Revista de
Psicologia “De um curso a Um Discurso” VOLUME 1 - NÚMERO 1 - 2008
Copyright©2010 by Núcleo de Publicações Acadêmicas do Centro Universitário Newton Paiva Volume 1 - Número 1 2008
Centro Universitário Newton Paiva Campus Silva Lobo Belo Horizonte – Minas Gerais
EDITORIAL Aqui apresentamos a 24ª publicação da Revista da Jornada do curso de Psicologia, agora em formato eletrônico. Completar as 24 edições aponta as marcas de uma história construída ao longo dos 34 anos do curso. Nesse percurso, as Jornadas tiveram um papel significativo na formação acadêmica de nossos alunos, na produção cientifica e no envolvimento do corpo docente que acompanharam as transformações dos “saberes” e “fazeres” clínico. Tais transformações cotejam a multiplicidade de acontecimentos na dimensão social, vividas pelo homem contemporâneo. As diversas manifestações de sofrimento, comportamentos e desfigurações de sua essência exigiram a ampliação que nos colocou a trabalho no propósito de partir de uma clínica para as várias clínicas. Para isso, se dão as ênfases curriculares do curso de Psicologia e encontram-se sintetizadas nos Núcleos Psicoterapêutico, Políticas de Saúde e de Gestão que se articulam aos laboratórios. O atendimento oferecido nesta Clínica Ampliada abre as mais diversas possibilidades, não apenas com objetivos terapêuticos, mas também com objetivos psicossociais, potencializando seu efeito e seu alcance, sem prejuízo de sua qualidade, especificidades teórica e ética. Esta 24ª edição da Revista, 1ª edição eletrônica, busca destacar também como um espaço significativo de promoção e educação em saúde, na perspectiva de Clinica Ampliada, os trabalhos desenvolvidos pela CAMT – Clínica de Atendimento Multidisciplinar à Prevenção e ao Tratamento da Toxicomania, que comemora seus oito anos de percurso. Este é mais um momento em que se abrem espaços para que a Clínica - Ampliada – aconteça de fato, buscando de forma criativa e dinâmica a promoção da Saúde Mental no espaço coletivo e nas diversas modalidades de intervenções aqui vividas e apresentadas.
Comissão Editorial
EXPEDIENTE PROFESSORES SUPERVISORES
Edição NÚCLEO DE PUBLICAÇÕES ACADÊMICAS DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA http://npa.newtonpaiva.br/npa Editora de Arte e Projeto Gráfico Helô Costa - 127/MG Diagramação Geisiane de Oliveira (estagiária da Central de Produção Jornalística da Newton Paiva - CPJ)
Claudia Santos Neto Machado Pinto Denise Leitoguinho Rossi Fabricio Ribeiro Graciela de Lima Pereira Bessa Gustavo Teixeira Inês Seabra Luiza Angélica Caldeira Margaret Pires do Couto Maria Regina Barbosa Assunção Maxleila Reis Merie Bitar Moukachar Natércia Acipreste Moura Raquel Neto Alves Sônia Couto Tânia Simão Bacha Wânier Ribeiro Marcelo de Matta Castro Psicólogo Supervisor do Projeto Guernica
COMISSÃO EDITORIAL Junia Maria Campos Lara Merie Bitar Moukachar Denise Leitoguinho Rossi Wânier Ribeiro
Revisão Técnica de Linguagem Mariza Mônica Santos Moura
núcleo de publicações acadêmicas CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA
EXPEDIENTE Reitor Luís Carlos de Souza Vieira Vice-Reitor Luís Carlos de Souza Vieira Pró-Reitora Acadêmica Luís Carlos de Souza Vieira Secretário Geral Carlos Wolney Mota dos Santos Diretora da FAHL, FACIBIS, FACET. Vânia Morato Coordenadora do Curso de Psicologia Júnia Maria Campos Lara Coordenadora da Clínica de Psicologia Merie Bitar Moukachar Centro de Excelência para o Ensino Cristiane Xavier Fernanda Amaral Ferreira
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
TEMPOS DE MIGRAR PARA O NORTE DA ESCRITA Geraldo Martins.......................................................................................................................................12 NÚCLEO DE GESTÃO
E1 01 - Mapeando competências Autores: Janaína Rossi, Juliana Mayer, Laís Cavalcanti, Natália Oliveira.........................................................................................
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E1 02 - Pesquisa de clima : um indicador de mudanças em uma siderúrgica de grande PORTE Autor: Aline Ladeira de Carvalho........................................................................................................................18 E1 03 - Escola integrada: uma vivência prática
Autores: Sheila Estevão de Souza, Viviane de Oliveira Menezes....................................................................................21 NÚCLEO DE POLÍTICAS DE SAÚDE
E1 04 - A clínica em movimento do acompanhamento terapêutico Autor: Bárbara Coelho Ferreira..........................................................................................................................23 E1 05 - A escuta clínica no hospital geral: uma questão Autor: Alice Aparecida da Silva Ribeiro.................................................................................................................26 E1 06 - Ação Cultural e Educação no Projeto Guernica Autor: João Henrique Amaral Fontenelle de Araújo...................................................................................................29 E1 07 - A toxicomania e o comprometimento da relação com o outro Autor: Ana Carolina Guedes Costa......................................................................................................................31 E1 08 - Psicologia e suas interfaces com a saúde: por uma nova perspectiva de estrutura curricular Autores: Heloisa Cristina Vieira de Andrade, Ingryde Stéphanie Guedes, Juliana Dias Silva, Monique Ferreira Ribeiro, Viviane de Oliveira Menezes.......................................................................................................................................................34
E1 09 - A importância Do Envolvimento Da família no tratamento do usuário de drogas Autor: Ingryde Stéphanie Guedes........................................................................................................................38 E1 10 - Panorama histórico da inserção da psicologia no campo da saúde Autor: Juliana Cecília Caniato Mayer...................................................................................................................41 E1 11 - A inautenticidade e o comprometimento em Mitwelt: estudo clínico de F. Autor: Poliana Mayra Teixeira Lopes....................................................................................................................43 E1 12 - A linguagem como fundamento do processo psicoterapêutico: perspectiva fenomenológica-existencial Autor: Wânier Ribeiro.....................................................................................................................................47 E1 13 - Ensaio sobre a questão ontológica da liberdade e suas relações com a toxicomania: perspectivas fenomenológico-existenciais Autor: Wânier Ribeiro.....................................................................................................................................49
E1 14 - Hemodiálise: da máquina... dos limites... do desejo. Autor: Ida Ramlow Oliveira.............................................................................................................................52 NÚCLEO PSICOTERAPÊUTICO
E1 15 - A mãe e a mulher
Autor: Betânia de Magalhães L. Cordeiro.................................................................................................................................54
E1 16 - Qual o gozo recoberto pelo sintoma psicossomático? Investigação para além do prazer
Autor: Ivanilda Basílio Felisberto..............................................................................................................................................56
E1 17 - Da medicina à psicanálise
Autor: Luciana Berlitz de Souza...............................................................................................................................................58
E1 18 - Entre o desejo e o amor na sexualidade masculina
Autor: Monique Ferreira Ribeiro...............................................................................................................................................60
E1 19 - Capturada pelo semblante
Autor: Alessandra Canduro Figueiredo..................................................................................................................................... 62
E1 20 - Atividades socializantes na creche como reforçadores no controle da violência em crianças oriundas do ambiente familiar punitivo Autor: Adriene Faria Passos Martins.................................................................................................................65 E1 21 - Um olhar sobre a paternidade no direito e na psicanálise
Autor: Aline Ladeira de Carvalho.............................................................................................................................................68
E1 22 - Adolescência: uma construção social Autor: Cláudia Márcia de Lima................................................................................................................................................70
E1 23 - Do outro lado da linha telefônica
Autor: Maria Andréia Alves Leandro.........................................................................................................................................73
E1 24 - O fracasso escolar na pós-modernidade: uma perspectiva humanista
Autor: Karin Santos Marra Kiefer.............................................................................................................................................75
E1 25 - Vencendo a timidez
Autor: Antônio Carlos Canhestro.........................................................................................................................78
E1 26 - Terapia comportamental – processo do aprender a saber fazer Autor: Luana Aparecida do Couto Pereira...........................................................................................................80 E1 27 - Beleza ideal ou ideal de beleza – eis o transtorno Autor: Márcia Inácia Dutra............................................................................................................................82 E1 28 - O desafio da clínica comportamental infantil
Autor: Sheila Estevão de Souza........................................................................................................................85
E1 29 - Tratamento da fobia social na abordagem cognitivo-comportamental Autor: Clara Maiello Viana..............................................................................................................................87 E1 30 - Assertividade na relação entre casais Autor: Cristiane Ferreira Duarte.......................................................................................................................90 E1 31 - A relação terapêutica na terapia comportamental Autor: Flávia Cifuentes Dias Silva......................................................................................................................92 E1 32 - Refletindo sobre as causas dos comportamentos violentos Autor: Gladson de Almeida Prado.....................................................................................................................94 E1 33 - Depressão na perspectiva da análise do comportamento Autor: Luiz Felipe Oliveira de Amorim................................................................................................................96 E1 34 - O acolhimento no contexto da clínica-escola: uma intervenção? Autores: Alice Ribeiro, Bruna Brandão, Halsey Douglas Ribeiro, Sheila Saviotti................................................................98 E1 35 - A criança e o brincar Autor: Júnia Ferreira de Araujo........................................................................................................................101 E1 36 - O uso de contos populares infantis no processo de ludoterapia Autor: Leandro Silva Leroy.............................................................................................................................103 E1 37 - A ludoterapia gestáltica: uma proposta de terapia não – diretiva Autor: Renata Carvalho Armond.......................................................................................................................105 E1 38 - Ludoterapia: a arte do brincar Autor: Sabrina Santos Neolácio........................................................................................................................107 E1 39 - Adolescência-para-si Autor: Cleiton Renato Rezende........................................................................................................................109 E1 40 - O suicídio na abordagem existencial fenomenológica Autor: Karley Campos...................................................................................................................................111 E1 41 - Adolescência e o ser-aí Autor: Marleide Canedo de Oliveira...................................................................................................................114 E1 42 - O abrigamento de crianças e jovens na perspectiva da fenomenologia existencial Autor: Nívio Gabriel Brito Vieira........................................................................................................................116 E1 43 - A culpa é de quem? Autor: Shirley Sena Martins.............................................................................................................................119
E1 44 - O sentido do encontro Autor: Vanessa Gomes de Lima.......................................................................................................................121 E1 45 - O ser na relação com o outro Autor: Edna Maria Silva................................................................................................................................123 E1 46 - Os desafios da psicanálise frente à clínica das psicoses Autor: Flaviane da Costa Oliveira.....................................................................................................................125
APRESENTAÇÃO
TEMPOS DE MIGRAR PARA O NORTE DA ESCRITA Geraldo Martins1 Quando eu escrevo com tinta a palavra “vinho”, esta não tem o papel principal mas permite a fixação durável da idéia de vinho. A tinta contribui assim para nos assegurar o vinho em permanência. Escrever e desenhar são idênticos no seu fundo. Paul Klee2 Lutar com palavras É a luta mais vã. Entanto lutamos Mal rompe a manhã. Carlos Drummond Andrades O que podemos fazer de um fragmento clínico? Construir a clínica, na medida em que o lemos. Cada leitura o altera, o desloca do seu momento inaugural e, em compensação, nenhuma o reescreve, tão somente o escreve num sem-cessar infinito. O horizonte que desponta para nós é aquele em que leitura e escrita se entrecruzam com a fala na própria experiência. Nossa experiência é uma experiência de leitura, já que “o texto, escrito ou lido, é a cena onde vejo o real”, 3 portanto o inconsciente é um escrito passível de leitura, logo o que escrevemos da clínica é aquilo não cessa de não se escrever. O texto é um ato falho que oculta, como o sonho, o desconhecido. Tal qual o sintoma, um texto é uma obra enigmática a decifrar. As primeiras dificuldades de nossa tarefa não estão em não dispomos de técnicas, de eventos ou, ainda, devido à falta de observações. Devem-se, creio eu, ao fato de que os fenômenos mais comuns que escutamos – motivo da escrita da clínica – são aqueles que nos são muito familiares, aqueles que nos fornecem o enigma a ser resolvido. O óbvio ululante é complexo e carregado de mistérios,portanto o desconhecido – obscuro – está manifesto nos pequenos tropeços de linguagem, quando faz aparecer o furo do texto. O texto é composto pelo encadeamento dos significantes, pelas lacunas entre eles e neles, revelando e velando o desconhecido. O que Freud diz dos atos falhos se aplica aos textos. Os nomes que aparecem para substituir a palavra esquecida, falhada, são tão injustificados quanto antes da explicação. Eles nos advertem tanto do que nós esquecemos como do que queríamos lembrar. Sendo assim, podemos concluir que nossa intenção de esquecer algo não foi totalmente bem sucedida, nem totalmente fracassada. Por tudo isso, o texto é um manifesto – sem comunicação – que 12 l
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não requer compreensão. Nossa referência é o literário: E mais fácil compreender quando se olha o texto com a língua dos pássaros, sons, ritmos, morfemas, que ora são língua, ora são imagens, ora são este corpo que escreve, ora são nada diz-se, por vezes, palimpsesto, mas não Compreender um texto é como compreender um cão, uma previsão do tempo, ou seja, é aceitar que não se fala, que se não compreende, excepto pela companhia, é não confiar no tempo que fará vê-lo como prometido e como incerto como nadas objectivos que poder ser o algo concreto a que o meu corpo se liga4 Tudo isso vale para o escrito, já que esse não é aquele que gostaríamos de ter falado, nem tampouco aquele que gostaríamos de ter escrito: existe uma noite por trás do escrito. Não fomos totalmente bem sucedidos embora nem totalmente fracassados. Escrevemos. Outra coisa? Aliando-me à escritora, afirmo que o que eu te falo não é o que eu te falo e, sim, outra coisa. Só escrevemos. O que escrevemos? Essa não é a questão do escrevente. 5 Essa é uma questão para o leitor, logo de leitura. Dessa feita, o texto só se dá em sua diferença. Ele é sem-
pre versão. Per-versão. O prefixo per indica que há uma versão contínua, portanto versões sem texto original. As versões surgem como efeito do corte, da barra que separa o significante do significado. O texto é um enigma, na medida em que se liga a uma ruptura, a um recalque, a uma proibição: a mãe. Um texto, como um sonho, um sintoma, nada comunica. Interpretá-los significa indicar seu sentido, substituí-lo por alguma coisa que se pode inserir na cadeia das ações psíquicas. Sendo assim, descobrir um texto não é encontrar por trás dele um outro texto, pois “Quando se escreve só importa saber em que real se entra, e se há técnica adequada para abrir caminhos a outros”. 6 A busca do sentido original, derradeiro, é da ordem da utopia. Ilusão do neurótico, que faz do texto um gozo de saber. Façamos alguns desvios. Freud7, quando tratou da diferença do método psicanalítico e do método hipnótico pela sugestão, recorreu ao gênio da Renascença – Leonardo da Vinci – para sustentar a antítese: técnica sugestiva e técnica analítica. Para Da Vinci, havia uma antítese com relação às belas artes que ele resumiu na seguinte fórmula: per via di porre e per via di levare. A pintura, de acordo com o renascentista, operava per via di porre, uma vez que ela aplica partículas de cor onde nada existia antes na tela sem cor, enquanto a escultura operava per via di levare, na medida em que o escultor retira do bloco de pedra tudo o que ocultava a superfície da estátua nela contida. Com a fórmula do pintor da Gioconda, Freud aproximou a técnica psicanalítica do fragmento per via di levare. O trabalho do analista seria semelhante ao do escultor.8 Se transpomos a antítese de Da Vinci para a operação da escrita, somos tentados a retificar a idéia que, em geral, o senso comum professa: a da existência da tela em branco do computador, ou ainda, a antiga folha branca – vazia – como causa da angústia ante ao ato de escrever. Os brancos da tela ou da folha não estão lá no nada da sua brancura, ao contrário, lá encontramos os traços, as manchas apagadas como pegadas deixadas pelo Outro. Escrevemos nos sulcos brancos, naquilo que repetimos desde sempre: O Outro. É a partir destas primeiras inscrições que esculpimos o texto. Sou mais tentado a pensar o trabalho do escrevente como uma operação per via di lavere. A metáfora do escultor reaparece em Freud por meio de suas concepções acerca do trabalho da ciência. 9 Para o psicanalista, a análise, como a ciência, caminha a passos lentos. Embora façamos conjecturas, formulemos hipóteses, as quais abandonamos quando não se confirmam, necessitamos de muita paciência e vivacidade durante a condução de um tratamento psicanalítico. Tudo isso pode ser pensado em relação ao trabalho da escrita. Escrever, reescrever, abandonar partes escritas e hipóteses, revisar, ler o discurso do sujeito é a tarefa
fundamental de uma análise. Escrever nos sulcos da angústia, em desespero, sem musa e sem inspiração: Escrever apesar do desespero. Não: com desespero. Que desespero, eu não sei, não sei o nome disso. Escrever ao lado daquilo que precede o escrito é sempre estragá-lo. E é preciso no entanto aceitar isto: estragar o fracasso significa retornar para um outro livro, para um outro possível deste mesmo livro.10 O cientista e o escrevente trabalham como o escultor no seu modelo de argila, o qual, de maneira insistente, transforma o esboço primitivo, remove, acrescenta, até chegar àquilo que sente ser um satisfatório grau de semelhança com o objeto que vê ou imagina. Laboriosa, resistente, é a construção do texto, que não é o texto ouvido, mas sim outro texto, que embora nasça de algo falado é regido por outra lógica. Tudo isso nos remete ao que Lacan desenvolveu com o tema da poubellication11, o qual encerra uma doutrina da obra. Ele defende que a publicação deriva da lixeira e sustenta, também, que o publicado deriva do dejeto. Como só existe obra publicada, logo toda obra, como tal, deriva do dejeto. O dejeto é o outro nome do objeto a: causa do desejo. A obra (publicação) é causada pelo dejeto (lixeira), é o dejeto elevado à dignidade de escrito, quer dizer, de obra. É a queda do objeto, que introduz uma abertura, tecida, margeada pelo escrito. O objeto a, equivalente a queda, funciona em relação à perda, conseqüentemente seu outro nome é abertura. Desta feita, o verbo é modelo de criação a partir do nada. É da falta que o verbo escreve e a sua obra – texto em fragmento – é a repetição indefinida dessa falta. A psicanálise é sempre textual. Ela é do texto, sobre o texto, com texto, enfim: resistência do texto. Nada mais é do que eterno jorro de linguagem, que não cessa de falar, portanto o que não cessa de não se escrever. A ciranda da linguagem constrói-se em torno do vazio, colonizando, assim, a coisa freudiana. Cada realidade se inaugura e se define com um discurso, que nada mais é do que aquilo que produz o laço social: articulação do desejo ao significante. As mãos do escultor ferem a pedra, dando-lhe uma imagem. O ouvido do analista faz escanção à cadeia significante. O escrevente risca a folha, rascunha, apaga, rasura o significante, deixando o traçado. Sem a perfeição idealizada, sem chegar ao que queria escrever, ele coloca um ponto no texto e desvela a topografia das palavras. Escrever é arriscado. É nervurar o verbo que não é revelação e tão pouco inspiração. Escrever arde quando há suspensão da significação. Os textos dobram e desdobram sobre as folhas, escrevendo mais do que se é possível ler. São muitos os riscos que Revista de Psicologia - Edição 1 l 13
prendem o homem ao rochedo da castração, que, sem o fogo iluminado da esperança, prometeica, sem a certeza cartesiana, sem um Deus que lhe dê o paraíso celestial, resta-lhe, tão somente, ser arriscado diante do seu texto. Na realidade, todos os acontecimentos importantes estão na grafia. Ela guarda, acumula e dilapida a vida. O paramento do corpo é tecido pela nervura do verbo. “[...] bem-aventurado sejas tu, ó texto, porque nos abre a geografia dos mundos.” 12 O tempo das idéias claras e distintas esvaneceu, a consistência do Outro diluiu, não somos mais o centro da gravitação, as viagens utópicas naufragaram no oceano da razão cínica. O acaso nos leva para os caminhos do agrimensor K., personagem de O Castelo de Kafka13, que, no escuro da noite, chega a uma aldeia coberta de neve e encontra um albergue perto de uma ponte. Tudo tem uma cor sombria, desde o ambiente até a recepção dos seus habitantes. Terminada a longa noite, foi possível ao herói kafkiano mirar – através do dia turvo – no pico da colina gelada, o castelo coroado pelo vôo de gralhas, dando à manhã cinza um tom sinistro. K. nunca conseguirá chegar até o prometido castelo, nem seus donos o permitirão. O agrimensor busca junto aos burocratas maliciosos o seu direito de chegar até lá. Um jogo de argumentações, de sofismas e de retóricas obsessivas acabam por criar um labirinto intransponível em que se entrincheira a dominação. O romance inacabado de Kafka deixa-nos, como K., circulando em volta do castelo, numa busca inútil de uma entrada para as salas do castelo. O escritor de tramas tortuosos faz do Castelo desconhecido a metáfora do homem que, ao produzir conhecimento, produz, também, o seu próprio desconhecimento. Quantas salas do nosso castelo ficarão desconhecidas? A experiência clínica, para mim, nada mais é que admitir o desconhecido. Diante dele, não vejo outro destino a não ser o de escrever o verbo. São tempos de migrar para o norte da escrita.
NOTAS DE RODAPÉ 1Psicanalista, professor do Centro Universitário Newton Paiva. Autor de O Perfume das Acácias, Belo Horizonte: Casa Cambuquira, 1997 e A Estética do Sedutor – uma introdução a Kierkegaard, Belo Horizonte: Mazza, 2000. Co-autor de A escrita do analista. Belo Horizonte: Autêntica, 2003, Destinos da Sexualidade. São Paulo: Casa do psicólogo, 2004. A cultura vai ao Shopping. Belo Horizonte: Argumentum, 2008. Endereço eletrônico: martinsgm@ uol.com.br - Telefone: 0xx31-3225.1832. 2KLEE, Paul citado por LOPES, Silvina Rodrigues. Comunidades da excepcão. In: LLANSOL, Maria Gabriela. O livro das comunidades. Lisboa: Relógio D’Água, 1999. p.109.
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3 LLANSOL, Maria Gabriela. Inquérito às quatro confidências – Diário III. Lisboa: Relógio D’Água, 1996. p.107. 4 LLANSOL, Maria Gabriela. Ardente texto Joshua. Lisboa: Relógio D’Água. 1998. p.74. 5 Para uma discussão a respeito da noção de escrevente, ver MARTINS, Geraldo Majela. Fomos atingidos... com todas as letras. In: De Um Curso a um Discurso – Clínica e Contemporaneidade – XV Jornada de Trabalhos dos alunos do Curso de Formação de Psicólogo. Belo Horizonte: Unicentro Newton Paiva, 1999. p.15-21. 6 LLANSOL, Maria Gabriela. Um falcão no punho. Lisboa: Relógio D’Água. 2a ed. 1998. p.55. 7FREUD, Sigmund. Sobre a Psicoterapia (1905). In:____ Fragmentos da análise de um caso de histeria, três ensaios sobre a teoria da sexualidade e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1980. p. 270 (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud v.7). 8 Os futuros trabalhos de Freud, sobretudo a partir da torsão de 1920, com além do princípio do prazer, construções em análise mudam essa posição da análise per via di levare. Para tanto, remeto o leitor a SALIBA, Ana Maria Portugal Maia. Para escrever o infinito... In: Alétheia. Publicação do Inconsciente. Centro de Estudos Freudiano, Governador Valadares, n.2, p.21-26, mar.1998. 9 FREUD, Sigmund. Conferência XXXV – A questão de uma Weltanschauung. In:_____ Novas Conferências Introdutórias Sobre Psicanálise (1933[1932]). Rio de Janeiro: Imago, 1980. p. 211 (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud v.21). 10 DURAS, Marguerite. Escrever. Rio de Janeiro: Rocco, 1994. p.27. 11 Amálgama de poubelle (“lixeira”) e publication (“publicação”).
12 LLANSOL, Maria Gabriela. Ardente texto Joshua. Lisboa: Relógio D’Água. 1998. p.147.
13 KAFKA, Franz. O Castelo. [trad. Modesto Carone]. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. 482p.
MAPEANDO COMPETÊNCIAS1 Janaína Rossi Juliana Mayer Laís Cavalcanti Natália Oliveira 2
Nos últimos anos, a área de gestão de pessoas assumiu um papel muito importante dentro das organizações, e as competências profissionais tornaram-se cada vez mais valorizadas pelo mercado, que está muito mais competitivo. Eleger as competências essenciais da organização e mapeá-las no grupo de colaboradores podem ser ações benéficas para as organizações que procuram se atualizar e qualificar. Este trabalho tem como objetivo apresentar o mapeamento de competências, realizado em um grupo de gerentes, em uma empresa de médio porte, no ramo do comércio de combustíveis. Essa ferramenta foi utilizada para identificar os conhecimentos, habilidades e atitudes existentes e necessárias para a organização, tendo sido aplicada pelos estagiários do Laboratório de Gestão de Pessoas – LAGEP, alunos do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. Utilizou-se como metodologia um estudo de caso, desenvolvido por meio de resultados encontrados nesse mapeamento. A palavra competência, segundo o senso comum, relaciona-se a uma pessoa qualificada para realizar algo. Desde a idade média, esse termo vem sendo trabalhado por alguns autores. De acordo com Carbone (2006), esse termo dizia respeito à possibilidade atribuída a alguém ou alguma instituição para apreciar e julgar certas questões. Logo, o termo veio mostrar o reconhecimento social a alguém capaz de se pronunciar a respeito de algum assunto. Mais tarde, passou a ser utilizado também para qualificar uma pessoa que fosse capaz de realizar certo trabalho. Durante a Revolução Industrial e a chegada do taylorismo, o termo competência, segundo Carbone (2006), foi incorporado à linguagem organizacional. Nesse contexto, ele passou a ser utilizado para qualificar as pessoas capazes de desempenhar de forma eficaz determinado papel dentro da organização. O interesse pelo assunto, a partir da década de 70, incentivou o debate teórico e a realização de pesquisas. Ainda de acordo com Carbone, vários autores procuraram criar definições próprias para o termo. De acordo com Dutra3 (2004, apud Carbone, 2006, p. 43), percebe-se a existência de duas grandes correntes que tratam do termo competência. A primeira, representada por autores norte-americanos, como McClelland, compreende a competência como estoque de qualificações (conhecimento, habilida16 l
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de, atitude), que credencia a pessoa a exercer certo trabalho. A segunda corrente, representada essencialmente por franceses, representados por Zarifian, associa a competência àquilo que a pessoa produz ou realiza no trabalho. De acordo com Fleury (2002), competências são conhecimentos, habilidades e atitudes (CHA) que o indivíduo deve possuir para se tornar um profissional bem qualificado, sendo capaz de colocar esse potencial em prática quando for necessário. De acordo com Herrera (2008), por competências organizacionais compreende-se todo o corpo de conhecimento, métodos e processos da empresa. As competências individuais dizem respeito ao capital humano, ou seja, conjunto de saberes dos colaboradores (CHA), sendo que essas competências são o capital diferencial da organização. Já o mapeamento de competências deve ser uma consequência da organização de estratégias, com o intuito de captar medidas de melhoria da organização e preparar as pessoas para a superação dos pontos a desenvolver, internamente, para enfrentar as dificuldades do cotidiano. Ao mapear as competências, é possível se verificar quais os funcionários as possuem e as que precisam ser desenvolvidas, ou seja, com o mapeamento de competências são identificados os gaps (lacunas) existentes na organização, o que possibilita a elaboração de um planejamento de ações, como treinamento e desenvolvimento, com foco nas competências que se apresentaram pouco desenvolvidas (LEME, 2005). Além disso, permite que os funcionários tenham consciência do que eles precisam desenvolver para que permaneçam alinhados com os objetivos das organizações das quais fazem parte. O mapeamento de competências na empresa pesquisada foi realizado com funcionários ocupantes dos cargos de gerência e com aqueles que, para os proprietários, têm potencial a ocupar tal cargo futuramente. Para isso, foi necessário cumprir algumas etapas. Primeiramente, foram realizadas reuniões com os proprietários para definir quais competências eles consideravam necessárias para o cargo, ou seja, o perfil de competências. As competências definidas pelos proprietários e pela equipe do LAGEP responsável foram: dinamismo, iniciativa, organização, relacionamento interpessoal, comunicação, flexibilidade/dispo-
nibilidade, visão ampla/generalista, equilíbrio emocional, administração do tempo, planejamento, análise crítica e abrangente das situações, capacidade de dar e receber feedback, objetividade/ foco, foco em resultado, responsabilidade, capacidade para acompanhar e desenvolver equipes, negociação/persuasão, tomada de decisão e liderança. Em seguida, os funcionários que participaram do mapeamento foram divididos em dois grupos: grupo A, composto por 18 pessoas, que atuam em cargos gerenciais, e grupo B, composto por 10 pessoas, que podem vir a desempenhar cargos gerenciais. A partir dessa divisão, foram realizadas entrevistas individuais, testes psicológicos e jogos situacionais, com o intuito de possibilitar a elaboração de laudos com perfil de competências de cada participante. Com o mapeamento pronto, verificou-se que seria necessário desenvolver um programa de treinamento para que as competências menos desenvolvidas fossem trabalhadas, contribuindo assim para o melhor aproveitamento dos funcionários em suas respectivas funções dentro da organização. Apenas os resultados dos treinamentos realizados não são suficientes para aferir mudanças no comportamento dos funcionários dentro do grupo trabalhado. Eles também precisam de outros incentivos que estejam de acordo com as políticas de RH da empresa, como remuneração, desenvolvimento, bonificação, entre outros. Devido ao fato de a organização não ter aliado ao treinamento outros incentivos, verificou-se que o trabalho ficou falho, não motivando suficientemente os funcionários para aplicar o que foi apreendido à prática.
LEME, Rogério. Aplicação prática de gestão de pessoas por competências: mapeamento, treinamento, seleção, avaliação e mensuração de resultados de treinamento. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2005. 188 p.
NOTAS DE RODAPÉ 1LAGEP – Laboratório de Gestão de Pessoas – Profª Supervisora: Denise Rossi 2Aluno(as) do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. 3 DUTRA, Joel Souza. Competências: conceitos e instrumentos para a gestão de pessoas na empresa moderna. São Paulo: Atlas, 2004.
REFERÊNCIAS BISPO, Patrícia. Desmistificando o mapeamento das competências. Disponível em: <www.rh.com.br>. Acesso em: 24 de jun. de 2008. CARBONE, Pedro Paulo. Gestão por competências e gestão do conhecimento. 2ª edição. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. 172p. DUTRA, Joel Souza. Competências: conceitos e instrumentos para a gestão de pessoas na empresa moderna. São Paulo: Atlas, 2004. FLEURY, Maria Tereza. A gestão de competência e a estratégia organizacional. In: LIMONGI-FRANÇA, Ana Cristina; et al. As pessoas na organização. São Paulo: Gente, 2002, p. 51 a 61). HERRERA, Wagner. A importância do mapeamento de competências. Disponível em: <www.artigos.com/option,com_comprofiler/task,userProfile/ user,331/Itemid,60/.> Acesso em: 24 de jun.de 2008.
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PESQUISA DE CLIMA : UM INDICADOR DE MUDANÇAS EM UMA SIDERÚRGICA DE GRANDE PORTE Aline Ladeira de Carvalho1 Tal como na área médica, em que para se obter o diagnóstico de um paciente, necessita-se de determinados instrumentos, na área organizacional não é diferente. As constantes mudanças advindas da globalização, da robótica, e da tecnologia de informação exigem das empresas uma capacidade de adaptação, sem a qual sua sobrevivência e o seu sucesso ficam comprometidos. Esta realidade, se não bem administrada, pode desencadear uma série de fatores que comprometem a sobrevivência da mesma: pessoas com altos níveis de estresse, queda de produtividade, índices elevados de “turnover” (rotatividade), e outros indicadores. Além disso, torna-se cada vez mais necessário à área de Recursos Humanos mensurar suas ações por meio de procedimentos que possam respaldar sua atuação nas organizações, transformando-se em um RH estratégico, cuja atuação esteja além do simples gerenciamento do capital humano. E tudo isso pode ser desenvolvido usando-se como ferramenta a pesquisa de clima. Diante desse contexto, a VDL, empresa de grande porte, que atua no segmento de fundição e siderurgia, situada em Itabirito, desde 1994, quando foi incorporada ao Grupo VDL, firmou parceria com o Centro Universitário Newton Paiva/LAGEP2 para a realização da pesquisa de clima organizacional, desenvolvida no 2º semestre de 2007 pelos alunos do curso de Psicologia, estagiários do laboratório. Etimologicamente, diagnóstico, do grego3 significa diagnostikón, pelo latim diagnosticu (dia = através de, durante, por meio de e gnosticu= alusivo ao conhecimento de); portanto refere-se ao conhecimento efetivo ou em confirmação sobre algo, ao momento do exame. Descrição minuciosa de algo feita pelo examinador, classificador ou pesquisador, bem como juízo declarado ou preferido sobre a característica, a composição, o comportamento de algo com base nos dados e ou informações desse, obtidos por meio de exame. Em relação ao diagnóstico organizacional, pode-se conceituá-lo como sendo, conforme Pereira (1999), um processo interativo entre o consultor e o sistema-cliente, que visa identificar e medir as variáveis que interferem significativamente no desempenho de uma empresa. Assim, pode ser definido como uma avaliação do estado atual da organização. O clima organizacional manifesta-se por um conjunto de características ou atributos relativamente constantes do ambiente interno, que é experimentado por todos os seus inte18 l
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grantes e influencia significativamente o seu comportamento. É um fenômeno decorrente da interação dos vários elementos da cultura organizacional, isto é, de um conjunto de valores e pressupostos básicos representados por fatores simbólicos (CHIAVENATO, 2005). Conforme Sorio (s/d, p.1)4, a pesquisa de clima consiste em um instrumento direcionado para análise do ambiente interno, a partir do levantamento de suas necessidades, tendo como objetivo mapear ou retratar os aspectos críticos que configuram o momento motivacional dos funcionários da empresa, por meio da apuração de seus pontos fortes, deficiências, expectativas e aspirações. Além de pontuar os aspectos positivos e negativos que refletem no Clima da empresa, auxilia também na elaboração de planos de ação para melhoria do mesmo. Sendo assim, os principais objetivos da pesquisa desenvolvida na VDL Siderurgia foram: identificar as variáveis da cultura organizacional no âmbito geral ou de áreas específicas e a forma pela qual essas influenciam o comportamento humano na empresa, bem como os padrões culturais existentes que facilitam ou dificultam a introdução de inovações; obter resultados para a implementação de mudanças organizacionais ou de políticas de recursos humanos e, por fim, investigar as estratégias motivacionais utilizadas pela organização. Assim este trabalho teve como principal finalidade identificar o estado atual da empresa, por meio da análise de seus pontos fortes e fracos existentes, além das oportunidades e riscos que a mesma poderia encontrar no futuro. A metodologia para a coleta de dados realizou-se por meio de amostragem com funcionários de todas as áreas da empresa, utilizando-se dos instrumentos a seguir : visita técnica na organização, um encontro com os funcionários para sensibilização,entrevistas individuais com 211 (duzentos e onze) funcionários, aplicação de 306 (trezentos e seis) Questionários de Diagnóstico Organizacional (QDO)5. Esse questionário foi desenvolvido levando-se em consideração oito indicadores, a saber: Objetivos, Estrutura, Liderança, Relacionamento, Recompensas, Mecanismos de Apoio, Propensão à Mudança e Postura dos Colaboradores. Os resultados obtidos no QDO, por meio das médias dos oito indicadores pesquisados junto aos 306 ( trezentos e seis)
colaboradores, estão expressos no gráfico a seguir: Postura: 83% - Os colaboradores pesquisados revelam satisfação com sua postura em relação à empresa, demonstrando comprometimento, responsabilidade e interesse pelo que realizam. Propensão a Mudanças: 67% - Os colaboradores pesquisados revelam que a organização tem condições favoráveis para o exercício da mudança e inclusão de novos processos. Mecanismos de Apoio: 60% - Os colaboradores pesquisados revelam que os mecanismos de apoio, integração entre áreas e comunicação interpessoal atendem às necessidades e expectativas dos mesmos, porém podem melhorar. Recompensas: 46% - Os colaboradores pesquisados revelam que o sistema de recompensa financeira e de reconhecimento profissional não está adequado ao mercado. Relacionamentos: 74% - Os colaboradores pesquisados revelam que o relacionamento interpessoal é satisfatório. Liderança: 65% - Os colaboradores pesquisados revelam que a liderança utiliza instrumentos eficazes para a comunicação interpessoal e motivação dos colaboradores. Estrutura: 57% - Os colaboradores pesquisados revelam satisfação mediana com o ambiente físico e com a divisão e organização das funções dos cargos. Objetivos: 64% - Os colaboradores pesquisados revelam conhecimentos adequados sobre os objetivos da organização.
Complementando a pesquisa quantitativa realizada com o QDO, 211 (duzentos e onze) colaboradores foram submetidos a entrevistas individuais. A partir da análise das entrevistas, foram apontados os seguintes aspectos: Descrição da função X Cargo ocupado No geral, os participantes apresentam compatibilidade com as funções desenvolvidas, e estão adequados ao cargo que ocupam, porém houve relatos de sobrecarga de tarefas e funções em alguns cargos, além de relatos sobre disfunção( execução de atividades não acordadas).
Participação em decisões referentes ao cargo ocupado Dentre os colaboradores entrevistados, 41% participam parcialmente das decisões tomadas; 32% participam das decisões tomadas e 27% dos colaboradores não participam das decisões tomadas. Relacionamento entre os funcionários Dentre os colaboradores entrevistados, 73% acreditam ter um relacionamento satisfatório com os demais funcionários, 25% acreditam ter um excelente relacionamento com os demais funcionários e 2% relatam que existem conflitos entre funcionários em alguns setores. Relacionamento com os superiores Dentre os colaboradores entrevistados, 66% acreditam ter um relacionamento satisfatório com os seus superiores, 17% acreditam ter um excelente relacionamento com os seus superiores e 17% acreditam que o relacionamento é insatisfatório. Sugestão de melhoria para a função ocupada: Dentre os colaboradores entrevistados, de acordo com os seus relatos, as sugestões de melhoria para sua função e para a empresa em geral estão direcionadas para os seguintes aspectos: Possibilitar mudanças entre setores; inclusive uma aproximação entre o setor de segurança com a área de Recursos Humanos; Uniformizar as atitudes e posturas na empresa como um todo; Promover maior participação dos funcionários em decisões referentes ao trabalho, ouvir e valorizar mais os funcionários; Melhorar o diálogo interno, promovendo maior participação dos funcionários, sem que os mesmos sejam punidos ou prejudicados quando oferecem alguma sugestão/crítica; Promover maior interação entre os gerentes e os funcionários, não deixando somente a cargo da supervisão; Contratar estagiários para apoiar e diminuir a sobrecarga de trabalho nos setores; Promover o acesso ao conhecimento de todas as peças fabricadas pela empresa; Agilizar o processo de atualização dos documentos da qualidade; Implantar o sistema ISO no alto forno; Entre outras. A área de Recursos Humanos da VDL Siderurgia, ao procurar os serviços oferecidos pelo LAGEP, buscava um reposicionamento mais estratégico, ampliando suas ações operacionais em prol de resultados mais efetivos nos aspectos direcionados à captação, Revista de Psicologia - Edição 1 l 19
retenção e desenvolvimento de pessoal, diferenciando-se, assim, de um departamento pessoal. Essa demanda surgiu em virtude da maneira como os funcionários percebiam este setor e das comparações que faziam em relação à área de Recursos Humanos de outras empresas. Informações sobre a área de Recursos Humanos (atividades e serviços prestados) A maioria dos funcionários entrevistados durante a pesquisa relatou que sabe da existência da área de Recursos Humanos, mas não soube precisar com clareza as ações que a mesma realiza dentro da empresa. Também foi constatado que há uma imagem negativa em relação a esse setor. Após a realização da pesquisa, foi entregue um relatório para a superintendência e para os gerentes dos diversos setores da organização. Dentre os aspectos ressaltados, foram sugeridas alterações que fossem condizentes com os objetivos propostos anteriormente citados, como também uma série de intervenções a serem desenvolvidas pelo LAGEP, em parceria com área de Recursos Humanos. São elas: - implantação e acompanhamento das políticas de RH da empresa, reestruturação dessa área ; - planejamento de contratação de pessoal, por meio de processos de recrutamento e seleção mais estruturados (parceria com o Laboratório de Gestão de Pessoas – LAGEP /Newton Paiva); - revisão e descrição dos cargos, salários, benefícios dos funcionários, para fins de construção do organograma institucional, incluindo aprimoramento da cesta básica, do transporte coletivo, dos convênios com as farmácias e outros; - promoção e desenvolvimento de atividades que incentivem o trabalho em equipe para um melhor relacionamento entre os funcionários e integração com os superiores; - acompanhamento das atividades nos setores e avaliação dos motivos pelos quais os funcionários se ausentam do trabalho, justificando a falta por meio de atestado médico, antes de restringir a cesta básica; - implementação de instrumentos de comunicação institucional, informando os objetivos, metas, missão, visão e causas da empresa VDL Siderurgia . No geral, o diagnóstico de clima da empresa VDL SIDERURGIA apontou para um clima interno satisfatório, por meio dos aspectos quantitativos, entretanto, no que tange às recompensas, o mesmo detectou a necessidade de investimentos em seus funcionários, que podem ser realizados a partir da reestruturação da área de Recursos Humanos, por meio de ações que os valorizem e os reconheçam como elementos importantes no desempenho da empresa no cenário nacional e internacional. 20 l Revista de Psicologia - Edição 1
Finalizando, as intervenções propostas pelo LAGEP estão acontecendo desde o início do primeiro semestre de 2008 de maneira gradativa, por meio de parceria com os estágios supervisionados em Gestão de Pessoas, orientados pelas professoras responsáveis. Dentre elas destacam-se os treinamentos para os funcionários da área de Recursos Humanos, cujos temas versaram sobre: gestão de pessoas, relações interpessoais e atendimento ao cliente. REFERÊNCIAS CHIAVENATO, Idalberto. Gestão de Pessoas: o novo papel dos recursos humanos nas organizações. 2. ed. Rio de Janeiro: Campus, 2005. 457 p. DIAGNÓSTICO. In: Wikipédia, a enciclopédia livre. Disponível em: <PT.wikipedia.org/wiki/Di agn%C3%B3stico > . Acesso em: 25 jul. 2008. PEREIRA, Maria J.L.B. Na cova dos leões: o consultor como facilitador do processo decisório empresarial. São Paulo: Makron Books do Brasil, 1999.187 p. SORIO, Washington. Clima Organizacional. Disponível em: <htpp://www. guiarh.com.br/x28. htm>. Acesso em: 25 de jul.2008.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Aluna do curso de psicologia do Centro Universitário Newton Paiva do estágio supervisionado pela professora Denise Rossi 2 LAGEP - Laboratório de Gestão de Pessoas 3pt.wikipedia.org/wiki/Diagn%C3%B3stico 4 www.guiarh.com.br/x28.htm 5 QDO: Questionário de Diagnóstico Organizacional desenvolvido pela professora e coordenadora do LAGEP Denise Rossi
ESCOLA INTEGRADA: UMA VIVÊNCIA PRÁTICA Sheila Estevão de Souza Viviane de Oliveira Menezes1
O Programa Escola Integrada é uma das ações da Prefeitura de Belo Horizonte, que visa ampliar a jornada educativa de crianças e adolescentes, na faixa etária de 6 a 14/15 anos, oportunizando vivências diferenciadas da formação em sala de aula. O seu lançamento oficial aconteceu em março de 2007.2 O programa é multidisciplinar e pretende integrar os diversos projetos sociais já existentes, tendo como base a relação entre os setores das secretarias municipais de Educação, Políticas Sociais, Cultura, Esportes, Regulação Urbana e Saúde, sob a Coordenação da Secretaria Municipal de Planejamento, Orçamento e Informação, articuladas a setores da sociedade civil, empresas e ONGs.3 Atualmente, a escola integrada está implantada em 50 escolas da rede pública municipal. O Programa atende a 15.000 crianças e adolescentes do Ensino Fundamental. Os alunos da Escola Integrada são atendidos pela manhã e à tarde, sendo o almoço servido na escola. As atividades são realizadas tanto dentro quanto fora da escola, em diversos lugares da comunidade. Ao todo, o aluno é atendido durante 9 horas.4 Cada Escola Integrada conta com um professor comunitário como coordenador. Todas as atividades da Escola Integrada, como aula de língua estrangeira, auxílio no dever de casa, prática de esportes, brincadeiras, oficinas e aulas ao ar livre, são coordenadas por esse professor.5 Para o desenvolvimento de suas atividades, o programa conta com a parceria de diversas instituições de ensino superior, que cedem seu espaço físico para que as oficinas aconteçam. O objetivo do programa é contribuir para o desenvolvimento integral dos alunos, visando uma maior efetividade na formação e aprendizagem das crianças e adolescentes atendidos pela Prefeitura de Belo Horizonte.6 Portanto, este artigo pretende relatar o trabalho realizado na Escola Estadual Hugo Werneck, implantado nessa escola no dia 14 de agosto de 2007, atendendo a cerca de 380 alunos. O trabalho a ser relatado foi iniciado a partir da queixa acerca do comportamento deprecativo dos alunos em relação ao patrimônio da instituição Newton Paiva, cedente de espaço físico para as ações da escola integrada. A Clínica de Psicologia foi solicitada a pensar em ações de conscientização das crianças quanto ao bom uso do espaço cedido pela faculdade e a importância desse para
o programa. As intervenções foram realizadas em dois grupos, com aproximadamente 20 alunos do ensino fundamental, por meio de oficinas de dinâmica de grupo. Como a demanda foi apresentada no final do semestre letivo e não se dispunha de tempo para ações mais longas e complexas, as atividades propostas foram pontuais. Após esses encontros, alunos do curso de Psicologia e a coordenadora do projeto escola integrada reuniram-se para comentar as atividades e seus resultados, além de afirmarem a necessidade de um trabalho mais sistemático com as crianças. Para tal, ficou acordado que, no início de 2008, haveria um encontro para discussão e formulação de novas propostas. No dia 23 de fevereiro de 2008, realizou-se o primeiro encontro para que fossem desenhadas as propostas de continuidade da parceria da Clínica de Psicologia e a escola integrada. Definiu-se que seria necessário trabalhar a relação professor-aluno, desempenhada pelos “oficineiros” do projeto, e não apenas intervir de maneira corretiva nos grupos de alunos, para entender o funcionamento do programa e, então, atuar melhor na demanda. Para tal, foram realizadas observações in loco nas salas de aula da escola, que subsidiaram as constatações de como o programa funciona na realidade. A princípio, a maior dificuldade encontrada foi na forma de selecionar pessoas qualificadas para trabalhar com as crianças. Se o programa visa a uma maior efetividade na formação e aprendizagem das crianças e adolescentes, acredita-se que seria necessário dispor de preparo inicial e qualificação continuada para os instrutores e oficineiros. Como o programa não conta com diretrizes definidas, os prestadores de serviço são contratados temporariamente, e, assim, constatou-se um alto índice de rotatividade, prejudicando o andamento das oficinas. Dessa forma, o vínculo estabelecido com o programa torna-se frágil, não havendo um sentimento de pertencimento com relação a esse. Observou-se ainda a falta de comprometimento dos colaboradores com o programa, já que faltam bastante e as atividades propostas por eles são repetitivas e pouco criativas. A partir da verificação dos dificultadores do programa, a equipe do Núcleo de Gestão da Clínica de Psicologia propôs um momento de reflexão e capacitação com os professores (oficineiros) a fim de sensibilizá-los quanto à importância da sua atuRevista de Psicologia - Edição 1 l
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ação no programa da escola integrada. Este encontro, nomeado de integração, foi marcado com antecedência e todos foram convidados a participar. Porém, na data marcada, apenas a coordenação do projeto e dois, dos quinze colaboradores, compareceram. Sentimentos de desapontamento e frustração perpassaram as estagiárias do Núcleo de Gestão, que fizeram um “diagnóstico” prévio, por meio das observações in loco e conversas com os professores, e prepararam um material diversificado e interessante para o encontro. O encontro realizou-se mesmo assim e, ao longo do mesmo, as colaboradoras presentes apresentaram os seguintes entraves: a presença dos demais colaboradores naquele momento, a organização no que diz respeito às tarefas, faltas sem aviso prévio dos mesmos, a dificuldade de transporte das crianças da escola para os locais onde acontecem as oficinas, falta de encontro entre os professores para a definição de regras, e ainda o desconhecimento dos professores em relação ao programa ao ingressar no mesmo, mostrando, assim, a falta de estrutura encontrada no programa, o que o impede de atingir um objetivo sólido. Para que o programa escola integrada cumpra o seu papel social, é importante que sejam definidas, de maneira fundamentada, diretrizes mais sólidas, que pautem o seu trabalho. Assim, seus objetivos ficam mais claros, possibilitando que sejam traçadas estratégias diferenciadas para o trabalho com os alunos, de modo a melhorar as ações do programa, alcançando, assim, bases para fundamentar um objetivo diferente do existente. As perguntas que nos cabem são: qual o objetivo da escola integrada? Seria apenas tirar as crianças da rua para que seus pais possam trabalhar tranqüilos ou oferecer uma educação de qualidade em tempo integral? REFERÊNCIAS Escola integrada: Belo horizonte é uma sala de aula. Disponível em: <http:// portal2.pbh.gov.br/pbh/pgESEARCH_CENTRO.html?paramIdCont=13226.> Acesso em: 24 jun. 2008. Prefeitura de BH: Programa Escola Integrada de Belo Horizonte será lançado dia 19 de março. Disponível em: < http://www.undime.org.br/htdocs/index. php?id=4132.> Acesso em: 24 jun. 2008.
NOTAS DE RODAPÉ 1Alunas do Curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva do estágio supervisionado pela professora Denise Rossi. 2 Disponível em http://www.undime.org.br 3 Disponível em http://www.undime.org.br
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4 Disponível em http://portal2.pbh.gov.br/pbh 5 Disponível em http://portal2.pbh.gov.br/pbh 6 Disponível em http://www.undime.org.br
A CLÍNICA EM MOVIMENTO DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO Bárbara Coelho Ferreira1 Introduzir o sujeito lá onde está o homem, o cidadão, o mental, o indivíduo, é fazer com que o paciente, ou seja, aquele que sofre os efeitos da estrutura, possa desafiar os fios da sua patologia. (QUINET, 2000, p. 9)
A partir do movimento de Reforma Psiquiátrica, a clínica da psicose é convocada a ocupar um lugar de escuta das demandas trazidas pelos pacientes, para que assim possa proporcionar ao sujeito formas de tratamento que preservem a sua subjetividade, responsabilidade, autonomia e, ao mesmo tempo, deve promover a construção de um laço social da loucura com a cidade. Considerando-se os dispositivos que atuam com esse propósito, destaca-se o Acompanhamento Terapêutico (AT). Com o objetivo de ilustrar a prática do AT, apresenta-se o relato de caso do paciente João Carlos2, 34 anos, artesão, mineiro natural de Belo Horizonte. O paciente é acompanhado pela Casa Pai-PJ desde 2002, pois responde a um processo por ter exibido o pênis e se masturbado na portaria do prédio onde reside, ferindo o disposto no incurso do art. 233 do Código Penal Brasileiro, por prática de ato obsceno em lugar público. João Carlos foi considerado inimputável, conforme laudo de insanidade mental emitido pelo Instituto Médico Legal após exame realizado, que o considerou portador de sofrimento mental orgânico crônico, no momento do ato. Considerado incapaz de entender e determinar sua ação, segundo a psiquiatria forense, foi absolvido e a ele aplicada a Medida de Segurança Ambulatorial, em substituição à pena, conforme determina o art. 386 do Código Processo Penal. A entrada do acompanhamento terapêutico, no caso do paciente João Carlos, ocorreu devido à necessidade do paciente de deslocar-se para tomar seus medicamentos, diariamente, até o posto de saúde próximo de sua casa. Sendo assim, criou-se uma rede de AT’s, já que o paciente teria que ir ao posto de saúde duas vezes por dia, todos os dias da semana. Com relação a esse dispositivo da Saúde Mental, tem-se que a sua prática iniciou-se dentro das instituições psiquiátricas, por volta dos anos 80, sendo que, naquele contexto, o AT era denominado auxiliar psiquiátrico, o que demarcava uma relação hierárquica diante da psiquiatria. Segundo Ribeiro (2002), “a mudança do nome vem não só dar um testemunho de modificações na clínica da psicose como também cobrar do acompanhante o seu novo endereço, ou seja, o lugar onde ele se situa nessa
clínica e de onde ele fala”. Logo no início do acompanhamento, percebe-se a demanda manifestada por João Carlos diante da proposta de tratamento, já que o mesmo ressalta a importância de ter um acompanhante que o leve até o posto de saúde, pois, de acordo com relatos de João Carlos, ele precisa ter segurança para realizar o trajeto, uma vez que possui epilepsia e é portador de sofrimento mental, além do fato de se sentir bem tendo alguém para escutá-lo e, segundo ele, dar uns “conselhos”. É importante ressaltar que a demanda do paciente e sua implicação na forma de tratamento proposta é um fator primordial para que o sujeito seja favorecido, e para que haja resultados satisfatórios na condução do caso. O tratamento supõe a implicação do paciente como membro ativo da equipe de cuidado e sua progressiva autonomização em relação a essa. Lacan (1955-6, citado por Ribeiro 2002) nos advertiu sobre a importância das entrevistas preliminares em análise, no sentido de que uma demanda nunca deve ser aceita em estado bruto, e, sim, interrogada, consistindo essa interrogação numa implicação do sujeito em relação ao seu sintoma ou àquilo de que ele se queixa, re-situando sua responsabilidade essencial no que lhe ocorre, passando a queixar-se de si mesmo, o que foi chamado por Lacan de “retificação subjetiva”. João Carlos relata nos primeiros AT’s que não sai com ninguém, somente com sua mãe e os ATs, pois sabe que eles obedecem às ordens de seu psicólogo da Casa PAI-PJ. Fala: “um dia um sobrinho me chamou para passear no centro da cidade, mais eu não fui, já pensou se ele me deixa para trás”. De acordo com Ribeiro (2002), a função do acompanhante é ser um mediador, intervindo nas situações do cotidiano do paciente, principalmente, nos momentos de crise. É “caminhar” ao lado do paciente, ajudando na tomada de decisões, resolução de problemas, permitindo que o trabalho de análise prossiga na “outra cena”.A Revista de Psicologia - Edição 1 l
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clínica do AT propõe um novo setting para a escuta do paciente psicótico, é uma prática que ultrapassa os muros da instituição e promove um enlaçamento do sujeito com a cidade. Segundo Palombini , o AT é uma função emblemática da mistura e contágio das disciplinas psi com o espaço e tempo da cidade. E o seu exercício − que se dá entre lugares, entre o serviço e a rua, entre o quarto e a sala, fora de lugar, a céu aberto − presentifica uma exigência que a reforma psiquiátrica vem colocar aos seus profissionais, seja qual for o dispositivo em causa: o fato de que uma clínica a serviço dos processos de desinstitucionalização coloca em jogo a desinstitucionalização da clínica mesma. (PALOMBINI, 2007, p.132). Durante o acompanhamento, João Carlos questiona a privação de sua “liberdade” pelo fato de ter cometido um ato sem muita gravidade e ainda estar respondendo processo. Segundo ele: “tem neguinho ai que mata, fica preso dois anos, que é traficante e fica preso cinco anos, e eu estou a dez anos com este processo. Dez anos é uma vida”. Ele enfatiza o término do processo e diz que está quase livre e desimpedido para fazer as suas coisas, já que o encerramento do processo se dará no final deste ano. O paciente também apresenta certa inquietação no que diz respeito aos assuntos relacionados ao direito e à justiça, sendo que isso se apresenta de forma clara em suas falas, já que João Carlos, diversas vezes, nos indaga, com perguntas relativas ao que significa a lei, a ordem e a norma. O paciente busca saber a nossa opinião sobre esses aspectos, já que o mesmo se mostra intrigado com relação a isso, e fala: “Lei é Lei Norma é Norma, Justiça é Justiça e Paciência e paciência, e não é todo mundo que tem”. É importante considerar que a relação da loucura com a sociedade traz consigo a marca de uma diferença quanto à forma de lidar com a ordem social. O louco constrói uma forma particular de lidar com as normas sociais, na qual a dialética simbólica é substituída pela liberdade das coisas. De acordo com Guerra (2004, p. 47) “mesmo inserido na cultura, na linguagem e no cotidiano, o louco não se encontra submetido às mesmas normas simbólicas de organização, por conta de sua constituição”. O sujeito psicótico, não passando pela inscrição na lei simbólica, é colocado num lugar de impedimento de toda a transferência de sentido para sua vida e com o meio social, e a função do AT é propiciar uma amarração do sujeito com a sociedade. Segundo Palombini (2007, p. 146), “acompanhar a loucura é, nesse sentido, acompanhar também ao Outro, ao que, da cultura, manifesta-se como negação da diferença, recusando-se à estranheza do laço que a psicose intenta”. 24 l Revista de Psicologia - Edição 1
João Carlos fala muito de sua relação com seus familiares. Conta que mora com a mãe, possui cinco irmãs e que moram todos em Belo Horizonte. Possui uma outra irmã, por parte de pai, que mora numa cidade do interior. O paciente relata que a última vez que viu o seu pai foi aos 12 anos. Enfatiza que o pai já foi militar, advogado, delegado e que a sua irmã, que é mais nova do que ele, tem 25 anos, e já é advogada. O paciente diz que ele não é nada, não tem nada e quer ter os seus direitos, os direitos que vêm do pai. Ele recebe uma pensão, porém esta quantia é controlada por sua mãe. Fala que metade do dinheiro pertence a ele, mas que não tem acesso a esse dinheiro da forma como deveria. O paciente relata, com muita preocupação, a possibilidade de não poder contar com os pais no futuro. João Carlos indaga sobre o que acontecerá com ele se, de fato, ocorrer a morte dos pais. Não sabe quem vai “olhar” por ele, sendo que, muitas vezes, indica que, neste caso, os responsáveis serão os lugares em que faz tratamento, a Casa PAI-PJ e o CERSAM. Em um dos atendimentos, diz: “Quando minha mãe morrer é a casa PAI-PJ que vai cuidar de mim”. As intervenções neste momento, quase sempre, apontam para possibilidade de cuidar de si, para a responsabilização do paciente, mesmo que precise do apoio dessas instituições. Em certo momento do acompanhamento terapêutico, começamos a declinar a freqüência dos estagiários, em alguns dias da semana; João Carlos passa a ser convocado a constituir seu caminho, agora sem a presença do AT. O paciente demonstra certa indignação com tal situação, alegando que não pode ir sozinho ao posto de saúde. Reclama que não foi esse o combinado, mas é lembrado que, em nenhum momento, foi dito que todos os dias haveria acompanhantes. Ressalta a questão de ter epilepsia e “problema de cabeça”, diz que precisa ter a sua segurança, e que pode acontecer algo com ele se estiver sozinho, e aí não terá ninguém para ajudá-lo. Neste momento, é pontuado que, nas várias vezes em que foi ao posto de saúde, este trajeto foi realizado com tranqüilidade, sem maiores contratempos, com o objetivo de convocar a autonomização do paciente. Durante vários dias, João Carlos relata que isto não está certo e que ele queria que esse acompanhamento seguisse uma linha. O paciente chega a sugerir que eu deveria acompanhá-lo todos os dias, pela manhã e à tarde, pois, do jeito que está acontecendo, não está dando certo. Pontuo que não tenho disponibilidade para acompanhá-lo dessa forma, pois tenho outras atividades, e que ele deveria arrumar uma outra saída diante dessa situação. Neste momento, pode-se analisar a questão da transferência no caso de João Carlos já que o paciente convida o AT para ocupar o lugar do Outro que poderia suprir o buraco do simbólico, sendo que essa demanda não deve ser atendida. A manobra da transferência com o psicótico precisa ser operada num sentido
de esvaziamento. Segundo Mendes (2005, p.22), “manobrar a transferência é dirigi-la com o objetivo estratégico de propiciar um limite a essas experiências que invadem o psicótico, deixando-o sem opção de qualquer resposta”. É notável a implicação do paciente em seu tratamento, já que o mesmo repete, por várias vezes, a necessidade de tomar sua medicação e a importância da mesma para a sua melhora. Fala que seus remédios são controlados e precisa seguir à risca. Por isso precisa da presença do acompanhante para testemunhar tudo o que acontece no posto, convoca o AT neste lugar, como alguém que possa garantir a fidedignidade de seus relatos. É pontuado com ele que não é necessário esta comprovação, e que seus relatos são suficientes para a equipe da Casa PAI-PJ.
REFERÊNCIAS GUERRA, Andréa Máris Campos. Oficinas em saúde mental: percurso de uma história, fundamentos de uma prática. In: FIGUEIREDO, Ana Cristina (Org.). Oficinas terapêuticas em saúde mental: sujeito, produção e cidadania. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 2004. p.23-58. GUERRA, Andréa Máris Campos e MILAGRES, Andréa Franco. Com quantos paus se faz um acompanhamento terapêutico?: contribuições da psicanálise a essa clínica em construção. Estilos clin. [online]. dez. 2005, vol.10, no.19 [citado 22 Outubro 2008], p.60-83. Disponível em: <http://pepsic.bvs-psi.org.br/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S1415-71282005000200004&lng=pt&nrm=iso>. ISSN 1415-7128. Acesso em: 20/10/2008. LOBOSQUE, Ana Marta. Princípios para uma clínica antimanicomial e outros escritos. São Paulo: Hucitec, 1997. 96 p.
Orientados pela psicanálise, o acompanhante se situa como “testemunho” e “secretário”, como disse Lacan, não colocando em dúvida os dizeres do psicótico, nem verificando a veracidade de seu discurso em termos dos “dados da realidade”. O que se oferece aqui ao psicótico é uma possibilidade de falar sem ser rejeitado, de não estar tão só. Paralelamente, o acompanhante age sobre a palavra delirante marcando seus limites e fazendo surgir furos, ou seja, nem tudo pode ser atribuído ao Outro. (RIBEIRO,2002) Diante dessa situação, João Carlos passa a dizer que não vai mais esperar os ATs, se eles não chegarem na hora combinada, vai sozinho. Diz: “Não é que eu quero dispensar os ATs, não estou achando ruim, mas já sei ir ao posto, na hora combinada, posso fazer este caminho sozinho”. Neste momento, pontuo que ele pode combinar com os ATs outras atividades, já que esta ele já realiza muito bem. Lentamente, os acompanhantes têm saído de cena para que novos projetos possam aparecer. O movimento da clínica do AT é aquele que segue os passos do movimento da Reforma Psiquiátrica, já que se trata de uma clínica que trabalha em prol da construção da cidadania, cujos militantes buscam fazer circular no tecido social as indagações e os impasses suscitados pelo convívio com a loucura. É neste sentido que, de acordo Guerra e Milagres (2005), o acompanhamento terapêutico é a clínica do detalhe, do acontecimento, do ato, em que qualquer manejo é sempre, a priori, a construção de uma nova possibilidade de deslocamento, a construção do inédito na aposta do imprevisível como alternativa à institucionalização do louco e da loucura pelas amarras ideológicas e estruturais com as quais cada psicótico, à sua maneira, tenta se haver para estar na vida da melhor maneira que lhe for possível.
MENDES, Aline Aguiar. Tratamento na psicose: o laço social como alternativa ao ideal institucional. Mental rev. (Barbacena). [online]. Jun. 2005, p. 15-28. Disponível em: http://pepsic.bvs-psi.org.br/pdf/mental/v3n4/v3n4a02.pdf. PALOMBINI, Analice de Lima. Vertigens de uma psicanálise a céu aberto: a cidade. Contribuições do acompanhamento terapêutico à clínica na reforma psiquiátrica. Psicol. rev. (Belo Horizonte). [online]. dez. 2006, vol.12, no.20 [citado 22 Outubro 2008], p.273-275. Disponível em:<http://pepsic.bvs-psi.org.br/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S1677-11682006000200012&lng=pt&nrm=iso>. ISSN 1677-1168. Acesso em: 18/10/2008. QUINET, A. Teoria e Clínica da Psicose. Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 2ªed., 2000. 238p. RIBEIRO, Thais da Cruz Carneiro. Acompanhar é uma barra: considerações teóricas e clínicas sobre o acompanhamento psicoterapêutico. Psicol. cienc. prof. [online]. jun. 2002, vol.22, no.2 [citado 22 Octubre 2008], p.78-87. Disponível em: <http://pepsic.bvs-psi.org.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414 98932002000200010&lng=es&nrm=iso>. ISSN 1414-9893.> Acesso em: 18/10/2008.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Aluna do Curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva do estágio supervisionado pelo professor Fabrício Ribeiro. 2 Nome fictício para preservar a identidade do paciente.
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A ESCUTA CLÍNICA NO HOSPITAL GERAL: UMA QUESTÃO Alice Aparecida da Silva Ribeiro1 Dentro do hospital geral, o analista é convocado a ocupar um lugar diferenciado, lugar que é marcado por uma escuta particular daquilo que o sujeito tem de mais precioso, a sua subjetividade. É a partir dessa escuta que o analista possibilita ao sujeito elaborar sua experiência re - significando questões como a morte, a doença, a dependência do outro para os cuidados pessoais, a ausência da família, a perda da integridade do corpo etc. O lugar do hospital implica em uma escuta diferenciada, determinada pelo tempo de internação do sujeito. É preciso astúcia por parte do analista para que, em apenas um encontro, seja possível ouvir daquele paciente adoecido a voz do sujeito. É preciso um misto de agilidade e cautela. Agilidade no sentido de ganhar o tempo, que nunca se sabe de quanto será, desenvolvendo um trabalho produtivo. E cautela quanto à natureza e oportunidade de cada intervenção, só contando com o cálculo da clínica a cada passo que se dá, pois o trabalho pode ser interrompido a qualquer momento, por motivos externos a seu curso. (MELLO,1995, p.46) É no manejo da transferência que o analista consegue que o sujeito se apresente. Em seu texto sobre “As cinco lições de psicanálise” Freud (1996a, p.61) vai falar sobre a transferência como: Todas as vezes que tratamos um paciente neurótico, surge nele um estranho fenômeno chamado “transferência”, isto é, o doente consagra ao médico uma série de sentimentos afetuosos, mesclados muitas vezes de hostilidade, não justificados em relações reais e que, pelas suas particularidades, devem provir de antigas fantasias tornadas inconscientes. Aquele trecho da vida sentimental cuja lembrança já não pode evocar, o paciente torna a vivê-lo nas relações com o médico (...). A transferência funciona como se o sujeito estivesse preso a certos estereótipos, e que não somente em análise, mas em todas as relações, se estabelece uma reedição das cenas, objetos e afetos infantis, caracterizando uma compulsão à repetição. Segundo Maurano: 26 l
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A transferência é a aposta de que há que existir um saber que virá dar conta dessa falta do encontro perfeito, desse furo presente na relação do sujeito com o Outro (...). O modo como falamos, o modo como nos apropriamos das palavras e escolhemos significantes, testemunha uma organização de nossa subjetividade que é comandada por esse Outro, por esse referente. O inconsciente se justifica pelos efeitos da fala sobre o sujeito (MAURANO, 2006, p.28-29). O inconsciente é marcado pelo discurso do Outro, o que faz com que sejamos estranhos para nós mesmos, uma vez que o que nos determina é o inconsciente. A transferência então acontece quando o sujeito supõe ao analista esse saber sobre si, esse saber que falta ao sujeito. Segundo Lacan (1964, p.220), desde que haja em algum lugar, em quem quer que seja, analista ou não, o sujeito suposto saber, a transferência está estabelecida. O contexto hospitalar exige do analista um manejo da transferência diferenciado já que o suposto saber é a instituição, contudo, em alguns casos, é possível estabelecer um vínculo transferencial, que vai se fortalecer ao longo dos atendimentos. No momento em que a estagiária se apresenta como membro do “serviço de psicologia do hospital”, algo da transferência do paciente com o hospital se endereça à estagiária e assim é estabelecido um primeiro vínculo de abertura para a fala. Tomemos como exemplo o caso de Rodrigo, uma criança de 12 anos, magérrima, que é portadora de um sarcoma e estava em tratamento quimioterápico, internada em um hospital de Belo Horizonte, porque apresentara picos de febre após suas sessões de quimioterapia. No momento em que a estagiária entra no quarto, Rodrigo estava sentado junto de sua mãe, assistindo televisão. Chamou a atenção sua cabeça raspada e uma cicatriz enorme em seu braço direito. Rodrigo diz, sem demora o motivo de sua internação, que tem um sarcoma e faz tratamento de quimioterapia. De forma muito positiva, fala, insistindo sempre, que está tudo bem. E ao ser perguntado sobre como estava sendo a internação, mais uma vez Rodrigo insiste em dizer “ta tudo ótimo, estou bem!” Percebemos aqui um traço claro de resistência em Rodrigo para falar sobre sua doença e toda a angústia que ela implica.
Segundo Maurano (2006, p. 19), o analista analisa a transferência, lugar onde aparecem as resistências, que, quando são acolhidas, podem ser trabalhadas. O paciente resiste em se abrir e não dizer sobre si. Não acreditando que estava tudo bem com Rodrigo, a estagiária decide insistir um pouco mais. Sua mãe, que até então acompanhava a conversa, levanta-se dizendo que iria dar uma volta, e que Rodrigo poderia se sentir mais à vontade para falar em sua ausência. Rodrigo segue seu relato contando sobre como sua mãe percebeu o “caroço” em seu braço, em novembro de 2007, mas só em março deste ano descobriu que estava com câncer. Apesar de seus pais já saberem desse diagnóstico, Rodrigo diz que não ligava a palavra sarcoma a câncer, e que isso começou a fazer sentido para ele quando percebeu seus cabelos caindo. Ao ser perguntado pela estagiária como foi a sensação dos cabelos caindo, Rodrigo diz que sempre quis raspar os cabelos e que para ele o pior são os enjôos causados pela quimioterapia. Rodrigo diz à estagiária como foi difícil escutar dos médicos que teria de amputar o braço e, de forma autoritária, se opôs dizendo que jamais faria isso. A idéia de amputar um dos membros do corpo é recebida por Rodrigo com horror. A angústia de castração é agora experienciada no medo de se perder uma parte do corpo. O conceito de castração (...) designa uma experiência psíquica completa, inconscientemente vivida pela criança por volta dos cinco anos de idade, e decisiva para a assunção de sua futura identidade sexual. O aspecto essencial dessa experiência consiste no fato de que, pela primeira vez, a criança reconhece, a preço da angústia, a diferença anatômica dos sexos. (NÁSIO, 1997, p.13) A criança, que até então vivia a sensação de onipotência, depara-se com a castração e percebe que o corpo tem limites. Essa experiência não é única, será revivida e renovada ao longo de nossas vidas. Rodrigo fala sobre como seus pais receberam a notícia de sua doença e, de forma emocionada, conta que ver a tristeza nos olhos de seu pai foi o mais difícil, “eu sou o xodó do meu pai!”, diz ele. O braço de Rodrigo, que até então permanecia imóvel, se ergueu para enxugar as lágrimas silenciosas. Segue o silêncio. Há uma ferida narcísica, na qual o ideal de um filho saudável se desfez, com a constatação do corpo doente. Nesse momento, a dor e a angústia de Rodrigo, perante o seu adoecimento, puderam ser ditas a partir de uma transferência estabelecida entre a estagiária e Rodrigo. Há um acolhimento
desse sujeito, que, para suportar sua angústia, decide encarar o adoecimento de outra forma, não se deixando esmorecer. Contudo algo subjetivo dessa dor precisava ser simbolizado e falado. Rodrigo, em uma única sessão, pôde falar. Falar de suas dores, de sua doença, significar, re – significar. Percebemos que não em função de um tempo cronológico, mas, apesar dele, o tempo do sujeito pôde emergir. De acordo com Quinet (1951), é no atendimento breve que acontecem as entrevistas preliminares, no qual se torna possível fazer uma retificação subjetiva, como uma interpretação do analista. Quinet (1951, p.32) esclarece que “na retificação subjetiva há, portanto, a introdução da dimensão ética – da ética da psicanálise, que é a ética do desejo – como resposta à patologia do ato que a neurose tenta solucionar escamoteando-a.” Segundo o autor, o analista, por meio da fala do sujeito, aponta a importância da responsabilização das suas escolhas e de como ele está submetido ao desejo do Outro. Nossos pacientes não vivenciam um processo analítico clássico, mas sabemos dos efeitos que a escuta analítica pode produzir, principalmente em momentos de urgência em que o sujeito elabora parte de sua história, ressignificando-a (GRANHA, 1996, p.105). Na tentativa de fazer emergir um sujeito, o analista intervém, oferecendo sua escuta para que esse possa transformar a urgência psíquica em demanda, e assim poder elaborar suas questões subjetivas. REFERÊNCIAS FREUD, Sigmund. As cinco lições de psicanálise. Tradução de Jayme Salomão. In:_____ . Cinco Lições de Psicanálise, Leonardo da Vinci e outros trabalhos (1910). Rio de Janeiro: Imago, 1996a. V. XI, 16-65. (Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud). GRANHA, Maria Tereza. Reflexões sobre a prática do psicanalista no hospital geral. In:_____. Psicanálise e Hospital. Rio de Janeiro.: Revinter, 1996. p 103110. LACAN, Jacques. Do sujeito suposto saber, da díade primeira e do bem. In: _____ Seminário 11: Os quatros conceitos fundamentais da psicanálise. 4ª Edição. Rio de Janeiro: Jorge Zahar ,1964. Cap. XVIII, p. 218-230. MAURANO, Denise. A transferência: uma viagem rumo ao continente negro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2006. MELLO, Carlos Antônio Andrade. Mas... o que faz o psicanalista no hospital? Revista de Psicanálise, Belo Horizonte, n.39, p 40-47, Maio -1995. Revista de Psicologia - Edição 1 l
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NASIO,Juan David. Lições sobre os 7conceitos cruciais de psicanálise. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro:Jorge Zahar ,1997,p. 13-30. QUINET, Antônio. As funções das entrevistas preliminares. In: _____ As 4+1 condições da análise. 8ª edição. Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 1951, p.13-34.
NOTA DE RODAPÉ 1 Aluna do Curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva do estágio supervisionado pela professora Luiza Angélica.
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AÇÃO CULTURAL E EDUCAÇÃO NO PROJETO GUERNICA João Henrique Amaral Fontenelle de Araújo1 “Enquanto sujeito da história, o individuo tem a possibilidade de recriar seu processo de socialização e através dele interferir na realidade social.” Marilia Gouvêa de Miranda
As universidades veiculam, demasiadamente, teorias norte-americanas e européias, postulados de sujeitos de classe média, que ficam muito aquém de uma realidade experimentada por crianças e jovens de periferia do nosso país. Cabe à Psicologia intervir na melhoria da qualidade de vida das pessoas distribuídas em aglomerados da cidade e trabalhar nesses indivíduos a visão de mundo. Para um trabalho social, é necessário que os psicólogos estejam capacitados a escutar e trabalhar as demandas dos sujeitos uma a uma, indo além de uma prática clínica, trabalhando com esses sujeitos a interseção de sua história com a história de sua sociedade (Lane, 1988). O que o Projeto Guernica tem a ver com tudo isso? Do ponto de vista antropológico, o que caracteriza o homem é sua condição como ser social, o que lhe distingue do animal não é a forma de transmissão das informações ou a divisão de trabalho, mas a forma de comunicação cultural, que se dá por meio de símbolos (Laplantine, 1988). O Projeto Guernica constitui – se em sua maioria por alunos provenientes de aglomerados e periferias, a aproximação desses sujeitos com a arte, permite que eles entrem em contato com os signos da cultura e produzam uma leitura dessa realidade, consequentemente, se afirmam como ser social. Por optar por uma formação cidadã do sujeito, o Projeto Guernica vai além de um discurso fatalista de inclusão social e permite que seus alunos tenham uma posição crítica diante da realidade que os envolve. Ao trabalhar com uma demanda que está para além de uma escrita de rua, o programa permite a esses jovens que reesignifiquem suas experiências e se responsabilizem por suas escolhas e projetos de vida. Inúmeros Programas Sociais destinados a jovens de periferia se baseiam em oficinas de Grafite, transformando, assim, o Grafite em uma pedagogia. São norteados por uma utopia, na qual o Grafite serve para determinados sujeitos, provenientes de determinadas regiões e situações, não fornecendo, assim, autonomia para esses sujeitos. Acabam por estigmatizar esses sujeitos e a própria arte. Por trabalhar com conceitos provenientes de diversas áreas
do saber, o Guernica vai além de um discurso ativista, que utiliza o grafite apenas como prática de denúncia de injustiças sociais. A eficácia do Projeto Guernica consiste na escolha de seus temas, que não foi feita de forma aleatória, e sim embasada em uma escuta com pichadores, grafiteiros e profissionais de diversas áreas. Trabalhando com esse público conceitos vindos das artes plásticas e do urbanismo, o programa permite que esses sujeitos se desvinculem de um discurso estereotipado, busquem endereçamento para suas demandas, e, conseqüentemente, tenham uma participação responsável na vida da cidade, o que faz com que o programa seja um meio e não um fim. Paulo Freire (1979) nos mostra que seu método não é apenas uma técnica pedagógica, mas um modelo de trabalho de aproximação às classes populares, abrindo os olhos do sistema educacional para a dominação e alienação que alguns indivíduos sofrem de sua própria cultura. Pensar em algum tipo de intervenção com crianças e jovens de periferia consiste em ter um olhar para além de serviços assistenciais e desenvolver uma programação simultânea, que leve cultura a esses sujeitos. Para Giddens (1997), é fundamental resgatar no sujeito o exercício de cidadania responsável, o autor afirma que, contemporaneamente, pensar em algum tipo de trabalho no âmbito do social consiste, obrigatoriamente, em trabalhar conceitos de cidadania para a formação de indivíduos emocionalmente competentes e responsáveis. O processo de globalização oprime culturas periféricas, não possibilitando que esses sujeitos se integrem na sociedade como atores. Assim, é necessário trabalhar o imaginário desses sujeitos para que possam se implicar de forma ativa na sociedade a qual pertencem. Por imaginário entendemos a relação que o sujeito estabelece com seu semelhante, o que propicia a esse sujeito construir um discurso de si e do mundo que o cerca. Paulo Freire contribui para esse pensamento ao afirmar que: [...] o processo de orientação dos seres humanos no munRevista de Psicologia - Edição 1 l
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do envolve não apenas a associação de imagens sensoriais, mas, sobretudo, pensamento, linguagem; envolve desejo, trabalho - ação transformadora sobre o mundo, de que resulta o conhecimento do mundo transformado. Este processo de orientação dos seres humanos no mundo não pode ser compreendido, de um lado, de um ponto de vista puramente subjetivista; de outro de um ângulo objetivista mecanicista (FREIRE, 1982, p. 42). O que o autor nos ensina é que não podemos construir um saber sobre o social, abstraindo de contextos históricos, econômicos e culturais, em que os sujeitos estão efetivamente inseridos. Conforme Laplantine (1988), as práticas simbólicas são fundadoras da ordem social. Em aglomerados e periferias, a escola é quase sempre a única instituição pública ali presente, que se prende a metodologias arcaicas e está muito longe do verdadeiro propósito que a escola deveria ter; a formação da pessoa. A aproximação desse público, com diversas atividades artísticas, permite que esses sujeitos tenham maior destreza para lidar com essa situação de submissão imposta pela sociedade globalizada, ajudando, assim, na conscientização da identidade psicossocial desses (Lane, 1988). De acordo com a tese desenvolvida com base no projeto, feita por Maria Inês Lodi, por priorizar uma circulação de discursos, o Guernica vai além de uma ilusão mercadológica, no que se refere à formação de profissionais e à prática assistencialista, pois convida o sujeito para participar de forma ativa em questões relacionadas a políticas públicas e, consequentemente, possibilita aos seus alunos uma abertura em seus trajetos de vida. O Projeto Guernica mostra que é necessário que o sistema educacional se desvincule de uma posição detentora de saber, regido em demasia por dogmas e teorias, e invista em um espaço que possibilite ao sujeito construir um saber sobre si e sobre o mundo que o cerca.
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REFERÊNCIAS FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade: e outros escritos. 6 ed. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1982. FREIRE, Paulo. Conscientização: teoria e prática da libertação: uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Moraes, 1979. GIDDENS, Anthony. As Conseqüências da Modernidade. São Paulo: Unesp, 1991. LANE, Silvia T.M. Psicologia social: o homem em movimento. 6 ed. São Paulo: Brasiliense, 1988. LAPLANTINE, François. Aprender antropologia. 3 ed. São Paulo: Brasiliense. 1987. LODI, Maria Inês. A escrita da rua e o poder publico no Projeto Guernica 2003. Dissertação (Mestrado em ciências Sociais) Pontifícia Universidade Católica de minas Gerais. Belo Horizonte 2003.
NOTA DE RODAPÉ 1 Aluno do curso de psicologia do Centro Universitário Newton Paiva do estágio supervisionado pelo professor Marcelo de Mata Castro.
A TOXICOMANIA E O COMPROMETIMENTO DA RELAÇÃO COM O OUTRO Ana Carolina Guedes Costa 1
INTRODUÇÃO Este artigo tem como foco de investigação a análise do fenômeno da dependência subjetiva, que corresponde a um comprometimento na relação com o Outro, em sujeitos usuários abusivos de substâncias psicoativas, correlacionando esse fato, mais especificadamente, com o estudo de caso de um cliente em atendimento na Clínica de Atendimento Multidisciplinar à Prevenção e ao Tratamento da Toxicomania do Centro Universitário Newton Paiva(CAMT). Nos atendimentos psicoterapêuticos pôde-se evidenciar que se trata de um modo de ser existencialmente doentio, em que o cliente estabelece com sua esposa uma relação de dependência, cuja ocorrência vem permeando o comportamento desse sujeito, causando-lhe sofrimento. No decorrer do desenvolvimento do artigo, foram coletados dados do cliente, adquiridos durante o processo de psicoterapia e formalizados em relatórios, observando a relação da dependência química com a dependência subjetiva, tendo como pressupostos para a articulação os fundamentos teóricos da fenomenologia-existencial, o que resultou em um estudo de caráter qualitativo e reflexivo. Neste estudo, considera-se que os seres humanos possuem potencialidades que lhes são próprias (amor, liberdade, responsabilidade) e, como ser-no-mundo, só podem atualizá-las quando se encontram e entram em relação com o outro. Portanto o mundo é sempre um mundo compartilhado com os outros, existir é ser-com-o-outro(HEIDEGGER, 2005, p.170). Com isso, as relações entre os indivíduos devem ser observadas a fim de se obter uma compreensão melhor sobre a visão que o sujeito possui sobre si mesmo e o mundo em que vive, especialmente no processo de terapia. Com base nesse pensamento que foi analisado o estudo de caso clínico, sob a ótica fenomenológica-existencial, objetivando a relação da toxicomania com a dependência subjetiva. 1. DEPENDÊNCIA SUBJETIVA E SER-COM A dependência subjetiva corresponde a uma vivência inautêntica do indivíduo em relação ao Outro. Em certas situações,
pode ser qualificada como a busca, muitas vezes autodestrutiva, de preencher o vazio emocional, de tamponar a angústia existencial, que é própria de cada indivíduo, por meio de uma relação de dependência e, até, submissão a um outro indivíduo. Segundo Ribeiro (2002/2003, p. 582): A inautenticidade pode ser vivenciada por uma queda objetiva ou subjetiva. A queda subjetiva realizada por F. ocorre quando a pessoa vive em grande parte, em função dos ditames dos outros, deixando que estes determinem o seu modo de existir. Isso significa omitir-se da responsabilidade de ser-si-próprio. Emocionalmente dependentes dos outros, esses indivíduos têm dificuldade de conhecer a sua realidade e de estabelecer os seus limites, podendo perder a integridade da sua identidade. Tendem a viver uma vida de ilusão, de sofrimento, de ansiedade e de angústia. Por uma certa dificuldade de conhecer os seus sentimentos, podem dizer não para si mesmos, deixando-se controlar pelo outro, perdendo, por vezes, o controle de sua própria vida (ROCHA, 2006). Esse tipo de dependência, a subjetiva, caracteriza um indivíduo que tem muito medo de ficar sozinho, medo da rejeição, do abandono daquele que é sujeito de sua dependência(mãe, irmão, esposa etc.), podendo perceber o mundo de uma maneira distorcida e inadequada, para que esse abandono não venha acontecer de fato. A realidade pode ser tão distorcida, que, dentro da sua ilusão, acredita que a sua felicidade depende dos outros. Passa a ser um escravo, emocionalmente falando, das outras pessoas. Quando há envolvimento com a toxicomania, as coisas podem se complicar, visto que há semelhanças entre a dependência química e a dependência subjetiva, no sentido que as duas convergem para a negação, raiva, angústia, depressão e desespero, além de ser relevante considerar que a progressividade das duas formas de dependência caminham lado a lado (ROCHA,2006). É necessário que o adicto não só trate da sua adicção, mas também das suas relações interpessoais, sua forma de estar no mundo e de se relacionar com o outro. Revista de Psicologia - Edição 1 l
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2. O COMPROMETIMENTO DO ESTRUTURANTE SER-COM NO CASO CLÍNICO F.F.B F.F.B, 57 anos, sexo masculino, casado, 4 filhos, motorista, atualmente desempregado, buscou a CAMT devido a dependência de tabaco. O cliente diz que quando está angustiado, guardando mágoas, não consegue expressar seus sentimentos, colocá-los para fora, ele fuma. Ele afirma que perdeu o emprego, em 2002, e acredita que isso o desanimou, levando-o a beber e fumar mais. Ainda sobre o desemprego, F.F.B diz que sente falta de arrumar alguma coisa para fazer. Era motorista de caminhão e ônibus, mas foi demitido por causa do uso excessivo de álcool. Relata que essa situação é complicada pelo fato de não contribuir financeiramente em casa. Afirma ficar sempre em “cima do muro”, isto é, deixar que a esposa tome as decisões por ele em casa. Diz ter virado dona-de-casa, pois faz almoço, lava as vasilhas, arruma a casa, leva e busca as filhas na escola etc. sendo essa uma situação que não o deixa satisfeito. Sobre essas considerações, ele diz que os papéis das tarefas de marido e de esposa se inverteram, não estando feliz, o que afeta sua auto-estima. F.F.B relatou um episódio de descoberta de uma traição conjugal, de forma detalhada, concluindo que está precisando de acompanhamento psicológico para não fazer “bobagem”, ou seja, brigar ou agredir a esposa. Afirma que ela ficou mansinha dentro de casa, nos primeiros dias, diante da reação agressiva dele. Frente ao ocorrido, o cliente parou de fazer os serviços em casa, bebeu uns quatro dias ininterruptamente, sem saber o que fazer. Emagreceu 4 quilos neste período. F.F.B afirma que chama sua mulher para conversar e ela evita o máximo que pode. Dessa forma, ela não vai embora de casa, permanecendo de uma maneira insatisfatória, pois não há diálogo entre eles. Após dois meses, o tema é dominante nas sessões de psicoterapia e F.F.B inicia quase todos os atendimentos afirmando que nada mudou na sua relação com a esposa, mesmo tentando algumas investidas de diálogo para amenizar a situação. F.F.B: Eu tento conversar com ela, mas ela não quer, sai de perto ou aumenta o tom de voz porque ela sabe que eu não gosto de discutir. Estagiária(E): Você acredita que por ela saber disso ela aumenta o tom de voz para encerrar a conversa. F: Sim. Ela sabe, não gosto de gritar, as crianças escutam e isto não é bom. Mas eu gostaria de resolver esta situação, pois não estou bem.
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F.F.B demonstra, constantemente, certa dificuldade em tomar uma decisão em relação à presença da mulher em casa. Em alguns momentos, apresentou o desejo de que ela saísse de casa e em outros que ela ficasse. F.F.B afirma, em determinada sessão: Uma coisa é quando você é guiado e outra é quando você guia sua vida. Eu estou melhorando, era muito dependente dela, fazia tudo pensando em todos, menos em mim. Essa afirmação remete a uma análise da fundamentação do Existencialismo, visto que, para o mesmo, o homem é visto como um sujeito, não um assujeitado. O homem não é. Ele apenas pode ser. Ele apenas pode vir a ser. E é a escolha de uma dentre muitas possibilidades que vai definindo o ser único que vai se tornando. Sendo assim, o homem tem total responsabilidade por sua existência.( Feijoo,2000) No trecho citado abaixo, F.F.B diz de um assujeitamento ao desejo de um outro, que no caso é sua esposa, e reitera assumindo uma posição diferente ao escolher seguir seu desejo, se valorizar mais. E, dessa forma, reconhece sua liberdade para optar por ser aquilo que lhe convém. Era sim. Muito dependente. Hoje eu percebo que tudo que eu fazia era em função dela, eu dava satisfação de tudo, até pra comprar um pão eu avisava. Eu não pensava nada em mim, não ligava se meu cabelo tava grande, a barba, se estava com a mesma roupa muitos dias.(...) Estou pensando mais em mim, mas ainda não me desliguei 100% dela e tenho medo porque não sei como seria se ela saísse, acho que poderia ser melhor pra mim, mas acho que pode ser ruim também.(Relatório de Atendimento do dia 4/7/08) Visto como um ser de possibilidades e potencialidades, o homem é um DASEIN, um ser lançado no mundo, cuja característica é ser, eternamente, um vir-a-ser. Segundo Feijoo(2000,p.73): Dasein (sein= presença; Da= aí), também denominado de pre-sença ... ‘Ser-aí’ significa o ser lançado em um mundo, cuja mera presença implica na possibilidade completa e total da existência. Desta forma, cria a máxima do existencialismo, onde a existência tem prioridade sobre a essência. A essência do ser reside na sua existência, logo, o ser não pode jamais distinguir-se do seu modo de ser... Existir, enquanto Dasein ou pre-sença, implica em não ser passível de objetivação.
Para entender a relação entre F.F.B e sua esposa, é preciso, primeiramente, compreender que o mundo é sempre um mundo compartilhado com os outros (HEIDEGGER, 2005, p. 169170). Os indivíduos têm a capacidade de compreender-se mútua e imediatamente, visto que são semelhantes, embora cada um apresente peculiaridades em seu perceber e em compreender as situações. No momento do encontro com seu semelhante, ocorre uma relação de reciprocidade, na qual ambos influenciam-se. Sendo assim, só sabemos quem somos como ser humano, convivendo com nossos semelhantes. Para Heidegger, há dois modos de ser-no-mundo que consistem na existência autêntica (ser-para-si) e na existência inautêntica (ser-para-o-outro). A autenticidade do indivíduo corresponde à sua forma de ser-no-mundo, por meio de ações verdadeiras consigo mesmo, de ser o que se é, e isso ocorre quando as palavras, os gestos, os atos de um homem condizem com sua verdadeira intenção. Já a inautenticidade diz de uma falsidade do indivíduo com ele mesmo, este tenta ser aquilo que não é, simulando seus atos. Essa condição pode ser fruto de uma relação mal estabelecida com o outro, ou seja, eu me perco nos desejos de um Outro e me coloco numa falsa posição. F.F.B, ao falar de sua relação com a esposa, explicita uma vivência inautêntica, pois entrega ao Outro, sua esposa, a responsabilidade sob sua própria vida. Ainda sobre a inautenticidade subjetiva ou dependência subjetiva, Lang(1986, p.121) afirma que:
responsabilidade. F.F.B se encontrava nessa posição de dependência subjetiva, em que sua existência estava voltada ao que lhe era imposto, sem críticas e indagações, tornando-se alheio a si mesmo. Entretanto, com o processo de psicoterapia, o cliente está construindo um modo de ser mais autêntico, que o possibilitou, inclusive, melhorar sua auto-estima e autoconfiança. REFERÊNCIAS FEIJOO, Ana Maria Lopez Calvo. A Filosofia Existencial e a Analítica da Existência. In____ A escuta e a fala em psicoterapia. São Paulo: Vetor, 2000. Cap.2. p.73-80. HEIDEGGER,Martin. Ser e tempo. Petrópolis:Vozes, 2005. Parte I. LAING, R.D. Posições falsas e insustentáveis. In:____ O eu e os outros: o relacionamento interpessoal. (tradução de Áurea Brito Weissenberg). Petrópolis: Editora Vozes, Lisboa, Centro do Livro Brasileiro, 1986. Cap.IX. p.119-142. (Coleção Psicanálise) ROCHA, Anabela. Co-dependência. Disponível em: http://damnqueer.blogspot.com/2006/07/co-dependncia.html. Acesso: 01 jul. 2008.
NOTA DE RODAPÉ 1 Aluna do curso de Psicologia do Centro universitário Newton Paiva do estágio supervisionado pela professora Wânier Aparecida Ribeiro.
A pessoa se preenche com outros, ou vive por intermédio de outrem, enquanto a própria vida fica estacionária. Anda em círculos, num turbilhão indo a toda parte sem chegar a lugar algum. É interessante a consideração feita por Laing(1986, p. 129) a respeito do ser humano e sua relação com outros indivíduos: Todo ser humano, criança ou adulto, parece exigir uma significação, isto é, um lugar na vida de outra pessoa. Adultos e crianças procuram posição aos olhos dos outros, uma posição que lhes permita mover-se. Neste sentido, a cautela é sempre recomendada nas relações interpessoais para que, ao se relacionar com os demais, o indivíduo não abra campo para que seu desejo seja governado pelo Outro. Afinal, o outro não é, nem deve ser, responsável pela minha vida, meus projetos e escolhas, isso seria um existir de forma inautêntica ou, até mesmo, a morte de meu ser como possibilidade de escolha, de tomadas de decisão, liberdade e, logo, Revista de Psicologia - Edição 1 l
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PSICOLOGIA E SUAS INTERFACES COM A SAÚDE: POR UMA NOVA PERSPECTIVA DE ESTRUTURA CURRICULAR Heloisa Cristina Vieira de Andrade Ingryde Stéphanie Guedes Juliana Dias Silva Monique Ferreira Ribeiro Viviane de Oliveira Menezes1
Este trabalho tem como objetivo elucidar, num esboço inicial, as contribuições da Psicologia no campo das Políticas de Saúde, por meio de uma breve exposição de conceitos teóricos, relacionados a esse campo. Busca, também, apontar a relevância da criação do Núcleo de Políticas de Saúde, em função do projeto pedagógico do curso de Psicologia, proposta do organograma da Clínica de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva, e apresentar algumas ações que foram iniciadas pela equipe desse Núcleo. A saúde, como um conceito integral, é compartilhada pela Organização Mundial de Saúde (1987), considerando-a “como um estado normal de bem-estar físico, psicológico e social”. Já Dejours (1986) aponta que a saúde, compreendida como um estado, é um equívoco, pois considera que os homens são caracterizados pelo movimento e não pela estabilidade. De acordo com Martins (1999) et al., é fundamental, para a compreensão do conceito de saúde, conceber o sujeito como um todo biopsicossocial, compreendê-lo em relação ao contexto ao qual pertence e respeitar o seu ambiente (SARRIERA, 2003). Entende-se, atualmente, que a saúde seja determinada por fatores sociais, biológicos, culturais, ambientais e econômicos. Sendo assim, sua promoção não deve ser responsabilidade somente do setor da saúde, mas resultado de ações multidisciplinares, apoiadas por políticas públicas saudáveis, ou seja, é a preocupação de todas as áreas em relação à saúde da população, com o propósito de criar um ambiente favorável para que as pessoas possam viver vidas saudáveis (RIBEIRO, et al., 2007). A compreensão de saúde deve ser em torno de um processo, priorizando a qualidade de vida e não a saúde como simplesmente ausência de doença. Dessa forma, situa a promoção dasaúde em oposição crítica à medicalização da vida social e em defesa do posicionamento político em torno de relações sociais mais eqüitativas (MARCONDES, 2004). Para definir com mais propriedade tipos de programas, atividades e procedimentos mais bem caracterizados, a partir das propostas de intervenções na saúde, Candeias (1997) introduz as diferenças conceituais quanto à educação em saúde e pro34 l Revista de Psicologia - Edição 1
moção de saúde, pois, de acordo com o autor, as distorções conceituais desses termos têm afetado a qualidade das discussões técnicas, no que diz respeito às intervenções na área da saúde pública (RIBEIRO, et al., 2007). Entende-se por educação em saúde quaisquer combinações de experiências de aprendizagem delineadas com vistas a facilitar ações voluntárias conducentes à saúde. (...) Define-se promoção em saúde como uma combinação de apoios educacionais e ambientais que visam a atingir ações e condições de vida conducentes à saúde. (GREEN e KREUTER, 1991 citado por CANDEIAS, 1997, p. 2). O modelo biomédico está presente na maioria das práticas de saúde, já que a doença é vista como um problema do “corpo” em seus aspectos orgânicos. Conforme Yépez (2001) citando Rodríguez, Pastor & López (1988), as dimensões psicológicas, sociais e ambientais tendem a ser deixadas de lado, apesar de serem aspectos que podem influenciar tanto a origem quanto a manutenção, evolução e prognóstico do processo do adoecer. Para Herter (2006) et al., o novo contexto socioeconômico, histórico, cultural, político e tecnológico, que estamos vivenciando, desde o final do século XX, e o conseqüente aumento da expectativa de vida global, bem como o controle de doenças crônicas, como, por exemplo, diabetes e hipertensão, evidenciam a limitação do modelo hegemônico biomédico, apontando, assim, para a necessidade de uma perspectiva biopsicossocial, em razão da multideterminação e complexidade do fenômeno saúde. Segundo Martins e Júnior (2001), a Psicologia da Saúde surge como uma nova forma de compreender o fenômeno saúde-doença e evidencia a importância de políticas de prevenção que permitam uma intervenção global sobre o “funcionamento do indivíduo”. Matarazzo (1980, citado por Martins e Júnior 2001) define a Psicologia da Saúde como o conjunto de contribuições educacionais, científicas e profissionais específicas da Psicologia para a promoção e manutenção da saúde, prevenção e tratamento das doenças, na identificação da etiologia e diagnósticos relacionados
à saúde, à doença e às disfunções, bem como no aperfeiçoamento do sistema de políticas de saúde. Como constituição de um novo saber, a Psicologia da Saúde deve-se envolver em serviços à comunidade, no ensino, na pesquisa, e, principalmente, na participação do planejamento de políticas públicas em saúde, sempre acompanhado por práticas clínicas e referenciais teóricos que a sustentem, enfatizando o contexto biopsicossocial como fatores determinantes para a qualidade de vida da sociedade (RIBEIRO, et al, 2007). Considerando as multideterminações do indivíduo, esse tipo de visão pressupõe a atuação interdisciplinar, orientação de profissionais na direção da saúde coletiva, inserção de indivíduos na comunidade, promoção à saúde, enfoque na perspectiva curativa ou preventiva seja primária (unidades básicas de saúde), secundária (redes de ambulatórios) e terciária (redes hospitalares). Diante desse contexto, torna-se relevante a atuação da Psicologia na criação de políticas de saúde, já que o processo saúde-doença envolve aspectos biopsicossociais, demandando necessidades de ações multi e interdisciplinares, que considerem a saúde um componente central do desenvolvimento humano. Por acreditar nisso, o Núcleo de Políticas de Saúde é inaugurado pela Clínica de Psicologia Newton Paiva, atendendo à proposta do projeto pedagógico do curso de Psicologia, que traz como ênfase três pilares: Núcleo Psicoterapêutico, Núcleo de Gestão e Núcleo de Políticas de Saúde. Essa reestruturação da Clínica, apontada pela nova estrutura curricular do curso de Psicologia, caminha em direção às perspectivas das Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Psicologia, que propõem: Art. 5º - A formação em Psicologia exige que a proposta do curso articule os conhecimentos, habilidades e competências em torno de eixos estruturantes, tais como: Interfaces com campos afins do conhecimento para demarcar a natureza e a especificidade do fenômeno psicológico e percebê-lo em sua interação com fenômenos biológicos, humanos e sociais, assegurando uma compreensão integral e contextualizada dos fenômenos e processos psicológicos. Práticas profissionais voltadas para assegurar um núcleo básico de competências que permitam a atuação profissional e inserção do graduando em diferentes contextos institucionais e sociais, de forma articulada com profissionais de áreas afins. Art. 8º - As competências reportam-se a desempenhos e atuações requeridas do formando em Psicologia, e devem garantir ao profissional um domínio básico de conhecimentos psicológicos e a capacidade de utilizá-los em diferentes
contextos que demandam a investigação, análise, avaliação, prevenção e atuação em processos psicológicos e psicossociais, e na promoção da qualidade de vida, como: Atuar inter e multiprofissionalmente, sempre que a compreensão dos processos e fenômenos envolvidos assim o recomendar. Atuar profissionalmente, em diferentes níveis de ação, de caráter preventivo ou terapêutico, considerando as características das situações e dos problemas específicos com os quais se depara. Art. 12 – Parágrafo 1º. O subconjunto de competências definido como escopo de cada ênfase deverá ser suficientemente abrangente para não configurar uma especialização em uma prática, procedimento ou local de atuação do psicólogo. É uma possibilidade de ênfase, entre outras, para o curso de Psicologia: Psicologia e processos de prevenção e promoção da saúde que consiste na concentração em competências que garantam ações de caráter preventivo em nível individual e coletivo, voltadas para capacitação de indivíduos, grupos, instituições e comunidades a protegerem e promoverem a qualidade de vida, em diferentes contextos em que tais ações possam ser demandadas. O Núcleo de Políticas de Saúde tem seu foco central na sustentação dos campos de estágios externos à Clínica de Psicologia, com ênfase na promoção à saúde, nas perspectivas de prevenção e tratamento, bem como no suporte aos laboratórios internos à clínica, vinculados ao Núcleo. Para que esse objetivo pudesse ser alcançado, foi necessário estruturar o Núcleo a partir da elaboração de um projeto teórico, origem desse artigo (RIBEIRO, et al., 2007). Já foi, também, elaborado um mapeamento dos postos de saúde e rede de saúde mental da regional oeste, região na qual está localizada a Clínica de Psicologia Newton Paiva, tendo-se como objetivo a parceria com esses setores para acompanhamento dos clientes, em casos de necessidade. O momento inicial da criação desse Núcleo foi caracterizado pelo levantamento dos estágios curriculares supervisionados, do curso de Psicologia, que, em uma reunião realizada com todos os professores do curso e coordenadoras dos Núcleos (Núcleo de Políticas de Saúde, Núcleo de Gestão, Núcleo Psicoterápico), foi identificado pelos próprios professores a qual núcleo seu estágio pertencia. Posteriormente, foi criado um protocolo, no qual estão contidas todas as informações detalhadas e pertinentes de cada estágio, já vinculado a este Núcleo, dados fornecidos pelos Revista de Psicologia - Edição 1 l
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próprios professores. Como resultado dessa reunião, foram levantados, pelos professores pertencentes ao Núcleo, indicadores que poderão caracterizar a inclusão de estágios do curso de Psicologia no Núcleo de Políticas de Saúde, sendo eles: - Equilíbrio dos fatores – físico/psíquico e social; - Reabilitação da saúde mental/física e social; - Promoção e bem-estar da saúde; - Sinalização da angústia escoada para o corpo; - Possibilidade da movimentação interna do adoecer; - Favorecimento do contato do aluno com o doente hospitalizado ou em tratamento, com a família e com a equipe de saúde; - Desenvolvimento de políticas de práticas de saúde numa dimensão biopsicossocial; - Consideração da singularidade de cada caso no atendimento; - Valorização da experiência subjetiva do “paciente” em tratamento, como uma forma de fazê-lo reconhecer sua identidade e sua responsabilidade na re-significação saúde-doença; - Desenvolvimento da intervenção preventiva, via educação em saúde; - Vinculação com uma política de saúde pública (promoção, informação e em educação saúde); - Promoção da reabilitação da saúde psicológica e psicossocial do “paciente” numa perspectiva multidimensional e transdisciplinar (RIBEIRO, et al., 2007). A partir da criação do Núcleo de Políticas de Saúde, em 2007, as atividades acadêmicas e clínicas do curso de Psicologia, relacionadas a ele, têm sido promovidas visando integrar e agregar, de forma ainda mais incisiva, os projetos de estágios e disciplinas inter-relacionadas com a área de saúde. Abaixo algumas das atividades promovidas pelo Núcleo, a partir deste período: - VIII EMAP - Encontro Mineiro de Avaliação Psicológica, na Universidade FUMEC em Minas Gerais. Participação na mesa- redonda sobre Intervenções na Drogadicção, com a apresentação do trabalho: Tratamento da toxicomania na clínica Universitária. Profª Wânier Ribeiro. - I Colóquio Interinstitucional de Laboratórios de Psicologia, na PUC-MG - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, com os seguintes trabalhos apresentados: A Psicologia e suas interfaces com outras áreas de conhecimento no tratamento da toxicomania. Autores: Profª Wânier Ribeiro, Clarissa Guido, Juliana Dias, Monique Ferreira, Viviane de Oliveira. A manifestação da experiência religiosa vivenciada por dependentes químicos em processo de tratamento: uma leitura fenomenológica. Autores: Profª Wânier Ribeiro. 34 l Revista de Psicologia - Edição 1
- Discussão sobre o Dia Nacional da Luta Antimanicomial com a participação do Psiquiatra Fernando Siqueira, envolvendo os alunos do curso de Psicologia. - Drogas na escola: abordagens metodológicas e políticas públicas de prevenção com apresentação dos projetos de prevenção dos alunos dos cursos de licenciatura da Newton Paiva – atividade relacionada ao Programa de Formação de Multiplicadores à prevenção do uso de drogas por adolescentes – Adole-ser – sob a coordenação da professora Wânier Ribeiro. Teve-se como convidada para apresentar as políticas governamentais de prevenção do estado de Minas Gerais, a psicóloga Eloísa Lima – diretora de Tratamento da Subsecretaria de Políticas Antidrogas de Minas Gerais. - Minicurso: Representação Social da relação terapêutica no contexto hospitalar, oferecido pela professora e doutoranda Ivone Lauria. - Conferência: Fenomenologia Existencial, Psicopatologia dos Afetos e Alterações do Humor, tendo como palestrante o autor e professor Emílio Romero e como debatedora a Profª Wânier Ribeiro. - Minicurso: Psicopatologia Fenomenológica, oferecido pelo professor Emílio Romero. - Apresentação mensal de estudos de casos para a comunidade acadêmica, realizada na Clínica de Psicologia, sob a responsabilidade dos professores de estágios supervisionados. - Participação de professores do Núcleo nas comemorações do dia do Psicólogo, promovido pelo Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais. - Participação de estagiários nas atividades de extensão promovidas pelo centro de extensão e ações comunitárias da Newton Paiva, com a realização de oficinas e estandes de orientação sobre temáticas especificas à saúde. - Elaboração e divulgação do Clipping do Núcleo de Políticas de Saúde, tendo-se como objetivo informar à comunidade acadêmica sobre questões do Campo da Saúde. - Organização das visitas técnicas dos alunos do 3º período, do estagio básico em campos de estágios curriculares, relacionados ao Núcleo de Políticas de Saúde, como uma das atividades específicas. - Participação na realização da jornada anual de apresentação de trabalhos clínicos, da Clínica de Psicologia. Vistas as possibilidades de ações no campo da Psicologia da Saúde, destaca-se a relevância da criação do Núcleo de Políticas de Saúde para o curso de Psicologia, como setor de estruturação, construção e articulação dos saberes nesse campo. Tem-se, todavia, que tal investimento pode atingir seus objetivos apenas a partir de uma ação colegiada, multi, inter e transdisciplinar, o que viabilizará atender às necessidades do curso de Psicologia,
da formação, cada vez mais ampliada e contextualizada do aluno, bem como as demandas apresentadas pela comunidade atendida (RIBEIRO, et al., 2007). REFERÊNCIAS CANDEIAS, Nelly Martins Ferreira. Conceitos de educação e de promoção em saúde: mudanças individuais e mudanças organizacionais. Rev. Saúde Pública. São Paulo, v. 31, n. 2, 1997. Disponível em: <http://www.scielo.br>. Acesso em: 9 abr. 2007. Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Psicologia. Ministério da Educação - Conselho Nacional de Educação, 2004. HERTER, Marcos et al. Psicologia. In: HADDAD, Ana Estela et al. A trajetória dos cursos de graduação na saúde 1991-1994. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas educacionais Anísio Teixeira, 2006, p. 411 a 450. MARCONDES, Willer Baumgarten. A convergência de referências na Promoção da Saúde. Saúde e Sociedade, v. 13, p. 5-13, jan-abr 2004. Disponível em: <http://www.apsp.org.br>. Acesso em: 9 abr. 2007. MARTINS, Dinorah Gioia, JÚNIOR, Arnaldo Rocha. Psicologia da saúde e o novo paradigma: novo paradigma? Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2001. Disponível: <http://www.mackenzie.com.br>. Acesso em: 6 ago. 2007. RIBEIRO, Wânier; MENEZES, Viviane; RIBEIRO, Monique, DIAS, Juliana; GUEDES, Ingryde. Projeto do Núcleo de Políticas de Saúde da Clínica de Psicologia Newton Paiva. Centro Universitário Newton Paiva. Clínica de Psicologia. Belo Horizonte, 2007. SALUD, Organización Mundial de la. Disponível em: <http://www.who.int>. Acesso em: 10 abr. 2007. SARRIERA, Jorge Castellá et al. Paradigmas em psicologia: compreensões acerca da saúde e dos estudos epidemiológicos. Psicologia e Sociedade. Porto Alegre, v. 15, n.2, 2003. Disponível em:<http://www.scielo.br>. Acesso em: 9 abr. 2007. YÉPEZ, Traveso, Martha. A interface psicologia social e saúde: perspectivas e desafios. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 6, n. 2, 2001. Disponível em: <http://www.scielo.br>. Acesso em: 10 abr 2007.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Alunas do curso de Psicologia do Centro universitário Newton Paiva do estágio supervisionado pela professora Wânier Aparecida Ribeiro.
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A IMPORTÂNCIA DO ENVOLVIMENTO DA FAMÍLIA NO TRATAMENTO DO USUÁRIO DE DROGAS Ingryde Stéphanie Guedes1
INTRODUÇÃO Este artigo apresenta algumas reflexões teóricas acerca da importância da participação da família no tratamento do dependente químico, e, para exemplificar, segue um estudo de caso clinico da cliente N, mãe do cliente F, que está em tratamento na CAMT (Clinica de Atendimento Multidisciplinar à Prevenção e Tratamento da Toxicomania). De acordo com a 10ª versão da classificação internacional de doenças (CID-10), a presença, no último ano, de três ou mais dos quesitos abaixo, indica o diagnóstico de dependência. Acompanhe: Forte desejo ou compulsão para consumir a substância. Dificuldade de controlar o comportamento de consumir a substância em termos de seu início, término ou níveis de consumo. Estado de abstinência fisiológico quando o uso da substância cessou ou foi reduzido, como evidenciado por: síndrome de abstinência característica para a substância ou uso da mesma substância com intenção de aliviar ou evitar sintomas de abstinência. Evidência de tolerância. Abandono progressivo de prazeres ou interesses alternativos em favor do uso e aumento da quantidade de tempo necessário para obter ou consumir a substância ou para se recuperar de seus efeitos. Persistência no uso a despeito da clara evidencia de consequências nocivas. 2 Segundo PRATA, SANTOS, citando FILHO (1995), nas últimas décadas do século XX, o uso abusivo de drogas aumentou significativamente, passando a ser encarado como um dos problemas mais sérios nesta área. E com essa expansão, os usuários de drogas deixaram de ser considerados como um tipo marginal no contexto social para ser identificados como nossos amigos, irmãos e colegas de trabalho. A palavra droga, no sentido científico do termo, designa todo e qualquer medicamento, e corresponde a qualquer substância química que pode alterar a função biológica e psicológica do usuário. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o 38 l
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uso de drogas pode ser classificado em seis categorias. São elas: (a) uso na vida – esta categoria refere-se ao uso de qualquer droga por uma pessoa, pelo menos uma vez na vida; (b) uso no ano – neste caso, a pessoa utilizou substâncias psicoativas pelo menos uma vez nos doze meses anteriores à consulta ou à pesquisa; (c) uso no mês – esta categoria corresponde ao uso de droga(s) por uma pessoa, pelo menos uma vez nos últimos 30 dias que antecederam à consulta ou pesquisa; (d) uso frequente – neste caso, a pessoa utilizou drogas seis vezes ou mais nos últimos 30 dias; (e) uso de risco – padrão de uso ocasional que apresenta alto risco de danos futuros à saúde, tanto física quanto mental do usuário, mas que ainda não causou efeitos mórbidos acentuados seja em termos orgânicos ou psicológicos; (f) uso prejudicial – este tipo de padrão de consumo já provoca danos à saúde da pessoa, em termos físicos e/ou mentais. (GALDURÒZ,1997 citado por Prata; Santos) Segundo Silveira (1996), o dependente de drogas é um indivíduo que está em uma realidade objetiva ou subjetiva insuportável. Essa realidade, o indivíduo não pode modificar e nem dela se esquivar; sendo assim, o que lhe resta é a alteração da percepção dessa realidade por meio de sua relação com a droga. Portanto é estabelecido um duo indivíduo – droga, e tudo o que não é pertinente nessa relação passa para o segundo plano na existência do dependente. A família é a primeira unidade social à qual o indivíduo pertence, e é onde estabelece suas primeiras interações. Assim, a família, como um todo, é de fundamental importância para a estruturação do comportamento do indivíduo. A dependência se constitui a partir de três elementos: a droga, o indivíduo, e o contexto sociocultural, em que se realiza esse encontro entre indivíduo e droga. Há um descontrole do uso da substância, que se manifesta pelo consumo persistente e compulsivo, mesmo na presença de problemas acarretados pelo uso. A dependência é acompanhada pela necessidade, cada vez maior, de obter o efeito desejado, e também da presença de sintomas físicos e psíquicos ao diminuir ou parar o uso. Segundo Silveira, Gorgulho (1996, p. 235), vê-se a necessidade da família no tratamento do usuário de drogas, pois a família afeta e é afetada pelo familiar dependente de drogas. O sistema familiar funciona como um sistema total, e qualquer parte do sis-
tema familiar está relacionada com as demais partes; e qualquer mudança em uma delas provocará mudanças nas demais, e, consequentemente, no sistema total . Portanto, conforme Silveira, o atendimento familiar tem o objetivo de observar os efeitos que a droga gera na família, e, como as ações e interações dessa repercutem no dependente. O usuário de drogas, na maioria das vezes, tem vínculos afetivos com suas famílias, sendo que normalmente as pessoas mais atingidas pelos dependentes são os pais, cônjuges e filhos. Considerando os dados acima, percebe-se a importância da família no tratamento do usuário de drogas, pois é necessário compreender não apenas o dependente, mas também o meio no qual este está inserido, de forma que haja um melhor resultado psicoterapêutico. A família adoece juntamente com o dependente, e, na maioria das vezes, não sabe como agir com o usuário, o que acaba repercutindo no tratamento do adicto, que, por sua vez, vê muita importância no apoio da família no seu processo de recuperação. Exemplificando os dados acima, segue o estudo de caso clinico da cliente N. Alguns dados descritivos de N: N. é mãe de F., o qual faz tratamento na CAMT. A solicitação para realizar seu atendimento foi feita pela própria N, mãe do cliente F. N foi atendida apenas duas vezes e durante o atendimento apresentou-se de maneira bastante frágil, devido às suas dificuldades psicomotoras, causadas pelo Mal de Parkinson e também por problemas de audição, o que dificultava bastante o atendimento. Ela apresentou-se bastante abalada pela tentativa de suicídio de seu filho devido ao término de seu relacionamento com a namorada. Durante as sessões, N chorava bastante e falava da sua dificuldade em se relacionar e conviver com as brigas de seu marido com seu filho. Os atendimentos foram mais de acolhimento devido ao fato da mesma ter bastante relatos a fazer. Nos dois atendimentos, a cliente já, ao chegar ao consultório, começa a chorar muito e disse não suportar mais passar por tantas coisas ruins. Disse ter sofrido muita na sua vida, e que, desde muito cedo, trabalhou muito para criar os seus filhos. Acrescenta que seu filho F tentou suicídio porque a namorada terminou com ele, e tem medo que ele faça uma besteira, pois não quer que ele morra. Segundo ela, seu filho é um rapaz muito bom, só tem o problema das drogas, e por este motivo não combina muito com o pai, chegando mesmo a agredi-lo e ameaçá-lo. No dia em que houve a ameaça, o pai chamou a policia, e F., hoje, cumpre uma medida socioeducativa. Segundo BINSWANGER (1967), existem três aspectos de ser-no-mundo: Umwelt (mundo ao redor), Eigenwelt (mundo pessoal) e Mitwelt (mundo interpessoal). Esses três aspectos são
simultâneos do mundo e caracteriza a existência da pessoa como ser no mundo. Mitwelt é o mundo dos relacionamentos interpessoais, da partilha de valores e da interação comunitária. Em N, percebe-se que o Mitwelt se destaca como muito comprometido, pelo fato de ter dificuldades interpessoais de se relacionar com o marido, e o mesmo acontece com o cliente F. Conforme a abordagem Existencial Fenomenológica, e pelos relatos da cliente N., percebe-se que o cliente F. vive sua existência de forma inautêntica, não se responsabilizando por seus atos e escolhas. Mostra-se que é necessário possibilitar ao individuo, desde a infância, reflexões, críticas e escolhas, para que se torne livre para “ser” ao se conscientizar dos diferentes aspectos de sua personalidade. Dessa forma, o indivíduo, desde a infância, passa a viver de acordo com os valores escolhidos por ele mesmo, e, conseqüentemente, se responsabiliza por esses. De acordo com a entrevista inicial anexada em seu prontuário, o cliente F. relata que sempre brigou com seu pai. Conta que, desde pequeno, escutava sua mãe dizer que a briga com o pai começou antes mesmo dele nascer, “na barriga já brigava com seu pai”. A cliente N. relata que o pai de F. nunca foi muito presente, ele “aprontava muito”, e teve uma vez que a filha o viu no carro com outra mulher. N. diz já nem ligar mais, porque já sofreu muito e a vontade que tem é de alugar uma casa e ir morar com os filhos. A mãe estabeleceu uma díade com o filho, desde quando ele era um bebê, contra o marido, pois ela não conseguia e ainda não consegue abrir conflito com este e, portanto é muito submissa a ele. Assim, N construiu uma relação simbiótica com o filho, na qual este se mostra muito dependente dela. A maioria das pessoas que abusa do uso de drogas mantém estreito vínculo emocional com suas famílias e é o que acontece com F, pois seu relacionamento com a mãe é de grande dependência, visto que ela o acompanha sempre às sessões do tratamento e em outros lugares. Assim, observa-se a importância do atendimento da cliente N., mãe de F., para maior compreensão do caso e, portanto, possibilitando a maior eficácia do tratamento. No entanto com a participação da família no tratamento de F., facilitará um melhor relacionamento entre os membros da família. N., mantém o filho muito dependente, e, sem o atendimento dela, não saberíamos da sua relação com o marido, e como isso influencia a vida do cliente F. A única pessoa da família que se prontificou a participar foi a mãe. No entanto, não sabemos se ela levou o convite ao marido. Esse convite será feito a ele pessoalmente e à irmã também. No entanto, a família, por ser um grupo social que se organiza por alianças afetivas, é de suma importância o seu envolvimento no acompanhamento do tratamento do usuário de drogas, pois Revista de Psicologia - Edição 1 l 39
a formação de um sintoma ou distúrbio está ligado aos vínculos constituídos entre os membros da família. Portanto ao considerar o uso de drogas como um sintoma ou distúrbio, é importante pesquisar qual seu papel, sua representação no grupo familiar e assim tornarão mais evidentes as interações entre os membros da mesma. Ackerman (1986) REFERÊNCIAS FEIJOO, An. a Maria Lopez Calvo. O Ser no mundo: ser-com e ser-próprio In___ A escuta e a fala em psicoterapia. São Paulo: Vetor, 2000. Cap.2.79 PRATTA, Elisângela Maria Machado; SANTOS, Manoel Antonio dos. Reflexões sobre as relações entre drogadição, adolescência e família: um estudo bibliográfico. Estud. psicol. (Natal) , Natal, v. 11, n. 3, 2006 . Disponível em: <http://www.scielo.br/. Acesso em: 26 maio 2008. doi: 10.1590/S1413-294X2006000300009 PROPENSOS AO EXCESSO. O olhar adolescente: Os incríveis anos de transição para a idade adulta Revista Mente e Cérebro, p. 72-81, ed nº 2, 2008. SILVEIRA FILHO, Dartiu Xavier; GORGULHO, Mônica. Dependência: compreensão e assistência ás Toxicomanias (Uma Experiência do PROAD). São Paulo: Casa do psicólogo, 1996.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Aluna do curso de Psicologia do Centro universitário Newton Paiva do estágio supervisionado pela professora Wânier Aparecida Ribeiro. 2 Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados á Saúde, 10 revisão, centro colaborador da OMS para a classificação de doenças em português, OMS Universidade de São Paulo. Edusp, 1993.
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Revista de Psicologia - Edição 1
PANORAMA HISTÓRICO DA INSERÇÃO DA PSICOLOGIA NO CAMPO DA SAÚDE Juliana Cecília Caniato Mayer1 O conceito de saúde sofreu diversas transformações através dos tempos, desde suas iniciais concepções mágico-religiosas, quando a doença seria uma forma de punição dos deuses, caminhando por sua concepção de ser o estado de ausência de uma doença, passando pela definição da Organização Mundial de Saúde (1948, apud Scliar, 2007, p. 36), que diz que “Saúde é o estado do mais completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de enfermidade”, chegando aos conceitos atuais, que consideram ser a saúde influenciada por fatores sociais, biológicos, culturais, ambientais e econômicos (RIBEIRO et al., 2007). Portanto, pode-se afirmar que: o conceito de saúde reflete a conjuntura social, econômica, política e cultural. Ou seja: saúde não representa a mesma coisa para todas as pessoas. Dependerá da época, do lugar, da classe social. Dependerá de valores individuais, dependerá de concepções científicas, religiosas, filosóficas (SCLIAR, 2007, p. 30). O trabalho de psicólogos em instituições voltadas para a área da saúde surge no início do século XX, com a proposta de integrar a Psicologia com a educação médica, de forma a propiciar uma humanização dos atendimentos. Nesse momento, a Psicologia adota o modelo médico, seguindo uma visão cartesiana. (GIOIA-MARTINS; JÚNIOR, 2001). A partir da década de 30, com base nos trabalhos de Freud, que apontavam o papel de conflitos emocionais na aparição de sintomas que não mostravam nenhuma causa física imediata, surge toda uma linha de desenvolvimento teórico da Medicina Psicossomática, ramo da medicina que leva em conta, além do corpo – estudado em seu aspecto mecanicista, a mente, ou seja, o aspecto psíquico do sujeito. Na década de 50, a concepção da saúde passa a englobar o homem e seu ambiente social, sendo essa considerada um processo de cidadania, pois, além de terem direitos, todos os cidadãos passam a ser responsáveis por sua manutenção. Nessa realidade, são reconhecidas novas formas de adoecimento, o que torna mais perceptível a necessidade da interdisciplinaridade e de uma participação de outras esferas do conhecimento na saúde, como a Psicologia, a Sociologia e a Antropologia.
Devido a esse contexto, ainda na década de 50, Lamosa (1987, apud Bock, 2001) diz que a Psicologia Hospitalar surge no Brasil como um ramo da Psicologia destinado ao atendimento de pacientes portadores de alterações orgânicas, possibilitando não só o atendimento ao paciente, mas fazendo uma interlocução entre a equipe e familiares do paciente, tendo-se como objetivo minimizar o sofrimento provocado pela hospitalização. Segundo Romano (1999, p. 10), “o psicólogo tratará das representações que o indivíduo tem de doença em geral e da sua doença em particular; ocupar-se-á de toda simbologia cultural, social e individual ligada à doença daquela pessoa.”. Mas, segundo Bock (2001), no Brasil, a psicologia, como em qualquer outro país, foi historicamente construída e marcada pelos interesses das elites dominantes. Desde o início, prestou-se, tanto como ciência e profissão, para o controle, classificação e diferenciação entre classes sociais, pouco contribuindo para reais transformações da sociedade. Estruturam-se, então, na década de 70, duas novas áreas de atuação da Psicologia no campo da saúde, ambas com inspiração no behaviorismo: a Medicina Comportamental e a Psicologia da Saúde, conceituada por Matarazzo como: o conjunto de contribuições científicas, educativas e profissionais, que as diferentes disciplinas psicológicas fazem à promoção e manutenção da saúde, à prevenção e ao tratamento da doença, à identificação dos correlatos etiológicos e diagnósticos de saúde, à doença e as disfunções relacionadas, à melhora do sistema sanitário e à formação de uma política sanitária. (TRAVESSO-YÉRPEZ, 2001). Assim, afirma-se que a Psicologia da Saúde cultiva a idéia de que a saúde e a doença resultariam da inter-relação entre fatores biológicos, psicológicos e sociais, passando o sujeito a ser visto de uma forma mais completa, levando-se em consideração todos os aspectos inerentes a sua vida. (AGUIAR et al., 2004). Na década de 80, começa a se desenvolver, no campo da pesquisa, a Psicologia Social da Saúde, que aponta para “variáveis psicossociológicas que influenciam os processos saúde-doença, ou seja, como a psicologia social contribui para a compreensão e modificação dos comportamentos relacionados à saúde”. (TRAVESSO-YÉRPEZ, Revista de Psicologia - Edição 1 l
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2001, p. 52) De acordo com a Organização Pan-americana de Saúde (1983, citada por Romano, 2003, p. 17), a importância da integração da Psicologia, como profissão, nos serviços de saúde se refere a: Estudos epidemiológicos que têm demonstrado que pelo menos uma quinta parte de todos os pacientes que acorrem aos serviços gerais de saúde padecem de problemas fundamentalmente psicossociais... e os problemas em saúde mental são muito semelhantes entre as diversas culturas... (a equipe multiprofissional) é um processo menos custoso que o procedimento que se utiliza, com frequência, para tratar esses 20% de pacientes de ambulatórios gerais que recorrem aos serviços de saúde. Nessa realidade, a atuação do psicólogo no campo da saúde sofre modificações, sendo que Achcar (1984, citado por Gioia-Martins; Júnior, 2001, p. 38), define que o psicólogo: atua na área específica da saúde, colaborando para a compreensão dos processos intra e interpessoais, utilizando enfoque preventivo ou curativo, isoladamente ou em equipe multiprofissional em instituições formais e informais. Realizam pesquisa, diagnóstico, acompanhamento psicológico, e atenção psicoterápica individual ou em grupo, através de diferentes abordagens teóricas. Assim, pode-se dizer que, influenciada pela visão holística atual da saúde, o fazer do psicólogo possuiria um caráter abrangente, tendo como diretrizes: - atuação interdisciplinar, orientação das ações profissionais na direção da saúde coletiva e o caráter educativo da assistência; - inserção dos indivíduos, grupos e comunidades na promoção da saúde; - a natureza da intervenção deixaria de ter uma perspectiva unidisciplinar para evoluir para uma perspectiva multidisciplinar, com ênfase em equipes multiprofissionais e interdisciplinares; - o enfoque poderia ser de natureza curativa ou preventiva numa perspectiva primária, secundária e terciária. (Gioia-Martins; Júnior, 2001, p. 38). Portanto, a intervenção do psicólogo no campo da saúde poderia ocorrer em instituições diversas, tais como educacionais – creches, escolas etc.; de saúde ou saúde mental – hospitais, centros de saúde mental etc.; ou ainda, em qualquer tipo de insti42 l Revista de Psicologia - Edição 1
tuição - atuando com as condições e relações de trabalho, prevenindo e intervindo terapeuticamente em situações com diferentes graus de gravidade. Dessa forma, seria possível ao psicólogo, por meio da ampliação de sua atuação, integrar diferentes equipes multidisciplinares, agregando, para sua profissão, diversos conhecimentos, conquistando definitivamente seu espaço na prática do fazer saúde. REFERÊNCIAS AGUIAR, Alba; Medina, Elisabete; Besnosik, Raquel; Vasconcelos, Soraia; Barreto, Tânia. A Formação em Psicologia da Saúde. CienteFico, Faculdade Rui Barbosa, Salvador, ano IV, v. I, p. 1 – 14, 2004. Disponível em: < http://www.frb.br/ciente/ Impressa/Psi/Saude/P.16.AGUIAR,PoliticasSaude.pdf>. Acesso em: 16 out. 2008. BOCK, A. M. B. As Práticas Alternativas em Psicologia ou as Alternativas para as Práticas Profissionais. IN: Novo, H.A.; Souza, L.; Andrade, A.N.. (Org.). Ética, Cidadania e Participação: debates no campo da Psicologia. Vitória: Editora da Universidade Federal do Espírito Santo, 2001. v.1, p.11-21. GIOIA-MARTINS, Dinorah; JÚNIOR, Rocha. Psicologia da Saúde e o Novo Paradigma: novo paradigma? Revista Psicologia Teoria e Prática, São Paulo, v. 3, n. 1, p. 35 – 42, 2001. Disponível em: <http://www.mackenzie.br/fileadmin/ Editora/RevistaPsicologia?Teoria_e_Pratica_Volume_3_-_Numero_1/v3n1_art3. pdf>. Acesso em: 15 out. 2008 SCLIAR, Moacyr. História do Conceito de Saúde. Physis: Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 17, n. 1, p. 29 – 41, 2007. Disponível em: <http:// www.scielo.br/pdf/physis/v17n1/v17n1a03.pdf>. Acesso em: 22 out. 2008. RIBEIRO, Wânier; et al. Projeto do Núcleo de Políticas de Saúde da Clínica de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. Centro Universitário Newton Paiva. Clínica de Psicologia. Belo Horizonte, 2007. ROMANO, Belkiss Wilma. Princípios para a Prática Clínica em Hospitais. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999. 145 p. TRAVESSO-YÉRPEZ, Martha. A Interface Psicologia Social e Saúde: perspectivas e desafios. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 6, n. 2, p. 49 – 56, jul./dez., 2001. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/pe/v6n2/v6n2a07.pdf>. Acesso em: 15 out. 2008.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Aluna do curso de Psicologia do Centro universitário Newton Paiva do estágio supervisionado pela professora Wânier Aparecida Ribeiro.
A INAUTENTICIDADE E O COMPROMETIMENTO EM MITWELT: ESTUDO CLÍNICO DE F. Poliana Mayra Teixeira Lopes 1
INTRODUÇÃO Este artigo discorre sobre o estudo de caso clínico de F., tendo como pressupostos teóricos a abordagem fenomenológica existencial. Propõe-se elencar a inautenticidade e o comprometimento das relações interpessoais (MITWELT) vividas por F. e percebidas no decorrer dos atendimentos psicoterapêuticos. F. foi encaminhado à Clínica de Atendimento Multidisciplinar à Prevenção e ao Tratamento da Toxicomania – CAMT, pela Central de Penas Alternativas – CEAPA, que, segundo ele, por “uma besteira, uma briga familiar”. O pai de F. não aceitava ter um filho dependente químico em casa, para ele, isso era uma falta de vergonha, motivo esse que levava a várias brigas. Em uma dessas brigas com o pai, F. fez uma ameaça a ele, e o mesmo o entregou à polícia. F. recebeu, então, uma pena alternativa a ser cumprida em seis meses, com seis horas semanais, na Escola Integrada – Projeto com crianças e adolescentes, adotado pela Newton Paiva em parceria com escolas municipais; podendo essa pena ser convertida em tratamento. Diante disso, F. está em tratamento na CAMT desde o dia 6 de maio de 2008 e frequenta a Escola Integrada, trabalhando com crianças, com a atividade de futebol, na quadra poliesportiva, situada dentro da Clínica de Psicologia da Newton Paiva. HISTÓRICO PESSOAL DE F. F., sexo masculino, 34 anos, divorciado, três filhos, ensino médio completo, desempregado. Reside, atualmente, com os pais, após a separação conjugal. Depois da sua separação, ele reencontrou sua namorada da adolescência, mantendo um relacionamento de um pouco mais de dois anos. Mas essa namorada terminou o namoro, não entendendo ele até hoje o porquê. F. responde, também, a um processo judicial devido ao não pagamento de pensão alimentícia aos filhos. Relaciona-se bem com a mãe e a irmã, mas diz não ter um bom relacionamento com o pai. Relata que sempre brigou com ele e que, infelizmente, é comum isso acontecer. Conta que, desde pequeno, escutava sua mãe dizer que a briga dele com o pai começou antes mesmo dele nascer, “na barriga já brigava com meu pai” conta F.. Diante de tantos conflitos com esse pai, F. foi preso após ameaçá-lo. O
pai chamou a polícia para ele e por isso cumpre uma pena alternativa na Escola Integrada. F. estava em atendimento psicoterapêutico na CAMT com outra estagiária, mas essa se formou e não pôde dar continuidade ao processo, fazendo assim com que eu recebesse F. como meu cliente. Meu primeiro contato com F. foi dia 8 de setembro de 2008. A sua demanda pelo atendimento psicoterapêutico chegou até a mim como uma solicitação de urgência, devido a uma tentativa de suicídio pelo término do seu último relacionamento amoroso. A INAUTENTICIDADE E O COMPROMETIMENTO EM MITWELT A partir da psicologia fenomenológica existencial, pode-se entender essa tentativa de suicídio de F. como uma atitude inautêntica. A inautenticidade pode ser vivenciada por uma queda objetiva ou subjetiva. A queda subjetiva pode “ocorrer quando a pessoa vive em grande parte, em função dos ditames dos outros, deixando que estes determinem o seu modo de existir. Isso significa omitir-se da responsabilidade de ser-si-próprio” (RIBEIRO, 2002/2003, p. 582). A queda objetiva pode ser caracterizada “quando há uma eleição por um objeto que anestesie os conflitos existenciais, associada ao valor simbólico que o mesmo representa na dimensão imaginária de cada pessoa em particular” (RIBEIRO, 2002/2003, p. 582). Esse objeto usado para anestesiar os conflitos existenciais, no caso de F, é a droga. Ele é dependente químico desde os 18 anos. A primeira droga utilizada pelo cliente foi o álcool, aos 18 anos, aos 23, a cocaína e aos 32, o crack. Atualmente faz o uso excessivo de álcool, levando-o assim, segundo ele, ao abuso da cocaína. Ele diz que “o uso do álcool é o gatilho para as outras drogas, uso principalmente quando brigo com meu pai, quando estou em depressão por causa do “quadro bipolar”, quando brigo com a namorada (...)”. F. foi diagnosticado por um psiquiatra do posto de saúde, a algum tempo atrás, como portador de Transtorno Afetivo Bipolar – TAB, e, desde então, usa esse diagnóstico em benefício próprio, para explicar suas alegrias eufóricas e tristezas melancólicas. Esse diagnóstico ainda não pôde ser confirmado, segundo o psiquiatra da CAMT, devido ao fato de o cliente não estar abstinente das Revista de Psicologia - Edição 1 l 43
drogas, pois essas geram sintomas semelhantes aos estados de mania e ou depressão apresentados pelo quadro bipolar. O diagnóstico parece não proceder, devido aos traços característicos demonstrados pelo cliente, a evolução clínica, que vem sendo apresentada, bem como a suspensão de alguns medicamentos e o não desencadeamento de crises. F. demonstra pouca habilidade na dimensão afetiva e nas relações interpessoais, muitas vezes mantendo um comportamento mais próprio de um adolescente do que de um adulto. Suas relações de trabalho e social apresentam-se restritas, devido à sua condição de “desempregado” e devido ao seu afastamento em relação aos outros. Sempre que faz referência à sua posição profissional, o faz por meio de um discurso de grandeza, apontando uma possível necessidade de auto-afirmação, e até mesmo de uma negação em se implicar com a real situação financeira e profissional. Isso demonstra sua pouca habilidade na dimensão da práxis. Na psicoterapia, vem sendo trabalhada com F. sua dificuldade em assumir as responsabilidades de sua própria vida. Segundo BINSWANGER (1967), existem três aspectos de ser-no-mundo: Umwelt (mundo ao redor), Eigenwelt (mundo pessoal) e Mitwelt (mundo interpessoal). Esses três aspectos são simultâneos do mundo e caracterizam a existência da pessoa como ser no mundo. Mitwelt é o mundo dos relacionamentos interpessoais, da partilha de valores e da interação comunitária. Quando o ser humano é colocado no espaço dialógico da vida comunitária é que ele pode, vendo-se no espelho do outro, reformular o autoconceito ao mesmo tempo em que reconstrói os significados de seu mundo. “A compreensão de si fundamenta-se no reconhecimento da coexistência, e ao mesmo tempo constitui-se como ponto de partida para a compreensão do outro”, (Augras 1996, p. 56). Em F., percebe-se que Mitwelt se destaca como muito comprometido pelo fato de o cliente ter dificuldades interpessoais em se relacionar com o pai, com as mulheres (ex-esposa e ex-namoradas) e com os próprios filhos. No fim do seu último relacionamento, F. tenta suicídio, pois acredita que sua vida não tem mais sentido sem a companheira. Ele é bastante dependente nas suas relações, delegando a sua vida ao próximo e anulando-se como ser existente. Esses são pontos que têm sido trabalhados com o F. no intuito de criar possibilidades para que, no que diz respeito aos vínculos afetivos e à construção de uma relação harmoniosa, possam, não somente ser de responsabilidade dos outros, mas de sua própria responsabilidade. Segundo MAY (2000 p. 111-113), não é tarefa simples des44 l Revista de Psicologia - Edição 1
vincular-se de alguém. Esse corte se concretiza numa grande explosão de liberdade, ou num “estouro” contra os pais. A pessoa anseia em permanecer em um nível imaturo, atada ao cordão umbilical psicológico e recebendo a pseudoproteção e os mimos dos pais, em troca da independência. A questão é demorada e de difícil evolução para novos planos de integração – evolução significando não um processo automático, e sim reeducação, descoberta de novas idéias, tomada de decisões conscientes e uma boa vontade constante para enfrentar lutas ocasionais ou frequentes. Liberdade é a capacidade do homem de contribuir para sua própria evolução. (...) A liberdade revela-se assim na maneira como nos relacionamos com as realidades deterministas da vida. (...) A liberdade revela-se no ajuste da própria vida com a realidade. (...) A liberdade, portanto, não é apenas uma questão de dizer sim ou não diante de uma decisão específica. É a força de amoldar e criar nós mesmos. É a capacidade para dizer como Nietzsche, de nos tornarmos o que verdadeiramente somos. (MAY, 2000, p.134-137) Durante a psicoterapia, vem sendo reelaborado com F. a questão da sua dependência em relação ao outro, possibilitando-lhe descobrir em que ponto se dá esse aprisionamento e, com isso, refletir sobre a sua capacidade de amar e realizar-se, viabilizando libertar-se tanto dessa dependência subjetiva (interpessoal), quanto da dependência química. Quanto às questões profissionais, o trabalho na psicoterapia tem sido para criar possibilidades para que o cliente possa desenvolver maior conscientização quanto a sua real situação profissional e econômica, e ainda da necessidade de uma ação em busca de sua independência e de sua implicação na participação da criação de seus filhos. Atualmente, os atendimentos de F. estão suspensos, pois ele está em treinamento em uma empresa, onde conseguiu um emprego, o que tem dificultado seu comparecimento ao tratamento, pois ainda não conseguiu disponibilidade de horários no trabalho para voltar a cumprir a pena alternativa e continuar seu tratamento na CAMT. Mas pode-se dizer que a conquista desse emprego foi de grande importância no seu tratamento, pois percebe-se uma movimentação e uma evolução no seu processo clínico. REFERÊNCIAS AUGRAS, Monique. O ser da compreensão, fenomenologia da situação de Psicodiagnóstico. Petrópolis: Vozes, 1996.
Binswanger, L. O caso de Ellen West: estudo antropológico-clínico. In Rollo May & H. Ellenberger (Orgs.), Existencia, nueva dimensión en psiquiatría y psicología. Madrid: Gredos, 1967. MAY, Rollo. A descoberta do ser: estudo sobre a psicologia existencial. 4.ed. Rio de Janeiro: Rocco, 2000. MAY, Rollo. O homem à procura de si mesmo. 27.ed. Petrópolis: Vozes, 2000. RIBEIRO, Wânier A. Identificação precoce do alcoolismo: uma estratégia interdisciplinar de Prevenção. In_Iniciação Científica Newton Paiva: 2002-2003. Belo Horizonte: Newton Paiva,2004.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Aluna do curso de Psicologia do Centro universitário Newton Paiva do estágio supervisionado pela professora Wânier Aparecida Ribeiro.
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A LINGUAGEM COMO FUNDAMENTO DO PROCESSO PSICOTERAPÊUTICO: PERSPECTIVA FENOMENOLÓGICA-EXISTENCIAL Wânier Ribeiro1 Heidegger (2000) aponta para a disposição e compreensão como as características existenciais fundamentais à abertura do ser no mundo, já que toda a compreensão abriga em si a possibilidade de interpretação. A linguagem, por sua vez, constitui, existencialmente, a via de acesso à compreensão, sendo assim, o discurso é a articulação da compreensibilidade. O que pode ser articulado no discurso é chamado por Heidegger de totalidade significativa, podendo ser desmembrada em significações. Essas sempre possuem um sentido que é particular ao ser-no-mundo. Sendo o discurso a articulação significativa da compreensibilidade do ser-no-mundo ele pertence ao ser-com. Assim, a convivência possui a característica discursiva e “o referencial do discurso é sempre interpelado dentro de determinados limites e numa determinada perspectiva” (Heidegger, 2000). No discurso está implícito ou explícito o dito dos desejos, das perguntas, dos pronunciamentos. Para Heidegger, o fenômeno da comunicação deve ser compreendido em um sentido ontologicamente amplo. Para se apreender a essência da linguagem, é necessário percebê-la nos seus momentos constitutivos: o referencial do discurso (aquilo sobre o que se discorre), a comunicação e o anúncio. As tentativas de se apreender a ‘essência da linguagem’ sempre se orientaram por um destes momentos singulares, compreendendo a linguagem com base na idéia de ‘expressão’, ‘forma simbólica’, comunicação no sentido de ‘proposição’, ‘anúncio de vivências’ ou ‘configurações’ da vida. Uma definição da linguagem em nada ganharia se pretendesse reunir sincreticamente esses diversos pedaços de determinação. (Heidegger, 2000, p. 221-222) A proposta decisiva, nesse sentido, é elaborar a totalidade ontológico-existencial da estrutura do discurso, tendo como fundamento a analítica existencial do Dasein2. Devido a essa questão, a conexão do discurso e a sua compreensão tornam-se claras “a partir de uma possibilidade existencial inerente ao próprio discurso, qual seja, a escuta” (HEIDEGGER, 2000, p.222). Para compreender bem, é necessário escutar bem. Escu-
tar bem significa estar aberto ao outro como “ser-com” para o “poder-ser” mais próprio do escutado. Na escuta, o que se propõe, em primeiro lugar, não é o que se pronuncia na articulação sonora, mas a compreensibilidade sobre o que se discorre, pois só daí subsiste a possibilidade de avaliar o modo de dizer. Assim, “discurso e escuta se fundam na compreensão. A compreensão não se origina de muitos discursos nem de muito ouvir por aí, somente quem já compreendeu é que poderá escutar” (HEIDEGGER, 2000, p.213). O homem se revela como um ente que é no discurso, isso quer dizer que o homem se realiza na descoberta de “si-mesmo” e do mundo pela linguagem. O silêncio, outra possibilidade constitutiva do discurso, é fundamentalmente existencial. Aquele que silencia no discurso da convivência pode elaborar a compreensão, às vezes melhor do aquele que não perde a palavra. Tem-se, dessa forma, que falar muito sobre algo não assegura a compreensão sobre o fenômeno. Ao contrário, Heidegger assinala que discursos prolixos encobrem a clareza e a compreensão do dito. É importante esclarecer que silenciar não significa emudecer, visto que também o mudo pode silenciar. O silenciar pode revelar um discurso autêntico, pois o silêncio mostra que o Dasein tem algo a dizer. O silêncio abafa o falar, mas expressa de outra forma a necessidade de se ser escutado, por isso o silenciar, como modo de discurso, articula originariamente a compreensibilidade do Dasein. Já o falatório, que segundo Heidegger significa um fenômeno positivo constitutivo do modo de ser cotidiano, é por outro lado “a possibilidade de compreender tudo sem se ter apropriado previamente da coisa” (HEIDEGGER, 2000, p.229). Isso significa que a compreensão constitutiva do falatório não é estruturada, ou seja, por si mesmo encobre-se e fecha-se do que lhe vem ao encontro, devido à dificuldade de retornar ao fundamento do referencial. Sendo assim, o falatório não necessita da intenção de enganar ou enganar-se, pois esse modo de ser não apresenta conscientemente algo como algo, posto que carece de fundamento, transforma a abertura em fechamento. Dessa forma, muitas coisas que o homem aprende e conhece não ultrapassam uma compreensão mediana. Revista de Psicologia - Edição 1 l
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O Dasein, que se mantém no falatório, oscila e distancia-se da abertura em relação a si próprio ao mundo e aos outros, atingindo um contínuo desenraizamento do ser. A importância da psicoterapia está situada justamente no enraizamento do ser, desentranhando um novo modo de ser do Dasein, se antes se achava em toda parte e ao mesmo tempo em parte alguma, com o processo terapêutico, busca-se situar o Dasein em alguma parte. Se antes o Dasein se ocupava em se tornar livre de si mesmo, livre do ser junto aos outros e ao mundo, com o processo terapêutico, a possibilidade da aproximação existencial, relativa a esse três aspectos, se torna mais orientada. Isto não quer dizer que o processo terapêutico sempre possibilitará tal abertura, para tanto é necessária a aceitação da angústia, que ameaça a falsa compreensão do “ser-si-mesmo”. Por meio da linguagem, o terapeuta poderá contribuir para uma compreensão mais aprofundada do existir do escutado, devendo tomar o cuidado de perceber que o discurso revela, pelo silêncio ou falatório, as características essenciais que o Dasein é ou pode” vir-a-ser”. Portanto ao terapeuta cabe saber escutar bem para compreender as formas de fuga de si mesmo que o Dasein pode apresentar, não se deixando enganar pelo dito ou não-dito, anunciados pelo discurso. NOTAS DE RODAPÉ 1 Professora Dra. do Curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva, supervisora de estágios clínicos em fenomenologia-existencial, Coordenadora da CAMT- Clínica de Atendimento Multidisciplinar à Prevenção e ao Tratamento da Toxicomania. wanierribeiro@gmail.com 2 Dasein (palavra de origem alemã), Da= aí e sein= ser. Ser- no- mundo como projeto, como estrutura de realização constante é o que caracteriza o ser do homem e esta estrutura é o Dasein. Ela evoca o processo de constituição ontológica do homem. É no Dasein que o homem constrói o seu modo de ser, a sua existência, a sua história (Heidegger, 2000).
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ENSAIO SOBRE A QUESTÃO ONTOLÓGICA DA LIBERDADE E SUAS RELAÇÕES COM A TOXICOMANIA: PERSPECTIVAS FENOMENOLÓGICO-EXISTENCIAIS Wânier Ribeiro1 CONCEITOS PRELIMINARES TOXICOMANIA: O QUE É?
para si mesmo e pela qual o mundo existe para o homem. Eis o significado ontológico da liberdade (HEIDEGGER,1997).
Toxicomania, drogadicção, toxicodependência, farmacodependência ou dependência química são termos utilizados para determinar comportamentos relacionados ao consumo compulsivo (força interna sem controle) de drogas, sejam lícitas ou ilícitas, nos quais sempre está implícita a existência de aspectos psíquicos e, algumas vezes, físicos (SILVEIRA FILHO, 1996, p.1). Assim, a relação entre sujeito e objeto configura uma patologia, pela sua intensidade ou pela sua preponderância (SILVEIRA FILHO, 1996, p.1). Esse conceito implica na existência de uma dependência psíquica implícita, que é caracterizada pelo impulso para utilizar a substância psicoativa periódica ou continuamente, com a finalidade de se obter prazer ou de aliviar uma tensão. Além disso, o uso pode acarretar uma dependência física, sendo que o sujeito, por ocasião da privação, pode sofrer de sintomas físicos e psíquicos, o que é denominado síndrome da abstinência. Entende-se, atualmente, que a toxicomania deva ser entendida numa perspectiva tridimensional, ou seja, a partir dos contextos psicológico, biológico e social do indivíduo (contexto biopsicossocial), posta a complexidade do problema (SILVEIRA FILHO, 1996, p.3). Entende-se, nesse contexto, que a liberdade do sujeito, diante da situação de dependência química, fica comprometida e é sobre essa relação que se propõe discorrer neste artigo.
LIBERDADE E RELAÇÕES COM A TOXICOMANIA: UM ENSAIO
LIBERDADE DO PONTO DE VISTA ONTOLÓGICO: O QUE SIGNIFICA? O aspecto da realidade no homem, pelo qual ele se ergue acima do “ser-resultado”, é a sua subjetividade. Isso significa dizer que o homem supera por sua subjetividade seu “ser-coisa”. O homem em si mesmo é um “eu”, um pertencer-se a si mesmo e esse eu é para a liberdade. A liberdade exprime, por si mesma, certa ausência de determinação. Logo, “ser-livre” significa “ser-si-proprio” , ser sujeito. No entanto, isso não significa ausência de ligação do sujeito com o mundo, muito pelo contrário, a liberdade se dá em situação. E liberdade e compromisso coexistem. O eu, como liberdade, é a luz (razão) pela qual o homem existe
A dinâmica da existência humana tem seu fundamento na subjetividade como liberdade, entendendo-se que o homem não seja apenas o resultado determinado de processos e forças. O aspecto da realidade no homem, pelo qual ele se ergue acima de tal processo, se chama subjetividade. O homem, como sujeito, atestado por Heidegger (1997), é o lumem naturale, a luz pela qual alguma coisa existe. É, pois, pelo ser do homem como sujeito que se ultrapassa o “ser-resultado”, o ser simplesmente parte. O ser do homem como sujeito é “ser-livre”. Liberdade referente ao ser do homem no próprio nível do “ser-homem”, ou seja, numa perspectiva ontológica. A liberdade aqui discutida não é aquela que designa a propriedade de uma ação ou faculdade. Em Heidegger(1997), tem-se que o “ser-livre” do homem como sujeito deva ser compreendido positivamente como um ser com certa autonomia, independência, um pertencer-se a si mesmo, tendo como fundamento seu ser próprio e, por isso, não gerado, não resultado de processos e forças. Essa superioridade do ser homem como “ser-si-próprio”, sujeito de suas ações, constitui, simultaneamente, a sua racionalidade O sujeito manifesta-se como liberdade e essa se revela como razão, como modo de atribuir significados às coisas. (LUIJPEN, 1973) Ser sujeito significa ser livre, liberdade essa não absoluta, porque a subjetividade não se dá isoladamente. O eu somente se coloca em relação, é intencional e situado, é ligação com o mundo. A liberdade não é desse modo acósmica. O eu consciente, como auto-afirmação, apenas aparece com a consciência da realidade e com a afirmação da corporeidade e do mundo. Waelhens (1949) considera que a auto- afirmação do eu encontra-se num duplo nível: no cognitivo, o qual se dá o reconhecimento do eu e da realidade como realidade; e no afetivo, o qual se refere à afirmação do eu e da realidade. O sujeito, na afirmação, não é apenas cogito, mas volo (quero), que caracteriza o consentimento do eu e da realidade. Esse afirmar, reconhecer Revista de Psicologia - Edição 1 l
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e consentir não se refere a juízos explícitos do sujeito, mas sim ao afirmar-se implícito ao próprio sujeito existente, que corresponde a certa realização e plenitude que se pode alcançar. Contudo a positividade da auto-afirmação não ocorre sem a negatividade, ou seja, sem a autonegação. Ambas se afetam mutuamente. O reconhecimento do eu inclui negatividade, assim o eu não é um tudo, mas uma positividade finita do ser. Cabe ressaltar que, como bem lembra Laing (1982), uma pessoa basicamente segura do ponto de vista ontológico enfrenta os riscos da vida com firme senso da realidade e identidade. Outras, as quais se situam numa ausência parcial ou quase total das convicções derivadas da segurança ontológica, podem buscar sanar tal ausência em objetos do mundo, na tentativa de se assegurarem, posto que se sentem incapazes de se sentirem seguras “em si mesmas”. Heidegger (1997) caracterizou esse modo de ser como inautenticidade objetiva. Laing (1982) retrata que caso o indivíduo tenha alcançado uma posição de segurança ontológica primária, as contingências comuns da vida não constituem ameaça constante à existência, caso contrário, as circunstâncias diárias constituem uma contínua e mortal ameaça. A não-aceitação da identidade real impele o indivíduo a buscar meios para tentar preservar com esforço sua identidade, para impedir a perda do próprio self. Com isso, percebe-se a liberdade de ser cada vez mais restrita. A dependência das drogas, pelo sujeito, parece poder ser entendida por esse ângulo. Depender de um objeto em demasia significa não conseguir ser livre dele, isso parece se relacionar com a falta de segurança do sujeito em relação a si mesmo, já que se busca um ancoradouro externo para se auto-afirmar. Ao caracterizar as formas de ansiedade enfrentadas pela pessoa ontologicamente insegura, Laing (1982), retrata: a) na absorção o indivíduo teme o relacionamento interpessoal e na verdade até consigo próprio, sua principal manobra para preservar a identidade é o isolamento, a solidão. Na situação de dependência química, a droga se constitui como centro do campo fenomenológico do indivíduo, o eu e os outros tendem a ser colocados à deriva. Daí os comprometimentos existenciais nas esferas inter e intrapessoal. b) na implosão, o indivíduo sente-se vazio, como o vácuo, mas esse vazio é ele próprio e, embora anseie preencher esse vazio teme a possibilidade de que isso aconteça, porque passou a achar que a única coisa que ele possa ser é esse imenso vácuo. Por mais que o indivíduo se proponha a preencher o vazio que se encontra, utilizando para isto o consumo compulsivo da droga, não atinge tal objetivo, posto que busca algo exterior a si mesmo para a auto-realização. Nessa busca frenética se percebe não realizado, “preenchido”, tornando o consumo um círculo vicioso. Além disso, pode acontecer que quanto mais se culpa pelo uso da droga, mais consome para se 50 l Revista de Psicologia - Edição 1
livrar da culpa que carrega, não acreditando que além de “não-ser” possa também “ser-si-próprio”. c) Por fim, na despersonalização, terceira forma de ansiedade, a pessoa não se permite reagir aos sentimentos do outro e talvez esteja disposta a considerá-lo e tratá-lo como se não tivesse sentimento. Tais pessoas inclinam-se a se sentir despersonalizadas e a despersonalizar os outros. Tem-se tornado lugar comum, na clínica da toxicomania, os próprios clientes e seus familiares relatarem que na situação de dependência química, o indivíduo tenda a subjugar a si e aos outros como meros objetos, não demonstrando amor por si próprios e pelos outros. Tendem a colocar a droga como centro da existência, sendo capazes de atrocidades contra si e contra os semelhantes, para resguardar o consumo da mesma. Denota-se, desse modo, um baixo nível de compreensão do seu próprio mundo (Eigenwelt) e do mundo das relações interpessoais (Mitwelt). Isso significa dizer que quanto menor for o campo compreensivo do sujeito em relação a si mesmo mais restrita será a sua vivência de liberdade. Pode-se entender, por esse ponto de vista, que a pessoa que se torna dependente química possa colocar em suspensão a sua liberdade de escolha do uso ou não droga, devido aos aspectos biopsicossociais envolvidos, e também de outros posicionamentos do seu existir. Deixa escapar, nesse processo, o seu próprio censo de consentimento do eu e da realidade. Se a droga se torna o centro, o referencial do eu, a auto-afirmação é sucumbida pela negatividade do eu. A dificuldade que a pessoa encontra para conviver com seus conflitos é atenuada pela plenitude efêmera que encontra nos efeitos que a droga lhe proporciona. Em contrapartida, a esta entrega é suspenso o seu “poder-ser” mais próprio: a liberdade de “ser-si-mesmo”. Não são incomuns as queixas de clientes dependentes químicos estarem relacionadas aos sentimentos de impotência diante das suas escolhas, se dizem assujeitados à compulsão pela substância, perdendo o poder de suas ações, se percebem como objetos da condição que se encontram. Apesar de que algumas pessoas reconheçam num nível cognitivo os prejuízos associados ao consumo da droga, se vêem atreladas à necessidade e desejo de tal consumo. Nesses casos, parece coexistir um duelo travado entre o querer e o desejar. Apenas saber de dada situação não coloca uma pessoa em situação de mudança, pode-se dizer que o querer é da ordem da razão, do saber, já o desejo advém de um modo irreflexivo, não planejado, não explicável. Daí as reelaborações existenciais não encontrarem seus percursos apenas no nível cognitivo, mas concomitantemente no afetivo. Frases como “Quero minha liberdade de volta” são comuns no processo clínico. Acredita-se que re-significar a vivência em dependência química requer o reencontro do indivíduo consigo mesmo,
em seu “poder-ser”mais próprio, para que retome em suas mãos o seu existir de forma plena. A necessidade de se ancorar em objetos de sustentação que lhe são externos deve, na reestruturação do eu, ceder espaço para que o eu reassuma sua centralidade e isto se dará pela retomada da segurança ontológica. Percebe-se que se as questões afetivas não são reelaboradas,torna-se distante a possibilidade de abstinência da droga, pois é esta que, naquele momento, estrutura o ser, assegura sua existência. Heidegger (1997) se refere ao “ser-aí” dizendo que ele possui uma relação de ser, que é uma compreensão do ser (Seinsverstandnis) e é isso que caracteriza essencialmente o “ser-homem”. Afirma, desse modo, que o homem em seu ser cuida do que ele é e, neste cuidado são situados tanto os momentos positivos quanto os negativos. Quanto maior for a sua compreensibilidade de seu próprio existir, maior será a sua liberdade. O ser do homem é sempre “ser-no-mundo”, a cada maneira possível de existir corresponde a uma significação possível do mundo. Desse modo, nenhuma vivência de valor é tal que o dizer sim seja definitivo e isso se aplica a qualquer nível de intencionalidade. O homem, ao se aborrecer no constituído, tende a um novo futuro, já que além de lúmen natural e, ele é também desiderium naturale (desejo natural). Essas considerações tratam de uma liberdade como “ter-que-ser”, ou seja, o sujeito é busca constante de sua liberdade. O modo de ser dependente químico caracteriza a dificuldade que o homem possa ter de lançar mão do que lhe é próprio: sua liberdade, porém, em determinado ponto, o sujeito pode entender sua liberdade pelo uso excessivo de drogas como uma liberdade equivocada e aí clame a si próprio a liberdade que lhe constitui verdadeiramente como ser livre, a liberdade como “ter-que-ser” si mesmo, sem escapes. Considerar-se-á que nenhuma pessoa é apenas doente de modo efetivo, pois a própria doença inclui potencialidades. Isso porque a liberdade como “ter-que-ser” somente faz sentido, fenomenologicamente, pelo precedido “poder-ser”. Dá-se assim, porque o homem não é ser acabado, nem coisa, nem encargo, mas um sujeito em situação de liberdade e desejo, é projeto (Entwurf). O “poder-ser” constitui a realidade do ser factual, o “ainda não” constitui a realidade do já e o futuro constitui a realidade do passado. Isto quer dizer que o “poder-ser” abarca facticidades e potencialidades. Como atesta Heidegger (1997), o “poder-ser” não é apenas uma possibilidade lógica, mas um existencial, uma característica essencial do “ser-homem”. A facticidade do homem não é real sem o “poder-ser”. À medida que o homem é luz e desejo para a realidade, pela sua superioridade entitativa de sujeito, atribui-se a ele o “deixar-ser” pelo desvelamento, pela compreensão (Verstehen). E essa consciência se dá não apenas no reconhecimento de “ser-si-mesmo” de fato, mas de um “poder-ser”. Esse “poder-ser” é constituído por certa facticidade, ou seja, inclui determinadas possi-
bilidades e exclui outras. Isso implica em dizer que a liberdade existe a partir da sua ligação a determinada situação concreta. CONCLUSÕES Concebe-se que a cada maneira possível de existir no mundo corresponda a uma significação possível de mundo, isto é, o projeto que o homem desenha para si, reflexivamente ou não, é ao mesmo tempo o projeto de seu mundo. Entendendo-se que os significados atribuídos à existência manifestem-se como direção, parece pertinente elucidar que o sujeito, ao se tornar dependente químico, se dirija a um pronunciamento silencioso de que ser independente (livre) lhe custa um preço muito alto, sem se dar conta, no entanto, que como a existência é em si liberdade, o preço maior será o de retomar para si o seu fundamento condenável: a liberdade. Neste sentido, o foco psicoterapêutico do tratamento da toxicomania deve se orientar, em primeira mão, não para a abstinência da droga pelo sujeito, como fim em si mesma, mas para o resgate da liberdade existencial do sujeito como possibilidade de “ser-si-mesmo”, de “ser-livre”. O resgate pelo sujeito, em relação a sua independência do consumo compulsivo de drogas, estaria, então, fundado na própria liberdade de se deixar “ser-si-mesmo”. REFERÊNCIAS HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Petropólis: Vozes, v. I e II, 1997. LAING, R.D. O eu dividido: estudo existencial da sanidade e da loucura. Petrópolis: Vozes, 1982. LUIJPEN, W. Introdução à Fenomenologia Existencial. São Paulo: EPU, 1973. SILVEIRA FILHO, Dartiu Xavier. Dependências: de que estamos falando afinal? In: SILVEIRA FILHO, Dartiu Xavier; Gorgulho, Mônica (org). Dependência: Compreensão e assistência às toxicomanias: uma experiência do PROAD. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1996. WAELHENS, A. Linéaments d’une interprétation phénoménologique de la liberte. Actes du IV Congrès dês Sociétés de Philosophie de langue française, Neuchatel, 1949, p.82.
NOTAS DE RODAPÉ 1Professora Dra. do Curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva, supervisora de estágios clínicos, Coordenadora da CAMT- Clínica de Atendimento Multidisciplinar à Prevenção e ao Tratamento da Toxicomania. wanierribeiro@gmail.com
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HEMODIÁLISE: DA MÁQUINA... DOS LIMITES... DO DESEJO. Ida Ramlow Oliveira1 A busca de uma representação que ofereça um bom entendimento para o sofrimento humano não é uma tarefa nada fácil. O sujeito que adoece vê-se diante de rupturas que atingem e ferem a sua vida e seus projetos, acontecimentos que podem levá-lo à depressão e à angústia, pois se vê à mercê do desconhecido. Peres (1999, p. 245) relata que “A tristeza é considerada como afeto que permite nada querer saber sobre os efeitos do inconsciente, constituindo uma traição do sujeito a si mesmo, [...] e a única covardia é a de ignorar o desejo que nos habita”. Rozenbaum (2008, p. 11) aborda essa questão referida ao corpo e ao adoecer e coloca que “Aquilo que se passa no corpo, que é uma crise objetiva, pode se transformar em uma crise subjetiva [...] como os sujeitos são constituídos de fala, eles precisam se reposicionar acerca do que lhes ocorreu”. Apesar disso, a forma como o paciente se relaciona com sua doença e as posições que assume estão intrinsecamente relacionadas com a sua história de vida, com os mecanismos de enfrentamento que tem disponíveis, o que marca a singularidade de cada um. “Ao ser internado, o paciente traz consigo sua história. Sofre um processo de despersonalização, [...]”. (ROZENBAUM, 2008). Conforme a ONG Doe Vida2, o processo de hemodiálise, em geral, determina que o paciente se desloque de sua casa, em geral, três vezes por semana, e impõe-lhe uma condição necessária, na qual ele deve ficar conectado à máquina, por um período aproximado de quatro horas prescritas. Podem existir variações neste tempo de acordo com o peso e a idade do paciente. É sabido que, quando alguém tem que passar por um processo curto ou longo de hospitalização, vive momentos que deixam marcas significativas em sua vida, apesar de sabermos que vários hospitais encontram-se preparados, são representantes da grande luta pela saúde e contam com especialistas e tecnologias avançadas. Isso é percebido com muita freqüência e intensidade no caso de pacientes com Insuficiência Renal Crônica - IRC, que são acolhidos e submetidos por um longo tempo de suas vidas aos cuidados médico-hospitalares. O sujeito, quando toma conhecimento de uma doença grave, pode adoecer de diversas formas, ou seja, pode ter como repercussão outro adoecimento, como a depressão, por exemplo. Conforme Almeida (1999, p. 119), “no fenômeno da depressão, encontramos uma renúncia do sujeito a si mesmo, que só pode ser verificada através de sua fala; para isso, é necessário que alguém o escute”. 52 l
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Tendlarz (1997, p.28) expõe que, “Pelo fato de falar, o homem torna-se um ser de demanda [...] a demanda metaforiza a necessidade, sem recobri-la por completo. O resto dessa operação é o desejo”. Ao ser escutado, o sujeito pode ser capaz de enfrentar seus problemas e suas angústias, dando real significado a seu cotidiano. Como estagiária em um Centro de Hemodiálise, escuto Maria Angélica3, 45 anos, divorciada, mãe de dois filhos adolescentes, que traz em seu discurso inicial sobre sua inserção no processo de hemodiálise várias questões, tais como: ameaça da morte, sentimentos ambivalentes, preocupações com a imagem e mudanças, sentimento de desânimo, incertezas, relacionamento familiar conturbado, espera pelo transplante, expectativas para o futuro, tentativas de aceitação, e momentos de fé e esperança. Maria Angélica relata que, antes de receber a notícia sobre seu estado crônico (IRC), tinha uma vida tranquila, muita disposição para recomeçar sua vida amorosa. Ela se dizia uma pessoa alegre, de bem com a vida, adorava sair com os amigos para dançar e “jogar conversa fora”. Ela relata o momento em que recebeu a notícia de seu médico de que estava muito doente e que a coisa era séria: “Você está com sérios problemas nos rins, e a hemodiálise será inevitável”, disse-lhe o médico. O novo discurso, as informações novas, a falta de conexões e o entendimento das mesmas causavam-lhe medo do desconhecido. Uma grande quantidade de surpresas e informações foram-lhe passadas sobre sua atual realidade, mas algo lhe pesava á consciência, dizia ela: “ou a máquina, ou a debilidade até a morte”. Era preciso tomar uma decisão urgente, fazer uma escolha. Escolher viver! Numa tentativa aparente em negar a sua nova realidade, demonstrava ainda não conferir entendimento e aceitação à doença e ao tratamento, resgatando, então, em sua fala, valores como a fé e a esperança, “tenho certeza, muita fé em Deus, que ele vai me tirar dessa; estou frequentando uma igreja, e tenho fé que meu rim vai voltar a funcionar”. Ela vivia rodeada de amigos, baladas, passeios e muita diversão. E agora, ao conviver com a máquina e a dependência da mesma para viver, surge a angústia ao falar da impossibilidade de sair com amigos, para se divertir como antes. Estava definido e determinado um outro momento.
Hoje, Maria Angélica passa boa parte de seu tempo dentro de um centro de tratamento de diálise, definindo claramente em seu discurso os obstáculos aos seus desejos, mas um tempo possível para construir a possibilidade de exercer escolhas. Cabe a ela uma nova construção de vida, adquirir entendimento e elaboração da doença, que não é aguda ou transitória, mas crônica, permanente. Quinet (1999, p. 90), faz referência a este momento de elaboração do sujeito, expondo que “todas essas perdas têm um significado: castração, o que resume os ‘determinantes finais e definitivos’. Eis por que são dolorosas, e o sujeito, para sair da dor, deve fazer o luto do que perdeu”. O sujeito implicado no seu acontecimento se orienta pelos limites determinados, mas define possibilidades de descobrir e inventar maneiras de lidar com o seu desejo. Assim nos diz Quinet (1999, p. 89): Oferecendo um tratamento pela via do desejo, a psicanálise torna possível para o sujeito o caminho que parte da dor de existir e segue em direção à alegria de viver. Para isto, todavia, é necessário que o sujeito queira saber, tendo a coragem de se confrontar com a dor que morde a vida e sopra a ferida da existência, a fim de fazer da falta que dói, a falta constitutiva do desejo. A psicanálise no hospital possibilita ao sujeito a construção de um saber sobre sua causa. E na hemodiálise seria possível essa construção? Moretto4 (2000) deixa o seguinte questionamento: “Por que não trabalhar com psicanálise, justamente aonde aquele que sofre necessita falar de sua dor com um profissional?”. Assim, alcança boas chances de dar um tratamento à subjetividade do paciente em diálise, que está conectado a um sofisticado aparelho, que executa as funções antes feitas dentro do seu próprio corpo. O psicanalista tem a função então de escutar para que possa advir o sujeito desejante, pois é desse sujeito do desejo que a psicanálise se ocupa. Escutar além da queixa orgânica, pois o sujeito que ali pulsa, necessita movimentar-se para lidar com as consequências da doença e com todas as limitações que a mesma lhe impõe. A possibilidade para o sujeito de ser escutado e de se escutar pode levá-lo a mudanças de posição e conferir-lhe autoria responsável de um novo projeto, no qual reconhece os limites e conta com porções do desejo.
REFERÊNCIAS ALMEIDA, Consuelo Pereira de. Depressão: Doença do discurso. In: Extravios do desejo – depressão e melancolia. Org. QUINET, Antônio. Cidade: Ed. Marca d’Água Livraria, 1999. P. 117 – 119. PERES, Maria Sueli. Morrer de Banzo. In: Extravios do desejo – depressão e melancolia. Org. QUINET, Antônio. Cidade: Ed. Marca d’Água Livraria, 1999. P. 245 – 251. ROZENBAUM, Regina. Psicologia Hospitalar. Estado de Minas. Belo Horizonte, 6 jun. 2008. Opinião, p. 11. GUINET, Antônio. A tristeza: Mal-dizer o desejo. In: Extravios do desejo – depressão e melancolia. (Org.) __________. Cidade: Ed. Marca d’Água Livraria, 1999. P. 7 – 12. _______________. Atualidade da Depressão e a dor do existir. (Org.) GUINET, Antônio. Cidade: Ed. Marca d’Água Livraria, 1999. P. 87 – 94. TANDLARZ, Silvia Elena. A constituição do sujeito. In: De que sofrem as crianças: a psicose na infância. Trad. CLEINMAN, Betch., Rio de Janeiro: Ed. Sette Letras Ltda, 1997. P. 27 – 50. MORETTO, Maria Lívia Tourinho. Agência USP de notícias. São Paulo, 31 de agosto de 2000 n.594/00. Disponível em:< http://www.usp.br/agen/bols/2000/ rede594.htm>. Acesso em: 28 out. 2008.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Aluna do Curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva do estágio supervisionado pela professora Tânia Simão. 2 A Associação Doe Vida é uma entidade que foi oficialmente inaugurada em 16 de agosto de 2003. Disponível em: <http://www.doevida.org.br/hemodialise.html>. 3 O nome Maria Angélica é fictício a fim de preservar a identidade da paciente. 4Maria Lívia Tourinho Moretto, psicóloga responsável pelo Serviço de Psicologia da Unidade de Fígado do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. <http://www.usp.br/agen/bols/2000/rede594.htm>.
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A MÃE E A MULHER Betânia de Magalhães L. Cordeiro1
Este artigo tem como objetivo apontar questões relativas a uma pequena articulação feita entre o recorte de um atendimento realizado na Clínica de Psicologia da Newton Paiva e a abordagem psicanalítica. Propõe-se discutir a questão da feminilidade e da maternidade de uma cliente. Joana 2 é uma mulher de 39 anos, separada há cinco anos e tem um filho dessa união. Atualmente mora com um companheiro. Na primeira sessão, Joana relata que procurou a clínica por indicação de uma amiga e de seu médico. Diz ser muito ansiosa e é hipertensa. Há um ano faz uso de medicamentos, mas conta que está pior agora. A cliente fala que teve uma crise de síndrome do pânico e foi parar no hospital. Nas sessões que seguiram, J. relata que engravidou aos 17 anos e por isso, aos 18, casou-se com o pai do seu filho. Disse que sofreu muitos preconceitos por estar grávida na adolescência, mas que não se incomodou, pois seu filho seria tudo para ela. Disse que se sentia muito feliz. A teorização de Freud liga maternidade e castração. Os processos que seguem o complexo de Édipo e da castração não são análogos em meninos e meninas, mas não deixam de ter seus efeitos. Para FREUD (1925), nas meninas, o complexo de Édipo é uma formação secundária. Elas são destinadas a fazer - uma significante descoberta, a de sua castração, pois não possuem o pênis. A menina atribui ao pênis uma função de signo de uma identidade sexual da qual se sente privada. Freud toma o complexo de castração como um fator específico na sexuação da menina. Segundo Soler, para Freud, a feminilidade da mulher deriva de seu “ser castrada”: mulher é aquela, cuja falta fálica a incita a se voltar para o amor de um homem. Primeiro é o pai, ele próprio herdeiro de uma transferência do amor primordialmente dirigido à mãe, e depois o cônjuge. Freud (1925) fala que o desenvolvimento da feminilidade deve se realizar na fase em que, decepcionada com sua mãe, a menina se volta para o pai. Embora no inconsciente persista o desejo do pênis, a menina simbolicamente o substituirá pelo desejo de um filho, e, nesse desígnio, toma o pai como objeto de amor. A mãe torna-se o objeto de seu ciúme. A maternidade, sob a perspectiva freudiana, é a via que conduz a menina para a feminilidade. Segundo Freud (apud Soler 1937, p.35), o amor de um homem culmina no filho esperado, à margem da relação sexual, como único objeto “causa de desejo” para a mulher. O filho de54 l
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certo é um objeto “a” possível para uma mulher, só que decorre da dialética fálica do ter, que não lhe é própria, e só raramente satura o desejo sexual; o ser propriamente feminino, se é que existe, situa-se noutro lugar. Para FREUD (1976 [1932], p.163), a mãe somente obtém satisfação sem limites na sua relação com seu filho menino; este é, sem exceção, o mais perfeito, o mais livre de ambivalência de todos os relacionamentos humanos. Uma mãe pode transferir para o seu filho aquela ambição que teve de suprimir em si mesma, e dele esperar a satisfação de tudo aquilo que nela restou do seu complexo de masculinidade. Certo dia J, já no final da sessão, fala que se recorda de quando sua crise de pânico se inicia. Ela conta que foi no dia em que o filho foi preso injustamente, segundo ela por engano, fala que dormiu na porta da delegacia, “tinha que levar meu filho embora comigo, entrei e arrumei um barraco, faço tudo para salvar ele, preferia ficar presa e ele solto”. A cliente relata que, a partir daí, ela nunca mais ficou tranqüila, conta que tem medo quando ele sai na rua à noite, que agora ele está separado da mulher e com isso sua preocupação aumenta. J. conta que todos os dias, quando sai do serviço, passa de ônibus no emprego do filho para ver se está tudo bem com esse, fala que o pai não se preocupa como ela. Sua relação com o filho é melhor do que do filho com o pai, segundo ela. Segundo SOLER (2003, p.94), conquistador da presença e do amor maternos, em função de sua própria demanda, o filho inicialmente se oferece, nos engodos da sedução, para realizar o que ditos e condutas da mãe deixam entrever do objeto de seu desejo. Assim a mãe é elevada à condição de potência simbólica, possuidora dos poderes da fala e, por conseguinte, dos poderes originários das primeiras frases. Para SOLER (2003, p.97), na totalidade dos casos, é por sua fala que a mãe deixa sua marca. Mas a mãe não deixa de ser mediadora de um discurso em que não pode deixar de introduzir seus hábitos. E é aí que podemos diagnosticar a ascensão de sua dominação, no despedaçamento dos laços sociais contemporâneos. É que, quanto mais as transmissões intergeracionais se reduzem unicamente às prescrições implícitas de seu desejo, muito especialmente do que ela deseja para o
filho, mais este vê suas opções subjetivas em relação ao desejo do Outro reduzirem-se ao binário de uma alternativa: ou assumir o mandato materno, fazendo daquilo a que foi prometido no desejo dela uma vocação, ou rejeitá-lo e se inscrever sob uma marca de exclusão, só afirmando o que lhe resta de liberdade, portanto, sob a forma do negativo. (SOLER, 2003, p.97). SOLER (2003, p.103) conclui que para a criança, a dedicação materna tem um valor tanto maior quanto mais a mãe não é toda sua, e quanto mais não está toda num alhures insondável: mas é preciso que seu amor de mulher esteja referido a um nome. Continuando, só há amor por um nome, LACAN(ano, apud SOLLER, 2003) dizia: no caso, o nome de um homem, que pode ser qualquer um, mas que, pelo simples fato de ser nomeável, cria um limite para a metonímia do falo, assim como para a opacidade do Outro absoluto. Só mediante essa condição é que a criança poderá ser inscrita num desejo particularizado. J. é na verdade apenas mais uma das muitas mulheres que fazem de tudo para seus filhos e, muitas vezes, esquecem de seus outros papéis na sociedade moderna. Não é só pela via da maternidade que uma mulher encontra uma resolução para sua falta fálica. LACAN( ano, apud SOLER,2003, p.95), mostra que podemos opor, numa mulher, a mãe e a mulher: a mãe que, de certo modo, por intermédio do filho, recupera o objeto de sua falta, e a mulher, que, na medida em que seu libido se dirige ao homem, coloca-se como despojada daquilo que procura nele. Aqui não é a falta de amor que pode ser prejudicial, mas o seu excesso, que clama por um efeito de separação necessário. LACAN(ano, apud SOLER, 2003, p.95) enfatizou o desejo da mãe. Esse deve ser entendido como o desejo da mulher na mãe, desejo adequado para limitar a paixão materna, para torná-la mãe, ou, em outras palavras, não-toda para seu filho e até não-toda para a série de filhos, os rivais fraternos.
REFERÊNCIAS FREUD, Sigmund (1923 [1925]). O Ego e o Id e outros trabalhos. In: _____, Algumas conseqüências psíquicas da distinção anatômica entre os sexos. Rio de Janeiro: Imago, 1976. p. 303-320. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 22). FREUD, Sigmund (1933 [1932]). A Feminilidade. In: _____, Novas Conferências Introdutórias Sobre Psicanálise. Rio de Janeiro: Imago, 1976. p. 139-165. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 22). SOLER, Collet. O que Lacan dizia das mulheres. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006, 245 p.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Aluna do curso de Psicologia do Centro universitário Newton Paiva do estágio supervisionado pela professora Graciela Bessa. 2 Nome fictício para preservar a identidade do cliente.
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QUAL O GOZO RECOBERTO PELO SINTOMA PSICOSSOMÁTICO? INVESTIGAÇÃO PARA ALÉM DO PRAZER Ivanilda Basílio Felisberto1
O sintoma foi o que despertou em Freud a necessidade da psicanálise. Sua curiosidade levou-o a querer investigar um sintoma específico: o sintoma histérico. Ao permitir a escuta desse sintoma, foi descoberto um sujeito que se encontrava com dificuldades em se expressar. Freud descreve o sujeito mediado pelas leis da linguagem, por ele nomeadas de condensação e deslocamento; enquanto Lacan denomina-as com os termos de metáfora e metonímia. Para a psicanálise, o sintoma é o substituto de alguma coisa que não aconteceu, precisamente de uma satisfação pulsional que não se deu. Pode-se também entender que o sentido do sintoma é inconsciente. La Sagna (1996) estabelece a diferença entre o sintoma médico e o analítico, em que este, mesmo encontrando ressonância no corpo, é sintoma de linguagem. O mesmo autor esclarece que o sintoma analítico submete-se à lógica do inconsciente, existindo uma “satisfação inclusa”, enquanto a “lesão psicossomática não obedece às leis da linguagem e às do inconsciente, ela não responde a uma estrutura metafórica. Ela obedece a uma simples alternância de presença-ausência”. É sugerido, então, o questionamento: “Qual é o gozo específico que sustenta esse sintoma mobilizável pela colocação em palavras, assim como pela interpretação do analista” (LA SAGNA, 1996, p. 62). Na medicina, o sintoma é dotado de sentido e compete ao médico dar a sua significação, ou seja, ele deve ser decifrado, pois é signo de uma doença. Porém, na tarefa de decifração das queixas do paciente, o médico depara-se com situações em que as queixas não correspondem a alterações orgânicas. Conforme citado acima, nessa classe de sintomas, encontramos os sintomas histéricos de conversão. O corpo é afetado, mas não modificado. Existem doenças que fogem ao alcance médico na sua causa, sintoma, tratamento ou prognóstico. Essas doenças, mesmo com a possibilidade de terem uma origem genética, mantêm-se fora de controle, podendo regredir ou avançar de maneira inesperada, respondendo desordenadamente aos medicamentos. La Sagna (1996) afirma que elas são conhecidas como psicossomáticas. Embora se apresente clinicamente, é sensível à palavra, podendo reagir positiva ou negativamente a essa. Soler (1996) corrobora quando diz que Lacan, no Seminário 56 l
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11, reelabora o conceito de sintoma e faz do mesmo “uma função que transforma o significante em uma letra de gozo” e não aproxima Fenômeno Psicossomático (FPS) e sintoma, só “encontra entre eles um ponto comum que é a referência ao escrito” (SOLER,1996, p. 66). Apesar de manter precauções quanto ao estudo, Soler (1996), seguindo a orientação de Lacan, opõe o sintoma ao Fenômeno Psicossomático (FPS) o que o FPS inscreve é um traço do gozo Outro, o que nos conduziria a uma distinção entre sintoma e FPS: um como insígnia do sujeito, e outro com insígnia, melhor dizendo estigma do Outro, no corpo como Outro. (SOLER, 1996, p.68) O atendimento clínico de Reinaldo remete-nos ao mesmo questionamento: qual o gozo específico que sustenta seu sintoma de imunodeficiência, que o leva a repetidas crises respiratórias, alergias e um alto grau de sensibilidade a doenças diversas? Reinaldo é o terceiro de uma família de cinco filhos. Explica o seu insucesso na vida à “porra estragada” de seu pai, pois foi gerado após seu pai ter sofrido um AVC. Nesse contexto, culpa sua mãe, que não deveria ter engravidado de um homem doente. “Nessa época meu pai era doente e não conseguia sustentar mais a família. Minha mãe não tinha que ter tido esses três filhos (ele e os dois irmãos mais novos). Os dois mais velhos tiveram a sorte de serem saudáveis e terem mais condições financeiras”. Observamos que há aí uma questão implícita sobre o gozo feminino. O que queria sua mãe ainda se deitando com um homem doente? Em relação ao pai, ele fica com a parte maldita, a “porra estragada”, signo de um excesso de gozo, que vai além do princípio de prazer. Recentemente, após internação de pouco mais de um mês, ficou diagnosticado Linfoma Gástrico, estágio IV, com infiltração medular. O tratamento precisou ser adiado devido a uma infecção decorrente de sinusite, surgida três dias após Reinaldo ter conhecimento de seu diagnóstico. Assim, pode-se dizer que se encontra em Reinaldo um corpo afetado pela pulsão de morte, que traz o significante “o prejudicado” como marca de sua concepção.
REFERÊNCIAS FERREIRA, Roberto Assis. O Sintoma na Medicina e na Psicanálise – Notas Preliminares. Disponível em: <http://www.rexlab.ufsc.br:8080/more/index. jsp>. Acesso em: 30/09/2008. Freud, S. (1912). Uma nota sobre o inconsciente em psicanálise. In: ESB das obras completas de Sigmund Freud. Imago, Rio de Janeiro, 1996. v. XII, p. 275-285. Lacan J. Formulações sobre a causalidade psíquica. In: Lacan J. Escritos. Rio de Janeiro: Zahar; 1998.p.152-94. SAGNA, Carole Dewambrechies-La. Opção Lacaniana. In: JORNADAS DO INSTITUTO DO CAMPO FREUDIANO, 17, 1996, Buenos Aires. Lesões Sensíveis à Palavra. Bueno Aires: Revista Brasileira, 1996. p. 60 - 62. Traduzido por: Maria Lúcia Sá Pacheco e Silva. SOLER, Colette. Opção Lacaniana. In: PRIMEIRAS JORNADAS DO INSTITUTO DO CAMPO FREUDIANO. 1994, Buenos Aires. Retorno sobre a Questão do Sintoma e o FPS. Bueno Aires: Revista Brasileira, 1994. p.66 a 68. Traduzido por: Maria Dolores Jordan Orfei Abe.
NOTAS DE RODAPÉ 1Aluna do curso de Psicologia do Centro universitário Newton Paiva do estágio supervisionado pela professora Graciela Bessa.
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DA MEDICINA À PSICANÁLISE Luciana Berlitz de Souza1 “O homem só consegue ser o que é impulsionado pela motivação de se fazer a si próprio”. (Karl Jaspers)
O objetivo deste artigo é mostrar, através de um caso clínico, que o sintoma é um desafio para o artesanal terapêutico, deflagrando a ânsia da medicina em “curar no momento”, mesmo frente a um sintoma de conversão histérica ou a uma fobia que não apresenta razão de ser. O caso relatado a seguir foi atendido na clínica de psicologia do Centro Universitário Newton Paiva, durante estágio de psicanálise, com a orientação da professora Graciela Bessa. Marcela2, 21 anos, chega à clínica com a seguinte queixa: “_ Tenho medo de tudo, às vezes sinto que alguém está me perseguindo ou que estão atrás de mim”. A paciente atualmente toma dois medicamentos (rivotril e sertralina), cuja receita foi indicada por um médico clínico geral, com o diagnóstico de Síndrome do Pânico. Segundo Besset (2002), as manifestações de angústia apresentam-se sob uma nova roupagem: o pânico – fornecida pela classificação psiquiátrica atual. Para o discurso médico, que faz o diagnóstico de um sintoma, a angústia torna-se facilmente objeto de medicação. Nada, portanto, mais distante da proposta da psicanálise. Vera Lopes Besset, em seu texto “A clínica da angústia faces do real”, diz que a etiologia da angústia concebe-se, assim, como ligada ao impedimento do escoamento, seja de uma tensão física seja de uma energia psíquica, libido. O que, então, está em jogo no afeto da angústia é uma incapacidade do psiquismo em reagir, mediante ação adequada, ao estímulo, tanto exógeno, quanto endógeno. Desse modo, trata-se de o impedimento da estimulação sexual transformar-se em libido psíquica, com a conseqüente produção de um resto, que o sujeito experimenta como angústia. (BESSET, 2002, p.18) Em uma das sessões, a paciente relata ter ficado ainda mais angustiada por ter “mexido” em tantas questões que já considerava resolvidas. Percebe-se que há uma ausência de simbolização marcando esse sujeito, ou seja, um desatrelamento no que concer58 l
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ne ao sentido, tal como o real lacaniano vai nos mostrar em suas concepções e que não pode ser aprendido no simbólico. Sendo assim, a angústia não apresenta “nada de patológico, apesar de trazer, para o sujeito que a experimenta, um sofrimento que pode adquirir proporção insuportável” (BESSET, 2002, p.19). No decorrer das sessões, como no desenrolar de um novelo de lã, delicadamente, a paciente foi-se revelando. Como disse Freud, “se há angústia, tem de existir também algo em frente do qual alguém se angústia” (FREUD, 1916, apud BESSA, 2002, p. 21). Nesse sentido, a angústia desse sujeito pode ser tomada como um sinal diante de um “perigo” determinado: o encontro com o desejo do Outro. Marcela relata que a mãe quer que ela seja a filha “perfeita”, quando diz que “Fico dividida, entre o que minha mãe quer de mim, e o que eu quero”. Pode-se dizer, a partir dos relatos da paciente, que este caso refere-se a um sujeito que se tornou o objeto para preencher a falta na mãe. Faz o sacrifício de sua própria castração para o Outro: Seria a junção, a adição do que em cada lado se subtrai, anula a falta pelo sinal de positivo (+). É assim que a angústia não engana, ela é certeza, afirmação. Quando ela atua como sinal, avisa ao sujeito que é hora de recuar, correr em debandada. (LACAN,1960 apud BESSA, 2002, p.21). Nesse caso, o sintoma é facilmente percebido como sendo subsidiário, uma pequena porção do vasto problema de um ser humano lutando para desenvolver-se e amadurecer apesar dos obstáculos. Portanto a psicanálise é um dos caminhos possíveis para o sujeito manifestar suas angústias e entrar em contato com si próprio. REFERÊNCIA BESSET, Vera Lopes (org). Angústia. São Paulo: Escuta, 2002.
FREUD, S. 25ª Conferencia. La angustia. Conferencias de introductión ao psicoanálisis (Parte III) (1916-17) In: BESSET, Vera Lopes (org). Angustia. São Paulo: Escuta, 2002. LACAN, J. L’ angoisse dans son rapport au désir. Lê Séminaire. Livre VIII. Lê transfert (1960-1961). Paris: Seuil, 1991. In: BESSET, Vera Lopes (org). Angustia. São Paulo: Escuta, 2002.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Aluna do curso de Psicologia do Centro universitário Newton Paiva do estágio supervisionado pela professora Graciela Bessa. 2 Nome fictício.
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ENTRE O DESEJO E O AMOR NA SEXUALIDADE MASCULINA Monique Ferreira Ribeiro1 “Um homem deixará seu pai e sua mãe – segundo o preceito bíblico – e se apegará à sua mulher; então, se associam afeição e sensualidade”. Sigmund Freud
A partir da prática de estágio curricular na abordagem psicanalítica, este artigo tem como objetivo apresentar um caso clínico, atendido por mim na Clínica de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva, subsidiado pela teoria psicanalítica freudiana da sexualidade masculina diante da escolha do objeto sexual. O cliente do sexo masculino, de 46 anos, chega encaminhado à Clínica de Psicologia com diagnóstico médico de Síndrome do Pânico, porém esta questão não foi demandada por ele nos atendimentos realizados. Separado há 6 anos, de um casamento de 11 anos, o cliente tem 2 filhos adolescentes que moram com a ex-esposa. Atualmente mora sozinho, sem nenhuma companheira, e tem uma criação de gatos. O cliente relata que se acostumou a viver sozinho após o fim do casamento. Passou a criar gatos, porque são animais solitários e independentes, mantendo uma relação afetuosa com os mesmos. Para a preservação da identidade, e como analogia a este elemento trazido pelo cliente durante as sessões, aqui o cliente será denominado como o “Homem dos gatos”. Com o decorrer das sessões, o cliente revela que é a hora de deixar de ser o homem dos gatos, de ficar fazendo carinho em gatos e pensar mais em si próprio e até na possibilidade de ter uma nova companheira, já que seus relacionamentos desde o fim do casamento, foram subsidiados pela corrente sexual, sem que haja nenhum envolvimento de afeto ou amor. Relata que, desde a separação a ex-esposa já teve vários relacionamentos, e ele nunca se envolveu afetivamente com nenhuma outra mulher. A escolha de objeto, que é tão estranhamente condicionada, e esta maneira extremamente singular de se comportar no amor, têm a mesma origem psíquica que encontramos nos amores das pessoas normais. Derivam da fixação infantil de seus sentimentos de ternura pela mãe e representam uma das consequências dessa fixação (FREUD, 1910 [1970], p. 152). O “Homem dos gatos” que mantém vários relacionamentos com mulheres ao mesmo tempo e estava namorando há pou60 l
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cos meses, descobre que terá mais um filho como uma dessas mulheres. O “Homem dos gatos” que não mantém nenhum tipo de relação amorosa com as mulheres com as quais se relaciona, declara que não sabe o tipo de sentimento que terá por essa criança, já que acredita na instituição familiar e na convivência como fatores determinantes para que haja amor para com um filho. Segundo suas próprias palavras, “só o tesão não basta” para morar junto com essa mulher, que será a mãe de seu filho. De acordo com Freud (1912 [1970]), para um comportamento amoroso completamente normal, é necessária a união de duas correntes, a corrente afetiva e a sensual. A corrente afetiva forma-se nos interesses da pulsão de autopreservação, e corresponde à escolha de objeto primária da criança. As fixações afetivas persistem por toda a infância e se dirigem aos membros que fornecem o cuidado à criança, que, ao conduzir ao erotismo, traz como conseqüência o desvio dos objetivos sexuais. Com a puberdade e a emergência da fase adulta (corrente sensual), os novos objetos ainda serão escolhidos ao modelo dos objetos infantis, mas, com o decorrer do tempo, atrairão para si a afeição que se ligava aos mais primitivos. Com a corrente sensual, os objetos da escolha infantil entram em catexia com doses de libido para que encontrem uma verdadeira vida sexual. “Um homem deixará seu pai e sua mãe – segundo o preceito bíblico – e se apegará à sua mulher; então, se associam afeição e sensualidade” (FREUD, 1912 [1970], p. 165). De acordo com Freud (1912 [1970]), quando não há junção entre as correntes afetiva e sensual, estamos falando de uma impotência psíquica, na qual as pessoas que apresentam este estado procuram objetos que não precisam amar, e mantêm uma atividade sexual com sinais muito evidentes, porém, muitas vezes, não propriamente executada e não acompanhada de muito prazer. A principal medida protetora contra essa perturbação a que os homens recorrem nessa divisão de seu amor consiste na depreciação do objeto sexual, sendo reservada a supervalorização, que normalmente se liga ao objeto sexual, para o objeto incestuoso e seus representantes. (FREUD, 1912 [1970], p. 166).
O “Homem dos gatos” declara que não sofrerá mais como sofreu com o término do seu casamento, pois era uma dor que doía no corpo. Conforme o cliente, agora está calejado quando o assunto é casamento e relacionamentos. Não pretende mais se casar e afirma a possibilidade de ainda amar a ex-exposa. A psicanálise revelou-nos que quando o objeto original de um impulso desejoso se perde em conseqüência da repressão, ele se representa, freqüentemente, por uma sucessão infindável de objetos substitutos, nenhum dos quais, no entanto, proporciona satisfação completa. Isto pode explicar a inconstância na escolha de objeto, o anseio pela estimulação, que tão amiúde caracterizam o amor dos adultos. (FREUD, 1912 [1970], p. 171). Para Freud (1912 [1970]), a civilização faz uma restrição ao amor que envolve a tendência universal à depreciação dos objetos sexuais, vinculada essa a uma possibilidade de satisfação sexual. Mas mesmo com os substitutos dos objetos sexuais devido à interrupção da barreira contra o incesto, é impossível que a pulsão sexual produza satisfação completa e se mantenha constante na escolha do objeto sexual. REFERÊNCIAS FREUD, Sigmund (1910). Cinco lições de psicanálise, Leonardo da Vinci e outros trabalhos. Um tipo de escolha de objeto feita pelos homens (Contribuições à psicologia do amor I). Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud, vol. XI. Rio de Janeiro: Imago, 1970, p. 147 – 159. ______. (1912). Cinco lições de psicanálise, Leonardo da Vinci e outros trabalhos. Sôbre a tendência universal à depreciação na esfera do amor (Contribuições à psicologia do amor II). Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud, vol. XI. Rio de Janeiro: Imago, 1970, p. 160 – 173.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Aluna do curso de Psicologia do Centro universitário Newton Paiva do estágio supervisionado pela professora Graciela Bessa.
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Capturada pelo semblante Alessandra Canduro Figueiredo1 Em ti mais do que tu Eu te amo, Mas, porque inexplicavelmente Amo em ti algo Mais do que tuO objeto a minúsculo, Eu te mutilo (Jacques Lacan)
O escopo deste estudo é analisar, a partir de um caso clínico, a transferência amorosa como reconhecida força-motriz para a viabilidade da psicoterapia e as dificuldades enfrentadas pelo analista em manter-se “apenas” na condição de semblante, sem deixar-se capturar por ele. Em suas primeiras formulações sobre a transferência, Freud (1912) pontua que apenas uma parte dos impulsos da vida erótica, construída durante os primeiros anos de vida, passa por todo o processo de desenvolvimento psíquico. Afirma que: Esta parte está dirigida para a realidade, acha-se à disposição da personalidade consciente e faz parte dela. Outra parte dos impulsos libidinais foi retida no curso do desenvolvimento; mantiveram-na afastada da personalidade consciente e da realidade, e, ou foi impedida de expulsão ulterior, exceto na fantasia, ou permaneceu totalmente no inconsciente, de maneira que é desconhecida pela consciência da personalidade. (FREUD, 1996[1912], p.112) Assim, a libido (inteiramente ou em parte) entra num curso regressivo e revive as imagos infantis do indivíduo com o outro. Este fenômeno é a transferência. A transferência positiva divide-se em sentimentos amistosos ou afetuosos (são admissíveis à consciência) e transferência de prolongamentos desses sentimentos no inconsciente (remontam a fontes eróticas). Cada conflito que surge nessa situação possibilita ao sujeito a lutar no presente com suas dificuldades relacionadas a importantes relações objetais do passado. Para Freud: [...] somos assim levados à descoberta de que todas as relações emocionais de simpatia, amizade, confiança e similares, das quais podemos tirar bom proveito em nossas 62 l
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vidas, acham-se geneticamente vinculadas à sexualidade e se desenvolveram a partir de desejos puramente sexuais, através da suavização de seu objetivo sexual, por mais puros e não sensuais que possam parecer à nossa autopercepção consciente. (FREUD, 1996[1912], p.116) Freud (1914) comenta que a transferência é apenas um fragmento da repetição. Essa repetição é uma transferência do passado esquecido, que se manifesta em todas as diferentes atividades e relacionamentos do indivíduo, percorrendo caminhos familiares e despertando lembranças. No processo analítico, a transferência concerne ao sujeito e ao desejo do psicanalista. O mesmo autor ainda discorre sobre os aspectos aflitivos, cômicos e sérios que pacientes demonstram, mediante indicações inequívocas ou declarando abertamente que se enamoraram do médico que as está analisando. Porém o analista deve compreender que esta apaixonada exigência de amor (que ele evocou) nada tem a ver com ele, enquanto pessoa. Ele deve reconhecer que o enamoramento da paciente é induzido pela situação analítica e não deve ser atribuído aos encantos de sua própria pessoa; de maneira que não tem nenhum motivo para orgulhar-se de tal ‘conquista’, como seria chamada fora de análise. (FREUD, (1915[1914]), p.178). A irrupção de uma apaixonada exigência de amor é também expressão da resistência, fazendo com que o paciente não faça mais insights, ficando absorvido em seu amor. Este processo ocorre quando se tenta recordar um fragmento particular aflitivo ou recalcado, mas agora a resistência está começando a utilizar seu amor a fim de estorvar a continuação do tratamento e colocando o analista
em posição canhestra. (Freud, (1915[1914]), p.180). No manejo da transferência, há retribuição dos sentimentos amorosos do paciente, mas evitando qualquer complementação física desta afeição, negando-se a satisfação deste amor e baseando-se em seu efeito educativo e ético. Porém, na prática, esse distanciamento, eventualmente, pode não se dar de maneira tão silenciosa. Nosso controle sobre nós mesmos não é tão completo que não possamos subitamente, um dia, ir mais além do que havíamos pretendido. Em minha opinião, portanto, não devemos abandonar a neutralidade para com a paciente, que adquirimos por manter controlada a contratransferência. (FREUD, (1915[1914]), p.182). O terapeuta ainda deve tratar este amor como algo irreal, como uma característica analítica, da qual se deve tirar proveito para ajudar a trazer à tona tudo o que se ache profundamente recalcado na vida erótica, isto é, inconsciente, não perceptível ao paciente. Ao analisando, falta-lhe grau de consideração com a realidade, reduzida sensatez, pouco interesse em relação às conseqüências e crença que será recompensado pelo médico por esse dispêndio amoroso. No caso a ser relatado, a paciente esteve em tratamento por seis meses, demonstrando progressiva melhora em vários aspectos. Ela fazia questão de “presentear-me” com mudanças subjetivas e comportamentais, salientando que essas foram realizadas graças “à minha competência”. A experiência analítica nos mostra que é de ver funcionar toda uma cadeia no nível do desejo do Outro que o desejo do sujeito se constitui (Lacan, 1962, p.223). No início do tratamento, ela apresentava-se trêmula, com sudorese, acanhada, tímida, com dificuldades para algumas verbalizações e contato visual. Com a transferência, que mais tarde mostrou-se erotizada, a analisante parou de tremer, encarando-me, discorrendo sobre sonhos que teve comigo, “os quais não poderia contar-me”, sobre meu andar, postura, maneira de cruzar as mãos, comprimento dos cabelos e outras manifestações erotomizadas, além de presentes. Se no início do tratamento havia um porão de imagens, esse evoluiu para um porão de linguagem, fazendo do inconsciente o depósito. Lacan (1964) argumenta que o analisante infere do analista que esse sabe das coisas, colocando-o na posição de Sujeito Suposto Saber, ou seja, o analisante coloca o analista no lugar de objeto pequeno a, fantasiando sua completude. Porém, nenhum psicanalista pode pretender representar, ainda que da maneira mais reduzida, um saber absoluto (Lacan, 1964, p.220). Cabe ao profissional fazer semblante de objeto a, mas não colocar-se neste lugar e acreditar.
Assim como a criança que entrega sua produção concretizada nas fezes para a mãe, numa clara satisfação pela alteridade, aceitação, controle e demanda amorosa, a paciente fazia progressos, que eram descarregados e comprovados por ela a cada nova sessão. Certamente, todo o progresso conquistado só foi possível pelo desejo na produção de saber desta pessoa, numa procura impiedosa por respostas neste processo doloroso e laborioso, mas construtor até seu inconsciente fechar-se. Ele retém certos elementos para que o analista não vá muito depressa. (Lacan, 1964, p.221). Desejar comporta uma fase de defesa que o torna idêntico a não querer desejar. Não querer desejar é querer não desejar (...). O sujeito sabe que não querer desejar tem em si algo tão irrefutável quanto essa banda de Moebius que não tem avesso, isto é, que ao percorrê-la se retornará matematicamente à superfície que supostamente a duplicaria. (LACAN, 1964, p.222). O analista não deve perder de vista que é um parasita, ficando no lugar do Outro, não se apresentando enquanto pessoa, mas como um Significante vazio. Assim, as libidos do paciente são deslocadas para a figura do analista, que não deve se colocar como pessoa e, sim, como objeto a. A alavanca para o tratamento analítico é a transferência positiva e é de extrema relevância o manejo desta para que não se transforme em transferência negativa ou erotizada, em que há a implicância, a demanda de uma relação amorosa. Neste relato, o manejo da transferência foi bem sucedido até a falha em se fazer o semblante, assumindo-o enquanto pessoa. Miller (1988), ao falar de amor comenta: O grande problema é que, quando a gente vê as coisas de perto, não se consegue diferenciar esse amor de transferência do verdadeiro amor. Não se consegue muito bem considerá-lo inautêntico. Pois esse amor de transferência é uma repetição estereotipada das condutas inscritas no sujeito, dispostas a ressurgir quando se lhes dá ocasião, isso é certo para todo amor. Não existe, diz Freud, amor que não tenha seu protótipo na infância. Dito de outra forma, esse amor é tão verdadeiro quanto o outro. (MILLER, 1988, p. 66.). Assim, o que persiste, insiste e resiste é o desejo, o qual enaltece o quanto o sujeito é dividido, fragmentado. Na realidade, a analisante em questão fechou seu inconsciente numa característica da resistência, demandando amor de seu terapeuta; este foi fisgado, saindo do Significante e assumindo o Real, mostrando-se como sujeito também dividido. Nesse processo, passaram a coRevista de Psicologia - Edição 1 l 63
existir no pequeno consultório dois sujeitos, ao invés de um. O terapeuta mostrou-se tão mutilado quanto o sujeito. Ponto de basta. Algo do insuportável surgiu. Análise interrompida. Como já dizia Francisco Buarque de Holanda (1976), na canção Gota d’água: E qualquer desatenção, faça não; pode ser a gota d’água. REFERÊNCIAS FREUD, Sigmund. (1912). A dinâmica da transferência. In: O caso de Schreber, artigos sobre técnica e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 109-119. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud,12). ______-. (1914). Recordar, repetir e elaborar (Novas recomendações sobre a técnica da Psicanálise II). In: O caso de Schreber, artigos sobre técnica e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p.163-171. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud,12). ______,_____. (1915[1914]). Observações sobre o amor transferencial (Novas recomendações sobre a técnica da Psicanálise III). In: O caso de Schreber, artigos sobre técnica e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p.175-188. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 12). LACAN, Jacques. O Seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998, 269 p. MILLER, Jacques-Alain. Percurso de Lacan: uma introdução. 2. ed. Cidade de publicação: Jorge Zahar, 1988, 152 p.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Aluna do curso de Psicologia do Centro universitário Newton Paiva do estágio supervisionado pela professora Graciela Bessa.
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ATIVIDADES SOCIALIZANTES NA CRECHE COMO REFORÇADORES NO CONTROLE DA VIOLÊNCIA EM CRIANÇAS ORIUNDAS DO AMBIENTE FAMILIAR PUNITIVO Adriene Faria Passos Martins1 Este artigo objetiva subsidiar, teoricamente, as atividades socializantes presentes nas creches e a possibilidade das mesmas produzirem a modelação de novos padrões comportamentais, extinguindo “comportamentos problema”, apresentados pelas crianças na creche. Com a prática de estágio, percebeu-se que há um deslocamento para as instituições da função de educadora. Nesse sentido, indaga-se até que ponto as atividades presentes nas creches podem contribuir não só para a modificação comportamental da criança como também ser fonte de auxílio para os pais ausentes e punitivos, que consideram a falta de tempo e de recursos financeiros como os causadores e mantenedores da agressividade e intolerância com seus filhos. Bowlby(2000, citado por REGRA, p. 158-159) salienta os determinantes da agressividade no âmbito familiar: o “apego ansioso” nas famílias em que as trocas afetivas estão deterioradas e os pais não encontram nenhuma figura de apoio nas situações mais difíceis é apresentado como fator de manutenção dessas relações, e a dificuldade em lidar com o desamparo conduziria a respostas agressivas direcionadas aos membros da família. O que ocorre quando esses pais ausentes são convocados a tomar frente do papel de educadores, que lhes é imposto, é a omissão e esquiva do confronto, com o objetivo de fugir da responsabilidade como pais. Patterson(1995, citado por REGRA, 2000, p. 165) salienta os estresses provenientes dessa relação inamistosa que surge: as crianças anti-sociais têm pais com falta de habilidades no manejo familiar, que desencadeiam um processo que leva a criança a ser rejeitada pelos companheiros, ao fracasso escolar e a ter uma baixa auto-estima. ... a idéia básica é ensinar a criança a interagir de acordo com uma classe de respostas de submissão como padrão adequado e levar a criança a aprender a se submeter a situações aversivas.
Skinner (1991, citado por GUILHARD ,2000, p.1) descreve o papel dos sentimentos, na visão do behaviorismo radical, tirando deles qualquer função causal: “Comportamentos perturbados são causados por contingências de reforçamento perturbadoras, não por sentimentos ou estados da mente perturbadores, e nós podemos corrigir a perturbação corrigindo as contingências.” Contudo pode-se afirmar que os comportamentos “problema” das crianças e a agressividade nos diversos ambientes que ela freqüenta são, na verdade, reflexo do padrão comportamental ensinado em casa e reforçado de alguma forma pelos pais e educadores. Diante disso, faz-se necessário que os pais dessas crianças se impliquem na educação de seus filhos, uma vez que a modelação intermitente proporciona à criança a possibilidade de discriminar em quais ambientes ela tem a possibilidade de comportar-se do seu modo. Por esse motivo, faz-se necessário a identificação da função do comportamento tido como inadequado,bem como o contexto em que ele ocorre, para que, a partir daí, se possa fazer a análise funcional do comportamento em questão, em outras palavras, descobrir o que a criança tem como reforço com tal comportamento. Diante da problemática acima descrita, a teoria comportamental intervém com o objetivo de extinguir comportamentos indesejáveis e manter, no repertório comportamental, padrões desejáveis, atentando-se às conseqüências produzidas por tais comportamentos. No estágio “Introdução à Clínica Comportamental com famílias e crianças”, a aluna pesquisadora pôde valer-se da análise funcional para detectar algumas das causas dos “comportamentos problema” identificados. Assim, utilizar-se-á um caso clínico de uma das crianças atendidas, a qual será identificada por E. E. tem seis anos de idade. Por meio do atendimento e da entrevista com a mãe de E., ficou evidente o histórico passado de reforçamento de comportamentos indesejáveis. E., com um ano de idade, já teria sido expulso da escola que frequentava, porque mordia e batia em todos seus colegas, por esse histórico de indisciplina, desde os três anos de idade, E. foi indicado para tratamento psicológico. A relação entre E. e sua mãe é amigável, mas sua mãe é muiRevista de Psicologia - Edição 1 l
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to permissiva, enquanto seus tios e demais familiares são severos ao extremo com a criança. A mãe de E. a trata como uma criança indefesa, segundo ela dói muito ver todos querendo bater no seu filho e interferir na sua educação. Fica claro que, diante dessa situação conflitante, E. aprendeu a discriminar que, na ausência da mãe, para esquivar-se das broncas e surras dos familiares, precisa se comportar bem, porém, na presença da mãe, para chamar a atenção, E. pode fazer suas travessuras, sendo consequenciado com a atenção da mãe e o estabelecimento de uma relação de trocas. O pai de E. é bastante enérgico e, segundo a própria mãe, ela omite do pai comportamentos inadequados do filho, já que tem medo que o pai dê-lhe surras exageradas. Diante desse histórico, a hipótese da aluna pesquisadora é de que, com a ausência do pai, a mãe tente recompensar a criança de forma errônea, foi confirmada. A mãe relata que E. tem dificuldade para acompanhar sua turma e após a interrupção do atendimento psicológico, feito anteriormente, notou-se regresso no comportamento da criança. A creche em que E. está atualmente tem grande dificuldade de lidar com a criança, alegando que E. só comporta-se adequadamente em atividades em que ele ocupa posição de liderança. Nos atendimentos, trabalhou-se com E. utilizando recursos lúdicos, notou-se, com essa intervenção, dificuldades de lidar com regras, com o fracasso nas situações de jogo e baixa auto-estima. E. mostrava-se irritado e freqüentemente sentia a necessidade de mudar as regras, o que demonstra esta modelação passada de permissividade. A intervenção, por meio da descrição verbal de regras (comportamento governado por regras) e do contato com as contingências aversivas, produziu a ampliação do repertório comportamental de E., mostrando, sutilmente , por meio do brincar, que em todo ambiente é necessário lidar com as regras e respeitá-las. Diante disso, sua dificuldade de lidar com frustrações (perder em jogos, por exemplo), foi modelada gradualmente com derrotas e posteriormente vitórias, permitindo-lhe lidar melhor com esta contingência. Contudo ficava nítido que a manutenção dos comportamentos modelados nos atendimentos não eram mantidos em outros contextos, o que dificultara o progresso e a manutenção de novos repertórios comportamentais de E. Guilhard (2000), em “Terapia por Contingência de Reforçamento”2, salienta que a extinção de um comportamento inadequado é muito mais complexo do que uma simples punição: “O comportamento inadequado envolve uma gama ampla de desempenhos diferentes entre si, mas com a mesma função: compõem uma classe de comportamentos, não exemplos específicos e isolados de inadequações”. Assim, não é correto selecionar um membro da classe e punir apenas este comportamento. É neces66 l Revista de Psicologia - Edição 1
sário enfraquecer toda a classe, aplicando a mesma contingência a todos os membros da classe de comportamentos inadequados. Conte (2000) retrata a técnica de abordagem do terapeuta na clínica comportamental infantil: o terapeuta deve avaliar o repertório geral de comportamentos do cliente e não deve restringir-se à queixa específica apresentada por ele. Em geral, os problemas (déficits, excessos) comportamentais são muito mais abrangentes do que a queixa. Com isso, fica evidente a necessidade da Terapia Comportamental Infantil (TCI) se estabelecer conforme Conte salienta, estendendo suas intervenções para o ambiente natural da criança, onde os comportamentos “problema” da criança emergirão mais espontaneamente, evitando os contra-controles. Concluindo, a análise funcional, na teoria comportamental infantil, subsidiou a prática de estágio, ajudando a promover o crescimento pessoal tanto da aluna pesquisadora quanto da criança, o crescimento profissional da aluna pesquisadora, ainda que inacabados os atendimentos, vem produzindo pequenas mudanças no repertório comportamental das crianças atendidas, esperando-se que essa modelação se estenda em outros ambientes do convívio da criança. REFERÊNCIAS CONTE, Fátima Cristina de Souza Conte; REGRA, Jaíde A. Gomes. Estudos de caso em psicologia clínica comportamental infantil. In: SILVARES, Edwiges Ferreira de Mattos(Org). A psicoterapia comportamental infantil: novos aspectos. São Paulo: Papirus, 2000.Vol. I cap. 4, p. 79-136. GUILHARD, Hélio José. Análise Comportamental do Sentimento de Culpa. Terapia por Contingência de Reforçamento.2000. Disponível em: http:// www.terapiaporcontingencias.com.br/pdf/helio/analise_comportamental_sentimento_culpa.PDF>. Acesso em: 26 de set. 2008. GUILHARD, Hélio José. Punição não é castigo. Terapia por Contingência de Reforçamento.2000.Disponível em:< http://www.terapiaporcontingencias. com.br/ pdf/helio/Punicao.pdf>. Acesso em: 26 de set. 2008. REGRA. Jaíde A. Gomes. A Agressividade Infantil. In: SILVARES, Edwiges Ferreira de Mattos(Org). A psicoterapia comportamental infantil: novos aspectos. São Paulo: Papirus, 2000. Vol. II. cap. 4, p. 79-136. SIDMAN, Murray. Coerção e suas implicações. Tradução de Maria Amália Andery e Tereza Maria Sério. Campinas: Psy, 1995. 301 p. Você precisa fazer / incluir a referência do Skinner que foi lido em Guilhard. SKINNER, B.F. Questões Recentes na Análise Comportamental. São Paulo: Papirus: 1991 . apud GUILHARD, Hélio José. Punição não é castigo. Terapia por Contingência de Reforçamento.2000.Disponível em:< http://www.terapiaporcontingencias.com.br/ pdf/helio/Punicao.pdf>. Acesso em: 26 de set. 2008.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Aluna do curso de Psicologia do Centro universitário Newton Paiva do estágio supervisionado pela professora Gustavo Teixeira. 2 http://www.terapiaporcontingencias.com.br/ pdf/helio/Punicao.pdf
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UM OLHAR SOBRE A PATERNIDADE NO DIREITO E NA PSICANÁLISE Aline Ladeira de Carvalho1 “Não há filhos ilegítimos, só há pais ilegítimos.” (Leon Rene Yankwich) Este artigo tem por finalidade investigar, definir, conceituar e diferenciar a visão de pai existente no Direito, da visão que é adotada pela Psicanálise. Buscou-se, assim, articular a abordagem dada ao assunto por essas duas ciências, empreendendo um resgate histórico do instituto do pátrio poder, seu conceito no mundo jus e psi. Novas configurações e rearranjos estão ocorrendo no interior das novas famílias. Se até pouco tempo atrás, o padrão familiar, o modelo a ser seguido, era o de uma família nuclear, composta pelo pai, mãe e filhos, atualmente, nos deparamos com uma gama extensa de novas configurações familiares. As famílias reconstituídas, nas quais um novo casal é formado, em que apenas um deles já tenha passado por um casamento anterior, são famílias comuns em nossos dias; algumas formadas pessoas solitárias, do mesmo sexo ou governadas só por mulheres. Diante dessas novas mudanças e de outros modelos familiares, surge uma questão: quem é o pai e qual o lugar que ocupa nessas famílias? A palavra Pater - a mesma no grego e no latim, indicava um título ou paterfamilias, que podia ser conferido ao homem que não tivesse prole, nem fosse casado, nem tivesse idade para contrair núpcias. A concepção de paternidade não estava relacionada a tal palavra, mas a genitor, gânitar; ao passo que na linguagem religiosa aplicava-se a expressão a todos os deuses; a todo homem que não dependesse do outro paterfamilias. Os poetas usavam-na aleatoriamente para todos os quais desejavam honrar. O Escravo e o seu cliente utilizavam-na para com o seu senhor, de modo que a palavra encerrava em si, não o conceito de paternidade, mas o poder de autoridade (COULANGES, 1981). Inúmeras teorias tentaram explicar a origem remota do instituto do pátrio poder. Originalmente, fundou-se no culto dos antepassados. Para os teóricos dessa vertente, o poder paternal teve por princípio e condição o culto doméstico. Ihering dizia que o intento de referida prática era para apaziguar-lhe os espíritos (MONTEIRO, 1996) . No Brasil, a expressão jurídica do pai de família foi incorporada no direito positivo brasileiro com o Código Civil de 1916, no Livro I, Titulo V, capitulo VI. Segundo Lôbo (1993), o instituto do pátrio poder nada mais é do que um complexo de direitos 68 l
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e deveres concernentes aos pais, baseado no Direito Natural, confirmado pelo direito positivo e direcionado ao interesse da família e do filho menor não emancipado, que recai sobre a pessoa e o patrimônio deste filho e serve como meio para mantê-lo, protegê-lo e educá-lo. Com o advento do novo Código Civil, instituído pela lei 10.406 de 2002, a terminologia pátrio poder passou a ser denominada como poder familiar, que, para muitos juristas, ainda não é a mais adequada, pois mantém a ênfase no poder, na idéia de dominação. Doutrinadores defendem a expressão autoridade parental, a qual encontra-se nas legislações francesa e norte-americana (PERES, 2002). O poder familiar dos pais é um ônus que a sociedade a eles atribui, em virtude da circunstância da parentalidade no interesse dos filhos. O referido exercício não é livre, mas necessário no interesse de outrem. Para Perlingieri (1997, p. 129 ) “um verdadeiro ofício, uma situação de direito-dever; como fundamento da atribuição dos poderes existe o dever de exercê-los”. Diversamente da paternidade, para o Direito, a maternidade é sempre certa, revelando-se por sinais exteriores inequívocos. Normalmente, consta do registro de nascimento. Assim, a maternidade é um fato (mater semper certa est) ao passo que a paternidade, devido a sua natureza oculta, é presunção (pater autem incertus), isto é, o filho concebido na constância do matrimônio é reputado ter por pai o marido de sua mãe, daí a máxima latina “ pater est quem demonstrant” (MONTEIRO, 1996). Logo, a filiação matrimonial se estabelece pelo reconhecimento ou presunção legal pater is est. No tocante aos filhos fora do casamento, a regra é da não incidência tout court da presunção de paternidade, pois nela a paternidade advém ou do reconhecimento espontâneo, ou forçado via ação investigatória (MONTEIRO, 1996). Desse modo, a filiação passa a se estabelecer por um ato de nomeação, feita a partir do patronímico, que confere à criança uma identidade. O pai encontra-se, portanto, apto a transmitir, por meio da sua palavra, o significante2 que interdita (inter-dita) o gozo, colocando-se entre a mãe e o filho (BARROS, 1999). Enquanto o Direito adota uma postura biologizante e ob-
jetiva, no campo psicanalítico, a noção de pai é investida de uma conotação bem particular. A Psicanálise define o pai não como sendo aquele que é de fato e por direito, mas como aquele que exerce uma função. Para essa ciência, a verdadeira paternidade só é viável a partir de um ato de vontade, marcado pelo desejo. Assim, existe uma possibilidade de coincidir, ou não, com o elemento biológico. A essa função dá-se o nome de função paterna ou função simbólica, uma vez que é exercida por um pai determinante e estruturante do sujeito. O “Nome-do-Pai” nada mais é do que esse significante que representa o pai simbólico, capaz de produzir um esvaziamento de gozo, assinalando o Outro com a lei, possibilitando ao sujeito o campo do desejo. A partir de então, a criança passa a reconhecer a lei onde quer que se apresente. Ao submeter-se à lei do significante “Nome-do-Pai”, torna-se cidadã da ordem social, segue a Constituição, suporta a censura em meio à ordenação própria da propagação que na linguagem se opera, diante da transmissão da metáfora paterna (BARROS, 1999). Dessa forma, o pai é um significante que substitui o primeiro significante introduzido na simbolização, o significante materno, fazendo com que a criança aceda à linguagem e possa fazer uso de metáforas e metonímias. “É na medida em que o pai substitui a mãe como significante que vem a se produzir o resultado comum da metáfora” (LACAN, 1913 [1914], p.181) Essa função do pai, o “Nome-do-Pai”, por ligar-se à proibição do incesto, torna-se uma barreira entre mãe e filho, e por ser o pai, o portador da lei, investido pelo significante do pai, sua intervenção no complexo de Édipo se dá de modo mais concreto (LACAN 1913 [1914]). O interdito é o não que o pai sustenta dirigido à mãe e à criança, respectivamente: “Não recolocarás a criança em teu ventre”! “Não deitarás com tua mãe!” A partir dessa ordenação paterna, a criança entra em um universo onde impera a fala e que submete o desejo de cada um à lei do desejo do Outro, isto é, à civilização (BARROS, 1999). Portanto, a função paterna ocupa um lugar importante na história do sujeito, lugar de um vetor, de um orientador. Afinal, quando esse pai não se torna o portador da lei, proibindo o objeto que é a mãe, pode a criança desenvolver não só fobias e outros sintomas, como também uma psicose. A voz do pai desaloja o filho do corpo biológico, abrindo caminho para a vida simbólica. Iniciar um indivíduo na cultura é educá-lo, moldá-lo, limitá-lo e, simultaneamente, provê-lo de valores, costumes e de uma história que o individualiza e o articula ao social. A voz que o chama e o nomeia, livra-o do seu corpo objeto, identificado com o que se vê (THIS, 1987). Enfim, a função paterna atua como catalisadora do processo de conexão entre o sujeito e o coletivo, sendo a representante da cultura na qual o indivíduo deva ser inserido, trazendo a lei onde se lê a interdição.
Enquanto a cultura fornece a baliza para o controle dos homens e para que ela mesma se mantenha, a função paterna determina o emolduramento do homem para que a cultura se reproduza (MONTEIRO, 2001). Nesse sentido, Lacan explica que as funções da mãe e do pai não se resumem às satisfações das necessidades, mas na transmissão de uma constituição subjetiva, implicando em um desejo que não seja anônimo. Por isso se diz que o pai é sempre incerto, pois sua lei precisa ser efetivamente adotada pela criança. Só assim, ocupando um lugar no desejo do Outro, a criança poderá constituir-se enquanto ser desejante. REFERÊNCIAS BARROS, Fernanda Ottoni de. Do direito ao pai: sobre a paternidade no ordenamento jurídico. 1999. 111 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1999. COULANGES, Fustel de. A cidade antiga: estudo sobre o culto, o direito e as instituições da Grécia e de Roma. Tradução de: LEITE, Jonas Camargo, FONSECA Eduardo. São Paulo: Hemus, 1981, 310 p. LACAN, Jacques. Duas Notas sobre a criança ( 1969). In: _____. Opção lacaniana. Revista Brasileira Internacional de Psicanálise. Tradução de. Ana Lygia Santiago. São Paulo: Eólio, 1998 LACAN, Jacques. A Metáfora Paterna. In:_____. O seminário, livro 5: as formações do inconsciente (1953-1954). Tradução de: RIBEIRO, Vera. Rio de Janeiro: Zahar, 1999, cap.IX, p. 166 -184. LÔBO, Paulo Luiz Netto. Do Poder Familiar. In: DIAS, Maria Berenice, PEREIRA, Rodrigo da Cunha ( Orgs. ). Direito de família e o novo código civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, cap. 7, p. 141-153 MONTEIRO, Washington de Barros. Do Pátrio Poder. In: ______. Curso de direito civil: direito de família. 33ed. São Paulo: Saraiva, 1996, cap XXXI, p 282-294 PERES, Luis Felipe Lyrio. Guarda compartilhada. Disponível em: <http:// jus2. UOL.com.br/doutrina/texto.asp?id=3533 >. Acesso em 25 de agos. 2008 THIS, Bernard O Pai: ato de nascimento. Tradução de Mário Fleig e Luis Carlos Petry. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987. 250 p.
NOTAS DE RODAPÉ 1Aluna do curso de Psicologia do Centro universitário Newton Paiva do estágio supervisionado pela professora Inês Maria Seabra de Abreu. 2 expressão introduzida na Psicanálise por Lacan, que buscou em Saussure a sua idéia. Para Lacan (1975) o significante é o que representa um sujeito perante outro significante Revista de Psicologia - Edição 1 l
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ADOLESCÊNCIA: UMA CONSTRUÇÃO SOCIAL Cláudia Márcia de Lima1 A adolescência é um tema que desafia teorias e, ao mesmo tempo, impõe aos adultos o desafio de explicar e lidar com o adolescente. Lidar com a adolescência é lidar com o futuro, portanto conhecer a evolução e características dessa fase ou processo passa a ser uma conduta fundamental. Numa visão histórica e antropológica, a adolescência é designada como um fenômeno que se apresenta numa determinada fase da vida do sujeito, com evolução e características próprias, um processo de passagem da infância à vida adulta, em que o adolescente tem que deixar um passado definido e ingressar num futuro ainda por engendrar. Nessa fase, o adolescente enfrenta alterações psíquicas, mudanças corporais e alterações de papéis sociais, encontram-se vulneráveis e extravasando energia, surgindo ainda uma necessidade de competição e a habilidade de teorizar em termos adultos, manifestando o pensamento formal e o pensamento abstrato. Tudo isso acaba provocando uma crise entre os conflitos internos e a organização social. A adolescência recebe interpretações e significados diferentes, dependendo da época e da cultura na qual está inserida, pois as dimensões psicológica e social são vivenciadas de maneiras diferentes em cada sociedade, em cada geração, em cada família e também de modo singular por cada indivíduo. Etimologicamente, a palavra adolescência tem origem latina, provém do verbo “adolescerê”, que significa brotar, fazer-se grande. Em termos de idade, não existe um consenso determinando o período exato de duração da adolescência, porém a maioria dos autores concorda com a idéia de que a fase inicia-se por volta dos 12 anos e termina por volta dos 18 anos. Adolescentes são pessoas que manifestam em sua conduta as diferentes, variadas e típicas consequências da evolução biopsicossocial que neles se processa, e dentro da qual se ressaltam as importantes modificações anátomo-fisiológicas e psicológicas, ponto de partida dos fenômenos de dessimbiotização/individuação e busca de identidade (SILVA,1988). Desde a antiguidade já se discute a adolescência. Na Antigüidade Clássica grega e romana, o culto ao herói e à competência física eram muito valorizados, o espírito era cultivado e a autoridade do pai era incontestável, com direito de vida ou morte sobre 70 l
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os filhos. Para os hebreus e outros povos nômades e pastores, a religiosidade monoteista refletia a imagem do pai autoritário. Na Índia, o budismo pregava o desapego, a auto-contemplação, o sistema rígido de castas assegurava a organização social, já prevendo o futuro para os adolescentes. Na China, o pai tinha o poder e autoridade absolutos sobre os filhos, o futuro do adolescente estaria bem delineado, seria honrar e cultuar os seus antepassados. Na Idade Média, surge a figura do cavaleiro como um ideal da juventude da época, o guerreiro que salva donzelas em perigo. Com a moral cristã se popularizando na Europa surge a divisão de duas classes de mulheres: a santa como a Virgem Maria e a devassa e tentadora como Eva. Na Modernidade, há uma retomada do ideal grego de beleza e juventude. A velhice vai sendo desprestigiada por ser equiparada à inutilidade. O imediatismo torna-se um espaço de planejamento de vida, em que o que importa é o presente, o aqui e agora. Há nesses tempos um declínio das funções familiares, com o aumento da impunidade, as normas sociais tornam-se indefinidas, configurando-se na legitimação cultural do desvio. A adolescência surge de uma forma nova durante o século XIX, o adolescente teria um funcionamento particular, diferente da criança e do adulto. Hoje os jovens já se identificam com esse significante. A adolescência tornou-se, com o passar dos anos, um traço identificatório, razão pela qual a psicanálise deve se dedicar a esse assunto. Segundo Silva (1988), o modelo freudiano aponta que adolescentes são sujeitos com necessidade de catarse, conflitantes entre seus instintos e convenções morais. Sentem como dominação a prolongada dependência, além da maturação biológica. Nossa sociedade coloca ênfase na natureza não sexuada, impondo restrições sociais na expressão sexual da criança, impedindo e camuflando questões como nascimento, relações sexuais, menstruação, evacuação, masturbação, virgindade, abstinência, fazendo com que o adolescente se veja sem condições de enfrentar simbolicamente as questões surgidas na puberdade. Dessa forma, é necessário distinguir o “fenômeno adolescência” do “sujeito adolescente”, as explicações antropológicas e sociológicas do aspecto psicológico que caracteriza a adolescência. A Psicanálise vai compreender o sujeito adolescente, resguardando a particularidade de cada um, na sua relação com o sexo
na época da puberdade. Neste momento, o sujeito será tomado pelo despertar sexual, sempre traumático face à imaturidade para responder às questões que se apresentam ao adolescente: “quem sou eu?, “sou um homem?”, “sou uma mulher?”. A Adolescência geralmente coincide com o que chamamos de puberdade, período de desenvolvimento sexual de homens e mulheres, caracterizado pela capacidade de procriação e pela maturação sexual. Nesse período, há o aparecimento de características sexuais secundárias e outras transformações físicas. Outra grande transformação é a mudança da vida sexual infantil para a sua configuração normal adulta. Para Freud, tanto as transformações corporais quanto as psíquicas estão compreendidas sob o termo puberdade. Até esse momento, a pulsão sexual era predominantemente auto-erótica, agora, encontra o objeto sexual. Até ali, ela atuava partindo as pulsões e zonas erógenas distintas que, independendo umas das outras, buscavam um certo tipo de prazer como alvo sexual exclusivo. Agora, porém surge um novo alvo sexual para cuja consecução todas as pulsões parciais se conjugam, enquanto as zonas erógenas subordinam-se ao primado da zona genital. (Freud, 1996, p. 196) A adolescência tem como referência as transformações em dois eixos: o de ordem genital e outro da ordem da forma do corpo. O adolescente tem que refazer o conhecimento que tem de seu corpo, o qual se tornou um desconhecido para ele, primeiro por lhe proporcionar novas sensações, sobretudo genitais, segundo pelo jogo modificado do sistema ósteo-articular, das dimensões, dos limites de seu envelope corporal, desconhecido dos dados corporais genitais e pré-genitais. Os trabalhos psicanalíticos admitem que existe uma sexualidade pré-genital na infância e que a adolescência introduz a sexualidade genital, com a reativação do complexo edípico. É na separação dos pais ou nos conflitos que essa separação propicia, que recai nossa atenção, pois o indivíduo se separa para se individualizar. De acordo com a teoria psicanalítica, portanto, a adolescência em momento algum implica, necessariamente uma separação dos pais, tal como entendida pela teoria da separação-individuação, nem tampouco implica a dificuldade de separação dos pais ou ainda a procura de uma auto-identidade. O que normalmente é chamado de separação dos pais é um movimento descrito por Freud antes como precursor à latência, ou seja, anterior mesmo à puberdade, e que implica a incorporação dos pais. Essa incorporação se dá através de uma identificação com os pais, que assim interna-
lizados, passam a integrar o supereu, herdeiro do Complexo de Édipo. A dificuldade da adolescência dependeria então da própria ferocidade desse supereu, que, quanto mais terrível, tanto maiores as dificuldades do sujeito, maiores os conflitos que teria, sobretudo no que diz respeito ao campo de sua sexualidade, ao campo do desejo que, de uma forma ou de outra, sempre é sexual(ALBERTI, 1995, p. 34) Nesse período ocorre o despertar das fantasias, que ficam adormecidas durante a latência e reaparecem na puberdade, provocando uma culpabilidade no sujeito. A ciência procura inscrever o fenômeno da adolescência, mas a psicanálise se distingue da ciência, pois tenta dar conta dos fatores que levam o sujeito a se identificar com a adolescência. No início da adolescência, na puberdade, a sexualidade é auto-erótica, ou seja, o jovem está mais voltado para si mesmo, para o seu corpo. E o que prevalece aqui é a masturbação, que não vem acompanhada, necessariamente, de fantasias com um objeto sexual. É uma atividade importante, porque proporciona um conhecimento do corpo e das sensações que provêm dele e é também um ensaio para a futura sexualidade heterossexual. Entrar em contato com o corpo modificado é algo que quase sempre causa desconforto e estranheza. Para a psicanálise de Freud e Lacan, o que interessa é saber em que medida a identificação do sujeito com a adolescência interage com o que Freud recuperou da foraclusão que a ciência exige: o desejo de cada sujeito singular. Para Lacan, a separação passa a ser uma das vertentes que descrevem as relações do sujeito com o Outro, esse Outro pode ser a mãe. O Outro é o próprio inconsciente, o tesouro dos significantes, ou seja, aquilo que vai determinar o sujeito. O Outro é aquilo que determina a interpretação dos seus sonhos, sintomas e atos falhos, aquilo que pensa no sujeito apesar dele, aquilo que pré-existe na cultura, no desejo da mãe, na estrutura da linguagem, em suma aquilo tudo que Freud descobriu e que faz parte do simbólico (ALBERTI, 1995, p.33) Portanto o sujeito adolescente vai fazer a separação do Outro. A separação que o adolescente faz é um movimento de tentativa de libertação do Outro, tentativa, que só se concretiza, em casos extremos, no suicídio, pois fora isso o sujeito sempre, de uma forma ou de outra, é determinado pelo Outro, até mesmo no seu desejo mais íntimo, pois como define Lacan, todo desejo é desejo do Outro. Revista de Psicologia - Edição 1 l
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REFERÊNCIAS ALBERTI, Sônia. Esse sujeito adolescente. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1996. FREUD, Sigmund. Um caso de histeria; Três ensaios sobre a teoria da sexualidade e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1996 329 p. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 7) SILVA, Alitta Guimarães Costa Reis Ribeiro da. Modalidades Relacionais e Utilização de Psicofármaco. Dissertação (Mestrado em Estudos Psicanalíticos) - FCM-UNICAMP. Campinas, 1988.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Aluna do curso de Psicologia do Centro universitário Newton Paiva do estágio supervisionado pela professora Inês Maria Seabra de Abreu.
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DO OUTRO LADO DA LINHA TELEFÔNICA Maria Andréia Alves Leandro1 A criança, ao nascer, é atribuído um nome, traço de sua presença única, que lhe é conferido pelo lugar que a mesma ocupa no desejo do par parental. Essa criança cresce e, consequentemente, é encaminhada à escola, na qual ela terá “a-cessos” ao social, que possui interesses bem diferentes da família de sua origem. Diante dessa entrada na escola, a criança pode manifestar dificuldades escolares por não conseguir fazer a separação familiar. Ela pode viver um certo desamparo por se frustrar diante da tentativa de reviver a ilusão de completude no ambiente escolar. Ao ficar na escola, a criança perde o colo da mãe, o bico e a fralda e, neste momento, para ela fica atualizada a falta que irá lhe permitir a busca pelo objeto de desejo. Por isso, a condição da psicanálise não é o ideal e, sim, o desejo. O desejo se realiza, mas não se satisfaz. Quando se faz algo baseado no desejo, são cabíveis realizações no possível e dentro da realidade. A escola é o Outro social e entra como um terceiro na vida da criança. Ao fazer a escansão da palavra “’es-cola”, podemos escutar como uma separação do grupo familiar. Sendo assim, a escola introduz na vida da criança uma outra linguagem, que não mais a materna. Para ilustrar o que foi citado acima, será apresentada uma vinheta de um caso clínico referente a uma criança, que foi trazida pela mãe à Clínica de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. Na entrevista de acolhimento, a queixa inicial é de que a criança estava abaixo do peso, não comia a comida feita pela mãe, entre outras. Já na sessão seguinte, em entrevista com a mãe, esta relata que sua real preocupação é que a criança tem apresentado muita dificuldade na escola, pois a professora observou que ela tem uma “escrita fina”, insegura, pega no lápis com dificuldade e produz desenhos muito pobres, porém ela não entendia o porquê, já que ela percebe a criança como muito esperta, que fala bem e tem muitos amiguinhos. Durante as sessões, a criança não demonstrou nenhuma dificuldade em escrever, desenhar, mesmo estando em fase de alfabetização na pré-escola. Em seus desenhos, sempre gostou de desenhar a família, porém, no desenho de sua mãe, esta sempre tinha os olhos bem grandes e sempre era a maior, ficando a criança em questão, seu irmão e o pai menores e do mesmo tamanho. Em relação às brincadeiras, a criança sempre ocupava o lugar ora de professora, ora de mãe.
Já a queixa da criança era de que em sua casa ela não podia atender ao telefone, porque ela era pequena, sendo esse fato motivo de muitas brigas entre ela e o irmão mais velho. Diante dessa queixa apresentada pela criança, na sessão seguinte foi colocado um telefone de brinquedo para que ela falasse à vontade com quem quisesse. O telefone de brinquedo passou a ser uma peça fundamental no tratamento. A criança, várias vezes durante a sessão, interrompia o que estava fazendo no momento e dizia; “Oh! O telefone está tocando”. Ela simulava que estava surpresa e alegremente saia correndo para atendê-lo, porém, ao falar ao telefone, muitas vezes quem atendia era o amigo do pai, com quem ela deixava recado de forma autoritária, dizendo que queria falar com ele. Mas os recados deixados eram dados como se fossem pela mãe. Durante as sessões, a criança fantasiava muito, porém houve um dia em que ela disse: “Ai, meu Deus, o telefone não pára de tocar. É você, pai? Tenho uma coisa prá te dizer. Um dia sua filha chorou na escola e você não viu. Ela não é aluna deste prédio, ela é do outro grande. “Tenho o que dizer e posso ser escutada, eu já sou grande, tá?” Neste momento, ela pegou a tesoura com que estava brincando e cortou o fio do telefone. Considerando esta vinheta, vários pontos poderiam ser ressaltados, porém não interpretados, como nos diz Tânia Ferreira (1999, p. 107), que “não se trata, portanto, na clínica, de interpretar o brincar, mas fazer surgir a enunciação velada no enunciado sobre o brincar”. No entanto, dar-se-à ênfase ao fato de que esta criança tem algo a dizer/ouvir deste pai. E, esta foi a forma que ela encontrou para se fazer ouvir do outro lado da linha telefônica. Ao invés de continuar a falar, ela atuou, e este ato foi endereçado a este pai. Tal comportamento foi uma forma de linguagem. A todo momento ela chama e pede este pai, ela o convoca a ocupar um lugar, e, ao não ocupar este lugar, ele pode estar se protegendo da criança que nele habita e à qual ele não mais tem acesso. Ao brincar e por meio do acesso ao telefone, aparelho da demanda e da linguagem, operou-se uma separação da criança ao seu Outro materno. Foi por meio do telefone que ela pôde falar e convocar o pai. Freud já notara, em 1908, que a ocupação predileta e mais intensa das crianças é o brinquedo ou os jogos, e que, ao brincar, Revista de Psicologia - Edição 1 l
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toda criança se comporta como um escritor criativo, pois cria um mundo próprio de uma nova forma que lhe dê prazer. Seguindo, ele também afirma que a criança leva muito a sério a sua brincadeira e dispensa na mesma muita emoção. Destaca, ainda, que o contrário de brincar não é o que é sério, mas o que é real, assim nos diz: “apesar de toda emoção com que a criança brinca, ela distingue perfeitamente seu mundo de brinquedo da realidade, e gosta de ligar seus objetos e situações imaginados às coisas visíveis e tangíveis do mundo real”. (FREUD, 1908, p. 150). Sabe-se que as crianças, em suas brincadeiras, repetem experiências que lhes causaram grande impressão na vida real, “e assim procedendo, ab-reagem a intensidade da impressão, tornando-se por assim dizer, senhoras da situação” (FREUD). Podemos dizer então que, nesse momento, as crianças passam de uma situação passiva para uma situação ativa, ou seja, elas partem de uma experiência desagradável, buscando em seu jogo, uma fonte de prazer. Isso não significa que todas as experiências desagradáveis na vida da criança dão origem a brincadeiras; mas, sem dúvida, comprova a importância do brincar para elas, que podem encontrar no brinquedo um apoio para suportar as perdas inevitáveis que a realidade lhes impõe. No entanto, na idade pré-escolar, quando surgem várias tendências e desejos que não podem ser realizados de imediato ou esquecidos, e ainda permanecendo a característica do estágio precedente da tendência para a satisfação imediata, o comportamento da criança se modifica. Nesse caso, para resolver essa tensão, a criança se envolve num mundo imaginário e fantasioso, no qual os desejos não realizáveis podem se realizar, esse mundo é o mundo do brinquedo. E isso é extremamente importante para as crianças, pois é uma via de acesso ao simbólico, já que a realidade lhe apresenta como insatisfatória. Mas a criança não brinca apenas para satisfazer suas vontades e desejos insatisfeitos. Além disso, há que considerar que ela também brinca para manter seus desejos. Assim, o que determina as brincadeiras das crianças são os seus próprios desejos e segundo Freud (1908), um único desejo – que auxilia em seu desenvolvimento – o desejo de ser grande e adulto, a criança sempre brinca de ser adulto e emita em seus jogos aquilo que conhece dos mais velhos. O brincar é um recurso característico das crianças e está presente em suas vidas desde muito cedo. O brincar é uma atividade universal, que se encontra desde as mais primitivas até as mais sofisticadas formas de organização social. Durante muito tempo, pensou-se que a psicanálise não fosse aplicável às crianças, por se tratar de um saber e uma experiência clínica fundada no campo da fala e da linguagem. Embora o objeto da psicanálise seja o sujeito do inconsciente, que nada tem a ver com a idade, não há como negar que a clínica psicanalítica com 74 l Revista de Psicologia - Edição 1
crianças revela distinções em relação á clínica com adultos. Segundo Santa Roza (1993, p. 16), “é evidente que nenhum psicanalista pode esperar de uma criança que ela se deite num divã e fale por trinta ou cinqüenta minutos, em sessões contínuas, por meses a fio, sobre sua vida”. Se essa atitude for imposta como regra, a criança pode se recusar a comparecer às sessões. Freud nos convida, por meio da psicanálise, a rever o infantil, porque esse está ligado às nossas fantasias. E, justamente pela tendência de considerarmos a criança como algo inacabado, que a criança não sofre, não é corrompida pelos adultos e vive num mundo imaginário e feliz, é que muitos pais buscam nos medicamentos uma forma de silenciar/apaziguar o quê não vai nada bem. Em contrapartida, e, na contramão de todo tipo de classificação, por considerar que o sujeito dela escapa, cabe ao analista a priori, perguntar para a criança o que não vai bem em sua vida. Por meio dessa simples pergunta, o analista abre espaço e aposta que, a partir desse momento, possa advir o sujeito e seu saber. REFERÊNCIAS FERREIRA, Tânia. A Escrita da Clínica: Psicanálise com crianças. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. 136p. FREUD, Sigmund. Escritores Criativos e Devaneios. In: Gradiva de Jensen e Outros Trabalhos. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Imago (1908) 1996, p. 133-150. Edição Standart Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. ROZA, Elisa Santa. Quando o brincar é dizer: A experiência Psicanalítica na Infância. Rio de Janeiro: Relume Dumará. 1993. 126p.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Aluna do curso de Psicologia do Centro universitário Newton Paiva do estágio supervisionado pela professora Maxleila Reis.
O FRACASSO ESCOLAR NA PÓS-MODERNIDADE: UMA PERSPECTIVA HUMANISTA Karin Santos Marra Kiefer1 Este artigo tem como objetivo investigar a relação entre o fracasso escolar e o ambiente familiar e escolar para subsidiar propostas de possíveis caminhos para a resolução de tal fenômeno patológico em nossas crianças, que hoje se encontram em uma sociedade imediatista e em constantes transformações. À medida que foi instaurada a escolaridade obrigatória e a sociedade sofria mudanças radicais rumo à modernidade, o fracasso escolar passou a ser considerado patologia no final do séc. XIX. Essas mudanças passam a cobrar novos valores do desenvolvimento humano, entre os quais o êxito social, passando pelo desempenho escolar. A inserção social do sujeito que não cumpre esses novos paradigmas da modernidade e pós-modernidade fica comprometida, sendo, quase sempre, excluído ou desvalorizado Então, buscar entender a questão do fracasso escolar requer buscar na sociedade, na comunidade escolar e, especificamente, na família como são as contingências nas quais a criança se encontra. Para isso a perspectiva humanista vem contribuir dizendo que: A aprendizagem significante combina o lógico e o intuitivo, o intelecto e os sentimentos, o conceito e a experiência, a idéia e o significado. Quando aprendemos dessa maneira, somos integrais, utilizando todas as nossas capacidades masculinas e femininas (ROGERS, 1985, p. 30 -31). De acordo com Rogers (1985), há dois tipos de aprendizagem, aquela por memorização, que não envolve sentimentos ou significados pessoais, não sendo contextualizada e por isso torna-se fútil. Já a aprendizagem experimental é significante, cheia de sentido, envolve, além da mente, tanto os pensamentos quanto sensações do aprendiz e por isso é criativa e duradoura. Dessa forma, então, é necessário que se alinhem conhecimentos e instituições, como escola e família, para que a incongruência não prejudique o funcionamento organísmico do aluno. Segundo Rogers (1985, apud Gobbi, 2005, p. 20-21) vivências, inicialmente incongruentes, com a estrutura do self das crianças, são geradoras de ameaças, que provocam, por conseqüência, ansiedades. Essas ameaças fazem com que a criança –fique ciente seja de maneira plenamente consciente, seja de maneira subliminar - de que certos elementos de sua experiência não estão de acordo com a idéia que ela faz de si mesma, levando-
-a a inautenticidade. E toda vez que a ameaça se sobrepõe à autenticidade, abala a segurança emocional, a auto-estima e os verdadeiros objetivos da pessoa, tornando-a prisioneira da cadeia ameaçadora vivenciada no meio, impedindo a autenticidade e liberdade psicológica. Fatos como esses, relacionados acima, elucidam a necessidade de ter para com o aluno uma visão holística de seu eu aprendiz, pois o fracasso escolar do aluno denuncia uma idiossincrasia entre o seu self e suas experiências. E essas, muitas vezes, são desconsideradas pelo ambiente escolar. De acordo com Gobbi (2005 apud ROGERS & KINGET, 2007, p. 56), o resultado do desacordo ou da incongruência entre o self e a experiência provoca desajustamento psíquico, deformando ou interceptando elementos importantes da experiência, originando conflitos, tensões e confusões. O ambiente escolar e o familiar são determinantes no rumo da trajetória que o aluno escolhe, pois o primeiro deve reforçar e estimular potenciais e habilidades do aluno, mostrando a ele as possibilidades de sucesso, com o despertar para a aprendizagem, e a segunda é vital para a potencialização e segurança à tendência atualizante. E essa nada mais é do que um movimento natural de um organismo sadio, que procura manter o equilíbrio, ou seja, é uma reorganização da defesa contra a ameaça consciente. E o modo de enfrentamento à ameaça é definido à partir dos modelos defensivos de cada organismo, é aí, então, que entra a importância da relação parental e comunidade próxima, como modelo para tal defesa. Segundo Rogers (1985), o ambiente, quando em harmonia, promove uma congruência entre experiência e sentimentos do self da criança, propiciando o aparecimento de recursos que promovem processos de aproximação com o aprendizado. Atividades que sinalizam estabilidade na vida familiar e práticas parentais que promovem a ligação família-escola são fatores que propiciam um bom desempenho escolar e potencializam o mesmo na criança. Maturano (2006), seguindo a mesma visão, vem confirmar o dito acima ao pesquisar o inventário de recursos do ambiente familiar (RAF), que avalia recursos desse ambiente que contribuem para o aprendizado acadêmico nos anos do ensino fundamental em três domínios: recursos que promovem processos proximais Revista de Psicologia - Edição 1 l
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(mecanismo primário do desenvolvimento humano); atividades que sinalizam estabilidade na vida familiar; práticas parentais que promovem a ligação família escola. Uma revisão da pesquisa efetuada desses recursos do ambiente familiar veio confirmar índices aceitáveis de consistência interna e associação entre escores do (RAF) e indicadores do desempenho escolar e ajustamento, quando há participação ativa e interação dos pais, em casa, com a vida de seu filho como um todo. Ainda de acordo com a mesma autora, os pais e a família têm um papel importante na aprendizagem escolar das crianças, uma vez que o resultado da pesquisa desenvolvida sugere que os pais e a família, com envolvimento direto na vida escolar dos filhos, são preditores significativos de progresso acadêmico. Na pós-modernidade, o que observamos são os mesmos atribuindo à escola papéis que somente a eles, pais, pertencem. Dessa forma, com esse distanciamento da vida escolar do filho, muitos pais só tornam-se presentes com o fracasso na aprendizagem do mesmo. Deve-se atentar para o fato que, de uma forma ou de outra, a criança sente a necessidade de uma interação com os pais, mesmo que obtenha a atenção dos mesmos somente ao fracassar. A escola, por sua vez, despreparada para tal acolhimento, por vários motivos, não promove uma aprendizagem significante na qual os professores sintam-se suficientemente seguros interiormente e em seus relacionamentos pessoais, de modo a confiarem na capacidade de outras pessoas de pensar, sentir e aprender por si mesmas, a ponto de instigar nas crianças interesse pela aprendizagem. Quando esta segurança existe, o professor facilita a aprendizagem, compartilhando responsabilidades, explorando interesses, promovendo a organização do próprio aluno, promovendo a disciplina como conseqüência da tendência à aprendizagem desenvolvida no aluno a partir dessa atmosfera instigadora na qual o aluno descobre a aprendizagem. É relevante salientar o que Rogers (1973) diz: Num ensino centrado no estudante, a partir de um clima facilitador, o próprio aluno se faz, se realiza, torna-se ele mesmo. Para tanto, a educação parte dos problemas reais do aluno, de sua motivação pessoal. Um dado fundamental advindo desta modalidade de atuação é a facilitação da responsabilidade. Isto possui profundas repercussões políticas que tocam questões como estrutura e modelos de escola, papel do professor, bem como as relações de poder (ROGERS, 1973, citado
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por GOBBI, 2005, p. 29). Nesse contexto de pós-modernidade, é necessário que se tenha uma ética de responsabilidade com o futuro. Precisa-se promover o desenvolvimento do auto-conceito no aluno, de forma que a avaliação que ele faça de si mesmo e de suas atitudes, capacidades e qualidades, falhas, possibilidades, limitações, tenham como base os juízos de valor e avaliação no que diz respeito ao seu próprio comportamento. Para tanto usa-se, como modelo de avaliação, figuras parentais, que, quando não congruentes com a experiência vivenciada e com a realidade do self da criança, provocam um alto grau de discrepância entre o self ideal e o self real e, conseqüentemente, o fracasso proporcional na adaptação devida à distorção do autoconceito. De acordo com Tedesco (2006), é preciso tentar superar dois aspectos críticos do paradigma cognitivo tradicional pós-moderno, como a fragmentação imposta pela lógica das disciplinas e o imediatismo dos enfoques de curto prazo e a ênfase tecnocrática nos procedimentos. Para tal superação, a instituição família-escola deve alinhar-se, pois de acordo com Rogers: Quando um facilitador cria, mesmo em grau modesto, um clima de sala de aula caracterizado por tudo que ele pode conseguir de autenticidade, apreço e empatia, quando confia na tendência construtiva do indivíduo e do grupo, descobre então que inaugurou uma revolução educacional. Ocorre uma aprendizagem de qualidade diferente, avançando num ritmo diferente, com um grau maior de abrangência. Os sentimentos – positivos, negativos, confusos – tornam-se parte da experiência da sala de aula. A aprendizagem se transforma em vida, numa vida até mesmo muito viva, o estudante acha-se a caminho, às vezes excitadamente, às vezes relutantemente, de tornar um ser em mudança, de aprender (ROGERS, 1985, p. 135). A escola, com o apoio governamental, deve subsidiar programas de apoio aos pais de crianças com dificuldades escolares, com profissionais especializados, que visem proporcionar meios de ajudar aos pais a otimizar recursos, já disponíveis no contexto familiar, de modo a despertar na criança a verdadeira aprendizagem que é auto-apropriada e autodescoberta, melhorando, assim, também, a qualidade de apoio ao desenvolvimento dos filhos.
REFERÊNCIAS GOBBI, Sérgio Leonardo. Vocabulário e noções básicas da abordagem centrada na pessoa. 2ª Ed. São Paulo: Vetor, 2005. MATURANO, Edna Maria. O inventário de recursos do ambiente familiar. São Paulo, 2006. 1-16 p. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=S0102-79722006000300019> . Acesso em 14/10/2008. ROGERS, Carl. Liberdade de Aprender em nossa Década. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985. ROGERS, C. R. Liberdade para Aprender. Belo Horizonte: Interlivros, 1973 apud GOBBI, Sérgio Leonardo. Vocabulário e noções básicas da abordagem centrada na pessoa. 2ª Ed. São Paulo: Vetor, 2005. ROGERS, C. R. & KINGET, G.M. Psicoterapia e relações humanas. Belo Horizonte: Interlivros, 1977. TEDESCO, Juan Carlos. Uma ética de responsabilidade com o futuro. São Paulo, 2006. 1 - 13 p. Disponível em: <http://www.congressomoderna.com. br/docs/juantedesco.doc.> Acesso em 14/10/2008.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Aluna do curso de Psicologia do Centro universitário Newton Paiva do estágio supervisionado pela professora Maria Luiza.
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VENCENDO A TIMIDEZ Antônio Carlos Canhestro 1 O caso ilustrado trata da questão da timidez como uma das barreiras para o sucesso pessoal diante das dificuldades para a inserção social, fator complicador para se viver bem nos tempos atuais. Convive-se diariamente com um universo de pessoas, que, em primeira instância, são estranhas ou distantes nas relações pessoais. Isso exige um esforço que varia de pessoa para pessoa para que a inércia da comunicação seja vencida. Experiências que estabeleceram medo do fracasso na relação com o outro levam a comportamentos de esquiva. Esse comportamento é reforçado pela sensação da homeostase corporal diante da eliminação do risco, porém esse isolamento dificulta o progresso pessoal e acarreta sofrimento psíquico. Essa constatação pode ser feita por meio do caso de Aurora (nome fictício), de 30 anos, que procurou a Clínica de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva, apresentando como demanda a questão da timidez. Apresentava dificuldades em progredir nas relações sociais, com reflexo no desenvolvimento intelectual e profissional. A cliente relata seus problemas no ciclo familiar, nos relacionamentos de namoro, nos estudos e no trabalho. Aurora mora em Belo Horizonte, e seus pais em uma cidade do interior do estado. Descreve muitas dificuldades na relação com o pai, que é alcoólatra, com o irmão e com as irmãs. Foi responsável por cuidar dos mais novos, ainda por volta dos oito anos de idade, sendo cobrada com severidade pela mãe, que se ausentava para trabalhar. Já o pai a ignorava, e quando havia alguma manifestação, geralmente, o fazia de maneira agressiva. A não aceitação da cliente em relação ao pai fazia com que ela evitasse uma aproximação maior, até mesmo com o restante da família, na qual o ambiente era sempre conflituoso. Esses conflitos acabavam por gerar um processo de afastamento ainda maior em resposta às condições aversivas desses encontros. Tal processo reduzia cada vez mais as condições de aproximação e, por conseqüência, provocava reflexos nos poucos relacionamentos de Aurora, uma vez que não era possível se aproximar do seu ciclo familiar. Essa situação também refletia no ambiente de trabalho e bloqueava seu retorno aos estudos. Segundo Alberti e Emmons (1978), muitas pessoas passam a vida cheias de inibições, cedendo à vontade alheia, guardando seus desejos dentro de si, ou, ao contrário, destruindo os outros a fim de atingir seus objetivos, seu sentimento de autovalor está baixo. 78 l
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Pesquisas demonstram que o aprendizado de respostas assertivas inibirá ou enfraquecerá a ansiedade previamente experimentada em relações interpessoais específicas. Quando a pessoa se torna capaz de afirmar-se e a fazer coisas por iniciativa própria, ela reduz apreciavelmente sua ansiedade ou tensão anterior em situações críticas e aumenta seu senso de valor como pessoa. Este mesmo senso de valor está geralmente ausente na pessoa agressiva, cuja agressividade pode mascarar sentimentos de culpa e de insegurança. (ALBERTI; EMMONS, 1978, p.18). Para aplicação no processo terapêutico, tornou-se importante abordar questões relativas ao conteúdo. A agressão anti-social não se limita ao insulto verbal, ela está presente nos pequenos gestos e nas transgressões no cotidiano, conduzindo a situações cada vez mais difíceis de relacionamento. Alberti e Emmons (1978) consideram que a pessoa não-assertiva tende a pensar na resposta apropriada depois que a oportunidade passou. A pessoa agressiva pode responder muito vigorosamente, causando uma forte impressão negativa e mais tarde arrepender-se disso. Foram trabalhadas com Aurora questões sobre comportamentos agressivos, não-assertivos e assertivos. Foi proposto à cliente que considerasse as alternativas de comportamentos nas suas relações familiares, e qual ofereceria o resultado que pretendia, uma vez que trazia essas desavenças como uma queixa, desde o início do tratamento. Então, a partir daí passasse a observar e analisar o que tais comportamentos lhes trariam em termos de satisfação ou insatisfação, para si e para os demais. Para Villani (2002), proporcionar melhoria na qualidade de vida do terapeutizando é objetivo primordial da prática terapêutica comportamentalista, para isso utiliza a Análise Funcional de Contingências. O cliente deverá aprender acerca das contingências de controle de seu comportamento. Esse tipo de terapia tem um caráter essencialmente educativo. Na sessão seguinte, Aurora traz questões relacionadas às desavenças com as irmãs, mencionando que, no final de semana, na casa dos pais, resolveu conversar com a irmã, com a qual havia se desentendido na semana anterior. Conta que refletiu e achou melhor tentar a reconciliação, o que foi aceito sem proble-
ma. Falaram sobre roupas e sobre a festa de casamento prevista para o sábado seguinte. Assim a cliente escolhe como agir, experimentando um sentimento de auto-apreciação. Um sentimento positivo a respeito de si, a partir da emissão de um comportamento assertivo e a obtenção de uma resposta assertiva por parte da irmã. Para Alberti e Emmons (1978), no comportamento assertivo, nenhuma pessoa é prejudicada e, a menos que os objetivos desejados sejam totalmente conflitantes, ambos podem se sair bem. Na sessão após o sábado do evento previsto, a cliente diz ter sido uma das melhores festas que já presenciou, fazendo comentários para salientar a satisfação. Foi perguntado se ela fazia alguma ligação de ter obtido uma excelente festa, com o fato de ter reatado a relação com a irmã. Afirma que estava na companhia da irmã e que, sem dúvida, isso contribuiu muito para que se sentisse melhor em relação àquela experiência. Lembra da sessão anterior com relação a se comportar de modo assertivo e que se não tivesse se comportado assim, a festa poderia não ter tido o mesmo significado. Diante do que foi relatado pela cliente nesta e nas sessões seguintes, foram feitas intervenções por meio de pontuações, buscando reforçar e aumentar o repertório de comportamentos assertivos. No decorrer do processo terapêutico, a cliente demonstra significativo progresso. Retorna aos estudos, afirma uma maior disposição e facilidade para estar se relacionando com o pai, com as irmãs e com irmão. Convida o irmão para morar com ela, com uma proposta de ajuda mútua, com fins de estudos preparativos para concursos públicos. Matricula-se numa academia de dança, onde relata conseguir reconhecimento pelo êxito e isso a faz se sentir estimulada, passando a estabelecer como objetivo chegar à posição de instrutora. Com o desdobramento desse propósito de tratar o comportamento da timidez por meio da conscientização de conceitos fundamentais básicos de assertividade, não assertividade e agressividade, buscou-se , na base teórica, fundamentos técnicos da teoria comportamental para aplicação da prática simples de estimular comportamentos assertivos. Assim foi possível encontrar saídas para um contexto de um ambiente agressivo prevalente, gerador da (esquiva ou fuga) timidez, para um contexto socializável, o que possibilitou à cliente romper com esta barreira demandada no início do processo terapêutico.
REFERÊNCIAS ALBERTI, Robert E.; EMMONS, Michael. L. Comportamento Assertivo: um guia de auto-expressão. Tradução de Jane Maria Correa. Belo Horizonte: Interlivros, 1978. 147 p. VILLANI, Maria Cristina Seixas. Considerações sobre o desempenho do terapeuta comportamental. In: TEIXEIRA, A.M.S (Org). et al. Ciência do comportamento: conhecer e avançar. São Paulo: ESETec Editores Associados, 2002. cap. 4, p. 27-33.
NOTA DE RODAPÉ 1 Aluno do curso de Psicologia do Centro universitário Newton Paiva do estágio supervisionado pela professora Maria Regina.
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TERAPIA COMPORTAMENTAL – PROCESSO DO APRENDER A SABER FAZER Luana Aparecida do Couto Pereira1 Este artigo tem o objetivo de discutir como acontece o processo de mudanças do cliente na terapia comportamental. Antes de detalhar como se dá esse processo, é necessário entender alguns conceitos que se referem à relação que o indivíduo tem com o mundo, ou seja, com seus grupos de referência. Segundo Skinner (1970, p.171), “o comportamento social refere-se ao comportamento de duas ou mais pessoas, uma em relação à outra, ou em conjunto em relação ao ambiente comum.” Considerando que o indivíduo se desenvolve e se relaciona com o mundo, a mudança no ambiente e na interação entre pessoas é uma rede de retroalimentação, em que muda o indivíduo em seu comportamento e muda o ambiente e vice-versa. Conhecendo que o indivíduo muda seus comportamentos e seu ambiente ganha um novo formato, o processo terapêutico, muitas vezes, visa estimular a releitura do indivíduo a respeito de suas competências sociais e, portanto, treinar suas habilidades. As habilidades sociais são comportamentos emitidos em situações interpessoais, são aprendidas e variam culturalmente. Treinar as habilidades sociais torna-se um grande desafio, uma vez que o indivíduo representa diversos papéis na sociedade, que exigem diversas formas de atuação. O trabalho terapêutico fornece então uma série de estímulos para o indivíduo reler seus comportamentos, descobrir reforçadores e identificar em quais condições emite comportamentos assertivos ou não. A terapia comportamental visa à alteração das contingências comportamentais do cliente, aquelas “desadaptativas”, que lhe causam sofrimento e lhe prejudicam a saúde. O processo terapêutico deverá propiciar o desenvolvimento do repertório comportamental, no sentido de capacitar o indivíduo para funcionar de maneira mais apropriada do que fazia antes de procurar ajuda terapêutica. (VILLANI, 1996, p. 28).2 A partir dessa diretriz, o terapeuta favorece a reflexão do indivíduo, muitas vezes propondo algumas atividades de “enfrentamento” de determinadas atitudes aversivas, a fim de criar um novo repertório de comportamento e construir, assim, uma 80 l Revista de Psicologia - Edição 1
nova forma de se ver no mundo. Considerando essa dimensão, Villani (1996) diz que o papel do terapeuta tem uma importância didática, uma vez que promove atividades em que o indivíduo assume uma postura de conhecimento de suas contingências naturais, aprende a atuar no próprio meio e cria contingências próprias. Além disso, o próprio terapeuta comportamental assume uma posição de crescimento contínuo e amplia seu repertório com a vivência do atendimento. Aprende, por meio do ambiente terapêutico, fatores do meio e do comportamento de seu cliente que podem influenciar em seu conhecimento e em suas habilidades profissionais. Villani (1996) enfatiza que o comportamento do terapeuta deverá ter, para com seu cliente, uma atitude cordial e de aceitação. O ambiente de aceitação traz para o cliente a tranquilidade para identificar oportunidades de mudança, sem o uso de preconceitos, temores e ameaças por valores sociais. No entanto, é importante ressaltar que o terapeuta deve aceitar e considerar o sujeito, embora seja diferente de aceitar e apoiar comportamentos específicos. Pode-se dizer que papel do terapeuta no processo do indivíduo é de acolhimento para entender, educador para direcionar atividades que surtam o efeito de aprendizado e mudanças de repertório e de mentor, na medida em que se coloca numa posição de apoio, mas sempre direcionando o cliente para o Saber Fazer escolhas, comportamentos, atitudes e ambientes novos para si mesmo. (...) uma importante parte do processo da Terapia Comportamental é o planejamento da manutenção dos efeitos terapêuticos. O comportamentalista precisa garantir que as habilidades conquistadas por seu cliente funcionarão mesmo depois do término da terapia. (...) O terapeuta irá trabalhar no sentido de colocar o comportamento adequado do indivíduo sob controle de reforçamento natural, ou seja, fazer com que o cliente esteja sensível aos bons efeitos que suas novas habilidades produzem em sua vida cotidiana. E principalmente irá trabalhar durante todo o processo ensinando ao terapeutizando fazer análises funcionais das suas próprias contingências e construir suas
próprias estratégias de modificação e resolução de problemas. (VILLANI, 1996, p. 32) Dessa forma, ao fim da terapia, espera-se que o cliente crie novos repertórios, entenda seu próprio comportamento, com habilidades e deficiências, e saiba buscar, em sua própria reflexão, saídas para as dificuldades e caminhos novos para suas ações. É então um processo de autoconhecimento para a tomada de decisões, fundamentada em escolhas pessoais, genuínas ao seu modo de ser e de pensar.
REFERÊNCIAS SKINNER, B. F. Ciência e Comportamento Humano. Brasília: Editora Universidade de Brasília. indique a data da obra consultada para o trabalho. Data: 1970 WIELENSKA, Regina Christina. Sobre comportamento e cognição. Santo André: Arbytes, 1999 6 v.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Aluna do curso de Psicologia do Centro universitário Newton Paiva do estágio supervisionado pela professora Maria Regina. 2 VILLANI, Maria Cristina Seixas. Aspectos da Formação do Terapeuta Comportamental. Texto apresentado em mesa redonda: Terapia Comportamental. Belo Horizonte: II Semana de Psicologia _ PUCMG. Não publicado.
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BELEZA IDEAL OU IDEAL DE BELEZA – EIS O TRANSTORNO Márcia Inácia Dutra1 Os padrões de beleza têm oscilado, ao longo das décadas, entre a valorização de ossos ou curvas, costelas saltadas e carnes generosas. Atualmente, artistas, poetas, publicitários e a mídia em geral exaltam a beleza como sinônimo de magreza (SEGATTO, PADILLA e FRUTUOSO 2006). De acordo com Tommaso (2007), a “auto-imagem é mutável e influenciada por estímulos externos, internos, sentimentos e emoções”. Os ideais de beleza, que são propagados na mídia, baseiam-se em uma forma específica de beleza, baseada nas top models, ou seja, mulheres altas e magras que apresentam estar abaixo do peso ideal. Pesquisas publicadas pela revista Época (2006) indicam que o “peso das modelos atualmente é 23% inferior ao da média da população feminina”. Muitas mulheres, que se apresentam de forma atraente, mas estão fora dos padrões de beleza apresentados na contemporaneidade, carregam consigo uma sensação de auto-estima e auto-imagem rebaixadas, que faz com que se sintam rejeitadas, desvalorizadas e feias. Para Tommaso (2007), a auto-imagem, indevidamente formada, faz com que a mulher atue de acordo com a forma pela qual ela se avalia, e essa avaliação errônea produz comportamentos distorcidos, pois a busca indiscriminada por esses padrões de aparência pode prejudicar a qualidade de vida e levar à morte, como ocorre na anorexia nervosa (redução ou perda de apetite, inapetência) e na bulimia (apetite insaciável), que são desencadeadas por agentes biológicos, genéticos, psicológicos e familiares. Porém o principal fator desencadeante desses distúrbios alimentares, atualmente, além da busca indiscriminada pelo corpo ideal, baseado em modelos ditatoriais de beleza, é a distorção da auto-imagem provocada pela lavagem cerebral produzida pela overdose de exposição aos estímulos da mídia. Tommaso (2007) afirma que os transtornos alimentares constituem um dos problemas de saúde mais graves da atualidade. Segatto, Padilha e Frutuoso (2006) afirmam que “95 % dos casos de transtornos alimentares ocorrem em mulheres, e cada vez mais vêm sendo verificados estes transtornos em crianças de 8,7 e até 6 anos de idade”. Em 2004 a Unilever – Dove, através do Stragy One (Instituto de Pesquisa de Nova York), realizou estudo mundial com 3200 mulheres de 10 países, com idades em 18 e 82 l
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64 anos. Os resultados mostram que apenas 2% se definiram como “belas”, e no Brasil essa porcentagem cai para 1%. Entre as brasileiras, 54% delas fariam cirurgia plástica se pudessem e 7% já haviam feito um número significativamente mais elevado do que nos demais países. Outro dado alarmante é que 12% trocariam 25% de inteligência por 25% de beleza (TOMMASO, 2007. p.55). Ainda com Tommaso (2007), as pessoas predispostas biológica e psicologicamente a desencadear a anorexia ficam sem comer de propósito para emagrecer e, mesmo estando excessivamente magras, se enxergam como estando muito gordas, devido à alteração patológica da auto-imagem, que altera a percepção do seu corpo. Suas vidas passam a girar em torno de dietas, magreza e forma física, pois praticam exercícios físicos de forma compulsiva e provocam vômitos quando supõem que comeram em excesso. As conseqüências da má alimentação e dá emissão desses comportamentos exagerados são: Emagrecimento súbito e afastamento social. A menstruação se altera e com o tempo a mulher desenvolve amenorréia (cessamento da menstruação). O prolongamento desse estado pode gerar esterilidade futura por atrofia de útero. Problemas cardíacos, osteoporose e, segundo alguns autores atrofia cerebral. Ocorre anemia, queda de cabelos, as unhas se tornam quebradiças e cresce um tipo de penugem no corpo chamado lanugo, semelhante aos pêlos que crescem no bebê. 20% das anorexias morrem por suicídio, parada cardíaca ou inanição. A morbidade por depressão pode atingir 75% ou mais, e a vulnerabilidade para outros transtornos psicopatológicos é acentuada (TOMMASO, 2007, p.60). Já a bulimia faz com que a pessoa coma grande quantidade de comida, de maneira muita rápida e sem mastigar, geralmente às escondidas e acompanhada de falta de controle em relação ao que come e o quanto come. Após ingerir os alimentos descontroladamente, essas pessoas costumam se sentir culpadas, arrependidas e com medo de engordar. Então buscam eliminar as calorias ingeridas por meio de comportamentos compensatórios, como o vômito autoinduzido, exercícios físicos praticados
de forma compulsiva, ingestão de laxantes, remédios para emagrecer, hormônios de tireóide e até mesmo drogas ilícitas, no entanto, geralmente, o peso se mantém constantemente acima ou abaixo do normal. Estudos mostram que a bulímica irá procurar tratamento entre cinco e oito anos após o início da doença, quando graves conseqüências podem já ter ocorrido (TOMMASO, 2007). A área da saúde se debate com o crescimento mundial da obesidade, que se torna uma autêntica pandemia. De maneira alarmante os índices crescem mundialmente. Nos EUA, 64% dos americanos pesam mais do que deviam e no Brasil chegamos a 40%. Estudos prospectivos indicam que, se continuar nessa proporção, no ano 2250 todos os norte americanos serão obesos e a Organização Mundial de Saúde alerta para o fato de a obesidade e seus efeitos matarem mais do que a fome. Por outro lado, a indústria do emagrecimento fatura bilhões de dólares por ano e vêm crescendo de maneira pronunciada. A avidez por cirurgias plásticas, inclusive em adolescentes, cresce assustadoramente. Lipos, silicones e peeling são os sonhos de consumo de muitas meninas. (TOMMASO, 2007,p.57). Observa-se que essas pessoas têm muita dificuldade para delimitarem seu espaço, para sentirem-se aceitas, precisam colocar a opinião do outro em primeiro lugar. Esse comportamento pode estar associado à sua baixa auto-estima, na medida em que se sente amada somente pela sua utilidade e beleza e não pelo seu valor como pessoa. Para Tommaso (2007), as mulheres precisam se sentir valorizadas para que mantenham uma relação positiva consigo mesmas. Sem isso, é praticamente impossível cultivar a auto- estima. Isso não só tem a ver com a sua história passada, na qual seu ambiente foi pouco generoso quanto à valorização e bastante farto quanto às criticas negativas, mas também com sua história atual. Além disso, costuma-se criticar a pessoa e não o seu comportamento. Dessa forma, elas podem adquirir uma reação de auto- anulação e auto-rejeição, acreditando que não têm valor, se sentem inferiores e obrigadas a seguir os padrões de beleza impostos pela sociedade. Também se mostram freqüentemente desanimadas e frustradas por não conseguirem corresponder às expectativas que a mídia impõe quanto ao corpo perfeito, por não se controlarem frente à disponibilidade do alimento, por quebrarem as diversas dietas às quais já se submeteram e observarem que o seu corpo não está perfeito como os das top models. Essa situação torna-se extremamente aversiva e passa a ter o status de determinantes do comportamento de comer em excesso ou de deixar de co-
mer. O que pode ser observado com freqüência na vida dessas pessoas é a ausência de outras fontes de prazer, além das questões relacionadas à comida e ao culto ao corpo perfeito. Assim, com o repertório pobre em termos de atividades reforçadoras, sempre que se sentem entediadas ou com a sensação de vazio, recorrem à comida como uma forma de aliviar esse sentimento, até porque, além do reforço social, que, geralmente acompanha essa ação, existe um prazer mais forte e imediato, que é a sensação gustativa agradável e o alívio imediato. Logo, o comer torna-se uma resposta que exerce a função de controlar ou afastar situações aversivas e sentimentos negativos. A observação de que a pessoa anoréxica ou bulímica tem dificuldade em lidar com seus sentimentos e pensamentos é freqüente. Ela não os aceita, não os reconhece em si, não identifica os eventos eliciadores e, portanto não aprende a lidar com eles e a expressá-los de forma adequada. Tommaso (2007) afirma que há outros transtornos psicopatológicos, que se caracterizam por uma distorção da imagem corporal, baixa auto-estima, ausência de referência interna de beleza e de uma identidade estética que considere os diferenciais de cada indivíduo e não um padrão imposto externamente. O transtorno Dismórfico Corporal (TDC) pode ser definido como uma espécie de feiúra imaginária ou medo se ser ou ficar feia, estima-se que ocorre em 10% das pessoas que se submetem a algum tipo de cirurgia plástica, atribuindo o problema a um defeito de imagem e não de auto- imagem (TOMMASO, 2007). A vigorexia, ou Síndrome de Adonis, ocorre preferencialmente em homens e consiste na obsessão por aquisição de musculatura hipertrofiada e forte. A pessoa se exercita excessivamente, a ponto de sofrer lesões físicas, geralmente faz uso de grande quantidade suprimentos nutricionais, anabolizantes hormonais e outros que promovam crescimento de massa muscular. Mede-se constantemente, se avalia diante do espelho e mostra-se cronicamente insatisfeito com seu corpo, que, em sua visão, permanece fraco, mesmo estando em boa forma. Em todos os casos, é possível verificar acentuada distorção entre o que o espelho reflete e o que a mente elabora. A anoréxica se vê gorda, a portadora de TCD, feia, e o vigoréxico fraco (TOMMASO, 2007). Para D´Assunção (2002), o tratamento costuma ser conduzido por meio de psicoterapia, reeducação alimentar, uso de medicamentos antidepressivos e internação nos casos mais graves. O analista do comportamento deve direcionar sua intervenção para trabalhar o autocontrole e a mudança de hábito alimentar, identificando as funçõbito alimentar, identificando as funçhar com autocontrole e mudança de helas pregam.dela.usca o prazer da comida na boca, impees es es que o comer assume para a Revista de Psicologia - Edição 1 l 83
pessoa, bem como a formação da auto-imagem e a promoção do desenvolvimento da auto-estima. Ele deve analisar, junto com o cliente, seu histórico de vida, suas experiências, os estímulos positivos e negativos, os valores culturais vigentes, incluindo os estéticos, identificando as variáveis ambientais, físicas e sociais, condições emocionais, sentimentais e as relações que existem entre elas. Criar condições para que o cliente altere as contingências aversivas presentes em seu ambiente, que exercem controle sobre o seu comportamento, para que ele possa modificá-lo por meio do contra controle e aquisição de novos repertórios de comportamentos. Assim, mais importante do que ser ou estar é sentir-se bonita, pois a única unanimidade em termos de beleza é a presença de auto-estima adequada (TOMMASO, 2007). REFERÊNCIAS D` ASSUNÇÃO, Vanise Dalla Vechia; D`ASSUNÇÃO, Marco Aurélio. Anorexia nervosa e bulimia nervosa: aspectos fisiopatológicos e clínicos. In: GUILHARDI, Hélio José; MADI, Maria Beatriz Barbosa Pinto; QUEIROZ, Patrícia Piazzon; SCON, Maria Carolina (Org). Sobre Comportamento e Cognição: questionando e ampliando a teoria e as intervenções clínicas e em outros contextos. Vol.8. São Paulo: Arbytes Editora, 2002. Cap.34.p.296-308. SEGATTO, Cristiane; PADILLA, Ivan; FRUTUOSO, Suzane. Por dentro da mente de uma anoréxica. Revista Época, São Paulo, n. 444, p.93-99, nov.2006. TOMMASO, Marco Antonio de. Beleza ideal. Revista Psique Ciência e Vida. São Paulo, n.7, p. 54-61, jul. 2007.
NOTA DE RODAPÉ 1 Aluna do curso de Psicologia do Centro universitário Newton Paiva do estágio supervisionado pela professora Maria Regina.
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O DESAFIO DA CLÍNICA COMPORTAMENTAL INFANTIL Sheila Estevão de Souza1 A clínica comportamental infantil inicialmente se relacionava, ao behaviorismo metodológico (comportamentos observáveis por várias pessoas, medidas objetivas e quantificáveis, uso de estratégias comportamentais e de conhecimento científico produzido até então. Neste momento o trabalho desenvolvido era o de a partir da queixa (dos pais), trabalhar apenas os comportamentos desadaptativos observáveis da criança. ( CONTE e REGRA, 2000, p. 84) Para Conte e Regra (2000, p. 84-85), hoje se utiliza muitas das descobertas do behaviorismo metodológico, porém de maneira totalmente diferente. Especificar os antecedentes e os consequentes dos comportamentos ajuda a levantar hipóteses sobre as possíveis funções tanto do comportamento como dos estímulos e identificar se o comportamento pode ou não estar sensível às contingências. Especificar as situações em que eles ocorrem favorece também a análise do contexto e dos tipos de controle de estímulos presentes. Assim, introduzir tal forma de análise, inclui os comportamentos encobertos e a avaliação da relação terapêutica não foi simples somatória no processo evolutivo da psicoterapia comportamental infantil, mas uma grande mudança qualitativa, que alterou em muito sua forma de trabalho. Esse avanço é de suma importância para a clínica com crianças, sendo que o foco de intervenção passa a ser a criança e não apenas as queixas que os pais trazem sobre a forma como se comporta. Lohr (1999) apresenta em seu trabalho alguns dos questionamentos mais freqüentes quando se trabalha com crianças. O primeiro deles seria quem seria o paciente? A criança? Os pais? E ainda qual seria o repertório eficiente no mundo que a criança se e encontra? Para Bandura (1978) apud Lohr (1999), muitas das dificuldades que ocorrem no trabalho com crianças estão ancoradas em aspectos mais amplos do que na questão meramente pragmática, transcendendo desta forma a idéia de intervenções específicas para problemas específicos. Não há um tipo de intervenção padrão em terapia comportamental, seja ela dirigida a adultos ou crianças. É necessário que o terapeuta tenha ética e com o maior grau de neutralidade possível, analisar o caso, avaliando as dificuldades apresentadas, suas implicações para a vida do cliente, recursos de que dispõe para o manejo destas, para, de posse de
um panorama da questão, delinear um programa de intervenção, que pode ser dirigido tanto à criança quanto a seus responsáveis, ou a toda a família. Segundo Lohr (1999), a terapia comportamental infantil, para viabilizar uma intervenção bem-estruturada e com maior margem de acerto, deve buscar dados e pautar a atuação de forma a incluir o maior número de sistemas interatuantes possíveis. Segundo Conte e Regra (2000) a evolução da análise funcional do problema-queixa evoluiu, incluindo mais eventos do que apenas a tríplice relação contingência, embora esta tenha continuado a ser sua base. Passou a incluir as variáveis orgânicas (uma vez que a relação organismo e comportamento foi se tornando cada vez mais conhecida), bem como eventos de contexto, comportamentos encobertos e o papel do comportamento verbal, aberto ou encoberto, que ocorre, principalmente, durante as sessões de atendimento direto aos pais à criança. Segundo Lohr (1999), problemática freqüente dos terapeutas comportamentais infantis se refere ao fato de outros trazerem o problema da criança. Krumboltz e Thoresen (1969), citam as dificuldades em lidar com situação em que o problema é de outra pessoa. O comportamento inadequado da criança (queixa dos pais) trouxe ou traz, um ganho para o indivíduo e para sua família, e pode ser determinado e mantido por contingências de reforçamento ou governado por regras. O contexto em que a criança está, parece funcionar como estabelecedor de determinados tipos de interação entre pais e filhos. ( CONTE E REGRA, 2000, p. 94) Em terapia comportamental infantil, verificamos muitas vezes que são os professores ou os pais que encaminham a criança por observarem dificuldades comportamentais na criança, como agressividades, timidez, etc. (LOHR, 1999) Diante deste contexto o desafio do terapeuta comportamental é o de discriminar a queixa dos pais, sobre o comportamento que o filho emite em determinado ambiente, verificando como é a resposta em outros contextos. Levando em conta ainda os comportamentos encobertos da criança. Deixando claro para a família que aquela comportamento tem função no ambiente em que é emitido, podendo assim oferecer novas contingências para a ampliação do repertório comportamental infantil.
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REFERÊNCIAS CONTE, Fátima Cristina; REGRA, Jaíde A. A psicoterapia comportamental infantil: Novos aspectos. In: SILVARES, Edwigens. Estudos de caso em psicologia clínica comportamental infantil. Campinas: Papirus, 2000. 2 v. LOHR, Suzane Schmidlin.Problemas na terapia comportamental infantil. In: WIELENSKA, Regina Christina. Sobre comportamento e cognição. Santo André: Arbytes, 1999 4 v.
NOTA DE RODAPÉ 1 Aluna do curso de Psicologia do Centro universitário Newton Paiva do estágio supervisionado pela professora Maria Regina.
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TRATAMENTO DA FOBIA SOCIAL NA ABORDAGEM COGNITIVO-COMPORTAMENTAL Clara Maiello Viana1
Atualmente, muito se tem falado dos problemas em relação à ansiedade. Alguns autores da linha cognitivo-comportamental, como Gentil (1997), Costello (1998), Picon (2003), Zamignani e Banaco (2005), entre outros, vêm realizando pesquisas com o objetivo de buscar estratégias terapêuticas mais específicas para lidar com essa queixa. O alto grau de ansiedade, sofrida por sujeitos que vivem diante de grandes expectativas e mudanças, pode provocar vários transtornos psíquicos, dentre eles o transtorno de ansiedade. Este artigo abordará a Fobia Social, um tipo de transtorno de ansiedade, que apresenta um desafio terapêutico considerável e está frequentemente associado a outros transtornos psiquiátricos. Primeiramente, será conceituada a ansiedade. Segundo Gentil (1997), a ansiedade pode ser definida como um estado emocional desagradável, acompanhado de desconforto somático. Normalmente, possui relação com um evento futuro. O desconforto apresentado na ansiedade é normalmente descrito, por aquele que o sente, como “frio na barriga”, “coração apertado”, “nó na garganta”, “mãos suadas” e é, além disso, sentido como paralisante. O termo ansiedade, todavia, pode referir-se a eventos bastante diversos, tanto no que diz respeito a estados internos do sujeito, quanto a processos comportamentais que produzem esses estados internos. Muitos eventos descritos como agradáveis podem implicar em um sentimento de ansiedade, principalmente quando envolvem espera. Entretanto, é principalmente quando a ansiedade se refere à relação do indivíduo com eventos aversivos em suas múltiplas possibilidades de interação, que ela adquire o status de queixa clínica (ZAMIGNANI; BANACO, 2005, p.78). Para Picon (2003), os sintomas aparecem em diversas situações cotidianas e têm se tornado cada vez mais comum na vida das pessoas. Sensações e impressões errôneas da realidade, como o sofrimento por aflições antecipadas, pela probabilidade de algum acontecimento, causando sentimento de angústia e mal-estar, podendo alterar negativamente as atividades do cotidiano,e atrapalhar as atividades intelectuais do sujeito, podem indicar um transtorno de ansiedade.
Segundo Zamignani e Banaco (2005), o padrão de comportamento característico dos transtornos de ansiedade é o de esquiva fóbica: na presença de um evento ameaçador ou incômodo, o indivíduo emite uma resposta que elimina, ameniza ou adia esse evento. O que diferencia cada um desses transtornos é o tipo de evento experimentado como ameaçador ou incômodo e o tipo de resposta na qual o sujeito se engaja de forma a produzir uma diminuição do contato com o estímulo aversivo. Os autores citam os diferentes transtornos de ansiedade: Fobia Simples, Fobia Social, Pânico, Agorafobia, Stress Pós-Traumático, Ansiedade Generalizada e Aguda e TOC (Transtorno Obsessivo-Compulsivo). Será abordada a Fobia Social, também conhecida como Transtorno de Ansiedade Social. Dentro do referencial cognitivo-comportamental, a fobia social pode ser enquadrada no modelo etiológico proposto por Barlow, em 1993, para os transtornos de ansiedade (Cia, 1994), que surge com alguns fatores desencadeantes associados a uma vulnerabilidade biológica e psicológica. Segundo Picon (2003), até a década de 80, os casos de ansiedade ou fobia social eram descritos na literatura da área de Psicologia como timidez patológica, ansiedade de encontro ou mesmo insegurança. Em 1980, com a publicação do DSM-III, o quadro passou a constar como categoria diagnóstica. Hoje, a ansiedade social é definida como medo marcante e persistente de uma ou mais situações sociais ou de desempenho, em que o indivíduo se sente exposto a desconhecidos ou a uma possível avaliação dos outros (American Psychiatric Association, 1994). Picon (2003) acrescenta que os modelos cognitivos mais atuais da fobia social se baseiam em uma série de crenças comuns de que os fóbicos sociais têm sobre si mesmos e sobre o mundo que os cerca, que os faz acreditar que estão em permanente perigo social ou de agir de forma imprópria e, como conseqüência, serem negativamente avaliados ou rejeitados pelos outros. Os modelos cognitivos atuais de fobia social possibilitaram o desenvolvimento de técnicas mais específicas, com maior chance de sucesso terapêutico, que estão atualmente em uso clínico e aguardam estudos de sua efetividade. Para Picon (2003), os objetivos da terapia cognitivo-comportamental, em pacientes portadores de fobia social são: diminuir a ansiedade que antecede as situações sociais temidas, diminuir os sintomas fisiológicos de ansiedade associados, diminuir Revista de Psicologia - Edição 1 l
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as cognições de auto-avaliação negativa e avaliação negativa pelos outros, diminuir as hesitações sociais, tratar as comorbidades, diminuir as limitações do paciente e melhorar a qualidade de vida. O mesmo autor aponta que a terapia cognitivo-comportamental é de tempo usualmente limitado, orientada para o presente, e ensina o paciente a desenvolver competências cognitivas e comportamentais necessárias para um funcionamento intra e interpessoal mais adaptado; depende fundamentalmente de um processo colaborativo entre terapeuta e paciente para atingir os objetivos do paciente. Dessa forma, ela classifica em dois grupos os processos pelos quais o paciente deve passar durante o tratamento da Fobia social: técnicas cognitivas e técnicas comportamentais. As técnicas são apresentadas a seguir: TÉCNICAS COGNITIVAS: Familiarização com o modelo e conceituação do caso: seguindo-se a avaliação inicial, o terapeuta tem de familiarizar o paciente com o modelo cognitivo, que começa com a identificação dos pensamentos automáticos nas situações que despertam ansiedade social. Esses pensamentos devem ser investigados durante toda a terapia. Paralelamente, são identificadas as suposições condicionais, ou seja, regras com as quais o paciente enfrentou suas crenças centrais. Surge, então, a questão de quais estratégias compensatórias o paciente desenvolveu para enfrentar sua crença central. Modificação do autoprocessamento: o autoprocessamento pode ser trabalhado com intervenções que visam mudar o foco de atenção do paciente sobre si mesmo para o ambiente ou interlocutor a que se dirige, buscando pistas sociais reais de aprovação ou eventual desaprovação de seu desempenho. Após essas tarefas, o paciente é orientado a formular pensamentos ou auto-apreciações mais racionais a respeito de seu desempenho social. Reestruturação cognitiva: focaliza as distorções cognitivas do paciente para entender seu “sistema de crenças” para, por
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meio da terapia, modificá-las. TÉCNICAS COMPORTAMENTAIS: Exposição sistemática: a exposição nos quadros de Fobia Social tem por objetivo levar o paciente ao enfrentamento das situações sociais temidas, mantendo-se psicologicamente engajado, de forma que o processo natural de condicionamento, envolvido no medo da situação social, apresente redução da ansiedade desperta por meio da habituação e da extinção. Elas devem ocorrer de forma gradual, das situações menos ansiogênicas para as mais ansiogênicas, obtendo-se, assim, um grau de maestria crescente no paciente, em relação às suas capacidades de lidar com as situações alvo, aumentado sua auto-eficácia, sua segurança em lidar com as situações sociais e aumentando sua auto-estima. Manejo de ansiedade: as técnicas de manejo da ansiedade podem acrescentar benefícios e ser usadas em conjunto com a exposição. Elas incluem relaxamento, treinamento de respiração e o redirecionamento de atenção. Treinamento de habilidades sociais: esse treinamento tem como base o pressuposto de que os fóbicos sociais apresentam muitas vezes déficits e inibições sociais marcados e visa desenvolver habilidades que permitam o entrosamento social, diminuindo a ansiedade de desempenho e promovendo uma interação verbal mais efetiva. Essa abordagem também pode resultar em melhora do quadro por redirecionar a atenção autofocada do paciente. O transtorno de ansiedade social ou fobia social é um quadro com importante morbidade, e seus portadores devem ser tratados de forma enfática, uma vez estabelecido o diagnóstico. A terapia efetiva requer uma integração criativa das múltiplas abordagens terapêuticas eficazes existentes. O desenvolvimento de técnicas específicas para os casos de fobia social apresenta-se como uma ferramenta a mais no campo das psicoterapias e pode trazer resultados promissores, a serem confirmados por novos estudos de efetividade da terapia cognitivo-comportamental que as contemplem.
REFERÊNCIAS AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Diagnostic and statistical manual of mental disorders. 4 ed. Washington: APA, 1994. p. 142. CÍA, AH. Ansiedad, estrés, pánico, fobias – transtornos por ansiedad: evaluación diagnóstica, neurobiologia, farmacoterapia, terapia cognitiva conductual. Buenos Aires: Sigmá, 1994. p.12. GENTIL, V. Ansiedade e Transtornos Ansiosos. In: Valentim Gentil, Francisco Lotufo-Neto e Márcio Antonini Bernik (org.): Pânico, Fobias e Obsessões. São Paulo: Edsup, 1997. p.168. PICON, Patrícia. Terapia Cognitivo-Comportamental do Transtorno de Ansiedade Social, In: CAMINHA, R.M; WAINER, R.; OLIVEIRA, M.; PICCOLOTO, N.M. Psicoterapias Cognitivo-Comportamentais: teoria e prática. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003. p. 129-144. ZAMIGNANI, D.R; BANACO, R.A. Um panorama analítico-comportamental sobre os Transtornos de Ansiedade. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva (RBTCC), São Paulo, v. VII, nº 1, p. 77-92, 2004. Disponível em: <http://revistas.redepsi.com.br/RBTCC/article/viewFile/44/33> Acesso em 6 out. 2008.
NOTA DE RODAPÉ 1 Aluna do curso de Psicologia do Centro universitário Newton Paiva do estágio supervisionado pela professora Maxleila Reis.
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ASSERTIVIDADE NA RELAÇÃO ENTRE CASAIS Cristiane Ferreira Duarte1 “Os principais problemas enfrentados hoje pelo mundo só poderão ser resolvidos se melhorarmos nossa compreensão do comportamento humano”.(SKINNER, 1974, p. 08.)
A crise atual da família, com casais que se queixam de insatisfação conjugal, atribuída às dificuldades de comunicação, tem provocado o interesse de muitos pesquisadores de diversas áreas das ciências humanas. É necessário avaliar a possível influência de variáveis conjugais, tais como habilidades sociais, forma de controle e comunicação na mútua satisfação. As relações teóricas obtidas podem ajudar a predizer mudanças comportamentais na comunicação conjugal, com um possível aumento da satisfação conjugal. Para compreender como uma pessoa desenvolve um comportamento agressivo, é melhor entender o que causa esse comportamento, observando primeiro em que tipo de ambiente ela está inserida e saber de que forma ela aprendeu a ser agressiva. Ninguém nasce agressivo, os comportamentos são construídos ao longo dos anos da vida do indivíduo, pelas contingências de reforço. Segundo Del Prette (1999), as habilidades sociais envolvem habilidades para selecionar informações úteis e relevantes de um contexto interpessoal e o uso dessa informação para determinar comportamentos apropriados à meta e à execução de comportamentos verbais e não verbais, que aumentem a probabilidade de obter e manter a boa relação com os outros. Segundo Neno e Tourinho (2003, p.66), nas relações afetivas, é importante que haja espaço tanto para as declarações de amor quanto para as manifestações de discordância, insatisfações etc. Na relação entre os membros do casal, muitas vezes são geradas impressões errôneas, que trazem dificuldades e aborrecimentos desnecessários, porque não há uma disposição para rever, modificar ou confirmar aquela impressão. A pessoa assertiva é aquela que se torna capaz de agir em seus próprios interesses, se afirma sem ansiedade indevida e expressa seus sentimentos sinceros sem constrangimento ou exercita seus direitos, sem negar os deveres. A pessoa assertiva é aberta e flexível, preocupa-se com o bem- estar e os direitos dos outros. No entanto, a vivência de situações extra-familiares impõe, a todo instante novos desafios interpessoais. Cabe aos indivíduos, sujeitos de seus próprios desejos e convicções, saberem se comportar assertivamente, sem afetações, falsos elogios ou agressões verbais ou físicas. 90 l
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Nas relações sociais, essas necessidades afloram, tornam-se evidentes. Ser capaz de lidar adequadamente com as necessidades existenciais e sociais implica em ser socialmente hábil. Comportar-se de maneira habilidosa deve envolver intencionalidade e conduta hábil, caso contrário, o comportamento estará destituído de significado. Segundo Anton (2000), imagens idealizadas a respeito do relacionamento conjugal, que podem ter sido sustentadas no tempo do namoro, tal como a da “alma gêmea”, ou outras ilusões acerca do amor, geram uma idealização de que as afinidades entre parceiros são tamanhas, que são capazes de anular as diferenças e fazer com que nunca ocorram divergências. Segundo Conte e Brandão (2003, p. 7), ser assertivo é um comportamento que envolve discriminar o momento certo de falar e como se expressar claramente quanto aos sentimentos pensamentos, competindo tanto com a passividade quanto a agressividade. Segundo as mesmas autoras, o comportamento assertivo promove conseqüências tais como: facilitação da solução de problemas interpessoais, elevação do senso de auto- eficácia, maior tranqüilidade e maior qualidade nos relacionamentos afetivos. Falar de forma assertiva é bom pelas conseqüências positivas que podem surgir, tanto na resolução dos problemas como pela possibilidade de reafirmação do eu e também pelo valor que a sociedade dá a tais comportamentos. Muitas vezes esses valores sociais não se fazem suficientemente claros e fortes para adquirir controle sobre nossa conduta. (CONTE; BRANDÃO, 2003, p.10) A não observação do ambiente no qual se está interagindo também pode gerar passividade. Agir passivamente pode provocar um círculo de ações que se repetem indefinidamente. O agir passivamente gera feedback negativo, o que acarreta uma atitude de auto-depreciação e, possivelmente, a repetição da passividade. As verdades que nos levam a crer que temos “bola de
cristal” e, portanto, sabemos exatamente “qual era a intenção” da outra pessoa. Imaginamos que sabemos o que o outro quer dizer ou fazer mesmo antes diga ou faça.Isto nos afasta da realidade que está sendo vivida a cada momento. Pessoas que não observam a realidade em que estão vivendo tornam-se inadequadas: muitas vezes caluniam, acusam, são tolerantes, agressivas e não deixam o outro falar. (CONTE; BRANDÃO, 2003, p.80) O aprendizado de respostas assertivas pode inibir ou enfraquecer a ansiedade experimentada previamente em interações sociais específicas. Quando a pessoa se torna mais capaz de afirmar ou agir por iniciativa própria, ela reduzirá significativamente sua ansiedade em situações críticas e aumentará seu senso de valor como pessoa. O grande exercício para quem deseja ser assertivo com as pessoas é compreender, na prática, as contingências reais, comportando-se de forma serena, não passiva diante das situações que são apresentadas e controlando comportamentos impulsivos para não se tornar agressiva, tampouco se fechar em suas verdades e papéis. A história pessoal dos cônjuges modela a aprendizagem de seus próprios comportamentos. Diante disso, cada um tem o papel de refletir sobre a forma como tem se comunicado com seu parceiro, no intuito de obter maior diálogo, aprimorando suas interações. O casal deve refletir sobre seus comportamentos, levando em consideração a reflexão dos modelos de comunicação aprendidos na história de vida de cada um e as habilidades de comunicação peculiares à individualidade dos cônjuges. A intervenção do Psicólogo comportamental no relacionamento do casal se faz sob controle dos efeitos clínicos, no que se refere à expressividade emocional dos cônjuges, o que contribui para a minimização dos problemas familiares. Até o ponto de se fazer uma intervenção, de acordo com Silvares (2000), se faz necessário uma avaliação diagnóstica do comportamento do casal, que ocorre nas várias fases da relação do casal. É necessário identificar as causas do problema, buscando conhecer a natureza do mesmo, ou seja, as contingências atuais e passadas. Depois, é necessário fazer uma análise funcional, investigando os fatores mantenedores da condição problemática do casal. E, por fim, deve ser feita uma avaliação de tratamento, observando mudanças ocorridas, possíveis efeitos benéficos e satisfatórios. O psicólogo comportamental pode identificar e entender os tipos de contingências de reforço, de regras que governam o comportamento e variáveis envolvidas no relacionamento do casal, que estejam desempenhando o controle dos comportamentos. Portanto essas intervenções podem ser feitas a fim de
minimizar e até mesmo extinguir os comportamentos, dentro e fora do contexto da relação do casal, possibilitando novas formas saudáveis de convivência. REFERÊNCIAS ANTON, Iara L. Camaratta. A Escolha do Cônjuge: Um entendimento Sistêmico e psicodinâmico. Porto Alegre: Artmed, 1998. 300 p. ALBERT,R.E.;EMMONS,M.L, Michael. Comportamento assertivo: Um guia de Auto- Expressão. Trad. Jane Maria Correa. Belo Horizonte: Interlivros, 1978. 147 p. NETO, Simone; TOURINHO, Emmanuel Zagury.Dizer “eu te amo” também é ser assertivo. In: CONTE, Fátima C; BRANDÃO, Maria Z. S. (org.). Falo ou não falo? Expressando sentimentos e comunicando idéias. Arapongas: Editora Mecenas Ltda, 2003, cap.7, p. 61- 83. MALDONADO, M.T. Casamento: término e reconstrução. Petrópolis: Vozes. 223 p. MORAES, Carmem Garcia de Almeida; MURARI, Silvia Cristiane. A intervenção clínica em grupos de crianças filhos de pais separados. In. SILVARES, Edwiges Ferreira de Mattos (org.). Estudo do caso em Psicologia Clínica Comportamental Infantil. Campinas, SP: Papirus, 2000, cap.4, p. 86. SKINNER,B.F. Ciência e Comportamento humano. Tradução de João Claudio Todorov e Rodolfo Azzi. São Paulo: Edart, 1974. 252 p.
NOTA DE RODAPÉ 1 Aluna do curso de Psicologia do Centro universitário Newton Paiva do estágio supervisionado pela professora Maxleila Reis.
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A RELAÇÃO TERAPÊUTICA NA TERAPIA COMPORTAMENTAL Flávia Cifuentes Dias Silva1 Para Villani (2002), a Terapia comportamental visa à alteração das contingências às quais o cliente está exposto, aquelas que lhe causam sofrimento. Essa abordagem tem como fundamentação o Behaviorismo Radical e a Análise experimental do comportamento, em que a concepção de homem e as leis que regem o seu comportamento sustentam a sua prática. De acordo com Delitti (2005), um dos objetivos da terapia comportamental é promover mudanças no repertório do cliente, assim o processo terapêutico pode ser considerado como um processo de ensino-aprendizagem, no qual o terapeuta visa modificar (extinguir/instalar) comportamentos que possibilitem uma melhor interação com o ambiente. O processo terapêutico tem como função principal “conscientizar o cliente das contingências em operação na sua vida, compreendendo como certas coisas são feitas e por que são feitas” (BAPTISTUSSI, 2000, p. 158). Essa conscientização visa à modificação dos aspectos causadores de problemas para o cliente, na medida em que a meta é dar consciência por meio da descrição de contingência, de forma que o cliente emita novos comportamentos e tenha conseqüências reforçadoras, explica a mesma autora. Na década de 80, os analistas do comportamento passaram a dar ênfase à relação terapeuta-cliente. Desde então, o comportamento de ambos passou a ser objeto de análise, e não apenas do cliente, contrariando a concepção de neutralidade atribuída anteriormente à pessoa do terapeuta, relatam Velasco e Cirino (2002). De acordo com essa consideração, o processo terapêutico é analisado como uma relação interpessoal entre o terapeuta e o cliente, denominada como relação terapêutica. Vale acrescentar que a relação terapêutica e processo terapêutico são distintos, mas interdependentes. “A relação terapêutica [segundo o enfoque da Teoria Comportamental] é uma das importantes variáveis que compõem um processo terapêutico [...]” (VALESCO; CIRINO, 2002, p. 34). A relação terapeuta-cliente é influenciada por uma série de fatores e se desenvolve como um processo de modelagem do desempenho do cliente e do próprio terapeuta, pois ele levanta hipóteses e desenvolve análises a partir de suas observações do comportamento do cliente e de seu referencial teórico. Conforme as hipóteses vão sendo testadas, as análises vão se modificando, novos comporta92 l
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mentos vão sendo testados e modelados pelas suas conseqüências. (BAPTISTUSSI, 2000, p. 158). Como afirma Delitti (2005), desde que haja reciprocidade na díade terapeuta-cliente, a terapia passa a ser considerada um processo de influência mútua e ocasião de aprendizagem, em que o terapeuta poderá instalar comportamentos mais adequados, treinar discriminações de encobertos e planejar a generalização desses padrões para via do cliente. Quando o cliente percebe que a relação terapêutica é uma relação na qual ele é tratado com cuidado, escutado com atenção, sem julgamento e apoiado, ele passa a se sentir mais à vontade, protegido, adquirindo a confiança em seu terapeuta, identificando esse relacionamento como especial e, aos poucos, começa a revelar informações sobre a sua vida. Como conseqüência, as respostas adquiridas e reforçadas nesta interação freqüentemente se generalizam para outros ambientes, ficando sob controle das contingências naturais. Uma relação terapêutica duradoura, conforme Delitti (2005, p. 360), “é aquela embasada num sólido vínculo terapeuta-cliente, vínculo este que se torna estímulo reforçador para que o cliente progrida e seja perseverante nas tarefas comportamentais propostas pelo terapeuta”. Então, é por meio da própria relação terapêutica que é possível conhecer mais detalhadamente como o cliente se comporta e as razões pelas quais se comporta de tal maneira. Essa relação requer intimidade, cuidado, respeito, confiança, cumplicidade e sinceridade. O terapeuta assume um papel extremamente importante na vida do cliente e deve zelar por ele, eliminando julgamentos, punições e críticas, acrescentam Velasco e Cirino (2002). Meyer e Vermes (2001) explicam que, no início desse processo terapêutico, o terapeuta oferece expressões gerais de aprovação (reforço positivo) apenas pelo fato do cliente estar fazendo terapia. E aos poucos o terapeuta passa a selecionar classes de comportamentos, indicando mudanças relevantes, de acordo com os objetivos previamente estabelecidos pelo cliente. Portanto é dever do terapeuta comportar-se de modo a minimizar o sofrimento do cliente, a partir de estímulos discriminativos e disposição de conseqüências, que levem às mudanças comportamentais mais efetivas. Este profissional precisa apresentar as seguintes características: postura empática e compreensiva, aceitação desprovida de julgamentos, autenticidade, autoconfiança e flexibilidade na aplicação das técnicas, segundo Meyer e Vermes (2001).
Conforme Villani (2002), outro dever do terapeuta é ensinar o cliente a conhecer e manipular suas próprias contingências naturais, das quais seu comportamento é função, e assim modelar o seu repertório de autoconhecimento. O autoconhecimento é essencial na vida do indivíduo. “Na terapia, através de perguntas ou comentários que o terapeuta faz, o cliente fica consciente de si mesmo, ou seja, é capaz de prever e controlar o seu próprio comportamento mais adequadamente” (DELITTI, 2005, p. 364). A terapia propicia esse autoconhecimento, tendo o terapeuta, como tarefa principal, que estabelecer relações funcionais entre comportamentos abertos e encobertos e/ou regras que controlam o comportamento do cliente, explica a mesma autora. E em relação ao cliente, como explicam Meyer e Vermes (2001), alguns de seus comportamentos exigem um trabalho especial do terapeuta para possibilitar o estabelecimento de uma relação terapêutica satisfatória. De acordo Shinohara (2000) e outros autores, na relação terapêutica, a falta de motivação do cliente é uma das principais dificuldades apresentadas. Bischoff e Tracey (1995, citados por MEYER; VERMES, 2001 p. 105) “demonstraram, em um estudo, que a resistência do cliente ao tratamento é preditiva de um abandono prematuro”. A seguir alguns cuidados específicos importantes que o terapeuta deve ter com determinados clientes: se o cliente apresenta padrão de comportamento dominador, é aconselhável que o terapeuta não tente impor um ponto de vista; se o padrão for persecutório, são recomendadas aceitação e tolerância; se apresentarem comportamentos hostis, o terapeuta não deve pressioná-lo; se apresenta sempre queixas, é requerida paciência; se o padrão de comportamento for de submissão e dependente, é aconselhável modelar as conquistas em pequenos passos. (RANGÉ, 1995, citado por MEYER; VERMES, 2001, p. 105). Cabe ao terapeuta ficar atento às variáveis do cliente, apresentando flexibilidade para prosseguir com o tratamento. Velasco e Cirino (2002) explicam que a relação terapêutica se modifica o tempo todo, em um movimento levado pelas peculiaridades do cliente e do terapeuta, com isso novas contingências se estabelecem e uma nova relação se constrói, ou seja, ao conhecer mais a vida do cliente, mais se conhece as possibilidades de mudanças e as necessidades oriundas de suas queixas. Para os mesmos autores, a relação terapêutica é uma relação de entrega, e será o “calor” dessa interação que determinará um melhor ou pior andamento do processo. Então, para que se adquira um melhor andamento nesse processo, terapeuta e cliente devem trabalhar juntos, para que as metas e procedimentos se estabeleçam com sucesso nessa relação. Assim, a relação terapêutica consegue estabelecer o terreno
para que as relações interpessoais do indivíduo se tornem mais saudáveis, acrescenta Shinohara (2000). REFERÊNCIAS BAPSTISTUSSI, Maria Cantarelli. Bases teóricas para o bom atendimento em clínica comportamental. In: WIELENSKA, Regina Christina, et al. Sobre comportamento e cognição: questionando e ampliando a teoria e as intervenções clínicas e em outros contextos. Santo André: ARBytes, 2000, vol. 6, cap. 19, p. 156-162. BISCHOFF.M.M.; TRACEY.T.J.C. Client resistance as predicted by therapiste behavior: a study of sequential dependence. Journal of Counseling Psychology. V. 42, n. 4, p. 487-495, 1995. Apud MEYER, Sônia; VERMES, Joana Singer. Relação Terapêutica. In: RANGÉ Bernard. Psicoterapias cognitivo-comportamentais: Um diálogo com a psiquiatria. Porto alegre: Artmed Editora, 2001. cap. 6, p. 101-110. DELITTI, Maly. A Relação Terapêutica na Terapia Comportamental. In: GHILHARD, Hélio José e AGUIRRE, Noreen Campbell (org.). Sobre comportamento e cognição: Expondo Variedades. Santo André: ESETec Editores Associados, 2005. vol. 15, cap. 32, p. 360 -369. MEYER, Sônia; VERMES, Joana Singer. Relação Terapêutica. In: RANGÉ Bernard. Psicoterapias cognitivo-comportamentais: Um diálogo com a psiquiatria. Porto alegre: Artmed Editora, 2001. cap. 6, p. 101-110. RANGÉ, B. Relações terapêuticas. In: RANGÉ. B. (Org.). Psicoterapia comportamental de transtornos psiquiátricos. Campinas: Workshopsy, 1995. p. 43-61. Apud MEYER, Sônia; VERMES, Joana Singer. Relação Terapêutica. In: RANGÉ Bernard. Psicoterapias cognitivo-comportamentais: Um diálogo com a psiquiatria. Porto Alegre: Artmed Editora, 2001. cap. 6, p. 101-110. SHINOHARA, Helene. Relação terapêutica: o que sabemos sobre ela? In: KERBAUY, Rachel Rodrigues, et al. Sobre comportamento e cognição: Conceitos, pesquisa e aplicação, a ênfase no ensinar na emoção e no questionamento clínico. Santo André: ARBytes, 2000. vol. 5, cap. 27, p. 229-233. VELASCO, Saulo Missiaggia; CIRINO, Sérgio Dias. A Relação terapêutica como foco da análise na prática clínica comportamental. In: TEIXEIRA, Adélia Maria Santos ET AL. Ciência do Comportamento: conhecer e avançar. Santo André: ESETec, 2002. vol. 1, cap. 5, p. 34-41. VILLANI, Maria C. Seixas. Considerações sobre o desempenho do terapeuta comportamental. In: TEIXEIRA, A. M. S. (org.) et al. Ciência do Comportamento: conhecer e avançar. São Paulo: ESETEC, 2002. p. 27-33.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Aluna do curso de Psicologia do Centro universitário Newton Paiva do estágio supervisionado pela professora Maxleila Reis.
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REFLETINDO SOBRE AS CAUSAS DOS COMPORTAMENTOS VIOLENTOS Gladson de Almeida Prado1 Pode-se acompanhar, mais especificamente no decorrer das duas últimas décadas, uma crescente preocupação relacionada ao aumento e à proliferação da violência. Esse fenômeno tem sido observado não só no Brasil, mas em todo o mundo, uma vez que há muito a violência e a criminalidade vêm garantindo um espaço e ganhando destaque nos mais variados meios de comunicação, principalmente os de massa, em notícias coletadas e veiculadas em diversas partes de nosso planeta. As discussões sobre a violência, na maioria das vezes, não aprofundadas e sujeitas à influência da mídia, permeiam a sociedade, nas suas mais diversas camadas, e incidem sobre a opinião pública, modificando sobremaneira a forma de se pensar sobre o assunto. Dever-se-ia, então, se questionar sobre quais seriam as variáveis determinantes da violência, quais as contingências favorecedoras, ou quais os agentes reforçadores e punidores poderiam atuar, nos mais diversos contextos de nossa sociedade, a fim de manter e alimentar o fenômeno. Visando demonstrar uma relação entre o ambiente em que se vive e a apresentação de comportamentos classificados como violentos, Andery e Sério (1997, p. 435) apontam que ao olharmos para a violência estamos falando do comportamento humano, ou seja, de relação entre os homens. Ao discutir a violência, na realidade, estamos analisando o homem que está sendo produzido e em que condições este homem está sendo produzido. Dessa forma, pode-se atentar para o fato de que o homem mantém relações com o ambiente, sendo que nessas relações são produzidas alterações em ambas as partes envolvidas, podendo sempre um evento ser o fato gerador de sentimentos e comportamentos. Souza (1997) classifica qualquer relação de dependência, entre eventos comportamentais e ambientais, como contingência. Sendo assim, o fenômeno da violência pode ser entendido, também, como sendo originado nas relações dos indivíduos considerados como violentos e o ambiente ou contexto, principalmente social, em que vivem. De acordo com Andery e Sério (1997), a violência pode ser entendida como sinônimo de coerção e como a presença de 94 l
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controle aversivo nas interações entre os homens e a natureza. Pode-se perceber um delineamento do panorama social gerador da violência, pois, ao se analisar as contingências sociais, a partir da perspectiva apontada até aqui, teremos de um lado, membros da sociedade, marginalizados, frutos de relações tensas e hostis, reproduzindo, por meio de seus comportamentos, o retrato das relações e do ambiente em que viveram. Por outro lado, temos uma grande parcela da sociedade vivendo acuada, assustada devido ao aumento de ações violentas, reforçando-se, negativamente, no comportamento de tomar medidas, na maioria das vezes também coercitivas, na tentativa de afastar tais ações. Segundo a compreensão de Sidman (1995, p. 51), a respeito da coerção: Na linguagem cotidiana, ser coagido é ser compelido sob jugo ou ameaça a fazer algo “contra nossa vontade”. Mas analistas do comportamento afirmam que todo nosso comportamento é controlado e, neste sentido, tudo que fazemos é “contra nossa vontade”. “Jugo” e “ameaça”, entretanto, se aproximam de uma definição comportamental de coerção; esses termos se referem a classes de consequências, reais ou potenciais, que controlam nosso comportamento. [...]. No que se refere à punição, Sidman (1995) esclarece que ela é um mecanismo utilizado com o objetivo de impedir os comportamentos inaceitáveis, por meio da apresentação de um estímulo aversivo ou retirada de algo que nos reforça positivamente, compreendendo, respectivamente, a punição positiva e a punição negativa. Os comportamentos violentos podem então ser analisados como produtos de relações praticadas em ambientes hostis, onde a coerção estaria presente, em suas mais diversas formas, como por exemplo, a fome, a miséria, o controle excessivo e repressor das instituições sociais, a segregação social e muitos outros aspectos que se tornam fatores de contribuição à formação do repertório comportamental de quem vive ou transita nesses contextos. O controle exercido em nossa cultura é, na maioria das vezes, traduzido como agressão, punição e restrição de liberdade, principalmente no que se refere ao controle social exercido so-
bre as minorias e classes sociais de menor poder aquisitivo, o que contribui para o aumento da iniqüidade. Exercido de maneira coercitiva, o controle gera, então, o que pode ser denominado como contra-agressão ou contra-controle, por meio do qual os indivíduos, que foram expostos ao controle coercitivo, tentam agir em busca da libertação dessa forma de controle, mesmo sem terem ciência disso, pois, na maioria das vezes, as pessoas agem sem refletir sobre o que as leva ou o que as mantém agindo de determinada forma. Diante dessas circunstâncias, percebe-se a complexidade a respeito do quadro social da violência, uma vez que toda a sociedade e todas as instituições sociais estão implicadas na geração, manutenção e perpetuação do mesmo. Objetiva-se, então, trabalhar no intuito de buscar alternativas de ação que contribuam para a mudança desse quadro social, utilizando de formas de controle que sejam experimentadas pelos sujeitos como menos coercitivas ou, até mesmo, não coercitivas. Em relação a isso, Sidman (1995) aponta que as melhores alternativas de ação, contrárias à coerção, estão calcadas na utilização dos esquemas de reforçamento positivo. Seja em casa, nas instituições, nas escolas e outros contextos sociais, a apresentação e manutenção de estímulos prezerosos (reforçamento positivo) favorecerão respostas que, por sua vez, terão consequências agradáveis, desencadeando comportamentos socialmente desejados e compartilhados. No âmbito psicoterapêutico, Skinner (1985) argumenta que até mesmo a psicoterapia pode ser encarada como um tipo de agência controladora. Isso se deve ao fato de que ela lida com espécies de comportamento, promovendo efeitos no campo da emoção e no comportamento operante do indivíduo. Como o paciente geralmente procura a psicoterapia em decorrência de uma condição aversiva, um acolhimento, por parte do psicoterapeuta, inicialmente por meio de uma audiência não punitiva, e a criação de um ambiente que denote alívio, fazem com que este terapeuta seja percebido como uma figura que representa o poder. Nessa perspectiva, o poder controlador da psicoterapia tende a aumentar, na medida em que a interação entre os envolvidos no processo resulte em produção de alívio para o paciente. Para evitar que o paciente associe a psicoterapia a mais uma das agências controladoras que exercem poder, geralmente coercitivo sobre ele, Skinner (1985) recomenda que o terapeuta não faça um uso consistente do mecanismo da punição. Essa medida propiciará a emergência dos comportamentos punidos, até então reprimidos, no repertório do cliente, a fim de que tais comportamentos sejam elaborados na sessão, e de que sejam reduzidos os efeitos da punição. “A terapia não consiste em libertar um impulso perturbador, mas na introdução de variáveis que compensem ou
corrijam uma história que produziu o comportamento indesejável”. (SKINNER, 1985, p.358). Sendo assim, é importante que os indivíduos fiquem atentos às formas de controle que os permeiam para que possam identificá-las e construir possibilidades de ação que passem a ser disseminadas pela sociedade, na tentativa de mudar o quadro social atual, relativo à violência.
REFERÊNCIAS ANDERY, Maria Amália P. A.; SÉRIO, Tereza Maria. A violência urbana: aplica-se a análise da coerção? In: BANACO, Roberto Alves (Org.). Sobre Comportamento e Cognição: aspectos teóricos, metodológicos e de formação em análise do comportamento e terapia cognitivista. São Paulo: ARBytes, 1997. Vol. 1, cap. 41, p. 433–444. MONKEN, Eliane Maria Freitas (Org.). Orientações para Trabalhos Acadêmicos. Belo Horizonte: Centro Universitário Newton Paiva. 2004. 17p. SIDMAN, Murray. Nem todo controle é coerção. In:___. Coerção e Suas Implicações. Campinas: Editorial Psy, 1995. cap. 2, p. 44-64. _______. Coerção gera coerção. In: ___. Coerção e Suas Implicações. Campinas: Editorial Psy, 1995. cap. 14, p. 220-230. _______. Existe algum outro caminho? In: ___. Coerção e Suas Implicações. Campinas: Editorial Psy, 1995. cap. 16, p. 246-275. SKINNER, B. F. Psicoterapia. In: ___. Ciência e Comportamento Humano. São Paulo: Martins Fontes, 1985. cap. XXIV, p. 340-362. SOUZA, Deisy das Graças de. O que é contingência? In: BANACO, Roberto Alves (Org.). Sobre Comportamento e Cognição: aspectos teóricos, metodológicos e de formação em análise do comportamento e terapia cognitivista. São Paulo: ARBytes, 1997. Vol. 1, cap. 10, p. 82–87.
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DEPRESSÃO NA PERSPECTIVA DA ANÁLISE DO COMPORTAMENTO Luiz Felipe Oliveira de Amorim1
A investigação a respeito desse tema é de profunda relevância, haja vista as inúmeras necessidades de atendimentos psicoterapêuticos que os alunos estagiários recebem na Clínica de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. Essa demanda de tratamento da depressão pode ser quantificada conforme pesquisa dos autores Pinheiro e Estarque (2006). Segundo os autores, cerca de 4 a 24% da população vivem os efeitos da depressão, sendo que as mulheres apresentam duas vezes mais que os homens. Os mesmos autores destacam que esse é um distúrbio grave, que afeta os sentimentos, comportamentos, aparência, saúde, desempenho escolar, capacidade de tomar decisões e enfrentar situações que fazem parte do cotidiano. Apesar de toda uma literatura vasta sobre o tema da depressão, para Ballone (2008), as conseqüências e a sintomatologia são variadas de pessoa para pessoa. Para entendermos melhor essa diversidade dos sintomas depressivos, vamos considerar que, entre as pessoas, a depressão seria como uma bebedeira geral, na qual cada pessoa ficasse de um jeito; uns alegres, outros tristes, irritados, engraçados, dorminhocos, libertinos etc. A única coisa que todos teriam em comum é o fato de estarem sob efeito do álcool, todos estariam tontos, com os reflexos diminuídos etc. Na depressão, também, cada pessoa a manifestará de uma maneira, portanto deve-se tomar cuidado para diagnosticar a Depressão. Hunziker (1997) define depressão como sendo um termo técnico, que designa a “síndrome de desordem afetiva” ou “síndrome do humor deprimido”. A mesma autora ressalta alguns sintomas que possibilitam o diagnóstico, tais como tristeza intensa, agitação, passividade, falta de entusiasmo, autodepreciação, preocupação pessimista, insônia, anorexia, perda do interesse sexual. Além de sintomas, podem surgir sentimentos advindos do estado depressivo, como culpa ou a sensação de estar decepcionando amigos e familiares. Foi possível verificar alguns desses sintomas em casos atendidos pelo terapeuta-estagiário na clínica-escola. A cliente de nome fictício Maria, em seu primeiro atendimento, relatou dificuldades para dormir, baixo peso e uma tristeza intensa. Segundo ela, não tinha mais vontade de viver devido ao término de um namoro, para o qual tinha muitos planos, como, por exemplo, o casamento. Vale destacar que parte do enxoval já havia sido 96 l
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adquirida por ela. Outra cliente, também atendida, alega sentir um grande culpa por ter aceitado uma carona de um homem, que, posteriormente, a violentou sexualmente. As diversas abordagens em psicologia produzem vários estudos a respeito da depressão. Neste artigo será usada a Análise do Comportamento. De acordo com Ingberman (2001), o tratamento da depressão, na clínica comportamental, considera o comportamento como linha de fundo, no qual, pela via da análise funcional, buscam-se as variáveis controladoras que permitam predizer e controlar o comportamento. Para completar o processo, deve-se lançar mão desses dados para propiciar estratégias que modifiquem esses controles, alterando, dessa forma, o comportamento. Para Cupertino (2002), a relevância da análise funcional está embasada no pressuposto da existência de uma descrição sistemática, na qual a significância das atividades de uma pessoa é relacionada com o modo como ela opera no ambiente, e esta análise faz-se importante, porque comportamentos topograficamente diferentes podem estar sendo mantidos por um mesmo tipo de processo de controle. O autor também ressalta que o repertório do indivíduo deprimido apresenta uma baixa freqüência de respostas, principalmente daquelas que gerariam reforçadores, portanto o indivíduo deprimido sofre basicamente da falta de contingências reforçadoras. Hunziker (1997) afirma que na análise funcional da depressão deve-se considerar a genética, o histórico de vida e as contingências atuais presentes e atuantes na determinação do comportamento do indivíduo deprimido. Para Ferster (1973, citado por Ingberman, 2001, p. 198), “o comportamento humano é plástico e ilimitado”. Segundo o autor, é possível observar padrões comportamentais característicos em pessoas com o comportamento deprimido. Normalmente, essas pessoas comportam-se no ambiente, mas não encontram fontes de reforçamento suficientemente fortes, sendo constantemente punidas. Segundo Ingberman (2001), em função da baixa taxa de reforçamento, a ação e aproximação em direção a outras pessoas ficam comprometidas, podendo não existir essa ação ou ela ocorrer de forma inadequada, gerando assim estimulações aversivas por parte de outras pessoas. Como as pessoas de-
primidas normalmente têm um repertório insuficiente para lidar com essas conseqüências sociais, aplicadas por outras pessoas, desorganizam-se facilmente a quaisquer mudanças, reagindo com mecanismo de fuga. A esse respeito, o terapeuta-estagiário pôde perceber que as clientes demonstravam certa inabilidade com algumas situações, com as quais talvez não tivessem nenhum problema no passado. Certo dia, uma cliente relata que estava dentro de um ônibus e apertou a campainha para que o motorista parasse no próximo ponto. Entretanto ele parece não ter escutado o sinal e não parou, ela não o avisou sobre este equívoco e se sentiu extremamente culpada por não ter avisado. E repetia insistentemente na terapia, “eu sou uma derrotada”. Para a condução de qualquer tratamento, segundo Skinner (1989), o terapeuta comportamental deve atentar, principalmente, para os eventos observáveis, nas variáveis independentes, que se deve deter a atenção para realizar uma análise funcional das contingências que se encontram em operação. E, mais para além da descrição, deve-se analisar o controle pela função que o comportamento adquiriu ao longo da história passada e atual e sua relação com a queixa específica trazida pelo cliente. Por fim, Delitti (2000) considera que, em um processo terapêutico bem sucedido, o terapeuta deve estar atento não só às contingências que mantêm o comportamento do cliente, mas também àquelas que atuam sobre o seu próprio comportamento, além das que atuam sobre a relação terapêutica durante a sessão. Os benefícios de identificar e tratar adequadamente a depressão são muitos e independem do modelo teórico. O tratamento envolve a instalação e manutenção de comportamentos fundamentais e preciosos ao ser humano: a capacidade de pensar, amar, interagir e cuidar das pessoas, trabalhar, sentir-se reforçado e saber ser reforçador e assumir responsabilidades, bem como tomar decisões sobre sua vida.
ceitos pesquisa e aplicação, a ênfase no ensinar, na emoção e no questionamento clínico. 1 ed. Santo André: Editora ESEtec, 2000. Vol.5, cap. 32, p. 269-272. HUNZIKER, Maria Helena. O desamparo aprendido e a análise funcional da depressão. In: ZAMIGNANI, Denis Roberto (Org.). Sobre o comportamento e Cognição. São Paulo: ARBytes, 1997. Vol.3, cap.20, p. 251-260. INGBERMAN, Yara K.. Análise Funcional de um caso de depressão. In: RANGÉ, Bernard (org.). Psicoterapia Comportamental e cognitiva. 2 ed. São Paulo: Editorial Psy, 2001, p. 198-201. apud FERSTER, C. B. A function analysis of depression. American Psychologist. 28, 857-870, 1973. PINHEIRO, Marcelo; ESTARQUE, Márcia. Depressão. Disponível em www. geocites.com/hotSprings/8478/depressão.html. Acesso em: 3 nov.2007. SKINNER, Burrus Frederic. Questões recentes na análise comportamental. Tradução de Anita Liberalesso Neri. Campinas: Papirus, 1989. 195p.
NOTA DE RODAPÉ 1 Aluno do curso de Psicologia do Centro universitário Newton Paiva do estágio supervisionado pela professora Maxleila Reis.
REFERÊNCIAS BALLONE, GJ. Depressão. Disponível em <http://www.psiqweb.med.br/deptexto.html>. Acesso em: 10 out. 2008. PINHEIRO, Marcelo; ESTARQUE, Márcia. Depressão. Disponível em www. geocites.com/hotSprings/8478/depressão.html. Acesso em: 7 out. 2008. CUPERTINO, Giovana Alves Castro. Terapia cognitivo comportamental: depressão na terceira idade. 2002. 37 f. Trabalho de conclusão de curso (Graduação em Psicologia)-Centro Universitário Newton Paiva, Belo Horizonte, 2002. DELITTI, Maly. Depressão: a solução depende de vários modelos teóricos? In: KERBAUY, Rachel Rodrigues (org.). Sobre o comportamento e Cognição: ConRevista de Psicologia - Edição 1 l
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O ACOLHIMENTO NO CONTEXTO DA CLÍNICA-ESCOLA: UMA INTERVENÇÃO? Alice Ribeiro Bruna Brandão Halsey Douglas Ribeiro Sheila Saviotti1
A Clínica-Escola de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva tem por finalidade possibilitar o exercício profissional de alunos mediante a aplicação dos conhecimentos teóricos adquiridos em sala de aula. Esta prática contribui, de maneira significativa, para a formação de profissionais, adequadamente habilitados e capazes de expandir as práticas psicológicas em consonância com as novas realidades e demandas sociais, políticas e culturais da atualidade. Dessa forma, busca-se inserir os alunos de Psicologia num contexto sócio-histórico-político, o que exige desses uma postura ética com a sociedade. A oportunidade que a clínica oferece permite que o aluno amplie o seu olhar para que possa perceber melhor as pessoas que estão a sua volta e suas necessidades, os conflitos que interferem nas suas relações com o próximo e consigo mesmo. A clínica-escola, como um espaço para a produção de conhecimento, oferece um contexto que possibilita o estudo de práticas renovadas quanto à profissão, “[...] delineando ações mais produtivas para cada indivíduo, contribuindo assim para a sociedade como um todo [...]” (LÖHR; SILVARES, 2006, p.17). Além disso, a Clínica-Escola também exerce um papel social de extrema importância, uma vez que oferece à população economicamente desfavorecida uma possibilidade de acesso a serviços psicológicos gratuitos ou de baixo custo financeiro (HERZBERG, 1996). A Clínica de Psicologia do referido Centro Universitário organiza-se em três núcleos de formação: o Núcleo Psicoterapêutico, o Núcleo de Políticas de Saúde e o Núcleo de Gestão que sintetizam as ênfases curriculares processadas no curso de Psicologia. Neste artigo, serão tratados os aspectos mais significativos dos trabalhos desenvolvidos no Núcleo Psicoterapêutico, especificamente. Desde sua criação, em 2007, o Núcleo Psicoterapêutico vem realizando diversas tarefas, tais como as inscrições de todos os clientes que procuram a Clínica, atendimentos de urgência ou, ainda, atendimentos dos clientes que constituem a lista de espera. Além dessas atividades de formação técnico-teórica, realizadas pelos estagiários, são desenvolvidas também ações de apoio aos eventos realizados na Clínica e no curso de Psicologia, 98 l
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acompanhamento e orientação dos estagiários do Plantão Psicológico, realização de oficinas de dinâmica de grupo para comentários dos filmes do New Cine Social, desenvolvimento de pesquisas etc. Entre essas atividades, neste artigo, elegeu-se descrever como são realizadas as inscrições dos clientes que nos procuram. Aqui, e bem como em nossa prática cotidiana, essas serão tratadas como um acolhimento do cliente e seu sofrimento, pois este momento não se restringe a um preenchimento formal de dados cadastrais. Ressalta-se que o atendimento psicológico é oferecido à comunidade externa, mas é também estendido aos alunos, funcionários e professores do centro acadêmico. Abrange atendimentos para crianças, adultos, adolescentes, idosos e famílias, que, a partir do acolhimento, são encaminhados para a psicoterapia e atendimentos em diversas modalidades, individuais, grupos, multifamílias, atendimento a crianças com dificuldades escolares, ludoterapia e, também, em orientação profissional. Durante a inscrição, os estagiários não se propõem a responder à demanda do cliente, mas acolhê-la. Esse acolhimento tem como efeito uma escuta da queixa do cliente, que tanto “[...] possibilita uma compreensão diagnóstica, quanto a um melhor delineamento do encaminhamento a ser sugerido, à medida que damos ouvidos à demanda, o cliente pode ser de imediato, responsável por ela [...]” (SALINAS; SANTOS, 2002, p.181). A seguir, serão descritos fragmentos de algumas inscrições realizadas na Clínica, por estagiários do Núcleo Psicoterapêutico, e uma breve discussão clínica acerca destes casos. Observamos que, considerando o sigilo necessário, todos os nomes referidos nestes textos são fictícios. Caso 1: Gabriel, 23 anos, solteiro, 2º grau completo. Gabriel procura a clínica para realizar orientação profissional devido a sua indecisão e dificuldade frente às escolhas profissionais. Relata que, durante sua trajetória escolar, não conseguia acompanhar o desempenho da turma. Diz que se sentia excluído pelo fato de não obter o mesmo resultado que os
seus outros colegas manifestavam nos festivais de conhecimento escolares. Gabriel revela-se dislexo. Gabriel relata ter presenciado sua mãe solicitar à professora que não o reprovasse para não ficar atrasado perante a turma, o que gerou revolta por subestimar seu potencial.
Caso 2: Pedro, 4 anos, procura a clínica acompanhado de seus pais, Maria e José, com dificuldade em freqüentar a escola. Os pais relatam um episódio, no qual, devido a contratempos, atrasaram-se para buscar o filho, que chorou e não conseguiu segurar o xixi. Nesse momento, Pedro diz “fiquei com medo de me esquecerem na escola!”. José conta que desde então não consegue fazer com que Pedro vá para escola. Disse de uma segunda tentativa em agosto, mas foi em vão. Maria diz que além de não ir à escola, Pedro está com encoprese, retendo as fezes. Pedro interrompe e diz, “estou todo de azul como o Roberto”. Indagado sobre quem é Roberto, ele diz “Roberto Carlos Braga. Eu sei cantar uma música dele olha só: estou guardando o que há de bom em mim, para lhe dar quando você chegar. Toda ternura e todo o meu amor estou guardando pra lhe dar”. Pedro diz ser fã de Roberto Carlos e continua falando sobre música. Caso 3: Nina, 18 anos, 2º grau incompleto, separada, os pais residem no interior do estado, mora atualmente com as irmãs em Belo Horizonte. Nina procura a clínica devido à ocorrência de desmaios inexplicáveis e alega estar em um estado depressivo. Iniciou um namoro com João aos 16 anos e logo em seguida casou-se. Nina relata ter ficado com sequelas de sua primeira experiência sexual. Relata também episódios de agressão física pelo marido, situação que persiste mesmo após surgir a gravidez na vida do novo casal. Nina diz ter “perdido” o bebê após 2 meses de gestação. Nina relata que descobriu, por meio de terceiros, que sua mãe tem um caso amoroso com João, seu marido, o que resultou em sua principal motivação a se transferir para a cidade de Belo Horizonte. Em relação aos casos acima relatados, percebe-se que a construção de um diagnóstico de um caso clínico fundamenta-se em uma investigação conduzida mediante um desvio de percepção do desejo do cliente, isto é, daquele que demanda. Estabelecer, precocemente, um diagnóstico para se decidir quanto à condução da cura pode ser inadequado, pois esse diagnóstico só terá confir-
mação após certo tempo de tratamento, em que o sujeito estará em constante modificação. Levando em conta a importância do exercício da escuta proporcionada pelo contato direto com as pessoas, no âmbito da clínica, é notório que o processo de inscrição, tomado como um espaço de fala para o cliente, permite a esse colocar suas questões e suas angústias. “Em muitos dos casos, [...] a demanda do sujeito é formulada por um outro (médico, professor, pai ou mãe, assistente social), o que geralmente dificulta a implicação do mesmo com sua queixa” (FILHO; FIRMINO, 2007, p.55). No entanto, mesmo que o sujeito se apresente assim, com um discurso elaborado, podem ser realizadas intervenções, aliviando o sofrimento do sujeito no momento em que o mesmo apresenta um sofrimento emocional e maior necessidade de ser acolhido. Infere-se, pelo discurso apresentado pelo sujeito, que suas queixas vão além da elaboração que é formulada por um outro, visto que, no ato do acolhimento, observa-se a necessidade de trabalhar questões que estão além do discurso apresentado por aquele sujeito. Essas questões são aquelas que aparecem de maneira expressiva, trazidas pelo cliente num relato que se torna até repetitivo. Diante dos casos relatados, observa-se esse fato no caso de Gabriel, no qual se deduz que esse cliente acaba por demandar, ainda no ato da inscrição, além da queixa inicial, de (des) orientação profissional, um atendimento terapêutico continuado, para, possivelmente, elaborar o significante dislexia. Quanto ao caso de Pedro, podemos dizer que, no momento do acolhimento, há um endereçamento de algo dessa criança para o estagiário. Pedro, ao cantar uma música do “Roberto”, diz que guarda em si tudo aquilo que há de bom e que isso será dado ao outro num momento específico. Podemos inferir que essa criança utiliza a música como outra forma de linguagem para exprimir a sua relação com esse outro, e que só pode ser dito (cantado) a partir da abertura para fala nesse momento de acolhimento. Já no caso de Nina, percebe-se, inicialmente, que ela se coloca numa posição de vítima diante da agressão do ex-marido. No entanto, pode-se compreender, pelo seu discurso, que a questão da demanda estabelece uma resposta em relação à função materna. Estaremos assim nos posicionando com um olhar diferenciado para uma “suposta” depressão e a condição do sujeito, como diria Lacan, na função de desejo do desejo do outro. Destaca-se que o que permitiu tais inferências foi a escuta atenta e sensível realizada pelo estagiário, no ato mesmo da inscrição, possibilitando a esse compreender, com mais perspicácia, a necessidade do cliente, na tentativa de encaminhá-lo para um processo psicoterápico, que poderá trabalhar a sua demanda. Diante do exposto, ressalta-se a relevância do atendimento psicológico, realizado durante a inscrição, como primordial para Revista de Psicologia - Edição 1 l 99
que os alunos estagiários se aperfeiçoem, colocando em prática o conhecimento teórico e, simultaneamente, possibilitando ao aluno conhecer e atualizar-se quanto às demandas contemporâneas. Como afirmam Löhr e Silvares (2006) é fundamental para a formação do psicólogo o contato direto com as pessoas na Clínica-Escola, o que, nesta prática aqui relatada, tem proporcionado, de fato, o exercício da escuta e da intervenção. Portanto, observa-se que o acolhimento, realizado durante a inscrição nas clínicas-escola, além do seu objetivo primeiro de acolher, analisar a demanda, orientar e encaminhar para tratamento psicológico adequado permite uma escuta diferenciada, que poderá produzir efeitos terapêuticos no sujeito, levando em conta a particularidade de cada caso. Assim, no simples ato de uma inscrição, o estagiário, orientado por essa escuta cuidadosa, sensível e atenta, busca diferenciá-las, a fim de facilitar, criteriosamente, um encaminhamento a posteriori mais adequado, além de uma oportunidade de aprendizagem. Sabe-se que para “[...] o trabalho clínico, o saber nunca é suficiente, o que exige de todos os que lidam com o sofrimento humano uma formação permanente” (FILHO; FIRMINO, 2007, p.56). REFERÊNCIAS FILHO, José Tiago dos Reis; FIRMINO, Sueli Pelegrini de Miranda. Clínica-escola: desafios para a formação do psicólogo. In: FRANCO, Vânia Carneiro; FILHO, José Tiago dos Reis (orgs). Aprendizes da clínica: novos saberes psi. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2007. p.49-62. HERZBERG, E. Reflexões sobre o processo de triagem de clientes a serem atendidos em clínicas-psicológicas-escola. In: CARVALHO, R.M.L.L.(Org.). Repensando a formação do psicólogo: da informação à descoberta. v. 1, n. 9. Campinas: Editora Alínea, 1996. p. 147-154. LÖHR, Suzane Schimidlin; SILVARES, Edwiges F. Clínica-Escola: Integração da formação acadêmica com as necessidades da comunidade. In.: SILVARES, Edwiges F.(org.). Atendimento psicológico em clínicas-escolas. Campinas: Editora Alínea, 2006. cap. I, p.9-22. SALINAS, Paola; SANTOS, Manoel Antônio dos. Serviço de triagem em clínica-escola de psicologia: a escuta analítica em contexto institucional. In: Revista de Psicanálise. vol. 1, n. 9. São Paulo, 2002. p. 177-196. Disponível em: http< www.rerdalyc.ualmex.mr >. Acesso em: 30 out.2008.
NOTA DE RODAPÉ 1 Alunos do curso de Psicologia do Centro universitário Newton Paiva do estágio supervisionado pela professora Merie Moukachar.
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A CRIANÇA E O BRINCAR Júnia Ferreira de Araujo1
A brincadeira para a criança, experimentando o mundo e aprendendo sobre o mesmo, é uma coisa séria, dotada de sentidos, por meio da qual ela se desenvolve mentalmente, fisicamente e socialmente. A brincadeira de criança é a forma de autoterapia da mesma, pela qual a ansiedade, os conflitos e as confusões são, de certa forma, elaborados. Em alguns casos, a criança pode ser delicada e atenciosa, já em outros, brinca de forma agressiva e grosseira. Assim, por meio da segurança da brincadeira, toda criança pode experimentar suas próprias e novas formas de ser. A brincadeira desempenha uma função vital para a criança, ela é muito mais do que apenas um conjunto de atividades frívolas, levianas e prazerosas, que os adultos jugam que seja. O brincar serve como linguagem para a criança, um simbolismo que substitui as palavras, a criança na vida muitas coisas que ainda é incapaz de expressar verbalmente, e, desse modo, utiliza a brincadeira para formular e assimilar aquilo que experimenta. A realização da ludoterapia (terapia por meio do brincar) tem mostrado excelentes resultados em crianças com diversos tipos de dificuldades ou problemas. A ludoterapia permite que a criança expresse seus medos, conflitos e ansiedades, possibilitando (com o auxílio do terapeuta) a elaboração desses sentimentos. A criança em terapia brinca de várias maneiras, com jogos, com desenho, brincadeiras, um teatro de bonecos ou uma improvisação do terapeuta. O terapeuta é responsável em utilizar-se do brincar, de situações em terapias, de várias maneiras. De acordo com OAKLNDER (1980), foram observadas várias maneiras diferentes de brincar da criança; assim, no processo de ludoterapia, são observados vários fatores - positivos e negativos. Desde o momento em que a criança se aproxima do material (brinquedos, testes, jogos etc.), é observada sua forma de brincar, o que ela escolhe para brincar, aquilo com que evita brincar etc. Várias perguntas são levantadas no momento do brincar. Qual é o estilo geral de suas brincadeiras? Se a criança é desorganizada ou organizada? O que se repete quando ela brinca? Sendo assim, a maneira como ela brinca conta muito sobre sua forma de ser na vida cotidiana. A observação do terapeuta vai analisar alguns fatores essenciais no processo da ludoterapia - de que forma a criança brinca em situações de solidão, agressão, amparo, desastre com carro, aviões etc. Em alguns momentos serão observados, por meio do conteúdo de suas brincadeiras: suas emoções, sua consciência
dos fatos e afetividade. Ou seja, descreve-se para a criança o que foi percebido, identificando para que ela possa se posicionar. De acordo com OAKLANDER, O brincar das crianças no consultório do terapeuta é proveitoso para todos outros propósitos além do processo direto de terapia. Brincar é divertido para a criança e ajuda a promover a afinidade necessária entre o terapeuta e a criança. O medo e resistência iniciais por parte desta muitas vezes são drasticamente reduzidos quando ela se defronta com uma sala cheia de brinquedos atraentes. Brincar pode ser um bom instrumento de diagnóstico. (OAKLANDER, 1980, p.189) É importante perceber que a criança também pode usar a brincadeira como meio de evitar e expressar seus sentimentos e pensamentos, podendo decidir ficar fixada em um determinado tipo de brincadeira, ou, simplesmente, não se envolver com qualquer tipo de brinquedo. O terapeuta precisa reconhecer essa tendência e lidar com o problema de forma direta e delicada. A sala de ludoterapia é um bom lugar de crescimento para a criança, onde ela está no comando da situação e de si mesma, ninguém critica o que faz. Sendo assim, ela deve ser tratada com dignidade e respeito, podendo dizer o que sente da maneira que quiser. Pode também brincar com os brinquedos do modo que gostar, sendo aceito completamente. Axline (1984) diz que a participação do terapeuta, durante o contato terapêutico, reforça também o seu sentimento de segurança. O terapeuta é sensível ao que a criança está sentindo e expressando por meio de seu brinquedo e de sua verbalização. A mesma autora ainda relata que o papel do terapeuta, embora seja não-diretivo, não é de modo algum passivo, mas de sensibilidade e de constante atenção em relação ao que a criança está dizendo ou fazendo. Assim o terapeuta é um profissional que, ao lidar com a criança, deve respeitar e ter um compromisso com a mesma, como se tivesse atendendo um adulto. REFERÊNCIAS Axline, Virginia Mãe. Ludoterapia. Belo Horizonte: Interlivros, 1984. Oaklander. V. Descobrindo crianças. São Paulo: Summus, 1980.
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NOTA DE RODAPÉ 1 Aluna do curso de Psicologia do Centro universitário Newton Paiva do estágio supervisionado pela professora Natércia Acipreste Moura.
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O USO DE CONTOS POPULARES INFANTIS NO PROCESSO DE LUDOTERAPIA Leandro Silva Leroy 1
INTRODUÇÃO Quando falamos sobre crianças, inevitavelmente nos referimos às fantasias sonhadas e, de certa forma, vividas por elas. Falamos sobre um vasto mundo de curiosidades e anseios, daquilo que está por vir em suas vidas. Dentro do consultório, podemos pensar na ludoterapia como um exercício infantil de se conviver e de saber lidar com seus processos internos, como os fatos que ocorrem no seu dia-a-dia vão ser processados e quais as conseqüências de suas vivências? Proponho aqui uma análise crítica do uso de histórias infantis na ludoterapia, com a finalidade de levantar os prós e contras de tal prática. Este exercício é importante para ampliar as formas de atuação do psicólogo com crianças, possibilitando maior sucesso na sua atuação. DESENVOLVIMENTO A atuação da psicologia com crianças é sempre peculiar. As crianças são pessoas em formação e percebem o mundo ao seu redor com olhos aguçados e curiosos, por isso devemos sempre repensar o seu espaço dentro do consultório e quais as formas de atuar como profissional das ciências humanas. Uma dessas formas de atuação é a ludoterapia, que é um método que leva a criança a lidar com seus conflitos e sentimentos por meio do jogo. Segundo Axline (1984 p. 26), “a ludoterapia é baseada no fato de que o jogo é o meio natural de auto-expressão da criança”. Dentro do consultório, é possível observar que, geralmente, as crianças são, de certa forma, sutilmente coagidas a “sentir por aqueles que as rodeiam. As pessoas ensinam de modo indireto como se comportar, como agir e como se portar diante dos fatos de sua vida. Esse ensinamento advém da cultura e dos relacionamentos estabelecidos pela criança ao longo de sua vida. A ludoterapia é uma forma de a criança conscientizar-se do que está sentindo e representar seus processos internos, ajudando-a a se libertar, assim, de experiências repetidas, e torna-se sujeito. Libertando-se desses sentimentos através do brinquedo, ela se conscientiza deles, esclarece-os, enfrenta-os, aprende a
controlá-los, ou os esquece. Quando atinge certa estabilidade emocional, percebe sua capacidade de se realizar como um indivíduo, pensar por si mesma, tomar suas próprias decisões tornar-se psicologicamente mais madura e, assim sendo, tornar-se pessoa (Axline, 1984, p. 26). Na concepção da Ludoterapia, há várias formas de se atuar. As possibilidades são muitas, mas há formas de jogo que podem ajudar a criança a conscientizar-se sobre as suas vivências e seus sentimentos, sobre as mesmas de forma mais imaginativa, mais representativa. Trago aqui a proposta do uso de histórias e contos infantis na prática clínica da ludoterapia. Esta prática envolve a invenção de histórias por parte do terapeuta; a invenção de histórias por parte da criança; a leitura de histórias já escritas; a utilização de objetos, recursos, aparelhos ou brinquedos para estimular histórias. As histórias possibilitam à criança criar uma fantasia, na qual ela pode mesclar elementos de sua vida cotidiana com representações e imaginações subjetivas. Mesmo os contos populares infantis envolvem aspectos psicológicos e vivenciais da criança enquanto ser existente no mundo. Segundo Oaklander (1980 p. 113), “os contos de fada e estórias populares, assim como as canções populares, emergem das profundezas da humanidade e envolvem lutas, conflitos, tristezas e alegrias que as pessoas encontraram através dos tempos”. Os contos de fada são histórias que, de certa forma, trazem uma lição ao seu leitor. Dizem de uma experiência que nem sempre pode ter sido agradável, mas que trouxe ensinamentos de como se portar diante de algumas dificuldades da vida. Esta é exatamente a mensagem que os contos de fada enviam à criança de inúmeras maneiras: que uma batalha contra as sérias dificuldades da vida é inevitável, constitui parte intrínseca da existência humana – mas que se a pessoa não se intimida, se vai firmemente ao encontro das adversidades inesperadas e muitas vezes injustas, todos os obstáculos são vencidos e no final a pessoa emerge vitoriosa (Oaklander, 1980, p.113). Os contos infantis normalmente são histórias que envolvem Revista de Psicologia - Edição 1 l
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um ritmo e uma forma mágica de ser contada. Sempre há uma parte do conto de fadas em que a criança pode sonhar com aquilo que lhe tira os pés do chão por alguns instantes. Segundo Oaklander (1980, p.114), “existe algo de rítmico e mágico na forma como o conto de fadas se desenrola, proporcionando um fluxo dentro e fora da mente e do coração daquele que ouve”. Apesar de tudo, os valores aprendidos na nossa modernidade e a cultura do “ter” ,sobrepondo o “ser”, podem de certa forma refutar os conceitos aprendidos nas histórias infantis, principalmente as do “feliz para sempre”. Ainda segundo Oaklander (1980, p.114), “são os valores contraditórios daqueles que controlam as atividades da vida real das crianças que desconcertam as mesmas, e não aquilo que lêem nos livros”. Porém podemos pensar que é preciso um pouco de fantasia para que a criança possa perceber a sua imaginação e usá-la de modo que consiga estabelecer um diálogo entre o mundo real e o seu mundo representativo. CONCLUSÃO É preciso exercitar e criar novas formas de atuação do psicólogo dentro da clínica da ludoterapia. É preciso incentivar as crianças a pensarem por si mesmas e a se portarem de modo consciente no mundo em que vivem. Para isso, o uso de contos infantis e histórias pode ser bastante benéfico. A imaginação da criança é algo de mais valioso que se pode ter, porque ela ainda não apreendeu totalmente os valores adultos de convivência. Ela pode viver sem ter que se sujeitar aos preconceitos e às tiranias que a sociedade do consumo nos submete. As histórias ajudam a criança a falar sobre suas fantasias e como as mesmas se apresentam em seu mundo circundante.
REFERÊNCIAS AXLINE, Virginia Mae. Ludoterapia. 2. ed. Belo Horizonte: Interlivros, 1984. OAKLANDER, Violet. Descobrindo crianças: a abordagem gestáltica com crianças e adolescentes. 10. ed. Summus, 1980.
NOTA DE RODAPÉ 1 Aluno do curso de Psicologia do Centro universitário Newton Paiva do estágio supervisionado pela professora Natércia Acipreste Moura.
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A LUDOTERAPIA GESTÁLTICA: UMA PROPOSTA DE TERAPIA NÃO – DIRETIVA Renata Carvalho Armond 1
Como processo psicoterápico, a ludoterapia envolve jogos e brincadeiras como forma de auto–expressão, dando a oportunidade ás crianças que as vivenciam de se libertarem de seus sentimentos e problemas por meio do brincar (ou) dos brinquedos (AXLINE, 1972). De acordo com Axline (1972), a Ludoterapia pode ser conduzida de duas maneiras: (1) diretiva, o terapeuta conduz o atendimento por meio de orientações e interpretações; (2) não – diretiva, própria da gestalt, sendo que nela a criança conduz o tratamento. Neste artigo será abordada a metodologia não-diretiva. Utilizando-se dos princípios da teoria humanista de Carl Roger, o terapeuta aceita seu cliente incondicionalmente e permissivamente, abandonando suas premissas e reservas pessoais. Acredita-se que o ser humano possua uma capacidade interior de se autodirigir, portanto podemos pensar na alteração do termo de condução da ludoterapia não-diretiva para autodirigida, isto é: o próprio sujeito conduz o tratamento. Isso acontece segundo a abordagem gestáltica, uma vez que para ela o indivíduo é um ser de potencialidades em busca de sua auto- realização, contudo, para que isso ocorra, é necessário que este tenha completa aceitação de si e dos outros, direcionando seu processo de amadurecimento para a inteira liberdade e responsabilidade sobre suas escolhas (AXLINE, 1972). A mesma autora compara a personalidade dos indivíduos com os pedaços de vidro colorido de um calidoscópio, em que, à medida que o tubo é girado, uma nova forma se configura. Assim também acontece com a personalidade, pois essa vai se estruturando a cada mudança de forças psicológicas e ambientais. Dessa forma, as pessoas reagem de maneiras diferentes, a partir do que vai sendo adquirido como bagagem de experiências, e, dessa forma, vão modificando seu comportamento (AXLINE, 1972). Axline (1974) afirma que a Ludoterapia se dá no propósito de conduzir a criança ao seu desenvolvimento saudável, percebendo seus sentimentos, reconhecendo seu corpo, identificando, aceitando e verbalizando-os em congruência com a imagem do seu eu verdadeiro. De acordo com a autora, A Ludoterapia não-diretiva, como foi dita antes, pode ser descrita como uma oportunidade que se oferece á criança de poder crescer sob melhores condições. Sendo o brin-
quedo seu meio natural de auto-expressão lhe é dada a oportunidade de brincando, expandir seus sentimentos acumulados de tensão, frustração, insegurança, agressividade, medo, espanto e confusão (AXLINE, 1972, p. 14). Para que esse processo ocorra, segundo Axline (1972), o terapeuta deve estabelecer um amistoso rapport com a criança, aceitando-a e permitindo que essa perceba a sala de Ludoterapia como um lugar onde ela está livre de repressões e críticas, sentindo-se a pessoa mais importante daquele local. Para Aguiar (2005), na Ludoterapia gestáltica, o terapeuta utiliza-se da linguagem descritiva com seu cliente, fazendo com que esse reconheça seus sentimentos e o aceite, configurando a imagem de si. Exemplificando a Ludoterapia não-diretiva, encontramos um exemplo clássico do tratamento e sua eficácia no livro Dibs- Em busca de si mesmo da autora Axline (1976). O livro conta a história de um garoto de cinco anos, que apresentava sérios problemas comportamentais, mostrando– se bastante agressivo e anti–social, aparentando debilidade mental. Na escola, os professores e diretores não sabiam mais o que fazer, pois, embora apresentasse algumas melhoras, elas não eram suficientes e todos se sentiam desafiados por aquela criaturinha tão enigmática. Buscando alternativas, a escola convida Virginia Axline para observar a criança e sua mãe e possibilitar um diagnóstico e intervenção para aquele caso. Assim, a psicoterapeuta inicia o processo de ludoterapia com a criança e relata suas sessões. Dibs, por meio do brinquedo, começa a expressar seus sentimentos, depositando muitas vezes sua raiva do pai em um boneco de plástico e desabrochando-se em seu processo de busca em si mesmo. Com a ajuda da terapeuta, o garoto encontra seu caminho, demonstrando muito potencial cognitivo e afetivo. A história emociona o leitor pela sutileza do tratamento, que leva o garoto a exteriorizar o que lhe desagradava, revelar uma força interior que o motiva a se desenvolver e aceitar a si e ao próximo. Embora a obra nos revele vários exemplos sobre a utilização da linguagem descritiva na Ludoterapia, escolhemos um diálogo que nós ilustrará a abordagem: Revista de Psicologia - Edição 1 l
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REFERÊNCIAS -Estes dois homens estão com bandeiras, continuou, apontando para as duas figuras. Enfileirou-os todos ao lado do depósito de areia. -Todos estes tem arma. E estão disparando-as. Felizmente para o outro lado da sala. - Você quer dizer que todos estão atirando na mesma direção? Dibs encarou-me. Fitou os soldadinhos e inclinou a cabeça. - Eles não estão atirando em você, gritou com firmeza. - Compreendo. Eles não estão atirando em mim. - É isto mesmo, confirmou Dibs.(AXLINE, 1976, p. 66) A conversa acima demonstra-nos como o terapeuta conduz sua fala para colocar a criança em congruência com seus sentimentos e desejos. A partir do momento em que repetirmos para ela o que disse ou sentiu, possibilitamos que a mesma entre em contato com seus sentimentos e possa expressá-los. Portanto é essencial que a relação terapêutica seja estabelecida com empatia e, assim sendo, é fundamental que nos coloquemos em seu lugar para captarmos e exteriorizarmos o que ela está sentindo. De acordo com Aguiar (2005), esta intervenção pode ser feita por meio de uma descrição literal da fala da criança (material trazido) ou com perguntas e propostas (sugestões), convidando-a a descrever suas experiências. Por exemplo, a partir de um desenho que a criança descreve como “É um homem e uma mulher discutindo e uma menina debaixo de um coqueiro num dia de sol”, podemos utilizar a seguinte intervenção: [...] “Então você fez um desenho onde dois adultos estão discutindo enquanto uma criança se encontra embaixo de um coqueiro, num dia de sol” (AGUIAR, 2005, p. 188 -189). Para Aguiar (2005), essa intervenção também poderia ocorrer em forma de perguntas, questionando a criança sobre o que esses adultos estão discutindo, o que a criança faz debaixo do coqueiro e se esta criança conhece este homem e esta mulher (AXLINE, 2005, p. 191). Cabe ao terapeuta escolher a intervenção mais apropriada para o momento da sessão, visando elementos importantes de sua história. Após conhecer a prática da Ludoterapia gestáltica, é possível perceber a importância do brincar no desenvolvimento das potencialidades humanas na criança. Por meio de jogos e brincadeiras, essa entra na mais profunda fantasia, revelando suas angústias, medos, aflições, felicidades e sonhos – em um ambiente onde tudo é permitido e aceito. Não há limites e barreiras que não possam ser quebrados com a força do desejo de um ser em evolução.
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AGUIAR, Luciana. O processo terapêutico em Gestalt – terapia com criança. In: Gestalt-terapia com crianças: teoria e prática. Campinas (SP): Livro Pleno, 2005, p. 186 – 237. AXLINE, Virginia Mae. Ludoterapia: o método de ajudar crianças a se ajudarem. In: Ludoterapia: A dinâmica interior da infância. 1° Ed. Belo Horizonte (MG): Interlivros, 1972, p. 9 – 48. AXLINE, Virginia Mae. Dibs: Em busca de si mesmo. 12.ed. Rio de Janeiro (RJ): Agir, 1986, p. 290.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Aluna do curso de Psicologia do Centro universitário Newton Paiva do estágio supervisionado pela professora Natércia Acipreste Moura.
LUDOTERAPIA: A ARTE DO BRINCAR Sabrina Santos Neolácio 1
A Ludoterapia - terapia por meio do brincar - é uma forma de psicoterapia,cuja meta é promover ou restabelecer o bem-estar psicológico do indivíduo através de atividades lúdicas. No contexto de desenvolvimento social da criança a atividade lúdica é parte do repertório infantil e integra dimensões da interação humana necessária na análise psicológica (regras, cadeias comportamentais, simulações ou faz-de-conta, aprendizagem observacional e modelagem). Esta possibilidade de uso integrado de diversas técnicas talvez explique a aplicação da ludoterapia a diversas questões relativas ao comportamento de crianças (traumas psíquicos, abuso sexual, retardo, adoção, orientação a filhos de dependentes químicos). Não é possível descartar a importância das orientações aos pais para o sucesso do atendimento. Os principais fatores que afetam a adesão ao atendimento são o nível educacional dos pais, a empatia do terapeuta face aos sentimentos ou reações emocionais dos pais e a interação terapeuta-cliente. A ludoterapia é uma importante aliada do desenvolvimento social da criança. Ela permite que a criança se expresse de uma forma a se fazer ouvida e faz com ela crie opiniões sobre si e sobre o mundo social ao seu redor. O desenvolvimento da criança ocorre por meio de um processo que envolve uma rede de relações sociais, isto é, acontece em um contexto em que a criança é colocada com outras crianças o tempo todo. A presença da família é um instrumento de fundamental importância para a sobrevivência e o amadurecimento psíquico e social da criança, pois, nesse período, as outras crianças não são imediatamente procuradas como companheiras para suas brincadeiras e, se não houver esta referência familiar, o desenvolvimento vai, de alguma forma, ficar comprometido, devido ao processo de aquisição de individualidade. Sendo assim, é fundamental que os pais ou responsáveis estejam presentes neste primeiro momento da vida e de construção de identidade e individuação da criança. Este primeiro contato permitirá a construção de uma visão de mundo, já que a criança está inserida em uma cultura que compartilha valores e crenças diferentes, a partir do grupo social em que se encontra inserida. A presença do outro (um adulto, quase sempre) é veiculo para o estabelecimento dos vínculos básicos e essenciais entre crianças e o mundo social, através dos quais ela passa a se reconhecer e a reconhecer o mundo numa relação
de reciprocidade. (MIRANDA, 1991, p. 134). Podemos dizer então que este contato se dá inicialmente na família ou responsáveis e depois na escola, onde a criança partilha de um grupo social que lhe fornece as ferramentas de percepção e organização do seu cotidiano. Visto que a família tem como importante função a socialização básica e como essência valores específicos que são inseridos em uma rede de significações, um outro momento para dar continuidade ao processo de desenvolvimento moral e emocional da criança é o brincar. Esse processo pode se dar na escola, em casa ou em outros contextos. Além de ser um direito regulamentado por lei, de acordo com Winnicott (1982, p.163), “a brincadeira fornece uma grande organização para a iniciação de relações emocionais e assim propicia o desenvolvimento de contatos sociais”, isso, para a criança, é muito importante, pois, além de ser lugar de construção, é dotado de significação social. O jogo simbólico da brincadeira permite um extravasar dos sentimentos, auxilia na reflexão sobre a situação, criando várias alternativas de conduta para o desfecho mais satisfatório ao seu desejo. O ato de brincar com outras crianças favorece o entendimento de certos princípios da vida, como o de colaboração, divisão, liderança, obediência às regras e competição, levando em consideração que o desenvolvimento da criança ocorre por meio de um processo que envolve uma rede de relações sociais, isto é, acontece em um contexto em que a criança é colocada com outras crianças o tempo todo. Por meio da segurança da brincadeira, a criança pode experimentar suas próprias formas de ser, serve também como linguagem, pois, muitas vezes, incapaz de expressar-se verbalmente, utiliza-se da brincadeira para formular e assimilar suas vivências. Segundo Oaklander (1980, p. 184), “a brincadeira desempenha uma função vital para a criança. É muito mais do que apenas a atividade frívola, leviana e prazenteira que os adultos julgam que é”. No caso dos pais, não é raro encontrá-los desvalorizando a escola, dizendo que a criança vai lá só para brincar, que gasta muito material e que não aprende nada. Na realidade, as brincadeiras deveriam ser consideradas suas atividades mais sérias, pois é por meio delas que é possível compreender como ela vê e constrói seu mundo, como ela gostaria que ele fosse, o que a preocupa e os problemas que a cercam, é onde os jogos se Revista de Psicologia - Edição 1 l
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tornam mais propositados e construtivos. Para Winnicott (1975, p. 63), “o brincar facilita o crescimento e, portanto, a saúde, o brincar conduz aos relacionamentos grupais”. A ludoterapia tem mostrado excelentes resultados em crianças com diversos tipos de dificuldades ou problemas. A ludoterapia permite que a criança expresse seus medos, conflitos e ansiedades, possibilitando a elaboração desses sentimentos, já que brincando, a criança aprende o funcionamento das coisas, as regras, o que é certo e errado, aprovado ou recriminado em nossa sociedade. Aprende que perder faz parte da vida e que há sempre um dia após o outro. Por meio do brincar, a criança está experimentando o mundo, os movimentos e as reações, tendo assim elementos para desenvolver atividades mais elaboradas no futuro. A brincadeira pode ser um espaço que possibilita à criança re-significar e compreender suas ações nas relações com as outras crianças e figuras de autoridade, experimentando regras de convivência para a mudança social e crescimento pessoal. Assim, as crianças, tendo a oportunidade de brincar, estarão mais preparadas emocionalmente para controlar suas atitudes e emoções dentro do contexto social, obtendo assim melhores resultados gerais no desenrolar da sua vida. REFERÊNCIAS MAHLER, Margaret S. A quarta subfase: Consolidação da individualidade e início da consciência do objeto emocional. In:______. O nascimento psicológico da criança: simbiose e individuação. Rio de Janeiro: Zahar, 1977, cap. 7, p. 138-150. MIRANDA, Marília Gouvêa de. O processo de socialização na escola: a evolução da condição social da criança. In:______. LANE, Silva T. M. Psicologia social: o homem em movimento. 9. ed. São Paulo: Brasiliense, 1991, parte 1, p. 5. OAKLANDER, Violet. Outras considerações. In:______. Descobrindo crianças: a abordagem gestáltica com crianças e adolescentes. 10. ed. São Paulo: Summus, cap. 11, p. 315-348. WINNICOTT, D. W. Porque as crianças brincam. In:______. A criança e o seu mundo. 6 . ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1984, cap. 22, p. 161-165.
NOTA DE RODAPÉ 1 Aluna do curso de Psicologia do Centro universitário Newton Paiva do estágio supervisionado pela professora Natércia Acipreste Moura.
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ADOLESCÊNCIA-PARA-SI Cleiton Renato Rezende1
Os Estágios Supervisionados VI e VII – Psicoterapia Existencial Individual e de Grupos – foram realizados na Clínica de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva, aos sábados, e aconteceram no segundo semestre de 2007 e no primeiro semestre de 2008. Os estágios consistiam de atendimentos individuais, realizados somente com adolescentes e supervisionados pela professora Raquel Neto Alves. Antes de descrever algumas das queixas apresentadas nas sessões e as intervenções feitas, será explicitado, primeiramente, de forma bastante sintética, a teoria do filósofo francês Jean-Paul Sartre a respeito do sujeito do conhecimento. Sartre escreveu em 1943 o livro intitulado “O ser e o nada” e, a característica mais original de sua obra é a preocupação de expressar uma reflexão, metódica e sistemática, sobre a angústia da responsabilidade de cada indivíduo na construção de si mesmo como ser humano. Sartre entende a liberdade de opção de cada ser como “único” fundamento dos valores humanos, ou seja, o homem sempre é livre, “ele está condenado à liberdade”. Além de Sartre (1997), este artigo foi escrito e fundamentado recorrendo-se a autores como Feijoo (2000), Augras (2004) e Erthal (2004). No existencialismo sartreano, o homem, como ser pensante, compreende o caráter absurdo da existência, porque entende racionalmente que a vida é carente de sentido. A realidade - entenda-se o nascer, viver e morrer - para Sartre é desprovida de razão de ser, é absurda. A realidade do mundo reduz-se pura e simplesmente num estar-aí gratuito, absurdo e sem sentido. Entretanto o homem dificilmente consegue conviver com a simples constatação desse absurdo, da constatação de que ele é “coisa” entre as outras coisas. Então, ele sai em busca de algo que lhe permita deixar de ser apenas coisa, elemento, para ser projeto, ou seja, ele transforma a si mesmo em Ser-para-si. Conforme Rohmann, o mundo das coisas (o en-soi, ou ‘em si’), ao contrário, pode ser inerte e contingente, mas também é auto-suficiente e completo, cada objeto contendo sua própria essência. Nossas interações com o mundo exterior – possuir, usar, consumir ou controlá-lo – e nossas relações semelhantes com outras pessoas são tentativas de captar o ‘em si’, descobrir uma essência e se completar. Contudo, o em
si pode tornar-se uma influência excessiva; alguém absorto no mundo, evitando responsabilidade pessoal e opções ativas, é como um objeto, inconsciente e impotente, vivendo na má-fé. (ROHMANN, 2000. p. 359), Para Sartre (1997), a consciência humana - o pour-soi ou para si - é inquieta, ativa e aberta à experiência, mas sem conteúdo específico. O ser humano procura esforçar-se na busca de projetos que o definam como Ser-para-si. Objetivamente, podemos afirmar que no existencialismo sartreano o homem nasce como Ser-em-si e, ao longo da vida, constrói sua consciência, ou seja, o homem só se torna humano quando consegue construir-se e se transformar em Ser-para-si. De acordo com Sartre (1997), o homem nasce como um “nada”, ele é um Ser-em-si e busca, ao longo de toda sua existência, fundamental e principalmente nas situações-limite, construir-se como Ser-para-si. O homem apresenta-se como uma escolha a fazer. Antes de qualquer coisa ele é a sua existência no momento presente, e esta fora do determinismo natural; o homem não se define previamente a si próprio, mas em função de seu presente individual. Não há uma natureza humana que se lhe anteponha, mas é lhe dada uma existência especifica num dado momento. (SARTRE, 1997, p. 25) Nas sessões realizadas com os adolescentes, que tinham idades compreendidas entre 13 e 16 anos, emergiram questões quanto ao uso de drogas lícitas e ilícitas, problemas escolares, atribulações na família e distúrbios relacionados à auto-imagem. Mas a incapacidade de refletir sobre as vivências e de verbalizá-las melhor pode ser constatado. A falta de perspectivas em relação ao futuro ficou comprovada em uma adolescente, usuária de cocaína, que, por duas vezes, compareceu aos atendimentos privada de uma noite de sono, e que, após ser questionada sobre o caminho a percorrer e seus projetos de vida, esta apenas respondeu: Estou indo! Conforme Erthal (2004), na consciência irreflexiva, há consciência, mas não há conhecimento dessa percepção. Para que haja conhecimento, tem que haver reflexão. Assim, o indivíduo pode estar consciente, embora ainda não conheça de fato a sua experiência. O vazio existencial é um fato marcante nos adolescentes Revista de Psicologia - Edição 1 l
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atendidos e, sinalizar para os jovens a necessidade de buscar o seu processo individual de construção do seu Ser-para-si foi um dos objetivos nas práticas psicoterapêuticas. O vazio existencial, que está ligado ao sentimento de falta de sentido da vida, cresce no mundo atual justamente na medida em que os jovens sentem-se distanciados de suas vivências mais espontâneas e são bombardeados com um número permanente de exigências. Sendo assim, deslocam as suas atuações de uma preocupação mais significativa para preocupações mais supérfluas, mais hedonistas. Conforme Sartre (1997), a liberdade é essencialmente humana e só possui significado na ação, na capacidade do homem impor modificações no mundo real. Assim, por ser livre, o homem é consequentemente responsável por tudo o que escolhe e faz. Já em outro atendimento, para um jovem de 13 anos e que pesava 80 quilos, foram necessários vários encontros para que fosse possível buscar o sentido que ele tinha do vivido, ou seja, o significado, e, para conduzir esse cliente a sua interioridade, foram utilizadas técnicas envolvendo desenhos e atividades de expressões artística e corporal ao ar livre. De acordo com Feijoo (2000), quando o vínculo é estabelecido, o psicoterapeuta já pode arriscar mais no processo de autodescoberta de seu cliente. É o momento de manter a angústia, para que o outro possa vislumbrar suas possibilidades. Em outra circunstância, um jovem adotivo buscava compreender o porquê de seu desinteresse escolar e, para isso, foram realizadas aproximadamente dez sessões. Durante o período dos estágios VI e VII, em nenhuma sessão, a presença dos pais fora requisitada, mas, neste atendimento em particular, constatou-se a importância do comparecimento deles para a obtenção de mais informações a respeito da dinâmica familiar. Entretanto, o cliente pediu o término da psicoterapia antes que fosse possível realizar este encontro. Para Augras (2004), é por meio somente da fala que será trazido o brilho de suas vivências: a sua história (o tempo), o seu corpo (o espaço), a sua estranheza (o outro), o seu fazer-se (a obra). Ainda conforme Augras (2004, p.20), o conflito não deve ser entendido aqui como algo ruim, indesejável e, portanto, inútil e nocivo. Expressa, antes, a luta necessária entre tendências contrárias, que, sucessivamente opostas e sintetizadas, compõem o próprio processo da vida. Segundo Erthal (1995), “ao se definir psicoterapia, já se emprega um conjunto de palavras para alcançar esse objetivo. É através da linguagem que existe o compromisso na relação terapêutica. É, na verdade, o instrumento terapêutico básico. As palavras, se não são vazias, têm como função trazer à presença dos que a escutam o que falam. O cliente fala. O terapeuta 110 l
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segue o fio de sua fala. Confia e segue o discurso do outro. Existe uma co-participação na teia que as palavras vão tecendo” (ERTHAL,1995, p.77). Sartre (1997) afirma que o tempo real é imediato, já que é negado no concreto para ser reconstruído psiquicamente, ou seja, ele afirma que nem o tempo real nem o espaço real oferecem ao homem nenhum sentido. Esse sentido é constituído na consciência do sujeito para exercer sua liberdade. Nos depoimentos dos adolescentes, foi possível verificar, com clareza verbalizada ou não, que, ao se depararem consigo mesmos, eles encontram o vazio, o absurdo, a falta de sentido. Entendemos que, por meio da teoria sartreana, o jovem, no contato com a sua fragilidade existencial, temia enxergar o que estava dentro de si. Apesar disso, Sartre enfatiza que é em cada um que se encontra a referência necessária para as escolhas e atitudes diante da vida. Enfim, ao longo dos tempos, as experiências registradas nos processos psicoterápicos, desde situações mais simples às mais complicadas, têm demonstrado que a fala possui indiscutível poder para remover obstáculos de qualquer natureza, sejam eles de ordem psicológica, religiosa, existencial etc. Para isso, o psicoterapeuta deve compreender adequadamente o sentido correto da comunicação do cliente, considerando o contexto, a relação das partes envolvidas e as formas de expressão (verbal ou não-verbal).
REFERÊNCIAS AUGRAS, Monique. O Ser da Compreensão: Fenomenologia da Situação de Psicodiagnóstico. 11. ed. Petrópolis: Vozes, 2004. ERTHAL, Tereza Cristina Saldanha. Treinamento em Psicoterapia Vivencial. Campinas: Livro Pleno, 2004. FEIJOO, Ana Maria Lopez Calvo de. A Escuta e a Fala em Psicoterapia. Uma Proposta Fenomenológico-Existencial. São Paulo: Vetor, 2000. ROHMANN, Chris. O livro das idéias: um dicionário de teorias, conceitos, crenças e pensadores, que formam nossa visão de mundo. 5. ed. Rio de Janeiro: Editora Campus, 2000. SARTE, Jean-Paul. O Ser e o Nada: Ensaio de Ontologia Fenomenológica. 4. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 1997.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Aluno do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva do estágio supervisionado pela professora Raquel Neto.
O SUICÍDIO NA ABORDAGEM EXISTENCIAL FENOMENOLÓGICA Karley Campos1
Na psicologia existencial, a visão que se estabelece são as condições existenciais da pessoa. É o próprio modo de ser e de existir, pois ele sempre estará em busca de resoluções para as suas vivências. Nessa questão, é necessário entender e compreender que a existência é uma totalidade e respeitar o homem enquanto homem. O que caracteriza a existência individual é o ser que se escolhe a si-mesmo com autenticidade, construindo assim o seu destino, num processo dinâmico de vir-a-ser. O indivíduo é um ser consciente, capaz de fazer escolhas livres e intencionais,isto é, escolhas das quais resulta o sentido da sua existência (TEIXEIRA, 2006, p. 290). Como o individuo é um ser-no-mundo, ele se vê condenado a cuidar-se. É um ser de possibilidades, o daisen (condição de ser do indivíduo que possui inúmeras possibilidades) escolhe, porém não há um caminho certo, pois o indivíduo pode escolher vários caminhos. Os caminhos são construídos pelas escolhas que faz. Essa condição torna o viver humano um constante angustiar-se, já que está sempre imerso em inúmeras possibilidades (HEIDEGGER, 1987). A todo momento temos que escolher. A cada escolha que fazemos decretamos a morte da outra possibilidade não escolhida. Isso freqüentemente nos traz ansiedade frente ao conflito de não podermos viver tudo ao mesmo tempo, de não podermos estar em mais que em um lugar ao mesmo tempo. O ser-aí morre cotidianamente todos os dias (ROTHSCHILD; CALAZANS, 1992, p. 146). Segundo Sartre (1970, citado por Angerami 1997), o homem se não é definível, é porque primeiramente não é nada. Será alguma coisa e tal como a si próprio fizer. Ele é, não apenas como ele se concebe, mas como ele quer que seja. O homem não é mais do que ele se faz. Antes de mais nada, o homem é o que se lança para um futuro e o que é consciente para desse projetar no futuro. A consciência de que a vida é um emaranhado de sofrimento e agrura existencial faz com que assumamos a dimensão da nossa responsabilidade como seres livres e, portanto, respon-
sáveis pela construção dos próprios ideais de vida (ANGERAMI, 1985, p. 17-18). A morte é a possibilidade ontológica que a própria presença sempre tem de assumir, pois com a morte, a própria pré-sença é impendente sem seu poder mais próprio. Na possibilidade, está em jogo é puramente e simplesmente a pré-sença de ser-no-mundo. Sua morte é a possibilidade de não poder mais estar pre-sente (HEIDEGGER, 1989). O pleno conceito ontológico-existencial da morte se delimita como fim da pré-sença, a morte é a possibilidade mais própria, irremissível, certa e indeterminada e insuperável da pré-sença. Como fim da pré-sença, a morte é e está em seu ser para o fim. O ser-para-a-morte em sentido próprio significa uma possibilidade existenciária da pré-sença (HEIDEGGER, 1989). Ser para-a-morte em sentido próprio não pode escapar da possibilidade mais própria e irremissível e, nessa fuga, encobri-la e adulterar o seu sentido em favor da compreensão do impessoal. O projeto existencial de um ser-para-a-morte em sentido próprio, deve, portanto, elaborar os momentos desse ser que o constituem como compreensão da morte, no sentido de um ser para a possibilidade caracterizada, que nem foge e nem esconde (HEIDEGGER, 1989, p. 44). Para Kubler-Ross (1991), o homem só será capaz de mudar as coisas quando começar a refletir sobre a sua própria morte, e isso não pode ser em nível de massa, mas individualmente. Todos nós temos o sentimento de fugir a essa situação, porém cada um de nós, mais cedo ou mais tarde, deverá encará-la. Quando o homem olha para o futuro, ele vislumbra a única possibilidade que é certa: a possibilidade de não-mais-ser-aí. O não-ser passa a ser parte importante da construção do indivíduo e assim o ser-aí passa a adquirir presente, passado e futuro e a fazer sua história. Porém a morte não é só um limite colocado num horizonte marcado e distante, ela pode acontecer a qualquer momento. O homem quando nasce já está sujeito e pré-destinado a morrer (HEIDEGGER, 1987). A morte é a possibilidade de ser a mais pessoal, a mais ímpar e a mais intransferível do ser-aí, pois é o próprio Ser do Ser-aí é ser-para-a-morte. A morte é o fim da existência, no seu sentido autêntico de fim, pois sempre está presente na vida humana. Revista de Psicologia - Edição 1 l
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A morte uma vez entendida como possibilidade, leva o Ser-aí a tomar o primeiro passo em direção a uma existência autêntica. A autenticidade significa tornar-se si-mesmo, torna-se verdadeiro, pois o Ser-aí defronta-se com a morte, que é libertadora. A morte é libertadora porque, liberta o Ser-aí da servidão às preocupações mesquinhas que ameaçam submergir a própria existência autêntica (BOEMER, 1989).
de renúncia à vida vazia em seu vir-a-ser. Sob essa ótica, o ser-suicida pode ser apreendido em seu existir como tal (Sampaio; Boemer, 2000). Sartre (1970 citado por Angerami, 1997), estabelece que o essencial não é aquilo que se fez o homem, mas aquilo que ele fez daquilo que fizeram dele. Cabe dizer que o suicida faz algo com que fizeram dele.
Se o Ser-aí não assumir a existência para projetar-se em plena antecipação da morte, a vida parecerá necessariamente com uma série de momentos que se sucedem passivamente. Só ao nível de uma existência autêntica pode-se tomar consciência dos diversos aspectos do tempo - passado, presente e futuro – como características ou momentos da temporalidade. O modo existencial inautêntico, impessoal, seduz, tranqüiliza de certa forma, mas aliena o Ser-aí da existência na sua temporalidade e na historialidade (BOEMER, 1989, p. 113-114).
Somos a realidade de nossos fenômenos em tanto quanto o observamos na consciência. Dessa maneira a autodestruição é uma manifestação humana, mas não como afirmam alguns teóricos “inconsciente” e “obscuro”, ao contrário, assumida pela condição de liberdade. O homem está condenado a ser livre. Condenado, porque não se criou a si próprio; e no entanto livre, porque uma vez lançado no mundo, é responsável por tudo quanto fizer (SARTRE, 1970 citado por ANGERAMI ; 1997. p. 41).
Para Boemer (1989), já que a existência é temporal, o Ser-aí situa-se entre dois nadas factuais. A não-existência, o antes de nascer e o final da existência. na morte, pois é a negação de todas as possibilidades ulteriores no futuro, e, por antecipação, a desvalorização de todas as possibilidades, inclusive as realizadas no presente. O futuro se revela com aquilo no qual a existência é projetada, no passado a existência transcende. Futuro, passado e presente são dados juntos e definem uma existência temporal. De acordo com Critelli (1996), habitamos um mundo por muitas vezes inóspito, o indivíduo cria um mundo artificial que se demonstra difícil de se abrigar e acolher. Segundo Angerami (1997), quando o indivíduo busca o suicídio como alternativa para os devaneios e sofrimentos existenciais, esse alguém padece emocionalmente em níveis sequer suportáveis. Para o mesmo autor, o homem que se mata, o faz porque está previamente condicionado e é constantemente estimulado para adotar comportamento previamente autodestrutivo. O suicida é um homem preparado de antemão para terminar como termina (KALINA, KOVADLOFF, 1983). O ato suicida priva o ser de ser-para-morte em seu curso natural. Ocorre quando o ser, em sua situacionalidade, vê uma única possibilidade: a de não-poder-ser e, assim, busca como alternativa o não ser-mais-ser-aí, o que põe fim à angústia diante de uma existência sem sentido, aos seus olhos. O não ser-mais-aí por meio do suicídio, é vislumbrado pelo ser-aí como possibilidade de por fim a uma situação existencial para a qual não vê outras possibilidades. O suicídio emerge, então, uma como alternativa 112 l Revista de Psicologia - Edição 1
Um exemplo que representa tais questões é o caso de um homem de mais ou menos 50 anos, que trabalhava em um jornal de grande circulação. O mesmo sofreu de câncer há 10 anos. Após tal circunstância, relata que perdeu seu emprego, não tinha mais relações com as pessoas, pois tinha perdidos todos os amigos. A sua vida teria se acabado neste momento. A única pessoa com a qual tinha alguma relação era com sua mãe. Ele sempre, durante os atendimentos, esbravejava: “Não quero existir nem no céu e na terra. Quero ser nada. Não quero que reste nada de mim, nem pó. Não quero que tenha nenhuma lembrança minha aqui na terra.” A fala demonstra que ele está construindo a sua existência por meio de escolhas destrutivas, sempre relacionadas ao suicídio. Não vê outras possibilidades para as suas vivências. Isso estabelece que o homem se constrói por meio das suas escolhas. Ele faz a si próprio. O cliente faz a escolha de não ser-mais-aí, pois a sua existência está plenamente vazia. Afirmar que o homem é livre não significa conferir-lhe o poder ou o destino de agir caprichosamente e ao acaso. O homem é livre no sentido em que pode livremente decidir do seu próprio comportamento, escolhendo os seus próprios valores, assumindo uma determinada atitude em relação ao seu próprio futuro, presente e passado. No plano ontológico, a liberdade é a possibilidade do para-si existente de negar a sua própria facticidade em-si, transcendendo-a em direção a uma “outra” situação (MOREIRA, 1985, p. 65). Portanto, ele não vê outras possibilidades que poderiam es-
tar mudando a situação, não faz uma existência autêntica. Prefere viver uma existência inautêntica, deixando de transcender como pessoa. O que importa apenas é acabar com a situação que não está mais sustentável. O seu projeto de existência está na sua destruição, o de não mais existir. Ele escolhe tal situação porque ele é um ser livre para escolher. REFERÊNCIAS ANGERAMI, Valdemar Augusto. Psicoterapia existencial: noções básicas. São Paulo: Traço, 1985. 99 p. SARTRE, J.P e Ferreira, V. O Existencialismo é um Humanismo. Lisboa :Editora Presença, 1970. apud ANGERAMI-CAMON, Valdemar Augusto. Suicídio: fragmentos de psicoterapia existencial. São Paulo: Pioneira, 1997. 120 p. CRITELLI, D. M. Analítica do Sentido: uma aproximação e interpretação do real de orientação fenomenológica. São Paulo: Educ, 1996. HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. 3. ed. Cidade: Vozes, 1989. HEIDEGGER, M. Coleção “Os Pensadores”. São Paulo: Abril Cultural, 1987. JOSÉ A. CARVALHO TEIXEIRA. Introdução à psicoterapia existencial. Análise Psicológica (2006), 3 (XXIV): 289-309. Disponível < http://www.scielo. oces.mctes.pt/pdf/aps/v24n3/v24n3a03.pdf> Acesso em 20 agos. 2008. KALINA, Eduardo; KOVADLOFF, Santiago. As cerimônias da destruição. Rio de Janeiro: F. Alves, 1983. 172 p. KUBLER-ROSS, Elisabeth. Sobre a morte e o morrer. 4. ed. São Paulo: M. Fontes, 1991 290 p. MORAIVA, Sérgio. Sartre. Coleção Biblioteca Básica de Filosofia. Lisboa: Edições 70, 1985. ROTHSCHILD, Daniela; CALAZANS, Raufin Azevedo, Morte: Abordagem Fenomenológico-Existencial. In: KOVACS, M. J. (Coord) Morte e desenvolvimento humano. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1992.
NOTA DE RODAPÉ 1Aluno do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva do estágio supervisionado pela professora Raquel Neto.
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ADOLESCÊNCIA E O SER-AÍ Marleide Canedo de Oliveira1 O desejar, o recear, o amedrontar-se, o afligir-se fundamentam-se no “cuidado, ou preocupação por algo”, que é inerente ao nosso existir no mundo. Forghieri
O tema para o artigo Adolescência e o Ser-aí partiu do ponto de vista das perspectivas do adolescente quanto o ser-no-mundo, o estar lançado no e para o mundo e suas possibilidades existenciais. Pensar o adolescente, a sua construção e o seu processo existencial é considerá-lo de forma mais ampla nos seus conflitos, nos seus desencontros, que podem surgir nessa fase, que representa intensas transformações. Segundo Erikson (1976, p. 128), “a fase de adolescência torna-se um período ainda mais acentuado e consciente, e, como sempre aconteceu em algumas culturas, em certos períodos, passou a ser quase um modo de vida entre infância e a idade adulta.” Assim, nos últimos anos de escolaridade, os jovens, assediados pela revolução fisiológica de sua maturação genital e a incerteza dos papéis adultos à sua frente, parecem muito preocupados com as tentativas mais ou menos excêntricas de estabelecimento de uma subcultura adolescente e com o que parece ser mais uma final do que uma transitoriedade ou, de fato, inicial formação de identidade. Nesse sentido, o adolescente pode, diante de transformações que ainda não definam a sua posição na sociedade e diante de si mesmo, sentir-se confuso quanto à construção da sua identidade. A identidade também representa a imagem que tem do seu corpo, a imagem de si mesmo, a imagem que cria em torno do que os outros pensam e as extensões do seu corpo, podendo confrontar-se com o paradoxo do ser adolescente e o de ser adulto, que ainda não se consolidaram. Conforme Erthal (1990, p. 59), o corpo é a parte mais material e visível do eu e desempenha um grande papel nas percepções. É o sentido do eu físico, que garante a existência do indivíduo. Assim, a noção do corpo é essencial para a consolidação da identidade. As sensações e os movimentos dão a consciência constante de quem a pessoa é, pois, à medida que se experimenta no mundo, vai se conhecendo. Segundo a autora, não necessariamente a noção do eu seja resumida apenas nas sensações corporais, uma vez que, antes mesmo de reconhecer seu próprio corpo, a criança já reconheceu a imagem dos outros. Isso implica que o reconhecimento do corpo se dá mediante o reconhecimento de outros elementos 114 l
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para então efetuar o seu eu e sua integração. Assim, ao abordarmos o adolescente e suas transformações, podemos considerar como fundamental para a sua formação a auto-imagem, confirmação de si mesmo perante o mundo. O reconhecimento do outro representa para o adolescente o reconhecimento de suas possibilidades e a sua abertura existencial. O ser-aí do adolescente, aberto às múltiplas possibilidades, embora sendo amplas, confronta-se com o limite do possível e do não possível, necessários para efetuar as suas escolhas. De acordo com Augras (2000, p. 76), o homem cria seu mundo à sua imagem e semelhança. Não o explica apenas, como também o organiza, pois os símbolos que elabora para descrevê-lo vão servir para dominá-lo. Eis a profunda ambigüidade do relacionamento que o homem estabelece com o mundo e consigo próprio. Constrói sistemas simbólicos que têm a propriedade de transformar o real imediato em conjunto de abstrações, mas essa transfiguração é requisito indispensável para atuar sobre a realidade. Conforme o atendimento com a adolescente A. L., de 13 anos, fui levada a observar, de maneira a suspender intenções pré-existentes, o ser que ali se apresentava. Foi mediante, ou seja, partindo de uma intenção livre de qualquer intenção, que pude apreender o fenômeno ser-aí da adolescente nessa fase e suas implicações. Atenta ao relato trazido pela jovem, sua postura, seu olhar e suas expressões faciais, no decorrer das sessões, foi possível, pouco a pouco, o revelar das angústias presentes nesse período. O medo, a ansiedade, a pré-ocupação de se preocupar com algo ainda por vir, a desconfiança de si mesma, mediante a desconfiança do outro, a não liberdade para escolher e a pouca maturidade de saber o valor da escolha foram, a meu ver, o pedido de ajuda da adolescente. Ao mesmo tempo, o conflito de vivenciar a separação dos pais, de maneira dolorosa, não ter um lar de origem, e também um espaço para vivenciar a sua particularidade e sua singularidade foram relatos de grande peso na fase existencial. Para melhor compreender a situação trazida pela adolescente, utilizei o distanciamento reflexivo como tentativa de captar o sentido e o significado de sua vivência. No entanto, a abertura existencial possível ao movimento
do ser-aí se fez presente durante as sessões. À medida que a adolescente ia expondo sua vida cotidiana, suas expectativas, seus anseios e suas vontades, foi se revelando um ser potencialmente aberto às possibilidades existenciais. Para Heidegger citado por Augras (2000, p.76), “o discurso situa-se no mesmo nível existencial original que o sentimento da situação e da compreensão [...] Enquanto compreensível no modo do sentimento da situação, o ser no mundo exprime-se pelo discurso”. O discurso e a sua manifestação, a fala, são um aspecto integrante da revelação do ser no mundo como tal. A consciência de realidade implica na compreensão, na explicitação e no enunciado. O discurso, então, apresenta-se como meio de revelar a ambigüidade do ser no mundo, buscando superá-lo sob o aguilhão da angústia, alcançando certo equilíbrio num sistema de tensões. Ao abordar o ser-aí do adolescente numa perspectiva existencial, devemos considerar a sua vivência cotidiana, a situação e o momento atual, em que intensas transformações estão ocorrendo. O adolescente, mediante compreensão da situação que atravessa, pode melhor definir o que se passa consigo e, dessa forma, atribuir à situação vivencial um significado que possa auxiliá-lo nesse processo. Ainda, num sentido de tentar compreender a fase do adolescente, deve-se considerar fatores da influência cultural na vida e nas transformações dos jovens. Segundo Erthal (1993, p. 62), o eu ideal recebe grande influência cultural. O indivíduo aprende, como os pais, a definir o mundo em função de sua cultura. Eles o auxiliam a desenvolver o eu por meio de identificações que devem ou não ser feitas. Os aspectos desejáveis são distinguidos dos indesejáveis pelos castigos e prêmios administrados. A percepção de tais experiências conduz ao desenvolvimento da concepção daquilo que se deve ser. Os valores e os tabus culturais vão fazendo parte da própria realidade do indivíduo. As considerações em relação aos adolescentes podem partir de um cuidado nessa fase de desenvolvimento, considerando seus medos, anseios, dúvidas e outros. No início, o adolescente ainda carrega muito da criança, necessitando de um olhar atento quanto a isso. Na medida em que vai se desenvolvendo, a compreensão também tende a aumentar e assim, sucessivamente, vai se constituindo o adulto. Conforme Heidegger (1989, p. 186), é preciso explicitar a constituição desse ser. Na medida, entretanto, em que a existência constitui a essência desse ente, a frase existencial “a pre-sença é a sua abertura” diz, ao mesmo tempo, que o ser em jogo no ser deste ente deve ser o “pre” de pre-sença. De acordo com a tendência da análise, além de se caracterizar a constituição primordial do ser da abertura, é preciso interpretar o modo de ser em que esse ente é cotidianamente o pre de sua pre-sença.
Para o Psicoterapeuta Existencial, as mudanças ocorridas com o adolescente são uma abertura que representa a entrada para a vida adulta de maneira saudável, se assim o adolescente for levado a se compreender mediante os fenômenos naturais, culturais e sociais relativos ao seu processo existencial.
REFERÊNCIAS AUGRAS, Monique. O Ser da Compreensão: Fenomenologia da situação de psicodiagnóstico. 9ª ed.CIDADE: Vozes, 2000. ERIKSON, H. Erik. IDENTIDADE. Juventude e Crise. Tradução de Álvaro Cabral. 2ª ed. Rio de Janeiro : Zahar, 1976. ERTHAL, Tereza Cristina Saldanha. Terapia Vivencial: uma abordagem existencial em psicoterapia. Petrópolis: Vozes, 1989. HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. 3ª ed. Petrópolis: Vozes, 1989.
NOTA DE RODAPÉ 1 Aluna do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva do estágio supervisionado pela professora Raquel Neto.
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O ABRIGAMENTO DE CRIANÇAS E JOVENS NA PERSPECTIVA DA FENOMENOLOGIA EXISTENCIAL Nívio Gabriel Brito Vieira1
A elaboração deste artigo foi fundamentada e construída na prática de atendimento clínico realizado na Clínica de Psicologia Newton Paiva, no estágio curricular de Psicologia Fenomenológica existencial Humanista e, mais especificamente, no atendimento de A. e sua vivência no Abrigo. A solicitação pelo atendimento psicológico partiu de seus pais adotivos e, inicialmente, era referente ao seu desempenho escolar. Em conversas com os mesmos, foram trazidas queixas do comportamento de A., tais como falar mentiras, pegar objetos alheios e entrar em conflito com os outros irmãos, que não são adotados. Durante os atendimentos, A. trouxe o desejo de rever a mãe biológica, que ele não via há mais de 4 anos, desde antes de ter sido adotada. Conforme Winnicott(2000, citado por Rodontaro 2002, p.3): O roubo pode ser entendido como a busca de algo pela criança, a esperança de ainda encontrar o que procura. Na destrutividade, a criança busca a quantidade de estabilidade ambiental que poderá suportar a tensão que decorre de um comportamento impulsivo. (...) A criança provoca reações ambientais totais, como alguém que está procurando o corpo da mãe, os da mãe(...) A., nos encontros realizados, mostrou-se bem retraída, sempre se posicionando com os membros bem rentes, as pernas juntas e os braços junto ao corpo. Falava em tom baixo, apenas quando solicitada, necessitando da intervenção constante por meio de questionamentos e perguntas. “Os meninos têm apresentado uma característica comum entre eles, à situação de abandono familiar, observando-se em quase todos baixa auto-estima” (RODONTARO, 2002). Por outro lado, segundo o que a cliente relatou nos encontros, demonstrou ter desenvolvido maturidade e necessidade em construir sua existência e tentar se responsabilizar, o que é marcado principalmente na relação de cuidado que ela estabeleceu com os seus irmãos consangüíneos. De acordo com Teixeira (2006, p 291): Em síntese, a existência individual caracteriza-se por três palavras-chave – cuidado, construção e responsabilidade – na medida em que o individuo cuida da sua existência procurando conhecer-se e compreender – se, descobrin116 l
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do-se na relação com o outro, constrói o seu – mundo dando sentido à sua existência e escolhendo viver de acordo com os seus valores ( o que confere um caráter único e singular) e responsabiliza-se por si próprio na realização do seu projeto. Assim, a existência individual é uma totalidade, única (singular) e concreta. Nos relatos sobre sua infância, ela conta que sua mãe não fazia comida para ela e para os seus 11 irmãos, que moravam em uma casa de quatro cômodos: cozinha, banheiro, o quarto da mãe e o quarto dos irmãos. A mãe comia e não dava para os filhos e depois que terminava, saia. A. dividia o que sobrava para eles. Quando não tinha nada, ela dava água com açúcar para os irmãos, relatando que só conseguia dormir depois que todos estavam alimentados. A única pessoa que os ajudava era a avó materna, que morava ao lado de sua casa e sempre levava biscoito e outros alimentos para eles quando a mãe não estava lá. A. relata que a mãe saía à tarde e só voltava de madrugada. Ela dormia na parte da manhã, bebia todos os dias e estava sempre com um namorado diferente, normalmente homens mais novos do que ela. Inclusive um desses homens, com o qual a mãe se relacionou, teve uma briga com ela e, durante este acontecimento, mostrou os órgãos genitais para os irmãos de A. Ela disse não ter visto, pois estava atrás dele. A avó viu a confusão e entrou em contato com o Conselho Tutelar, fazendo a ocorrência, e, no dia seguinte, algumas pessoas do Conselho foram lá e levaram A. e seus irmãos para o abrigo. Nesta época, a cliente estava com 6 anos e permaneceu abrigada até os 9 anos, quando foi adotada. A cliente contou que ficou com nove irmãos em um abrigo, enquanto os dois irmãos mais velhos foram para outro, pois lá só recebiam jovens com menos de 17 anos. Sempre que possível, ia visitá-los no outro abrigo. Onde ficou, é descrito por ela como uma grande casa, cuidada por um casal. O coordenador era muito bravo e violento e batia sempre que alguma criança desobedecia ou quando ele achava necessário. A. diz que,apesar disso, eles eram “boas pessoas”. As regras no abrigo eram muito rígidas e, muitas vezes, a cliente não conseguiu dormir, lembrando da mãe, e cantava baixinho olhando para janela “...mamãe sumiu, mamãe sumiu...” e quando o senhor via que tinha alguma criança que não estava dormindo, ele batia. A. fingia que estava
chorando para ele ficar com pena e não ser agredida. Uma de suas irmãs mais novas, que é muito bagunceira, apanhava sempre. Conforme Teixeira (2006, p 293): A história afasta-se do projeto por intermédio de vivencia de contradição interpessoal e/ou impessoal) na seqüência da qual o individuo escolhe afastar-se ou é afastado. A psicopatologia caracteriza-se essencialmente por uma existência limitada, tematizada e bloqueada. Limitada e aprisionada, porque afastada dos seus valores e da sua possibilidade de auto-afirmação. O individuo não experimenta a sua existência como uma realidade. Tematizada pelo seu passado, na medida em que o individuo continua a viver em função de uma identidade e características que já não são as presentes. Bloqueada no seu desenvolvimento, porque não consegue projetar-se no devir. No processo psicoterapêutico realizado, foi possível observar que, apesar da cliente ter conseguido desenvolver-se em muitos aspectos, no momento presente da psicoterapia, apresentava-se ainda muito presa ao seu passado, tanto em relação à mãe biológica, no seu desejo constante de revê-la, como nas vivências do abrigamento, que estavam presentes no seu modo de expressar, que se apresentava embotado. Conforme descreve Levizon (2000, citado por Rodontaro 2002, p. 4): Observamos que, desde o início de seu desenvolvimento, há perturbações sérias nas relações de objeto, resultante em muita sensibilidade frente a situações de separação e um medo exarcebado em serem abandonadas. Essas crianças devem ter ficado expostas a intensas cargas de ansiedade provenientes de situações como a separação da mãe, que deixa “marcas” em seu desenvolvimento. O medo de novas perdas das pessoas de quem dependem ou a quem estão ligadas parece acompanhar a criança como uma cicatriz dolorosa e pronta para se abrir a qualquer momento. As graves consequências das vivências de separação da mãe e da vida nos abrigos trazem algumas características especificas de cada pessoa presente nas suas singularidades, nas relações e outras mais comumente compartilhadas entre esses jovens, tais como as dificuldades escolares e de aprendizagem e a baixa auto-estima. Estão presentes nas formas traumáticas, como a separação da mãe é feita e nas precárias condições relacionais estabelecidas nos abrigos. Sem dúvida, para uma criança ou adolescente, uma passagem por tal circunstância é vivenciada com muita tensão e angústia, que ficam reprimidas por não terem espaço para se-
rem expressas. De acordo com Teixeira (2006, p 293): A ansiedade é ela própria um dado da existência com que o individuo se confronta inevitavelmente e que pode ser experimentado de forma mais intensa e significativa mais em certos momentos da trajetória existencial do que noutros. Por exemplo, pode associar-se a crises pessoais, luto, doença física, fases de transição do ciclo de vida individual ou familiar, entre outras situações. Conforme descrição dos pais sobre a cliente, ela estava apresentado comportamentos que eram considerados pelo Conselho Tutelar como comuns em casos de adoção, como contar mentiras e furtar objetos sem necessidade concreta, causando muito transtorno e conflito na relação dos pais com a filha adotiva. No âmbito da construção de sua existência, sua principal referência foi a mãe. Mesmo não sendo um modelo que atendesse às suas necessidades, serviu para dar a ela esta referência, e o tempo do abrigo, já de forma oposta, mas da mesma forma marcante, deixou parâmetros sociais de ameaça e retenção. O que vai ocorrer, muitas vezes, como no caso abordado, é que depois da adoção, mesmo quando os pais adotivos mantêm um bom relacionamento com o filho adotado, como no caso apresentado, conforme A. relatou nunca ter sido violentada pelos pais adotivos e ser tratada igual aos irmãos, que são filhos consangüíneos. Uma das hipóteses para esse comportamento é o sentimento oculto de achar que os pais adotivos a roubaram, tiraram da sua mãe, que fica mais nítido no constante pedido de A. de rever a mãe. Atualmente, o que foi observado no caso apresentado, é algo freqüente na realidade social de muitas crianças e adolescentes, que, além de perder a tutela da mãe ou cuidador, perdem toda uma realidade experiencial de família e se deparam, muitas vezes, com a realidade institucional, na sua maioria cruéis e insensíveis com o sofrimento que eles vivenciam. A necessidade de ser feita uma intervenção nesta realidade social que assola a vida de muitas crianças em nosso país é evidente e demanda não só um trabalho dos profissionais de psicologia, mas um trabalho multidisciplinar com todos os profissionais envolvidos com essas instituições. È preciso trazer para dentro do abrigo formas de lidar com as perdas que as crianças e adolescentes, muitas vezes, estão passando, e despertar sentimentos comunitários, de autonomia e solidariedade em suas vivências neste ambiente. Neste sentido a psicologia existencial humanista é de grande importância para direcionar o trabalho tanto com as pessoas abrigadas com as pessoas que trabalham no desenvolviRevista de Psicologia - Edição 1 l 117
mento de atitudes necessárias para uma melhoria desta realidade social. Conforme descritas por Teixeira (2006, p 294): - Facilitar ao individuo uma atitude mais autentica em relação a si próprio - Promover uma abertura cada vez maior das perspectivas do individuo em relação a si próprio e ao mundo - Clarificar como agir no futuro em novas direções - Facilitar o encontro do individuo com o significado da sua existência - Promover o confronto com e a superação da ansiedade que emerge dos dados da existência O desenvolvimento dessas atitudes vai possibilitar que a pessoa, independentemente do lugar que ocupe na sociedade, passe a se responsabilizar por sua existência, facilitando a abertura à construção de novas alternativas, dando sentido à sua vida e permitindo a auto-realização. E a partir daí, também vai se comprometer a responsabilizar pela existência do outro, gerando, assim, uma preocupação real com as questões sociais s quais não pode ser desvinculada. REFERÊNCIAS ROTONDARO, Daniela Pacheco. Os desafios constantes de uma psicóloga no abrigo. Psicol. cien. prof. [online], set. 2002, vol..22, no.3 [citado 1º Maio 2008], p.8-13. Disponível em: <http://pespsic.bvs-psi.org.br/scielo. php?script=sci-arttext&pid=s1414-98932002000300003&1ng=pt&nrm=iso>. ISSN 1414-9893. LEVINZON,G. K. A criança adotiva na psicoterapia psicanalítica. São Paulo, Editora Escuta, 2000.in ROTONDARO, Daniela Pacheco. Os desafios constantes de uma psicóloga no abrigo. Psicol.cien.prof. [online], set. 2002, vol..22, no.3 [citado 1º Maio 2008], p.8-13. Disponível em: <http://pespsic.bvs-psi.org.br/scielo.php?script=sci-arttext&pid=s1414-98932002000300003&1ng =pt&nrm=iso>. ISSN 1414-9893. TEIXEIRA, Jose A. Carvalho. Introdução à psicoterapia existencial. Analise Psicológica (online). 2006, vol.3, n° 24 [citado 01 Maio 2008], p. 289-309. Disponível em: <HTTP://www.scielo.oces.mctes.pt/pdf/apsv24n3/v24n3a03.pdf> WINNICOTT, D.W. Da Pediatria à Psicanálise. Rio de Janeiro, Editora Imago, 2000. In: ROTONDARO, Daniela Pacheco. Os desafios constantes de uma psicóloga no abrigo. Psicol. cien.prof. [online], set.2002, vol.22, n° 3 [citado 01 Maio 2008], p.8-13. Disponível em: http://pespsic.bvs-psi.org.br/scielo. php?script=sci-arttext&pid=s1414-98932002000300003&1ng=pt&nrm=iso>
NOTA DE RODAPÉ 1Aluno do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva do estágio supervisionado pela professora Raquel Neto.
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A CULPA É DE QUEM? Shirley Sena Martins1 “Não sei perder minha vida. Não sei qual a minha culpa, mas peço perdão. A luz do farol revelou-os tão rapidamente que não puderam ver. Peço perdão por não ser uma “estrela” ou o “mar” ou por não ser alegre, mas coisa que se dá. Peço perdão por não saber me dar nem a mim mesmo. Para me dar desse modo, daria a minha vida se fosse preciso, mas peço de novo perdão, não sei perder minha vida”. Clarice Lispector
Este trabalho busca correlacionar o conceito de culpa com o atendimento psicoterápico de uma cliente na Clínica de Psicologia Newton Paiva. A cliente Isabela, nome fictício adotado para preservar a identidade da paciente, chega à clínica dizendo que, desde que sua mãe adoeceu e perdeu todos os movimentos, ela cuida da mesma, e isso aconteceu assim que concluiu o curso de Ciências Contábeis. Ela tem 30 anos, não exerce nenhuma profissão remunerada, namora há sete anos e tem dois irmãos, que trabalham e não se envolvem, como Isabela, com a doença da mãe. Seu pai é aposentado, mas realiza trabalhos extras como corretor. Isabela conta que sua mãe era professora do Estado e que, em sua casa, sempre houve discussões entre os filhos com a mãe (era impaciente e reclamava de seu trabalho), numa dessas discussões, em que a paciente altera o tom de voz com sua mãe, ouve dela, em prantos, que “meu Deus tira minha voz, já que não posso nem falar.” Neste mesmo período, ela descobriu uma doença degenerativa que iria paralisá-la como um todo, inclusive deixar sem voz. Assim, Isabela volta-se para os cuidados com sua mãe, mas sempre escutando de seus irmãos que “você está pagando por tudo que fez com a mamãe”. Ou “você fica aí à toa e nós trabalhando para lhe manter”. Diante desses discursos, a paciente inicia um conflito interno, questionando-se sobre a culpa que os irmãos sempre afirmam que ela tem, e, por não conseguir se separar dessa relação dual, que se estabeleceu com sua mãe. Junto com a doença, Isabela começou a se dedicar a concursos públicos, por acreditar que isso lhe daria um bom retorno financeiro e uma segurança quanto ao desemprego, mas isso se arrasta há sete anos e ela nem se quer imagina ter que mudar de cidade caso passe num concurso. Numa das sessões, ela reflete sobre esse tempo que dedica ao concurso e percebe que, na verdade, ela não que abandonar sua mãe. Além disso, o namorado a pede em noivado e, com muito medo e culpa por achar que sua família irá ser contra, resolve aceitar, mas, para sua surpresa, seus familiares e, inclusive
sua mãe, ficam contentes pela sábia decisão. Após esse noivado, seu comportamento muda nas sessões, chegando até a esquecer de ir, o que nunca havia ocorrido, pois agora a possibilidade de deixar a mãe e ter que escolher a deixa atordoada. Na perspectiva fenomenológica existencial, o ser humano deve ser compreendido diferentemente dos outros seres, assim Heidegger2 criou um termo para designar o caráter específico e distinto da existência humana, o Dasein, que é o homem compreendido como o ser-existindo-aí, sempre com uma possibilidade. Mas o Dasein só é constituído na relação de ser-com-os-outros (humanos). (SODELLI, 2006) Dasein está predestinado a morrer, é o único que convive com o seu-ser-para-a-morte e é livre para escolher viver ou morrer. Por ser uma condição ontológica, surgem dois sentimentos inerentes ao Dasein: a angústia e a culpa. A culpa não está relacionada às proibições ou tabus culturais, mas, fundamentalmente, à consciência de que o ser do Dasein está sempre em jogo. Consciência deve ser entendida aqui como o “saber junto - com”, quer dizer, o Dasein é convocado por ele mesmo a dar conta do seu ser (existir). Conhecer esta tarefa é ter consciência do apelo do ser, do estar-aí-no-mundo (SODELLI, 2006, p.2). Boss (1988) considera a culpa a principal motivação humana. Culpa em alemão é schuld, que deriva de sculd, que significa aquilo que carece e falta, “é realmente algo sempre e perpetuamente falta na vida do ser humano” (BOSS, 1988, p.31) e sua essência só será compreendida na realização da existência humana. Para May (1958b, p.76), “a culpa é a condição da pessoa que renega essas potencialidades e renuncia a realidade. Quer dizer que a culpa é uma característica ontológica da existência humana” Descreve algumas das características da culpa ontológica: na medida em que todos nós nunca desenvolvemos plenaRevista de Psicologia - Edição 1 l
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mente nossas potencialidades e, conseqüentemente, deformamos em certo grau a realidade, é uma condição que, de um modo ou de outro, afeta qualquer pessoa origina-se na própria consciência ou, dito de outra maneira, do fato de vermo-nos como pessoas capazes de escolher ou nos omitirmos. Neste sentido, não provém de proibições ambientais ou da introjeção de normas e hábitos culturais; portanto, a culpa ontológica difere da culpa neurótica ou mórbida, mas, se não for aceita ou se for recalcada, pode degenerar em culpa neurótica. (MAY, 1958b, p. 76) De acordo com o dicionário wikipedia, culpa é a responsabilidade dada para uma pessoa por um ato que provocou. Já o sentimento de culpa se refere à reavaliação de um comportamento passado, causando alguma dor. Na abordagem fenomenológica existencial, o ser está lançado no mundo, o que implica em um sofrimento, assim, a culpa pertence ao ser, ou seja, é ontológica, e se mostra no momento em que questiona suas possibilidades diante de suas escolhas, podendo se tornar patológica quando não é assumida. Durante as sessões, Isabela relata, “quando meus irmãos me dizem que sou culpada pela doença de mamãe, me sinto mal, pois penso que realmente sou.” O ser humano se manifesta de acordo com o que o mundo precisa, sendo que este deixar-se-necessitar é aquilo que há de ser, o que faz com que o sentimento de culpa se fundamente neste ficar-a-dever, sendo essencialmente culpado. (BOSS, 1988). Isabela, a todo o momento, justifica suas ações perante o outro, numa dívida eterna com a doença de sua mãe. Boss (1988) acredita que em um tratamento psicoterápico, a pessoa pode transcender, despertando, assim, para novas possibilidades ou se fechar diante das reivindicações que vêm a seu encontro. Mas se ele assume livremente seu estar - culpado diante das possibilidades vitais dadas a ele, se ele se decide, neste sentido, a um ter-consciência e um deixar-se-usar adequado, então ele não mais experimenta o estar-culpado essencial da existência humana como uma carga e uma opressão de culpa. (BOSS, 1988, p.40). Esse sentimento de culpa, que Isabela traz nas sessões, mostra o quanto é angustiante existir, saber que somos livres para realizarmos nossas escolhas, e que o fato de não escolhermos nada já se torna uma escolha, o que, a principio, é a atitude que ela tem diante das suas possibilidades como um ser- no- mundo.
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REFERÊNCIAS BOSS, Medard. Angústia, culpa e libertação: ensaios de psicanálise existencial. 4. ed. São Paulo: Duas cidades, 1988. 77 p. Dicionário virtual. Disponível em:< pt.wikipedia.org/wiki/Culpa (sentimento)>. Acesso em: 19 out. 2008. May, R., Angel, E. & Ellenberger, H.F(eds). Contribuiciones de la psicoterapia existencial. In: Existencia: Nueva dimensión en psiquiatria y psicología. Madri: Gredos, 1958b. P. 58-122. Disponível em: <http://www.psicoexistencial.com.br/web/detalhes.asp?cod_menu=108&cod_tbl_texto=1975> Acesso em:
SODELLI, M. A abordagem proibicionista em desconstrução: compreensão fenomenológica existencial do uso de drogas. Disponível em: <http://www. abrasco.org.br/cienciaesaudecoletiva/artigos/artigo_int.php?id_artigo=1193.> Acesso em: 19 out. 2008.
NOTAS DE RODAPÉ 1 Aluna do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva do estágio supervisionado pela professora Raquel Neto. 2 HEIDEGGER, M. Ser e o Tempo. 4ª edição. Rio de Janeiro, Petrópolis: Vozes, 1993.
O SENTIDO DO ENCONTRO Vanessa Gomes de Lima1 “A vida é a arte do encontro embora haja tantos desencontros pela vida”. Vinícius de Moraes
Já dizia o “grande” poeta Vinícius de Moraes que o sentido da vida está nos encontros que são constituídos no percurso do viver, ainda que, muitas vezes, este encontro de si e com o outro seja permeado pelos desencontros. Da afirmação do poeta, uma questão pode ser suscitada: o que seria esta “arte do encontro”? Antes de prosseguir com o desenvolvimento dessa questão, as pretensões deste texto serão esclarecidas na tentativa de possibilitar um entendimento do caminho percorrido até o presente ponto. Assim, o texto será descrito em dois momentos. No primeiro, a arte do encontro será tratada a partir do sentido extraído da língua portuguesa e do cotidiano das pessoas. Num outro momento, será desenvolvida a partir dos referenciais teóricos da psicoterapia existencial fenomenológica. Entretanto, outro ponto deve ser esclarecido, os encontros e desencontros neste texto correspondem à experiência obtida nos atendimentos com adolescentes na clínica de psicologia do Centro Universitário Newton Paiva no estágio Psicoterapia Existencial Fenomenológica. No ano de 2007, iniciei os atendimentos a três adolescentes, com idades entre 13 e 17 anos. Eram adolescentes típicos da atualidade, com diagnóstico de déficit de atenção, de aprendizado e agressividade, indicados por terceiros (família, escola e médico) e sem qualquer implicação inicial dos jovens no processo. Literalmente foram convocados a frequentar uma psicoterapia por não se enquadrarem em um padrão de normalidade esperado. Isso significa que, de algum modo, estavam além ou aquém do modelo estabelecido no desempenho de papéis sociais como filhos, alunos, cidadãos etc. Contudo, apesar das descrições iniciais, o que de fato surpreendeu-me foram as características apresentadas por esses jovens nos primeiros contatos. Encontrava-me diante de indivíduos envelhecidos e embotados afetivamente. De poucas palavras e gestualidades empobrecidas. Com precárias demonstrações de seus sentimentos e principalmente com raros relacionamentos intersubjetivos. O computador era a via de comunicação e de relacionamento mais utilizada e nem sempre servia para que pudessem se comunicar com as pessoas, já que, muitas vezes, preferiam um jogo. A ociosidade e a saturação do cotidiano eram
relatadas de maneira metódica: “vou à escola, chego da escola, almoço, vejo televisão, faço dever, fico no computador e depois vou dormir”. [...] “Todo dia é a mesma coisa” (sic.). Estavam vazios: de sentido para a vida, de projetos que sustentassem a existência e principalmente de encontros significativos. Porém, à medida que nos encontrávamos, gradativamente, o cenário opaco era quebrado com alguma história contada por alguém. Nos relatos, ora risos ora tristezas. Aos poucos, os sentimentos começaram a ganhar lugar no processo. Algumas vezes a indignação com algum familiar tomava o grupo, em outras a angústia das provas, a ansiedade dos encontros amorosos, o momento de pensar nos projetos futuros, enfim o grupo passou a ser “um lugar” no qual era possível falar e sentir sem restrições. O ponto que gostaria de demarcar neste momento é que o setting passou a ser, principalmente, o lugar do encontro: de si e com o outro. Ao observarem e escutarem as vivências de outrem foi possível individualmente e coletivamente se perceberem, se diferenciarem, se identificarem e apreciarem o contato coletivo. A partir desse contato, foi possível trilhar um caminho, no qual o vazio existencial cedeu lugar a um sentido para a vida pela via do encontro. Segundo Augras (1978, p. 55), “o mundo humano é essencialmente mundo da coexistência. O homem define-se como ser social e o crescimento individual depende, em todos os aspectos, do encontro com os demais”. [...] O conhecimento do outro, pois, supõe a compreensão da existência como ser da coexistência. A relação ontológica com o outro torna-se então uma projeção dentro do outro da relação ontológica de si para si. O outro é um duplo de si. A compreensão de si fundamenta-se no reconhecimento da coexistência, e ao mesmo tempo constitui-se como ponto de partida para a compreensão do outro. (AUGRAS, 1978, p. 55-56). Para retomar a questão inicial do texto: o que seria esta “arte do encontro”,o significado das palavras em evidência foram extraídas do dicionário da língua portuguesa. Assim, para HOUAISS (2004), arte, encontro e desencontro são: Revista de Psicologia - Edição 1 l
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Arte: habilidade humana de pôr em prática uma idéia, pelo domínio da matéria; O uso dessa habilidade nos campos do pensamento e do conhecimento humano e/ou da experiência prática. Encontro: reunião combinada ou casual; em busca de, em favor de; ficar frente a frente com (algo que procurava ou não); achar; passar a conhecer ou ter a consciência de; descobrir; ir de encontro a; ir ao encontro de (alguém); estar equilibrado, satisfeito consigo mesmo. Desencontro: divergência (de idéias, sentimentos, etc); Perder-se, ser oposto, incompatível; divergir. Encontrar, portanto pode ser pensado como uma habilidade humana de pôr em prática uma idéia, de empregar esta habilidade nos campos do pensamento, conhecimento e experiência prática. O encontro, como uma reunião combinada, enquanto ir em busca de algo ou alguém, equilibra e traz satisfação. Tem o caráter do descobrir, de ter consciência de coisas novas. Encontrar sugere um movimento que possibilita ir ao encontro. Esses encontros podem acontecer nas mais variadas formas. Pode ser um encontro amigável, encontro amoroso, encontro sexual, encontro familiar etc. Em geral, acontece entre duas pessoas, mas também acontece entre mais que dois. “Pode ser em qualquer ambiente desde que os envolvidos estejam dispostos a experimentar as sensações do seu próprio ser que aparece como uma resposta para si mesmo ou uma resposta para o outro; ou para as pessoas com as quais se está interagindo naquele momento”, conforme descrito por (CARRENTO, 2005). Porém nem só de encontros se vive. Os desencontros também fazem parte do processo do viver, e quando, em desencontro, o ser humano, ao invés de se achar se perde, diverge em idéias e sentimentos. É tomado pela incompatibilidade. Nesse sentido, incapaz, nesse momento, de se harmonizar. Quando os ambientes que deveriam possibilitar os encontros no dia- a- dia, como o ambiente de trabalho, a igreja, a escola, a vida familiar etc, não estão suficientes para proporcionar ao indivíduo relações próximas e verdadeiras, com manifestações espontâneas de sentimentos, emoções, sem censura e domínio, é no encontro psicoterápico que esta possibilidade se consolida. O encontro é a confluência da harmonia e da reciprocidade; é um sentimento de estar dentro da vida de alguém, sem nos esquecermos de nossa própria identidade e individualidade. O encontro consiste numa experiência interna decisiva, na qual se revelam novas dimensões do eu (não como conhecimento intelectual, mas como consciência integral) e se descobre valores mais amplos e abrangentes. (MOUTAKAS citado por CARRENTO, 2005). 122 l
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“A psicoterapia, seja qual for a teoria em que se apóia, consiste precisamente em reaprender a lidar com os demais, mediante a interação com o Outro, sintetizado na pessoa do terapeuta, ou desdobrado nos outros, no caso da terapia de grupo” (AUGRAS, 1978, p. 55). Segundo Erthal (1989, p. 95), a tarefa do psicoterapeuta na terapia vivencial é ser-com-o outro. Desse modo, o terapeuta vai ao e de encontro ao cliente, numa troca, que inicialmente serve como modelo para o cliente e, posteriormente, o impulsiona a romper com suas estruturas cristalizadas. Arriscando na relação junto ao terapeuta, o cliente permite generalizar esta situação para outras formas de relação interpessoal. “[...] É neste estar-junto-a que a pessoa se sente capaz de crescer como quer existir, fazendo com que se volte mais para si mesma, transformando suas percepções simples do mundo em conscientizações autênticas do mesmo” (ERTHAL, 1989, p. 95). Nos encontros finais, ao retornarem das férias, os adolescentes se depararam com a probabilidade de continuarem a psicoterapia, porém, a partir de novas circunstâncias (horário, dia e número de pessoas). Diante da situação, foram unânimes ao questionarem se o grupo iria permanecer no processo. Da questão, uma afirmativa pôde ser pensada: que o encontro, neste caso, do grupo e com o grupo, trouxe um sentido para cada um e esse pode ser ilustrado pelos dizeres do poeta Vinícius quando afirma que: “A vida é a arte do encontro embora haja tantos desencontros pela vida”. Embora o desencontro final tenha ocasionado o término do grupo, espero, sinceramente, que o encontro ocorrido na relação psicoterapêutica tenha recriado e permitido a esses jovens um encontro na vida. REFERÊNCIAS ARTE, ENCONTRO E DESENCONTRO. In: HOUAISS, Antônio e VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004. AUGRAS, Monique. O ser da compreensão: fenomenologia da situação de psicodiagnóstico. Petrópolis: Vozes, 1978. CARRENTO, Esther Gomes de Lima. Encontro. Disponível em: <http://www.encontroacp.psc.br/encontro.htm>. Acesso em: 15 maio 2008. ERTHAL, Tereza Cristina Saldanha. Terapia vivencial: uma abordagem existencial em psicoterapia. Petrópolis: Vozes, 1989.
NOTA DE RODAPÉ 1 Aluna do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva do estágio supervisionado pela professora Raquel Neto.
O SER NA RELAÇÃO COM O OUTRO Edna Maria Silva1 Eu não sou eu nem sou o outro, sou qualquer coisa de intermédio; Pilar da ponte de tédio Que vai de mim para o Outro”... Sá Carneiro
Para Augras (2000), o crescimento humano se define tanto no nível social, quanto individual do encontro com os demais, o que demonstra ser o mundo, essencialmente o mundo da coexistência. Ainda segundo Augras, a fenomenologia existencial postula que o mundo da coexistência não se estrutura em termos de oposição – ou de complementaridade – entre um sujeito e os diversos objetos que o rodeiam: “Os ‘outros’ não designam a totalidade daqueles que não sou, dos quais me separo, pelo contrário, os outros são aqueles dos quais a gente não se distingue, e entre os quais se encontra também”. Não se trata de justaposição, mas do encontro dentro do meio ambiente. (AUGRAS, 2000, p 55) O ser humano é um ser-no-mundo; existe sempre em relação com algo ou alguém e compreende as suas experiências, ou seja, atribui-lhes significados, dando sentido a sua existência. Vive num certo espaço e em determinado tempo, mas os vivencia com uma amplitude que ultrapassa essas dimensões objetivas, pois consegue transcender a situação imediata; seu existir abrange não apenas aquilo que é e está vivendo em dado instante, mas também as múltiplas possibilidades às quais encontra-se aberta a sua existência (FORGHIERI, 1993, p.51). A relação eu-outro, em sentido eminente, não pode, portanto, ser senão no diálogo. A linguagem leva efetivamente a cabo uma relação de tal sorte que os termos não são limítrofes nessa relação, que o outro, apesar da relação com o eu, segue sendo transcendente ao eu, mas uma relação, cujos termos não formam uma totalidade, somente pode produzir-se como intercâmbio entre o eu e o outro, como ‘cara a cara’. E para que essa relação se produza, faz necessário, inevitavelmente, poder dizer eu. A relação, na qual se faz possível e se respeita a alteridade do ser, tem que começar sendo levada a cabo por um dos termos da relação, e tem que ser levada a cabo como o movimento mesmo da transcendência, ou seja, como o percurso dessa distância que realmente separa o eu do outro; em nenhum caso
como assimilação ou como uma invenção psicológica desse movimento: “Em minha relação com o outro - disse Buber (1974) - seu ser é essencialmente outro que eu (distinto de mim); e esta alteridade sua é o que eu tenho presente, porque é a ele a quem eu ouço, eu a confirmo e quero que ele seja outro que eu.» A alteridade somente é possível, pois, a partir do eu, embora a relação com o outro e com o outro em sentido eminente só, se conheça na medida em que eu mesmo a realizo: A presença nasce quando o tu se faz presente. O eu não confrontado com o tu na presença, o eu rodeado por uma multidão de conteúdos, não tem presente, somente o passado... Mas o ser verdadeiro é vivido no presente, enquanto a vida dos objetos está no passado. (BUBER, 1974, p. 87) A relação é tomada, pois, como a categoria fundamental do ser: a realidade é constitutivamente relacional. Contudo São Tomás define a relação como ‘afinidade entre dois seres segundo o que convém realmente um ao outro’, a relação só conspira a um ordo real, que é garantia e condição de perfeição dos seres, mas não a essência ontológica deles. Nos interessa, no entanto, centrarmos no quién do ‘ser no mundo’ hedeggeriano, ou seja, o ente que ‘é no mundo’. Em relação a esse quién, diz Heidegger que pertencem a ele duas estruturas ontológicas da existência, tão originárias como o ‘ser no mundo’, que são o ser com e o coexistir. Ou seja que esse quién da existência humana ‘é no mundo’ de dois modos fundamentais: relacionando-se com as coisas do mundo objetivo, com os objetos que se constituem como tais, mostrando-se como utensílios e relacionando-se com outras existências humanas com as quais coexiste. Qualquer atividade humana implica na existência das coisas e de sujeitos humanos exteriores ao eu; o existir remete sempre ao outro e aos outros. O quién é, pois, constitutivamente relacional: “Os outros - disse Heidegger (1990, p 223) - não quer dizer o mesmo que a totalidade dos restantes fora de mim da qual se destaca o eu; os outros são, antes de tudo, aqueles dos quais não se Revista de Psicologia - Edição 1 l
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distingue um, pois entre os quais é também um”. Coexistir é, portanto, ser em comum com o outro; o qual permite que com ele possa encontrar-me. Porém para Heidegger, esse sujeito da existência em comum não é nenhum existente determinado, nem o conjunto de todos os existentes, senão um sujeito essencialmente neutro, impessoal e inumano, a saber, o ‘se’ do ‘se diz’, ‘se faz’, ‘se pensa’, a generalidade anônima e niveladora. E pensa isso do seguinte modo: Enquanto cotidiano ‘ser um com outro’ está no ‘ser aí’ debaixo do senhorio dos outros. Não é ele mesmo, os outros o tem arrebatado o ser. O arbítrio dos outros dispõe das cotidianas possibilidades de ser do ‘ser aí’. Mas estes outros não são determinados. Pelo contrário, pode representá-los qualquer outro... O quién não é este nem aquele; nem um mesmo nem a soma dos outros. O quién é ‘qualquer’, é das Man. (HEIDEGGER, 1990, p. 226) De maneira que, posto que meu existir é coexistir e posto que os outros, sem sua impersonalidade, absorvem meu ser e são quienes, na realidade existem como sujeitos da existência comum, eu existo no mundo pendente de minha relação com os outros, fazendo o que se faz, pensando o que se pensa, dizendo o que se diz. Este se tira o homem em cada momento de sua responsabilidade. Em lugar de achar-se recolhida em si mesmo, a existência do ser humano se dissipa no ‘se’’. No pensamento do Heidegger (1990), a coexistência é um modo não autêntico de existir, uma trivialização da existência, por isso só a existência que se resgata de sua dissipação no ‘se’ chega a ser si mesma e, pelo mesmo, autêntica. A coexistência autêntica está em deixar que os outros sejam livremente o que eles, por si mesmos, podem ser, solidão em comum na execução de um destino, que tem como horizonte a própria possibilidade de morrer. Durante atendimentos realizados na Clínica, destacou-se a relação entre mãe e filha. Uma relação de conflito e controle, mas que foi definida pela mãe de J. como uma relação de cuidado, proteção e zelo. J. queixa-se que está, a todo momento, sendo invadida, com uma sensação de sufocamento, como em suas próprias palavras “de não estar respirando”. Ao mesmo tempo, diz não ser ouvida e respeitada. ”Não posso fazer o que desejo, apenas o que ela deseja”. TILLICH (1991, p. 72) nos lembra
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Quando a relação amorosa não me conduz a mim mesmo, quando eu, numa relação de amor, não conduzo outra pessoa a si própria, este amor, mesmo que pareça a ligação mais segura e extasiante que já tive, não é amor verdadeiro. Por meio da consciência de seu próprio ser, o indivíduo se tornará livre para tomar suas próprias decisões, definindo assim a direção que pretende dar para a sua vida. O ser humano está constantemente em processo de criar um mundo para si, pois está sempre aberto a mudanças. Mas essas mudanças precisam ser realizadas por meio de suas próprias escolhas e nunca submetidas ao outro. REFERÊNCIAS AUGRAS, Monique. O ser da compreensão: fenomenologia da situação de psicodiagnóstico. 10 ed. Petrópolis: Vozes, 2000. 55 p. BUBER M. Eu e Tu. 2ª ed. São Paulo (SP): Moraes; 1974. p. 87. FORGHIERI, Yolanda Cintrão. Psicologia fenomenológica. Fundamentos, método e pesquisa. São Paulo: Pioneira, 1993. p. 51. Heidegger, Martin. Ser e tempo. 3ª ed. Petrópolis: Vozes, 1990. p. 226. TILLICH, Paul. A coragem de ser. 4ª ed. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1991.
NOTA DE RODAPÉ 1 Aluna do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva do estágio supervisionado pela professora Raquel Neto.
OS DESAFIOS DA PSICANÁLISE FRENTE À CLÍNICA DAS PSICOSES Flaviane da Costa Oliveira 1
INTRODUÇÃO A contemporaneidade anuncia desafios e possibilidades à atuação da Psicologia, convocando os profissionais a ocuparem novos espaços. Nesse sentido, discuti-se o papel da psicologia e, em especial, da psicanálise, que, com o passar do tempo, disseminou-se por diversos contextos, inaugurando a chamada psicanálise aplicada. Foram analisados os limites de atuação do psicólogo nas instituições frente às vicissitudes da clínica das psicoses e à necessidade do diagnóstico estrutural, tendo como protótipo o setor de psicologia da Delegacia Especializada de Crimes Contra a Mulher (DECCM). Utilizou-se a metodologia qualitativa, construindo um estudo de caso, a partir de um atendimento ocorrido na DECCM. O DIAGNÓSTICO ESTRUTURAL E A CLÍNICA DAS PSICOSES No final da Primeira Guerra Mundial, em seu texto Linhas de progresso na terapia psicanalítica (1976), Freud anuncia o futuro da clínica por ele pensada. Segundo Laia (2008), “trata-se de – sem dispensar os conceitos fundamentais – ‘adaptar nossa técnica’ às ‘novas condições’ que a psicanálise é, com o final da Grande Guerra, convocada a enfrentar”. Assim, a psicanálise foi aproximando-se de novos contextos, formando o que chamamos hoje de Psicanálise Aplicada, que preocupava-se, em especial, com o sintoma e seu destino. Pensando no contexto da DECCM, Couto (2005) propõe uma forma de intervenção denominada Intervenção Retificadora. Essa possui quatro momentos: a queixa, a demanda, a intervenção retificadora (propriamente dita) e o enigma, sendo o objetivo final desta intervenção provocar um enigma que leve o cliente a pleitear a continuidade de seu processo analítico. Neste trabalho, apontamos o dispositivo do diagnóstico estrutural como suporte essencial para o atendimento frente às peculiaridades da clínica da psicose. As estruturas psíquicas são pensadas por Lacan na primeira parte de sua obra, basicamente na década de 60, a partir da observação das diferentes posturas adotadas pelo sujeito frente aos registros simbólico, real e imaginário (FIGUEIREDO e MACHADO, 2008).
A passagem pelo complexo de Édipo é fundamental para o sujeito, pois a forma como esse lhe dá significado irá definir sua posição estrutural. A referência ao Édipo reinstaura a clínica da estrutura do sujeito equivalente à estrutura da linguagem, na medida em que o Édipo é a armadura significante mínima que condiciona a entrada do sujeito no mundo simbólico (QUINET, 1990, p.12). Segundo Quinet (1990), nas psicoses não desencadeadas, o outro é apreendido no registro imaginário. O psicótico usa “bengalas imaginárias” para se apoiar quando convocado a significar o que lhe falta. Quando o sujeito é convocado a situar-se no lugar do Outro, ou quando alguém vem a ocupar este lugar, o sujeito pode responder com um surto, isto é, com o desencadeamento psicótico, “(...) nesse sentido, a situação analítica, que é uma forma de tomar a palavra, pode ser o desencadeador de uma psicose” (QUINET, 1990, p.23). A postura freudiana é a de indicar análise apenas para os casos de neurose, pois não é possível sustentar a promessa de cura frente à psicose (FREUD, 1969). Já Lacan faz uma ressalva quanto ao cuidado frente aos pré-psicóticos, mas afirma que o analista não deve recuar nos casos de psicose, podendo aceitá-los ou não em análise (QUINET, 1990). Na psicose, o analista deve manobrar sua posição fazendo com que o sujeito deixe de posicionar-se como objeto de gozo do Outro, sua postura Deve ser a de dizer não ao gozo do Outro, para que o significante possa advir (...), ou seja, que tomemos ao pé da letra o que este nos conta, o que não implica uma confissão de impotência. Trata-se de saber escutar aquilo que os psicóticos manifestam de sua relação com o significante (QUINET, 1990, p.88). Trata-se de secretariar o alienado de maneira a testemunhar sua fala e promover um esvaziamento do Outro, de provocar a adição de um significante que barre o gozo do Outro (LACAN, 1988). Revista de Psicologia - Edição 1 l
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O SECRETÁRIO DO ALIENADO: PENSANDO A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO Neste tópico, apresenta-se um caso clínico, derivado de um atendimento na DECCM, no qual se buscou discutir a posição do analista enquanto “secretário do alienado” (LACAN, 1988). A paciente tem 41 anos, é casada há 22 anos e tem três filhos. Relatou que seu marido é muito ciumento e agressivo, e que ele a tem ameaçado de morte. Pedi-lhe que descrevesse as ameaças. Ela revelou que o marido a acusa de ser “safada” e de sair com outros homens, sendo que, se ela não for somente dele, não será de mais ninguém. Relata, também, que faz acompanhamento no CERSAM e usa remédios para depressão. Disse que já tentou suicídio, tomando vários remédios juntos, acabando no pronto socorro, onde lhe fizeram lavagem estomacal. Desde então, não se sente bem, “é como se tivesse algo em minha garganta” (sic). Pergunto-lhe o que a levou a tentar suicídio. Ela diz que era funcionária pública, tirou férias, comprou um carro, mas seu marido não a deixou dirigir, pois achava que ela iria se encontrar com outros homens. Então, foi à rodoviária, comprou uma passagem para uma cidade desconhecida e ficou lá por um tempo, dormindo na rua e pedindo esmolas; faltou muito ao trabalho e com isso o perdeu. Diz que o marido é agressivo, que brigou no trabalho e também perdeu o emprego. Diz que encontrou um remédio no bolso de sua calça, guardou-o e o marido ficou procurando. Quando contou ao marido que estava com o remédio, ele lhe disse que ela não deveria tomá-lo, pois poderia morrer. Relata que seu irmão matou três namoradas e ela tem medo de que o marido faça o mesmo, e, por isso, quer denunciá-lo. Explico-lhe que nosso setor tem o papel de apenas escutá-la, sendo um espaço aberto para que ela fale, sendo que a denúncia poderia ser feita em outro setor da delegacia. A paciente do relato acima não retornou ao setor de psicologia da DECCM. Ainda assim, fica clara a postura adotada pelo analista. Ele atua para oferecer ao psicótico um lugar de escuta, proporcionar-lhe a fala sem pressuposto, pois sua demanda pode provir de uma significação que emergiu em sua vida ou de diversas significações sob as quais ele tende a sucumbir, ele pode querer fazer o analista testemunhar esta significação ou pode querer encontrar a significação derradeira, que finde com o significante sem-fim (QUINET, 1990). Nesse caso, a paciente não retornou, mas se assim o fosse, a conduta apropriada ao terapeuta é a posição de testemunha do paciente, buscando sustentar seu discurso a fim de esvaziar o Outro gozador. Segundo Quinet (2002), o diagnóstico diferencial estrutural é determinante para a condução da análise. Tendo em vista o cenário 126 l
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de atendimento da DECCM, acredita-se que a postura adequada, nos primeiros atendimentos realizados, deva ser a de testemunha do discurso do outro, a fim de conceber um diagnóstico estrutural. CONCLUSÕES Se na maioria dos atendimentos realizados na delegacia de mulheres não há retorno dos pacientes, sendo esses atendidos uma única vez, resta ao analista uma posição de oferta da palavra, que não convoque o sujeito a posicionar-se frente ao seu sintoma. É preciso, portanto, pensar formas de utilização do diagnóstico estrutural como premissa deste processo. Por ora, fica uma certeza: “se o sujeito é psicótico, é importante que o analista o saiba, pois a condução da análise não poderá ter como referência o Nome-do-Pai e a castração” (QUINET, 2002, p.22). REFERÊNCIAS COUTO, S.M.A. Violência Doméstica: uma nova intervenção terapêutica. Belo Horizonte: Autêntica/FCH-FUMEC, 2005. 120p. FIGUEIREDO, A.C., MACHADO, O.M.R. O Diagnóstico em Psicanálise: do Fenômeno à Estrutura. Disponível em: <http://www.ebp.org.br/pdf/Ana_ Cristina_Figueiredo_e_Ondina_Machado_Diagnostico_em_psicanalise.pdf> Acesso em: 25 mai 2008. FREUD, Sigmund. Linhas de progresso na terapia analítica. In: ______, Edição das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1976, vol. XVII, p. 199-211. FREUD, Sigmund. O caso de Schreber, artigos sobre técnica e outros trabalhos. Edição Standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1969, Vol. XII. 463p. LAIA, S. A prática analítica nas instituições. Disponível em: <http://www. ebp.org.br/pdf/Sergio_Laia_A_pratica_analitica_nas_instituicoes.pdf > Acesso em: 21 abr.2008. LACAN, Jacques. O seminário: livro 3: as psicoses. 2. Rio de Janeiro: Ed. Jorge Zahar, 1988. 366 p. QUINET, A. As 4+1 condições da análise. 9 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002. 115p. ______. Clínica da psicose. 2 ed. Salvador: Fator, 1990. 120p.
NOTA DE RODAPÉ 1 Aluna do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva do estágio supervisionado pela professora Sônia Couto.
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