Galerias, edifício e cidade: 3 estudos de projeto na República

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Galerias, edifício e cidade: 3 estudos de projeto na República

2021
FAUUSP

Galerias, edifício e cidade: 3 estudos de projeto na República

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Universidade de São Paulo Trabalho final de graduação

Rafael Letizio Sedeño Pinto Orientação: Luciano Margotto Soares

São Paulo, agosto de 2021

Agradecimentos

Ao Luciano Margotto, pela enorme dedicação e paciência na orientação deste trabalho. Agradeço a confiança e o incentivo constantes.

À Joana Mello e Pablo Hereñú, que aceitaram ler e discutir essas inquietações integrando a banca de graduação.

À Helena Ayoub, pelas valiosas contibuições em pré-banca e pela animação e energia contagiantes; e à Marta Bogéa, que me acompanhou como orientadora e professora no meu amadurecimento como pesquisador.

Ao Estúdio+1 - Ana, Luís e Tiago - pelo acolhimento e incentivos na minha formação como arquiteto urbanista.

Aos meus amigos de fau, pela presença constante e pelo apoio em todos os momentos. Nem seus nomes, nem meu carinho, caberiam em um simples parágrafo.

À Marcela e Thaís, que trilharam comigo o percurso desse trabalho de graduação, sendo companhias contantes e ótimas interlocutoras; à Taiane, amiga de todas as horas e conselheira de projetos; e à Vivi, amiga que divide comigo todos os altos e baixos da formação desde o primeiro dia de aula.

Finalmente, à minha família - Magali, Mariana e Fernando - por todas as oportunidades que me proporcionaram e por acreditarem em mim. O apoio de vocês me trouxe até aqui.

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Dedica-se...

Em especial à minha avó, Áurea, e à Júlia, em memória: por estarem, cada uma em seu tempo, sempre ao meu lado e por me deixarem sorrisos em todas as lembranças.

Na confiança de que, onde estejam, possam compartilhar comigo este momento, dedico à vocês este trabalho.

Resumo

Galerias, edifício e cidade: 3 estudos de projeto na República

Na região central de São Paulo, no distrito da República, as experiências de arquitetura moderna consolidaram uma urbanidade que se destaca diante de outras áreas da cidade. Através do diálogo entre o plano urbano que se desenrolava desde a década de 1930 e a arquitetura produzida no momento, com especial ênfase nos edifícios galerias, desenvolveu-se nessa região uma relação particular entre edifício-rua, desenho urbano e lote, que se reflete nos espaços públicos e privados dali. Reconhece-se que essa configuração pode ser explorada como possibilidade projetual e de “amarração” entre essas duas esferas como lição de arquitetura que pode trazer pistas para novas experiências.

Os três estudos de projeto propostos se realizam na quadra que cerca a Rua Basílio da Gama, tendo como objetos a própria rua e os edifícios que já abrigaram a sede da Telesp e o Cine Coral. A partir dos projetos desse três pontos, busca-se tecer ideias sobre a formação dessa urbanidade e investigar estratégias de projeto que qualifiquem, integrem e dialoguem com as permanências dessa urbanidade tão cara à cidade.

Palavras-chave: Galerias; República; Urbanidade

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Arcades, building and city: 3 design studies for República

In São Paulo’s downtown area, on República district, modern architecture experiences created a special urbanity that stands out in the city. From the dialogue between the urban plan which had been developed since 1930’s and its contemporary architecture, with special emphasis on arcade buildings, emerged in this area a special relationship between buildings and streets, urban design and private plots, which shows up on its public and private spaces. This urban configuration may be explored as contemporary design possibility, joining these two spatial scales and bringing architecture lessons for new experiences.

The three design studies are made on the urban block in which the Basílio da Gama street is laid inside, taking the street itself and the buildings where “Telesp” company and “Cine Coral” were once installed as design plots. Based on these three points experiences, the work tries to develop ideas about the rising of this place’s urbanity and to investigate design strategies that may qualify, integrate and dialogue with the persistences that creates this very particular and special urban spirit.

Keywords:

Arcades; República; Urbanity

Abstract

Sumário

Introdução 10

Primeiras leituras 16 os Estudos de projeto 30

1. A construção do centro novo 38 a Rua Basílio da Gama 46

2. As experiências presentes 60 o Cine Coral 66

3. Cidade como dado de projeto 92 o Telesp Clube 106

Considerações finais 158

Referências 162

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“Galeria do Rock” (Conjunto Grandes Galerias), Av. São João. Foto do autor.

Introdução

ou: pausa pro café - o que interessa no centro

Este trabalho debruça-se sobre a arquitetura do “centro novo” de São Paulo, o bairro da República, mais especificamente, sobre a capacidade dos seus edifícios de criar diálogos francos entre o interno (a arquitetura) e o externo (a cidade). Caracterizada pelo registro da verticalização da cidade no século XX, as experiências modernistas na região geram uma forma de ocupação da cidade que se baseia na relação com o pedestre e altera a relação rua - edifício.

É nesse local e contexto social que ganha proeminência um tipo específico de edifício: a galeria, que permite passagem por sua área interna, normalmente atrelada a usos comerciais. Em verdade, as galerias têm origem muito anterior nas cidades europeias e sua existência na cidade de São Paulo não é exclusiva dessa região. Vemos no Conjunto Nacional, por exemplo, um representante icônico desse tipo de edifício, que adota em seu embasamento a conexão entre a Avenida Paulista, Rua Augusta, Alameda Santos e Rua Padre João Manuel.

No entanto, é na República que a grande quantidade de atravessamentos permitidos por esses edifícios ganham uma noção de sistema. As novas passagens multiplicam o traçado das ruas, criam novos percursos e enriquecem a experiência de quem se desloca pelo local, especialmente no quadrante formado entre o Anhangabaú, a Av. Ipiranga, a Av. São Luís e a Av. São João. Fontenele (2010, p.27), na extensa investigação que realiza sobre essas relações em sua tese, reconhece esta condição:

“Seus térreos se configuravam como espaços de permanência e passagem das pessoas que trabalhavam, moravam, circulavam e se divertiam pela região, como extensão das ruas”.

Em um cenário político e social de (re)interesse crescente pela região e

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de um momento no qual o planejamento urbano municipal retoma como desejáveis muitas das ideias e estratégias utilizadas nesses edifícios, como a fachada ativa e a fruição, considera-se pertinente reexaminálos, não apenas com o olhar de quem deseja compreendê-los em seu contexto, mas também apreendê-los em sua potência contemporânea.

A hipótese que se coloca é que na região do centro novo existe uma relação particular entre edifício-rua, desenho urbano e lote, que se reflete nos espaços públicos e privados dali. Essa configuração pode ser explorada como possibilidade projetual e de “amarração” entre essas duas esferas, como lição de arquitetura que pode trazer pistas para novas experiências.

Para tanto, este trabalho busca investigar a formação dessa espacialidade em perspectiva com a configuração contemporânea do local, buscando as ressonâncias que permanecem. Faz isso a partir do reconhecimento de 3 oportunidades projetuais, que partilham a mesma quadra, mas com questões diferentes: a Rua Basílio da Gama, o terreno do antigo Cine Coral e o edifício que abrigou o Telesp clube.

Numa aproximação ao conceito de estruturação urbana a partir da quadra, desenvolvido por Felipe Noto em sua tese, os estudos baseiam-se na ideia de entender e completá-la, incentivando usos e permeabilidades variadas. Buscou-se discutir três situações diversas: o espaço público viário em sua condição de permanência e passagem, o espaço subutilizado (ou que poderia agregar mais usos) e o espaço existente (construído) nas possibilidades de se renovar internamente e de se relacionar com a cidade.

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pausa para o café

Os motivos que me levam a estudar e examinar o centro e as galerias também vêm de interesses e histórico pessoais. Ainda que não more na região, visitava regularmente as ruas do centro acompanhando meu pai ao resolver algum assunto de trabalho. Passear pela região sempre foi uma das atividades preferidas do meu eu infantil e as galerias sempre foram parte disso. Cortando caminho entre os pontos, víamos as galerias dos brinquedos (Galeria Itapetininga), das máquinas fotográficas (Galeria Sete de Abril) e parávamos, sem exceção, para tomar-mos café na Galeria Ipê, onde as atendentes achavam engraçado uma criança de 5 anos gostar de café.

Lembro-me de não entender como entrar num prédio, de repente estar em outra rua e nunca conseguir montar um mapa mental do lugar; da multidão de pessoas, das estações de metrô lotadas e de como era possível encontrar qualquer coisa nas lojas da região. Lembro-me também dos edifícios e de como eram diferentes do resto da cidade. Sinceramente, foi parte do que me motivou, muitos anos depois, a seguir para a arquitetura. A memória do lugar vívido ficou surpresa ao saber, muito tempo depois, no primeiro ano da FAU, que o “centro novo” já tinha sido substituído e que na verdade era alvo de um discurso que o dizia decadente.

O tema foi presente em toda a trajetória no curso e ganhou corpo como trabalho final de graduação como oportunidade de estudar as intersecções das diversas escalas da arquitetura sobre as quais, felizmente, a FAU se dedica.

fim da pausa

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I. 1. O café da Galeria Ipê. Hoje, fechado após a pandemia. Foto: Google Street View, set. 2014.

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R.Aurora R.doArouche

Av.Ipiranga

R. Araújo

R.DomJosédeBarros

R. Basílio da Gama

R.7deAbril

R.Marconi

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R. Maj. Sertório R. Gen. Jardim R. Bento Freitas R. Mq. de Itu
R. Dr. Bráulio Gomes
Praça da República Av. São Luís R. da Consolação R.Barão

BarãodeItapetininga

R.24deMaio

Largo do Paiçandu Av.SãoJoão

R.Conselheiro Crispiniano

R.Cel. Xavierde Toledo

Vale do Anhangabaú

calçadas/áreas de pedestres área de interesse

e.: 1:3000
A região da República edifícios galeria 0 10 30 50 100m 15

Primeiras leituras

ou:

Estabelecida desde sua fundação no triângulo histórico da Sé, a ocupação da cidade começa a transbordar mais intensamente para além do vale do Anhangabaú na passagem entre os séculos XIX e XX, tendo como marco principal a abertura do primeiro Viaduto do Chá em 1892. (TOLEDO, 1983)

Por anos, diversos melhoramentos urbanos na área iriam cada vez mais ampliar a ligação com a então região central da Sé: o ajardinamento da Praça da República, a remodelação do largo do Paissandu e do Arouche, a construção do Teatro Municipal e o início das obras do Viaduto Santa Ifigênia. (COSTA, 2015, p. 81-82)

Fortalecido na década de 1930, esse movimento acaba por consolidar a área como o chamado “centro novo”, foco cultural e econômico da cidade que estava em plena expansão demográfica e financeira. Edifícios como o Esther, de preceitos modernistas, inauguram na cidade um novo momento urbano, em uma cidade que se renovava. (TOLEDO, 1983; CAMPOS; NAKANO; ROLNIK, 2004)

Povoado de novos pontos de encontro como cafés, galerias de arte e cinemas, a área se tornou um novo polo de uma cultura urbana, mesclando diversos grupos e tradições, formando uma dimensão cosmopolita na metrópole paulistana na região que passava a concentrar as principais atividades econômicas e sociais da cidade. (COSTA, 2015; JORGE, 2013)

Esse espaço é formado por um conjunto de vias complexo e diverso que nos mostra conformações físicas, usos e fluxos diferentes entre si, moldadas em épocas e com propósitos variados.1

1. A Av. São João, alargada e aplainada em seu primeiro trecho em 1913-14, na gestão do Barão de Duprat, adotando padrão de boulevard parisiense; a Av. São Luís toma a configuração atual no alargamento aprovado por Prestes Maia em 1938, na implantação de seu plano de melhoramentos; já a R. Barão de Itapetininga, finalmente, importantíssima para o comércio de luxo do início do século XX, toma sua feição atual apenas na década de 1970, com a transformação em calçadão.

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os eixos e sentidos do centro novo

I. 2. Calçada da Av. São Luís, sob projeção da Galeria Metrópole. Foto do autor.

Av. São Luis

trecho aproximado entre ed. Louvre e Galeria Metrópole

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I. 3. Rua Barão de Itapetininga e o comércio informal nos calçadões. Foto do autor.

Rua Barão de Itapetininga

trecho aproximado da Galeria Nova Barão Av. São João

trecho aproximado entre Galeria Olido e Largo do Paissandú

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I. 4. Boulevard da Av. São João. Foto do autor.

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Observadas uma a uma, ressaltam-se muito mais as características individuais. A potência da área como unidade só pode ser efetivamente apreendida numa leitura geral que nos dá pistas sobre como funciona sua dinâmica, em especial de mobilidade.

Em maior escala, é importante notar que a área está encaixada entre duas grandes vias de ligação (as quais chamaremos, nesse caso, de horizontais - I. 5): a Ipiranga, que se junta à R. da Consolação e o vale do Anhangabaú, do qual o túnel faz parte do “sistema Y”. Especialmente, ainda que acima do túnel exista a área de praça, as duas vias são parte do sistema de avenidas rodoviárias que cumprem papel de ligação entre regiões da cidade. Desse modo, ambas caracterizam-se, principalmente, como locais de passagem de automóveis. São junto a esses dois eixos que se localizam os pontos de transporte mais importantes da região: as estações de metrô República e Anhangabaú e ainda o Terminal de ônibus Bandeira.

As vias perpendiculares a estes (verticais), como esperado, abrigam um intenso fluxo de pedestres. Efetivamente, a área foi transformada paulatinamente em calçadão ao longo das décadas passadas: R. 24 de Maio, R. Barão de Itapetininga e R. 7 de Abril. (I. 6)

Essa condição é uma ressonância local da própria estruturação do Plano de Avenidas que, desde a década de 1930, estabeleceu esquema de vias

I. 5. grandes eixos de ligaçãohorizontais

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I. 6. eixos de ligação pedonaisverticais

I. 7. Volume de pedestres nos calçadões e ruas de tráfego seletivo do centro histórico. Fonte: CAMPOS; NAKANO. ROLNIK, 2004, p. 137.

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perimetrais e radiais na cidade, convergindo para os distritos da Sé. Para além disso, esse movimento também é consequência da concentração de terminais metropolitanos de transporte na área central para onde convergem viagens de todas as zonas da cidade, seguindo a lógica radial do sistema de transporte paulistano.

A congregação de terminais de ônibus (Praça Princesa Isabel, Praça da Bandeira, Parque Dom Pedro II) e cruzamentos de linhas metroviárias na região, aliada ao fato de que a integração entre os meios de transporte no local é essencialmente realizada a pé, cria um fluxo de pedestres notável no entorno e nas ligações entre as estações e terminais, ocasionando inclusive um uma forte dinâmica de comércio informal. (CAMPOS, NAKANO e ROLNIK, 2004). (I. 7)

Perpendiculares a estas últimas, estão as vias que fazem a ligação transversal: R. Dom José de Barros, R. Marconi e R. Conselheiro Crispiniano. Menores, tanto em fluxo quanto em espaço físico, conectam as vias de maior passagem de pedestres. É interessante observar que, que, neste sentido, o fluxo não acontece apenas pelas ruas, dividindo importância com as passagens internas. (I. 8)

Em primeira análise, se observarmos a projeção dos prédios, é possível ver quadras bem delimitadas. Efetivamente, a região não é formada por prédios dispersos no lote, mas, sim, por edifícios cujas projeções

I. 8. eixos de ligação pedonaistransversais

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I. 9. República - massas construídas

I. 10. Edifícios da região que permitem a fruição e seus respectivos fluxos. Fonte: FONTENELE, 2015, p. 155.

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delimitam bem o alinhamento das ruas. Entretanto, quando analisamos especificamente o nível da rua, vemos a quantidade de edifícios que oferecem passagem e fruição, especificamente. Dessa forma, a linha das quadras é “recortada”, criando ligações diversas, majoritariamente paralelas aos grandes eixos da Ipiranga - Anhangabaú. As ligações pedonais nessa direção são, então, difusas e dispersas entre edifícios e vias públicas, reorganizando a sua dinâmica. (I. 9, I. 10, I. 11, I. 12)

Estas primeiras análises reafirmam a hipótese inicial do trabalho e, de certa forma, ampliam o leque de questões. De fato, o número de usos, passagens e pessoas nesta área tornam a relação edifício-rua muito peculiar. As dinâmicas de uso e passagem se retroalimentam: a quantidade de pessoas circulando e usufruindo do espaço incentiva e sustenta a diversidade de funções e empregos na região e vice-versa.

A possibilidade de atravessamento é um suporte a essa dinâmica. Sua existência como sistema, e não como exceção, potencializa um modo de usar a cidade que borra alguns limites entre ela e seus edifícios, multiplicando ruas e, consequentemente, possibilidades de trajetos. Nesse cenário, a ideia de percurso ganha destaque. Os edifícios ligam ruas, que ligam edifícios, que ligam ruas - tudo é percurso.

Com essa reflexão, entender e intervir neste local coloca uma questão dupla:

Qual é o edifício que pode se aderir à dinâmica urbana, que se encaixa no sistema da região?

Qual é o espaço público que se encaixa na dinâmica urbana e que pode dar suporte a esse sistema de edifícios?

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São sobre essas questões que o ensaio tenta se debruçar, buscando para isso pontos de intervenção adequados. Acima de tudo, os projetos tentam ser um exercício de coerência entre essas duas esferas e internamente a cada uma.

Essa reflexão não é nova: colocava-se nas galerias erguidas na República na década de 50 e coloca-se hoje em edifícios notáveis como a Praça das Artes e o SESC 24 de Maio. O intuito aqui é entender como se constituiu essa experiência arquitetônica singular do Centro Novo, buscando bases e possibilidades para o presente. Não se trata de uma leitura nostálgica, mas de uma abordagem que busca entender o potenciais contemporâneos.

...

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I. 11. Conformação das quadras pelo alinhamento dos edifícios.

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I. 12. Dissolução das quadras pelas passagens.

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R.Aurora R.doArouche

R. Mq. de Itu

R. Gen. Jardim R. Bento Freitas

R. Maj. Sertório

R. Araújo

R. da Consolação

Praça da República Av. São Luís

R. Basílio da Gama

Av.Ipiranga

R.DomJosédeBarros

R.7deAbril

R.Barão

R. Dr. Bráulio Gomes

R.Marconi

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BarãodeItapetininga

R.24deMaio

Largo do Paiçandu

R.Conselheiro Crispiniano

Toledo

Xavierde

R.Cel.

Vale do Anhangabaú

calçadas/áreas de pedestres área de interesse

0 10 30 50 100m e.: 1:3000
Os térreos da República baseado em FONTENELE, 2015. edifícios com passagens 29

os Estudos de projeto

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Chama a atenção a quadra entre a Av. São Luís e a R. 7 de Abril: pela sua conformação, pelas suas relações viárias e pelos edifícios que contém. Em primeiro lugar, a R. Basílio da Gama se estabelece como rua interior e cria uma condição particular para os lotes. Em segundo lugar, o terreno adjacente ao edifício Arthur Nogueira, onde antes funcionou o Cine Coral, abriga um estacionamento numa área que abre a possibilidade para um novo aproveitamento. Finalmente, defronte ao eixo da R. Dom José de Barros, ergueu-se um complexo de dimensões consideráveis que já foi abrigo para a Companhia Telefônica Brasileira e posteriormente para o Telesp Clube

Mais do que as áreas em si, em sua individualidade, são de interesse as relações de cada uma delas com a quadra e com o sistema de vias e edifícios da região e também as novas conexões que podem ser criadas. Em especial, o edifício da Telesp traz a possibilidade de prosseguir o eixo da Dom José de Barros e de criar uma nova ligação na cidade: seu terreno faz a ligação entre a Rua Sete de Abril e a Basílio da Gama, junto à entrada da Galeria Metrópole, retomando uma ligação que parece já ter existido no passado ainda que informalmente. (I. 17)

Os estudos projetuais seguintes, estabelecidos sobre esses 3 pontos, procuram, então, discorrer sobre essas possíveis relações entre lote, rua e quadra, isto é, de maneira geral, entre o edifício e a cidade. Os estudos não foram feitos como aplicação de uma ideia fixa ou como resultante direto das pesquisas; foram, na verdade, formas de raciocinar e levantar questões, de pensar possibilidades, não se colocando como propostas definitivas, mas como meio de discussão.

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1

2 3 32

O eixo (a estender) da R. Dom José de Barros

1

0 10 30 50 100m e.: 1:2000

calçadas/áreas de pedestres Rua Basílio da Gama área de interesse Telesp Clube

2 3 33

edifícios galeria Cine Coral
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I. 13. Conjunto edificado - os 3 pontos de projeto

I. 14. Cine Coral, sem data. Fonte: Blog Checkup cultural.

I. 15. Telesp Clube, 1963. Fonte: Revista Sino Azul, ed. 4, 1963.

I. 16. Rua Basílio da Gama, 2021. Foto do autor.

I. 17. “Planta da cidade de São Paulo”, 1913, indicando como “rua” a travessia do quarteirão a partir do fim da R. Dom José de Barros. Fonte: Acervo CESAD USP.

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Planta da proposta - novos térreos da cidade

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e.: 1:750 0 6 15 30 60m

1. A construção do centro

novo

ou: o projeto de um novo centro

A formação da região da República passou por uma série de intervenções e investimentos, uma conjunção de intenções políticas e arquitetônicas que não foram uma casualidade. Nela, a arquitetura moderna materializou os planos do poder público de criar uma centralidade, numa experiência urbanística que consolidaria o Centro Novo da capital paulista.

É fundamental para esse processo de planejamento da expansão as bases lançadas por Francisco Prestes Maia em seu “Estudo de um Plano de Avenidas para a cidade de São Paulo” de 1930. No plano, Prestes Maia discorre que o “velho centro”, formado por ruas estreitas e congestionado por pessoas e bondes, não teria condições de abrigar os programas urbanos que a cidade demandava. Em seu lugar, o quadrante situado a oeste do triângulo central se mostrava como melhor alternativa para onde o comércio já mostrava sinais de movimento. A nova área tinha vantagens topográficas e de ligação com o centro existente através de viadutos (como o Chá e o de Santa Ifigênia) e pela Avenida São João. (CUNHA JR, 2007; MEYER; CUNHA JR.; FONTENELE, 2018)

O próprio texto de Prestes Maia coloca de maneira enfática o papel do governo no ordenamento da cidade, que deveria, para ele, selecionar e direcionar os esforços de crescimento:

“(...) cabe ao poder publico preparar convenientemente a area e incrementar esse movimento, porque elle vae realizar em grande parte o phenomeno de descentralização de cuja necessidade nos capacitámos. O futuro centro residirá na planicie alem do Anhangabahú e para ella devem convergir os cuidados da Municipalidade.” (MAIA, 1930, p. 53, grifo do autor)

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Englobando e amparando a nova centralidade, Prestes Maia adota, com algumas mudanças, o Perímetro de Irradiação traçado por Ulhôa Cintra em 1924. A ideia geral do traçado seria criar um anel perimetral que circundasse a centralidade do município, recebendo e distribuindo os fluxos radiais de todos os quadrantes da cidade antes que estes adentrassem e cruzassem a região central, em uma preocupação primeira com o sistema rodoviário e com a acessibilidade motora na cidade. (CUNHA JR, 2007)

As obras para a construção do sistema de avenidas se iniciam no mandato de Fábio Prado (1934-1938) e ganham força quando Prestes Maia assume a prefeitura (1938-1945). Destacam-se na região o alargamento das avenidas Ipiranga, São Luís e São João, além da construção dos viadutos Jacareí, Dona Paulina e 9 de julho, que liberaram terrenos para novos edifícios. (COSTA, 2015)

Na empreitada de ensejar uma nova centralidade, porém, os planos do poder público não poderiam se limitar à abertura de novas vias. Como o próprio prefeito já assinalava em seu plano, era imprescindível distribuir os edifícios públicos, prever no percurso transporte coletivo e “animar grandes construcções sobre seu trajecto”. (MAIA, 1930, p. 46)

Dessa forma, se até meados do século XX, a regulação edilícia, o sistema de bondes e iniciativas sanitaristas amparavam a concentração das atividades de prestígio no distrito da Sé, após 1930 a legislação sobre o esquema viário radial-perimetral do Plano de Avenidas expande o núcleo original para o centro novo e passa a incentivar a verticalização. A nova centralidade dominante se afirma concentrando os usos terciários de prestígio. (CAMPOS, NAKANO e ROLNIK, 2004).

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I. 18. Planta geral dos melhoramentos centrais de 1945. O Perímetro de Irradiação já em sua forma final. Fonte: HEREÑU, 2007 p.186 apud KERR, 2018, p. 40.

2. Esse período coincide também, aproximadamente, com a estruturação dos cursos de arquitetura na cidade de São Paulo em 1946, no Mackenzie, e 1948 na USP, além das experiências de conjuntos habitacionais modernos sob financiamento dos Institutos de Aposentadoria e Pensão - IAPs)

A atividade imobiliária, em expansão, se apoiou principalmente sobre a tipologia do edifício de escritórios. Porém, para muito além disso, os edifícios possuíam a moderna característica da mistura de funções, utilizando seus múltiplos andares para distribuir apartamentos, hotéis e escritórios, enquanto seus térreos, valorizados, eram ocupados por restaurantes, bares, comércio geral e até cinemas. (MEYER; CUNHA JR.; FONTENELE, 2018)

É importante notar que esse movimento ocorreu junto à consolidação da arquitetura moderna no mercado imobiliário paulista, apoiandose nas suas técnicas e linguagem. O período é marcado pela atuação de arquitetos de formação europeia ou de arquitetos europeus que chegavam a São Paulo, com ideais e experiências modernistas, que marcariam a paisagem paulistana. Rino Levi, Jacques Pillon, Franz Heep e Lucjan Korngold, são alguns dos exemplos que atuaram fortemente no crescimento imobiliário da época.2

A verticalização da área foi incentivada por decretos sucessivos, destacando-se o ato nº 1366 de 1938 que impunha altura mínima de 10 pavimentos para além do térreo nas ruas Barão de Itapetininga, Xavier de Toledo, 7 de Abril, Conselheiro Crispiniano, 24 de Maio e nas praças Ramos de Azevedo e República. (COSTA, 2015, p. 86)

Para além do corpo elevado do edifício, a legislação também incidiu sobre sua conformação no nível do chão. A partir de decreto-lei nº 41 de 1940, que atuava sobre a Avenida Ipiranga, espaços de passagem no térreo estariam ligados à possibilidade de construção em alturas maiores do que as previstas por lei. (MEYER; CUNHA JR.; FONTENELE, 2018)

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Segundo Sabrina Fontenele Costa (2015, p. 118) o que o este decreto incentivava “era a criação de novas áreas de convivência no Centro. Espaços onde as pessoas pudessem circular ou permanecer.” Nesse sentido, englobavam uma visão de paisagem para a cidade modernizada que seria executada pela iniciativa privada através das leis de incentivo e regulação.

No campo do edifício, esses preceitos seriam realizados através de arcadas, pilotis, acessos por vários níveis e a efetiva construção de galerias, que dariam uma nova dimensão espacial na relação entre interior e exterior. A interiorização dos espaços de comércio multiplicava a extensão da frente dos edifícios e aumentava a viabilidade financeira. Relacionadas com a galeria europeia do século XIX, as galerias paulistanas se fortalecem entre a década de 1950 e 1960 como eixos de passagem nos térreos dos edifícios de vários pavimentos.

Endossando essa posição, a lei nº 5.144 de 1957 obrigava edifícios com frente para as ruas Direita, São Bento, 24 de Maio e 7 de Abril a possuírem galerias em seus alinhamentos. A mesma dava disposições à prefeitura para promover acordos de forma a garantir que as galerias estabelecidas tivessem continuidade nos edifícios lindeiros. (COSTA, 2015)

Para além das vias da região, modernizadas, a construção de pelo menos 20 edifícios com ruas internas criam um sistema na região capaz de multiplicar o passeio público, encurtar distâncias e conectar pontos importantes. De fato, elas vão abrigar o grande fluxo de pessoas que circulavam no centro novo desde a década de 1940, não só por trabalho, mas em atividades sociais. O centro congregaria os principais espaços artísticos da época, os cinemas, os museus (como o MASP e o MAM), as

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livrarias, os cafés, os bares e mesmo a Biblioteca Municipal (Mário de Andrade). (COSTA, 2015)

Enquanto a cidade passava por mudanças que a preparavam para receber a escala do automóvel, os edifícios modernos da região buscavam envolver os pedestres e proporcionar os espaços para a sua socialização. (COSTA, 2015) Esse projeto cultural de uma nova centralidade criou uma experiência urbana com particular relação entre os edifícios e a cidade, uma urbanidade que se alçava aos padrões da cidade cosmopolita que São Paulo almejava alcançar.

Passados mais de 80 anos do início da construção do conjunto, a cidade passou por processos de expansão em outras centralidades, nas quais outros ideais urbanos eram postos em prática. As lições de urbanidade do centro novo, porém, permanecem vivas no local e inspiram uma retomada de seus preceitos por parte de iniciativas contemporâneas do poder público.

Ao examinar o alcance da obra de Jane Jacobs no planejamento urbano paulistano, Mancini (2018) reconhece que o Plano Diretor Estratégico (PDE) de São Paulo aprovado em 2014 tem relação com urbanistas formados em um momento acadêmico de reconciliação entre o projeto e o desenho urbano. O Plano expressa a intenção de “vida urbana”, tendo a rua como espaço de convivência e ação e incidindo sobre temas como a fachada dos edifícios, o uso misto nos edifícios, largura de calçadas e a fruição pública (passagens públicas em meio a terrenos privados).

Em especial, este último item é descrito no plano de forma bastante semelhante ao que foi implantado na área da República: “promover a articulação entre espaço público e espaço privado por meio de estímulos

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à manutenção de espaços abertos para a fruição pública no pavimento de acesso às edificações”. (PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO - SP, 2014 apud MANCINI, 2018, p. 183) Ao mesmo tempo, aposta no potencial de mudança da cidade a partir da produção privada regulada pelos planos municipais.

Em outros aspectos, o Centro Novo sofreu intervenções que alteraram determinantemente sua dinâmica. Uma delas, em escala local, foi a pedestrianização de ruas a partir de 1975, que incidiram tanto sobre a área da República quanto da Sé. A racionalização do tráfego, respaldada na época de sua implantação, atende aos intensos movimentos de pedestres na região; hoje, porém, é questionada por limitar a pluralidade de usos e de usuários nas vias. (KERR, 2018)

I. 19. Histórico de intervenções na área central, com destaque para vias pedestrianizadas. Fonte: CAMPOS;, NAKANO; ROLNIK, 2004, p. 135.

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As discussões sobre o sucesso ou não desse tipo de intervenção e sobre o ambiente que ele gerou perpassou o campo acadêmico e atinge o público em geral, como se pode ver na matéria veiculada pela Veja São Paulo: “É hora de reinventar os calçadões do centro” (STEINER, 2020). O redator da matéria reconhece como a circulação de pessoas indica a saúde de uma cidade e indica a impossibilidade da passagem de carros como um fator que dificulta a criação de novas moradias e empreendimentos, além do comércio noturno.

“Se você quer pedir um Uber em casa às 3 da manhã para ir ao aeroporto, como faz? Anda três, quatro quadras com a mala e o celular na mão? E uma senhora com mobilidade reduzida, que usa andador e precisa ir ao médico fazer uma consulta? Ela não pode fazer uso de um automóvel?” (STEINER, 2020)

Apesar das questões, o espaço tem qualidades intrínsecas à sua conformação. Formou-se ali um conjunto extremamente peculiar em que os térreos formam verdadeiras extensões da via e que, ainda na segunda década do século XXI, permanecem como exemplo de urbanidade e de boa arquitetura. No passar dos anos, camadas de intervenções e experiências urbanas condizentes com suas próprias épocas se acumulam criando um tecido no qual qualquer novo ato deve compreendê-las em perspectiva sob a ótica das questões contemporâneas.

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a Rua Basílio da Gama

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A primeira aparição da Rua Basílio da Gama em bases cartográficas paulistanas é da década de 1950, no “Município de São Paulo: levantamento aerofotográfico” (VASP/Cruzeiro do Sul). Sem registro nos mapas mais antigos da capital, a rua parece não fazer parte do conjunto viário da região da República em sua primeira conformação, enquanto a Rua São Luís era formada por palacetes.

A via já é mencionada, porém, no projeto para a sede da Companhia Telefônica Brasileira (CTB, posteriormente Telesp) do Escritório Técnico Ramos de Azevedo, Severo & Villares, iniciado em 1935. Na ocasião, é desenhada como uma “Rua particular (projetada)”, o que nos dá pistas sobre seu caráter secundário na época.

Pode-se supor, ainda que não tenha sido encontrada menção expressa a esse fato, que sua criação venha do primeiro traçado proposto para o perímetro de irradiação em 1924. Conforme Benedito Lima de Toledo escreve:

“Imaginando-se o início do Perímetro de irradiação na Praça da República, a proposta era abrir uma avenida pelo interior da quadra entre as ruas 7 de abril e São Luiz, aproximadamente na bissetriz do ângulo formado por essas duas ruas. Com isso, seriam poupados os palacetes da Rua São Luiz. No interior dessa quadra ocorreria uma inflexão no rumo do Largo da Memória.” (TOLEDO, 1996, p. 124 apud CUNHA JR., 2007, p. 42)

Este trecho persiste no desenho apresentado no Plano de Avenidas em 1930, com a inflexão proposta tornando-se uma praça rotatória. De fato, o edifício para a CTB, mencionado acima, e o próprio conjunto dos edifícios Esther e Arthur Nogueira, respeitam seu traçado. Essa

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I. 20. Rua Basílio da Gama vista a partir do embasamento do Edifício Esther. Foto do autor, 2021.

I. 21. Rua Basílio da Gama vista a partir do portão da Galeria Metrópole. Foto do autor, 2021.

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I. 22. Diagrama compositivo da proposta para a Galeria Metrópole.

Fonte: CUNHA JR., 2007, p. 120.

I. 23. Perspectiva da proposta para a Galeria Metrópole, mostrando a esplanada no eixo da R. Basílio da Gama.

Fonte: CUNHA JR., 2007, p. 124.

configuração só seria alterada na implantação do plano, em 1938, quando as avenidas Ipiranga e São Luís, alargadas, passariam a integrar o perímetro e a praça rotatória seria substituída pela Praça Dom José Gaspar. (CUNHA JR., 2007)

Ela ganharia outra expressão com o processo de modernização e verticalização da Avenida São Luís na segunda metade da década de 1950. Com a pouca profundidade do braço de quadra entre a avenida e a Rua Basílio da Gama, os lotes davam acesso às duas vias, condição que foi aproveitada pelos projetistas dos edifícios que criaram entradas pela Basílio da Gama e até mesmo passagens privadas no térreo. São dessa época dois restaurantes tradicionais que se mantêm na rua até hoje: Almanara e Cantina da Giovanni.

Em 1959, é lançado o concurso para o edifício “Maximus”, atual Galeria Metrópole, que ocupa a cabeceira da quadra e cujo lote cria o limite da Rua Basílio da Gama. Em sua proposta, que venceria o concurso empatada com a de Salvador Cândia, Giancarlo Gasperini não só menciona a rua, como a usa como partido do projeto. Nos croquis do arquiteto, a passagem criada entre ela e a atual praça Dom José Gaspar é chamada de “esplanada de penetração”, criando o que será chamado de “centro de gravidade da composição”. (CUNHA JR, 2007)

É interessante notar que as propostas preliminares são ainda mais radicais do que o projeto realizado, com o eixo criado mantido como uma esplanada aberta que separa o terreno em dois blocos.

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A despeito da conexão criada por esses projetos com a rua e dos estabelecimentos comerciais que ela comporta em seus térreos, esta mantém seu papel marginal em relação ao conjunto viário local, reforçada pelo fato de ser uma rua “sem saída” para veículos, apesar de não o ser para pedestres. Efetivamente, além do precário espaço mantido como calçada, a maior parte do seu leito viário é ocupado como estacionamento, reforçando seu traço como via de fundo.

As questões que se colocam são sobre como compreender o papel desta via dentro do contexto de vias circundantes, muitas das quais pedonais; como reforçar os usos presentes e dar vazão a eles no espaço público; e como melhorar seu desenho, permitindo o uso confortável por pedestres sem, no entanto, restringir o acesso às garagens e de carga aos pontos comerciais.

Para tanto, o projeto propõe uma mudança no seu calçamento, igualando-o em nível com a calçada existente. Em uma rua estreita, sem ligações viárias, criar uma via compartilhada auxilia no melhor aproveitamento dos espaços. Ao dissolver a separação entre leito e calçada, permite-se que os espaços sejam usados em sua totalidade e se adaptem quando necessário.

O fluxo de veículos existente é mantido, garantindo o espaço mínimo para acesso e manobra dos veículos locais e de usuários dos estacionamentos localizados na rua, sem prejudicar os usos existentes. Dessa forma, podem ser criadas na rua áreas de estar com mobiliário urbano ou livres, em espaços que priorizem os pedestres, que são, de fato, a maioria dos passantes.

O desenho do piso tem papel duplo: primeiramente, separa os espaços

Rua Basílio da Gama - térreos e passagens
50

passagem de pedestres edifícios que permitem atravessar

acessos de veículos 51

0 5 15 25 50m e.: 1:1000 Galeria Metrópole

e cria os redutos de estar, do mesmo modo que em uma praça; ao mesmo tempo, auxilia a guiar e controlar os veículos que adentram a área, dando sinal de alerta aos motoristas. Sua forma busca dialogar com as vias do entorno trazendo elementos encontrados na região

Compreendendo que o espaço aberto da Galeria Metrópole é, hoje, um espaço de descanso importante para os funcionários da mesma e uma efetiva continuidade da via, a ocupação da rua se estende até o ponto em que as lajes dos pavimentos superiores marcam a entrada do espaço interno, integrando assim os espaços livres.

Tomando por base que os 3 postes existentes na rua, do mesmo padrão histórico utilizado na região, são insuficientes, propõe-se o uso de refletores instalados nas faces dos edifícios. O uso destes, já instalados em alguns pontos da rua, são uma solução eficiente para iluminar toda a largura da via sem implantar postes no meio da calha, o que criaria obstáculos.

O desenho para a Rua Basílio da Gama procura reconhecer os usos existentes ali para desenhar espaços condizentes com cada trecho. Sem impedir a passagem de carros, busca repartilhar a rua e permitir que espaços de descanso ou usos inesperados instalem-se ali.

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calçamento

dissolução da separação entre leito e calçada, entendendo a calha viária na sua totalidade; fluxos de veículos

mantém-se espaço livre mínimo para acesso e manobra dos veículos locais e de usuários dos estacionamentos;

zoneamento

determinação dos espaços de estar com mobiliário urbano (verde) ou livres (rosa).

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Corte perspectivado da proposta

54

existente estar/desanso

a_trecho entre edifício da FDE e Telesp Clube Cortes - existente e proposto

e.: 1:200

b_trecho junto ao acesso da Galeria Metrópole 0 1

passagem de pedestres proposto 55

b a
5 10m
3
trecho carroçável

Planta - proposta Basílio da Gama

56
250m
e.: 1:500 0 25 50 100
58
Basílio da Gama, sentido à Galeria Metrópole

2. As experiências presentes

O conceito de centro de uma certa localidade representa muito mais do que a noção de determinado ponto geométrico, estático. Em questões urbanas, para muito além disso, a noção de centro da cidade carrega também conotações políticas, financeiras, demográficas e históricas, o que o torna mutável, dependente de um certo contexto socioeconômico local. Em São Paulo, essa ideia é especialmente dinâmica no andar do crescimento acelerado que a cidade passa no decorrer do século XX, em um processo de expansão vastamente notado e documentado em trabalhos seminais como os de Benedito Lima de Toledo (“São Paulo: 3 cidades em um século”) e de Flávio Villaça (“Espaço intra-urbano no Brasil”).

O primeiro movimento acontece em direção à República. Apoiado no processo de estruturação do sistema rodoviário paulistano, o centro da cidade expande-se para a área adjacente a oeste, ocupando o restante da área delimitada sobre o perímetro de irradiação. Neste momento, a legislação e a ocupação da área convergiam para a formação dessse novo território.

Villaça (2001) argumenta que a transposição por sobre o vale do Anhangabaú era mais suave que sobre o vale do Tamanduateí, ao qual se somavam como barreiras a vasta várzea alagável e a via férrea. Por esse motivo, a ocupação a oeste do Anhangabaú foi privilegiada por camadas de mais alta renda, caracterizando uma área e direção de expansão que será conhecida na bibliografia como vetor sudoeste.

A partir da década de 1960, porém, as obras viárias na cidade ganharam um novo patamar, reforçando o sistema radial-perimetral do Plano de Avenidas. Campos, Nakano e Rolnik (2004) demonstram que as novas obras, muitas em desnível, entendem a região central como nó de

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articulação e passagem, priorizando a conexão metropolitana, mas dificultando o acesso às áreas atravessadas. Ao mesmo tempo, as novas centralidades da Faria Lima e Avenida Paulista, fora da região, ganhavam acesso fácil por automóvel.

Na dinâmica acelerada da capital paulista, essas mudanças reafirmam o vetor de expansão sudoeste, com as residências das classes abastadas e as atividades econômicas migrando nesta época para a Avenida Paulista e, posteriormente, ainda, para o eixo Faria Lima - Berrini.

Esse movimento teve consequências na dinâmica econômica e populacional da região. (I. 24) A mudança das empresas e os novos focos residenciais preferenciais das classes mais altas levaram a uma reorganização e esvaziamento do conjunto edificado. De fato, a quantidade de domicílios e a renda média dos habitantes da região caiu nesse período. (KOWARICK, 2009) Junto à Sé, passa a ser reconhecida como “centro histórico”, em um reconhecimento de auge passado.

Com a nova população e com os investimentos e olhares da cidade voltados para outros polos, problemas sociais antes expressos apenas nas periferias surgem agora em plena área central, contrariando o caráter passado da região e levando a opinião pública a tomar um discurso, usualmente redutor, de decadência. Cortiços, ocupações e fechamento de lojas tradicionais endossam essa posição. (KOWARICK, 2009)

Uma análise mais cuidadosa, porém, nos mostra que aquém de uma diminuição de importância, a região central como um todo passa por uma reorganização de suas funções dentro da metrópole paulistana, hoje pluricentral. Se os serviços empresariais de porte migraram da

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região, esta permanece abrigando centros de compras populares, comércio especializado de eletrônicos e peças automotivas, além de parte importante da gestão municipal. Como colocam Campos, Nakano e Rolnik (2004, p. 126):

“Os moradores do quadrante sudoeste, principalmente aqueles de maior renda, passam a prescindir gradativamente do centro histórico. O mesmo não pode ser dito dos milhões de moradores das zonas leste e norte da metrópole. Para esses, as áreas centrais nas subprefeituras Sé e Mooca continuam como importantes locais de comércio, serviços, consumo, lazer, trabalho e, também, como acesso para as áreas de empregos e outros pólos de atração do vetor sudoeste.”

Desde a década de 1980, a região é alvo de preocupações ocasionais por parte dos governos paulistanos, que intervêm em âmbitos e escalas diferentes. Em escala urbana, destaca-se o concurso para remodelar o vale do Anhangabaú, realizado em 1980 e finalizado em 1992, que criaria uma nova dinâmica viária.

Segundo Kerr (2018), as intervenções da década de 90 tiveram caráter diverso, focando na melhoria da condição de vida da região, em especial com políticas culturais e de memória, imbricadas com as intenções do grupo empresarial da Associação Viva o Centro. A própria mudança da sede da Prefeitura para a região central (inicialmente no Palácio das Indústrias, Parque Dom Pedro II) foi um importante passo que seria seguido pela criação da Operação Urbana Centro, na tentativa de atrair capital privado. Seguem-se obras no centro velho e centro novo como a reurbanização da Praça do Patriarca, o redesenho da Praça D. José

I. 24. População no centro de São Paulo 1950 - 2018. Elaborado por MARTINEZ, 2018, p. 25, sobre dados do IBGE.

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Gaspar, a reforma dos edifícios do atual Centro Cultural Banco do Brasil e da Biblioteca Mário de Andrade. (KERR, 2018; KOWARICK, 2009)

Esse paradoxo do patrimônio construído, oposição entre a memória de uma vitalidade de um local e a necessidade de sua revitalização contínua, são bem expressos por Koolhaas (2014), entre ironias, quando argumenta a favor de uma cidade genérica:

“Na nossa programação concêntrica (...) a insistência no centro como núcleo de valor e significado, fonte de toda significação, é duplamente destrutiva: não só o volume sempre crescente das dependências é uma tensão essencialmente intolerável, como também significa que o centro tem que ser constantemente mantido, quer dizer, modernizado. Como ‘lugar mais importante’ paradoxalmente tem que ser, ao mesmo tempo, o mais velho e o mais novo, o mais fixo e o mais dinâmico; sofre a adaptação mais intensa e constante, que em seguida se vê comprometida e complicada pelo facto de ter de ser uma transformação irreconhecível, invisível a olho nu (...) ” (KOOLHAAS, 2014, p. 3435)

Nos últimos anos, o centro vê mais frequentemente o retorno de um interesse também pela frente privada, que se apoia em uma região de infraestrutura pronta e densa. Aproveitando a legislação que permite coeficientes de aproveitamento mais altos que no restante da cidade e a mudança cultural recente na qual a garagem perde importância, esses empreendimentos apostam, usualmente, em menos vagas de carro e unidades menores, como estúdios.

Além de empreendimentos residenciais novos, como os lançados pela

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Incorporadora Setin na Praça da República e na Avenida São Luís, surgem também reformas e adaptações de edifícios comerciais. É o caso, por exemplo, do Fundo de Investimento Imobiliário (FII) Mogno Real Estate Impact, alardeado pelo Brazil Journal (ARBEX, 2021) como “O resgate do Centro de São Paulo passa por este FII”.

Levantamento da Prefeitura de São Paulo publicado pela revista “sãopaulo”, da Folha, em 2015, já revelava essa tendência: entre 2000 e 2010 o número de imóveis vagos na região da República caiu cerca de 65% (de 33,5% para 11,6%). Não só a vacância diminuiu como o número de imóveis residenciais do conjunto Sé-República aumentou: de 28.618 em 2000 para 42.807 em 2010. (CORREA; FELITTI, 2015)

Acompanham esse movimento, novas investidas públicas na região, com destaque para a nova reforma do Vale do Anhangabaú.

É perigoso que nessas novas experiências, dados da urbanidade local se percam. Passagens no térreo, usos mistos e variedade tipológica,

I. 25. Edifício residencial na esquina da Av. Ipiranga com a Rua do Boticário. Imagem: Google Street View.

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I. 26. A passagem, fechada, do edifício Setin Downtown, cujo terreno liga a Praça da República à Rua Aurora. Foto do autor.

característicos da conformação original dos edifícios da região, por vezes, deixam de ser tema dos novos projetos, que parecem recear tocar o chão a que pertencem. O padrão e o consequente valor elevado das unidades também são fatores que podem determinar a expulsão dos atuais habitantes da região. Revitalizar não pode ser sinônimo de tornar insustentável a convivência de classes variadas.

Como reconhece Felipe Noto (2017, p. 287) sobre a produção dos edifícios nessa região, um primeiro momento de “otimismo democrático moderno” nos deu exemplos em que galerias, térreos livres e passagens compunham o nível térreo da cidade. Em um segundo momento, o contato com o meio urbano foi ceifado pela valorização dos aparatos de segurança e da negação da cidade.

Novos projetos nesse local devem, dessa forma, entender e atuar sobre o contexto construído e suas permanências, no sentido que deu Luís Antônio Jorge (2013): “um passado que ainda oferece lições de urbanidade que permanecem vicejando”.

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o Cine Coral

Considerado o primeiro cinema de arte no circuito comercial da cidade de São Paulo, o Cine Coral é inaugurado em 1958 a partir da reforma de um edifício existente, alugado, instalando 971 assentos em sala única. Idealizado por Dante Ancona Lopez, mesmo empresário que anos depois vai auxiliar na montagem do Cine Belas Artes, o cinema abre as portas para um novo setor de espectadores, principalmente oriundos da juventude universitária e que sustentam a cinefilia paulistana ao longo da década de 1960. (SOUZA, 2014)

Situado no número 381 da Rua Sete de Abril, a escolha do endereço o colocava na rota cultural de um público que frequentava, na mesma rua, o MAM, o MASP e a Filmoteca, além da Biblioteca Mário de Andrade e os bares dos arredores. Em 1962, ocupando a sobreloja do Cine Coral, é aberta a Sociedade Amigos da Cinemateca, vinculada à Fundação Cinemateca Brasileira, congregando artistas, jornalistas e intelectuais, que, além do Coral, começavam a ver outras salas especializadas abrirem na região. (SOUZA, 2014)

Ao longo da década, porém, o eixo preferencial desses cinemas sofre uma mudança e começa a ser reestruturado no conjunto das ruas Augusta, Consolação e Avenida Paulista, seguindo o mesmo vetor de expansão da centralidade dominante paulistana. Os próprios MAM e MASP seguem para novas sedes, assim como a Faculdade de Filosofia da USP, que inicia sua mudança para o Butantã. Em 1968, termina o contrato de aluguel do edifício, que é desocupado e repassado para outras exibidoras. Nas décadas seguintes, é dividido e decai até seu fechamento em 1990. (SOUZA, 2014)

Hoje, o edifício abriga pequenas lojas e mantém uma entrada para a sobreloja. Ainda se pode reconhecer as feições estruturais da fachada,

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em especial, sua estrutura tripartida e sua marquise que já contou com 98 focos luminosos e desenhos marítimos. A parte posterior do terreno, com frente para a Rua Basílio da Gama, abriga um estacionamento.

Na quadra em que se insere, o terreno do Cine Coral é um pequeno vão entre edifícios mais altos. Em especial, fica ao lado do edifício Arthur Nogueira, irmão gêmeo do edifício Esther, que expõe suas empenas na divisa, assim como os dois demais edifícios lindeiros ao terreno.

Partindo dessa leitura, a proposta de projeto busca se integrar com a forma existente da cidade. Aqui, o desafio é como um novo edifício, em seu lote, pode dialogar e se encaixar na rua a que pertence e no conjunto dos edifícios vizinhos.

Apoiando-se sobre as empenas dos edifícios laterais, que aguardavam sua continuidade desde sua construção, o edifício completa a quadra e se integra ao alinhamento das duas ruas. Em sua porção interior, a implantação cria um pátio que se congrega com o vazio dos lotes

I. 27. Fachada do Cine Coral em atividade, sem data. Fonte: Blog Checkup cultural.

I. 28. Interior do cinema em suan inauguração. Fonte: Blog Cinemas de SP

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I. 29. Mini shopping instalado no edifício. A marquise e a estrutura permanecem, sob a nova fachada. Foto do autor, 2021.

vizinhos, ampliando o espaço livre para além dos limites do terreno.

Como experiência, propõe-se rebaixar para o subsolo o estacionamento existente; assim, o térreo é liberado para abrigar, junto com o primeiro pavimento, espaços comerciais voltados para as duas ruas. Nos pavimentos superiores, é erguido um edifício residencial onde se congregam apartamentos de tipos variados. Aproveitando a conformação do lote, extenso entre as duas ruas, mais um ponto comercial é instalado no centro do terreno, com acesso pelas duas frentes.

As duas faces externas do edifício tem conformações diferentes e seguem uma conversa com seus edifícios vizinhos. Para a Rua Sete de Abril, volta-se uma fachada linear. Como uma menção à memória do local e a urbanidade que ele congregava, este trecho do edifício mantém a modulação estrutural e a marquise do Cine Coral. Quando se volta para a Rua Basílio da Gama, os edifícios vizinhos inspiram um movimento das varandas para adequar-se ao alinhamento.

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Estratégias - conformação do térreo e ampliação do vazio vizinho

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Estratégias - conjunto da quadra

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da proposta 72
Corte perspectivado
e.: 1:200 0 2 5 10 20m

Planta - subsolo

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Estacionamento Bicicletário

e.: 1:200 0 2 5 10 20m
1 4 3 2
Medidores Reservatório inferior 1 2 3 4

1 2 3

Planta - térreo 76

2 3

3 3

1 2 3

Acesso ao estacionamento Acessos ao edifício Lojas

10 20m
e.: 1:200 0 2 5

1 1 1

Planta - mezanino 78

1 1 1 1

Salas comerciais 1

10 20m
e.: 1:200 0 2 5

Planta - pav. tipo baixo (1º a

9º) 80
e.: 1:200 0 2 5 10 20m

Planta - pav. tipo alto (10º e 11º)

82
e.: 1:200 0 2 5 10 20m
84
Perspectiva - pátio interno
Corte A / Corte B 86
e.: 1:250 0 2 5 10 20m
e.: 1:250 0 2 5 10 20m Elevação
88
- Basílio da Gama
Perspectiva - Basílio da Gama
Perspectiva - 7 de Abril 90
Elevação - 7 de Abril e.: 1:250 0 2 5 10 20m

3. Cidade como dado de projeto

A arquitetura moderna se mostra numa relação intrínseca e indissociável com o urbanismo. Em sua própria imagem, a arquitetura enquanto objeto se constitui modelo parcial, supõe a série a ser constituída num plano urbano aberto e democrático, definido na relação espacial entre as formas. Segundo Sophia Telles, por essas características, “a arquitetura moderna já é urbanismo no momento em que se constitui.” (TELLES, 2010 apud QUEIROZ, 2019)

Por esse mesmo motivo, o raciocínio da vertente moderna construtiva concebe uma arquitetura e urbanismo constituídos em um espaço apartado da cidade real. Parte-se, inclusive, para a rejeição da rua enquanto modelo de ocupação da cidade. As propostas radicais da arquitetura moderna se configuram com blocos autônomos assentados em amplos espaços públicos, negando qualquer suporte urbano como referência e erguendo-se sobre pilotis que liberam a continuidade indefinida do térreo (QUEIROZ, 2012; NOTO; 2017)

Decorrente deste raciocínio, o urbanismo moderno encarna uma faceta de disposição funcionalista dos espaços da cidade, gerando uma organização artificial dos espaços de vida. Este seria o cerne da crítica a esta vertente, que se estruturaria consistentemente na década de 1960 por atores com visões variadas como Jane Jacobs, Aldo Rossi e Kevin Lynch. Antes, porém, as discussões já estavam presentes dentro do próprio movimento e resultariam no CIAM VIII (Congrès Internationaux d’Architecture Moderne - Congresso Internacional de Arquitetura Moderna) que teve como tema “o coração da cidade”. Arquitetos modernos como Josep Lluis Sert, importante para a estruturação da ideia de desenho urbano, defendem que o projeto deveria enfrentar a dissolução das atividades cívicas e servir como referência à vida urbana. (NOTO, 2017). A pontuação de Louis Kahn também retrata

3. Rodrigo Queiroz, 2019, analisa o conjunto construído por Mies para o Illinois Institute of Technology, discutindo sobre o procedimento projetual no qual Mies organiza as unidades construídas constituindo uma articulação entre forma e vazio. Tanto o projeto do campus quanto dos edifícios, projetados ao mesmo tempo, seguem a mesma retícula.

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4. Alguns edifícios do conjunto Jardim Ana Rosa, assim como várias experiências paulistas em conjuntos habitacionais foram estudadas no projeto de pesquisa CHC - Cadernos de Habitação Coletiva, e estão disponíveis parcialmente no site do grupo de pesquisa PC3: https://www.pc3. fau.usp.br/chc-pt

explicitamente a mudança de paradigma:

“Num certo momento, pensei que a ideia de torres com grandes espaços abertos entre elas era uma ótima ideia, até perceber que, onde fica a padaria? E o parque não era bom o suficiente”. (MUNFORD, 2009, p.74 apud NOTO, 2017, p. 55)

Esta suposta rejeição da cidade existente pelo espaço moderno é afirmada no estabelecimento da arquitetura moderna no Brasil. Em projetos como o conjunto da Pampulha (1940/43), o conjunto “Pedregulho” (1947), o conjunto do Parque do Ibirapuera (1950/54) e o Plano de Brasília (1957/60), mostra-se uma unidade condicional entre a forma e o espaço, na qual o projeto assume a escala da paisagem. (QUEIROZ, 2012)

Antes da experiência do centro novo e concomitantemente a sua construção, exemplares da arquitetura moderna já pontuavam a cidade, com níveis diversos de aproximação com o contexto urbano. Muitos desses edifícios possuíam linguagem moderna, mas sem estabelecer relação inovadora com seu sítio. As experiências no conjunto edificado de Higienópolis, onde a arquitetura moderna passou a substituir antigos palacetes, destacam-se nessa busca por uma nova relação com o espaço. (MEYER; CUNHA JR.; FONTENELE, 2018)

São de grande importância também conjuntos edificados no loteamento de grandes glebas, como o Conjunto Residencial Jardim Ana Rosa, edificado junto à atual estação de metrô de mesmo nome.4 O contexto do loteamento junto à atuação de um conjunto de arquitetos de renome, como Salvador Cândia e Eduardo Kneese de Mello, abriram espaço para diferentes experiências de relação entre o edifício moderno, a quadra

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e a construção do espaço urbano, em um variado leque de soluções formais.

É na República, porém, que a arquitetura moderna participa de um projeto político da criação de uma nova centralidade, na qual esses edifícios conformam um sistema que se mostra de grande expressão em sua relação com o espaço urbano. Curiosamente, esse espaço se mostra longe do ideal das acepções da canônica arquitetura moderna: quando o projeto desenvolve-se na cidade consolidada, o vazio moderno é inexistente e a superfície projetada não é indefinidamente aberta. Neste contexto, Rodrigo Queiroz (2012) reconhece que “a suspensão da forma (...) repropõe o uso público do solo urbano. O espaço público deixa de estar acondicionado pela rua corredor e penetra sob a projeção das edificações.”

Essa é a condição na qual se desenvolvem os edifícios que ocupam a região, tendo nas galerias o seu representante de destaque. Sua quantidade e concentração na área criam uma verdadeira lógica alternativa de circulação, capaz de interligar as praças e vias públicas. Na concepção desses edifícios, as estratégias de projeto utilizadas estão intrinsecamente ligadas à ocupação da cidade e os fluxos de pessoas, além da própria condição de implantação no lote. (CUNHA JR., 2007)

Tome-se, por exemplo, a Galeria Califórnia, projetada por Oscar Niemeyer em 1951. Com duas frentes perpendiculares entre si, porém sem contar com a esquina, seu terreno forma um “L”. O térreo, completamente ocupado, faz a ligação em desnível das duas vias

I. 30. Implantação atual do Conjunto Ana Rosa. Fonte: BEDOLINI, 2014, p. 48.

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I. 31. Galeria Califórnia a partir da R. Dom José de Barros. Foto do autor, 2021.

através de uma galeria comercial “ziguezagueante”, que dissolve a abrupta mudança de direção do percurso no mesmo ponto em que ficam os acessos aos pavimentos superiores. O corpo elevado do edifício divide-se, então, em quatro volumes que aderem às faces dos lotes vizinhos, criando um pátio central. Os dois volumes voltados para as ruas alinham-se e dão continuidade aos vizinhos, pairando em uma pequena projeção sobre os vãos de entrada marcados pelos pilares em V. (QUEIROZ, 2012)

5. Antes da atual configuração, a Praça

Dom José Gaspar não se estendia até a galeria, sendo estas separadas pela Rua Dom José Gaspar.

Na Galeria Metrópole (Giancarlo Gasperini e Salvador Cândia, em concurso de 1959), ganha importância a disposição dos volumes em relação aos eixos de acesso e na condição de esquina.5 O “centro de

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gravidade” do projeto, como mencionado no primeiro capítulo, é formado pela intersecção entre o eixo que liga a Rua Basílio da Gama e a praça interna com o acesso pela Avenida São Luís. Os 3 acessos, portanto, definem o volume das lojas no térreo e a esquina é marcada pela projeção das varandas e pelo volume mais alto da torre de escritórios. É interessante que os acessos e eixos ressoam como espaços vazios de circulação nos pavimentos superiores.

Junto à intersecção no térreo, configura-se o vazio central que organiza as lojas. Neste, desde o subsolo, projeta-se uma das três praças que organizam o espaço público da galeria. Além desta, são conformados o próprio eixo de acesso (relacionado à praça Dom José Gaspar) e a esplanada ajardinada no terceiro pavimento. Os 3 espaços são ligados pelo conjunto de escadas rolantes, que conectam e estendem a vitalidade urbana para outros níveis. (CUNHA JR., 2007; FONTENELE, 2015)

Essa mesma extensão da vitalidade urbana e dos fluxos é explorada na Galeria Sete de Abril (Ermanno Siffredi e Maria Bardeli, 1959). Com três pavimentos vistos diretamente da rua, os acessos para os mesmos são feitos praticamente do alinhamento da via: os dois primeiros por rampas que sobem ou descem meio pavimento e o terceiro através de escadas rolantes posicionadas já no fim da primeira rampa.

I. 32. Eixo estruturante da Galeria Metrópole, a partir da praça D. José de Gaspar. Foto do autor, 2021.

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I. 33. 3 pavimentos comerciais da Galeria Sete de Abril. Note-se que os ascessos para os dois pavimentos são feitos diretamente do alinhamento do edifício. Foto do autor, 2021.

Junto aos acessos das duas vias, o edifício cria em planta uma curvatura nos pisos, que alargam grandemente as entradas e possibilitam a divisão das rampas de acesso, além de alargar a uma dimensão tridimensional da passagem da galeria. (ALEIXO, 2005)

É notável a recolocação dos princípios modernos num contexto construído. Muito fora da situação de sinergia entre espaço urbano livre e arquitetura moderna como figura autônoma no espaço, os projetistas tomaram no desenho da própria cidade existente as informações para guiar as decisões de projeto. A técnica e a linguagem foram utilizados para dar forma a edifícios que dão suporte aos modos modernos de vida e ao que era esperado como centro de uma metrópole.

O “térreo livre”, nesse caso, deixa de ser uma mera superfície vazia sob a projeção da construção e assume a nítida condição de articulação urbana. A ausência de obstáculos no piso térreo, cuja inclinação uniforme que vence o desnível de quatro metros entre as duas extremidades do edifício – o ponto mais alto, na rua Araújo, e o ponto mais baixo na via chamada Vila Normanda em declive em direção a avenida Ipiranga – faz do pavimento térreo do Copan a continuidade da própria cidade, na forma de uma galeria em percurso sinuoso e inclinado que permite itinerários variados com pausas ocasionais em restaurantes, bares, cafés e lojas. (QUEIROZ, 2012)

97

Circulação do pavimento térreo, entre volumes de lojas

Circulação e conformação volumétrica dos pavimentos superiores

Volumes no térreo. O vazio cria um eixo de ligação entre a R. Basílio da Gama e a praça D. José Gaspar.

98

Circulação no pavimento térreo interligando duas ruas em desnível

Galeria Califórnia - relação com o lote e vizinhos.

3 praças em desnível interligadas pelo sistema de escadas rolantes

Galeria Metrópole - relações com as vias circundantes

3 pavimentos com ligação direta à rua

Galeria 7 de Abril - dispersão dos térreos

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No contexto contemporâneo, essas relações vêm sendo exploradas nessa região em novas experiências notáveis que se debruçam sobre o uso público das edificações. Mais especificamente, projetos que reafirmam dentro de si a dimensão pública da arquitetura, cuja manifestação é a própria cidade. (MARGOTTO, 2016)

Essa posição contemporânea é bem expressa na fala de Paulo Mendes da Rocha:

“Nunca me interessaram os edifícios isolados, autorreferentes, porque não é assim que funciona a vida. Os edifícios são instrumentos para a cidade da mesma maneira que as pedras o são para as catedrais.” (ROCHA, 2012 p.88 apud MARGOTTO, 2016, p. 146).

Esse modo de pensar é notável, uma vez que pressupõe um diálogo expresso entre a arquitetura e a cidade em seu entorno. Como reconhece Kerr (2018, p. 20), para superar o edifício isolado precisamos necessariamente olhar para o espaço livre, para os elementos e para as relações estruturantes dos espaços.

Podemos tomar como primeiro exemplo, um pouco mais singelo, a intervenção realizada na Biblioteca Municipal Mário de Andrade pelo escritório Piratininga Arquitetos entre 2005 e 2010. A extensão formada pela nova fachada em vidro não apenas auxilia em questões térmicas e acústicas nas salas de leitura, mas criam uma nova passagem, pública, entre o interior e o exterior do edifício, paralela à Rua da Consolação. Ao mesmo tempo, cria uma pequena plataforma aberta que aproxima os espaços internos e a praça. (VITRUVIUS, 2010)

100

I. 34. A esquina do Sesc 24 de Maio. Foto do autor, 2021.

I. 35. A passagem da Praça das Artes, fechada por conta da pandemia de COVID-19. Foto do autor, 2021.

O Sesc 24 de Maio, projeto de Paulo Mendes da Rocha e MMBB, projetado e construído entre 2000 e 2017, estabelece-se como uma intervenção mais robusta no edifício existente. Sobre o edifício que já abrigou a antiga loja Mesbla, os arquitetos propõem o agrupamento de usos em pavimentos diferentes e conformando andares sem vedação que fazem o papel de praças cobertas. São 3 praças públicas, contando o térreo, a praça de convivência do 3º pavimento e o jardim da piscina. Além das 3, a própria piscina conforma uma última praça, de uso exclusivo aos associados. Um percurso contínuo de rampas cria a circulação vertical entre estes espaços.

No nível térreo, é corajosa a implantação da administração, que ocupa e fecha a esquina com seu volume rosa. Sua conformação (vagamente triangular), no entanto, abre dois francos acessos, um para cada rua, que se ligam, abrindo a possibilidade de cortar caminho, assegurando o sentido de passeio público pretendido pelos arquitetos. (MMBB, [s.d.])

101

Nesse mesmo sentido, a conformação da Praça das Artes (projeto de Brasil Arquitetura, 2006 a 2013) vai além na relação com o território. Na conformação de seu terreno, com ligações pelo Vale do Anhangabaú, Av. São João e R. Conselheiro Crispiniano (vagamente no formato de um “T” achatado), abre o chão, desimpedido, para a cidade. Seus volumes, implantam-se em uma estratégia de fronteira: dois paralelos ao eixo entre o Vale e a Rua Conselheiro Crispiniano e um perpendicular, na ligação com a Avenida São João. Nessa lógica, os edifícios se “esticam” para formar a travessia por sobre o piso da cidade, “costurando” a rearticulação das ruas e da quadra. (MARGOTTO, 2016)

Em uma análise de alguns projetos que trabalham intervenções no estoque construído, Bryony Roberts observa que alguns deles abandonaram a chave da simples renovação em favor do confronto disciplinar com os tipos espaciais históricos. Nesse processo, inserem o edifício existente no diálogo ampliado com a forma urbana, no que a autora chamou, em tradução nossa, de “canibalismo tipológico”. (ROBERTS, 2012, p. 23)

Esta análise da autora é especialmente interessante, para este trabalho, na discussão que faz sobre o conjunto Fünf Höfe (em português, “Cinco Pátios”), projeto de Herzog & de Meuron. Em uma quadra tradicional residencial e comercial de Munique, os arquitetos cortam os edifícios criando uma nova galeria comercial que se expande dentro da quadra e interliga os pátios privados existentes em um novo conjunto de áreas de uso público. Essa operação demonstra como a intervenção em um edifício pode operar em escala urbana, gerando novas formas de espaço público.

102

I. 36. Axonométrica esquemática do projeto Fünf Höfe e sua inserção na quadra existente. Fonte: ROBERTS, 2012.

Roberts (2012l, p. 28) coloca ainda a necessidade de que a arquitetura crie uma capacidade de analisar as relações entre os edifícios históricos e o contexto urbano contemporâneo, imaginando, assim, meios de invertê-los, reconfigurá-los e mesclá-los às novas formas urbanas.

Nos dois primeiros exemplos paulistanos elencados aqui, em sua condição de intervenções em edifícios existentes, talvez possamos encontrar mais diretamente a relação com este “canibalismo tipológico”. É pertinente, porém, reconhecer que a Praça das Artes, mesmo não constituindo uma clássica intervenção em edifício (ainda que recupere um dos edifícios existentes), compartilha da mesma intenção projetual de inserção em um diálogo com a estrutura urbana, tomando para isto a quadra como sua unidade. Os 3 expandem o alcance do edifício (ou dos lotes) na sua capacidade de interagir com a lógica urbana.

Na rápida análise deste trabalho, o diálogo com o espaço urbano como fonte de informação para o projeto se mostrou essencial seja para a arquitetura das galerias nas décadas de 1950 e 1960, seja para edifícios novos ou intervenções que aparecem notavelmente nos últimos anos. A relação com a cidade moldou e continua a moldar os projetos dos edifícios que se abrem a interagir com a urbanidade local.

103

Intervenção cria um novo corredor coberto, paralelo à R. da Consolação

I. 39. Biblioteca Municipal Mário de Andrade - Circulação pública pós intervenção

Posicionamento dos volumes no térreo cria dois vãos generosos de entrada, que “cortam” a passagem pela esquina

“Espraiamento” dos volumes, interligando todas as entradas

I. 38. Praça das Artes - integração à forma da quadra

I. 37. Sesc 24 de Maio - relações com a esquina 104
105

Telesp Clube

106
o

6. A pesquisa considerou como bases:

• Biblioteca da FAUUSP, seção de projetos: disponibilizou os desenhos escaneados do projeto para o edifício localizado à Rua Sete de Abril, 309, além de fotos da construção;

• Revista Sino Azul: revista interna institucional da Companhia Telefônica Brasileira, iniciada em 1928 e disponível online pela página do acervo da Biblioteca Nacional e pelo acervo Oi Futuro;

• Série Nossa História - Complexo Sete de Abril: apresentação realizada pela Fundação Telefônica e disponível no site “slideshare”;

• Folder de apresentação: disponibilizado online pela empresa JLL, com o intuito de apresentar o edifício para venda e locação.

Os números 295 e 309 da Rua Sete de Abril e 165 e 177 da Rua Basílio da Gama abrigam um complexo de edifícios subutilizado e, há alguns anos, parado no tempo. O complexo, que ainda guarda as manchas deixadas pelo que um dia foi uma placa das “Telecomunicações de São Paulo S/A” (TELESP), é, na verdade bastante mais antigo e remonta a 1916, quando o serviço telefônico era responsabilidade da Companhia Telefônica Brasileira.

Com o edifício fechado, a aproximação a ele foi feita de a partir de fotos, documentos e cartografia.6

O complexo inicia-se com a construção em 1916 de um edifício de térreo e mais 3 pavimentos no atual número 295 da Rua 7 de abril, que foi equipado com cabos de telefonia e operadoras manuais de discagem.

Em janeiro de 1924, a Companhia ocupa também o edifício ao lado, antigo número 67 - hoje 309. É denominado “Estação Cidade” e abriga a escola de operadoras de discagem e salas de tráfego.

Em 1936, começa a construção do novo edifício, sede dos escritórios centrais da Companhia. O projeto e construção ficaram a cargo do Escritório Técnico Ramos de Azevedo, Severo & Villares Ltda, e previam térreo e 9 pavimentos, além de subsolo, num conjunto art-decó. O edifício é inaugurado em 24 de setembro de 1938.

Não se encontrou informações exatas das construções e datas das ampliações voltadas para a Rua Basílio da Gama, mas a ausência dos edifícios na planta “VASP”, indica que a construção começou apenas depois de 1954. A foto aérea de 1958 e a planta “GEGRAN” da cidade de 1972, indicam que nestas datas já estavam construídos, respectivamente,

107
108

I. 40. Perspectiva do edifício - Fonte: Revista Sino Azul, nº 130 -131 - capa.

I. 41. Fachada do conjunto, visto da Rua 7 de Abril. Os acessos do edifício estão fechados. Foto do autor, 2021.

o bloco baixo (térreo e 3 andares) e o alto (térreo e 9 andares).

Além dos escritórios, o edifício era também sede do clube dos empregados, abrigando festas e jogos, incluindo competições de boliche. Pelo menos até 1963, quando aparece em foto publicada pela revista sino azul, o edifício mais baixo voltado para a Rua 7 de abril permanece com sua fachada original que, posteriormente, recebe os mesmos mármores do edifício vizinho.

Em 1973, a Companhia é englobada pela Telesp que, em 1976, muda sua sede. O edifício permanece como escritório e atendimento pelo menos até o início de 2020 e está atualmente à venda.

Colocam-se como desafio aqui duas escalas diversas: a primeira, de ligação entre edifício e cidade, na medida em que o seu terreno enseja permitir seu atravessamento e conexão com as passagens das demais ruas e galerias da área; a segunda, interna, de reorganizar os 4 edifícios com níveis diferentes de interligação entre si e conformados, em planta, como andares tipo de escritório.

109

I. 42. Fachada do conjunto visto da Rua Basílio da Gama. Para esta rua as grades reforçam o sentido de fundos do edifício. Foto do autor, 2021.

110

1 2

I. 43. Construção do primeiro edifício do complexo. Instalação dos cabos de telefonia e operadoras manuais de discagem. Imagens: Fundação Telefônica.

111 1916
3

I. 44. Anexo do edifício ao lado para o conjunto. O complexo passa a sediar a “estação cidade”, abrigando a escola de operadoras de discagem e salas de tráfego. Imagens: Fundação Telefônica.

112
4 5 6
1916 - 1936

1936 - 1938 7 8

I. 45. Construção do edifício art déco, iniciada em 1936. Edifício naugurado em setembro de 1938. Imagens: Fundação Telefônica.

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9

1938 - 1958 10 11 12

I. 46. Construção dos dois blocos voltados p,ara a Rua Basílio da Gama. Fonte: Mapas (10 e 12) - CESAD USP. Foto aérea (11): Geoportal Memória Paulista.

114

1958 - 1972 13 14

I. 47. Atividades esportivas no complexo, para além do atendimento aos consumidores. Imagens: Fundação Telefônica.

115
15

1972 - 2020

116

I. 48. Foto da construção do edifício, 15/04/1937. Ao fundo, vista da D. José de Barros. Fonte: acervo FAUUSP.

117 2020
1937

Para dar conta destas duas escalas, são previstos dois percursos no edifício. O primeiro, no térreo, permite o atravessamento de uma rua a outra de forma direta, aproveitando o momento em que a estrutura dos blocos está alinhada. O propósito é permitir que a passagem seja facilmente identificada. O segundo, que percorre os outros andares do edifício, segue a ideia contrária, vagando de um lado ao outro do bloco, conectando os espaços e os usos espalhados. O objetivo é que essa circulação possa criar, ao adentrar cada andar num ponto diferente, espaços menos rígidos que os criados apenas com as caixas de circulação.

O saguão de entrada do edifício e a conjunção do alargamento da rua Basílio da Gama com o novo acesso ao conjunto criam por si duas praças, dois pátios de estar. Identificando pontos específicos do edifício, especialmente as coberturas dos blocos, replica-se a ideia dos pátios para os pavimentos superiores, ligados pela circulação. Não se tem a pretensão de que sejam extensões da rua, mas que sejam pontos que auxiliem na distribuição dos usos, sendo parte importante do percurso interno do edifício.

Além da circulação vertical mecânica, mantida como existente, os pavimentos tipo são costurados por uma circulação central que faz o papel de ligar os andares de acesso público. Junto às intersecções entre os blocos com desnível entre pavimentos, é posicionada uma circulação secundária que auxilia na transição entre os níveis.

Recuperando o uso original do edifício e considerando sua estrutura existente, opta-se por conjugar duas atividades principais: trabalho e lazer, escritórios e clube. Efetivamente, seus mais de 26 mil m² suportam uma variedade de ocupações. O programa final do conjunto de lazer

118

Estratégias - dupla circulação

119

Pátios de estar

120

Para virar a tela: “Ctrl” + “Shift” + “-”

foi construído com base nos equipamentos de convivência e educação, buscando usos que possam integrar públicos de diversas idades em atividades variadas, agrupadas em espaços dedicados a: estar, atividade física, atividade manual e áreas de comércio, além da circulação e dos pátios mencionados.7 A conformação final aproxima-se do programa previsto pelas unidades do SESC.

O edifício foi setorizado, mas buscando não criar espaços estanques. O propósito é conjugar, no mesmo local, públicos diversos que compartilhem o espaço físico, num exercício de densificar os equipamentos públicos.

Algumas aproximações formais ao edifício existente tornam-se estratégias para a intervenção.

A primeira é deslocar o eixo de travessia do complexo de edifícios. Como visto, estes foram construídos em momentos e com configurações diferentes. Propõe-se que a passagem no térreo, mencionada anteriormente, seja realizada justamente entre os edifícios, aproveitando a configuração estrutural adequada e reordenando a simetria do projeto anterior.

As junções e frestas entre os edifícios também ganham um papel. As frestas, juntamente com as claraboias existentes, ajudam a guiar e ordenar a passagem, com quase 80 metros, além de ordenar os usos. Além da separação física entre espaços, são fontes de entrada de luz, que pontuam e dão caráter à passagem.

Para negar a condição de frente e fundo e criar um complexo que tenha verdadeiramente duas frentes, é proposta a demolição de parte da laje

7. Foram consideradas como públicos especiais: as crianças e idosos; pelo primeiro, o programa foi vagamente amparado nos clubes escola, nos centros de educação em turno alternado (que recebem crianças no turno em que não estão na escola); pelo segundo, no Centro de Referência na Cidadania do Idoso, que oferece atividades coletivas de socialização e hoje funciona no vale do Anhangabaú

122

Estratégias - organização de usos

do primeiro pavimento no bloco junto à Basílio da Gama, criando um novo saguão de entrada, mais alto. Este saguão também se aproveita da separação entre os blocos e da fresta criada por ela.

Por último, ao reconhecer que os blocos mais baixos se configuram como construções aderidas às dinâmicas de seus pares mais elevados, propõe-se a possibilidade de dar maior autonomia formal àqueles, tanto da Basílio da Gama quanto da Sete de Abril. Ainda que todo conjunto da área do Anhangabaú seja tombado, pequenas modificações internas, de esquadrias e de cores podem auxiliar na setorização do complexo.

123
do existente 124
Corte P - Perspectiva
e.: 1:300 0 2 5 10 20m
da proposta 126
Corte P - Perspectiva
e.: 1:300 0 2 5 10 20m

1 4 5

Planta - térreo 2 128

5 6 3 1

1 2 3 4 5 6

e.: 1:400 0 4 10 20 40m
Saguões de acesso Bicicletário Circulação central Acesso aos escritórios Lojas Pátio aberto 5
130

Isométrica - adições ao térreo do edifício

132
Perspectiva - átrio da R. 7 de Abril
134
3 1 4 Planta - Mezanino
e.: 1:400 0 4 10 20 40m
Coworking Biblioteca Lojas Circulações secundárias 1 2 3 4 3 3 2 4
136
Perspectiva - Saguão Basílio da Gama

Perspectiva - vista do pátio aberto

1

Planta - Entrepiso

n. 1
138

2

Coworking Biblioteca 1 2

20 40m
e.: 1:400 0 4 10

1

Planta - 3º pav.

140

2

Quadra Biblioteca 1 2

20 40m
e.: 1:400 0 4 10

Planta - Entrepiso

n. 2
142
1 2

3

1 2 3

Vestiário Piscina Biblioteca

e.: 1:400 0 4 10 20 40m

1

Planta - 4º pav. 144

1 2

Dança Pátio aberto n. 1 1 2

0 4
20 40m
e.: 1:400
10

1

2 146

Planta - 5º pav.

3 2

1 2 3

Pátio aberto n. 2 Ginásio / lutas Ateliê

e.: 1:400 0 4 10 20 40m

1

Planta - 6º pav. 2 148

3

1 2 3

Escritórios Administração Baile / dança

e.: 1:400 0 4 10 20 40m

2 1

Planta - 7º pav. 150

Escritórios Música 1 2

e.: 1:400 0 4 10 20 40m

1 1

Planta - 8º pav. 152

2

2

Escritórios Pistas de boliche 1 2

e.: 1:400 0 4 10 20 40m
Corte A / Corte B 154
e.: 1:400 0 4 10 20 40m
156

Perspectiva - circulação central, 4º pav.

Considerações finais

Ao adentrar a região da República, o “centro novo”, este trabalho procurou investigar o que torna essa região tão interessante, tão dinâmica e tão potente. Fruto de uma conjunção entre as intenções políticas para um projeto de centralidade e dos ideias, linguagem e otimismo modernos, esse espaço deu conta, nos últimos 70 anos, de abrigar os movimentos principais da metrópole que crescia a passos largos. Num primeiro momento, representa toda a força e modernidade da cidade; num segundo, populariza-se e, a despeito da mudança de local dos grandes detentores de capital, mantém seu papel articulador dos fluxos da cidade.

Essa urbanidade materializa-se especialmente nos edifícios galeria, na sua capacidade de multiplicar os usos do térreo e os espaços de passagem. Essa condição, discutido ao longo de todo este trabalho, foi bem pontuada por Hertzberger, quando analisa os usos públicos em espaços privados:

“Nós devemos considerar a qualidade do espaço da rua e dos edifícios em relação um ao outro. Um mosaico de inter-relações - como imaginamos que seja a vida urbana - pede por uma organização espacial na qual a forma construída e o espaço exterior (que chamamos de rua) sejam não apenas complementares em sentido espacial, e portanto recíprocos em sua formação, mas também e especialmente - com o que estamos principalmente preocupados aqui - no qual a forma construída e o espaço exterior oferecem a máxima acessibilidade para penetrar um ao outro de maneira em que não apenas as divisas entre o dentro e o fora se tornem menos explícitas, mas também em que a aguda divisão entre os domínios público e privado sejam suavizados. (...) A mais óbvia expressão desse mecanismo de acessibilidade seria visto

158

nas galerias, e de fato, não surpreende portanto que a galeria permaneça como um exemplo atualmente.” (HERTZBERGER, 2005, p. 79, tradução nossa)

Essa interligação entre os domínios público e privado e a mescla gradual entre eles não é exclusividade de edifícios com usos comerciais, apesar destes serem efetivamente numerosos. Edifícios culturais, como os elencados como exemplos notáveis também podem, e devem, realizar esse mesmo papel, assim como os residenciais, quando incorporam a variedade de usos no chão da cidade. Importa a conversa que o edifício se propõe a realizar com a dimensão pública que já é inerente a esse espaço.

A produção recente de edifícios residenciais destacada não têm a intenção de criticar projetos ou profissionais específicos, mas de questionar como mudou a diferença de padrão, de ideal arquitetônico nesse intervalo de tempo e como sua implantação nesta área mostrase contrária ao próprio espaço consolidado. Mais ainda, de estender a questão aos projetos propostos, buscando possibilidades de retomar esse diálogo, não ignorando sua condição contemporânea. Negar a vitalidade e a diversidade social do local apenas encarcera o edifício e seu usuário.

A coleção de ideias elencadas nos capítulos buscou, em princípio, levantar pontos que se consideram críticos para o entendimento da região hoje, sem a pretensão de compor uma justificativa ou argumento estruturado às propostas. Em verdade, as análises e os projetos foram realizados concomitantemente, levantando questões mútuas. Como exercícios de estudo de projeto, levantam lições de arquitetura que podem se expandir para muito além da região central.

159

Na busca de entender o contexto urbano em suas dimensões física e social como dados essenciais do projeto desenvolvido, os 3 estudos elaborados aqui buscam propor uma arquitetura que converse francamente com o sítio; que dialogue com o espaço e com os edifícios existentes de forma a compor um elemento consonante no meio urbano. Para além disso, como trabalho final de graduação, buscam consolidar e exercitar um procedimento projetual, ou ao menos pontuar um norte nas estratégias pessoais de projeto.

As três possibilidades de projeto reconhecidas aqui, porém, são apenas parte ínfima das inúmeras discussões que o local enseja, muitas discorridas constantemente em discussões acadêmicas e trabalhos finais de graduação desta faculdade. Como reconhecem Campos, Nakano e Rolnik (2004, p. 157), ao discorrer sobre as veredas do desenvolvimento do centro e suas possibilidades, “o ‘retrofit’ de edifícios para escritórios de alto padrão ou sua adaptação para moradia de interesse social conformam apenas dois extremos de uma gama muito maior e mais complexa de soluções possíveis e necessárias.”

Como o nome do próprio trabalho deixa explícito, as propostas não se colocam como solução final para as áreas, mas buscam dialogar com os fatores e aspectos contemporâneos do espaço como um ensaio de uma possibilidade de arquitetura. Com a clara certeza de que nossa disciplina, sozinha, não é a alavanca para mudança da dinâmica de um determinado espaço, este trabalho entende, porém, que a mesma pode e deve ser suporte para que isso ocorra, ao entender, dialogar e incentivar o potencial existente.

160
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Referências

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fim

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