Roteiro do Phoo no Bom Retiro, bairro paulistano

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O ESTADO DE S. PAULO

29 DE SETEMBRO A 5 DE OUTUBRO DE 2016 Nº 576

paladar

CACHACIER O sommelier de cachaça Mauricio Maia estreia blog no site do Paladar. l Pág. 6

estadao.com.br/paladar

GABRIELA BILÓ/ESTADÃO

CARIN KRASNER/GETTYIMAGES

Muito prazer, pho Você não precisa ir a Hanói ou à Califórnia para provar a leve e aromática sopa vietnamita com macarrão e carne que vem ganhando o mundo (há quem diga que ela vai destronar o lámen). Basta ir ao Bom Retiro

José Orenstein

É bem possível que você não saiba o que é pho. Mas vai ser fácil sanar esse problema: há pelo menos cinco endereços em São Paulo para provar o delicado, reconfortante e quintessencial prato-símbolo da cozinha vietnamita. Já tem até um restaurante especializado nele recém-aberto no Bom Retiro – o pequeno roteiro do pho na cidade você lê na página 4. E afinal que é o pho? A resposta mais curta é: um prato

do dia a dia no Vietnã – uma sopa leve com macarrão de arroz e fatias bem finas de carne. Mas, como a bonita foto aí em cima ilustra bem, o pho pode levar mais ingredientes e ganhar versões sofisticadas. Não é sem motivo que o pho ainda é pouco conhecido por aqui: a comunidade imigrante vietnamita no Brasil não passa das duas centenas. Descobri o prato em Nova York, durante uma temporada de estudos na qual o pho vendido pela maravilhosa biboca vietnamita vizinha era amigão de to-

das as horas contra o frio inapelável do hemisfério norte. Nos Estados Unidos, nas grandes cidades, é bem fácil achar essa sopa vietnamita. De prato restrito à colônia imigrante, o pho passou a ser vendido em versões instantâneas nos mercados de lá e, atualmente, é o mais novo prato fetiche dos círculos gastronômicos americanos. “Acredito muito que o pho é o futuro dos noodles nos Estados Unidos”, escreveu David Chang na Lucky Peach, revista moderninha de gastronomia

que é um radar das tendências da área. Pho foi o tema da edição mais recente da publicação e a frase de Chang tem peso: ele é possivelmente o principal responsável pela popularização do lámen nos Estados Unidos – e, consequentemente, no mundo. Quer dizer, o pho deve destronar o lámen, ao menos para o chef. A comparação com o prato japonês que agora é febre em São Paulo não é de todo descabida. Assim como o lámen, o pho é uma sopa com macarrão e fatias de carne. Mas as seme-

lhanças param por aí. O pho é feito de caldo de carne bovina – com os ossos do boi. O caldo é muito menos gorduroso que o de porco ou frango, como no lámen. Ele leva ainda gengibre tostado, cebola e condimentos como anis: vira um líquido muito leve e perfumado. A massa que vai mergulhada na cumbuca é invariavelmente de arroz, branquinha e macia. A carne é fatiada crua em lâminas, quase um carpaccio, e cozinha na própria sopa, pouco antes de ir à mesa. Aí é

comum acrescentar brotos de feijão, folhas frescas de coentro e de hortelã, cebolinha e cebola, um pouco de pimenta, além de espremer suco de limão por cima. Resultado: o pho é uma sopa quente, mas muito fresca – que tem tudo para se sentir em casa em nosso clima tropical (como é o do Vietnã). Conheça quatro endereços que servem pho em São Paulo

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O ESTADO DE S. PAULO

29 DESETEMBRO A 5 DEOUTUBRO DE2016

CONEXÃO HANÓI SÃO PAULO

Com a popularização do pho pelo mundo, escritora vietnamita trabalha pela divulgação do prato nascido no começo do século 20 em Hanói, mas sem esquecer das suas profundas raízes na cultura popular vietnamita

Resistência da cumbuca perfumada l Por que o pho se tornou tão

Andrea Nguyen,

popular nos EUA e no mundo?

ESCRITORA VIETNAMITA

O pho tem um apelo muito grande por várias razões, incluindo o fato de que é uma noodle soup (quem não ama macarrão na sopa?), é adaptável (você pode acrescentar o que quiser nele), e tem um sabor leve (massa de arroz atrai quem está parando de comer trigo). Ainda por cima tem pouca gordura, o que o torna saudável.

No começo deste mês ela saiu em defesa da importância do pho na cultura vietnamita. É que nos Estados Unidos a moda do pho ganhou capas de revistas e rendeu um vídeo da Bon Appetit que botava um chef americano e branco dizendo “pho é o novo lámen” e ensinando como fazer a receita “de verdade”. O vídeo foi tirado do ar depois de acusações de apropriação cultural e ignorância ocidental: pho é uma coisa, lámen é outra. Contra essa ignorância, a escritora vietnamita radicada nos EUA Andrea Nguyen esclarece o que é o pho e mostra como o prato é definidor da identidade vietnamita. Além de popular e delicioso, é símbolo da resistência tanto à colonização francesa (da década de 1880 a 1954) quanto à terrível guerra perpetrada pelos americanos (entre fins da década de 1950 e 1974). Leia a seguir entrevista feita por email com Nguyen, que lança no ano que vem o livro The Pho Cookbook nos Estados Unidos.

l Quando e como foi inventado?

O pho nasceu no começo do século 20 nos arredores de Hanói, capital do Vietnã. Quem e como exatamente o inventou é ainda uma questão nebulosa. O Vietnã estava sob o domínio francês na época e o pessoal tinha que abater gado para fazer bife para os colonizadores. O povo não estava acostumado a comer carne porque o gado era usado como animal de tração. No entanto, aproveitando as sobras de ossos e carnes de segunda, cozinheiros caseiros criaram esse caldo com macarrão e carne fatiada bem fina. No começo, quem vendia na rua eram chineses e os comensais eram trabalhadores de ou-

DIVULGAÇÃO

tras partes da Ásia que chegavam em barcos cargueiros pelo Rio Vermelho. O pho se popularizou rapidamente e então vietnamitas também começaram a comê-lo e a fazê-lo. A influência chinesa na cultura vietnamita é forte. Com o tempo, multiplicaram-se as barraquinhas de rua na cidade. l Hoje em dia o pho ainda é muito popular no Vietnã?

Sim. Em cidades como Saigon (Ho Chi Minh) e Hanói, pho ainda é muito consumido. Não se come todo dia, mas com frequência. É geralmente consumido no café da manhã, mas existem casas de pho que abrem para almoço, jantar, até madrugada. Pho é ótimo para acordar ou antes de dormir.

l Quantas variações existem?

Muitas. Não consegui catalogar todas. Chefs vietnamitas estão sempre inventando um novo, é difícil acompanhar.

l O que não pode faltar no pho? E o que é errado acrescentar?

Gengibre tostado e cebola (ou échalote) são os principais aromáticos do caldo, com especiarias, sal, molho de peixe e água. Aí depende do tipo de pho: é o que vai no caldo que o define – pode ser de carne bovina, frango ou vegetais. É também fundamental a massa

achatada de arroz (bahn pho, em vietnamita), porque ela é o “veículo” dos sabores da sopa. Em vietnamita, pho significa tanto o caldo com massa como a massa sozinha, ou seja, o macarrão é essencial. Temperos como cebola fatiada fina, cebolinha e coentro são importantes para criar a experiência do prato. À mesa, cada um tem seu estilo de comer. Para mim, vai muito bem hortelã ou manjericão tailandês. Brotos de feijão podem se impor demais pelo sabor e textura, por isso passo-os num cozimento rápido. Não deixo de acrescentar uma pimenta dedo-de-moça pelo colorido e pela picância.

l Descreva a cumbuca de pho perfeita.

Vietnamita. ‘O pho tem um apelo muito grande’, diz Nguyen

É quente e perfumada. O caldo é relativamente claro e tem sabor doce-salgado e rico. Quando termino, o gosto do pho e uma gordurinha fina e deliciosa persiste nos meus lábios.

Roteiro do pho no Bom Retiro FOTOS: JOSÉ ORENSTEIN/ESTADÃO

MISS SAIGON Há pouco mais de dois meses o restaurante abriu no Bom Retiro. A casa é uma filial da original, inaugurada em 2013 em Moema. É a única cujos donos são mesmo vietnamitas – da família de Vo Van Phuoc. Isso a faz automaticamente ser a mais autêntica desta lista. Como na matriz, o cardápio não se resume ao pho (são deliciosos os rolinhos de massa de arroz goi

KITCHEN ALICE O restaurante é um graça. Fica dentro de uma galeria, no segundo andar (no mesmo piso do Falafel da Malka). A casa é coreana, mas o pho vietnamita é muito pedido. O cardápio é curtíssimo e serve clientela majoritariamente coreana para almoços rápidos. O ótimo pho feito na casa (e que há três anos está no cardápio) vem numa tigela bem grande. O caldo é um pouco mais escuro que o dos outros restaurantes e também mais apimentado: já vem com lascas de dedo-

de-moça na sopa. Já vem também com brotos de feijão e cebola marinada sobre o prato, além de lâminas finas (e alguns nacos) de carne e cebolinha. O coentro, pouco, é servido à parte e não tem hortelã. Custa R$ 32 e é uma boa pedida para um dia de andanças e compras no Bom Retiro. Onde: R. José Paulino, 345, Bom Retiro (dentro da galeria Nova José Paulino, no segundo andar, loja 14A), 3224-0382. 11h30/14h30 (fecha sáb. e dom.). Não aceita cartão.

cuon). Mas é a sopa, que pode vir com carne bovina (pho bo) ou de frango (pho ga), a estrela do negócio. O pho do Miss Saigon é certamente o que tem o caldo mais delicado: levíssimo, aromático, tem um leve toque adocicado. Segue a receita tradicional: além da massa de arroz (mais larga e achatada, como um fettuccine) e uma generosa porção de carne em lâminas suavemente cozidas, vem apenas com cebola fatiada fina e ceboli-

nha – a ponta verde é picada, o talo branco vai inteiro. Num prato à parte, há brotos de feijão, hortelã, coentro, limão e pimenta dedo-de-moça para adicionar a gosto. Aproveite: em Moema custa R$ 42, mas no Bom Retiro, para ganhar clientela no novo bairro, ele sai por R$ 30. Onde: R. Três Rios, 430. 26452600. 11h30/14h30 e 17h30/20h (sáb., 11h30/15h30; fecha dom.).

PHO.366 O ambiente é clean, com curiosas frases em inglês nas paredes. Ao fundo, vê-se a cozinha aberta e os caldeirões onde se faz o caldo. A casa aberta há um mês é especializada em pho e tem como chef Yong Shin, um coreano que trabalhou em uma rede de pho em seu país natal. O caldo de carne bovina leva 24 horas para ser feito e tem notas sensíveis de especiarias como canela e anis, usadas no preparo. O prato é conforto em estado líquido. Shin usa peito, filé, fraldinha ou tendão no de carne, e serve também delicado pho de frango, além de versão com frutos do mar (e até uma sopa estilo tailandesa com leite de coco). O pho médio, bem servido, custa R$ 30; o grande, R$ 35. Onde: R. Silva Pinto, 366, Bom Retiro. 3807-6141. 11h30/15h e 17h30/20h (fecha dom.). Não aceita nenhum cartão por enquanto.

CASA DA GABI O restaurante tem clima familiar e cardápio coreano. O pho aparece lá como “sopa vietnamita”. E nem sempre está disponível, o fornecimento da massa de arroz é intermitente, ou seja: ligue antes para ver se tem pho. Onde: R. Lubavitch, 99, Bom Retiro. 2768-2881. 11h30/20h (fecha dom.).


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