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Cantiga da Desesperança

por Cesar Lopes Gemelli

o Mundo não vale o mundo, 2020 então, foi de lascar. Eu plantei um pé-de-esperança, Nasceu uma desgraceira. Carlos falou que não foi culpa de ninguém, mas foi sim. Foi dos brutos, dos coniventes, dos que viam uma escolha difícil.

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Os trens não vieram, mas os campos tavam lá. Criançada na jaula, famílias fraturadas, as cordas penduradas mas sem frutos, anunciando, feito cruzes invisíveis queimando. Não viu quem não quis, os brutos, os coniventes.

Meu capacete é de esquiar. Não tenho barbote, uso a máscara mesmo, N95 ou a que tiver. Guardo os documentos do meu filho numa mochila que fica perto da porta. Não vamos precisar. Repito, mas vai quê, já fica lá. Que las hay, las hay.

Quando família pergunta, faço de conta de fortíssimo — mas a força não existe — e na mais pura mentira digo que não tenho medo. Faço de conta de esquecer e de sonhar — mas o sonho não existe — de que cada cicatriz não encobre a ferida purulenta do desengano.

A totalização dos brutos é a obliteração dos outros. Esqueci como se ri. Minha boca é o ô do áporo diante do vazio dos aniquilados que foram como o mundo, antes da queda do céu que insiste em queimar o Mundo.

Photo: Erupção. Eduardo Montelli, 2020. www.cargocollective.com/eduardomontelli

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