Pulp feek #13

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We Want You. Verdade, nós queremos. A nossa querida revista semanal tem planos de expansão, e já conversamos sobre a nosso procura por redatores. Mas não é só sobre isso que estamos falando. A Pulp Feek surgiu com a intenção de propagandear a leitura, em especial a de ficção (mas qualquer leitura é incentivada), além de formar e revelar novos autores. E nós, da Pulp, chegamos a conclusão que a revista é pouco para tudo isso. Precisamos, todos nós leitores ávidos, partir para outro nível. Você precisa falar para seus amigos lerem os livros que você gosta. Você precisa mostrar o mundo fantástico da leitura. Sabe aquele tio chato que entrou num esquema de pirâmide e só fala sobre isso? Esse tem que ser o nosso nível de comprometimento com a literatura. Eu vejo como uma forma de melhorar o mundo. O mundo precisa de leitores. PS: E enquanto ensina as pessoas a gostar de ler, aproveita pra mostrar a Pulp.


PULP FEEK - #13 Séries

A queda de Aqueron - TREVAS no momento que o grande astro cai, as tramas por trás desse mundo onde uma fé cega sobrepõe a razão começam a tomar forma. Isso e muito mais na incrível história de Marlon Teske --------------- Pág 3

RIXA - PARTE IV entenda as constantes desse mundo e sua estrutura? Que

segredo guardava a ordem e os reis magos? Isso e muito mais na incrível história de Victor Lorandi.--------------------------------------------------------------- Pág 12

One-Shot

SACRO OFÍCIO Caos e Ordem se misturam na lenda sobre duas irmãs uma guerreira na pureza de seu coração e outra guerreira no ardor de sua alma nesse incrível conto de Philippe Avellar --------------------------------------------- Pag 23

Extra

FONTE DE INSPIRAÇÃO - ARMAS MEDIEVAIS Na coluna dessa semana conheça um pouco mais sobre armas medievais e sobre os incríveis Porretes e Maças utilizadas nessa era tão magnífica. --------------------------------------------- Pág 39 COMO ESCREVER SOBRE - CARACTERIZAÇÃO Nesta edição aprenda como combinar diversos aspectos para caracterizar o personagem perfeito que ficará na história de qualquer leitor, com nosso editor-chefe Rafael Marx ----------- Pág 47 Na Próxima Semana: Reveja Deckard, e sua amável androide em mais um capítulo de A Falha Steinitz por Rodolfo L. Xavier. Em 4x2 a pesquisa desse jornalista para fazer seu livro não para entenda aonde ele quer chegar em mais um fascinante capítulo de Alaor Rocha E as já tradicionais colunas de nossos Editores Chefes, Lucas e Rafael.



A Queda de Aqueron - Trevas

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Marlon Teske

queron ainda queimava nos céus, mas ali, sob toneladas de pedra e tijolos que formavam a Catedral dos Puros, apenas as sombras reinavam. Por isso, nenhum daqueles desgraçados nas masmorras escuras tinham consciência disto. Exceto por alguns poucos. Estes eram os especialmente desafortunados, muito mais do que os que haviam sido condenados à morte pela fome. A treva era total. Mesmo de olhos abertos, Arturo não conseguia distinguir os contornos das palmas de suas próprias mãos feridas. Seus músculos doíam pela falta de circulação causada pela incômoda posição em que fora aprisionado. Isto, aliado à fraqueza provocada pela fome, exigiram dele um enorme esforço apenas para sentar-se. Tateou procurando por apoio, flexionando levemente os braços e tentando esticar as pernas apesar do pequeno comprimento das correntes. O tilintar de seus grilhões ecoou através dos salões enegrecidos. Além do eco, outros sons distintos se fizeram ouvir. Cativos remexiam-se em seu entorno, parecendo próximos, mas não havia meios de ter certeza. Quantos estarão aqui comigo? Havia um cheiro pungente de sangue, suor e excremento no ar, além da respiração de alguma coisa grande próxima dele. Inicialmente, acreditou tratar-se de um touro ou um cavalo. Depois de algumas horas, já não tinha mais tanta certeza. Volta e meia, podia jurar que aqueles pulmões que sopravam próximos com a potência de um fole roncavam baixinho. Por mais de uma vez, divagou sobre as histórias absurdas sobre gigantes que viviam em Terra-Além. Imaginar tais coisas mantinham sua mente ocupada e o impediam de enlouquecer. O pior era a desorientação. Conforme as horas passavam, tinha a

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sensação cada vez mais forte de estar solto no vazio. Não tinha certeza sobre o quão distante estavam as paredes ou o teto daquela prisão. Havia ainda o som de água cotejando, pessoas tossindo, chorando e, às vezes, do arrastar de pés daqueles que tomava por seus carcereiros. Como se moviam em meio à escuridão total também era uma das muitas incógnitas que permeavam seus pensamentos. Não tinha mais a menor ideia de quanto tempo havia se passado desde que fora colocado a ferros, mas acreditava que havia se passado não menos do que uma semana. Os pés passavam novamente naquele instante. E como das outras vezes, não lhe deram nenhuma comida. A água que escorria pelo chão era seu único sustento, e mesmo esta tinha um gosto terrível. Não havia como recolher o líquido, então Arturo encostava o rosto na pedra para sorver o que podia. A dor no estômago só não era pior do que as cólicas que sentia devido a doença. Encolheu-se. — Isto é cruel demais — falou uma voz estranha, acalentadora. Feminina, mas com um pesado sotaque. O som sobressaltou Arturo. Estava muito mais perto do que imaginava. Tentou pronunciar algumas palavras, mas a voz não saía. Havia permanecido completamente calado por tanto tempo que sua garganta estava seca. Precisou tentar novamente para conseguir dizer alguma coisa, e após tossir, ainda que gaguejando um pouco, murmurou: — Quem… — Desculpe se lhe acordei com meus lamentos. É melhor que poupe suas energias, criança — tornou a voz — Querem lhe dobrar pela fome, e quanto mais se esforçar, antes irá ceder.

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— Eu já cedi. Já fui dobrado. — era Arturo em resposta — Desisto! — Não deixem que escutem isso! — implorou a voz — Se lhe ouvirem, será levado até os inquisidores para sofrer ainda mais. Acredite, a fome é suportável. Há pessoas que passam fome a vida inteira. Você é capaz de suportar mais alguns dias. — Pois eu comeria um rato se conseguisse pegar um — desabafou. — Não há ratos aqui, e deveria ser grato por isto preso às correntes como está. Este deve ser o único lugar de Castelo Azul sem eles. — Como... — Sei disto? Estou aqui há bastante tempo, ainda que não saiba com certeza qual será meu destino a partir de agora. A queda de Aqueron sempre muda tudo. Os mártires estão quase todos reunidos, mas a conta ainda não bate. Nove devem partir, mas apenas sete estão sendo preparados. Temo que você seja um deles. Aquela conversa demorou algum tempo para fazer sentido na mente de Arturo, mas por fim compreendeu do que se tratava. O pronunciamento de Belzequíades falava sobre nove mártires que partiriam para salvar Aqueron após sua queda definitiva. Quando escutara a ladainha dos sacerdotes da Sacra-Doutrina pela primeira vez, pegou-se pensando em quem seria crente ou tolo o suficiente para partir em tal jornada sem rumo e com um objetivo claramente impossível. Como fora ingênuo. Apenas agora compreendera que os nove não teriam qualquer escolha. Os tais santos seriam os desajustados, os indesejáveis e os prisioneiros da cidade. Pessoas descartáveis que para o bem do enclave seriam lançadas para o mundo exterior. Nunca imaginara que ele próprio poderia tornar-se um deles. Ele deveria salvar a deus!

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Uma ira até então adormecida transbordou de dentro dele. Lembrou-se da ignorância de Ofélia que o delatou por querer lhe, do desprezo de sua mãe quando ainda jovem optou por não seguir a religião. Irritou-se até por pensar em toda sua vida miserável e desprovida de significado ou sentido. Imaginara ficar velho. Tentara viver em paz! Puxou as correntes, agitando-se, forçando os pulsos entre os grilhões numa tentativa desesperada de fazer alguma coisa. De lutar por sua vida. Por fim, exausto, ferido e frustrado, gritou até a voz morrer em sua garganta. — Calma — pediu a voz em tom de súplica — Não se deixe levar. Lembre-se, guarde as energias. Eles virão, mais dia ou menos dia eles virão. E irão lhe alimentar e te tirar daqui. Basta que você fique vivo até lá. Basta que você não enlouqueça como os outros. Se conseguir, poderá novamente ver a luz e ser salvo. Se enlouquecer, você não conhecerá seu futuro. — De que adianta ser tirado daqui e jogado para além das muralhas onde nada existe? Querem que eu busque Terra-Além? Que eu salve Aqueron? Como salvar algo que foi inventado pela igreja? Como resgatar uma lenda? — Estas palavras são veneno agora, criança — tornou ela — Sei o que pensa. Concordo e aceito seus argumentos, mas ser teimoso agora não irá lhe ajudar em nada. Você precisa se acalmar e confessar seu pecado. É a única maneira de sair vivo. — Eles querem que eu confesse que não creio em um deus? — Ao contrário, criança, eles querem que você negue o que disse e admita que crê. Que admita que suas palavras foram um erro e acei-

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te Aqueron como guia. Você é valioso, menino. Se está aqui é porque precisam de você. *** — Chegou a hora — comentou Belzequíades fechando o velho livro e virando-se em direção ao céu da tarde. Do outro lado do amplo salão, de pé, Dario também fitava o horizonte através da grande janela. Seus olhos eram de um verde profundo, e a barba assim como os cabelos eram dourados. Quando se deitava com alguma mulher da cidade, gostava de gabar-se dizendo que um dia seus antepassados haviam sido reis nas florestas de Terra-Além e que este sangue mágico ainda corria em suas veias. Hoje, contudo, reconhecia a verdade tão claramente quanto o peso do arco em suas mãos; se um dia os reis existiram, há muito estavam extintos, assim como a própria magia. Hoje, o verdadeiro e único poder era o da igreja. Conforme Belzequíades havia predito, a lua aproximava-se lentamente do centro do céu ao mesmo tempo em que o sol caminhava em direção ao poente, indo ao seu encontro. Aqueron estava agora tão distante que mal podia ser visto, quase tocando o mundo. Trombetas começaram a soar enquanto os sinos repicavam. O coro dos fiéis crescia, e os lamentos das viúvas podiam ser ouvidos até ali. Todo aquele júbilo se arrastara ao longo de três dias e por fim aconteceria. O próprio Dario sentia seu coração martelar no peito. Belzequíades mantinha-se impassível. Com um gesto longo, disse: — Algumas pessoas rotulam as ações da igreja como implacáveis e

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cruéis — disse o clérigo aproximando-se de Dario — Elas não sabem, infelizmente, de que do mais simples dos homens até o maior dentre os diáconos, até mesmo os luzeiros que nos guiam nos céus estão livres dos desígnios da Sacra Doutrina. A igreja sabe. Por isso ela é tudo o que importa. Havia, enfim, começado. O sol mergulhava de encontro à lua, escurecendo o mundo. Conforme a sombra se expandia, um aterrador silêncio tomava conta do enclave. Os sinos pouco a pouco pararam de ressoar, as trombetas cessaram. Nas ruas, todos os sacerdotes menores haviam abandonado a Catedral e vagavam pelas ruas abençoando as pessoas, benzendo-as e pedindo calma. Da mesma forma, os soldados da Guarda Celeste também patrulhavam, guiando as pessoas para suas casas e removendo qualquer um que perdesse a cabeça. — A fé do homem fraqueja — prosseguiu o clérigo — E, com ela, fraqueja a força de Aqueron. Sua queda é um símbolo da corrupção da alma humana. Por isso, ele deve cair. Para que, pelo medo, a fé ressurja e o povo volte até nós. Pode ouvi-los cantar, Dario? Escuta as vozes peticantes implorando piedade? Dario ouvia, e acenou uma única vez concordando. Tentava não deixar transparecer, mas também estava preocupado. Notoriamente, escurecia. O sol e a lua estavam colidindo um de encontro ao outro e sua sombra engolia o mundo. A calma de Belzequíades era ainda mais perturbadora. Quando chegou ao seu lado, virou-se na direção da janela e ficou ali, em silêncio, como que absorvendo o momento. Quando tudo o que restava do sol era apenas um filete de luz, murmurou: — A verdade é que não existe o livre arbítrio, Dario. Todos temos

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um destino a zelar. Cada um de nossos passos é premeditado. E esta vontade não provém de nós, mas sim de Aqueron. Tudo já foi escrito, Dario. Tudo já foi previsto. E então escureceu. *** Estrelas surgiram nos céus em pleno dia. Eram os santos lamentando a queda de seu protetor. Aqueron, por fim, desaparecia em Terra-Além. Em meio à escuridão plena provocada pelo eclipse total do sol, o herói divino que lutava pela vida de seus súditos deixava os céus. Os demônios e as criaturas que vivem além da escuridão teriam agora caminho livre para descerem ao mundo e espalharem seu terror. Em Castelo Azul, a última cidade civilizada em um mundo dominado pela barbárie, trinta mil pessoas que viviam enclausuradas e protegidas por seus muros choravam apavoradas. Unhas rasgavam a pele, dedos arrancavam os próprios cabelos. Muitos se flagelavam, tantos outros, escondidos em suas casas, pesavam a escolha de prosseguir ou desistir. Estavam em pânico, uma loucura motivada por um fervor religioso nunca antes sentido por ninguém nestas terras. A única coisa que os impedia de sucumbir era a Igreja. Ela prometera que seriam salvos. Ela jurara que iria protegê-los. No salão principal da Catedral dos Puros, gritos. Alcebíades III jazia imóvel, o pescoço em um ângulo impossível. Diante dele, os três Eternos continuavam fixos em sua solidez perpétua. Mas seus rostos

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estavam diferentes. Uma nuance que só seria percebida por alguém que de fato os conhecera, que os vira ali sentados durante toda a vida. Sorriam, os três. Um sorriso mínimo de satisfação. Uma linha de júbilo perante o inevitável.

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Rixa - Parte IV

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Victor Lorandi

aposento era como todos os outros no templo: cavado através de meios mágicos dentro da montanha. O ar gelado de fora não entrava, mas o viciado de dentro não saia. O odor era forte, mas as velas que iluminavam o aposento costumavam penetrar os mais fortes odores. Toras havia chegado uma semana atrás. Ele estava limpo e vestido com os trajes dos exilados. Ele encarava Valleri enquanto eles sentavam para conversar. — Pensei muito no que você disse, Toras. Eu gostaria de saber, de verdade, quais são suas intenções. E repetir o que já foi dito não o ajudará. Ele apenas manteve o olhar firme. Ela sabia que aquilo não era um desafio, apenas uma forma de mostrar sua própria força. — Por motivos que não vou divulgar, decidi te treinar nas artes mágicas. O processo é longo e árduo. Muitos começam jovens, mas outros conseguem acompanhar as crianças, mesmo estando fora da idade. Toras balançou a cabeça. — Eu não tenho tempo para começar um treinamento agora. Tem algo mais importante a ser feito. Algo que pode me ajudar com a magia, também. Valleri inclinou a cabeça. — É mesmo? E o que seria isso? — O Orbe de Gelo. Ela se endireitou e procurou em suas memórias o que era aquele orbe. Nada lhe vinha.

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— Eu não sei do que você está falando, Toras. Que orbe? — O Orbe do Rei Branco. Precisamos ir buscá-lo antes que meu irmão o alcance. — Eu não sei do que está falando. Que tipo de orbe é esse? Valleri se inclinou para frente, interessada em saber o que eram aqueles orbes. Ela com certeza não sabia do que se tratava. — Não é possível que não saiba, Valleri. Todos os magos sabem. Uma batida veio à porta. Valleri olhou para trás. A porta de metal se abriu, acompanhada do tilintar de ossos. Seguindo o som veio Eldron. — Talvez eu possa ajudar nesse momento específico, minha cara Valleri. Toras. Ele fez uma saudação aos dois de forma estranha e entrou no aposento sem ser convidado. Sentou-se entre os outros dois e olhou de um para o outro, em silêncio. Quando ninguém disse nada, ele lambeu os lábios, confuso. — Desculpe, onde vocês estavam? Eu acho que perdi o momento certo para fazer a entrada dramática. Toras olhou estranho para Eldron. Ele não sabia das habilidades do homem. Valleri abriu um sorriso reservado. — Ele mencionou um orbe e disse que eu deveria saber o que é. Do que ele está falando, Eldron. Eldron se virou para Toras com um olhar indagativo. — Eu conheço sua história, meu jovem, então eu vou apenas contar a história que você não sabe contar. O resto, você pode dizer, se sentir confortável para fazê-lo.

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Toras balançou a cabeça, confuso. — Valleri, uma coisa que você não sabe, que muitos não sabem, é que os Reis Magos tinham Orbes Elementais em seus poderes. Você nunca se perguntou por que tínhamos vinte Reis? Valleri balançou a cabeça. — Por que não dez? Por que não um? — Não sei, Eldron. Algo a ver com esses Orbes? Ele sorriu para ela. — Sim, Valleri. São vinte Orbes no total. Cada cinco deles estão ligados diretamente a um dos Elementais. Um para cada elemento central e outros quatro para derivados. Eu poderia enumerá-los, mas não quero te entediar. Eldron desviou o olhar para Toras. — Talvez você saiba alguns, não, Toras? Você caçava magos, sabia todas as cores, todas as concentrações de poderes de cada Rei. Então, você sabe bem o que cada um deles dominava, não? Toras pigarreou. — Quatro Orbes Centrais: Terra, Fogo, Água e Ar. Os opostos são os mais fáceis de lembrar. Alguns deles são mais específicos por algum motivo desconhecido. Temos Luz e Trevas, Vida e Morte, Gelo e Lava, Grama e Rocha. Eu não sei a que Centrais cada pertence. Sei que tem o Orbe do Céu, o Orbe dos Sonhos, o Orbe da Mente e o Orbe do Tempo, também. Valleri estava se perdendo naquilo Tudo. Como era possível que Toras soubesse mais que ela sobre essas coisas? Eldron ela entendia, mas Toras?

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— Como isso é possível, Eldron? — É bem simples, Valleri. Não são todos os magos que sabem da existência desses orbes. Na verdade, me surpreende que Toras saiba tanto. Todos os cavaleiros sabem disso, meu jovem? Toras balançou a cabeça. — Não todos. Todos os cavaleiros caçadores de magos, todos os generais e com certeza todos os estrategistas, mas não todos os membros da Ordem. — E como vocês descobriram sobre os orbes se nem nós sabíamos disso? — Valleri perguntou. — Um informante. — E quem era esse informante? — Não faz diferença. Não mais. Eldron se endireitou, os ossos em seu colar tilintando. — E o que esses orbes deveriam fazer? — Estes orbes – Eldron disse. — São feitos para canalizar as energias de um mago. Cada mago é especializado em uma área, condizente com um dos orbes. Por isso tínhamos 20 reis. Por isso cada um deles treinava seu sucessor. Pois os orbes significam mais poder ainda do que já temos. Foi então que Valleri finalmente entendeu tudo. E Eldron sabia daquilo desde o começo. Provavelmente desde antes de ser exilado. — Isso quer dizer que nós todos fomos considerados perigosos demais para ter acesso aos orbes? Por isso fomos exilados? Eldron simplesmente concordou, sem dizer uma palavra. Ele sabia que aquilo era um golpe pesado para Valleri. Todo o esforço que

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ela tinha feito em sua vida para se tornar uma maga melhor parecia ter voado pela janela. Tudo que ela fez para melhorar não serviria de nada, mesmo que os reis magos tivessem sobrevivido à guerra. Toras olhava para eles, confuso. — Não estou entendendo o que está acontecendo. Por que isso é tão importante. — Não me surpreende que não saiba, Toras. — Eldron respondeu. — Não é uma coisa de comum conhecimento. Mas Valleri é inteligente o suficiente para entender tudo sem precisar de explicação. — Pode compartilhar essa sabedoria, por favor? Ele se dirigia a Eldron, mas foi Valleri quem respondeu. — É muito simples, Toras. Se o que Eldron me diz é verdade, e não tenho motivos para duvidar, quer dizer que todos os exilados são poderosos demais para serem verdadeiros magos e muito menos reis. — Do que você está falando? — A primeira lição que todos nós aprendemos, que escutamos repetidas vezes até concordamos sem dúvida, é que poder corrompe. E poder absoluto corrompe absolutamente. Isso era um aviso, não uma filosofia. Eldron se manteve em silêncio, observando Valleri cuidadosamente. Ela continuou com sua linha de raciocínio, agora levantando e andando de um lado a outro do quarto. — Isso quer dizer que todos nós aqui somos mais poderosos do que imaginávamos. Todos os exilados, ou pelo menos a maior parte de nós, está aqui por representar um perigo ao mundo. O mesmo perigo que a Ordem de Ferro diz combater.

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— Isso quer dizer que os Reis já haviam sido corrompidos. Eldron ergueu uma mão para impedir que uma discussão começasse. — Esse não é momento para política. Agora é o momento para discutirmos o futuro. A Guerra acabou e os Reis caíram. Essa discussão não tem mais espaço aqui. Abstenha-se de fazer comentários do gênero, Toras. Toras viu o olhar severo no rosto do homem. Ele não estava tentando apaziguar a discussão, ele estava ameaçando Toras e eliminando a discussão para sempre de suas mentes. Toras decidiu que não discutiria mais. Valleri concordou com Eldron. — Isso quer dizer que os orbes podem aumentar nossos poderes. Onde estão os outros orbes, Toras? — Aqueles que a Ordem não destruiu foram lançados no mar. Pelos menos seis foram perdidos. Um ainda está na torre do Rei. Eldron olhou para Valleri e viu a chama da esperança em seu olhar. — O Orbe de Gelo. Eldron levantou, apressado. — Nem pense nisso, Valleri. Nós precisamos de você aqui. Não posso permitir que parta em busca desse orbe. Você tem ideia de quão perigoso o mundo é agora? — É nossa chance, Eldron. Se Toras nos ajudar a encontrar o Orbe de Gelo, podemos nos concentrar em contra-atacar. Reivindicar nossos reinos. Trazer os Reinos de volta antes que seja tarde demais. Antes que a Ordem de Ferro decida que é melhor se eles ficarem no poder.

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Toras levantou de um salto. — Ela tem razão. Nossa única chance de derrotar a Ordem é agora. Eles não estão esperando um retorno. Nós podemos encontrar os outros orbes desaparecidos e usá-los para restabelecer a ordem aos Reinos. Eldron empurrou Toras contra a parede, pegando tanto ele quanto Valleri de surpresa. Seu rosto estava retorcido em fúria e Valleri não tentou se aproximar. — Pare de envenenar Valleri, moleque! Você não sabe os perigos que podem encontrar ao sair dessa montanha. Se vocês ousarem ir atrás de um orbe sequer, muitas coisas podem dar errado. Eu não vou permitir que você leve embora a única coisa boa que aconteceu a todos os exilados desde que a montanha foi transformada em um templo. Valleri se aproximou de Eldron e segurou o braço do homem, sentindo os músculos tesos sob o manto que usava. Ela nunca imaginou que Eldron fosse capaz de exercer tanta força. — Eldron, solte-o. — Ela disse em tom de ordem. O homem a obedeceu, largando Toras sem hesitar. Ele lançou um olhar furioso para ela e saiu do quarto, batendo a porta atrás de si. Valleri ajudou Toras a se levantar. Ele respirava com dificuldade. — Eu não sabia que ele era capaz de tal atitude, Toras. Perdoe-me. — Não é culpa sua. Eu também não esperava algo assim de um homem tão velho. — Eu não sei por que ele se agitou tanto. — Não importa. O que importa é que sabemos que os orbes realmente são importantes. Preciso saber se posso contar com ajuda para

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encontrar, pelo menos, o Orbe de Gelo. Valleri se virou, olhando para as paredes de pedra enfeitadas com plantas que ela havia cultivado com cuidado. Ela não sabia se era uma decisão sábia, mas ela via um raio de esperança para todos os exilados. Se ela pudesse pôr as mãos nos Orbes Elementais, mesmo que fosse apenas seis, ela sabia que poderia recriar os Reinos. Ela poderia derrubar toda a Ordem de Ferro. Ela poderia salvar o futuro do mundo inteiro. Ela se virou para encarar Toras, a única dúvida em sua mente era se podia confiar naquele homem. Ele era um cavaleiro da Ordem e agora um Exilado. Ele podia estar mentindo, podia estar planejando entregar todos os exilados aos generais da Ordem. Mas algo nele dizia que isso não aconteceria, de forma alguma. Mesmo assim, ela não confiava nele. — Eu concordo com você, Toras. Precisamos dos Orbes. Todos os sete que ainda estão espalhados pelo mundo, se possível. Eu verei o que posso fazer em questão de números. Partiremos em uma semana. Toras balançou a cabeça. — Não temos tempo a perder. Precisamos partir amanhã. Meu irmão sabe que o Orbe de Gelo não foi encontrado. Eles vão enviar alguém para encontrar o Orbe assim que possível. Valleri não gostava daquela pressão. Não era assim que ela fazia as coisas e não era assim que ela convencia as pessoas de que algo precisava ser feito. — Uma semana, Toras. Você pode conquistar mais pessoas em uma semana. Pense com calma e você pode ver as vantagens de partirmos

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mais tarde. Toras não se moveu. — Muito bem. Uma semana. Toras saiu dos aposentos de Valleri, deixando-a sozinha com seus pensamentos. Mas o silêncio não durou muito. Uma batida veio à porta. — Entre. Eldron entrou, seu colar de ossos tilintando suavemente. Ele parecia muito mais calmo do que antes. — Eu gostaria de me juntar à sua busca, Valleri. E posso te dizer quem estará disposto a se juntar. E quando. Assim, podemos partir mais rápido. Valleri abriu seu sorriso habitual para Eldron. Ela sabia que ele estava tentando manter ela segura, mas ela não queria que ele perdesse seu tempo com aquilo. — Obrigada, Eldron. Por que você acha que é um erro irmos atrás dos orbes? — Eles eram um segredo por um motivo, Valleri. O que você deduziu estava correto. Poder corrompe, Valleri. E poder absoluto... destrói. Ele saiu do aposento sem outra palavra, deixando claro que se Valleri quisesse mais, teria de ir até ele. Mas ela decidiu que aquele não era um dos casos em que ela consultava o vidente. E ele sabia, também. Três dias depois, Valleri, Toras e Eldron lideravam um grupo de dezessete exilados. Eles eram habilidosos, mas os melhores ficaram para vigiar o templo. Estranhamente, a maioria dos exilados concor-

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dou com Toras. Eles acreditavam que poderiam trazer os Reinos de volta. Mas eles eram responsáveis e contidos. Ninguém queria ir atrás dos orbes, entendendo o perigo e as chances de que algo pudesse dar errado. Eles escolheram dezessete para refletir, na soma total, os vinte Reis que caíram. Eles desceram a montanha e logo estavam a caminho da Torre Branca para encontrar o Orbe de Gelo. O único que conhecia bem a região era Toras, tendo viajado por ela para encontrar os exilados. Ele guiava o grupo apressado, sempre tendo em mente que seu irmão poderia estar adiante, esperando por eles com um exército. Valleri notou como ele estava apreensivo desde que saíram das cavernas. Eldron também estava nervoso. Lançava olhares para trás, murmurando sem fazer sentido e rabiscando em pedaços de pergaminho. Ela estava preocupada com os dois, mas não sabia se poderia fazer algo a respeito. Não tinha muita experiência em viagens e como cuidar de pessoas em tais situações. Atrás deles estava o lar, mas a estagnação. Adiante, o desconhecido e possivelmente o fim. Valleri tinha a sensação de que nunca mais veria o Templo dos Exilados, mas não mencionou nada a ninguém. Ela meramente continuou com a jornada.

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Sacro Ofício

Philippe Avellar Jamais houve outro alguém tão memorável, Brava guerreira de alma clara e pura. De sábia lucidez, dócil candura, Imune a qualquer fato condenável. Veio este ser do áureo inalcançável Triunfar na maldade vil e escura! Minando a treva antiga e a dor futura Com força de anjo justo e implacável. Paira solene sobre esta imundície. Olhos fulgentes tal qual dois faróis, Com luz gravando o mundo em sua história. Há de largar da Terra a superfície, Galgando o espaço, aninhada entre sóis, Irmãos de sua luz, de sua glória. -~*~-

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o grande Campeão do exército do Leste fora prevista uma descendência que marcaria toda a história dos povos do mundo. Seu descendente seria como o Grande Athamis, o maior guerreiro dos últimos séculos, que conseguiu estabelecer a paz em metade do mundo antes da chegada dos bárbaros, e cuja bênção todo guerreiro pedia antes

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Sacro Ofício

Philippe Avellar

de começar uma batalha. Ansioso, esperava o grande varão que traria orgulho e honra a toda sua Casa, cujos feitos seriam ainda mais grandiosos que os seus. Mas o destino prega peças e os homens de mente pequena culpam os Deuses por tudo o que acreditam serem injustiças, incapazes que são de verem o além; assim, o guerreiro jamais teve seu varão, e sim duas filhas. Pequenas que calariam as ignorâncias do pai. Amarna nasceu sob uma estrela solene. Era forte de corpo e de mente, e com o temperamento do pai, enlouqueceu todas as amas que tentaram ensinar a modéstia e o recato das damas. Desde cedo pediu ao pai que lhe ensinasse a arte da guerra, e este, por orgulho, cedeu. O arco era a única arte da guerra ensinada às mulheres do Leste. Amarna tinha horror a este modo de lutar, que considerava covarde. Não queria emboscar homens que seriam mortos sem nem mesmo saber o que os atingia; queria lutar com eles pessoalmente! Queria olhar nos olhos de seu adversário, e saber se era merecedor de sua piedade. Esta piedade poderia ser a recompensa da vida... ou de uma morte rápida. Mesmo muito resistente para uma moça, compensou suas desvantagens contra os brutamontes com inteligência e habilidade: dominou a luta com lanças e alabardas, preferindo as armas longas e os combates rápidos, do que se estender em um prolongado embate de forças com os homens. Ainda jovem, tornou-se temida por seu ímpeto, e respeitada por sua índole. Era brava, forte e pura como cristal, uma verdadeira abençoada por Athamis. Vassala, porém, nasceu sob sinais mais modestos. Cresceu sem perder a pequenez de corpo e de alma. Sem força, intelecto ou qualquer

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dom notável que a destacasse, exceto uma compaixão infinita por todos os seres e uma sensibilidade quase cruel. Sob a aura esplendorosa de sua irmã, não era mais que um vaga-lume sob o intenso brilho do Sol. Mas as duas eram unidas, quase parte uma da outra. Comunicavamse até no silêncio. A primogênita protegendo sua pequena, e está dando conselhos à outra, que ouvia atentamente. A piedade de sua irmã, dizia, era um remédio que evitava o endurecimento de seu próprio coração. Quando Amarna partiu em sua primeira campanha em terras distantes, lutando ainda sob a liderança do pai, muito sofreu ao se despedir da irmã. Mas Vassala não permitiu que partissem sem ela. O grande campeão achou a ideia absurda. — De que servirá um peso como você?! — Cuidarei dos enfermos. — foi a resposta, serena. — Será mais uma boca para alimentar com as provisões do exército! — Levarei minha própria comida, se preciso. Bastará um pão por dia. Amarna interveio: — Irmã, irei protegê-la de todos os perigos! Confia em mim? — Sempre. — Vassala sorriu. Incapaz de fazê-las desistir, o Campeão aceitou. No fundo, algo negro em sua mente viu ali a oportunidade de, talvez, vê-la partir. A filha que jamais cumpriria as profecias de grandeza de sua família poderia ir-se, e ser honrada ao menos na hora de deixar o mundo. Mas Vassala sobreviveu à campanha, bem segura. E à seguinte, e à outra, e mais outra. Mesmo quando o Campeão foi ferido gravemente na perna, e Amarna assumiu o comando de suas tropas, Vassala seguiu

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como sua conselheira, acompanhando sua guardiã como uma sombra fiel e intocada pelo medo. As Terras do Leste, pouco a pouco, se faziam menos turbulentas. Sob a força do exército de Amarna, muitos inimigos tombaram; sob os conselhos e a misericórdia de Vassala, bons aliados foram encontrados. As guerras diminuíam, como a chama de uma fogueira que ardeu a noite inteira, mas esfria sob o orvalho enquanto se aproxima a manhã. Mas o coração da mais velha se inquietava mais e mais. Sua vontade de tornar o mundo um lugar melhor — uma vontade que seu pai desconhecia, com sua mente sempre voltada para a guerra — a impelia a fazer algo mais, a extinguir o mal do mundo. Foi então que partiram em mais uma campanha, desta vez para o distante Oeste, onde uma força desconhecida se levantava para atacar as terras da Aurora. E tudo mudaria. -~*~Seguiam com vasto exército pelo enorme deserto, cuja extensão parecia infinita. Há muitos dias não encontravam qualquer local habitado, ou mesmo um viajante que fosse. Abrigavam-se sob grandes pedras nuas, revezando-se para repousar durante as horas mais quentes do dia, empreendendo viagem somente quando o clima era menos duro para os homens e animais. Mas a preocupação começava a turvar a mente dos soldados, e a roer sua coragem, embora a confiança em sua líder permanecesse dura como aço.

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Enquanto seguiam sob a luz do Sol que morria, os ventos que os acompanhavam todo o tempo aumentaram de intensidade. Um estranho e pesado ruído começou a se fazer ouvir, e todos começaram a se inquietar. Foi Vassala quem percebeu primeiro: — Uma tempestade de areia se aproxima! A notícia percorreu o exército como um incêndio. Amarna perscrutou o horizonte com a máxima atenção, encontrando um desnível quase invisível a sudoeste. Ali parecia haver um paredão que poderia protegê -los da fúria das areias cortantes e dos ventos. — Sigam naquela direção! Protejam-se sob as pedras, e procurem cavernas como abrigo! — gritou a seus homens, que prontamente seguiram suas ordens. A guerreira deixou-se ficar onde estava, guiando todos os seus subordinados, dando-lhes gritos de incentivo e encorajamento. Ficou até o último deles dirigir-se ao promontório, e somente então partiu, na retaguarda de todos, acompanhada apenas por Vassala. A tempestade rugia em suas costas, e acabou por alcançá-las antes que chegassem ao seu destino. O açoite das areias e o forte ruído apavorou sua montaria, que derrubou sua amazona no chão. Com a queda, Amarna feriu seus olhos, e viu-se cega em meio à tempestade. Antes que o desespero a tomasse, sentiu a mão pequenina e quente apertar a sua. — Não me solte. Estamos quase lá. Avançaram com esforço enquanto o mundo parecia tentar soprá-las para o céu. Quando suas forças quase lhes faltavam, Amarna ouviu o ruído da tempestade diminuir e não mais sentiu os grãos que picavam seu rosto. Seus passos e os de sua irmã ecoavam à distância, e imaginou

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que estavam dentro de uma caverna. — Como está se sentindo, irmã? — Vassala perguntou, escondendo a aflição da voz. — Estou bem. Mas não consigo enxergar nada. A caçula pousou os poucos pertences que tinha no chão, e pôs-se a trabalhar. Com uma pederneira, ela acendeu a pequena lamparina que trazia, e dispôs todas as ervas e medicamentos que tinha consigo. Obrigou a irmã a deitar-se com a cabeça em seu colo, e examinou o melhor que pôde sob a luz mortiça o rosto de Amarna. Constatou que não era grave. Macerou então poucas ervas que umedeceu com um pouco de seiva e saliva, fazendo uma pasta, e a espalhou delicadamente sobre as pálpebras da irmã. Rasgando um pedaço de sua capa de viagem improvisou uma venda que amarrou com firmeza sobre seu rosto. — Não remova esta venda até amanhã, minha irmã, e seus olhos estarão como novos. — Muito obrigada, Vas. — Amarna respondeu, estendendo a mão para tocar o rosto da outra, a pele delicada da pequena tão diferente de seus dedos ásperos e calejados. — Mesmo sem poder ver, irei protegê-la. Confia em mim? — Sempre. — Onde estamos? — Eu não sei, mas... Este lugar... é enorme. — Vassala disse, assombrada, pegando a lamparina para examinar os arredores. Soltou uma exclamação de surpresa que chegou aos ouvidos de Amarna — Há algo escrito nas paredes! — O que é?

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A mais jovem percorreu as marcas com os dedos, reconhecendo as palavras escritas na língua que dera origem à sua, quase incompreensível para ela. — É algo muito antigo. Fala de alguém importante que foi perdido. Diz haver algo de terrível por aqui. Parece que foi feito pelo próprio Athamis! Isso me faz lembrar das canções que ouvíamos quando pequenas... Mas não conseguiu terminar a frase. O chão sob seus pés soltou um forte estalo e cedeu, abrindo-se como uma boca que a devorou inteira, antes que pudesse sequer gritar. Amarna estava acostumada a reagir rapidamente. Levantou-se de um salto e começou a tatear a parede. Sentiu sob os pés a grande abertura, para onde algumas pedras ainda rolavam. — Vassala! A guerreira precipitou-se pela abertura, escorregando pela rocha íngreme e áspera que arranhava seu corpo e sua armadura. -~*~No ventre do mundo, no centro do nada, Erguida no osso, e pedra descarnada, Um berço das sombras, do mal a prisão, Uma que Pandora não deita sua mão. Guarda consigo, no tempo que for, Alguém prisioneiro, fiel e senhor. Quem nela adentrar, não tem opção: Lá o amor ficará, mas o resto, não...

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-~*~Vassala chegou ao fundo da caverna com um forte impacto. Levantou-se o mais rápido que pôde, massageando as pernas doloridas, e ficou feliz ao bater com o pé em algo duro: a lamparina escorregou junto com ela até ali. Com a pederneira em seu bolso, acendeu-a de novo. — Amarna! Consegue me ouvir? Sua voz ecoou pelas paredes muitas vezes, mas foi sua única resposta. Por mais que confiasse na bravura de sua irmã, era terrível a ideia de que estivesse cega e sozinha em algum lugar da caverna. O teto era muito alto, e a parede muito escorregadia para que conseguisse escalar de volta. — Amarna! — Ela está bem. — respondeu uma voz inesperada, também ecoando pelo longo corredor, como se viesse de toda parte, e de parte alguma. Era masculina e com um sotaque difícil de definir, mas não parecia intimidadora. — Onde ela está? — Em outra parte da caverna, um pouco acima de nós. — Pode me levar até ela? — As coisas não são tão simples assim. Só posso levá-la para o local de seu destino. Vassala sentiu-se tomada por um sentimento estranho. Por uma certeza que, ao mesmo tempo, deixava-a aflita, mas poderosamente decidida. Começou a caminhar ao longo do corredor, notando ao fim da escuridão um pequeno ponto de luz. — Preciso encontrá-la, para que possamos sair daqui juntas.

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— Isso, posso garantir, não irá acontecer. — a voz não fazia uma ameaça. Parecia triste, quase solidária. — Não conhece minha irmã. — Vassala respondeu, sorrindo consigo mesma, enquanto via a pequena luz crescer mais adiante em seu caminho. — Ela é uma abençoada por Athamis. A voz pareceu soltar um suspiro, e seu tom deixou passar um leve toque de riso: — Abençoada por Athamis, você diz. De fato, é uma bela bênção. E você, pequena, como se chama e de quem ganha suas forças? — Sou Vassala, e não sou alguém que brilha e que luta contra as trevas do mundo, como ela. Sou sua sombra, e nada mais. Mais uma vez a voz deu seu breve e tristonho riso. Vassala chegara ao fim do longo corredor, e viu que estava à beira de uma enorme ponte, que se projetava sobre o precipício. Na outra ponta, erguia-se a maior torre que ela já vira em toda a sua vida de viagens, iluminada por chamas avermelhadas que queimavam sem fazer fumaça. Como aquela em que estava, outras muitas pontes ligavam a torre a diversos buracos pelas enormes paredes que a rodeavam até o fundo, criando um espaço imenso, o centro do mundo. No meio da ponte, a silhueta daquele com quem falava se destacava, com olhos brilhando vermelhos como as chamas da torre. Era pequeno, envolto em mantos simples que pertenciam a outra época. Sua voz agora não ecoava, e parecia ainda mais triste. — Talvez sejamos muito parecidos, pequena Vassala. -~*~-

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Amarna, mesmo sem enxergar, pousou de pé, estendendo o cabo de sua arma e deixando-a em riste. Ficou bem atenta a qualquer ruído. — Vassala! Responda! Você está bem? Seguiu avançando com cautela, tateando o chão com o cabo de sua lança, parando seus chamados para tentar ouvir qualquer resposta antes de continuar. Pareceu seguir por toda uma eternidade, através de um caminho longo de pedras ásperas e pontiagudas que estalavam sob suas botas. Uma sensação estranha percorreu seu corpo e a fez erguer a arma de forma ameaçadora antes mesmo que a voz chegasse a seus ouvidos. — Fique em paz, guerreira, sua irmã está segura. — Quem é você? O que fez com minha irmã? — Nada fiz com ela. A ela cabem suas próprias escolhas, e as suas a você. — respondeu a voz, serena. Algo nela a fazia lembrar-se da própria Vassala. — Eu sou o habitante do centro do mundo, onde reinam as sombras. Amarna lembrou-se do que sua irmã falava antes de cair pela abertura da caverna. — As histórias antigas falavam de você? Você é o monstro que encarna toda a maldade do mundo? — O próprio. Trago a maldade na carne. — E confessa portar todo o caos que existe? — Confesso. Trago-o nas costas. — Então, como minha obrigação, terei de matá-lo! O monstro de sombras riu, embora não sentisse qualquer prazer. — Temo que não poderá fazê-lo, guerreira. — Não me subestime! Posso vencê-lo mesmo sem os olhos!

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Amarna lançou-se contra a origem daquela voz com ataques ferozes de sua lança. Ouviu seu adversário se esquivar com agilidade, mas cada movimento produzia um som alto pela caverna ecoante. — Não subestimo seu talento! Apenas sei que este não é seu destino! — Meu destino é acabar com o mal do mundo! Não pense que sabe mais sobre ele do que eu mesma! — os ataques continuavam velozes, e os sons do monstro pareciam mais próximos. Em determinado momento, sentiu que seu pé escorregava e que quase caíra, mas o outro segurou com força o cabo de sua arma, e a puxou de volta. — Não pode me matar com sua lâmina, guerreira. — disse a voz, seu dono agora parado. Sem perder tempo, a lâmina bateu contra algo sólido e macio. Amarna recolheu sua arma, e sentiu na lâmina o líquido quente que já conhecia tão bem. — Ela me diz o contrário, monstro. Ela gostou de seu sangue, e se não me disser onde está minha irmã, irá prová-lo mais um pouco! — Não sou eu quem pode dizê-lo, guerreira. Tomada da fúria feita por seu amor protetor por Vassala, Amarna saltou para frente como um predador, derrubando facilmente o corpo de seu inimigo. Era talvez mais baixo do que ela, e seu sangue molhava as vestes finas que cobriam seu corpo. Embaixo de sua mão, sentiu um coração pulsar, exatamente como o seu, mas em um compasso tranquilo e imperturbável. — Sua arma não pode me libertar, guerreira. — disseram os lábios perto de seu rosto, sem qualquer medo. — Amarna, deixe-o!

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A voz de Vassala surpreendeu sua irmã, que enrijeceu o braço antes de desferir mais um golpe. — O que ele diz é verdade. Você não pode matá-lo. — Vassala, é mesmo você? — Sim! — a mão pequenina pousou sobre os cabelos e o rosto da outra, que reconheceu o toque da irmã. Nenhuma perfídia do mundo seria capaz de imitar aquele toque, que conhecia tão bem. — Não tente exterminá-lo. Venha comigo, eu a levarei até a saída que encontrei. Ele não nos fará mal. — Tem certeza, minha irmã? — Confia em mim? Amarna sorriu, divertida com a troca de papéis. — Sempre. Vassala começou a guiá-la para longe dali, lançando um último olhar para a ponte e para o solitário habitante da torre. Entraram por outra abertura, que subia de forma íngreme, sempre mais e mais. O ar abafado tornava-se mais fresco e mais frio, quanto mais se aproximavam da noite do deserto. O longo silêncio foi quebrado pela voz da guerreira. — Por que não me deixou matá-lo, Vassala? Sei que é misericordiosa, mas não devemos deixar o mal sobreviver à custa do sofrimento dos outros. — Ele morrerá em breve, irmã. Não cabe a você matá-lo com suas próprias mãos. — Vassala segurou os dedos calejados entre os seus, apertando com força, subindo tão rápido quanto podia. — Você me promete uma coisa, irmã? — Qualquer uma.

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— Promete que cumprirá sua missão de fazer o bem pelos outros até o fim de seus dias, e que será grande como Athamis? Que será justa, pura e corajosa para sempre, até acabar o mal do mundo? Amarna sorriu sob os olhos vendados. — É claro. Esse é o meu destino. — Sim. É o seu destino. — Vassala sorria. Uma gota quente caiu sobre os dedos de Amarna, quando a caçula a liberou. — Talvez eu tenha descoberto o meu. Você confia em mim, Amarna? — ela repetiu. — Sempre. — era a eterna resposta. Vassala então deu um forte abraço em sua irmã, antes de empurrá -la para a noite fria do exterior da caverna. Assustada, Amarna bateu contra a areia fofa e gelada, agora livre da tempestade. Tateou ao redor, tentando ignorar a coisa absurda que lhe diziam seus sentidos. — Vassala! Por que fez isso? Vassala! Onde está você? A lembrança das histórias infantis e as cantigas sobre a torre do ventre do mundo dançavam em sua cabeça, como se rissem de seu sofrimento. Seus sentidos aguçados de guerreira, também. — Vassala! Quem entra na torre não o faz nunca mais. Ou nunca a reencontra, ou não sai jamais. — Vassala!!! A guerreira chorava, molhando seu curativo, como nunca fizera desde quando conseguia se lembrar. -~*~-

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O caminho de volta até a torre foi duro. Mas as lágrimas de Vassala estavam secas antes que voltasse a ver o monstro da torre. — Você cumpriu sua promessa. — ele lhe disse. — Sabia que eu o faria. Por isso me deixou levá-la de volta, para que cumprisse sua missão em nosso mundo. — Sim. Nós somos parecidos. Vassala sorriu. Um sorriso triste, que parecia peculiar ao monstro, e que com ele aprendeu a fazer. — Você partirá em breve. E não posso deixar que seu lugar fique vazio. — ela avançou lentamente em direção ao homem franzino que estava no meio da ponte. — Sei que não é só a torre que guarda os males do mundo. Suas mãos delicadas alcançaram o corpo do outro, que não tentou impedi-las. Desfizeram os laços que seguravam a capa e o manto, que caíram ao chão, revelando um corpo coberto de cicatrizes e símbolos antigos que o percorriam por inteiro, como se uma parte da história do mundo estivesse gravada em sua pele. — Você não é o mal. Você guarda os males do mundo no corpo, para que poucos escapem até os outros lá em cima. — ela disse, encarando os olhos vermelhos e brilhantes. — Venho para libertá-lo deste fardo. Vassala abraçou com firmeza aquele homem, tão jovem e frágil quanto ela mesma, tomada pela piedade que habitava seu coração, e tingia tudo o que fazia. Ele levou alguns segundos para retribuir o gesto. As marcas de seu corpo começaram a brilhar como pequenas estrelas, e a migrar para aquela que o envolvia nos braços, queimando sua carne e seu ser com tudo o que carregavam, tudo o que escondiam daqueles na

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superfície. Elas acorrentavam todo o erro que não podia florescer mais além. Enquanto o antigo guardião partia, tornando-se parte da areia da caverna, uma tocha no alto da torre se acendia, e uma nova figura, prisioneira e senhora, contemplava seu reino. — Parta em paz, irmão e sombra de Athamis. -~*~Senhora do silêncio, da bondade, Vestida da beleza tão singela, De honra pia e humildade mais bela Que os anciães, mesmo em tal mocidade. Com força que reside na vontade Acolhe a dor do mundo como a dela, Sem arrependimento e sem cautela, Na fria solidão da eternidade! Prosseguirá pelo tempo intocada, Até que o mal se extinga e lhe liberte Desta missão cruel que nunca encerra. Mas confia, sorrindo, imaculada, Esta mártir presa na pedra inerte, Que o bem que ama há de vencer a guerra.

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A maça é uma arma simples que usa uma cabeça pesada no final de uma haste para desferir golpes poderosos. Uma evolução do porrete, a maça difere de um martelo devido a sua forma radialmente simétrica, com o objetivo de levar o impacto do golpe de maneira eficaz com qualquer um dos lados da cabeça. A maça é constituída por um eixo forte, pesado, podendo ser de madeira ou metal reforçado, com uma cabeça de pedra, cobre, bronze, ferro ou aço. A cabeça é normalmente mais grossa do que o diâmetro da haste e pode ser moldado com flanges ou calombos para permitir uma maior penetração da armadura. O comprimento das maças pode variar consideravelmente. As maças de soldados eram geralmente muito curtas (dois ou três pés, 70 a 90 cm). As maças de cavaleiros eram mais longas e melhor projetadas para golpes a cavalo. Maças de duas mãos poderiam ser ainda maiores. Durante a Idade Média a armadura de metal e malha protegia contra os golpes de armas cortantes e, bloqueava flechas e outros projéteis. Maças de metal sólido e martelos de guerra se tornaram então boas opções de causar danos aos cavaleiros bem armados, uma vez que os golpes de maça são fortes o suficiente para causar danos, sem penetrar a armadura. Porém, existiam também entre as maças aquelas capazes de penetrar a armadura. Um exemplo é a maça com flange. O que a faz ser diferente das outras de sua espécie são aros de metal (flanges) que se projetam permitindo penetrar a armadura. Apesar de haver registro desse tipo de maça no Império Bizantino por volta de 900, a teoria mais aceita é de que esta maça só se tornou popular na Europa a partir do século 12.

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Devido a sua fácil fabricação, baixo custo e simples uso, as maças eram armas comuns. Rebeldes camponeses e exércitos conscritos de baixo custo muitas vezes se utilizavam de maças, machados e porretes. Poucas destas maças simples sobrevivem até hoje, a maioria dos exemplos encontrados em museus são de muito melhor qualidade e altamente ornamentadas. Um tipo de maça comumente usado pelas classes mais baixas, chamada de aspersor de água benta, era basicamente um cabo de madeira com uma cabeça de madeira ou metal e irradiando espinhos, o nome provavelmente se origina da semelhança com o objeto sacro. Ela foi uma arma habitual dos Cavalieri, essencialmente exércitos mercenários do norte da Itália contratado por cidades-estado italianas e de toda a Europa a partir do século 14. A produção de ambos, armaduras e armas para apoiar os Cavalieri se concentrou em torno de Milão, parcialmente em apoio ao controle desta cidade permanecer separado do domínio Papal. Maças foram empregadas pelo clero na guerra, com o fim de evitar derramamento de sangue (sine effusione sanguinis). O Bispo Odo de Bayeux é mostrado empunhando uma maça em uma representação em tapeçaria de Bayeux acerca da Batalha de Hasting. Outros bispos foram retratados com as armas de um cavaleiro, um exemplo é o Arcebispo Turpin, que possui tanto uma lança como uma espada com o nome “Almace” no The Song of Roland. Ou o Bispo Adhemar de Le Puy, que lutou como um cavaleiro durante a Primeira Cruzada. Maças são raramente usadas hoje para o combate real, mas órgãos governamentais, universidades e outras instituições têm maças cerimo-

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niais usados como símbolos de autoridade, nos rituais e procissões, e outros tantos fins. Outro exemplo de uso destas maças medievais, na atualidade, é como simples ornamentação, sendo utilizada como uma carga sobre o escudo, ou como ornamento externo.

Morning Star (Estrela d’alva)

A Estrela D’alva é uma arma medieval que consiste em um porrete com cravos, geralmente com espinhos mais longos nas bordas laterais, e menores na parte superior. Os espinhos a distingue de uma maça comum, que pode ter, no máximo, flanges ou pequenos calombos. Ela foi usada por tanto por infantaria como cavalaria, a arma deste possuindo um eixo mais curto. A maça, uma arma de cavalaria tradicional, desenvolveu-se de forma independente sendo feita toda em metal com cabeças de vários formatos. Enquanto isso a estrela d’alva manteve seu espinhos característicos, com um eixo geralmente de madeira, muitas vezes encontrados em formas para duas mãos medindo até seis metros ou mais, com alta popularidade entre as tropas. O primeiro modelo da “Morning Star” entrou em uso por volta do inicio do século XIV, o termo é muitas vezes aplicado ao mangual militar, que consiste em uma haste de madeira unida por uma corrente a uma ou mais bolas de ferro com ou sem espinhos. Embora se assuma que esta arma era de uma confecção bruta, isto não é totalmente verdade. Havia três espécies desta arma, todas diferen-

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tes em termos de qualidade de mão de obra. A primeira é o tipo militar bem trabalhada usada por mercenários, feitos em série por armeiros especializados para abastecer os arsenais das cidades. O segundo tipo, mais simples, teria sido forjado a mão por camponeses milicianos, ao invés de confeccioná-la em um torno mecânico, a partir de madeira que eles mesmos haviam reunido e equipado com espinhos e estacas feita pelo ferreiro local. O eixo e a cabeça eram geralmente de uma peça, mas às vezes reforçado no topo com uma banda de ferro. O terceiro tipo era decorativo, geralmente curto, e feito de metal.

Aspersor de água benta

O aspersor de água benta (a partir de sua semelhança com o hissope usado na missa católica) era uma estrela da manhã usada pelo exército Inglês, no século XVI, e feito em série por ferreiros profissionais. Sua principal característica é uma cabeça de aço com seis flanges, com três espinhos saindo de cada flange, mas com um pequeno espinho que sai da sua ponta. O cabo de madeira é reforçado com quadro nós e o comprimento total da arma é de 74,5 polegadas (189,2 centimetros) O termo também pode ser utilizado para descrever um tipo de mangual militar, sendo este o nome para arma em francês (goupillon)

Manguais O mangual militar, ou simples mangual, é uma arma comumente

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atribuída a Idade Média, mas para o qual existe apenas uma limitada evidência história. Apesar disto, ela é uma figura frequente da literatura Medieval (Era Vitoriana) se fixando assim na fantasia popular medieval e neomedieval. Tipicamente, a arma é descrita com um, ou mais, pesos unidos a uma haste com uma dobradiça ou corrente. Autores modernos têm usado vários nomes conflitantes para esta arma, os alemães a chamaram maça e corrente, os ingleses “estrelas d’alva e corrente”. Além disso, os termos em inglês “Estrela D’alva” (um punho rígido coberto com uma bola cravada), e até mesmo “porrete”, que se referem a armas não acorrentadas, também têm sido usados para definir esta arma. Ao longo da Idade Média, exemplares agrícolas foram às vezes empregados como uma arma improvisada por exércitos de camponeses conscritos ou envolvido em revoltas populares.

Martelo de Guerra Um martelo de guerra é uma arma do fim do período medieval destinada à ação de combate próxima, que tem sua construção semelhante a um martelo. Esta consiste em um cabo e uma cabeça, com uma alça que pode ter diferentes comprimentos, o mais longo sendo mais ou menos equivalente a uma alabarda e o menor semelhante ao de uma maça. Martelos de Guerra longos foram armas de estacar destinadas para o uso de combatentes de solo contra os cavaleiros, enquanto os curtos tinham como fim o combate mais próximo entre cavaleiros. Martelos

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de guerra de períodos mais tardios, comumente possuíam espinhos dos dois lados, dando assim maior versatilidade à arma. Esta arma foi desenvolvida como consequência do cada vez maior desenvolvimento na qualidade do revestimento de superfície de aço endurecido de armaduras de ferro forjadas no final da Idade Média entre os séculos XIV e XV. A superfície da armadura era algo tão duro como a ponta de uma lâmina, espadas, portanto tendiam a ter seus golpes ricocheteados, se tornando não efetivas. A lâmina de um Martelo de Batalha, era apenas susceptível a dar um golpe obliquo, perdendo a maior parte do impacto, especialmente na parte alma do capacete. Entretanto a cabeça desta arma poderia entregar toda a força do golpe para o alvo causando grande e efetivo dano. Estas armas, especialmente quando montadas em uma haste longa, podem danificar sem penetrar a armadura. Em particular, eles transmitiam os impactos e abalos através até mesmo dos mais grossos capacete e armaduras. A Lâmina ou espinho que possuíam tendia a ser usada em outra parte do corpo onde a armadura era mais, e a penetração era mais fácil, do que através do capacete. A parte final da ponta poderia buscar os braços da armadura como alvo, rédeas, ou escudo, ou poderia ser colocado na direção do golpe, tentando perfurar a armadura pesada mesmo. Contra adversários montados a arma poderia ser dirigida para as pernas do cavalo, derrubando o inimigo blindado para o chão, onde ele poderia ser atacado mais facilmente, recebendo um dano maior até mesmo pelo uso do peso da arma.

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Escolha do Cavaleiro Escolha do Cavaleiro era uma arma de origem islâmica utilizada pela cavalaria durante a Idade Média na Europa. Este era um tipo de martelo de guerra que tem um espinho longo no lado inverso a cabeça do martelo, normalmente este espinho era ligeiramente curvado para baixo, muito parecido com uma picareta de mineiro. Esta arma era muitas vezes usada como um meio de penetrar a blindagem da armadura, o que uma espada padrão não conseguiria. No entanto alguns inconvenientes limitam a eficácia da arma, entre eles seu peso relativamente pesado e seu formado de difícil manipulação. O prejuízo causado pela arma também era pequeno, e raramente era imediatamente fatal. Além disso, uma vez que ela penetrava na armadura era extremamente difícil retirá-la desta, pois a arma se incorporava a ela, tornando a sua recuperação difícil. Também poderia ser usado como uma arma de arremesso.

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Como Escrever Sobre

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Todo escritor sonha em ter um personagem marcante em sua história. Um Walter White, um Gandalf, um Dumbledore, um Wolverine, um Governador. Mas o que faz um personagem marcante? Como criar um personagem que ficará cravado na memória das pessoas e poderá estar na lista, junto com os pré-citados? A resposta é muito simples: Caracterização. Caracterização é a arte de dar ao personagem propriedades únicas e intrínsecas a ele. O autor best seller Neil Gaiman uma vez disse: “As pessoas sabem como é um gato. Diga o que faz esse ser especial.” A ideia é exatamente essa: Ao descrever o personagem, você não precisa dizer que ele tem duas orelhas, duas pernas, dois olhos, nariz e boca. Mas talvez esse personagem tenha apenas um olho. Isso trespassa a importância física, e chega ao plano da trama: como ele chegou a ter um olho apenas? Isso com toda certeza mudou sua forma de pensar a vida. Existem diversas situações pelo qual uma pessoa pode passar que irão alterá-la completamente. Mas não fique preso ao físico. Se não por questões de limitação ou superação, o físico não interessa ao leitor, que não estará vendo o personagem, e sim o imaginando como quiser. Foque em questões mais internas, e deixe que o físico acompanhe as mudanças. Um exemplo é o supracitado personagem Walter White, da série Breaking Bad. Apesar de não se tratar de um livro, o exemplo pode ser seguido: O personagem vai, aos poucos, alterando sua personalidade e padecendo de alguns problemas, e isso fica impresso naquilo que vemos na tela. Faça com que o seu personagem passe por problemas e que eles estejam refletidos em sua forma física, seja com um corte de cabelo, uma vestimenta diferen-

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Como Escrever Sobre

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te, ou talvez cicatrizes. Mas não foi por se tornar careca que Walter White entrou na memória da cultura pop. As centenas de atitudes fortes e frases de efeito do personagem chamavam a atenção de todos aqueles que se tornaram fãs, e esse é um exemplo que você irá querer seguir. Digamos, por exemplo, que estamos criando um general de milícia num mundo pós apocalíptico. Diversos personagens do tipo já foram criados, e eles costumam ser bárbaros egoístas e manipuladores. Vamos fazer desse um personagem diferente. Se ele for um mocinho, vamos mantê-lo bárbaro, mas vamos criar motivos para que ele tenha se associado a uma milícia e crescido em suas fileiras. Talvez um protegido inocente e indefeso. Mas caso ele seja o vilão, a situação é ainda mais interessante. Quando lidamos com vilões, existem estereótipos estabelecidos e que os autores sentem dificuldade de abandonar. O capataz violento, o gênio do mal, o conspirador, o traidor infiltrado. Mas há como escapar dessa situação. No caso do nosso miliciano, vamos fazer dele um personagem egoísta, sim, e com atitudes de extrema violência. Mas vamos fazer dele também um estrategista intelectual. Ele não tomará atitudes impensadas, não atacará por pura fúria, não sucumbirá a provocações. Ele será frio, calculista e sempre terá um segundo plano na manga. Assim, além de criarmos um antagonista marcante, ainda damos a nossa história um vilão muito mais poderoso. Além de atitudes relevantes para a trama, existe uma outra maneira de caracterizar o personagem, que será tão importante quanto. Tratamse das pequenas atitudes. Talvez você queira colocar seu protagonista para enfrentar o dilema de um animal ferido no meio do caminho. A

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Como Escrever Sobre

Rafael Marx

forma como o personagem irá lidar com a situação, aparentemente desimportante, será essencial para marcar a ferro no cérebro dos leitores uma imagem dele. No nosso exemplo, se o protagonista matar o animal sem pestanejar, ele pode ser visto como um bruto, e até pode surgir alguma antipatia se ele o fizer sem demonstrar desgosto. Se ele tentar cuidar do animal, sacrificando suprimentos importantes para sua viagem, ele será visto como uma espécie de escoteiro. Se ele refletir muito sobre a situação e acabar por sacrificar o animal, mas da maneira menos dolorosa possível, você pode passar ao público a mensagem de que não apenas esse é um mundo bruto, como esse é um personagem bruto, mas que se importa. Pequenas atitudes contam muito na hora de se moldar o personagem. Por fim, uma pequena dica. Uma força simples de se caracterizar um personagem é transferir para ele os aspectos que já foram associados a outro. Isso pode acontecer através de uma comparação indireta. Digamos que o mestre do protagonista, um homem ranzinza, que passava muito tempo reclamando, mas era bondoso e leal, faleceu cedo na história. Mais tarde, outro personagem passa a acompanhar os rumos da história, e se trata de um homem ranzinza e cheio de reclamações. Se ambos os personagens tiverem um hábito em comum (tocar flauta, por exemplo), o leitor imediatamente os associará, e irá acreditar que aquele novo e misterioso personagem também tem, dentro de si, um bom coração. E isso pode nem ser verdade. O que seria um grande plot twist, mas disso iremos falar na próxima coluna

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