Era uma vez monet 147 junho2015

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EM UM REINO NÃO MUITO DISTANTE –

podemos até chamá-lo de “qualquer lugar” –, Juliana perdeu as chaves do carro e culpou os duendes; Mariana encontrou o amor da sua vida e agradeceu ao destino; depois de brigar com o irmão, Pedro tropeçou na rua e atribuiu o infortúnio ao carma. Tentar explicar o inexplicável está no cerne do ser humano e é por isso que a fantasia atrai tanto a nossa atenção. Juliana, Mariana e Pedro poderiam muito bem se chamar Cinderela, Branca de Neve e Peter Pan, por que não? Entre sapatinhos de cristal e maçãs envenenadas, projetamos nos contos de fada anseios e ilusões que, ao contrário do que muitos pensam, não ficaram só na infância. “Nossa atração pelas temáticas do imaginário faz parte da nossa própria natureza, nós somos, em grande medida, inexplicáveis. E nos interessamos por histórias que deem forma a nossas angústias e possibilitem alguma espécie de poder diante dessas figuras. O fato de estar diante dos olhos é a estratégia para o espírito fugir da angústia do vazio”, analisa Juliana Tonin, líder do Grupo de Pesquisa Imagem e Imaginários (GIM) da PUC-RS. A indústria cinematográfica sabe bem disso e percebeu a tempo de transformar contos adaptados para as crianças em histórias apreciadas por adultos. Cinderela, do diretor Kenneth Branagh, faz parte da onda de recentes releituras de clássicos feitas para conquistar um público mais maduro. Com Lily James, Richard Madden e Cate Blanchett, o filme transporta para as telas uma gata borralheira de carne e osso, de aparência semelhante àquela da versão animada de 1950. Mas são as cores vibrantes, o figurino imponente e os diálogos afiados que fazem a produção empolgar tanto crianças quanto adultos. Torcer a favor do mocinho e contra o vilão é a base das regras de convívio da sociedade, e isso ocorre quando o ser humano sabe discernir entre bem e mal. O conceito é muito mais simples quando aplicado por uma criança, que tem esses dois extremos muito bem definidos no imaginário. E é por isso que as fábulas e as histórias fantásticas sempre foram usadas com fim educativo para os mais jovens. Até agora. A mesma indústria que modificou os contos de fadas originais para pregar o valor do “felizes para sempre” transforma enredos e apresenta vilões mais bonzinhos – mesmo que isso signifique alterar a moral da história. A bruxa interpretada por Julia Roberts em Espelho, Espelho Meu (2012) tem momentos tão cômicos que quase esquecemos da 2 sua maldade. Já em Malévola (2014), a

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