produtor rural, realizando a otimização dos processos através do controle da produtividade, da característica dos solos e da alimentação dos animais, entre outros. Segundo Bornstein e Lobianco (2000, Apud Saraiva e Cugnasca, 2000) isto ocorre pelo fato de a tecnologia permitir a implantação de uma agricultura precisa através da “robustez mecânica, sensores específicos, versatilidade, robustez compu-
tacional, assistência técnica, custos compatíveis com a produ-
ra de forma realista para que o investimento realizado não seja
ção e atenção às especificidades regionais.”
frustrado. Esta análise não deve ser realizada apenas do ponto
A tecnologia auxilia na criação de processos padrões e a
de vista financeiro, mas também deve ser feita uma avaliação
aplicação destes processos no negócio do produtor rural, fa-
operacional e mercadológica, realizando a interação entre todos
zendo com que este se adeque às normas estabelecidas para
os componentes afetados (LOURENZANI e SILVA, 2000).
a comercialização, o que seria mais difícil de ser atingido sem o
Após a implantação é preciso que ocorra a monitoração do
avanço tecnológico (BORNSTEIN e LOBIANCO, 2000). O avan-
desempenho da produção, utilizando indicadores que demons-
ço tecnológico não alcançou apenas os grandes produtores,
trem a efetividade da tecnologia no negócio, a fim de comprovar
mas também se entrelaçou aos produtores de pequeno porte
que a produtividade e os processos evoluíram com sua utiliza-
que realizam a agricultura familiar, facilitando o trabalho de co-
ção (RAMOS et al., 2000).
municação e troca de informações entre estes produtores (RAMOS et al., 2000).
Segundo Bornstein e Lobianco (2000), um fator impactante que pode estar relacionado ao crescimento tecnológico pela
A troca de informações efetiva entre os produtores da co-
agropecuária é o êxodo rural, devido a menor utilização de mão
munidade permitem o progresso de todos os envolvidos, pois
de obra humana e o aumento da utilização de maquinários e
passam a trabalhar em conjunto, sabendo o que está sendo pro-
equipamentos que aumentam a produtividade nas propriedades
duzido por cada família, qual o volume da produção, o que será
e empresas rurais.
utilizado para o consumo próprio e o que poderá ser comercializado, gerando lucro para a comunidade. Os agricultores podem contar com o conhecimento gerado através de suas experiências de negócio e transmitir este conhe-
A informatização da agropecuária pode trazer diversos impactos e estes devem ser analisados em conjunto para que seus resultados sejam claros e não traga prejuízos ao negócio e aos seus envolvidos (BORNSTEIN e LOBIANCO, 2000).
cimento aos outros produtores, permitindo que as experiências
A informatização dos processos pecuária leva uma ativida-
bem sucedidas sejam repassadas e que os erros cometidos não
de humana extremamente antiga e tradicional a um novo pa-
se repitam.
tamar. Percebe-se que, em um mercado competitivo, produzir
Os sistemas informatizados permitem a gestão do conhe-
com eficácia e eficiência é fundamental, e, desta forma, a alta
cimento obtido ao longo do tempo, transmitindo este conheci-
competitividade e aumento da exigência dos compradores levou
mento aos produtores o que facilita a padronização dos proces-
a informática ao setor da pecuária.
sos e a utilização das melhores práticas na produção. (RAMOS et al., 2000)
O processo inicial de informatização da pecuária, não demanda o uso de tecnologias exóticas. Muitos dos exemplos
Para a otimização da agricultura através da tecnologia, di-
estudados foram baseados em aplicativos feitos com Microsoft
versos recursos podem ser utilizados, como, por exemplo, um
Access ou planilhas de Excel. Em primeiro lugar, levantam-se
sistema de banco de dados. Estes sistemas recebem dados
informações gerais sobre a produção que subsidiarão na formu-
oriundos de diversas fontes, como dos sensores que emitem
lação de modelos computacionais. Feito isso, indicadores são
dados sobre a temperatura, a umidade do solo, permitindo a
estabelecidos e, por fim, são analisados comparativamente atra-
identificação da necessidade de irrigação e dos períodos ideais
vés de gráficos. De um ponto de vista científico, a apuração dos
para o cultivo de determinado produto. Também os produtores
resultados pode ser feita tanto com base no histórico produtivo
podem inserir os dados de sua produção ao longo dos anos,
de uma mesma propriedade ou, como controle, com proprie-
permitindo uma análise de seu crescimento e identificando pos-
dades distintas que não utilizem informatização e que possuam
síveis erros cometidos.
estrutura de produção semelhante a da propriedade estudada.
Segundo Ramos et al. (2000), para que o impacto da uti-
Segundo resultados apresentados por Matsushita e Sepul-
lização tecnológica no agronegócio seja positivo é necessário
cri (1998), a gestão da pecuária através de processos relativa-
que haja um projeto de estruturação onde são identificados: os
mente simples de informatização, trouxe benefícios evidentes à
cenários de aplicabilidade, os sistemas necessários para estes
produção. Muito embora com o aumento de custo, o nível de
cenários, as ofertas e as demandas de informações nos locais
gestão da produção foi levado a um grau de maior detalhamen-
em que serão inseridos e as particularidades dos usuários que
to e, portanto, possibilita ao produtor ter maior conhecimento
farão uso destas ferramentas. Para que após estes aspectos se-
de seus processos e de indicadores que podem levar à maior
jam definidos ocorra a implantação bem sucedida do projeto.
eficiência operacional.
É importante que o estudo da viabilidade do projeto ocor-
A informatização pode ser usada em praticamente qualPÓS EM REVISTA l 369
quer atividade produtiva da agropecuária. Matsushita e Sepul-
carências observadas nos estudos.
cri (1998) concluíram que o desenvolvimento de software agropecuário “é uma importante ferramenta que auxilia o técnico e o pecuarista na determinação do custo de produção do gado de corte e fornece informações importantes para a tomada de decisões pelos pecuaristas”. Desta forma, o processo produtivo se torna mais eficiente, pois o pecuarista pode saber com maior precisão o custo de produção e, assim, determinar preços competitivos no momento de vender. A emissão de relatórios pelo sistema também dá ao pecuarista uma maneira de adotar medidas corretivas que podem cooperar para o sucesso da produção. Os exemplos citados até então se referem, sobretudo à pecuária. No entanto, há aplicações com impactos positivos também na agricultura. Uma delas é o uso do conhecimento sobre “Redes Neurais Artificiais Multicamadas aplicadas à adubação para a cultura da goiabeira”. Isto é, um conhecimento altamente relacionado à ciência da computação sendo utilizado em benefício de uma atividade há séculos praticada pelo ser humano para própria subsistência. O uso desta tecnologia apresentou bom desempenho, segundo os autores, e gerou, ainda, propostas para novos trabalhos envolvendo a descoberta de novos conhecimentos sobre o conjunto de dados levantados. Em artigo sobre a informatização na produção pecuária, os autores destacaram que: “A utilização da informática destaca-se como uma ferramenta indispensável na gerência dos processos administrativos, nos quais as tomadas de decisão, rápidas e seguras, representam condição básica para o sucesso das atividades”. Apesar disso, os autores concluíram que há desafios a serem enfrentados na informatização. Entre eles está a inadequação dos softwares de gestão pecuária existentes. Por um aspecto cultural, o pecuarista pode se orientar em demasia por conhecimentos empíricos, passados de pai para filho, e a ausência de um profissional científico, como um engenheiro agrônomo, pode ser decisivo para o sucesso ou não de um software modelado para pecuária. Outro fator negativo observado pelos autores foi à falta de assistência técnica aos softwares e “a barreira cultural do produtor rural à adoção da informática” que, segundo o autor, ainda é “significativa, mas existe a tendência de redução, devido ao avanço da Internet”. Entre os benefícios tangíveis observados, está o maior controle do processo produtivo, subsídio para otimização dos processos, redução de desperdício, determinação mais precisa do preço de custo com medições feitas ao longo da produção. Há, no entanto, oportunidades de crescimento neste mercado com empresas de software especializadas no setor que supram as 370 | PÓS EM REVISTA
Os impactos da informatização nas cooperativas agrículas A informatização de cooperativas pode envolver questões políticas que prejudicam o processo de implantação dos sistemas, e ainda outros fatores como: imposição do processo aos cooperadores, falta de treinamento, resistência dos cooperados devidos questões culturais e utilização do processo informacional para fins de concentração de poder. Isto tem dificultado a disseminação de uma cultura da informação nessas organizações. Os resultados da implantação de sistemas de informação dependerão do sistema social da organização e da forma como os atores sociais se apropriarão da tecnologia, seja no sentido de um maior aprendizado ou da mera automatização de funções (PROTIL, VASCONCELOS, 2002). Segundo Zambalde e Bornstein, existem dois aspectos a considerar na informatização das cooperativas agrícolas, são eles o estrutural e o social. No primeiro, os impactos da informatização se fazem sentir na estrutura formal das organizações, assim temos a fusão, criação ou eliminação de departamentos e níveis hierárquicos, o que causa impactos na estrutura de poder. Isto pode originar a concentração de poder, competição e mudanças culturais. Por outro lado, a boa ou má utilização dos recursos de informática determinará um aumento ou queda de produtividade. Ainda segundo esses autores a informatização pode transmitir uma imagem de modernidade, porém deixa patente a sua subutilização e despreparo do pessoal, muitas vezes não proporcionando o retorno econômico-financeiro dos custos incorridos nos investimentos em relação aos benefícios reais ou potenciais de sua utilização (ZAMBALDE, BORNSTEIN, 2002). No aspecto social, os impactos da informatização são sentidos no conteúdo e natureza das tarefas. Atividades rotineiras e monótonas podem ser desafiadoras, embora existam situações de fragmentação de atividades e rotinização. Um aspecto importante a considerar nas cooperativas é a qualificação profissional, impactada fortemente pelo uso de recursos computacionais, aumentando as exigências de maior nível de escolaridade, capacidade de adaptação a novas situações e compreensão global de todo o conjunto de atividades da organização. A informatização requer participação, interação e controle, informação mais disseminada e democratizada ou, o contrário, o ambiente torna-se desumano, a comunicação eletrônica substitui o contato face a face, ocorre o isolamento e o aumento do controle sobre os trabalhadores (ZAMBALDE, BORNSTEIN, 2002).
Na maioria das cooperativas o processo de informatização
de conseguir gerir melhor o negócio e atuar de maneira mais efi-
não causa mudanças na “estrutura formal”, ou seja, quase não
ciente e eficaz. A junção de aplicativos de software com o negó-
ocorre fusão, criação ou eliminação de setores ou alterações
cio tornou-se indispensável neste cenário, pois juntos eles con-
na estrutura hierárquica de cargos (ZAMBALDE, BORNSTEIN,
seguem alavancar uma empresa e o seu potencial competitivo.
2002). Sobre a “estrutura de poder” não existe conflitos ou dis-
Atualmente as empresas têm apostado alto em sistemas de
putas em função de uma alta concentração do poder antes e de-
Business Intelligence (BI), que segundo Sezões, Oliveira e Bap-
pois da informatização. No que diz respeito à “competitividade”,
tista (2006, p.9) “são sistemas catalisadores da mudança, per-
em algumas cooperativas há certa percepção de aumento da
mitindo concretizar na prática estas novas abordagens de boa
produtividade e lucratividade (ZAMBALDE, BORNSTEIN, 2002).
gestão e de bom governo das empresas.”.
Os cooperados percebem na informatização uma melhoria na eficiência dos serviços prestados, como rapidez no atendimento e correção nos cálculos.
Ainda segundo Sezões, Oliveira e Baptista a tecnologia de BI forma: “um conceito que engloba um vasto conjunto de aplica-
Em entrevistas com os cooperados, no que diz respeito aos
ções de apoio à tomada de decisão que possibilitam um
impactos sobre o indivíduo e o emprego, apurou-se que o pro-
acesso rápido, partilhado e interativo das informações,
cesso de informatização tornou as atividades mais desafiadoras
bem com a sua análise e manipulação; através destas
e motivadoras. Houve ainda uma maior imposição de exigência
ferramentas, os utilizadores podem descobrir relações e
quanto ao nível de escolaridade dos funcionários, principalmen-
tendências e transformar grandes quantidades de infor-
te os que serão contratados. Não há, entretanto, investimentos
mação em conhecimento útil.”
em educação formal por parte das cooperativas, apenas atividades de treinamento técnico quando indispensáveis (ZAMBALDE, BORNSTEIN, 2002). Ainda segundo as entrevistas propostas pelos autores supracitados, no âmbito das pressões e ritmo de trabalho ocorreu o equilíbrio, com aumento de atividades em alguns setores e queda em outros. No entanto, é curioso observar há certa apreensão com relação a possíveis incapacidades com o processo de informatização devido à falta de esclarecimento sobre o assunto (ZAMBALDE, BORNSTEIN, 2002). Os autores ressaltam que os resultados pesquisa indicam que a informática está presente em todas as cooperativas, não somente no contexto burocrático (contabilidade, folha, contas, etc.), mas também nas áreas técnicas, ou seja, controle e mo-
Com base nesta afirmação percebe-se que as empresas de agronegócio têm voltado sua visão para este tipo de software, apesar de ainda estar em um processo inicial. Segundo Villela (2002, p.2) “o setor de software agropecuário, em que pese à pujança do agribusiness brasileiro, ainda é relativamente pobre no uso da informática, quando comparado com outros setores da nossa economia”. O processo para construção de um BI seja para qualquer negócio, baseia-se em alguns passos fundamentais. Dos quais podemos citar: dados de fontes externas ou internas, processo ETL (Extração, Transformação, e Carga), construção de Data Mart e relatórios gerenciais conforme mostrado na figura 1 a seguir.
vimentação dos produtos agrícolas, bem como está presente nas ações rotineiras como atendimento ao cooperado, melhoria da imagem da organização e negociações comerciais visando aumento de competitividade. Observou-se a sua pouca utilização na questão estratégica das organizações. Ficou patente que o processo de informatização facilita e amplia o controle sobre funcionários, estoques e processos e consequentemente causa insegurança nos funcionários ainda não devidamente informados e/ou preparados para a informatização (ZAMBALDE, BORNSTEIN, 2002).
BUSINESS INTELLIGENCE Aplicado ao agronegócio No mercado cada vez mais competitivo, quem consegue obter informações precisas e com rapidez tem a possibilidade PÓS EM REVISTA l 371
bem-sucedida, observa-se ganhos em produtividade, reduCom os processos acima e a análise do negócio é possível
ção de desperdício, formalização de processos de produção
obter informações estratégicas que podem auxiliar uma empre-
e compartilhamento das informações entre os produtores por
sa como a de agronegócio no processo de tomada de decisão.
meio de cooperativas.
Um dos problemas enfrentados na área de agronegócio se-
Analisando o cenário estudado, percebe-se um grande po-
gundo Villela (2002, p.2), é a pouquíssima ênfase que os agricul-
tencial para inovação sustentável. Pode-se citar a utilização de
tores ou pecuaristas dão ao setor de administração da informá-
sensores de umidade na terra para aplicação com um sistema
tica neste setor. Principalmente pela falta de investimentos e por
de controle de irrigação inteligente, com o intuito de reduzir o
ser, de certa forma, um processo novo com capacidade para ser
consumo de água. Vale ressaltar que, segundo a Associação
implantado o setor de agronegócio.
Brasileira de Direito Agrário4, a indústria e a agricultura conso-
Em um estudo de caso feito por um conjunto de universida-
mem juntas 90% da água disponível.
des federais (UFJF, UFLA e UFV) após perceber a ineficiência
Conclui-se, portanto, que a informatização da agropecuá-
do setor, foi proposto a realização de cursos de mestrado na
ria apresenta um potencial para ganhos concretos, pois com o
área visando atender a demanda do mercado atual. Além disso,
maior controle da produção, uma atividade, mesmo que lucrati-
foi implementado e disponibilizado uma plataforma denominada
va, será também sustentável através da tecnologia.
agrosoft para ajudar na análise dos produtos de setor da agricultura e pecuária. A tecnologia de BI aliada ao agronegócio, tende a melhorar a gestão do processo, além de permitir ao empreendedor uma visão otimizada do negócio. E, não apenas isso, o sistema de BI pode ajudar a minimizar erros cometidos e assim maximizar os lucros.
REFERÊNCIAS BORNSTEIN, Cláudio Thomas; LOBIANCO, José Luís Barboza. Impactos da informática na agropecuária. Disponível em: <http://www. sbiagro.org.br/pdf/iii_congresso/Artigo15.pdf> Acesso em: 07 abr 2012. GUIA do Estudante: Agronegócios e Agropecuária. 2011. Disponível em: <http://guiadoestudante.abril.com.br/profisso-
es/administracao-negócios/agronegócios-agropecuaria-600834.shtml>. Acesso em: 11 abril 2012.
CONCLUSÃO A informatização de processos agropecuários traz inúmeros benefícios aos envolvidos quando realizada de forma estruturada. Percebe-se, porém, que existem obstáculos a serem enfrentados na implantação deste tipo de projeto. Entre eles estão: a resistência cultural por parte dos produtores em relação à adoção de tecnologias e a má qualidade do suporte pós-implantação. Nos casos em que a informatização do agronegócio é 372 | PÓS EM REVISTA
LOURENZANI , Wagner Luiz; SILVA, Carlos Arthur Barbosa Da. Sustentabilidade econômica de projetos agroindustriais de pequeno porte: um protótipo de modelo de simulação dinâmica. Disponível em: <http://www.sbiagro.org.br/pdf/iii_congresso/Artigo35.pdf> Acesso em: 07 abr 2012. MATSUSHITA, Milton Satoshi; SEPULCRI, Matsushita. Gestão da Pecuária Leiteira com o Apoio de Planilha Eletrônicoa (Excel). Disponível em
<www.sbiagro.org.br/pdf/iii_congresso/Artigo23.pdf>. 1998. Acesso em: 07 abr 2012. PROTIL, Roberto Max; VASCONCELOS, Isabella Freitas Gouveia. Mudança organizacional em cooperativas agrícolas frente às novas tecnologias informacioais: Um estudo de caso. Disponível em: <http://www. sbiagro.org.br/pdf/iii_congresso/Artigo12.pdf>. Acessado em: 07 abr 2012. RAMOS, Edla F.. Projeto Agro rede: rede de articulação de atores sociais rurais. Disponível em: <http://www.sbiagro.org.br/pdf/iii_congresso/Artigo17.pdf> Acesso em: 07 abr 2012. SEZÕES, Carlos; OLIVEIRA, José; BAPTISTA, Miguel. Business Intelligence. Porto, Portugal: Principia, 2006. SILVA, Luís César. Agronegócio: Logística e Organização de Cadeias Produtivas. Disponível em: <http://www.agais.com/manuscript/ ms0107_agronegocio.pdf>. Acesso em: 18 abril 2012. VILLELA, Paulo Roberto de Castro, Gestão da Informação no Agronegócio: Uma visão estratégica. Minas Gerais, 2002. ZAMBALDE, Luiz André; BORNSTEIN, Cláudio Thomaz. Os impactos da informatização nas cooperativas de cafeicultores do estado de Minas Gerais. Disponível em: http://www.sbiagro.org.br/pdf/ iii_congresso/Artigo13.pdf. Acessado em: 07 abr 2012.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Alunos do curso de Bacharelado em Sistemas de Informação do Centro Universitário Newton Paiva. 2 Professor do Centro Universitário Newton Paiva. 3 http://guiadoestudante.abril.com.br/profissoes/administracao-negócios/agronegócios-agropecuaria-600834.shtml 4 http://www.abda.com.br/palestraalmeida.htm
PÓS EM REVISTA l 373
Os fatores de risco da computação em nuvem Alex Sander de Oliveira Toledo1 André Oliveira Trindade2
Resumo: Este trabalho aborda a segurança em ambiente de nuvem. São apresentados os aspectos fundamentais de computação em nuvem. Após uma breve revisão dos principais conceitos de segurança e privacidade, serão discutidos em maior profundidade os riscos e ameaças relevantes nos ambientes de nuvem, bem como as abordagens conhecidas para mitiga-los. Ao longo do texto são discutidos problemas em aberto e tentativas de solução propostas na literatura. Palavras-chave: Nuvem. Segurança. Riscos.
1 INTRODUÇÃO
A segurança da informação é de extrema importância seja
O termo Computação em Nuvem (cloud computing) ainda
para uma empresa ou para o próprio indivíduo, a todo o momen-
é pouco conhecido para a maioria das pessoas e não muito
to estamos sujeitos a ameaças, sejam suas causas naturais ou
comentado entre os veículos de comunicação em geral, porém
não, intencionais ou não. Informações privilegiadas em relação a
esta é uma tendência que esta se desenvolvendo e muito pro-
terceiros nas mãos de pessoas mal intencionadas podem gerar
vavelmente será extremamente presente no futuro (FENILLI e
perdas irreparáveis, conflitos, podem decidir o futuro de uma ou
MARCHI, 2010). Para quem já ouviu falar ou entende do assun-
várias pessoas. Não é novidade para ninguém como a informa-
to, um questionamento comum que vem a mente é: “Mas como
ção pode decidir as coisas e como manter o seu sigilo, caso
garantir a segurança em um ambiente de cloud computing?”.
necessário, é muito importante assim como a sua disseminação
A ideia propõe que tudo o que precisarmos no que diz res-
de forma correta pode garantir a harmonia no meio da socieda-
peito à utilização de software e hardware será cobrado baseado
de, informações erradas transmitidas entre as pessoas podem
no que usarmos, ou seja, você não gasta mais do que deveria
ser prejudiciais induzindo-as a formar opiniões e decisões incor-
gastar e não precisa se preocupar com versões de aplicativos,
retas assim como a disseminação errada da informação pode
peças, equipamentos, cabos, configurações e etc., pois qual-
fazer com que a mesma não seja entendida.
quer que seja a implementação necessária de qualquer um des-
Já a Segurança da informação pode ser definida como
ses recursos terá de ser feito pelo seu provedor de computação
um conjunto de medidas que se constituem basicamen-
em nuvem restando assim como sua única preocupação é em
te de controles e políticas de segurança, tendo como
pagar pelo tempo, quantidade ou qualquer que seja a métrica
principal objetivo a proteção das informações de clien-
utilizada pelo fornecedor do serviço, o que gastou.
tes e empresa (bens/ativos), controlando o risco de
“Computação em nuvem é uma tendência recente de tecnologia que tem por objetivo proporcionar serviços de tecnologia
revelação ou alteração por pessoas não autorizadas. (CARNEIRO; RAMOS, p. 4, 2009).
da Informação sob demanda com pagamento baseado no uso.” (Ruschel; Zanotto; Mota, p. 1, 2008).
Em um âmbito computacional comum este cuidado deve ser
Imagine que em sua casa, no lugar de um laptop, desktop,
redobrado. No ambiente da computação em nuvem onde tudo está
só exista um monitor conectado na internet, um teclado e um
mantido na internet essa preocupação precisa ser ainda maior,
mouse. Este é um cenário comum desenhado pela cloud com-
pois os riscos e ameaças existentes são ainda mais constantes.
puting, todo e qualquer tipo de software estará armazenado na
“Apesar dos benefícios de captar a computação nas nu-
“nuvem”, na grande rede, sendo assim seus arquivos e aplicati-
vens de alguém, existem armadilhas potenciais. Uma delas é
vos estarão disponíveis em servidores fisicamente em qualquer
a segurança. Você deve confiar em um estranho para proteger
lugar do mundo. Segundo Nogueira e Pezzi (2010), a facilidade
seus aplicativos e informações neles contidas?” (CARNEIRO,
de se alugar servidores virtuais permite a criação de empresas
RAMOS, p. 3, 2009).
que existem apenas na internet, como a brasileira SambaTech,
As principais preocupações em relação à computação em
que possui seus sistemas funcionando em equipamentos aluga-
nuvem no que diz respeito a segurança residem em dois aspec-
dos nos Estados Unidos.
tos: Privacidade e Segurança.
374 | PÓS EM REVISTA
Segundo Mourato (p. 4, 2008), a segurança em um âmbito de
em um ambiente de tecnologia da informação, pode variar de
sistemas de informação são os recursos e medidas necessários
acordo com sua necessidade para o negócio, onde será empre-
para proteger a informação de incidentes, como manipulação ou
gado, o valor da informação que se pretende preservar.
violação de dados, falhas e etc., a recuperação e minimização dos possíveis danos também fazem parte da segurança da informação. Já segundo Francisconi e Goldim (p. 33, 1998), a privacidade é limitação do acesso aos dados de determinado registro, assim como a garantia ao indivíduo de seu anonimato, e de liberação de acesso somente para pessoas com permissão. 2 SEGURANÇA EM TI Para entendermos de segurança em TI devemos, primeiramente, entender os três princípios básicos que garantem-na em um ambiente informatizado, que são a confidencialidade, a disponibilidade e a integridade. A confidencialidade, de acordo com Mourato (p. 2, 2008) “visa proteger as informações contra o acesso por parte de pessoas ou programas não autorizados, mantendo o sigilo e a privacidade das respectivas informações”, ou seja, em um ambiente computacional, basicamente procura-se não permitir o acesso a alguma informação de toda e qualquer pessoa ou programa que não tenha permissão para acessa-la. A disponibilidade é a propriedade que garante que a informação esteja sempre disponível para o uso legítimo, ou seja, por aqueles usuários autorizados pelo proprietário da informação. A integridade em um ambiente computacional consiste na ideia de que a informação não pode ser alterada ou afetada por usuários que não possuam permissão para tal. A integridade das informações tem por objetivo principal a proteção da informação contra qualquer tipo de alterações, sem que haja a autorização do proprietário ou de outro responsável por essas informações. (MOURATO, p. 2, 2008) Isto significa que a informação, ao ser acessada, deve estar exatamente como era quando foi salva ou aberta da última vez, portanto, medidas devem ser tomadas para garantir que a informação não seja alterada de forma inapropriada ou por pessoas que não possuem permissão para tal, da mesma forma que, o conteúdo da informação deve ser protegido não somente enquanto este estiver armazenado, mas também durante seu processamento evitando perdas de dados caso ocorra alguma falha, queda no sistema e etc. Analisando todos estes princípios é fácil perceber como eles trabalham em conjunto, complementando um ao outro buscando garantir um sistema perfeitamente seguro, porém é bom saber que o nível alcançado por cada um destes três aspectos
3 COMPUTAÇÃO EM NUVEM As principais entidades que fazem parte do modelo de computação em nuvem são os provedores, que são as entidades que fornecem e mantém o hardware e software hospedados em sua infraestrutura física para serem usados de forma virtual pela entidade consumidor, que são outras empresas, organizações ou usuários. Isto significa que o usuário final como um cliente comum não deve ter nenhum tipo de preocupação com a atualização do seu sistema ou com a compra de aplicações, assim como empresas não deverão mais se preocupar em gerenciar totalmente seus ativos, sua rede e a segurança dos seus dados. Toda e qualquer atualização, melhoria ou dispositivo que estiver disponível pode ser adquirida de acordo com o que o usuário precisa para seus objetivos, sejam eles profissionais ou pessoais, desta forma, a fornecedora do serviço pode disponibilizar o melhor ambiente computacional, ajudando também a baratear o custo tanto para o usuário quanto para a empresa fornecedora. De acordo com o conceito de computação em nuvem essas necessidades serão atendidas com sua utilização, pois o arquivo poderá ser acessado de qualquer lugar, desde que haja Internet, com conforto e praticidade podendo acessar seus dados de um celular, notebook, PDA, desktop ou qualquer outro dispositivo com acesso a Internet. (FENILLI; MARCHI, p. 1, 2011) Existem três tipos principais de modelos de serviço oferecidos pela computação em nuvem, são eles: Infrastructure as a Service (IaaS) ou Infraestrutura como serviço, Platform as a Service (PaaS) ou Plataforma como serviço e Software as a Service (SaaS) ou Software como serviço. (FENILLI e MARCHI, p. 1, 2011) O IaaS procura fornecer toda a infraestrutura necessária ao negócio do cliente, principalmente no que diz respeito a armazenamento, processamento e redes. Nesse neste ambiente a virtualização é amplamente utilizada pois pode entregar os serviços na medida que o usuário necessita, fazendo com que ele gaste apenas o que utilizou e que a empresa entregue apenas o necessário, sem desperdícios. “IaaS é baseado em técnicas de virtualização, seus recursos podem ser diminuídos ou aumentados de acordo com a necessidade do usuário.” (FENILLI; MARCHI, p. 1, 2011) Um exemplo de IaaS é o serviço prestado pela Amazon, o Amazon Simple Storage Service1 que permite o armazenamento PÓS EM REVISTA l 375
de dados em seus storages. O PaaS é destinado aos usuários que irão trabalhar na criação de aplicações:
caso algum dos requisitos de segurança já citados (confidencialidade, integridade ou disponibilidade) seja comprometido. E através dessa analise, as organizações podem mover integral
O PaaS tem por objetivo facilitar o desenvolvimento de
ou parcialmente seus processos ou dados para o ambiente de
aplicações destinadas aos usuários de uma nuvem,
computação em nuvem.
criando uma plataforma que agiliza esse processo. O
Para avaliar os potenciais riscos de segurança no ambien-
PaaS oferece uma infraestrutura de alto nível de inte-
te computacional em nuvens, é necessário entender os riscos
gração para implementar e testar aplicações na nuvem.
de segurança dos três principais modelos já estudados (Saas,
(RUSCHEL, ZANOTTO E MOTA, p. 8, 2008).
PaaS e IaaS) de implantação de nuvem computacional. Para os serviços prestados pelo IaaS, os principais riscos a
Isto significa que recursos necessários para que alguém
serem considerados são aqueles que dizem respeito a disponibi-
possa desenvolver programas, seja qual for à linguagem que
lidade, de certa forma podemos dizer que o IaaS é a base para
esteja utilizando, estão a cargo do fornecedor, o usuário não
os outros ambientes pois provê a capacidade necessária para se
tem de se preocupar com problemas de desempenho, pois, os
realizar qualquer outra atividade. “O nível IaaS serve de base para
recursos são alocados de acordo com sua necessidade. Este
os demais modelos de fornecimento de serviço (PaaS e SaaS),
modelo procura dar suporte a todas as etapas da criação de
sendo que a falta de segurança neste nível certamente afetará os
uma aplicação: seu desenvolvimento, o ambiente de testes, a
modelos construídos sobre a mesma.” (MARCON et al., 2010).
implantação, a escalabilidade, dentre outros.
O IaaS oferece a parte estrutural e por isso deve levar em
Um bom exemplo do Paas é o Google App Engine, desen-
consideração falhas que possam acontecer com seus servido-
volvido pela Google, que fornece um ambiente favorável para
res, equipamentos de rede e de armazenamento. Imagine que
aplicativos baseados em compiladores com base em JVM, a
se está trabalhando em algum documento que está armazenado
partir das necessidades do mesmo.
em um servidor que sai do ar por qualquer motivo, seja ele uma
O SaaS é um modelo que busca entregar ao cliente os sof-
simples falha de hardware ou até mesmo um desastre natural no
twares necessários para que o mesmos desempenhem suas
local onde está guardado o servidor, causando a interrupção do
funções, seja isto num âmbito profissional ou pessoal. O sof-
funcionamento do mesmo.
tware fica instalado em um servidor específico para aplicações e
O IaaS trabalha com a virtualização e essa tecnologia é uti-
diversos usuários podem abrir, remotamente, uma instância da
lizada por diferentes usuários, utilizando diferentes serviços com
aplicação, dispensando assim a aquisição de várias licenças.
diferentes necessidades em um único equipamento, podendo
(SOUSA; MOREIRA e MACHADO, 2010).
acarretar problemas, uma vez que as máquinas virtuais podem
Este modelo possui uma interface mais simples que busca facilitar a utilização pelos usuários, mas também, como qualquer outro serviço prestado em nuvem, pode se adequar as necessidades do usuários mais avançados.
não estar totalmente preparadas, no que diz respeito a segurança. (Marcon et al. 2010) Um bom exemplo é a utilização de ataques side-channel3 aonde é possível se fazer uma análise estatística da velocidade
Um exemplo para o SaaS é o Impel CRM2, uma aplicação
de tráfego da rede a medida que as teclas são digitadas, assim
totalmente WEB que possui três modelos: Sales, Marketing e Su-
como as emanações eletromagnéticas de tela, para determinar
pport, que buscam auxiliar o usuário nas tarefas voltadas para
o que está sendo realizado na máquina. (Marcon et al. 2010)
cada uma destas atividades como organizar reuniões, campa-
Outro fator muito importante a ser considerado são as tenta-
nhas de marketing, análise de métricas de suporte e satisfação
tivas de roubo de credenciais, onde pessoas mal intencionadas
do cliente entre outros.
tentam obter, de maneira fraudulenta, os usuários e senhas de acesso de usuários legítimos do sistema.
4 RISCOS E AMEAÇAS O maior desafio a ser enfrentado pela computação em nuvens, principalmente para as organizações é a segurança. Para entender os potenciais riscos de segurança, elas devem fazer uma analise completa do serviço de nuvem que iram utilizar. No processo de análise devem-se avaliar os impactos gerados 376 | PÓS EM REVISTA
Neste contexto, uma técnica comumente utilizada é a de phishing4, aonde os usuários são influenciados a fornecer os dados de sua conta. Um exemplo são os e-mails enviados solicitando a atualização de cadastro para contas de banco, aonde o usuário sem saber acaba fornecendo seus dados bancários. Existem também, sites que são criados idênticos aos legítimos aonde o usuário insere suas informações imaginando estar fa-
zendo o acesso ao site original, porém, acaba fornecendo infor-
do ambiente de computação em nuvem, deve dispor de, pelo
mações e acesso para desconhecidos.
menos, mais de uma técnica capaz de garantir estes três itens, dessa forma é possível aumentar muito as chances de asse-
5 COMO GARANTIR A SEGURANÇA
gurar que quem está acessando os serviços fornecidos é re-
Agora vamos dar alguns exemplos e métodos que podem
almente quem “diz” que é, possui autorização para acessar os
ser utilizados de forma a minimizar os riscos no ambiente de
arquivos e serviços que seleciona e o que foi feito com os mes-
nuvem. Os usuários, ao utilizarem o serviço em nuvem, estão
mos. De acordo com Marcon (p. 20, 2005) “A autorização é o
confiando todos os dados e informações que ele produz ao pro-
processo de conceder ou negar direitos a usuários ou sistemas,
vedor do serviço, desse modo é importante que várias medidas
por meio das chamadas listas de controle de acessos (Acess
e políticas de proteção sejam adotadas para que, no caso de
Control Lists – ACL), definindo quais atividades poderão ser rea-
alguma queda do serviço, as informações não sejam completa-
lizadas, [...]”, ainda segundo Marcon (p. 20 2005).
mente perdidas. (Marcon et al. 2010)
A privacidade e integridade das informações são então itens de suma importância, pois especialmente em nuvens publicas existe uma grande exposição a ataques. Dentre as capacidades requeridas para evitar a violação das informações está: a criptografia dos dados, o controle de acesso rigoroso e sistema eficaz de gerenciamento de cópias de segurança. (Nogueira apud KAUFMAN, 2011 p.5).
A autenticação é o meio para obter a certeza de que o usuário ou o objeto remoto é realmente quem está afirmando ser. É um serviço essencial de segurança, pois uma autenticação confiável assegura o controle de acesso, determina que está autorizado a ter acesso à informação, permite trilhas de auditoria e assegura a legitimidade do acesso. Existem três métodos para autenticação de usuários: usuário e uma senha, token ou cartão e análise de retina ou impres-
No caso de problemas relacionados à disponibilidade dos
são digital. A combinação de todos ou dois destes métodos di-
serviços, como em uma falha ou catástrofe, os provedores do
ficulta bastante para que pessoas mal intencionadas consigam
serviço devem estar preparados com políticas de contingência
acessar os recursos da nuvem tentando se passar por outro
capazes de fazer com que a indisponibilidade dure o menor tem-
usuário, uma vez que dificilmente conseguirá duas destas infor-
po possível, em casos mais críticos, e até mesmo imperceptí-
mações necessárias para acesso.
vel aos usuários. Neste sentido, existem várias estratégias de
Uma boa política para conseguir disponibilizar o acesso
contingência, sendo que as duas principais são as Hot site e
permitido para cada tipo de usuário é o SSO (single sign on).
a Warm site. A primeira, segundo Marcon ( p. 84, 2005), é uma
O SSO é uma identificação única fornecida ao usuário que con-
estratégia pronta para ser iniciada assim que alguma situação
tém todas as informações referentes ao seu perfil de usuário, ou
de risco ocorrer e está relacionada ao tempo de tolerância a fa-
seja, o que ele pode ou não pode acessar e utilizar dentro de
lhas do que está sendo protegido, como um banco de dados
determinados domínios ou, em outras palavras, dentro da rede
que não pode passar por mais de alguns segundos de indis-
do provedor de serviço, estas informações são repassadas ao
ponibilidade, uma vez que se tratam de locais equipados com
servidor de identidades responsável por armazenar todos estes
instalações capazes de atender as necessidades da empresa,
SSO, os perfis de acesso, e a política de acesso para cada tipo
ao mesmo tempo em que, um backup dos dados é enviado pe-
de usuário e recursos do sistema, a partir daí o servidor de fe-
riodicamente para o hot site garantindo a integridade dos dados.
deração de identidades se comunica com o servidor provedor
Ainda segundo Marcon (p. 84, 2005) a opção “Warm site” é
do serviço, seja ele o IaaS, SaaS ou PaaS que identifica o que
uma estratégia aplicada a objetos que podem permanecer um
poderá ser acessado e utilizado por aquele SSO.
tempo maior indisponível, são locais com uma infraestrutura um
“Para fornecer acesso ao diferentes níveis de serviço, a orga-
pouco mais reduzida, porém não menos capazes, pois podem
nização consumidora pode utilizar um serviço SSO (single sign
retomar os serviços em até 24 horas e também possuem ba-
on) que faça parte de uma federação para autenticar os usuários
ckup dos dados em um período um pouco maior, esta estratégia
das aplicações disponíveis na nuvem”. (Marcon et al. 2010)
pode ser utilizada nos serviços de email, pois não comprometem tão intensamente o negócio. A autenticação, autorização e auditoria de usuários dentro
Dessa forma é possível fazer com que o usuário insira suas credenciais apenas uma vez mesmo tendo que utilizar diferentes recursos da nuvem, simplificando o acesso, pois, só existe uma PÓS EM REVISTA l 377
credencial o que pode garantir também maior autenticidade e
ção em nuvem. E essa transferência faz aumentar a possibilida-
uma auditoria mais fácil do mesmo, uma vez que só existe uma
de dos serviços prestados. Mas faz também aumentar os riscos
credencial para todos os acessos.
de exposição dos aplicativos e dados.
Para proteger os dados transmitidos durante a utilização da
Foram mostrados aqui alguns desses riscos e métodos de
computação em nuvem, as técnicas de criptografia devem ser
minimiza-los. Porem é necessário ressaltar que é imprescindível
amplamente utilizadas, esta técnica consiste em utilizar algorit-
o estudo e acompanhamento assíduo destes novos recursos e
mos para cifrar os dados que estão sendo transmitidos, depois
de seus riscos
de cifrados os dados podem ser enviados aos destinatários que
Como qualquer novo conceito a ser trabalhado, a computa-
precisarão conhecer a chave ou o código utilizado para decifrar
ção em nuvem ainda pode apresentar diversas novidades tanto
o que foi recebido.
em desempenho, interoperabilidade e desenvolvimento quanto
A criptografia representa um conjunto de técnicas que
para segurança, privacidade e auditoria e uma boa combinação
são usadas para manter a informação segura. Estas téc-
destas estratégias podem garantir que os provedores de serviço
nicas consistem na utilização de chaves e algoritmos de
alcancem a confiança necessária dos clientes para venderem e
criptografia. Tendo conhecimento da chave e do algorit-
aprimorarem cada vez mais seus serviços.
mo usado é possível desembaralhar a mensagem recebida. (MARCON et al, 2005, p. 26) Uma maneira de garantir a transmissão segura dos dados é a utilização da VPN (Virtual Private Network) que são túneis criptográficos entre dois pontos autorizados que podem trocar informações sem que haja interações de terceiros. (MARCON et al, 2005, p. 31). Esta é uma conexão virtual e por isso não pode ser “enxergada” por usuários que estão fora do túnel, garantindo assim um nível maior de privacidade e integridade dos dados. Na VPN é utilizado o conceito de tunelamento aonde os pacotes de dados a serem transmitidos passam por um processo de criptografia para que não sejam decifrados caso ocorra uma
REFERÊNCIAS CARNEIRO, Ricardo Jose Gouveia; RAMOS, Cleisson Christian Lima da Costa. A Segurança na Preservação e Uso das Informações na Computação nas Nuvens. Disponível em: <http://www.fatecjp.com.br/revista/ art-ed02-001.pdf> Ultimo acesso em: 11 de abril de 2012 FRANCISCONI, Carlos Fernando; GOLDIM, Jose Roberto. Aspectos Bioeticos da Confidencialidade e Privacidade. Disponível em: < http:// www.portalmedico.org.br/biblioteca_virtual/bioetica/ParteIVaspectosbioeticos.htm> Ultimo acesso em 11 de Abril de 2012 FENILLI, Andressa T. R.; MARCHI, Kessia R.C. Computação em nuvem: Um Futuro Presente. Disponível em: < http://web.unipar.br/~seinpar/artigos/Andressa-Fenilli.pdf> Ultimo acesso em: 11 de abril de 2012
interceptação do mesmo e também por um processo de encapsulamento recebendo um cabeçalho a mais, este cabeçalho contém as informações de destino dentro do túnel e, ao chegar neste, é removido, o pacote de dados é decifrado e endereçado ao seu último destino.
6 CONCLUSÃO A melhor forma de vender computação em nuvem é com base em alguma medida de utilização, da mesma forma que é feito com recursos do nosso dia a dia como água, luz ou telefone é um grande desafio, e, ao longo do trabalho foi possível perceber que o ambiente de computação em nuvem, no que diz respeito às nuances da tecnologia e dos recursos que esta exige para garantir um serviço de qualidade, não é algo muito diferente do que já nos é oferecido nos dias de hoje como os serviços de e-mail, armazenamento de arquivos na internet, virtualização, criptografia, etc. assim como os aspectos de segurança destes serviços. Baseado nesse paradigma, a proposta desse trabalho é propor a transferência da computação pessoal para a computa378 | PÓS EM REVISTA
HURWITZ, Judith; BLOOR, Robin; KAUFMAN, Marcia; HALPER, Fern. Cloud Computing for Dummies. Disponível em: <http://www.ingrammicro.com/visitor/servicesdivision/cloudcomputingfordummies.pdf> Ultimo acesso em 11 de Abril de 2012 MARCON, Arlindo; LAUREANO, Marcos; SANTIN, Altair; MAZIERO, Carlos. Aspectos de Segurança e Privacidade em Ambientes de Computação em Nuvem. Disponível em: <http://professor.ufabc.edu.br/~joao. kleinschmidt/aulas/seg2011/nuvem.pdf> Ultimo acesso em: 11 de abril de 2012 MOURATO, Joao Carlos Gomes. Segurança de Sistemas de Informação. 2008. 10 f. Artigo (Licenciatura em Engenharia Informática) - Escola Superior de Tecnologia e Gestão – Instituto Politécnico de Portalegre, Portalegre, 2008 NOGUEIRA, Matheus Cadori; PEZZI, Daniel da Cunha. A Computação Agora é nas Nuvens. Disponível em: <http://www.inst-informatica.pt/ servicos/informacao-e-documentacao/dossiers-tematicos/teste-dossier-tematico-no-7-cloud-computing/tendencias/a-computacao-agora-e-nas-nuvens> Ultimo acesso em: 11 de abril de 2012 RUSCHEL, Henrique; ZANOTTO, Mariana Susan; MOTA, Welton da Costa. Computação em Nuvem. Disponível em: <http://www.ppgia.pucpr.
br/~jamhour/RSS/TCCRSS08B/Welton%20Costa%20da%20Mota%20-%20Artigo.pdf> Ultimo acesso em: 09 de abril de 2012 SOUSA, Flávio R. C.; MOREIRA, Leonardo O.; MACHADO, Javam C. Computação em Nuvem: Conceitos, Tecnologias, Aplicações e Desafios. Disponível em: <http://www.es.ufc.br/~flavio/files/Computacao_ Nuvem.pdf> Ultimo acesso em: 11 de abril de 2012
NOTAS DE RODAPÉ 1 Professor/Coordenador do curso de Sistemas de Informação do Centro Universitário Newton Paiva. asotoledo@hotmail.com Graduando do curso de Sistemas de Informação do Centro Universitário Newton Paiva. andredeed@yahoo.com.br 2 Serviço de armazenamento oferecido pela empresa Amazon, os arquivos ficam armazenados em servidores de arquivos da empresa e podem ser acessados pela internet. 3 (Customer Relationship Management – Impel CRM Disponível em: <http://www.impelcrm.in/>. 4 Em português, canal lateral. Ataque baseado em análises de variações do consumo de energia, emanações eletromagnéticas, etc. 5 Termo que representa a palavra em inglês fishing, que significa pesca. É uma forma de tentar obter dados pessoais dos usuários se passando por outra pessoa ou entidade.
PÓS EM REVISTA l 379
SPAM: e-mails não solicitados e indesejáveis Alex Sander de Oliveira Toledo 1 Carlos Henrique de Oliveira Carvalho 2
RESUMO: Este artigo apresenta os vários tipos de spams indesejáveis que recebemos, ameaças que afetam o serviço de correio eletrônico. Esclarece modos de como o usuário pode fazer reclamações quando não tem identificação do remetente e também indica formas corretas de enviar mensagens para destinatários que realmente lerão os e-mails. Palavras-chave: E-mail, spam, spammers, segurança.
INTRODUÇÃO
vítima, seja de um ISP3 ou de uma entidade pública ou privada.
Usuários hoje em dia recebem muitos e-mails indesejados
Segundo Campi (2011), um estudo realizado pela empre-
por pessoas anônimas, que afetam a segurança do serviço de
sa de segurança Trend Micro, apontou que no Brasil 80% dos
correio eletrônico, sendo propagandas, correntes, boatos, pro-
Spams tem como objetivo roubar os dados dos usuários, e que
gramas maliciosos que contém vírus e até mesmo mensagens
em 2010, foram registrados mais de 300 milhões de mensagens
ofensivas.
indesejadas circulando pela internet.
Segundo Teixeira (2001), muitas pessoas questionam se o spam não segue a ordem natural das coisas, afinal seria o
Nós mesmos podemos nos tornar um Spammer4, segue um exemplo do nosso cotidiano explicado por Brain:
mesmo caso dos vários folhetos de propaganda distribuídos na
Suponha que você conseguiu uma receita de bolo com
rua, enviados pelo correio tradicional, ou ainda dos serviços de
a sua vó. E um amigo sugere que você venda a receita
telemarketing.
por US$ 5. Você resolve dar crédito a seu amigo, en-
Segundo Zucco (2005), a palavra “spam” originou-se da
tão você envia um e-mail para 100 pessoas na lista de
marca de um tipo de carne suína enlatada da Hormel Foods
e-mails com o seguinte texto de assunto: “A melhor
Corporation, e que foi utilizada em um quadro do grupo de hu-
receita de bolo do mundo! Apenas US$ 5!” O e-mail
moristas ingleses chamado Monty Phyton, onde um grupo de
contém um link para a página da receita do bolo. Como
vikings começa a cantar insistentemente: “Spam, amado spam,
resultado dos seus 100 e-mails, você consegue dois
glorioso spam, maravilhoso spam!”, impossibilitando qualquer
pedidos e ganha US$ 10. “Nossa!”, você pensa, “Não
tipo de conversa. Esse quadro foi escrito para ironizar o racio-
gastei nada para enviar 100 e-mails e consegui ganhar
namento de comida ocorrido na Inglaterra durante e após a Se-
US$10. Se eu enviar 1000 e-mails posso ganhar US$
gunda Guerra Mundial. O Spam foi um dos poucos alimentos
100. Se eu conseguir enviar 1 milhão de e-mails, posso
excluídos desse racionamento, o que eventualmente levou as
faturar US$ 100 mil! Preciso descobrir como conseguir 1
pessoas a enjoarem da marca e motivou a criação do quadro.
milhão de e-mails...” Alguém já pensou nisso, por essa
A Hormel Foods Corporation não se posicionou contra o uso do
razão, existem centenas de empresas que podem ven-
termo spam para designar o envio de mensagens eletrônicas
der um cd com milhões de endereços de e-mail válidos.
não solicitadas após sua popularização, mas passou a exigir
Com a Microsoft Word você consegue formatar estes
que a palavra SPAM em letras maiúsculas seja reservada para
endereços em grupos de 100 e depois copiá-los para o
designar seu produto e marca registrada.
campo “Para:” de qualquer programa normal de e-mail.
Segundo a Polícia Judiciária (2009), spam é o termo empre-
Toda vez que você pressiona o botão “enviar”, que seria
gue para referir a emissão simultânea de uma mensagem de e-
uma vez a cada 5 segundos, você ganha US$ 10. Então,
-mail para vários utilizadores ao mesmo tempo, tem, regra geral,
é possível faturar algo em torno de US$ 700 por hora.
as seguintes características:
(BRAIN, 2007).
1)não é solicitado pelo receptor; 2) a identificação do remetente é falsa; 3) é usada a máquina servidora de correio eletrônico de uma 380 | PÓS EM REVISTA
Este artigo tem o intuito de apresentar os vários tipos de spams não solicitados que recebemos e ajudar os usuários a
se prevenirem para garantir a segurança dos dados, mostrando como estas ameaças afetam o serviço de correio eletrônico da pessoa que é atraída por propagandas. Identificar as principais características e seus aspectos negativos e informá-los como
- O tempo perdido pelo usuário para identificar se o e-mail é um spam e depois excluí-lo da sua caixa de entrada; - Aumento de ocupação de espaço na caixa postal, impossibilitando o usuário de receber e-mail;
eles podem fazer reclamações quando não tem identificação da
- Aumento do tempo de leitura de mensagens;
pessoa que enviou o spam. Também ensinar aos usuários como
- Spams que são enviados a muitos destinatários que pos-
não se tornarem um Spammer, enviando mensagens com nome e endereço corretos para os destinatários que realmente lerão os e-mails.
sam ter conteúdos ofensivos ou impróprios para menores; - Esquemas de fraude que dão prejuízo ao usuário, fazendo com que eles instalem programas inadequados e/ou maliciosos
O Artigo está estruturado em cinco partes: A segunda parte
que roubam os dados pessoais e até mesmo financeiros. Os
apresenta os problemas causados aos usuários, dando exemplos
famosos phishing5 onde utilizam as informações fornecidas pelo
de ameaças que afetam de várias formas a caixa de correio ele-
usuário;
trônico; a terceira parte identifica os tipos de spams indesejáveis e
- Usuários que são incluídos na lista de bloqueio, por esta-
como prevenir; a quarta parte indica os métodos de reclamação; e
rem envolvidos com spam, fazendo com que eles não recebam
por último, a quinta parte que apresenta a conclusão do trabalho.
mais e-mails importantes e ocasionando a perda de clientes.
PROBLEMAS CAUSADOS
COMO IDENTIFICAR OS TIPOS DE SPAMS E SE PREVENIR
Com seu enorme crescimento, a Internet passou a ser um
O conteúdo da mensagem deve ser analisado para que não
meio oportuno e facilitador para comunicar e fazer propaganda
afete o sistema e a rede que utilizamos. E-mails que não interes-
de vários produtos, existindo assim uma vantagem de investir
sam, que não tem importância alguma para os usuários, devem
pouco e ganhar muito. Uma evolução de negócios e informa-
ser excluídos.
ções a serem disponibilizadas aos usuários, mas que se acaba obtendo práticas ruins pelos Spammers que conseguem e-mails para serem destinatários de mensagens maliciosas.
Os conteúdos dos spams que normalmente são enviados estão exibidos no gráfico da Figura 1. Pelo programa Thunderbird, que é um cliente de e-mails da
Essa prática vem evoluindo de ano em ano com novas tec-
Mozilla, é possível bloquear conteúdos que não nos interessam,
nologias e aplicações, sendo disfarces para atrair os leitores de
por ter embutido um filtro anti-spam que previne golpes de mensa-
e-mails, pois estes spams degradam o desempenho de redes e
gens maliciosas. Este filtro serve para identificar os spams e indica
sistemas dos computadores e até mesmo de servidores. A seguir
que nós possamos apagar sem ter prejuízo. Todas as mensagens
temos alguns exemplos dessas ameaças que afetam a segurança:
que ele considerar parecidas serão marcadas como spam.
PÓS EM REVISTA l 381
Quanto as mensagens que recebemos, normalmente elas já
ativar o filtro anti-spam no programa Thunderbird.
são marcadas como spam pelo site servidor de e-mails de que
Pela aba “Filtro adaptável” que está localizada em Ferra-
estamos cadastrados. Na parte superior da mensagem especí-
mentas > Filtro anti-spam, é só marcar a opção “Identificar
fica, ela já está com uma pequena explicação sobre a mesma
spam ao receber mensagens desta conta” que todas as vezes
ser um spam. É bom sempre usar essa informação para manter
que você receber e-mails ele irá identificar se a mensagem é ou
a proteção a e-mails perigosos, para entender melhor sobre o
não um spam.
porquê ela está marcada como um spam.
Quando recebemos um e-mail devemos primeiramente
Normalmente para se prevenir, é bom ter instalado um filtro
identificar o remetente e os destinatários do envio dessa men-
anti-spam, pois eles identificam se o e-mail é ou não um spam,
sagem. Normalmente Spammers colocam uma grande lista de
mas estes complementos devem ser configurados pelo próprio
usuários no campo Cco ou Bcc, que não é mostrado a quem re-
usuário para que tenha eficiência esse excelente método de aju-
cebe, virando e-mails suspeitos que não tem identificação mas
da para proteger o correio eletrônico. A Figura 2 mostra como
que contém códigos que contaminam a máquina.
No campo assunto os Spammers colocam textos atraentes
nuará a enviar mensagens maliciosas.
ou vagos que confundem os filtros de anti-spam. Muitas vezes
Os spammers utilizam e-mails de outras máquinas mal con-
de forma enganosa, onde o conteúdo da mensagem não tem
figuradas que já estão infectadas para enviar mensagens auto-
nada a ver com o título do e-mail, uma grande armadilha para
matizadas e de forma anônima. Para encontrar o responsável de
navegadores desatentos ou inexperientes da Internet que clicam
onde partiu o e-mail na internet existem várias bases de dados
em qualquer link.
das informações de números IP’s. Acessando o site http://registro.br é possível fazer uma pesquisa pelo IP ou nome de domí-
COMO RECLAMAR
nio6 do computador que enviou o spam.
Para se manter informado sobre todos os tipos de spams
Se reclamarmos de uma mensagem indesejável enviada da
que existem na internet, deve-se ler com atenção todas as men-
rede o remetente pode receber penalidades. Mas como é difícil
sagens, evitar informar dados pessoais, preservando a privaci-
reconhecer o remetente, podemos manter o e-mail mail-abuse@
dade, sendo criterioso com todas as opções fornecidas, usando
cert.br na cópia de reclamações de spam. Pois assim o CERT
softwares de proteção a caixa de e-mails, sempre mantendo ver-
manterá dados sobre a incidência e também a origem dos spa-
sões e configurações atualizadas.
ms, identificará computadores que estão sendo utilizados pelos
O recomendável por pessoas que entendem muito do as-
spammers. Quando for o caso de phishing ou scam, devemos
sunto é que nunca devemos responder a um spam solicitando a
reclamar enviando o cabeçalho e o conteúdo da mensagem
remoção do nosso e-mail na lista deles, pois se respondermos,
completos para que sejam mais fáceis de identificar, para o
os spammers terão certeza de que o e-mail é válido e ele conti-
mesmo e-mail.
382 | PÓS EM REVISTA
CONCLUSÃO
NOTAS DE RODAPÉ
É difícil manter a proteção da máquina quando ameaças
1 Professor/Coordenador do curso de Sistemas de Informação do Centro Universitário Newton Paiva. asotoledo@hotmail.com
vêm da internet, pois elas podem vir de várias formas, e o mais comum agora é por e-mails. Mensagens não solicitadas sendo enviadas para milhares de usuários inocentes.
2 Graduando do curso de Sistemas de Informação do Centro Universitário Newton Paiva. carlos.hoc@hotmail.com
Dentre as várias ameaças que entram na caixa de e-mails, a melhor maneira de prevenir é ler com bastante atenção e sempre verificar se há o e-mail do remetente e, caso seja preciso, denunciar para não receber mais esses tipos de mensagens indesejáveis.
3 Um ISP é uma empresa que fornece acesso à Internet, em geral, mediante o pagamento de uma taxa. As maneiras mais comuns de conectar-se com um ISP são usando uma linha telefônica (dial-up) ou uma conexão de banda larga (cabo ou DSL). Muitos ISPs prestam serviços adicionais, por exemplo, contas de e-mail, navegadores da Web e espaço para criar um site.
REFERÊNCIAS BRAIN, Marshall, “Como funciona o spam”. Traduzido por HowStuffWorks Brasil. Disponível em: <http://informatica.hsw.uol.com.br/spam. htm>. Acessado em 05 de abril de 2012.
4 Usuários que tem identificação falsa como forma de prejudicar outras pessoas, enviam e-mails utilizando nomes e endereços falsos. Mandam mensagens para atrair o destinatário.
CAMPI, Monica, de INFO Online, março de 2011. Spam é o mais usado no Brasil para roubar dados. Disponível em: <http://info.abril.com.br/ noticias/seguranca/spam-e-o-mais-usado-no-brasil-para-roubar-dados-25032011-36.shl>. Acessado em: 07 de abril de 2012.
5 Maneira de adquirir dados do usuário para poder se passar por uma pessoa confiável, fraude eletrônica de comunicação. 6 Domínio é o nome para um endereço IP e é mais reconhecido como um site ou endereço da web. Por exemplo, Google.com.br é um domínio.
Centro de Estudos, Resposta e Tratamento de Incidentes de Segurança no Brasil. Disponível em: <http://www.cert.br/>. Acessado em 01 de maio de 2012. POLÍCIA JUDICIÁRIA. Criminalidade informática. Disponível em: <http://www.policiajudiciaria.pt/htm/noticias/criminalidade_informatica. htm>. Acessado em 22 de março de 2012. TEIXEIRA, Renata Cicilini. O Pesadelo do Spam. Disponível em: <http:// scholar.googleusercontent.com/scholar?q=cache:YVZPPusytPsJ:scho lar.google.com/+spam&hl=pt-BR&lr=lang_pt&as_sdt=0>. Acessado em: 08 de abril de 2012. Windows Internet Explorer, O que é um ISP? Disponível em: <http:// windows.microsoft.com/pt-BR/windows-vista/What-is-an-Internet-Service-Provider-ISP>. Acessado em: 18 de março de 2012. ZUCCO, Jeronimo Cleberson, julho de 2005. Técnicas e Ferramentas de Código Aberto para Combate ao Spam. Disponível em: <http:// lib.seven.com.br/arquivos/893/JeronimoZucco.pdf>. Acessado em: 08 de abril de 2012.
PÓS EM REVISTA l 383
TÉCNICAS DE SEGURANÇA EM INTERNET BANKING SÁVIO SANTIAGO BRANDÃO1 IREMAR NUNES DE LIMA2
Resumo: Este trabalho aborda questões de segurança relativas às transações realizadas nos canais de atendimento bancários por meio do Internet Banking. Descreve conceitos, técnicas, objetivos, vantagens e desvantagens dos principais mecanismos de segurança em Internet Banking usados atualmente pelas principais instituições bancárias do país. Palavras-chave: Sistemas de Informação, Segurança da Informação, Internet Banking.
1 INTRODUÇÃO
seus clientes e diminuição de custos, o Internet Banking foi ado-
O computador e a internet revolucionaram o mundo e abri-
tado pelos bancos e bem aceito pelos usuários, que cada vez
ram novas possibilidades. A partir deles foi possível realizar
mais utilizam este tipo de serviço. Daí também surgiu a possibi-
tarefas que antes seriam impossíveis sendo indispensáveis no
lidade de pessoas mal intencionadas descobrirem meios para
cenário mundial atual. Enquanto os computadores armazenam
praticarem fraudes financeiras. Para manter o serviço de Internet
e processam dados de forma cada vez mais rápida, a internet
Banking, os bancos tiveram que adotar medidas de combate a
tem a função de ser o principal meio pelo qual estes dados são
fraudes, visando garantir a segurança das operações. O proble-
transportados devido ao seu alcance e velocidade de tráfego de
ma é que não é tarefa fácil manter esta segurança e para isso
dados. Por terem essas características e realizarem estas fun-
os bancos têm adotado diversas técnicas e mecanismos cada
ções foi possível informatizar o dinheiro [4].
vez mais sofisticados para evitar o roubo de dados e prática de
Hoje em dia compras e pagamentos são feitos sem que as
fraudes. Iremos abordar este tema ao longo do artigo.
pessoas toquem em moedas ou cédulas de dinheiro. Para isso utilizam cartões, cheques ou celulares entre outros. E esses ti-
2 SEGURANÇA DE SISTEMAS
pos de operações, sem contato com dinheiro real, tendem a ser
Com o surgimento do canal de atendimento bancário para
cada vez mais utilizados pelas pessoas, já que é cada vez maior
disponibilização de serviços via internet a seus clientes, chama-
o número de indivíduos se habituando a utilizarem serviços na
do de Internet Banking, os bancos tiveram que adotar medidas
Web. Valores são movimentados entre diferentes bancos sob di-
de combate a roubo de informações e garantir que as transa-
versas formas de transações. Isso acontece porque os valores
ções realizadas ocorressem de forma segura.
são registrados em sistemas computacionais e a cada operação
Caso um intruso consiga burlar o sistema e ter acesso às
são atualizados. O controle é feito pelos governos, instituições
informações bancárias de um determinado cliente ele além de
financeiras e bancárias, que não teriam condições de gerenciar
ter a possibilidade de movimentar quantias de dinheiro da forma
tantos valores se não fosse pelos sistemas de informação.
que achar conveniente, passa também a ter acesso a detalhes
Ir até agências bancárias para realizar operações como, por
da vida financeira e pessoal do indivíduo, o que pode colocar
exemplo, pagamento de boletos, extratos e transferências de va-
em risco a segurança deste cliente. O intruso passa a ter em
lores, ainda é prática comum de muitos. O problema é que mui-
mãos conhecimento sobre os valores financeiros do cliente, que
tas vezes isso se torna uma tarefa demorada e irritante. O Inter-
podem motivá-lo a realizar até mesmo crimes civis, como se-
net Banking tornou-se um novo canal de atendimento oferecido
questros, extorsões e roubos, para obter dinheiro da vítima.
pelos bancos para proporcionar a seus clientes maior agilidade
Devido a vários problemas que podem ser gerados pelo
nas operações bancárias. Através do Internet Banking diversos
roubo de informações via operações realizadas na Web, torna-
serviços são oferecidos na Web, possibilitando um acesso rá-
-se muito importante implementar uma boa técnica de seguran-
pido a um catálogo diversificado de serviços, que podem ser
ça dos dados em sistemas de informação para Internet Banking,
acessados de dispositivos conectados a internet, de qualquer
para garantir o sigilo de informações bancárias.
lugar, a qualquer momento e de forma rápida [4]. Por ser um serviço que proporciona muita comodidade aos 384 | PÓS EM REVISTA
São características básicas da segurança da informação os atributos de confidencialidade, integridade e disponibilidade.
Confidencialidade, propriedade que limita o acesso a
segurança que são disponibilizados aos usuários dos serviços.
informação tão somente às entidades legítimas, ou seja,
Os bancos perceberam que educar seus clientes e inserí-los em
àquelas autorizadas pelo proprietário da informação.
uma nova cultura, a da segurança de informações, tem se mos-
Integridade, propriedade que garante que a informação
trado uma tarefa muito mais dispendiosa. Muitas são as tecno-
manipulada mantenha todas as características originais
logias que foram desenvolvidas e disponibilizadas aos clientes,
estabelecidas pelo proprietário da informação, incluindo
muitas ainda estão por vir, algumas são obrigatórias outras op-
controle de mudanças e garantia do seu ciclo de vida
cionais, além de poderem gerar gastos na implementação.
(nascimento, manutenção e destruição). Disponibilida-
Uma vantagem para os bancos é que as tecnologias dis-
de, propriedade que garante que a informação esteja
ponibilizadas aos clientes são muito bem aceitas. Geralmente
sempre disponível para o uso legítimo, ou seja, por
os clientes sentem-se mais seguros e consequentemente pas-
aqueles usuários autorizados pelo proprietário da infor-
sam a utilizar mais o Internet Banking e mesmos que sejam res-
mação [13].
sarcidos clientes não querem ser vítimas de golpes, pois eles também são prejudicados. Na seção seguinte iremos abordar
Manter estas características é importante para que um sistema possa operar de forma confiável. Para que isso ocorra, sistemas de segurança utilizam técnicas e mecanismos que garantem tais funcionalidades e impedem a invasão do sistema e o roubo de informações. Pessoas maliciosas chamados de Crackers, termo usado para designar quem pratica a quebra (ou cracking) de um sistema de segurança, de forma ilegal ou sem ética [3], agem de diversas formas para burlarem sistemas de segurança. Estão sempre planejando e inovando novas táticas, descobrindo brechas que possibilitam a invasão dos sistemas, roubo de informações e prática de fraudes. Todo sistema possui vulnerabilidades, mas à medida que os crackers descobrem novas armas, medidas de tratamento de ataques são implementadas de forma eficaz e a cada dia torna-se mais difícil para eles a quebra de sistemas. Estruturas tecnológicas muito bem estruturadas são utilizadas para fornecerem serviços via internet. São muito bem configuradas e monitoradas para garantirem o máximo de segurança possível. Sendo assim o ataque dos crackers a estes sistemas requer muita habilidade e tempo para investidas e ainda com riscos de serem rastreados e identificados [3]. Como os servidores não são alvos fáceis, os alvos de investidas de crackers tornaram-se os usuários, que geralmente não têm conhecimento específico, não adotam medidas de segurança e nem possuem tecnologias de segurança eficazes [13]. Apesar da culpa pelas fraudes eletrônicas nos serviços bancários serem quase sempre do usuário, os bancos ainda têm que ressarcir muitos de seus clientes que foram vítimas de golpes. Isso prejudica as entidades bancárias, que acabam desembolsando enormes quantias nos ressarcimentos. Para evitar prejuízos, os bancos além de tentarem educar seus clientes, têm implementado técnicas e mecanismos de
as principais tecnologias (também chamadas aqui de técnicas) usadas pelos bancos para garantir a segurança nas transações via Internet Banking. Não temos a pretensão de abordar todas as técnicas já existentes, mesmo porque a cada dia novas são criadas e as já existentes aperfeiçoadas. 3 TÉCNICAS DE SEGURANÇA EM INTERNET BANKING Existem hoje no mercado diversas técnicas para segurança dos Internet Banking. Nas seções seguintes serão descritas as principais, indicando o objetivo da técnica, pontos fortes e desvantagens ao se utilizá-la, quando possuir. 3.1 Bloqueio de senha por tentativas de autenticação O bloqueio de senha acontece quando alguém erra um determinado número de vezes a senha ao tentar autenticar-se. Tem como objetivo evitar que um possível invasor faça várias tentativas de autenticação para testar combinações de senha diferentes. Sua desvantagem é que caso o usuário confunda sua senha e tente algumas vezes inserir combinações erradas, ocorrerá o bloqueio da senha e mesmo que ele se lembre depois, não poderá utilizar o Internet Banking até desbloqueá-la em outro canal de atendimento, o que pode vir a ocorrer demora ou impedimentos. 3.2Teclado virtual O teclado virtual trata-se de uma técnica para inserção de senhas em transações de Internet Banking. O usuário clica com o mouse sobre um teclado numérico disponibilizado na página web que substitui o teclado convencional. Tem como objetivo evitar que programas espiões (spywares), ou keyloggers (programas que capturam o que os usuários digitam), instalados nos computadores sem que os usuários saibam, capturem dados confidenciais, como senhas, e repassem esses dados a PÓS EM REVISTA l 385
crackers. Os crackers tendo em mãos tudo o que os usuários
um computador cadastrado, por exemplo, com o mesmo ende-
digitam podem descobrir senhas através das máquinas infec-
reço MAC. Uma desvantagem é que pode existir a necessidade
tadas. O teclado virtual impede a captura dos dados digitados.
de utilização de um computador que ainda não está cadastrado.
Por outro lado, ao obrigar que o usuário utilize o mouse
Por depender de outros canais de atendimento, pode vir a ter
para clicar sobre a imagem do teclado virtual, permite que outra
impedimentos ou demora na solicitação de um código de autori-
pessoa que esteja observando o usuário, veja o que foi clicado,
zação. Caso ocorram certas alterações de hardware no compu-
já que as imagens são mais fáceis de serem vistas do que as
tador, como mudança de HD, ou alteração da versão do sistema
teclas digitadas. Outra desvantagem é que os crackers podem
operacional pode ser necessário um novo cadastramento.
utilizar programas que capturam imagens da tela do computador (screenloggers). Assim, os teclados virtuais não impedem espionagens, já que os crackers podem ter a imagem da tela do usuário no momento em que ele clica sobre o teclado virtual, o
3.4 Complemento de segurança para o navegador (plugin) Trata-se de um programa acoplado ao navegador (deno-
que permite a descoberta da senha.
minado plugin) para ampliar suas funções de segurança na
3.3 Identificação do computador
detectar e inibir softwares maliciosos instalados no computador
É um procedimento de segurança que identifica os computadores, permitindo acesso ao Internet Banking apenas os computadores cadastrados pelo usuário. Cada computador possui certas características que são únicas, como por exemplo, o endereço MAC (Media Access Control), o que torna possível identificá-lo. O Endereço MAC é único sendo um endereço físico associado à interface de comunicação, que conecta um dispositivo à rede. Para fazer o cadastro do computador o usuário faz uma solicitação, geralmente através de algum meio de comunicação que não seja a internet (telefone ou presencialmente), para receber um código de autorização, normalmente composto por caracteres alfanuméricos e com prazo de validade. Após acessar o Internet Banking o usuário informa o código que rece-
utilização do Internet Banking específico. Tem a finalidade de que visam roubar dados. O plugin deve ser instalado na máquina e somente quando o usuário acessa o Internet Banking é que ele entrará em ação fazendo uma inspeção em determinadas áreas do computador para identificação de falhas de segurança. Entre suas desvantagens está a obrigatoriedade e necessidade de instalação na máquina e caso o usuário não tenha permissão para instalação de programas no computador não poderá usar determinadas funcionalidades do Internet Banking. O plugin também tem que ser compatível com versão atual do navegador e como alguns navegadores tem atualizações de versão constante o plugin pode ficar incompatível com o navegador até que surja uma adequação pra ele.
beu para que seja feita a identificação e cadastro da máquina, que passa a ser autorizada a realizar transações. Geralmente os bancos oferecem dois tipos de cadastros: o temporário e o definitivo, o que ajuda a reforçar a segurança. No cadastro temporário o computador fica autorizado por um tempo determinado, que pode ser de dias ou horas. Tem como objetivo ser usado para cadastro de um computador que não será habitualmente utilizado pelo usuário, como por exemplo, computadores de hotéis durante o período de viagem. O outro tipo de cadastro é o definitivo e nele a máquina fica autorizada ao acesso por um tempo indeterminado. Tem como objetivo ser usado para cadastro de um computador que será frequentemente utilizado pelo usuário.
3.5 Encerramento da sessão Trata-se da finalização automática do acesso ao Internet Banking caso haja inatividade por um tempo determinado. Sua finalidade é evitar que outra pessoa realize operações após a ausência do usuário quando este não faz o encerramento de seu acesso. Como o acesso é encerrado automaticamente após um tempo de inatividade o usuário não precisa se preocupar em encerrar o acesso caso tenha que ausentar-se. Pode apresentar como desvantagem autenticações repetitivas caso o tempo de encerramento de sessão seja curto para certas operações que envolvam preenchimento de longos formulários.
A principal vantagem dessa técnica é que mesmo que a senha do usuário seja identificada, a realização das operações financeiras somente acontecerá se o Internet Banking estiver sendo acessado de uma máquina autorizada previamente pelo cliente. Apesar de ser uma boa técnica existe a possibilidade de criação de uma máquina virtual com características iguais a de 386 | PÓS EM REVISTA
3.6 Cartão de senhas É um cartão que contém várias combinações numéricas, ordenadas, em que cada uma delas terá sua posição definida por um número. São utilizadas como chaves de segurança (senhas)
e cada usuário deverá ter um cartão único. É um complemen-
Nas versões com conexão via porta USB, os tokens são
to de segurança que não substitui a senha principal de acesso
capazes de armazenar certificados digitais que asseguram a
ao Internet Banking e suas chaves de segurança são utiliza-
identificação do usuário nas transações. As chaves criptográ-
das para confirmação de transações financeiras. Funciona da
ficas são totalmente protegidas, sendo impossível exportá-las
seguinte forma, quando um usuário for efetivar uma transação,
ou retirá-las do token, tornando-se assim um dos meios mais
será solicitado que ele informe a senha de uma determinada po-
seguros para utilização do Internet Banking. Para utilizá-lo é ne-
sição do cartão. O sistema então verifica se a senha informada
cessário a instalação do driver e um gerenciador criptográfico
está correta e libera a transação.
(software) em cada computador que o usuário irá utilizá-lo [17].
A eficiência desse método está no fato de que a cada tran-
Como desvantagem apresenta a necessidade de instalação
sação (em alguns bancos para cada dia) é solicitada uma senha
de software no computador e caso o usuário não possua per-
de posição aleatória, e a menos que um possível fraudador sai-
missão, não será possível operações no Internet Banking. Outra
ba qual é a senha solicitada, dentre as várias que há no cartão,
desvantagem é que devido ao seu custo alto o seu uso não é
ele não conseguirá efetivar a transação. Uma boa prática é a
disponibilizado a todos os clientes: geralmente apenas a empre-
substituição do cartão de senhas com frequência.
sas e órgãos públicos.
3.7 Chave eletrônica (token)
3.8 Chave temporal via celular
Token é um dispositivo eletrônico para gerar senhas alea-
Trata-se de um aplicativo instalado em aparelhos celulares,
toriamente. Nas versões sem conexão física com o computador
que tem como função gerar chaves temporais (senhas), aleató-
ele é semelhante a um chaveiro com um visor para exibir os nú-
rias para confirmação de transações bancárias. É um sistema
meros gerados aleatoriamente. Nas versões com conexão via
similar e tão seguro quanto os tokens, por isso é também cha-
porta USB é semelhante a um pen drive possuindo certificados
mado de Token Celular.
digitais. Ambos são utilizados como complementos de segurança nas transações de Internet Banking [17].
Nas transações financeiras é solicitado que o usuário informe uma senha. Para gerar essa senha o usuário deve acessar
Nas versões sem conexão física com computadores, os
o aplicativo instalado no celular, informar a senha de acesso do
tokens geram senhas aleatoriamente, toda vez que é ativado
aplicativo e obter a chave necessária para completar a transação.
de acordo com uma fração de tempo determinada previamente,
A instalação do aplicativo é feita após download no site onde está
geralmente de alguns segundos, através de um clique do botão.
disponibilizado e a configuração é feita automaticamente, sendo
A cada transação é solicitado ao usuário que ele informe uma
a conexão com a internet somente necessária neste momento.
senha gerada pelo dispositivo e essa senha somente é válida
Por ser utilizado em aparelhos celulares, pode substituir o
por alguns segundos. O sistema então verifica se aquela senha
token, evitando que a pessoa tenha que carregar mais um dis-
poderia ser gerada pelo token do usuário.
positivo. Além de ter um custo menor para os bancos em relação
Estes dispositivos são muito seguros, pois possuem códi-
ao token, outra vantagem é que sua solicitação é mais rápida e
gos criptografados com padrões de segurança, têm a capacida-
cômoda para o usuário. Suas desvantagens incluem a utilização
de de gerar várias chaves, sendo quase impossível deduzí-las
de uma senha a mais pelo usuário, para que ele possa acessar
mesmo que sejam interceptadas. A utilização delas em tempo
o aplicativo. O valor dos aparelhos celulares que podem utilizar
hábil seria muito difícil, o que diminui bastante a ação de crimi-
a função em geral é maior.
nosos [1]. Uma das desvantagens é que existe a possibilidade, mesmo
3.9 Mensagens SMS
que remota, de um cracker, por algum meio, capturar a senha
O SMS é um serviço de envio de mensagens de texto dispo-
informada pelo usuário e naquele mesmo momento utilizá-la.
nível em telefones celulares. Os bancos têm utilizado este servi-
Ou capturar algumas delas, estabelecer um padrão e deduzir
ço como um complemento de segurança para envio de senhas
quais são as demais. Outra desvantagem é que para o cliente o
necessárias para efetivação de transações em Internet Banking.
token é um volume a mais a ser carregado e em um momento
Para utilização do serviço é necessário que o cliente cadas-
de descuido pode perdê-lo. Também caso queira fazer alguma
tre e autorize os celulares que deseja receber as mensagens.
operação via Internet Banking, se não estiver com seu token,
Feito isso, ao realizar uma operação no Internet Banking, o siste-
não conseguirá realizá-la.
ma envia uma mensagem contendo um código de segurança ao PÓS EM REVISTA l 387
aparelho celular que o cliente informou. Essa técnica pode ser
Uma vantagem é que proporcionam a confidencialidade e
utilizada como opção, onde o cliente escolhe como irá informar
a integridade dos dados transmitidos entre o cliente e o sistema
a chave ao sistema, se será por token ou após recebimento de
de Internet Banking. Esses protocolos ajudam a prevenir que
SMS. Sua principal vantagem é que qualquer aparelho celular
intermediários entre as duas pontas da comunicação tenham
pode receber mensagens via SMS. O problema das mensagens
acesso indevido ou falsifiquem os dados transmitidos [16].
via SMS é que seu envio depende das operadoras, e cada men-
A desvantagem apresentada é que são suscetíveis a ataques
sagem tem um custo. Não existe garantia do tempo de entrega,
de negação de serviço (DoS – Denial of Service). Este tipo de
podendo a senha demorar vários segundos ou até minutos para
ataque é uma tentativa de tornar os recursos de um sistema in-
ser recebida. Outra desvantagem é que mensagens SMS não
disponíveis para seus usuários. O ataque tenta tornar as páginas
são criptografadas, facilitando ataques maliciosos.
hospedadas indisponíveis, de forma que não se trata de uma invasão do sistema, mas sim da sua invalidação por sobrecarga [2].
3.10 Smart Card
Pode também ser usada a técnica de conexão segura entre
Smart Card é um cartão criptográfico, também chamado de
o browser e o servidor HTTP através do protocolo HTTPS, que é
cartão inteligente, semelhante a cartões de crédito, com chip,
uma implementação do protocolo HTTP sobre uma camada adi-
capaz de gerar e armazenar chaves que irão compor certifica-
cional de segurança que utiliza o protocolo SSL/TLS. Essa cama-
dos digitais, que serve para identificar usuários de um siste-
da adicional permite que os dados sejam transmitidos através de
ma. São utilizados para autenticar os clientes que acessam o
uma conexão criptografada e que se verifique a autenticidade do
Internet Banking. Após ser inserido em uma leitora, dispositivo
servidor e do cliente através de certificados digitais. O protocolo
projetado para conectar um cartão inteligente ao computador, o
HTTPS evita que a informação transmitida entre o cliente e o servi-
sistema faz a identificação do portador do cartão. A partir daí o
dor seja visualizada por terceiros. A existência na barra de tarefas
usuário fica autorizado a realizar operações no Internet Banking.
de um cadeado demonstra a certificação de página segura (SSL),
Pode ser utilizado em qualquer computador desde que tenha
e este fato, se observado pelo usuário do Internet Banking garan-
uma leitora para o cartão.
te um nível maior de segurança nas transações.
Trata-se de uma tecnologia bastante segura, pois uma vez
Existe também a possibilidade do uso de entidades certifi-
geradas as chaves do certificado digital, elas estarão totalmente
cadoras que emitem certificados digitais para identificar indiví-
protegidas, não sendo possível exportá-las para uma outra mí-
duos, comunidades ou sistemas. Estas entidades certificadoras
dia, nem retirá-las do smart card e mesmo que o computador
representam um papel essencial no que diz respeito à confiança
seja atacado por um vírus, ou até mesmo um cracker, essas
da informação transmitida em rede, uma vez que representam
chaves estarão seguras e protegidas, não sendo expostas a ris-
uma terceira entidade em que as duas partes confiam.
co de roubo ou violação. Caso o cartão seja perdido ou rouba-
Estas técnicas minimizam os efeitos dos ataques do tipo
do, basta que o usuário faça sua revogação, para que os certifi-
“phishing” caracterizada por tentativas de adquirir dados pes-
cados digitais contidos no smart card tornem-se inválidos.
soais de diversos tipos como senhas, dados financeiros como
Como desvantagem apresenta um alto custo e a obrigação
número de cartões de crédito e outros dados pessoais [12].
de sua posse, para que o usuário tenha permissão de acesso às operações de Internet Banking. 3.11 Protocolos criptográficos (TLS, SSL) Conferem segurança de comunicação na internet e em particular nas transações de Internet Banking. Há pouca diferença entre o SSL (Secure Sockets Layer) e seu sucessor o TLS (Transport Layer Security), mas o protocolo é praticamente o mesmo. Funciona assim: o servidor do Internet Banking envia uma chave pública ao browser, usada por este para enviar uma chamada secreta, criada aleatoriamente. Desta forma, fica estabelecida a troca de dados criptografados entre o computador do usuário e o servidor do Internet Banking [11]. 388 | PÓS EM REVISTA
3.12 Biometria Apesar da biometria não ser utilizada atualmente na autenticação de usuários em Internet Banking, vale a pena destacá-la, pois vários bancos estão desenvolvendo testes [8]. Trata-se do estudo da aplicação de métodos que identificam características físicas e comportamentais únicas, das pessoas. Todo ser humano possui características que são únicas, chamadas de característica biométricas, que podem ser identificadas por sistemas biométricos, como por exemplo, impressões digitais, íris, voz e muitas outras [10]. Seu funcionamento é basicamente da seguinte forma: faz-se primeiro o registro da característica biométrica da pessoa
através de um aparelho de entrada de dados e a partir daí aque-
REFERÊNCIAS
le indivíduo pode ser identificado quando ele novamente utilizar
BB Token. Banco do Brasil. Disponível em: <http://www.bb.com.br/ portalbb/page44,105,5564,0,0,1,1.bb?codigoNoticia=30420&codigoMe nu=435&codigoRet=15768>. Acesso em: 09/05/2012.
um dispositivo de entrada de dados, para que o sistema possa reconhecê-lo. A grande vantagem da biometria é que os usuários não precisam portar nenhum objeto para autenticação, ou tenham que memorizar senhas, bastando que se submetam ao reconheci-
[1]
COUTINHO, Gustavo Lacerda; SILVA, Renan Galvão Machado. Redes de Computadores I: Tema: SSL / TLS. Disponível em: <http:// www.gta.ufrj.br/grad/06_1/ssl/principal.htm>. Acesso em: 13/05/2012. [2]
mento de suas características biométricas. Os dados guardados são criptografados e, portanto muito seguros contra tentativas de utilização por criminosos na prática de fraudes [10]. Apresenta algumas desvantagens, como a possibilidade de burlagem, ou falha do sistema, que varia de acordo a caracterís-
Cracker. Wikipédia, a enciclopédia livre. Disponível em: <http:// pt.wikipedia.org/wiki/Cracker>. Acesso em: 05/04/2012. [3]
Dinheiro. Wikipédia, a enciclopédia livre. Disponível em: <http:// pt.wikipedia.org/wiki/Dinheiro>. Acesso em: 02/04/2012. [4]
tica biométrica utilizada para reconhecimento. Também possui alto custo dependendo de qual tipo de reconhecimento biométrico será utilizado [10]. 4 CONCLUSÃO A grande maioria das técnicas de segurança para transações via Internet Banking apresentadas neste artigo são utilizadas atualmente pelas instituições bancárias. Muitas delas são usadas em conjunto e existem as que fazem substituições de outras, mas raramente utilizadas individualmente. Possuem custos variáveis e são disponibilizadas de acordo a conveniência dos bancos e perfil do cliente.
Dispositivos de Segurança no Internet Banking. Banco Mercantil. Disponível em: <http://www.mercantildobrasil.com.br/hpg/institucional/rede_de_atendimento/seguranca/seg_internet.aspx>. Acesso em: 15/04/2012. [5]
Dispositivos de Segurança. Banco Bradesco. Disponível em: <http://www.bradescoseguranca.com.br/html/content/seguro/ib_elementos_ssl.asp>. Acesso em: 16/04/2012. [6]
Economia do futuro: dinheiro virtual quer virar dinheiro vivo. Da New Scientist. Disponível em: <http://www.inovacaotecnologica.com.br/ noticias/noticia.php?artigo=economia-futuro-dinheiro-virtual>. Acesso em: 03/04/2012. [7]
Dentre as técnicas abordadas, destacam-se as que possuem criptografia com certificação digital, pois utilizam os mecanismos mais eficazes no combate a fraudes do sistema, porém, não são disponibilizadas a todos os clientes bancários. As demais são bastante eficazes, mas desde que sejam utilizadas adequadamente. Suas desvantagens no quesito segurança aparecem pelo fato dos usuários descuidados acabarem permitindo a abertura de brechas para que pessoas mal intencionadas possam burlar o sistema. Segundo a pesquisa bibliográfica realizada para artigo pode-se afirmar que os bancos oferecerem mecanismos de segurança eficazes a seus clientes, que cada vez mais utilizam o
LEMOS, Raquel Cardoso. Segurança: conheça o banco do futuro: O que podemos esperar das instituições financeiras do futuro?. Disponível em: <http://www.tecmundo.com.br/bluetooth/2619-seguranca-conheca-o-banco-do-futuro.htm>. Acesso em: 22/02/2012. [8]
PAES, Gustavo. Como funciona o Token bancário. Disponível em: <http://gustavopaes.net/blog/2010/como-funciona-o-token-bancario. html>. Acesso em: 09/05/2012. [9]
PINHEIRO, José Mauricio Santos. Biometria na Segurança de Redes de Computadores. Disponível em: <http:// [10]
www.projetoderedes.com.br/artigos/artigo_biometria_na_seguranca_ das_redes.php. Acesso em: 13/05/2012.
Internet Banking, sendo a evolução das tecnologias empregadas nesta área uma constante. Mas, um dos maiores problemas é que grande parte dos clientes não têm conhecimentos suficientes para discernir se suas transações realizadas no Internet Banking são ou não seguras. A garantia da segurança da informação depende de vários fatores, dentre os quais está a educação e o conhecimento técnico por parte dos usuários, pois de nada adianta o uso de tecnologias eficazes se seus utilizadores não cumprem os requisitos de segurança necessários.
Protocolo SSL. Banco Bradesco. Disponível em: <http://www.bradescoseguranca.com.br/html/content/seguro/meios_pagto_ssl.asp>. Acesso em: 12/05/2012.
[11]
ROHR, Altieres. Conheça a nova técnica usada para fraudes bancárias pela internet. G1, Tecnologias e Games. Disponível em: <http:// g1.globo.com/tecnologia/noticia/2011/02/conheca-nova-tecnica-usada-para-fraudes-bancarias-pela-internet.html>. Acesso em: 28/02/2012.
[12]
Segurança da informação. Wikipédia, a enciclopédia livre. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Seguran%C3%A7a_da_
[13]
PÓS EM REVISTA l 389
informa%C3%A7%C3%A3o>. Acesso em: 02/04/2012. Servidor. Wikipédia, a enciclopédia livre. Disponível em: <http:// pt.wikipedia.org/wiki/Servidor>. Acesso em: 05/04/2012.
[14]
Soluções de Segurança. Banco Itaú. Disponível em: <http://www. itau.com.br/seguranca/seguranca-bancaria/solucoes-seguranca.htm>. Acesso em: 15/04/2012.
[15]
Transport Layer Security. Wikipédia, a enciclopédia livre. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Transport_Layer_Security>. Acesso em: 13/05/2012.
[16]
Token (chave eletrônica). Wikipédia, a enciclopédia livre. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Token_%28chave_ eletr%C3%B4nica%29>. Acesso em: 08/05/2012.
[17]
NOTAS DE RODAPÉ 1 Graduando do curso de Sistemas de Informação no Centro Universitário Newton Paiva (saviosb@hotmail.com). 2 Professor do Centro Universitário Newton Paiva (iremar.prof@uol.com.br).
390 | PÓS EM REVISTA