Viagens | Exposição de Fotografia

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VIAGENS

VIAGENS

exposição de fotografia

de no Espaço Q | QuadraSoltas

de 4 a 16 de Março de 2023

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ALFREDO IRENEU MOTA | RUI DUARTE
RUI OLIVEIRA LOPES |

Tirara as sapatilhas e, agora, com os pés nus calcava a terra compactada. Imaginava que em anos vindouros não iria nascer ali uma erva que fosse, por causa das muitas décadas em que os caminhantes, humanos e outros animais, haviam calcado as flores e as verduras para criarem aquele trilho.

Sentia-se muito cansado, pois há já muitos dias que viajava com pouco descanso a unir cada uma das jornadas, mas apenas o desejo de chegar ao destino, quanto antes, fazia com que ele não se detivesse num pousada para usufruir de um merecido e temporário relaxamento de músculos e nervos.

- Porque não se senta à minha sombra, e descansa um pouco? – uma voz grave quebrou com esmero o silêncio profundo do local. Olhou à sua volta e não conseguia observar nenhum ser que pudesse ter emitido aquelas palavras…

- Não fique admirado, sou eu, esta árvore aqui perto de si, sou eu quem está a falar consigo…

- Uma árvore que fala, será que estou a ter alucinações provocadas pela exaustão ou será até que tudo não passa de um sonho? – pronunciou ele, não de viva voz, mas quase num sussurro.

-Engana-se, as árvores falam, estão apenas imóveis à espera de serem ouvidas, mas, se não se tivesse detido à minha beira, não teria conhecido a minha voz. Nisto das viagens – continuou ela, quase filosoficamente – não precisamos de coleccionar um número quase infinito de paisagens, mas, se não tivermos a possibilidade de viajar para longínquos locais, o melhor será vivenciarmos todos os locais com o prazer que nos dão todas as, pequenas ou grandes, coisas.

- Para quem está fincada no solo e não se move, parece que a minha cara amiga percebe muito de viagens – ironizou ele, mas sem cinismo.

- Meu caro amigo, se me permite, trate-me por amigo, sou uma árvore masculina, não é que isso interesse grandemente; mas, se reparar, uma árvore viaja imenso: ainda era uma sementinha, quando viajei de um dos ramos da minha mãe para cair no solo, nele penetrei, viagem pequena é certo, mas significativa – fez uma pausa, talvez relembrando com alguma nostalgia os tempos do parto e da primeira infânciadepois, surgi como se fosse um pequeno ramo que brotava de terra e comecei a crescer em direcção ao céu, criei a ilusão de que um dia arranharia, ou acariciaria, o profundo azul; viajei, assim, em direcção ao espaço, uma viagem que me tem demorado alguns séculos. É claro que, quando atingi a maturidade, perdi as ilusões de atingir tão altos voos – a árvore deu uma risadinha, pensando, talvez, em tantas gerações de pássaros que haviam nidificado nos seus ramos e por entre as suas folhas – fiquei plenamente ciente de que nunca seria suficientemente alta para atingir os objectivos a que me propusera, mas, também, isso não me impediu de continuar a minha escalada, só que, agora, já não estava obcecado com o destino, mas podia usufruir de todos os gostos que enfermam o caminho – mudou de assunto, perdeu o fragor da entoação, e como se fora a voz doce de um amigo a aconselhar bem um amigo, disse-lhe logo de seguida – vejo, pelos muitos bordados, com nomes das terras que já visitou, cozidos na sua mochila, que a sua viagem já deve ser longa, se calhar está cansado; porque não retempera forças acostando-se a mim e usufruindo da minha protecção?

- Parece-me que vem aí borrasca- o viajante forçou a vista, olhando muito ao longe, perdendo o olhar nas muitas nuvens sombrias que pareciam vir na sua direcçãotenho medo que um raio caia sobre o caro amigo e me fulmine…

- Não se preocupe, caso apareça alguma nuvem viandante que se comova e se desfaça em lágrimas aqui por cima terá a protecção das minhas folhas e permanecerá enxuto, e, pedirei aos meus irmãos e irmãs que se mantenham atentos, caso surja umaoutra mais irada, para que levantem os ramos para o céu e aparem todo e qualquer raio que caia nas redondezas.

Parecendo-lhe aprazível o convite que lhe havia sido endereçado, encostou-se ao frondoso tronco da árvore e, cobrindo-se todo com uma manta, não tardou em adormecer. Não chegou sequer a perceber que, no sítio onde apoiara a cabeça, a casca se tornara numa massa esponjosa, numa óptima almofada. Sonhou, sonhou muito, mais tarde ser-lhe-ia difícil destrinçar se tudo aquilo seria um sonho ou um imenso pesadelo, viajava na estrada para Samarcanda e tinha imensa necessidade de chegar lá rapidamente; corria, cada vez corria mais, mais e mais, e a cada passo que dava o caminho ficava mais iluminado, uma luz cada vez mais forte encadeava-o, paradoxalmente tudo ficava mais iluminado, mas ele cada vez via menos o que o rodeava. Quando já só havia luz, uma luz tão forte que lhe havia provocado a ilusão da ausência de tudo, acordou lentamente, e quando ainda estava numa espécie de torpor pareceu-lhe ouvir a voz da árvore: não viajes para Samarcanda, mas viaja na estrada de Samarcanda. Espreguiçou-se muito, muito lentamente, apreciou indolentemente tudo à sua volta, sorriu plenamente quando um raio de sol penetrou a malha densa das folhas da árvore e o veio beijar na testa. Virou-se e ficou a olhar para árvore; com reconhecimento, disse-lhe:

- Estava longe de pensar, ontem, que iria acordar hoje tão relaxado e tão em forma, sinto-me magníficamente…

- Ontem? – sorriu a árvore – anteontem, será melhor dizer anteontem, pois

dormiu duas noites e um dia pleno; mas deve ter viajado muito dentro do seu ser, repetia nomes de terras e ouvi-o muitas vezes pedir informações a quem encontrava no caminho sobre a melhor forma de chegar ao destino…

- Destino, por falar em destino, é curioso, já não sinto grande pressa, parece-me que perdi a pressa em chegar a Samarcanda durante o sono, apetece-me até ficar um pouco mais aqui a observar tudo o que aqui existe…

- Foi por causa disso, que sussurrei, quando acordou, que não se deve viajar com um destino premente, e que o objectivo de chegar a algum lugar, por mais maravilhoso que ele seja, não nos deve impedir de apreciar todos os outros por onde passamos e que quase intuímos como estorvos. Todas as viagens são maravilhosas, sejam aquelas nos países mais exóticos ou apenas as que fazemos na nossa rua, desde que o viajante, não estou a falar do coleccionador de bilhetes-postais, esteja disponível para encontrar todas as pequenas ou grandes maravilhas que o surpreendam no caminho.

Despediu-se da árvore afectuosamente, achou-se devedor da sua protecção durante aquelas duas noites e um dia, mas a árvore disse-lhe que ela é que lhe estava agradecida, porque confiara nela e aceitara delicadamente a sua companhia.

Retomou o caminho, num passo mais comedido, ia olhando as flores variegadas que lhe surgiam nas margens do caminho, apreciando até os arbustos que, provavelmente, algum conhecedor saberia identificar e atribuir-lhe qualidades que ele desconhecia como tais, achou que um passarinho, no seu trinado, tinha explorado um intervalo de quinta de Dó, apreciou o som de um regato correndo ali perto, até mesmo o achado de um crânio de javali o pareceu estimular naquilo que ele significava, a permanência de tudo o que existe, outrora parte de um ser vivo que havia existido e que, agora, se preparava para integrar a terra e engrandecer a composição química do solo.

Sentiu a mochila muito mais leve, incrivelmente mais leve. Teria sido roubado, enquanto dormia? Ajoelhou-se e conferiu o conteúdo da mesma; estava lá tudo, as conservas, a lanterna, o cantil cheio de cristalina água, o livro de poemas do Álvaro de Campos, o bloco de apontamentos, a fotografia da sua mãe enlevada a olhar para os seus filhos. Quando afivelava já os diversos bolsos da mochila, preparando-se para desistir do seu inquérito, reparou que as únicas coisas que, afinal, haviam desaparecido eram os bordados que se referiam às suas conquistas passadas como turista.

A lfredo I reneu M ota
A Caminho I, Fotografia digital Impressão digital em papel baritado | 50 x 75 cm
A Caminho II, Fotografia digital Impressão digital em papel baritado | 50 x 75 cm
A Caminho III, Fotografia digital Impressão digital em papel baritado | 50 x 75 cm
A Caminho IV, Fotografia digital Impressão digital em papel baritado | 50 x 75 cm
A Caminho V, Fotografia digital Impressão digital em papel baritado | 50 x 75 cm

A Caminho VI, Fotografia digital

Impressão digital em papel baritado | 50 x 75 cm

A Caminho VII, Fotografia digital Impressão digital em papel baritado | 50 x 75 cm

A Caminho VIII, Fotografia digital

Impressão digital em papel baritado | 50 x 75 cm

A Caminho IX, Fotografia digital Impressão digital em papel baritado | 50 x 75 cm
R ui D uarte

Entre o céu e a terra I, Fotografia digital Impressão digital em papel baritado | 50 x 75 cm

o céu e a terra II, Fotografia digital
digital em papel baritado
50 x 75 cm
Entre
Impressão
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Entre o céu e a terra III, Fotografia digital Impressão digital em papel baritado | 50 x 75 cm

Entre o céu e a terra IV, Fotografia digital

Impressão digital em papel baritado | 50 x 75 cm

Entre o céu e a terra V, Fotografia digital Impressão digital em papel baritado | 50 x 75 cm

Entre o céu e a terra VI, Fotografia digital

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Entre o céu e a terra VII, Fotografia digital Impressão digital em papel baritado | 50 x 75 cm

Entre o céu e a terra VIII, Fotografia digital

Impressão digital em papel baritado | 50 x 75 cm

Entre o céu e a terra IX, Fotografia digital Impressão digital em papel baritado | 50 x 75 cm

R ui O liveira L opes
Ao acaso I, Fotografia digital Impressão digital em papel baritado | 50 x 75 cm

Ao acaso II, Fotografia digital Impressão digital em papel baritado | 50 x 75 cm

Ao acaso III, Fotografia digital Impressão digital em papel baritado | 50 x 75 cm

Ao acaso I V, Fotografia digital

Impressão digital em papel baritado | 50 x 75 cm

Ao acaso V, Fotografia digital Impressão digital em papel baritado | 50 x 75 cm
Ao acaso VI, Fotografia digital Impressão digital em papel baritado | 50 x 75 cm
Ao acaso VII, Fotografia digital Impressão digital em papel baritado | 50 x 75 cm
Ao acaso VIII, Fotografia digital Impressão digital em papel baritado | 50 x 75 cm

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