Jornal Acadêmico_Primeiro Texto Comunitário jardim São Manoel

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PRIMEIRO TEXTO Especial Comunitário - Jardim São Manoel

Jornal Laboratório do 4º semestre de Jornalismo (FaAC) - Noite - Dezembro 2012 Matheus José maria

Um bairro, duas realidades

Às margens da via Anchieta, o Jardim São Manoel mostra características distintas no mesmo núcleo. A parte mais antiga – na entrada - é urbanizada e asfaltada. Situação oposta à área ocupada a partir dos anos 90, que se ressente de infraestrutura e qualidade de vida aos seus moradores. gilda lima


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DEZEMBRO 2012

Jardim São Manoel

Um bairro e vontade de mudanças

Na primeira aula do jornal Primeiro Texto, os professores nos falaram que participaríamos do projeto de um jornal comunitário. O ano foi passando e a nossa vontade de começar o trabalho foi aumentando, até que no dia 22 de setembro ele começou a tomar forma. Nosso primeiro contato com a realidade do Jardim São Manoel ocorreu durante reunião na faculdade, com uma assistente social e uma psicóloga da Prefeitura, que atuam no local, Mônica e Luciana,respectivamente. Uma semana depois fomos ver de perto a rotina do bairro, seus moradores, os problemas, suas histórias, sonhos e esperanças. Para contar com precisão fomos mais vezes na comunidade e nos envolvemos com a hospitalidade e a confiança que os moradores nos depositaram. Na escola do bairro, marcamos nosso ponto de encontro, um ótimo lugar para trocas de conhecimentos. Com entrevistas e pesquisas, as matérias foram produzidas e a história do jornal escrita. Como não se emocionar com a mãe que perdeu seu filho afogado no mangue? Com a senhora que tem o sonho de abrir uma escolinha para ajudar as mães do bairro? Com a moradora, que por ser a mais antiga do bairro, que confunde o crescimento pessoal com o crescimento da comunidade? Vivenciamos o ambiente e conhecemos dados e impressões da rua de terra batida,do esgoto a céu aberto, do risco das palafitas.Mas também das ruas asfaltadas, um comércio crescente e pulsante e um clima de comunidade, daquela que entende o que é ser solidário. Mais do que aprender a produzir um jornal comunitário, reafirmamos nosso compromisso com a população, ouvimos os que não têm voz para o resto da cidade. Esses ensinamentos não se aprendem na sala de aula, só vivendo a experiência de conhecer uma realidade diferente a que se está acostumado. Permitimos-nos sair da nossa zona de conforto e o resultado foi maravilhoso. Ampliamos nossos limites e avançamos mais um passo na tomada de consciência do objetivo social do Jornalismo.

Por trás do Primeiro Texto Comunitário

Professores e alunos em momento de visita à comunidade: amizades e entrevistas

Nicole Siqueira

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Foram três meses de dedicação e trabalho para a edição do PT Jardim São Manoel sair com perfeição. Foi uma chance de colocar em prática o que aprendemos nas aulas, mas também nos divertimos e conhecemos uma realidade diferente do nosso cotidiano. Confira os relatos de três alunos-jornalistas: “Achei muito válida a experiência de entrar em um local praticamente fora de limites para muitos. Ver em primeira mão as dificuldades, a falta de saneamento e de uma moradia digna de muitas famílias. Pessoas decentes tendo de conviver com riscos diversos, mas que têm

esperança de melhoras. Nossa presença lá parecia reavivar neles essa esperança e, por isso, alguns falaram do que tinham de falar, sem medo. Espero que haja algum bom resultado desse nosso trabalho. Para isso, devemos fazer o melhor possível para passar adiante o que vimos, ouvimos e o que percebemos pelo que não foi dito” - Mara Menezes “O projeto tinha como intuito conhecer e divulgar a realidade de uma comunidade. Nisso eu acho que conseguimos acertar. Mas, pessoalmente, eu queria ter mais tempo para me aprofundar.E xistem muitas coisas no São Manoel que precisam de atenção. Seria ótimo

ter um semestre todo para visitar, conhecer mais e fazer um trabalho digno do que aqueles moradores necessitam. Ainda assim, gostei muito de ter participado. Fiz amizades com duas pessoas maravilhosas, verdadeiros ícones de um bairro tão simples e tão diferente do restante de Santos que é divulgado pela imprensa e Prefeitura” - Rafael Correa. “Eu gostei. Colocou em evidência todas as coisas que aprendemos na universidade: entender todos os lados, não tomar partido e contar a verdade. Além de tudo, serviu para conhecermos a realidade que está fora do nosso cotidiano”- Jackeline Sá

Expediente PRIMEIRO TEXTO é o jornal laboratório do Curso de Jornalismo. Redação, edição e diagramação dos alunos do 2º ano de Jornalismo do período noturno Diretor da FaAC: Humberto Iafullo Challoub. Coordenador de Jornalismo: Prof. Dr. Robson Bastos. Professores Responsáveis: Prof. Fernando Claudio Peel (diagramação), Prof. Dr. Fernando De Maria e Prof. Ms. Luiz Carlos Bezerra (textos). Editores: Carolina Kobayashi, Gilda Lima, Mayara Sampaio, Rafael Aguiar, Rafael Correia e Rafaella Martinez. Editora de imagem: Gilda Lima. Diagramadores: Alexa Flambory, Camilla Laranjeira, Carla Monteiro, Carol Huerte, Carol Kobayashi, Caroline Souza, Jackeline Sá, Jean Sgarbi, Jéssica Bittencourt, Jéssica Santos, João Diwan, Juliana Justino, Lucas Martins, Luis Varela, Luiz Antunes, Mara Menezes, Mayara Barbosa, Mayara Sampaio, Marielly Fresanso Natasha Albert, Nathamy Lopes, Nicole Siqueira, Rafael Aguiar, Rafael Correia, Rafaella Martinez, Rafaella Martinez, Raphael Rinaldi, Thamirys Teixeira e Wellington Vasconcelos. O teor das matérias e artigos são de responsabilidade de seus autores não representando, portanto, a opinião da instituição mantenedora.


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Jardim São Manoel

Mais de meio século de alegrias e dificuldades Nicole Siqueira O Jardim São Manoel começou a surgir em fins da década de 1950 quando começaram a venda dos primeiros lotes. E, para homenagear o genitor, Manoel de Souza Varella, os irmãos Varella deram seu nome ao lugar. Para se chegar até o bairro, de automóvel, era indispensável passar pelo Casqueiro, no município vizinho de Cubatão. Lá se fazia o retorno para pegar a pista descendente da Via Anchieta, a única que dava acesso ao núcleo. Dona Evaldete Melo Cardoso é a moradora viva mais antiga do bairro. Oriunda do Nordeste mudou-se para o núcleo em 1961, com o marido e seus dois filhos. Na época, o local tinha uma infraestrutura precária, com luz só em um poste que ficava no escritório da empresa que vendia os lotes. Não existia comércio nem asfalto. Os

moradores tinham que passar por lama e prevenidos levavam um par de sapatos para trocar depois. O pão era trazido por um padeiro português, que os colocava numa caixa e o pagamento dos moradores era mensal. Isso até a inauguração da primeira padaria, que existe até hoje, impulsionando o comércio no São Manoel. Para realizar as mudanças dos novos moradores, os caminhões eram puxados por tratores para não atolarem na lama. Para ter acesso a serviços básicos, os moradores iam até o centro da Cidade. Quando o filho mais velho entrou na Escola Municipal Mário Almeida Alcântara, no Valongo, Evaldete tinha que deixar o filho mais novo sozinho em casa. O sofrimento dela e das outras mães do bairro acabou em 1965, quando uma das moradoras, dona Olívia Vieira Domingos, abriu uma escola improvisada em sua casa e com a ajuda de Be-

após a eleição do prefeito Oswaldo Justo, que durante a campanha prometeu aos moradores que se ganhasse asfaltaria o Jardim São Manoel. A promessa surgiu depois que o presidente da Sociedade de Melhoramentos, Antônio Francisco Cardoso, marido de Evaldete, colocou uma faixa na entrada do bairro, meses antes da eleição municipal, com os dizeres: “Candidatos, o Jardim São Manoel pede socorro!” Durante o mandato de Justo, o bairro foi classificado como área residencial, mas no governo de Telma de Souza, em 1989,

Mapa da divisão da comunidade do Jardim São Manoel

HISTÓRIA

Famílias diferentes, objetivos comuns Caroline Souza

nedito Pedro Domingues e do presidente da Associação de Moradores do Jardim São Manoel conseguiu uma parceria com o Sesi e duas professoras passaram a lecionar nas salas de aula improvisadas na casa da Rua 622, nº 184. Em 1967, a escola recebeu um prédio novo e foi transferida para a Rua Nicolau Moran, 21, com o nome de Grupo Escolar São Manoel. Mais tarde, passou a chamar-se Escola Estadual de Primeiro e Segundo Graus Dr. José Carlos de Azevedo Junior, atualmente municipalizada e única escola do bairro, que atende até a 9ª série. Aos poucos o bairro foi se desenvolvendo e crescendo, num processo lento, pois o Jardim São Manoel era esquecido pelos governantes. Evaldete lembra que quando sua filha nasceu o bairro sofria menos com a infraestrutura, mas o que faltava era o asfalto, que chegou, em 1984,

DIVULGAÇÃO

barraco ainda era de madeira e em cima de palafitas. “Meu marido decidiu se mudar, pois não estávamos conseguindo pagar o aluguel. No começo a gente não queria vir. Eu não queria morar em um barraco de madeira, na lama. Mas era necessário, por isso decidi-

mos ficar só por um tempo até a situação melhorar”. Hilda conta que só havia um caminho e ninguém acreditava que o bairro melhoraria. A luz vinha do outro lado do mangue, os moradores pagavam para os donos das casas para puxar a fiação. “Era comum estarmos assistindo TV e de repente a luz apagar, pois quando chegava a conta alta, os donos das casas decidiam cortar os fios”. O bairro mu-

“Apesar de tudo, o São Manoel é um lugar bom para morar”. Com essa frase, a diarista Hilda Costa, 48 anos, parece resumir o sentimento de muitas famílias que moram no local. O Jardim São Manoel possui 4553 habitantes e 1263 CAROLINE SOUZA domicílios, com uma média de 3,6 moradores por domicílio, segundo censo do IBGE de 2010. No entanto, ele se divide em dois núcleos distintos. O primeiro é formado pelos moradores mais antigos do bairro, fundado no fim dos anos 50. Já o núcleo existente no final do São Manoel, na área do mangue, surgiu a partir do início dos anos 90. Na prática, porém, as residências, especialmente do segundo núcleo, abrigam bem mais pessoas que as estatísticas afirmam. É o caso de Hilda. Ela teve quatro filhos. Um casou-se e mudou-se para outra casa no bairro. Atualmente, moram ela, o marido, duas filhas, uma de 27 e outra de 14 anos, um filho de 12 e cinco netos, todos filhos da mais velha. Há 17 anos, quando saiu do Morro São Bento para morar no São Manoel eram apenas ela, o marido e dois filhos. O Ketylin Paz e seu filho em frente à casa onde moram

dou, veio luz, água e asfalto. A casa de Hilda está aterrada, o antigo barraco de madeira agora é uma casa de alvenaria, que está sendo reformada para dar mais conforto para as crianças e a diarista não pretende mais sair do bairro. “Passei por momentos bons e ruins aqui, mas hoje não me arrependo de ter vindo para cá. É um bairro bom e as pessoas se ajudam bastante”. Todas as famílias que moram na parte onde há palafitas estão inscritas no programa da Cohab, mas Hilda não tem a intenção de se mudar. “Na minha casa só eu e meu marido trabalhamos. Nós ganhamos pouco e gastaríamos muito em um apartamento”. De acordo com a assistente social Mônica Bertan, é comum as famílias que são contempladas com imóveis voltarem para a favela. Segundo Mônica, 90% das famílias que residem no bairro estão dentro da linha da pobreza, ou seja, a renda mensal per capita está entre R$ 70 e 140. Esse é um dos motivos pelos quais mais de 90% das famílias são contempladas por programas de transferência de renda. O principal é o Bolsa-Família, mas há também o PNF (Programa Nossa Família), o Renda Cidadã e o Ação Jovem. Com exceção do Bolsa-Família, os programas precisam de um planeja-

essa classificação foi retirada. Com isso, empresas começaram a se instalar no bairro, trazendo vários transtornos para os moradores, como o grande número de caminhões nas ruas do núcleo. As invasões de terras também surgiram na mesma época, com o aterro dos manguezais e o início da ocupação do núcleo a partir da escola municipal.

mento e são apenas por um período de, no máximo, 36 meses. Segundo Mônica, muitas famílias se sustentam apenas com essas bolsas. É o caso de Cláudia Gonçalo, de 28 anos. Cláudia é mãe solteira, não trabalha e sustenta os quatro filhos com o auxílio o Bolsa-Família do Governo Federal. Ela nasceu em São Paulo, mas quando tinha oito anos seus pais decidiram se mudar para o Jardim São Manoel. Assim como Hilda, Cláudia não pretende se mudar do bairro. “Eu não teria condições de morar em outro lugar. Só consigo sustentar a casa com o Bolsa-Família, pois aqui eu não pago nada, nem água, luz e aluguel”. De acordo com Mônica Bertan, não há muita migração de casais de outras localidades para o bairro. “A quantidade de famílias que não conhecem alguém no bairro e se mudam para cá é mínima”, afirma. A jovem de 16 anos, Ketylin Paz, mora no bairro há um ano e seis meses. Ela saiu da casa da mãe, no Quarentenário, em São Vicente, para morar com o namorado no São Manoel. Os casal tem um filho de nove meses, mas não recebe ajuda do governo. Quem sustenta a casa é o namorado, de 19 anos, e a avó dele, que apesar de não morar com eles, ajuda nas despesas.

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Jardim São Manoel

Direitos iguais, sortes opostas MATHEUS MARIA JOSÉ

Mara Menezes

Caminho da União é uma rua asfaltada aos fundos do bairro com uma extensão de pelo menos um quilômetro adentro do que seria a última propriedade de situação legalizada da parte chamada bairro. Daí para dentro é designada como “favela” pelos moradores do núcleo por se tratar de ocupação feita sobre a área de mangue. Vários becos cruzam a Caminho da União. Olhando-os da rua, os fundos se estendem a perder de vista. Barracos são praticamente empilhados uns sobre os outros, com poucos centímetros separando as paredes. Assim, sucessivamente, dezenas de barracos se dispõem de ambos os lados dos becos com largura de passagem insuficiente para duas pessoas lado a lado. Josimara Maria Santos, 24 anos, é casada com Valério Batista dos Santos, 33, e juntos têm um filho, Carlinhos, de 7 anos. A família veio da Bahia há três anos em busca de trabalho e uma vida melhor e vive ao fundo de um desses becos em uma palafita sobre o mangue. Ao longo do estreito corredor aterrado de barro até a metade várias crianças correm de um lado para o outro gritando e brincando despreocupadamente. Fezes de cachorros marcam suas pisadas no chão barrento. Cerca de 30 metros adentro termina a parte aterrada e continua uma extensão da passagem estreita construída com pedaços de tábuas e restos de compensados de madeira sobrepostos perigosamente sobre estacas enfiadas na lama do mangue, com falhas e vãos grandes o bastante para se enfiar um pé de um pedestre desatento. Em outras partes, conforme se pisa neles, fica a impressão de que irá ceder a qualquer momento sob pressão do peso de uma pessoa. E assim, vão cobrindo a extensão adentro por mais uns 15 metros conduzindo familias, como a de Josimara e Valério, as suas moradias suspensas sobre a mesma armação feita de estacas, caibros e madeirite acima do mangue. Lá embaixo, porém, não se vê a lama fina, própria de um mangue, com peque-

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A cobertura com telhas de zinco esquenta no verão, enquanto as paredes de madeirite se desfazem sob a ação do tempo WELLINGTON VASCONCELOS

balha como ajudante de pedreiro e ganha cerca de R$800 por mês. Jucimara é dona de casa. Seu maior sonho é construir sua própria casinha, mas o salário atual do marido não tem sido suficiente para concretizar seu sonho, pois mal cobre despesas básicas como alimentação e transporte. Na cozinha nenhum luxo. OUTRO LADO

Lixo acumulado junto às palafitas: cena comum no local

nos caranguejos e outras criaturas que são naturais desse habitat. O mangue é inteiramente coberto com camadas sobre camadas de lixo. Há de tudo que se possa imaginar: sacolas plásticas, garrafas pet, pneus velhos descartados, sofás velhos, restos de móveis e colchões de espuma. Segundo Josimara, quando sobe a maré, o lixo é erguido quase à altura da passarela. A família paga R$200 de aluguel por um barraco com um quarto, sala, cozinha e um banheiro construído com tábuas de compensado, já se desfazendo pela ação do tempo. O piso é de madeira e é coberto com telhas de brasilite que esquentam absurdamente sob o sol forte. O barraco

tem água encanada e luz com instalação clandestina, o popular `gato`. O banheiro, pequeno, possui um chuveiro elétrico e um vaso sanitário. Os encanamentos hidráulicos, bem como de todos os barracos da favela, são descarregados diretamente sobre o mangue. À noite, baratas e outros insetos se assanham com o calor e passeiam pelos vãos entre as tábuas do chão, saídos de ninhos das camadas desfolhadas dos compensados que fazem as paredes do imóvel, enquanto ratos passeiam pelos caibros que sustentam as telhas. “Não se pode deixar nenhuma comida fora da geladeira”, reclama Josimara. Valério, seu esposo, tra-

Uma outra realidade encontrada também no Jardim São Manoel se reflete na pessoa de uma outra mulher. Mãe e esposa batalhadora e bem equilibrada, Ana Cléia Ferreira de Assis Silva, 40 anos, vive com sua família em um lindo sobrado cor de rosa com três quartos, uma suíte, uma sala e uma cozinha grandes, com quintal e um jardinzinho, cercada com todo conforto na parte urbanizada do bairro. Com um endereço legítimo, ela dispõe de água encanada, serviço de esgoto, luz elétrica, TV a cabo e internet, tudo legalmente conforme os direitos de todo cidadão. Porém, os benefícios não chegam de graça. Graças ao seu próprio esforço, Ana Cléia conseguiu participar do programa Escola da Família em que milhares de universitários de todo o Estado de São Paulo dedicam seus finais de semana ao programa e, em contrapartida, têm seus estudos custeados por um

dos maiores projetos de concessão de bolsas de estudo do País, realizado em convênio com instituições particulares de Ensino Superior - o Programa Bolsa Universidade. Com isso, ela cursa Pedagogia na UNIP. Comunicativa e desenvolta, ela relata como, juntamente com seu esposo, Aldomiro, 48 anos, policial rodoviário, construíram suas vidas no bairro que, segundo ela, costumava ser exclusivamente residencial e muito tranquilo anos atrás. O sobrado é bem construído. “Ainda em fase de acabamento” diz ela com humildade. Foi realizado ao longo de anos de trabalho em que Ana Cléia, com um espírito inquieto, se dispôs a trabalhar em uma série de pequenos empreendimentos que lhe renderam, juntamente com o trabalho de seu esposo, uma vida razoavelmente boa. Ali mesmo, no bairro, vivem, cercados de conforto, com seus dois fillhos Leonardo e Danilo, de 14 e 11 anos, respectivamente. Bem criados, os meninos convivem bem com outras crianças menos afortunadas do local, porém orientados sob uma família bem estruturada. Ambas mulheres, cidadãs brasileiras, com os mesmos direitos, quase vizinhas, ilustram realidades extremamente opostas encontradas nesse bairro típico da cidade de Santos.

HABITAÇÃO


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Um bairro, duas realidades Rafaella Martinez

C amila L aranjeira O Jardim São Manoel é um bairro de contrastes entre os moradores, que vivem antes e após a ponte próxima da escola José Carlos de Azevedo Jr. Mas o preconceito também atinge o contato entre ambos. Segundo o morador João Manoel, que vive na comunidade há 17 anos, a diferença social é muito grande. Segundo ele, foi feita a mudança do presidente do bairro na tentativa de uma reaproximação, mas o mesmo não teve sucesso. “Após mudanças ainda assim somos vistos como empregados. A comunidade mudou todo o sistema de movimentação de comércio”. O morador ainda disse que o preconceito não é somente visto pelos moradores e conta sobre um caso em uma escola, “ Até mesmo as professoras tratam as crianças da comunidade com indiferença. Isso não pode acontecer”. Morador da periferia, Manoel nasceu em Santos, veio do sul do País para visitar a cidade e acabou se apaixonando pela beleza. Questionado se queria sair da comunidade”, reconhece “Foi uma promessa de criança. Vim no intuito de implantar um centro comunitário no local, mas isso não foi possível. Pretendo sim sair daqui”. A comunidade conta com o apoio de verba da prefeitura e de empresas parceiras. O morador acredita que o bairro tem que se envolver e unir forças com a periferia, pois tudo que é feito reflete-se na sociedade. ”As pessoas fazem julgamentos dos jovens, como se todos fossem de má influência pelo convívio com o tráfico, explica. A alternativa encontrada por ele é que assim

Parte de moradores da comunidade vivem em palafitas em cima do manguezal e do lixo, que prolifera em vários trechos Matheus José Maria

como os moradores da comunidade vivem presentes no bairro, por conta de algumas atividades externas, as pessoas do bairro deveriam vive em contato com os moradores de parte periférica da área urbanizada. No bairro A moradora D.C. reconhece o preconceito “ Não vou dizer que eu amo ir à comunidade, não acho um ambiente agradável. Porém, outros problemas impedem os moradores do bairro de frequentar a comunidade segundo ela “Em alguns momentos, tenho que ir até à favela para comprar um lanche. “Quando vou, sempre sou questionada o porquê estou lá e o que vou fazer”. Ela se incomoda pela falta de receptividade. O que predomina além dos problemas urbanos é principalmente a falta de comunicação entre

A ponte próxima da escola separa moradores das duas realidades do Jardim São Manoel

HABITAÇÃO ambos os lados. O trabalho entre a comunidade e o bairro deveria ser mais constante tanto pelos moradores quanto para os

governantes. Talvez a forma como os jovens e crianças são educados com a criação destas barreiras será dfícil

unir ambos os lados, para o crescimento entre os moradores do núcleo independente se estão antes ou depois da ponte.

Adolescentes estão à espera de melhorias e opções Luiza Ferreira Os adolescentes do Jardim São Manoel têm reclamado de passar suas noites e finais de semana sentados em praças ou dentro de casa, pois sua única área de lazer é a praça central do bairro localizada às margens da Via Anchieta. Esperam há anos pro-

messas por melhorias e mais atividades. Em vão. Como para chegar de ônibus ao centro da cidade leva quase uma hora, os jovens acabaram transformando uma creche do bairro, que está desativada há pelo menos sete anos, em um salão de festa. Sabrina Santos, de 19 anos, diz que quando chega à noite não há

o que fazer, e seu pedido é que ao menos montem uma praça ‘’do outro lado da ponte’’, em alusão à ligação entre o bairro e o núcleo popular, após a escola, para que os jovens também não precisem atravessá-la para poderem se divertir também. A falta de áreas de lazer não é uma exclusividade dos adolescentes.

Os pequenos podem brincar duas vezes por semana no centro comunitário, e as crianças têm que revezar a brinquedoteca durante o período da tarde e o da manhã, além dos brinquedos da praça principal do bairro que, segundo alguns moradores, só passam por reformas após os brinquedos estarem bem velhos. No

LAZER

momento, eles apresentam condições razoáveis. Mas para os adultos, há o Bar do Seu Carmélio. De acordo com proprietário, a diversão é garantida no estabelecimento, que fica aberto entre às 23h e 6h da manhã. Nele, pessoas de todo o bairro se juntam para dançar forró e participar de sua roda de samba e baile funk.

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A maré enche e as lágrimas escorrem Alexa Flambory

No fim da tarde de 7 de abril de 2010, Rafaela Santos Gomes, na época com 17 anos, acordou e saiu à procura de seu filho, Ruan Vytor, de um ano e três meses, que não encontrou em qualquer cômodo da casa. Procurou nos vizinhos, mas não o encontrava. O mangue estava com a maré cheia. Rafaela entrou em desespero. Os moradores da comunidade saltaram no mangue na tentativa de encontrar Ruan. Estava escuro, pois já passava das 19h. Os moradores tiveram a ideia de iluminar o local. E ao dar luz ao escuro, encontraram Ruan Vytor, mas já era tarde. Os bombeiros passaram as instruções pelo telefone, Ruan foi levado ao hospital. Ele não resistiu ao afogamento. Ruan foi fruto de uma gravidez planejada. Sempre foi esperto e agitado. Começou a andar com 11 meses de idade e também já falava. No dia do acidente, Rafaela diz ter deixado a porta encostada com duas tábuas, como de costume, mas Ruan, esperto como era, soube abrir a porta. No dia do enterro de Ruan, emissoras de televisão compareceram ao local

para realizar a cobertura. Além de mostrarem o enterro, também filmaram o local do acidente. “Eles chegaram e falaram que veriam o que podiam fazer por nós, se era possível nos tirar daqui, mas só no dia do enterro, até hoje nada. Não vieram mais, nem nos ligaram”, conta Rafaela. Os moradores vivem em situação de vulnerabilidade e estão sujeitos diariamente a serem vítimas de acidentes. Rafaela acredita que o governo deveria dar mais atenção para os moradores do Jardim São Manoel, principalmente os que vivem nas palafitas e nos barracos, que sofrem quando a maré enche. “Eles tinham que olhar por nós, mas só dão atenção para o Gonzaga. Não aconteceu só com meu filho. Outras crianças caíram, mas tinha alguém para ver na hora”. Apesar do fato, Rafaela não tem vontade de sair da comunidade, na qual vive há mais de seis anos. Ela sonha em sair das palafitas e do barraco em que vive, mas não pensa em sair do núcleo. A jovem quer apenas ir para a parte asfaltada da comunidade, onde é possível construir casas com melhor estrutura e correr menos risco de ser

ALEXA FLAMBORY

Josefa: nova perspectiva

do, entrou em desespero e custou para ele acreditar na verdade. Rafaela: novo recomeço

vítima de acidentes. Rafaela vive com Douglas Antonio da Silva, de 22 anos, há seis anos. Ele era o pai de Ruan. Douglas é ajudante de pedreiro. No dia do acidente, estava em São Paulo com seu irmão fazendo um serviço. Ele ia para São Paulo às segundas-feiras e retornava aos sábados. Um dos moradores da comunidade ligou para Douglas e pediu que ele e seu irmão arrumassem as malas, porque Ruan estava internado. O morador não quis contar a verdade para não traumatizar o pai. Quando Douglas chegou e soube o que tinha aconteci-

Nova chance para a vida Rafaela está grávida de cinco meses. Em outubro de 2010 parou de tomar as injeções de anticoncepcional para tentar engravidar novamente. Um desejo dela e do marido. “Ruan Vytor. Amor só de mãe, Saudades mil”, é a tatuagem que Rafaela fez na panturrilha da perna direita, em homenagem ao filho que perdeu.

“Esqueci minha filha na cama. Sai desesperada. Estava muito calor. Só peguei minha bolsa”. É dessa forma que Josefa, atualmente aposentada pelo INSS, relembra do incidente. Segundo Josefa, os bombeiros chegaram em cerca de 15 minutos e conseguiram apagar o fogo que atingiu cerca de 14 barracos de madeira. Entretanto, a casa de Josefa, como a de outros moradores, foi totalmente destruída. Moravam sete pessoas na casa, ela e seus seis filhos. Todos tiveram que ficar na casa de amigos durante o período de cinco meses até conseguirem reconstruir a casa que perderam. Josefa comprou madeira, os móveis, eletrodomésticos e aos poucos construiu novamente seu lar. “Até hoje não está como queria que estivesse”, conta. Os eletrodomésticos que Josefa tinha na antiga casa ainda não tinham sido pagos. Segundo Josefa, a Prefeitura deu uma cesta básica para cada família que teve seu barraco destruído pelo fogo e ofereceu auxílio aluguel. Apesar de já terem se passado quatro anos, Josefa sente receio de passar pela tragédia novamente. “Eu durmo preocupada toda noite”.

MEIO AMBIENTE Maré e o fogo Pelo menos uma vez ao ano a caixa de luz elétrica da principal rua da comunidade pega fogo e os barracos são atingidos. Josefa de Lima, de 49 anos, mora na comunidade há mais de uma década e teve sua casa destruída há quatro anos.

Moradores e manguezal: uma relação pouco harmoniosa Rafaella Martinez

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“Sempre que a maré sobe é a mesma coisa: a gente sabe que a água vai entrar em casa, vai sujar tudo e vai trazer doenças. Sem contar nos ratos e nas cobras que fazem a festa na minha cozinha”. Dona Lígia Calixto fala com a propriedade de quem convive há mais de 16 anos com os problemas e as incertezas do manguezal que corta o Jardim São Manoel. A situação se repete a cada maré cheia. Dona Lígia reclama de todos os problemas que a subida das águas causa na vida da família: doenças, constantes alagamentos nas ruas, além do mau cheiro. Já para a moradora Juliana Ferreira, o maior problema do manguezal é o perigo que causa aos seus cinco filhos. Além das constantes doenças, seu caçula já caiu acidentalmente no mangue. “Foi no começo do ano. Ele tinha dois aninhos. A maré encheu e ele se desequilibrou e caiu. A sorte é que a gente conseguiu socorrer rápido e ele só precisou levar alguns pontos na cabeça”. A reclamação de Patrícia Sil-

va já é outra. Ela afirma que o maior problema de morar em cima do canal é a baixa durabilidade da madeira. “Moro no São Manoel há dez anos e já perdi as contas de quantas vezes precisei trocar a madeirite. Quando a maré sobe, não chega a entrar em casa, mas apodrece a estrutura”, reclama.

Análise O manguezal é um ecossistema que surge entre a transição de água com ambiente terrestre e sua principal função é ser a base da cadeia alimentar. “O manguezal produz alimentos a partir de detritos e com isso surge todo um ciclo.

O caranguejo que se alimenta dos detritos é consumido pelo peixe, que por fim, serve de alimentação para os seres humanos. Destruindo o manguezal, o homem estará reduzindo uma infinidade de recursos naturais e como tendência pode até diminuir a pesca”, afirma o biólogo João Miragaia. De acordo com o profissional, é um engano dizer que o manguezal é poluído. “O que ocorre é que a área exala um odor desagradável, devido a matéria orgânica sendo decomposta por bactérias que, durante este processo, liberam substâncias como enxofre. Porém, isto não quer dizer que a área é insalubre”. ALEXA FLAMBORY

A placa de proibido jogar lixo não tem surtido efeito

O professor acredita que os detritos gerados pela ação humana no ecossistema são os maiores responsáveis pela poluição. “O esgoto e o lixo acabam por se tornar os maiores vilões. Quanto ao esgoto, o meio ambiente até consegue depurar matéria orgânica, mas quanto aos resíduos sólidos, o processo demora muito tempo”. Miragaia ressalta ainda que o manguezal é uma área de proteção permanente, que não pode sofrer interferência humana, a não ser em raras exceções. “O que acontece é que em determinado momento uma árvore morre e a natureza já se encarrega de colocar outra no lugar. Com o lixo jogado, a árvore morre e não ocorre regeneração, pois as plantas são sufocadas pela poluição”, finaliza.

Prefeitura De acordo com a assessora de imprensa da Cohab, Daniela Rucio, a cooperativa está trabalhando com urgência para solucionar a questão das pessoas que residem nas palafitas do Dique do Jardim São Manoel. A Prefeitura de Santos, em

parceria com os governos estadual e federal, conseguiu verba para a construção de cerca de 205 unidades habitacionais, que serão direcionadas para as famílias do local. A assistente técnica de meio ambiente da Cohab, Ana Paula Campos, afirma que o primeiro passo para mudar a realidade dos moradores é a retirada da população da área do mangue e a recuperação do local. “É necessário fazer todo um trabalho social: construir moradias, remover as famílias das áreas críticas e recuperar o meio ambiente”. Quanto a questão do lixo, Ana Paula cita que medidas estão sendo tomadas, como a limpeza do manguezal pelo projeto Catamarã, porém, mais do que a limpeza, é necessária a conscientização dos moradores. “O maior problema do manguezal atualmente é a questão do lixo. Eles já estão habituados a não andar até a rua para depositar o lixo nas lixeiras. Tudo o que é gerado dentro das casas vai parar na água”.


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Jardim São Manoel

Dói no bolso e não satisfaz gilda lima

Vinícius Anselmo Demora no tempo de espera, desconforto e tarifa elevada (R$2,90) são os maiores reclamações dos usuários da única linha que serve o bairro, a 101. A espera em alguns momentos chega até 40 minutos e a situação é ainda pior aos finais de semana e feriados, quando o número de ônibus é ainda menor. A relação custo-benefício é criticada pelos moradores. É o caso do comerciante Ednaldo da Silva de Andrade. “A tarifa é cara pela demora e pelo desconforto”. Sua filha, Luana Lima de Andrade, 16 anos, estuda na escola Azevedo Júnior, na Vila Belmiro, e faz esse trajeto todos os dias. Ela leva em média 40 minutos para chegar à escola. Ela embarca no 101 até o Terminal do Valongo e de lá em outra linha que serve o Canal 2. Segundo o comerciante, ela já esta acostumada

Única linha do bairro, a 101 limita as opções aos moradores, que chegam a esperar mais de 40 minutos para chegar ao Centro

e não ouve reclamações. “Ela já se acostumou com o caminho. Ela leva uns 40 minutos para chegar à escola”.

Quem quiser retornar do Centro para a comunidade utiliza a mesma linha, que percorre a Av. Martins Fontes (Saboó),

depois segue pela Avenida Marginal Anchieta passando pelo bairro da Alemoa e chegando ao Jardim São Manoel.

A concessionária informa que a linha 101 dispõe de 5 ônibus nos dias de semana e 4 aos finais de semana e feriados.

Transporte dificulta a Entre ruas estreitas, caminhões vida dos moradores se destacam na paisagem Gabriel Tedesco Para quem mora no Jardim São Manoel em Santos e precisa utilizar ônibus todos os dias, a situação é bastante complicada. Segundo a funcionária pública Fernanda Mitisuzaki dos Santos, o transporte é um problema para os usuários. Para ela, o pouco número de linhas que servem o bairro faz com que a superlotação nos coletivos seja algo frequente. “Algumas pessoas preferem caminhar um pouco mais para poder pegar o ônibus no ponto final e

“Como é um núcleo com muitas pessoas que usam transporte coletivo, deveria ter mais ônibus disponíveis nos horários de pico” Fernanda Mitisuzaki, funcionária pública

viajarem sentadas”, conta a moradora. Fernanda mora a duas quadras do ponto final, o que é uma grande vantagem para ela, pois apesar de serem cinco pontos no bairro, os ônibus normalmente já saem lotados. “Como é um núcleo com muitas pessoas que usam transporte coletivo, deveria ter mais ônibus disponíveis nos horários de pico”, reclama a usuária. Apesar de ter a opção de pegar os intermunicipais que vêm de Cubatão, ela prefere aguardar o municipal. “Os que vêm de lá são mais caros, além de terem o trajeto muito limitado”. Ela acredita que falte planejamento na logística da empresa. “Já cheguei a ver dois ônibus parados no ponto enquanto nenhum rodava pelo bairro”, finalizou. No local, já é possível constatar o que foi descrito pela usuária. O ônibus demorou 40 minutos para chegar, o que fez com que já partisse do ponto final praticamente lotado.

Jackeline

Gilda Lima

Ruas estreitas que mal comportam os veículos. Porém, em cada trecho há um caminhão. Assim é a paisagem urbana do bairro, que dispõe de terrenos disputados por empresas de logística e mecânica. O excesso de veículos, porém, também traz problemas à população. São elas que trazem os caminhões para o bairro, gerando dilema entre os moradores e os caminhoneiros. “Os caminhões são um grande problema para nós. Eles ficam estacionados na frente da escola, praça e em tudo quanto é lugar. As crianças correm perigo, pois usam os caminhões para brincar”, conta Márcia da Silva, 30 anos, moradora do bairro há 3 anos. Além de servir de estacionamento para caminhões ativos, alguns abandonados enferrujam e se desfazem nas ruas. O uso abusivo das vias publicas em forma de estacionamento virou discussão constante entre os moradores. Muitos dos caminhonei-

Caminhões fazem parte da paisagem urbana do bairro

TRANSPORTE ros residem no São Manoel, dificultando ainda mais a solução do dilema. “Já ocorreram duas mortes por atropelamento de caminhões aqui no bairro: uma grávida e uma criança”, fala o presidente da Sociedade de Melhoramentos, (Edimilson de Almeida Duarte) o Didi.

Solução Segundo Regiane Cipriano dos Santos, membro da Sociedade de Melhoramentos do bairro, a única atitude tomada para solucionar

o problema foi a criação de credenciais para cada casa. Com isso, apenas existiria um caminhão por residência estacionado nas ruas e maior controle dos veículos. “Muitos filhos aproveitam-se da credencial do pai para estacionar mais e mais caminhões nas ruas. Com isso, a credencial por morador perdeu o sentido”, explica Regiane. “Somos o único bairro com esse credenciamento, mas ainda assim torna-se difícil o controle”, reconhece Didi.

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Jardim São Manoel

Empresas: mais impactos e menos relacionamento Jean Sgarbi

O Jardim São Manoel está localizado em uma área estratégica para a logística do transporte. Não é a toa que o bairro conta com mais de 17 empresas, algumas clandestinas. O bairro fica entre a linha de estrada de ferro Santos/Jundiaí, a Via Anchieta , via de acesso dos caminhões para São Paulo e o Rio Casqueiro, fazendo ainda divisa com Cubatão. Porém o impacto que essas empresas causam no bairro tem sido considerável, alegam os moradores. Enquanto isso, não são verificadas contrapartidas para a comunidade. Elizabete Serrão Neço Barros da Silva, moradora do São Manoel há 19 anos, conta que nunca houve um empenho das empresas em oferecer algum curso ou ajuda. Ela ainda acrescenta que os apoios só acontecem quando os moradores correm atrás para conseguir algo. Essa ajuda, segundo a moradora, seria para festas típicas, como as juninas. Ainda na questão de

jean sgarbi

Conforme moradores, caminhoneiros param os veículos para fazer a limpeza dos veículos junto ao riacho contribuindo para a poluição no local

TRANSPORTE impacto, a mesma moradora revela que já viu por várias vezes caminhões estacionados ao lado do riacho que passa na entrada da comunidade. Elizabete conta que os caminhoneiros param

os veículos ali para fazer a limpeza dos caminhões, piorando a qualidade do riacho, que já sofre com falta de saneamento básico, representando mais um impacto ambiental. Correndo na contra

mão, Ananias Alves da Silva, que vive a alguns metros da comunidade, diz que as empresas “não fazem diferença estando ali”. Segundo ele, as transportadoras realmente não ajudam, mas também não

MAYARA SAMPAIO

Catraia é acesso fácil à Zona Noroeste Rafe Aguiar

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O acesso do Jardim São Manoel aos demais bairros da cidade é limitado. Principalmente quando se trata de ir à Zona Noroeste, para onde é preciso fazer uma viagem de ônibus convencional de mais de duas horas. É por isso que muitos moradores optam em atravessar o Rio Casqueiro de catraia. O serviço, que custa R$1.75, existe há mais de 40 anos, ligando o bairro à Zona Noroeste em menos de cinco minutos. As catraias levam mais do que pessoas. Já realizaram mudanças, travessia de animais de estimação, eletrodomésticos, bicicletas... Algumas viagens inusitadas. As barcas são feitas artesanalmente pelos próprios funcionários. O material usado para a confecção das canoas é

o mesmo dos barracos. A produção foi desenvolvida por eles mesmos, sem a ajuda de terceiros. “Nós estamos sempre montando as barcas, aí acaba mos pegando prática. E temos que ficar atentos, pois com o tempo a barca vai se desfazendo”, conta o catraieiro Paulo Pereira, conhecido pelos amigos como Mapinha. A barquinha não realiza apenas a travessia. Segundo Mapinha, ele e os companheiros já salvaram vidas. “Muita criança já caiu na maré e a gente corre para ajudar quando pode”, revela, lembrando que nem sempre consegue salvar crianças que caem na maré por ser avisado tarde demais. Os barracos das palafitas que desmoronam por conta dos pregos comidos pela maresia também são socorridos por eles. Para o trabalho, não

atrapalham o convívio e o bem estar dos moradores. Duas empresas, Fórmula Truck e Sigma Transportes, foram contatadas por e-mail, mas até o fechamento deste jornal não deram resposta.

As barcas, feitas de madeirite, fazem a ligação do bairro com o Jd Castelo e imediações encurtando o trajeto

existe clima ruim. Todos os catraieiros são dispostos, bem humorados e felizes com o que fazem. Ao

todo, são quatro funcionários, divididos nos turnos da manhã, tarde e da noite. A barca funciona das

6 às 22 horas, faça chuva ou sol. A única condição climática que impossibilita a travessia é a maré baixa.


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Juliana Justino

Infraestrutura é boa, mas atendimento é falho Juliana Justino

Por fora, sinais de descaso e da falta de manutenção são visíveis Juliana Justino

Por dentro, o local oferece conforto, mas peca no atendimento médico

Jardim São Manoel

Dois anos depois da reforma, a infraestrutura da unidade básica de saúde não é um problema. No entanto, as reclamações apontam para o atendimento. A alegação é que os médicos não dão a atenção adequada aos problemas de saúde, com consultas rápidas e sem comprometimento. Elisabete Serrão Moço Barros da Silva trabalha como agente de saúde no bairro há 12 anos e é moradora há quase 20. De acordo com ela, hoje a unidade oferece melhores condições aos usuários. Entretanto, “falta enfermeira, auxiliar e, principalmente, um ortopedista bom, mas isso é um problema generalizado na rede de saúde da cidade”. Outro problema é o horário de atendimento. Além de não funcionarem nos finais de semana, as Unidades Básicas de Saúde de Santos têm um horário padrão que vai das 7h às 17h. No entanto, os moradores do bairro

reivindicam um esquema como o que acontece na UBS do Morro da Nova Cintra que, fora deste período, funciona como pronto-socorro, inclusive aos finais de semana e feriados. O presidente da Sociedade de Melhoramentos do bairro, Didi Duarte, questiona. “Se na Nova Cintra tem, por que aqui não? É uma necessidade para todos, pois nós moramos isolados de tudo”. A opção de atendimento em emergências é o Pronto-Socorro da Zona Noroeste. Porém, o acesso é limitado pela linha de ônibus 101 e o serviço deixa a desejar. “A gente chama a ambulância e ela vem, mas demora muito. De qualquer forma, eles atendem muito mal lá (no PS da Zona Noroeste). Ou você morre esperando a ambulância, ou no caminho, ou no atendimento do PS”, reclama Elisabete. Didi conta que há um projeto para adquirir uma ambulância e deixá-la à disposição dos moradores. Apesar da doação do veículo já es-

tar acertada com a Ideal Guindastes, algumas limitações impedem o projeto de sair do papel. “A Prefeitura precisa fornecer atendimento e motorista, além de ampliar o horário de funcionamento da UBS e contratar plantonistas. Fora isso, ainda temos os custos de manutenção e combustível”. Mas nem só de críticas vive a unidade do Jardim São Manoel. O trabalho de saúde preventiva é elogiado pelas pessoas. Os agentes de saúde desempenham uma função muito importante, visitando as casas e levando informação e orientação ao público, inclusive a quem não frequenta a UBS. “Pela situação carente do bairro, este trabalho se torna ainda mais importante, prevenindo doenças como a dengue, a tuberculose e doenças sexualmente transmissíveis. De porta em porta, eles orientam as pessoas e tiram dúvidas que não seriam levadas até um profissional de saúde na UBS”, diz Elisabete.

SAúde

Agentes de saúde contribuem para a qualidade de vida Nathamy Lopes Melhorar a qualidade de vida, dar apoio e orientar a saúde das famílias carentes são alguns dos papéis dos agentes de saúde. Os responsáveis por aproximar os problemas junto à unidade de saúde do bairro. A comunidade Jardim São Manoel é atendida por uma ONG com parceria na prefeitura de Santos chamada ASPPE (Associação Santista de Pesquisa, Prevenção e Educação) dando cuidados para os procedimentos necessários. Atualmente, elas têm oito colaboradoras. Graças à parceria, envia seus agentes de saúde à comunidade para atender as famílias mensalmente. Elas devem apontar relatórios e amostras que deverão ser recebidas pela policlínica do bairro, seja por meio de uma medi-

cação ou uma medição diária de pressão. Fora os atendimentos domiciliares, existem os projetos especiais como aleitamento materno, gestantes, adolescentes, planejamento familiar e outros. “Meus atendimentos ficam concentrados em uma rua do bairro. Hoje em dia, tenho que dar apoio mensalmente a 178 famílias, com cerca de 800 pessoas”, conta a agente de saúde, Elisabete Serrão Moço Barros. Um dos requisitos para ser um colaborador é de ter que residir no bairro, pois assim traz uma abertura melhor de atendimento em suas casas, facilitando os cuidados entre as famílias orientadas. Os moradores são bem receptivos aos atendimentos. Demonstram interesses de aprender aquilo que lhe são transmitidos, inclusive os alertas. Principalmente

Nathamy Lopes

Elisabeth é agente de saúde há 12 anos, orientando famílias do bairro sobre cuidados pessoais e coletivos

às futuras mamães que não contam com planos de saúde. Uma delas é Maria Pereira dos Santos, 50 anos, que mora no núcleo há metade deste tempo. “Admiro muito esse trabalho. Elas são muito atenciosas naquilo que fazem. Por meio delas, recebemos total

alerta e indicação de forma bem clara. São pessoas maravilhosas enviadas por Deus”. Segundo Vilma Moura, que reside no bairro há mais de meio século e também é uma das cooperadoras da saúde, este é um trabalho muito importante. “Estou nesse ramo há 12 anos

e já orientei diversos casos. Percebo que muitos problemas ocorrem por falta de orientação como o pré-natal, hipertensão e diabete”. Além de dar todo apoio às pessoas carentes, elas também auxiliam aquelas que têm um plano particular, mas não têm acompanhamento diário.

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Jardim São Manoel

Aos 45 anos, escola municipal aguarda reformas e ampliação Luiz Antunes Em um ano de transição para um novo governo municipal, os velhos problemas ainda permanecem e os moradores do Jardim São Manuel terão que conviver com eles por um bom tempo. Com aproximadamente 8.000 moradores e apenas uma escola, os jovens estudantes têm que enfrentar as condições ruins de uma escola que possui 45 anos e poucas modificações ao longo dos tempos. Essas são as características da E.M. Doutor José Carlos de Azevedo Junior que oferece aulas do maternal até o 9º ano. Entre os problemas encontrados estão as péssimas condições de conservação da quadra, já desgastada. No pátio, uma caixa de esgoto se apresenta praticamente aberta e com resíduos até a extremidade, além do teto que está com o forro ligeiramente dani-

ficado. Outra dificuldade é de um córrego que passa ao lado da escola e o mau cheiro atrapalha os alunos a se concentrarem. Como se não bastasse ter que conviver com os transtornos fora da sala de aula, dentro dela não é diferente. Segundo o ultimo IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) de 2011 a escola ficou com um dos piores índices de Santos, quando se trata da 4ª e 5ª série do Ensino Fundamental. Já para a 8ª e 9ª série, a E.M. Doutor José Carlos de Azevedo Junior ficou como a pior escola de Santos. Em relação à meta estipulada, houve uma queda de 12% na 4ª e 5ª série e de 14% para o 8º e 9º ano. Para a agente de saúde e moradora do bairro há 19 anos, Elisabeth Serrão, alguns professores preferem não vir dar aula no bairro por se tratar de um lugar afastado. “Tudo na es-

MAYARA SAMPAIO

EDUCAÇÃO

Única do bairro, a escola é a principal referência de lazer para as crianças e adolescentes

cola está péssimo. O melhor seria demolir e começar do zero. Por ser um bairro distante, alguns professores não querem vir para cá”, reclama.

Já o aluno H.M., de 13 anos, diz que não existe dificuldade em passar de ano, pois só de estar presente nas aulas já é o suficiente para ir para outra sé-

Programa Nossa Escola traz maior motivação às crianças Jéssica Bitencourt Mudança na vida de muitas famílias. Isto é o que significa o Nossa Escola para os moradores do bairro, na opinião da coordenadora local do programa, Elaine Cipriano. O serviço é realizado há seis anos no São Manoel e há quase três possui sede fixa: a sociedade de melhoramentos. Cerca de 180 crianças são atendidas no contraturno escolar, nos períodos da manhã e da tarde. Cada um conta com 100 vagas por ano. De acordo com a coordenadora, o programa funciona em sistema de parceria com a EMEF Dr. José Carlos de Azevedo Jr., a única do núcleo, auxiliando na aprendizagem dos alunos. “As crianças chegam até nós encaminhadas pelos professores, que percebem

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Mayara Sampaio

Alunos participam de atividades realizadas no contraturno escolar durante a semana

alguma dificuldade que podemos ajudar a trabalhar, ou quando os pais demonstram interesse na participação dos filhos para não deixá-los sozinhos em casa, por exemplo”, afirma. A responsável pelo programa na Secretaria da Educação de

Santos, Maria José Marques, vai além. Para ela, o programa não é mais voltado somente às crianças que vivem em situação de vulnerabilidade social. “A proposta do Nossa Escola é oferecer educação em período integral e trabalhar não só com crianças, mas

com famílias. As escolas abrem aos finais de semana para acolher também os núcleos familiares, oferecendo cursos profissionalizantes e atividades que estimulam lazer e geração de renda, como aulas de artesanato”. Ao longo destes anos, o Nossa Escola

rie. “Nessa escola não se aprende nada. É só freqüentar que já passa de ano, independente de saber ou não o conteúdo dado nas aulas”, comenta.

tem conseguido bons resultados, inclusive na opinião das crianças. Léia Lívia Alves, 11 anos, e Peterson Santana, 10 anos, são alunos do 5º ano, no período da manhã, e participam do programa à tarde. A menina mora perto da escola e gosta das atividades diferentes que o programa proporciona. Já Peterson vem da periferia para estar com os amigos, que são os responsáveis pela sua participação. “Eles me chamaram e eu gostei. Ficava sozinho em casa e aqui posso jogar bola e me divertir”, brinca. Entre as atividades, o Programa Nossa Escola oferece aulas de dança, artes visuais, esportes, luta e a hora do dever, um momento dedicado ao reforço escolar, onde os professores ajudam as crianças com a lição de casa. Outras informações podem ser obtidas na secretaria da escola ou na Seduc pelo telefone 3211-1818.


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Jardim São Manoel

Referência do bairro, escola funciona durante três períodos Carolina Huerte

Carolina Huerte O Jardim São Manoel abriga uma única unidade municipal escolar. É a Dr. José Carlos de Azevedo Júnior, que fica localizada na Rua Nicolau Moran e abriga mais ou menos 900 crianças, que estão do maternal até o 9º ano. Segundo dados da Prefeitura de Santos, a escola começou a funcionar em 1965, na casa de uma das primeiras moradoras do bairro, Olívia Vieira Domingos. Foi criada a partir da necessidade das crianças, já que não tinham um local para estudar que fosse próximo às suas residências. Em 1967, por meio de uma ação conjunta dos moradores e do vereador Odair Viegas, a unidade recebeu um prédio novo e mudou para o atual endereço, com o nome de Grupo Escolar São Manoel. Mais tarde, passou a chamar-se Escola Estadual de Primeiro e Segundo Grau Dr. José Carlos de Azevedo Junior, que atualmente é municipalizada. As crianças do São Manoel participam também de programas como o “Tempo Todo” e a “Escola

Mesmo com muitas dificuldades, adolescentes e crianças buscam um ensino melhor

da Família” durante a semana e também aos sábados e domingos. Em conversa com esses alunos sobre o ambiente escolar, as opiniões são divididas. Para P.S, um dos garotos mais extrovertidos da turma, a escola era muito boa, mas muita coisa mudou depois que voltou das férias. “Era legal, tinha mesa de pingue-pongue, quadra de vôlei e tudo o mais. Mais depois que colocaram grade, me sinto preso.” Já para N.S, de seis anos, P.H, de dez, e J.B, de oito anos, estu-

dar no São Manoel é muito bom. E nenhum deles tem qualquer queixa referente ao local e também às atividades complementares. Porém, os pais dessas crianças têm algo para se preocupar. É que a escola não comporta o número de crianças do São Manoel, o que faz com que a maioria vá para unidades de outros bairros. Isso acaba levando os adolescentes a desistir das aulas e as crianças menores vão deixando de estudar logo no início de sua vida edu-

cacional. Em contato telefônico com a escola, foi esclarecido que não faltam vagas na unidade escolar Dr. José Carlos de Azevedo Jr. Sobre a lista de espera, uma queixa constante dos moradores, é para o Maternal II. A funcionária admite que esses alunos em fila de espera ficam sem estudar. Já para a Educação Infantil, e as séries primeira, quarta, quinta e nono ano há vagas disponíveis, de acordo com ela, que não quis

se identificar. A Unidade Municipal Escolar do São Manoel, apesar de todas as dificuldades, ainda dá uma chance para os alunos com idade acima de 16 anos e que pararam de estudar. Há no período noturno o Educação de Jovens e Adultos (EJA), uma única alternativa para quem não quer sair do bairro, ou que teve que parar de estudar para trabalhar, outra realidade do Jardim São Manoel. Os moradores esperam que no próximo governo, os vereadores e o novo prefeito Paulo Alexandre Barbosa possam dar uma atenção maior ao bairro, principalmente para as áreas da educação e da saúde que precisam ser de qualidade. Afinal, ambas, são indispensáveis para a formação de um jovem saudável para o trabalho. Mesmo com tantas reclamações, dificuldades e a falta de infraestrutura – que é visível em uma visita ao colégio-, a única unidade escolar do bairro resume o esforço em dar uma educação de qualidade para as 900 crianças e jovens do São Manoel, que estão em busca de um futuro melhor.

Sonhos motivam a vida infantil Murilo César As crianças que hoje moram no Jardim São Manoel são como todas as outras: vivem de sonhos e brincadeiras. O ponto de encontro para a diversão é onde eles passam a maior parte do tempo, no colégio, onde existe um programa da Prefeitura chamado “Escola Total” que amplia o tempo de permanência dos alunos das unidades municipais de ensino, em atividades nas áreas de cultura, artes e esportes. Apesar de todas as dificuldades encontradas em suas casas, é possível ver nos rostos destas crianças aquele sorriso que sabemos ser verdadeiro, risadas de inocência e gargalhadas que só elas podem proporcionar. Jeandro Bianquini Santos de Oliveira, de 8 anos vive, com seus pais e três anônimos

irmãos (durante a conversa ele não se recordou do nome deles), e tem como seu maior sonho ser um grande jogador de futebol .“Gosto muito de jogar bola com meus amigos. Quando crescer, quero jogar no Santos e ser bom igual ao Neymar”. Depois de uma boa conversa e uma rápida batida de bola no pátio da escola com Jeandro, sentamos juntos à mesa para ver como estava o nível nas disciplinas básicas da escola. O resultado foi positivo. “Gosto muito de Português e Matemática. As professoras são legais e tenho boas notas”. Filho único e com um grande sonho, Nicolas de Oliveira, de 6 anos, é um menino surpreendente. Com um grande pontecial de entreter quem está por perto, esse pequeno menino tem como sua princi-

raphael rinaldi

Crianças brincam e contam seus sonhos de criança e desejos por um futuro melhor

pal ambição, e ao mesmo tempo diferencial, ser um grande jogador de basquete. Com pouco mais de um metro e meio, Nicolas sonha alto quando o assunto é a bola laranja “Meu grande sonho é ser jogador de basquete. Jogo todos os dias com o meu pai em casa”. Por não serem transmitidos jogos de basquete em tv aberta, e

sem a possibilidade de ter canais por assinatura, Nicolas desconhece muitas coisas em relação ao esporte “Eu não sei as regras (risos). Sei que tenho que acertar o aro. Também não sei o nome de nenhum time ou jogador”. Independentemente de seus sonhos serem realizados ou não, as crianças do Jardim São Manoel já vivem a rea-

lidade de serem especiais, pelo fato de enfrentarem todos os dias as complicações de uma comunidade. Infância prejudicada? Talvez. Mas, a verdade é que certas estão elas de não esconderem os seus sorrisos, não deixarem em de lado a vontade de brincar e, principalmente, nunca desistirem dos seus objetivos com ou sem apoio.

EDUCAÇÃO

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Jardim São Manoel

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Bairro bom de bola arquivo pessoal

Renan Fiuza No país do futebol, milhões de brasileiros são apaixonados pela tal da “bola”. Os craques em sua grande maioria, oriundos das periferias, desfilam seus talentos pelos gramados do mundo. Porém, essa paixão vai além. Muitos não chegam a ser profissionais. Jogam por amor ao esporte. No Jardim São Manoel não é diferente. Conhecidos em festivais e competições do futebol da várzea, o Associação Amigos Futebol Clube Vila São Manoel, criado em 17 de maio 1998, faz bonito e é respeitado por onde passa. O elenco conta com aproximadamente 25 jogadores e as partidas são realizadas aos domingos. Os atletas amadores se dividem entre a dura rotina do trabalho semanal e se rendem ao prazer das “peladas” aos finais de semana. Ao todo, são mais de 30 títulos, um feito para poucos. Por trás de tantas conquistas há um responsável, Genivaldo José da Rocha, mais conhecido como Barba. O ilustre morador do bairro nasceu em Alagoas e veio para Santos com 17 anos. Morou em outros lugares da cidade, mas encontrou no São Manoel o seu destino. Já são 33 anos de dedicação à comunida-

Com 25 jogadores amadores, o time do Jardim São Manoel é respeitado por onde joga

de. Durante esse período, viu nascer seus dois filhos, progrediu na vida, foi presidente do Esporte Clube São Manoel (até então o único time do bairro). Porém, alguns problemas na direção fizeram com que abandonasse o seu ex-clube. Anos depois no ponto de encontro dos boleiros, o famoso Bar do Barba, comércio que construiu há mais de 15 anos, resolveu voltar para o seu grande amor. “Em 1998, o bar estava cheio, juntei uns amigos e resolvi montar um time. Comecei a catar uns jogadores. Tinha “nego” que não jogava há cinco anos,

mesmo assim saímos pelos campinhos da várzea”. De elenco formado, havia agora um problema. O time não tinha nome. ”No começo todo mundo dava uma ideia. Um colega criou o escudo, mas não gostei dos nomes sugeridos. Então, tive que decidir. Para mim, futebol é amizade, sugeri Associação Amigos Futebol Clube Vila São Manoel. Todos aprovaram e desde então não paramos mais”. Como fundador e dono da carteirinha de sócio número um, ele cuida de tudo. Marca jogos, sua esposa lava os uniformes, planta e aterra o gramado

do campinho e foi o responsável pela construção do novo “estádio”. “Fui até o representante do bairro e disse que precisava de um novo campo. Ele então me apresentou os responsáveis pela prefeitura. Foi um longo caminho, mas consegui. Hoje temos um lugar nosso para mandarmos os jogos. É difícil nosso time perder em casa. Para ganhar da gente tem que suar muito”, brinca. Com aproximadamente 1,65 de altura, pernas tortas, falador e com muito fôlego, Barba é um velho conhecido do futebol de várzea na região. No auge dos seus 56 anos, ainda

Esportes

Gilda Lima

Uns querem mudar. Outros preferem ficar Thamires Rodrigues Há doze anos, em 2000, o IBGE divulgou uma pesquisa dizendo que o número de moradores do Jardim São Manoel era de 3,504. Passados 10 anos, em 2010, o IBGE renovou o censo e divulgou uma nova pesquisa, que dizia que o número de habitantes havia passado para 4.553. Mas, em meio a tantos problemas, por que a população do bairro só aumenta? Algumas respostas para esta pergunta podem ser obtidas com um simples perfil dos moradores. Samantha Souza, 26 anos, é vendedora de um shopping em Santos e conta que mora no bairro desde pequena. Há dois anos, ela se casou e teve que continuar no lugar, pois não encontrou possibilidade de residir em outro lo-

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cal devido aos altos preços dos aluguéis dos imóveis. A vendedora diz que apesar de sentir vontade de se mudar para outro bairro, ultimamente está tão cômodo morar ali por causa da proximidade de sua família, que ela até esqueceu os problemas e acabou deixando de lado a ideia de mudança. Ela ainda conta que tem uma filha de dois anos e que sua mãe é quem cuida da criança enquanto trabalha, por isso a importância de morar no mesmo lugar que a família. Já com Maria Aparecida dos Santos, 53 anos, a história é completamente diferente. Casada e com três filhos, é cabeleireira e conta que todos os dias utiliza o ônibus do bairro para ir ao trabalho. Atualmente, paga para trabalhar, pois têm a condução todos os

aguenta jogar uma partida inteira e se for preciso, fica para o próximo jogo. Sua posição preferida é no meio-campo, mas se faltar alguém, quebra-galho até como goleiro. Para ele, o resultado não importa. O fundamental é a cerveja e o forró pé-de-serra após a brincadeira. “Quando o jogo é em outra cidade, alugo um ônibus e vendo uma rifa com os lugares. O dinheiro que sobra, compro carne e cerveja para a festa. Levo também o sanfoneiro de Cubatão, Nego Camarão, para fazermos um forrozinho. A farra vai até tarde. É uma delícia”. O fundador do Amigos do São Manoel diz que não sai do bairro por nada desse mundo. Encontrou por lá, dentro da sua simplicidade e com muito trabalho, a sua felicidade. “Adoro esse lugar, aqui tenho tudo que preciso. Não troco o São Manoel por nenhum local de Santos, nem o Gonzaga. Só saio daqui para o caixão”. E, bem humorado, faz um convite. “Quem tiver um time e quiser marcar um jogo, é só aparecer no bairro e conversar comigo. Se precisar, levo meus meninos para outras cidades. Só cobro uma coisa: boas risadas e uma caixa de cerveja”, ri. E aí, quem vai encarar?

Tranquilidade é marca registrada no núcleo, fato que atrai muitos moradores que gostam de viver no local

SOCIAL

dias e isso sai bem caro no fim do mês. Mas, ela diz que o serviço dela é a paixão de sua vida, então não largaria por nada. Seu marido é caminhoneiro e vive fazendo entregas por todo o Estado.

Seus filhos são adultos e cada um tem seu trabalho, mas ela completa dizendo que sua família está sempre reunida. Diferentemente de Samantha, a cabeleireira diz que nunca desejou sair do

São Manoel. Ela conta que mora há 14 anos no local e foi morar no São Manoel devido ao elevado custo de vida dos outros bairros. E afirma saber de todos os problemas, mas não deixaria mais o bairro por nada.


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Jardim São Manoel LUCIANA MOHALLEM

Igreja da Graça de Deus, no Jardim São Manoel, atrai uma grande quantidade de adeptos, mesmo localizada em uma área de difícil acesso

Abençoados e unidos pela fé Thamirys Teixeira

O Jardim São Manoel é um bairro de fé. Dentre as diversas religiões, é difícil encontrar uma pessoa que não seja adepta a uma ideologia ou crença. São espíritas, católicos, messiânicos, evangélicos e pentecostais da umbanda e candomblé. Embora com uma população visivelmente dividida entre as que moram em lugares urbanizados e as que vivem em estado precário, quando se trata de religião a grande maioria se junta em função da fé. A religião evangélica é a predominante. Ao chegar no São Manoel, existem duas igrejas: a Assembleia de Deus e Jardim de Oração. Os jovens têm sua participação na igreja, mas a maioria dos fiéis ainda são adultos e idosos. Dentre esses adeptos está Maria das Mercedes Sou-

za, mais conhecida como dona Jesus. Maria Inês congregou por oito anos na igreja Assembleia de Deus, porém hoje frequenta a igreja Jardim de Oração. Segundo ela, o número maior de fiéis ocorre aos domingos, variando entre 30 e 40 pessoas. De modo geral, todas as igrejas do bairro têm muitos adeptos, que buscam interagir e evangelizar quem ainda não tem religião ou não está satisfeito com sua fé atual. O catolicismo também tem suas fortes bases. Quando o bairro começou, a religião era predominante, mas com o passar dos anos ficou em segundo lugar. Elizabete Serrão Moço Barros da Silva é moradora do bairro há 19 anos, 12 dos quais trabalha como agente de saúde. Mente aberta, não vê problema

em frequentar a igreja do marido, mesmo este sendo espírita. Elizabete comenta que sempre que pode vai às missas e é muito apegada à fé. A doutrina espírita também tem seus adeptos. Dentre os mais assíduos está Arnaldo Silva Pereira, 68 anos. É fundador do primeiro e até então único centro espírita do bairro, o “Centro Espírita Recanto da Paz Francisco de Assis”. Estudante da doutrina, o fundador do centro organiza palestras e movimentos de solidariedade. A instituição funciona oficialmente (com registro no cartório) há quatro anos, mas o conhecido “seu Arnaldo” realiza o trabalho há mais de 30 anos. Começar seu trabalho de paz não foi fácil e exigiu muito tempo. “Há 30 anos eu comecei com dificuldades. Não tínhamos

carro para fazer os trabalhos de caridade e não havia qualquer referência espírita no Jardim São Manoel. Hoje, conseguimos crescer espiritualmente e também melhorar nossa estrutura com o centro.” As religiões da umbanda e candomblé também são praticadas no bairro, porém por não terem um lugar fixo para serem praticadas, não puderam ser ouvidas. Os messiânicos no São Manoel, mesmo pouco comuns, existem em um número notável. Apesar da sede da igreja messiânica ter fechado há alguns

RELIGIÃO

anos, os fiéis continuam seguindo a religião, porém tendo que se transportar para bairros mais distantes como Gonzaga ou Campo Grande. A religião é espiritualista e tem raízes orientais. Seguem a ideologia do mestre Meishu Sama e suas preces giram em torno da troca de energia. Maria Ivoneide Genucie Araújo é seguidora há 21 anos. Católica de nascença posteriormente se encontra na religião messiânica. Ivoneide recebia ocasionalmente cerca de 20 pessoas em sua casa para praticar a religião.

O Respeito

mútuo

Foi comum entre as religiões a atitude de respeito ao próximo. Não se importando com suas divergências, todos os credos demonstram sentimentos de paz e solidariedade, principalmente quando se trata de pessoas de outras crenças.

Igreja Messiânica se reúne em casas L uis V arela Entre as diversas crenças no Jardim São Manoel, é possível encontrar desde as mais tradicionais, como o catolicismo até aquelas menos expostas, como é o caso do candomblé. Todas possuem rituais únicos, porém nem todas são necessariamente praticadas dentro de ambientes específicos. Assim é o caso da religião messiânica, que chama a atenção. Originária do Japão, a filosofia hoje acumula aproximadamente 103 mil seguidores no país, entre eles Maria Ivoneide Genucie Araú-

jo, também conhecida como Dona Ivoneide. Seguidora por mais de 21 anos, ela explica que sua religião é baseada em princípios espiritualistas, consistindo “em uma troca de energia” entre pessoas. Dona Ivoneide afirma o quanto sua vida melhorou, tanto em termos financeiros e de saúde, após conhecer a ideologia e aprender a demonstrar mais gratidão. “Sempre gostei de coisas do Japão, acho que em outras vidas fui oriental”, ela brinca. Um dos diferenciais da religião, afirma, é a facilidade de aceitar diferentes crenças.

Católica de nascença, Ivoneide explica que encontrou-se na crença criada por Meishu-Sama, representada por uma medalha, Ohikari. Segundo ela, o objeto transmite luz entre os fiéis, mas não deve ficar exposta na maior parte do tempo, ou até mesmo ser tocado por outra pessoa que não a dona. O local possui aproximadamente 20 seguidores, os quais se reuniam regularmente em uma casa, até que esta foi fechada. A partir daí passaram a se reunir dentro de suas casas, assim como em diferentes centros espalhados pela Cidade.

Confira os endereços das igrejas Messiânicas em Santos: Aparecida: Rua Januário dos Santos, 171 Aparecida Campo Grande: Avenida Senhor Pinheiro Machado, 635 - Campo Grande Gonzaga: Rua Prey Presgrave do Amaral, 241 - Gonzaga Jardim Santa Maria: Rua Carlos Caldeira, 284 - Santa Maria Santos: Rua Bahia, 138 - Gonzaga Vila Mathias: Avenida Conselheiro Rodrigues Alves, 481 - Macuco

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Jardim São Manoel

Oportunidade de emprego divide opiniões no São Manoel GILDA LIMA

Raphael Rinaldi

O desemprego ainda é um problema sério que tem de ser resolvido no País. Muitas pessoas não têm a oportunidade de arrumar um bom emprego por falta de estudos ou de qualificações que o mercado de trabalho exige. Há casos em que esses fatos acontecem devido às pessoas não terem uma boa base escolar, ou então, ter interrompido cursos para poder sustentar a casa ainda quando muito jovem. Esse cenário não é diferente no Jardim São Manoel, embora não haja uma pesquisa formal. “Há várias pessoas desempregadas e com muitas dificuldades. Muitos

Alguns moradores do bairro obtêm renda vendendo material descartado para o ferro velho

são analfabetos, consequentemente têm problemas para arrumar uma vaga no mercado de trabalho”, explica Regiane Ciprian, assistente social na comunida-

de. Ela disse também que a comunidade não tem um plano para que isso seja resolvido. “Temos muitos problemas ainda. Seria muito interes-

sante se alguém da Câmara Municipal nos ajudasse. Isso traria muitos benefícios”, completou. Mas há também moradores satisfeitos com seu emprego.

Há comércio, mas faltam alguns produtos e serviços

Lucas Martins

Mesmo com a variedade de locais para a compra de produtos, as pessoas que moram no Jardim São Manoel estão insatisfeitas com o que é oferecido por esses estabelecimentos. Entre os diferentes tipos de comércio, estão lojas de roupas e de conveniência, um supermercado, uma farmácia e três quitandas. Segundo alguns moradores, os estabelecimentos deveriam oferecer mais. “Queria que o mercado ti-

vesse mais variedade de produtos”, diz Adeilma dos Santos, de 17 anos. Elisabete Serrão Moço Barros da Silva, agente de saúde e moradora do bairro há anos, reclama também dos preços vendidos no supermercado. “Você encontra o básico, mas é mais caro”, conta. Ainda segundo Elisabete, na única farmácia do bairro há falta de medicamentos. “Você não encontra nem genéricos”, relata. Para ela, no Jardim São Manoel deveria haver também

Ednaldo da Silva Andrade, no bairro há 25 anos, tem um mercado e está contente com seu trabalho. “Não tenho do que reclamar. Esse tempo todo nunca tive problema algum. Aqui é tudo de bom, o local é bem frequentado e o pessoal é tranquilo”, disse o vendedor. Ele é natural de Sergipe, veio para Santos para uma melhor oportunidade de emprego. “Penso em ficar mais um tempo aqui e depois voltar para minha terra”, enfatizou. Ednaldo não é o único satisfeito com o emprego. Na comunidade, principalmente no trecho mais urbanizado, a maioria das pessoas é empregada, felizes com seu emprego, acredita Regiane. MATHEUS JOSÉ MARIA

É possível ganhar dinheiro com a venda de produtos usados, como geladeiras e freezers

um Caixa 24 horas, já que para fazer o mais simples procedimento no banco os moradores têm que se deslocar para outros locais. Proprietário de uma quitanda, Ednaldo da

Silveira Andrade conta como é ser dono de um estabelecimento no bairro. “O movimento é mais ou menos, mas dá para sobreviver”, diz. Como morador ele

acha que no local deveria haver mais do que um açougue, pois para alguns esse estabelecimento fica longe e é difícil carregar as compras na mão.

Negócios em família, uma receita de sucesso gabriel tedesco

Há 15 anos estabelecido no Jardim São Manoel, a Lanchonete e Minimercado Maneco’s é o comércio que está há mais tempo funcionando no bairro. Segundo o gerente do estabelecimento, Luiz Antônio dos Santos, o segredo é manter o negócio em família. “Quem dei-

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xa tudo apenas na mão de empregados não tem garantia de que o serviço será bem feito”, afirma o gerente. Para ele, que viu inúmeros pontos comerciais abrirem e fecharem as portas, esse é o grande diferencial para que se tenha uma empresa duradoura. “Nesses comércios que passaram por aqui a gente

não via essa gestão familiar”, lembra Santos. Outro fator importante para o sucesso do Maneco’s foi ouvir a população, pois a partir do fechamento da outra padaria que havia no bairro, os moradores ficaram órfãos do tradicional pãozinho. “A gente trabalha mais com bebida e o pessoal começou a cobrar.

Foi quando conhecemos o representante de uma padaria do Morro da Nova Cintra, que nos ofereceu pãezinhos para revendermos”, conta o gerente. O negócio deu tão certo que tempos depois o próprio representante acabou abrindo uma padaria no bairro. “Ele me perguntou se teria pro-

COMÉRCIO

blema e eu disse que tudo bem”. Os dois, hoje, dividem a clientela do bairro. “Tem espaço para os todos”. É assim, com o clima amistoso de uma cidade do interior, que a vida segue no Jardim São Manoel. “Eu não penso em sair daqui não, acho muito gostoso, pois todo mundo se conhece”, reforça o satisfeito Luiz.


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Associação reivindica melhorias para o bairro RAFAELLA MARTINEZ

João Gabriel Suaed Presidente da Sociedade de Melhoramentos do Bairro, Edimilson de Almeida Duarte,o Didi, teve seu mandato renovado por mais 4 anos. “Sou responsável por toda mudança que o bairro teve nesses últimos anos.” diz ele. Didi defende a necessidade da demolição da única escola do bairro por uma nova unidade que atenda o Ensino Médio, além da ampliação da creche. Na saúde, ele quer lutar por uma unidade de saúde 24hs igual a do Morro da Nova Cintra, já que o pronto socorro mais próximos fica no Jardim Casqueiro, em Cubatão. A associação pretende atuar na parte do saneamento básico no caminho São Manoel e

Didi foi reeleito por mais 4 anos

diminuindo o número de acidentes. Também reclama a falta de berçário e o numero pequeno de vagas na creche, acarretando as mães transportar seus filhos para bairros vizinhos e até para zona leste da Cidade. Neste mandato, ele pretende fortalecer a representatividade do bairro Atendimento às crianças é uma das áreas onde a associação pretende atuar junto à prefeitura e câmaRua João Carlos da Sil- munidade, ampliando a Outra questão refere- ra. “Eu conheço o bairro, va. Visando atender as possibilidade para uso -se às vias de acesso de pois fui criado aqui” afirma crianças e o lazer da co- em dias de chuva. entrada e saída do bairro, Edimilson.

Centro Comunitário é referência para famílias Carla Monteiro O São Manoel é um dos bairros mais afastados da Zona Noroeste. Composto por uma área urbanizada com casas, escola, bares e padarias. E outro trecho habitado em meio ao mangue, onde as moradias são construídas sobre palafitas. Esse cenário torna-se perigoso para as crianças, principalmente. Shirley Leite Leão Santos é chefe no Centro Comunitário há cinco anos. Formada em Administração, Magistério e Pedagogia, é funcionária da Prefeitura de Santos há 16 anos. Seu objetivo era atuar na Secretaria de Educação, mas acabou entrando na área social. Trabalhou durante 11 anos no serviço de Proteção Especial, que retira as pessoas das ruas leva-as para um abrigo e ajuda na emissão de documentos. “Eu fazia um plantão de seis horas por dia. Era bem complicado porque eu não via retorno”. No Jardim São Manoel, ela gosta muito do trabalho que exerce. “Aqui eu me dôo muito porque consigo ver um retorno das

NICOLE SIQUEIRA

ações”. O serviço prestado pelo Centro Comunitário proporciona um ambiente saudável. Para os frequentadores, não existe diferença entre os moradores das duas regiões do bairro (uma mais urbanizada e outra sobre o mangue). “Esse tema é bem trabalhado com as famílias que participam das atividades”, ressalta Shirley. Duas vezes por semana, o local recebe as crianças para que elas possam brincar. “Regastamos brincadeiras como corda e vai-e-vem. É o resgate do ato de brincar“. Oficinas de artesanatos também são oferecidas, além de reuniões de pais, grupos, passeios e oficinas. O objetivo é fortalecer o vínculo familiar. Quando o projeto foi implantado um número aproximado de 300 crianças foi cadastrado. Hoje com o programa Escola Total, da Prefeitura de Santos, onde as crianças passam o dia no colégio em período integral, o número de cadastrados no centro caiu para perto de 70. Um problema relatado por Shirley é voltado para a falta de pessoas quali-

ficadas. “Antes tínhamos ajuda dos brinquedistas, hoje esse pessoal faz falta. Temos apenas um operador social”. De acordo com ela, os problemas do bairro não afetam o seu trabalho. Reuniões e festinhas em datas comemorativas atraem as famílias. “É um bairro acolhedor, o Centro Comunitário é uma casa. As pessoas passam na rua e têm vontade de entrar. E o bairro está bem melhor, pois temos farmácia, padaria, restaurante, campo e quadra. Essas melhorias só acrescentam no nosso trabalho”. Já pensando no próximo ano, Shirley e sua equipe estão traçando novas metas. O nome do projeto passará para Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculo.As famílias que são cadastradas no CRAS (Centro de Referência e Assistência Social) serão encaminhadas para o Centro Comunitário. “Queremos continuar a trabalhar com as famílias e mostrar a importância do vínculo familiar”, conclui Shirley.

SOCIAL

gilda lima

O centro comunitário oferece diversas atividades à comunidade

Espaço para todos Mayara Pisciotta

O Centro Comunitário é um espaço de lazer e aprendizado para os adultos e adolescentes da região. No local, são realizadas aulas de crochê com a vó Francisca , bordado com a vó Rosemary, pintura e culinária. Além dessas atividades, há também uma brinquedoteca que fica à disposição das crianças. Tanto os moradores da área urbanizada como os de outros pontos participam das atividades. A maioria dos jovens prefere fazer o curso de culinária, mas outras aulas como as da vó Francisca e da vó Rosemary também são procuradas pela comunidade. “Os adultos frequentam os cursos junto com os jovens”, conta Evelise de Oliveira frequentadora do lo-

cal há três anos. Todos podem participar das atividades, ressalta Evelise. Para se beneficiar das aulas é necessário um cadastro no Centro de Referência (CRAS). Atualmente, a Prefeitura de Santos tem seis CRAS. O endereço do centro que atende o Jardim São Manoel fica na Alemoa, na Marginal Anchieta, 218. O telefone para contato é 3203-5258 ou 3203-1909, e o funcionamento é de segunda a sexta-feira, das 8h às 17h. Informações podem ser obtidas no site da Prefeitura de Santos (www.santos. sp.gov.br). Já o Centro Comunitário fica à Rua Professor Francisco Meira,104, e funciona de segunda a sexta. Informações 32916267.

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Jardim São Manoel

“Nós somos o B13”, diz Mc Thim GOOGLE MAPS

Localizado às margens do Rio do Bugre, o São Manoel abriga moradores que buscam um futuro melhor e condições para enfrentar as adversidades

Luciana Mohallem O conceito do B13, bairro fictício no filme homônimo francês onde distritos são isolados pelo governo com a construção de muros para diminuir a criminalidade, começa a fazer sentido quando se atravessa a estreita e precária ponte erguida sobre o manguezal na Zona Noroeste de Santos em um sábado de sol intenso. O 13º Distrito é explicado por um dos personagens mais conhecidos do bairro, Mc Thim: “Nós somos o B13, aqui ninguém entra, ninguém sai, não tem banco, não tem correio, não tem nada”. O desabafo feito com a voz rouca – Thim tem um nódulo na garganta que o fez se afastar da sua maior paixão, os palcos – resume um pouco o cotidiano dessa comunidade, o Jardim São Manoel, que não chega a ser esquecido por quem vive na “praia”, pois sequer é conhecido por grande parte da população santista. Há apenas seis quilômetros do Palácio José Bonifácio, a comunidade suspensa em palafitas possui, curiosamente, geografia similar ao mapa do Brasil e, tal como este país de proporções continentais, abriga brasileiros de to-

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dos os tipos, raças, credos, talentos e sonhos. E foi neste cenário, entre o Oiapoque e o Chuí do Jardim São Manoel que Thim, na verdade Luís Mário, 33 anos, apresentou o bairro e sua cultura. “Aqui tem pagode, forró e até rock, mas o forte mesmo é o funk”, explica o Mc. O funk, trazido do Rio de Janeiro para Santos na década de 80, é, sem sombra de dúvida, o carro-chefe dos bailes da comunidade, que acontecem religiosamente às sextas e sábados no meio da rua, a céu aberto. Apesar de causar certo incômodo, as festas começam por volta das 23h e vão até o raiar do dia. Os bailes fazem parte da “agenda cultural” da comunidade. “É barulheira, a gente quer descansar, mas o pessoal quer se divertir, né?”, conta, de forma resignada, a moradora Evelise de Oliveira Silva. E como se divertem! Regados a muito energético e vodka, a preferida e quase unânime Smirnoff, a mesma encontrada nas “baladas” mais luxuosas da cidade, os amigos se reúnem, trocam ideias, namoram e recarregam as energias para a próxima semana. Basicamente o que qualquer outro jovem da parte nobre da cidade costuma fazer. A

diferença é que no Jardim São Manoel, por motivos óbvios, os sonhos são para hoje. Mas a diversão também acontece durante o dia. Os churrascos nas tardes de sábado espalhados ao longo do Caminho de São Manoel são fartos em pagode e cerveja. “Aparece lá daqui a pouco, começa às duas!”, convidam animadas as moradoras Zilda e Sônia. É comum também, aos finais de semana, com sol a pino, os moradores irem buscar refresco não na praia, mas nas cachoeiras próximas a Cubatão, como Quilombo e Perequê. “Chega a dar 5 mil pessoas, tem bar lá dentro. Teve até show do Calcinha Preta. Quase não vou à praia, lá é bem melhor”, empolga-se o Mc ao fazer a comparação. Thim mora no bairro há 17 anos. Estudou até a 7ª série e tem três filhos: Jhade, 14, Kauan, 5 e Luís Maurício, de 1 ano e 9 meses. Batalhador, além de músico, é cabeleireiro, ofício que aprendeu com o antigo parceiro de composições, o “Bebelo”, no final dos anos 90. Atendendo diariamente no pequeno salão próprio, cujas proporções (4m x 2m) permitem a instalação de um sofá e uma TV, Thim conta que há pouco tempo conseguiu

um novo “bico” com instalação de tubulação elétrica em um dos empreendimentos imobiliários da cidade. “A inspiração vem de casa”, revela o Mc ao ser indagado sobre a origem de tanta disposição para o trabalho. “Minha mãe era cuidadora de idosos, inclusive, cuidou da mãe do ex-governador Mário Covas, além de trabalhar todo dia na cafeteria do Cine Roxy. A situação foi apertando e nós tivemos que nos mudar do Marapé para cá”, completa. Com sorriso nos lábios e brilho nos olhos, Thim conta sobre os bons tempos de turnê nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Bahia e Rio Grande do Sul. “Conheci muito lugar, muita gente. Fazia seis shows por semana. Era muito gostoso”. A realização profissional como músico também facilitava a vida do Mc: ele faturava em cada show, em média, R$ 2 mil. Apesar de ainda receber por direitos autorais de composições interpretadas por Mc’s famosos como Naldo e Buchecha, Thim teve que se afastar profissionalmente dos palcos por causa do nódulo na garganta. “Meu sonho é consertar essa voz, porque conhecimento e vontade eu tenho de sobra. É morrer

Cultura

tentando”, diz. O repertório de Thim é composto em sua maior parte por charm e funk melody, vertentes românticas do funk, sua especialidade. “Também já fiz “proibidão”, mas esse nunca gravei”. O cuidado do músico com o “proibidão”, músicas com referências ao tráfico e violência, tem uma justificativa bastante plausível. Em dois anos, quatro Mc’s da Baixada Santista foram assassinados. Todos amigos ou conhecidos de Thim. “Duda, Primo, Careca e Boladão, tudo molecadinha morrendo. Neguinho tentaram duas vezes e não conseguiram”, diz o Mc. Questionado sobre sua segurança, ele fala: “No começo até pensei em fugir daqui, mas aí pensei ‘fugir pra quê ?’. Não devo nada a ninguém.” Por último, o Mc deixa um recado para quem está do “outro lado do muro”: “Lembrem da gente, tem muito trabalhador aqui, a gente precisa de oportunidade”. O pedido de Thim, em meio às campanhas políticas das eleições municipais 2012, soa desesperançoso. Lá no fundo, ele sabe que o B13 e seus personagens vão continuar afastados da realidade dos santistas e governantes.


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Jardim São Manoel

Bairro tem projetos sociais da iniciativa pública e privada Matheus José

Natália Nikitin O Jardim São Manoel dispõe de poucos projetos oferecidos pela Prefeitura de Santos. Melhorias e serviços são ofertados por ONGs e pela própria população local. O bairro possui uma Sociedade de Melhoramentos que, juntamente com o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculo (SECON), órgão municipal, disponibiliza aos moradores atividades esportivas, de artesanato e brincadeiras para as crianças. O Instituto Ecofaxina, organização não governamental voltada às atividades de educação ambiental, incluindo a limpeza de manguezais e projetos educacionais para crianças e adolescentes, também desenvolve atividades no São Manoel. Desde 2011, o instituto tem parceria com a Associação de Moradores e Amigos do Caminho União, que realiza o Programa Turma Ecológica – Rumo Certo. São aulas de reforço escolar e Educação Ambiental para crianças de 6 a 14 anos. A cada seis meses, são realizados mutirões de limpeza das áreas de mangue do bairro, onde se localizam as palafitas. Moradores e voluntários se mobilizam para retirar plásticos, vidros e outros materiais recicláveis. A Coordenadoria de Proteção à Vida Animal (CODEVIDA), em parceria com a ONG Defesa da Vida Animal, realiza periodicamente projeto de castração de cães e gatos diretamente no bairro. As organizações utilizam-se da UME José Carlos de Azevedo Júnior, deslocando um centro cirúrgico móvel para a realização das cirurgias nos animais. O serviço é gratuito e é necessário levar o animal em jejum de água e comida, pelo período de 12 horas anteriores à castração. Quanto às atividades na área da Educação, o São Manoel possui parceria com o Governo do Estado pelo programa Escola da

A coordenadoria de Proteção à Vida Animal realiza projetos de castração de animais do bairro

Família no colégio do bairro. Lá, as crianças e adolescentes podem brincar e realizar atividades monitoradas por funcionários da prefeitura ou estudantes do ensino superior. O Projeto Bom de Nota, Bom de Bola, que é uma parceria entre a Prefeitura e a Associação Pró-Esporte e Cultura (APEC), sediada em Ribeirão Preto, possui representante no São Manoel. Mycaelle Conceição Santos, de 13 anos, da Escola José Carlos de Azevedo Júnior, participa do projeto. “Eu já jogava futebol no Portuários e agora jogo com os meus amigos da classe”, diz a estudante. O programa atende crianças de 7 a 14 anos, matriculadas nas escolas públicas de Santos, oferecendo gratuitamente futebol para os garotos e vôlei para as meninas. As aulas acontecem uma vez por semana. Programas socioassistenciais são oferecidos para a população do Jardim São Manoel por meio do Centro de Referência da Assistência Social Alemoa (CRAS). O Programa de Atendimento Integral à Família (PAIF) e o Ser-

SOCIAL

viço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos. Ambos disponibilizam ações dos Programas de Transferência de Renda, tais como o Bolsa Família, Renda Cidadã, Ação Jovem e os municipais Nossa Família e Bolsa Santos. Para Carlos Roberto Ribeiro, chefe de seção do CRAS Alemoa, os programas integram as pessoas da comunidade, que viabiliza trocas culturais e de vivência entre elas. Isso fortalece os vínculos familiares e sociais, incentivando a participação social, o convívio familiar e comunitário. “Quando não conseguimos realizar algum serviço por aqui, encaminhamos a pessoa para outros órgãos da Prefeitura, todos com acompanhamento por nossa equipe”, explica Ribeiro. No bairro, são 4.553 moradores em 1.318 domicílios atendidos pelos programas do CRAS. Não existem projetos culturais ou de incentivo à música, dança e folclores locais. O bairro carece de um espaço voltado às atividades de desenvolvimento artístico de crianças, jovens e adultos.

Expectativa por cumprimento de promessas Mayara Sampaio Todo ano eleitoral é assim: caminhadas pelo bairro e comícios para angariar mais votos, cartazes pendurados nas casas, santinhos distribuídos pelas ruas... A disputa política também se fez presente no Jardim São Manoel. E como em qualquer outro bairro de Santos, problemas que ainda carecem de solução se estendem por anos. Afinal, o que os moradores podem esperar da gestão do novo prefeito da Cidade? O critério de Nicelça Souza Dória, dona de uma sorveteria no bairro, é relativamente simples: votar em quem já fez algo pela população. O asfaltamento das ruas é um dos motivos que a levou a escolher seu candidato. “Para mim, tem que mostrar serviço. E quando o político me mostra que é realmente

capaz e passo a confiar nele, faço campanha junto e convenço todo mundo que conheço. Precisamos nos motivar mais com a política local”, afirma. Já a falta de abordagem por parte dos candidatos em tratar de problemas específicos do Jardim São Manoel é um grande obstáculo para o exercício pleno e consciente do voto. “A ampla vantagem do Paulo Alexandre Barbosa me fez procurar saber mais do seu plano de governo, mas senti que o tema saúde, por exemplo, deixou a desejar. Quero saber definitivamente o que ele pretende fazer para melhorar o atendimento da região.” Essa é a opinião do aposentado Damião da Conceição, de 48 anos. E ele completa: “Tenho experiência de vida. Quem promete, não faz nada relevante mesmo.” E existem aqueles que

não se identificam com o plano de governo de qualquer candidato. E que não vêem mudanças realmente significativas eleições após eleições. “Eu só voto porque é obrigatório. Tenho 52 anos e não acredito que as coisas vão melhorar”, desabafa a aposentada Antônia Alexandrina de Santos. Ela venceu um câncer há 6 anos, mas sentiu na pele as condições precárias de atendimento e tratamento da rede pública. “Tive que pagar um plano de saúde, que estava além das minhas condições financeiras. Superei, mas agora vejo que político nenhum resolverá a situação.” Campanhas políticas voltadas à Zona Noroeste incluem melhoria de habitação, transporte público eficiente, rede de esgoto tratado, segurança, educação de qualidade, dentre outros fatores. Mas para

GERAL

Mayara Sampaio

Em ano eleitoral, ruas ficaram repletas de cartazes

Antônia, ano de eleições é sempre a mesma coisa para o Jardim São Manoel. “Assim que esse perío-

do passa, some todo mundo, sem dar mais as caras por aqui. Fica difícil confiar que algo vai mudar”.

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Jardim São Manoel

Iê: perseverança e humildade Gilda Lima

Carol Kobayashi Paulo Cesar Xavier tem 43 anos. Conhecido como o Iê, mora há 20 anos no bairro. Trabalhador e esforçado, há nove anos encontrou no local uma forma de renda e sustento: a reciclagem. Após quase dez anos de trabalho registrado, Iê ficou desempregado: “Eu trabalhava em uma empresa portuária, mas fui mandado embora. Então eu peguei gosto pela reciclagem. Gostei e não quis mais mudar. É o trabalho que sustenta minha família. É com honestidade, um trabalho digno. Vamos ver o que dá”. Iê trabalha com sucata, papelão, mas seu forte é o plástico. Sua coleta é feita somente no bairro. “Se eu tiver uma condição melhor, eu saio para pegar em outros lugares”. O reciclador recebe a ajuda de três pessoas que reco-

Iê não perde o otimismo em nenhum dia de trabalho à frente da sua central de reciclados

PERFIL lhem matérias para ele em todo bairro. Ele compra o que for coletado e revende para empresas. Segundo ele, consegue-se juntar três ou quatro mil quilos de plástico por

mês. “É pouco. Em outros ferros velhos, eles tiram por dia sete a oito mil quilos”, explica. Ele conta que seu trabalho é feito em meio às dificuldades, embaixo de

sol e de chuva. Uma prensa o ajudaria a ter melhores condições para trabalhar: “Meu sonho é vender reciclagem para São Paulo. Gostaria de ter minha prensa, que eu creio que

vai chegar no momento certo. Aí, eu me levanto um pouquinho, também dá para pagar melhorzinho para eles, para eles sustentarem a família deles também”, explicando sobre os funcionários que o ajudam. Esperançoso, tem projetos para tentar expandir seu trabalho. Há também um propósito de fazer um barco para pegar plástico no mangue. “Eu vou arrumar uns madeirites e vai ser quadradinho na ponta. Vai ser largo, vai ter quatro metros por dez. Limpar o mangue é a minha intenção”. O que Iê nunca perde é perseverança e o otimismo. “Eu creio que vai dar tudo certo. Eu creio em nome de Jesus, eu creio no nome do meu Deus, a primeira coisa é por Deus na frente, depois as coisas... Não podemos dar um passo maior que a perna. Eu peço e sempre coloco Deus na frente.”

E já foi ponta esquerda dos bons... Rafael Correia Quem visitar o bairro e perguntar pelo Paulo César Xavier, provavelmente receberá uma resposta negativa. O motivo? Ninguém nos arredores sabe quem é. Mas basta perguntar pelo Iê que todos o conhecem e indicam onde mora. O apelido só não é mais simples do que o próprio dono. Portador de uma simpatia desmedida e de um sorriso fácil, Iê é o responsável por boa parte da reciclagem do São Manoel. Há cerca de nove anos no ramo, Iê acumula não só os materiais que são os produtos do seu trabalho. Ao longo desse tempo, ele conseguiu agregar também o respeito dos moradores do bairro e o misto de carinho e saudade que os seus amigos nutrem por ele. Saudade? Sim. Segundo Genivaldo José dos Santos, o Barba, Iê foi um dos melhores jogadores de futebol que o bairro já apresentou nos gramados. Morador antigo e muito respeitado no local, Barba conta uma de suas lembranças preferidas de Iê: “Uma vez fomos jogar longe daqui. Havia uma falta para o nosso time e quem foi para a bola? O Iê! Ele bateu com

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tanta força, mas com tanta força, que quando o goleiro pôs a mão na bola, ele deslocou o braço. Saiu do jogo na hora. O negão (Iê) era problema!”, diz Barba. Questionado se ele era realmente um bom jogador, Iê, depois de um sorriso tímido, afirma: “Eu sempre fui grandão. Os adversários me viam na ponta esquerda e achavam que eu não corria, que não tinha habilidade. Eu gostava. Deixava todo mundo para trás e fazia os meus golzinhos”. Paulo Cesar já não pisa nos gramados há 14 anos. Mas não é por conta da idade ou por falta de saúde. Com 43 anos, ele esbanja vitalidade. Trabalha todos os dias, e como ele mesmo diz, mantém a forma desta maneira. A razão por nunca mais ter entrado em campo defendendo as cores do E.C. Jardim São Manoel nem outro time qualquer é uma promessa que o canhoteiro mais querido do bairro fez em um momento de dificuldade. O filho de Iê, Jonathan, nasceu com megacólon (dilatação anormal do intestino grosso) e necessitava de uma cirurgia reparadora. Iê relembra o episódio

e reproduz a sua fala como se estivesse há 14 anos: “Na primeira operação não deu certo. Na segunda não deu certo e na terceira não deu certo. Aí na quarta eu falei: ‘Senhor, eu tenho uma proposta em mente. Se o Senhor pegar meu filho agora nessa quarta vez, se der tudo certo, eu deixo o que eu mais gosto de fazer nessa vida... e o que eu gosto é de jogar bola, então eu deixo, Senhor’”. Por mérito da ciência ou pela fé de Iê, a quarta operação foi realizada com sucesso. “Quando veio o propósito com Deus, deu certo!”, diz o pai emocionado. Quando era mais jovem, Paulo Cesar recebeu um convite para uma peneira (seletiva) em um time do interior de São Paulo. Mas segundo ele, a chance de se tornar um profissional nunca aconteceu de fato, pois não tinha quem investisse em sua carreira. “Tinha rapaz levando o filho com carrão... e eu com a minha chuteirinha de R$ 40. Nem me deixaram fazer o teste”. Passados 14 anos da promessa, Iê relembra de uma das suas maiores ale-

rafael correia

Uniforme que Iê não veste mais há mais de 14 anos

grias: “Depois que eu virei evangélico, não participei mais de nenhuma brincadeira no campo, churrascada, essas coisas. Mas agora penso em jogar no veteraninho. Eu acho que não é pecado. É que eu fiz o propósito com Deus, mas acho que se eu se voltar Deus entende (risos)... Que dá vontade, dá!”.

Saudosismos à parte, Iê continua com os seus afazeres na reciclagem. Agora, não mais como o jogador que tinha o carisma dos companheiros e que causava medo aos adversários, mas ainda como o pai de família que se esforça em um serviço pesado e não perde o sorriso no rosto diante das dificuldades.


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O “homem do pão” alimenta o amor ao próximo Jéssica Santos

Passar por diversas dificuldades e poder encontrar forças para ajudar a quem precisa definitivamente não é para qualquer pessoa. “Um sonho que mudou a minha vida” é como Arnaldo Silva Pereira, um aposentado de 68 anos, define a sua vida em relação ao trabalho beneficente que faz para as pessoas que mais necessitam. Morador do bairro desde 1967, Arnaldo, ou melhor, o “Homem do Pão”, como é conhecido pelos moradores, tem diversas histórias para contar. Nascido no interior da Bahia e criado na roça, nasceu com um problema: a visão do olho direito. Para aprender a ler e a escrever, caminhava todos os dias sete quilômetros para chegar até a escola que se localizava em outra cidade. Aos dez anos, quebrou o braço direito e passou a ser chamado pelos amigos de ‘bracinho’ e ‘olho torto’. Contudo, todos os apelidos

Gilda Lima

A história desta família daria um livro. Um daqueles cheios de luta e amor de uma família que apesar das dificuldades mostra que a união e respeito dentro de casa são essenciais para que se tenha força e fé para continuar. Ângela é casada com Iê há mais de 10 anos e sempre teve uma admiração e respeito pelo marido. Mesmo com todas as dificuldades que têm passado na vida, ela nunca saiu de perto dele e sempre esteve presente na vida dos filhos. O sustento da família nem sempre veio do ferro- velho. Iê trabalhava em uma empresa portuária em Santos, porém as exigências do mercado fizeram com que ele não se encaixasse aos novos padrões estabelecidos. Foi então que ele resolveu pegar o dinheiro que recebeu da empresa, montar um ferro velho e trabalhar com produtos recicláveis para continuar sustentando a família. Quando Ângela conheceu Iê, ela já tinha duas filhas, hoje uma com 21

nunca abalaram a força de vontade desse homem. Aos 21 anos, foi morar com uma tia que residia em São Paulo, passando por tratamentos médicos para tentar melhorar a visão, não obtendo sucesso. Voltou para o Nordeste. Tinha uma prima que morava na Baixada Santista e Arnaldo veio para Santos, onde casou e teve os seus dois filhos. Um belo dia, Arnaldo, que é kardecista, teve um sonho. Uma pessoa aparecia e dizia: “Meu irmão, levante-se desta cama, vá fazer o que você tem que fazer e deixe a sua saúde, porque dela eu cuidarei”. A partir desse momento, passou a ser voluntário no Centro Espírita Menino Jesus, localizado no mesmo bairro. Nos dias de quarta e domingo, o trabalho era abastecer o carro da instituição com verduras, legumes e roupas. Passavam com o veículo pelo bairro para ajudar as pessoas carentes. As cinco horas da manhã, recolhiam pães doados

em quase 30 padarias da Cidade. Atuou como voluntário por 25 anos. Depois alugou uma casa e criou o Centro Espírita Recanto da Paz. Alguns amigos ajudavam a pagar o aluguel, mas quando não dava, Arnaldo tinha que tirar o dinheiro sozinho do próprio bolso. Antes do proprietário do imóvel morrer, ele doou a casa para a instituição, pois acreditava no trabalho que realizavam de amor ao próximo. Após saber do trabalho de Arnaldo com os que mais necessitados, um empresário, que não quer ser identificado, resolveu reformar e construir uma nova sede. Um prédio com três andares. Até que o novo espaço ficasse pronto, alugou uma casa para que a instituição fosse abrigada por um período. Segundo Arnaldo, esse empresário foi um anjo de Deus que apareceu em sua vida. A previsão para a nova sede é de oito meses. O empresário também

doou uma caminhonete para que pudessem ser distribuídos os pães, pois antes tinha que pegar o carro de amigos emprestado. Atualmente, há 15 padarias que o ajudam. O “Homem do Pão” não recebe ajuda de qualquer órgão público, apenas de amigos que veem o trabalho que ele faz. Possui diversas agendas com tudo anotado, como a entrada e saída de recursos da instituição ao cadastro de todas as famílias que recebem ajuda. Esse trabalho não fica apenas no Jardim São Manoel, mas se estende a várias favelas de Santos e conta com a ajuda de alguns amigos. “Vejo diversas pessoas com saúde não se preocuparem em ajudar ao próximo. São pessoas pobres de espírito. Faço esse trabalho com maior prazer, alegria e satisfação. Dedico à minha vida ao próximo”, diz Arnaldo. Para receber ajuda, a única exigência é fazer um cadastro com o nome

Perfil

União de uma família por dias melhores

Gilda Lima

Fundo da casa onde o casal vivia antes de aterrar: um lar de sonhos, amor e esperanças

anos, que já tem uma filha de cinco meses, e a outra com 18 anos. Juntos eles tiveram mais três filhos. O mais velho deles nasceu com um problema de Megacólon Congênito (Uma anomalia caracterizada por obstrução parcial ou completa do cólon associada à ausência de células ganglionares intramurais). O

o menino passou por sete cirurgias ao total para que fosse realmente solucionado o problema, mas até isso acontecer a luta pela vida do filho e o sustento da família foi enorme. Mesmo grávida, ia trabalhar no ferro-velho e depois que os filhos nasceram também foram ajudar na reciclagem. As crian-

ças traziam o material do lixo do bairro e da beira da maré, para que fossem separados e vendidos. A irmã e a mãe de Ângela também ajudam quando podem no ferro velho. As crianças hoje pouco ficam, pois o trabalho é proibido pelo ECA (Estatuto da Criança e Adolescente). Mas o que fez mesmo

e o endereço. Aos domingos e às quartas-feiras, a instituição colabora com a doação de mais de 2 mil pães, depois há palestras sobre espiritismo, doação de roupas e leite para as crianças com até dois anos de idade. Uma vez por mês é entregue cesta básica para as famílias. Arnaldo diz gostar de morar no Jardim São Manoel. “Assim como todos os lugares também possui problemas”. Mas acima de tudo é feliz naquele lugar. A principal dificuldade enfrentada é a mão de obra, pois diz que muitas pessoas querem levar vantagem em tudo. “Querem pegar as coisas e levarem para casa ou só querem ajudar por dinheiro”, comenta o aposentado.“Ajudamos sem demagogia e vaidade, só com o trabalho de caridade e amor ao próximo. Religião para nós não importa. Sou espírita, porém ajudo todas as religiões sem preconceito”.

Ângela mudar de vida foram as doenças que estava pegando e as humilhações que passava da vizinhança. “As pessoas riam de mim, foi então que resolvi procurar outro trabalho”, conta. Ela pegou hepatite, teve uma gravidez de risco e desenvolveu problema de pressão alta devido ao sol forte que pegava constantemente, pois o terreno onde se encontra o ferro velho não é fechado e sempre passava mal e era levada ao hospital. Hoje, ela trabalha de doméstica em uma casa de família, durante três vezes por semana, mas já trabalhou com o marido na reciclagem e já sofreu muito com essa situação. O preconceito das pessoas e a falta de estrutura no local onde trabalhava eram muitos, e a saúde de Ângela não suportou tanto estresse. “Não gosto de lembrar muito deste tempo. É muita luta. Eu sofri muito no ferro velho, mas tem gente que sempre nos ajudava”, comenta ao se lembrar da época quando trabalhava com o marido.

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Jardim São Manoel

Um brasileiro (muito) guerreiro Natasha Albert “Eu peço em nome de Deus que os jovens formem um projeto! Vocês podem se unir e levar a voz do nosso povo para as autoridades”, desabafa o líder da comunidade do Jardim São Manoel, João Manoel Líbero, 68 anos. Um brasileiro, como ele mesmo se definiu. Um guerreiro, um lutador, como é conhecido. Seo João mora no bairro há mais de 10 anos. Ele comprou seu pedaço de terra de outros moradores, que há décadas invadiram o espaço para conseguir um lugar para morar. Desde sempre solidário, a sua vida se confunde com trabalho e ativismo. Há 48 anos morador em Santos, seu trabalho não se limitou apenas ao bairro onde reside. Ajudou pessoas em outros locais carentes, próximos daquela região, como na Vila dos Criadores e no Vale Verde. Trabalha na Defesa Civil de Santos, onde pode exer-

cer melhor seu papel de lutar pelos direitos e ideais do povo do bairro. Considerado um dos líderes da Associação Dos Moradores e Amigos do Caminho da União, seu maior orgulho é lutar pela comunidade. Relembra de vitórias, como quando mobilizou ações para construção do encanamento de água para beneficiar a área mais pobre do bairro. Ele sente que tem um dever moral e cívico. Um exemplo de patriotismo e solidariedade, onde vê como obrigação pessoal. Ele tem dois objetivos norteadores em seus ideais: educação e os direitos da mulher. “Criar um posto médico mais próximo, valorizar as mulheres ‘guerreiras’ da comunidade, defender e lutar pela obrigação do governo de dar mais atenção à saúde da mulher são pontos em que todos da Associação vêm correndo atrás”, enfatiza. Para a educação, a associação está atuando em

projetos para a criação de creches e berçários. Isso se deve pela dificuldade que as mães enfrentam com longas distâncias percorridas para tentar conseguir uma vaga para seus filhos. A liberdade, os questionamentos, além da luta pelos direitos deixam seu João orgulhoso e feliz: “Amo lutar por essa terra, porém, dependemos do poder público para alcançar nossos objetivos”, diz. Seu João não tem medo de falar e mostrar seus projetos da comunidade. Atualmente, seu maior objetivo é lutar pela ponte Caminho da União para o Jardim Rádio Clube, facilitando o acesso para a Av. Nossa Senhora de Fátima e São Vicente. Esse é um dos problemas mais graves que o Jardim São Manoel enfrenta há anos. Em caminhada pela comunidade, o então candidato a prefeito de Santos, Sergio Aquino, conversou com Seo João: “Ele garan-

PERFIL

MATHEUS JOSÉ MARIA

Seo João sonha com projetos de melhorias para o bairro

tiu que se caso fosse eleito a prefeito de Santos, ele faria a travessia da União para a Zona Noroeste”. Isso não ocorreu, entretanto o prefeito eleito, Paulo Alexandre Barbosa, também visitou o bairro durante a campanha e conhece o problema. Contudo, não é preciso ser eleito para concretizar a ideia. Como o próprio líder afirmou, basta uma união das pessoas para alcançar vitórias. Os moradores não têm acesso rápido e fácil aos comércios para irem às com-

pras ou um pronto socorro. Além da dificuldade da travessia, eles ainda têm que pagar o transporte da barca, que custa R$ 1,75 cada viagem. “Eu sou a política da comunidade. Eu sinto o dever de insistir com vocês, jovens, para que levem a nossos direitos ao governo”, ressalta. “Nós lutamos pelo direito da periferia. Somos honestos, amamos essa terra e só queremos aquilo que temos por direito”, afirma, um guerreiro apaixonado pela comunidade onde vive.

Comunidade tem Anjo da Guarda LIA HECK

Vanessa Pimentel

Leonardo Gomes de Souza Ferreira, 31 anos, morador há 17 na comunidade Jardim São Manoel, em Santos. O bairro, localizado na Zona Noroeste, faz divisa com a Alemoa e é pouco conhecido na Baixada, por isso, está abandonado. As condições de moradia são precárias. Há poucas casas decentes, o resto são palafitas, que abrigam crianças e suas famílias. Quando chove, a maré sobe, junto com o forte odor do mangue, a lama se espalha e a situação se complica ainda mais. Cenas como essa atordoavam Leonardo. “Não deixavam minha filha entrar na escola porque diziam que ela estava muito suja, com os pés cheios de lama. Não achava que a escola estava errada, mas isso tinha que mudar”. Cansado de esperar pelo Poder Público e triste pelas crianças do bairro, ele decidiu agir. “A idéia veio da necessidade. Se eu não fizer nada, não me movimentar, isto vai continuar.” Em 2008, reuniu 4 pes-

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Leonardo: exemplo de superação e realização de sonho

soas: a esposa, o sogro, a sogra e Zilma, moradora da comunidade e voz ativa por lá. Criaram a União da Comunidade, uma espécie de instituição onde ele arrecada alimentos, fraudas, remédios e distribui às famílias mais carentes do bairro. Ela fica num pequeno espaço, onde era a sala da casa dele, atende qualquer morador que precise de qualquer coisa. Como o foco de Leonardo sempre foram as crianças, o primeiro evento realizado ocorreu no dia delas, em 2008. Para isso, foi atrás de parcerias com as empresas grandes que existem perto do bairro, mas não conse-

guiu apoio, pois não tinha nada para mostrar, além das suas palavras. “A imagem vale mais que a palavra e eu não tinha nada pra mostrar”. Então, tirou dinheiro do seu próprio bolso, fez empréstimo e a festa das crianças foi um sucesso. Fez tudo sozinho. Montou o palco, pendurou as faixas e pensou nas brincadeiras. Como gosta de correr, teve a idéia de um torneio dividido por idades. As crianças de 5 a 6 anos correriam 100 m, as mais velhas 300 m e assim por diante. Deu tão certo que as crianças não queriam mais parar de correr.

Ele trabalhava em um posto de gasolina, lugar onde, geralmente, clientes tornam-se amigos, o que não foi diferente com Leonardo. Um deles, “Jé”, é cameraman na Record e, em um dos bate papos, Leonardo contou sobre o projeto e a festa do Dia das Crianças, que estava planejando novamente para 2009. Jé se ofereceu para filmar o evento, levar a imprensa e tornar a festa conhecida, pois assim ele conseguiria mais ajuda para os próximos eventos. Jé foi apadrinhado por Leonardo como o “Anjo da Guarda” da instituição. Com a cobertura da imprensa na festa das crianças de 2009, a “União da Comunidade” ganhou força. As empresas ao redor vieram procurá-lo, como a Fórmula Truck, G-Log e Sigma, doações começaram a chegar e, além de tudo, Leonardo tem agora um material para mostrar as empresas, as tão valiosas imagens que fortaleceriam suas palavras na hora de pedir mais apoio, inclusive à Prefeitura. A União da Comunidade hoje funciona como uma ponte entre o bairro e os

órgãos públicos. Durante a semana é feito por Zilma e Patrí-c i a , esposa de Leonardo, u m monitoramento de casa em casa para verificar a situação das crianças. Além disso, a instituição oferece serviços como cópias de documentos, uso da internet para sites de serviço público, como o Detran, e monta currículos, tudo de graça. A próxima festa será no Natal, no dia 16 de dezembro, onde haverá a distribuição de 400 sacolinhas para as crianças do Jardim São Manoel e 50 para as da Alemoa. Ainda faltam muitas coisas, inclusive pessoas para ajudar com as sacolinhas, mas Leonardo terminou essa entrevista dizendo que a fé realmente remove montanhas, que não acredita na palavra “não” quando o trabalho é feito com amor e não por obrigação. Ele tem três filhos, aos quais, junto com a esposa, passa os valores e a responsabilidade de, se eles quiserem, continuarem com o trabalho dele quando partir desta vida.


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Jardim São Manoel

TCC confronta o real e a teoria GILDA LIMA

Mayara Barboza Buscar um tema para o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) não é uma tarefa fácil, porém, a convivência com uma realidade nada agradável levou o aluno do quarto ano de Jornalismo, Thaigo Costa, a sugerir aos seus colegas que fizessem um documentário sobre o saneamento básico ou a falta dele no bairro. Os alunos Luccas Moura, Igor Augusto Monteiro Silva, Thaís Moraes Macedo e Felipe Santos sempre desejaram trabalhar com a questão do meio ambiente e população. Ao conversar com biólogos, descobriram que, segundo o Instituto Trata Brasil, a cidade de Santos, em 2011, passou a ter 100% da sua área saneada. Foi aí que encontraram a deixa que precisavam e abraçaram a ideia do colega de classe. Em visita à comunidade, perceberam que a realidade em relação ao saneamento era outra completamente diferente. Em certas palafitas, o esgoto do banheiro cai diretamente no mangue. E então, resolveram unir o útil ao agradável e elaborar um vídeo sobre o núcleo, para mostrar que a realidade da pesquisa é bem diferente. De acordo com um dos integrantes do grupo, Igor Augusto, o objetivo do documentário, que possui cerca de 13 minutos é mostrar a vida da população que não faz parte da estatística, ou

Trabalho da Universidade Santa Cecíllia mostra o bairro pela ótica dos moradores MATHEUS JOSE MARIA

A comunidade pode falar sobre os mais diversos aspectos da vida do São Manoel

seja, a parte que não possui qualquer tipo de saneamento básico em uma cidade reconhecida, justamente, pelo oposto. “Nós não queremos apontar certos ou errados, falar que MAYARA SAMPAIO

a culpa é do governo ou das próprias pessoas que construíram suas casas no mangue. Nós queremos apenas contar as histórias delas”, afirma o aluno. Para conseguir reali-

zar o trabalho no bairro, o grupo participou de reuniões e conheceu algumas lideranças para ter acesso aos locais de gravação sem censura.”Inicialmente, fizemos pré-entrevis-

tas para definirmos os personagens com histórias mais relevantes. Após isso, iniciamos a parte de gravação, com as entrevistas propriamente ditas e as filmagens do bairro”, acrescenta Silva. Segundo Thais, o grupo quis mostrar a opinião dos moradores das palafitas. Ao todo, foram quatro entrevistados. “Quando vi o local, tive certeza na mesma hora que era ali que a gente deveria fazer o trabalho. Primeiro a gente não pensou em Santos, pois achou que talvez o município não tivesse tantas palafitas quanto Cubatão ou outras cidades da região. Mas foi muito chocante descobrir aquele outro lado santista. Eu nasci e sempre morei aqui e nunca tinha sequer ouvido falar do bairro”. A estudante ainda acrescenta que sentiu vergonha do Município onde mora após conhecer a comunidade. “Uma cidade tão cara como essa, com apartamentos de mais de R$ 1 milhão, a 5ª colocada no Índice de Desenvolvimento Humano no Brasil, ainda há uma situação como aquela. E o que é pior lá é um ranking que classifica Santos como a melhor cidade em saneamento do Brasil quando, na verdade, existem centenas de palafitas com gente jogando o esgoto direto na maré”. A orientação do trabalho ficou a cargo do professor Marcus Vinicius Batista e a apresentação do TCC ocorreu no início de dezembro.

GERAL

Líderes comunitários organizam festa das crianças Andressa Amorim

Há oito anos no Jardim São Manoel, exatamente na escola Dr. José Carlos Azevedo Jr., é realizada a festa do Dia das Crianças pelos líderes comunitários. Este ano, em 14 de Outubro, foram reunidas cerca de 800 crianças, que participaram de várias brincadeiras. A festa tem como uma das organizadoras uma das líderes comunitárias, Regiane Cipriano dos Santos. Ela conta que é

encaminhado um ofício para 17 empresas, com listagem de brinquedos, que são escolhidos a dedo para a realização do evento. Cada empresário escolhe quais dos brinquedos vão patrocinar. Essa transação é realizada por intermédio de depósito na conta corrente da entidade, para evitar possíveis dúvidas ou atritos. As comidas e bebidas da festa ficam por conta das mães da comunidade, que prepa-

ram e organizam quem fornecerá os produtos. Tudo é feito e arrecadado por elas. As empresas também dão uma ajuda de custo, sem valor estipulado, para o aluguel de brinquedos infláveis. Daiana Cristina, 20 anos, instrutora, conta que para fazer a recreação e cuidar das crianças no período da festa, os pais não participam. Ela é que tem o “poder” de entreter os pequenos durante o evento.

SOCIAL

Festas fazem a alegria das crianças do bairro

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Jardim São Manoel

Outro olhar sobre Santos

MATHEUS JOSÉ MARIA

Lia Heck Há dois meses atrás, mais ou menos, entrevistei o Neto, para o programa Espaço Unisanta, que é um laboratório de TV da Universidade Santa Cecília. Logo no início da nossa conversa, ele me disse: “Meu, tem que falar com o prefeito para arrumar a entrada dessa cidade. Um lugar tão bonito como Santos tem uma entrada horrível dessas?” Não entendi sobre qual ponto ele se referia, mas não entrei em detalhes e nem quis entrar nessa conversa, pois tinha pouco tempo para entrevista-lo e outras questões precisavam ser levantadas. Entretanto, a observação dele me despertou o pensamento sobre a beleza da nossa cidade. Santos é uma cidade muito bonita. “Eu nasci e cresci aqui. Gosto muito desse lugar”. Mas o que eu conheci foi uma Santos bem diferente da que encontrei quando pisei pela primeira vez no bairro Jardim São Manoel. A primeira coisa que pensei foi: não estou em Santos. Um lugar desconhecido para a maioria dos santistas. E ignorado pelos governantes. Daqui se vê o mar, mas não a partir de apartamentos luxuosos, construídos em frente ao maior jardim do mundo, e que valem cerca de 7 milhões de reais. Daqui se vê o mar nos barracos construídos em cima da maré. Para se construir uma moradia ali, além do material, paga-se a diária de quem faz o serviço. A casa sai em média 3 mil e quinhentos reais. Há quatro anos atrás, saía por mil e oitocentos reais. São utili-

Visão da favela entre os barracos construídos por moradores, que sonham em um dia sair dali para uma moradia digna

zadas vigas para a base e muitas vezes dormentes, que são aquelas madeiras maciças e resistentes usadas nas estruturas dos trilhos de trem. Insegurança Constante Juliana, de 24 anos, mora com os dois filhos na comunidade há dois. Ela conseguiu juntar dinheiro e comprou um barraco por 3 mil reais, na época. O local possui um cômodo pequeno, uma cozinha e um banheiro. Ao entrar, é inevitável não se chocar com o assoalho desgastado e com fendas por onde se vê a água do mar. Ela diz ter medo dessa situação de insegurança, mas não tem para onde ir. Desempregada, ela recebe apenas o bolsa – família e seu marido está preso.

Juliana disse ter procurado a Prefeitura e a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano para realizar o cadastro e tentar uma nova moradia, mas que até o momento nada conseguiu. Quando perguntei a ela o que pensava quando olhava para a própria casa, ouvi a resposta: “Sair daqui, né! Mas, sair pra onde?”. E, logo em seguida, vejo as lágrimas escorrerem de seus olhos azuis esverdeados, assim como o mar que corria logo abaixo de nossos pés. Muitos dos barracos não são cadastrados junto à Prefeitura. São o que chamam de “invasão”. Os riscos de acidentes nos locais são enormes. Ligações elétricas clandestinas e ausência de saneamento

básico são realidades. Evelise Sabino, moradora do local, conta que há aproximadamente quatro anos houve um incêndio que acabou com muitos barracos. Isso sem falar em afogamento. Ano passado, Rafaela, de 20 anos, perdeu o filho, que tinha apenas um ano e meio, afogado. Ele caiu do barraco em que morava a família e, apesar das tentativas de socorro, acabou morrendo. Andando pelo local, reparei em várias placas de “Vende-se”. Entrei num barraco à venda na rua principal, que é aterrada e possui asfalto. O lugar possui dois quartos, sala, cozinha e banheiro, feito de madeira, porém com piso frio. A moradora não soube informar a metragem, mas calculo que tenha de

OPINIÃO

Lixo e falta de saneamento básico causam mau cheiro e trazem riscos aos que vivem no bairro

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Lia Heck

50 a 60 metros quadrados. O preço, 50 mil reais. E claro, à vista e sem documentação regularizada. Visitei outra casa também construída na parte aterrada. Esta, porém, de alvenaria, dois quartos, o que chamamos de sobrado. O valor, 60 mil reais, e também sem documentação. Outro grande problema é o lixo. A quantidade de detritos que fica depositada entre as casas, boiando sobre a maré, é grande. O mau cheiro, também. É comum os moradores falarem do aparecimento de ratos. Não existe uma campanha efetiva de orientação quanto ao descarte dos resíduos, ou até de reciclagem. Foram muitas as percepções que tive daquela comunidade. Andei por ali vários dias e conversei com diversas pessoas. E apesar de notar que muitos possuem TV de LCD e pagam por assinaturas de canais fechados, e que ainda possuem computadores, a pobreza é muito grande. São muitas histórias a serem contadas. Um local que só é lembrado na época das eleições. Soluções precisam ser cobradas dos que estarão no governo pelos próximos quatro anos. Cobrança para que melhorias sejam feitas numa comunidade em que os moradores não precisem mais desabafar a mesma frase, quando questionados sobre seus sonhos de moradia: “Sair daqui!”.


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Jardim São Manoel

Choque Social Luciana Mohallem Adentrar a uma comunidade carente é uma experiência que todo cidadão que reside em bairros não periféricos deveria ter. Digo deveria porque não há como entrar e sair dali a mesma pessoa. Não, mesmo! Nada como uma palafita para estourar nossa bolha... A transformação se inicia logo nos primeiros passos, ao se realizar a passagem entre o bairro consolidado e o anexo vulnerável sobre uma ponte acima do mangue e esgoto. O choque cultural vem junto com o odor da falta de saneamento básico. É percebido de imediato. Localizado às margens da Via Anchieta, a comunidade não é distante do centro da cidade – em torno de seis quilômetros. Suas distâncias são outras. O chamado “Caminho de São Manoel”, parte frágil anexada ao bairro, é composto por uma única rua e dezenas de vielas e becos erguidos sem medo sobre as palafitas. Apesar de muitas construções, residências e estabelecimentos comerciais serem de alvenaria, a maior parte está sobre o mangue poluído com todo tipo de lixo. A sensação é que todas as garrafas PET do mundo foram parar lá. Difícil identificar ali onde come-

Rafael Correia

ça uma casa e termina outra. É surreal observar que naquele emaranhado de placas de madeira sob telhas de Eternit sobrevivem centenas de famílias. Como conseguem? Sim, eles conseguem. A rica estética da comunidade não é páreo para as histórias de seus moradores. Pais e mães de família, crianças, mães solteiras, idosos, comerciantes, donas de casa e líderes religiosos. Tudo junto e misturado. E todos se respeitando. Um valor em déficit na “praia”, assim chamada a parte rica da cidade de Santos. Nós somos observados o tempo todo. A primeira visita, realizada num sábado de sol escaldante, ficou marcada para ambos: de um lado, nós, os “forasteiros”, e do outro os “nativos”. Mas as diferenças começam a se dissipar por aí. Os sentimentos são os mesmos: curiosidade e receio. Nossa guia é a Evelise de Oliveira Silva. “Evelise com s”, ela diz logo de cara. Apesar de não se intitular líder, pode ser considerada sim, uma líder informal. Cheia de personalidade, me deu algumas broncas quando questionei se as Casas Bahia chegavam até as palafitas. - Claro que chega! Só porque é favela não vai vir?

Mal sabíamos que ela seria minha principal fonte e que conversaríamos por horas e horas, estabelecendo um vínculo até então improvável. Evelise é um doce e me afeiçoei imediatamente. Mostrou-nos toda a comunidade e seus principais personagens, frutos da dura realidade da vida sobre as hastes de madeira. Algumas cenas chamam a atenção mais do que outras, assim como ocorreu em nossa primeira incursão a um dos becos. Presenciar crianças brincando de esconde-esconde sob os barracos, em meio à lama e sujeira, dá um certo mal estar. Não somente pela situação, mas também por perceber que o ser humano se adapta a todo tipo de adversidade em nome da sobrevivência, mesmo tendo tão pouca idade. Ao observar a ingenuidade daqueles sorrisos em sua primeira infância, me pergunto se permanecerão fortes o suficiente para continuar a batalha ao longo da vida. De fato, o Jardim São Manoel proporciona reflexões sobre temas aos quais não estamos acostumados. Sabemos que existem, sabemos que podem estar logo ali, mas só temos contato via noticiários. E uma coisa é certa: a realidade não cabe em uma tela de 20 pole-

MATHEUS JOSÉ MARIA

Contraste: os primeiros passos sobre vigas e a antena de TV

gadas ou mesmo em uma primeira página. Como eu poderia, por exemplo, descrever com exatidão o contraste entre a falta de saneamento e as dezenas de antenas de TV por assinatura da Sky? Fui duas vezes à comunidade. Em ambas, fui uma das últimas a sair e um detalhe me chamou a atenção. Na primeira visita, assim que cruzamos

OPINIÃO

a ponte na volta, ouvi estouro de fogos, provavelmente para comemorar algo ou dar algum “aviso” de “barra limpa”. Na segunda vez, me atentei para ouvir novamente o estouro e nada. Nessa ausência, percebi agradecida que já tínhamos sido aceitos pela comunidade do Jardim São Manoel. Tão longe e tão perto da nossa “praia”.

O bairro na internet

O São Manoel não foi divulgado somente no jornal impresso do curso de Jornalismo da Unisanta. Este ano, a comunidade escolhida pode contar pela primeira vez com a integração de um áudio blog, um espaço disponibilizado na internet com áudios e vídeos das matérias produzidas. Sob a orientação da professora de Radiojornalismo, Valéria Vargas, cerca de 45 universitários visitaram e conheceram o local, podendo assim, repassar ao público o dia-a-dia e as pecu-

liaridades deste bairro, que normalmente não é evidenciado na Cidade. O blog Jardim São Manoel, assim como o Primeiro Texto Comunitário, é um projeto acadêmico sem fins lucrativos, e foi desenvolvido pelos alunos do 2º ano de Jornalismo/2012 da Universidade Santa Cecília. O projeto foi praticado durante os meses de setembro a novembro, e é destinado a fotodocumentários sobre o Jardim São Manoel. O material impresso será encaminhado ao prefeito e aos 21 vereadores eleitos em 2013.

Acesse o web blog do Jardim São Manoel: http://jardimsaomanoel.blogspot.com.br Moradores e visitantes podem conferir os fotodocumentários do blog na Internet

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Jardim São Manoel MATHEUS MARIA JOSÉ

Apesar de rica, Santos esconde palafitas ao longo do Rio do Bugre, que faz divisa entre os moradores do Jardim São Manoel, Rádio Clube e Castelo

À espera da igualdade João Diwan Ao entrar em ruas do Jardim São Manoel, o que se vê não é algo parecido com um jardim, porque o que compõe a paisagem não é um campo florido com grama verde. O que se sente é um mau-cheiro e a ausência de qualquer política pública parecida com a existente no restante de Santos. Se houver uma reflexão sobre essa realidade, em relação à propaganda do governo municipal sobre os projetos de revitalização de áreas públicas, nas praias, bairros e fachadas do centro antigo, fica logicamente evidenciado que a evolução socioeconômica ainda não foi apresentada, de fato, ao segundo bairro mais afastado do Município, competindo nos limites cubatenses apenas com a Alemoa, bem ao lado. Como viver em um bairro separado pela Via Anchieta e o Rio Casqueiro, sem ter um bom serviço de transporte coletivo? São poucas as linhas de ônibus que chegam até o Jardim

São Manoel. “Eu desisti de pegar o ônibus até o Rio Branco, voltei para cá, pois fiquei uma hora esperando no ponto”, desabafa Maurício Leandro de Souza, que mora no local há 16 anos. E ele completa, em tom de indignação: “Além de tudo, ‘asfaltaram’ o mangue e não fizeram calçadas. O povo anda nas vias, competindo no espaço com os carros e caminhões”. O homem procura a solução do seu próprio problema quando se vê sozinho e sem destino. Nestas duas últimas décadas, daria para contabilizar uma evolução socioeconômica “devagar quase parando”, porém progressiva. Será que é “graças a Deus”?! Mas, nem tudo é determinado por vontade divina. Brotou uma consciência de que algo precisava ser feito, de qualquer maneira. Se não houve a pré-disposição do governo para com a melhoria do bairro, a própria população local começou a tentar transformar o seu lugar num verdadeiro jardim, onde se possa mais do que brincar, viver.

Aos poucos, foram deixando o preocupante passado de mangue para trás, ao passo que cada um começou a lutar a favor do seu espaço e dos demais. Agora, a comunidade conta com a ajuda da Sociedade de Melhoramentos, uma entidade que faz a mediação entre os colaboradores, que hora ou outra ajudam financeiramente com eventos e melhorias naquela área de Santos. União faz a diferença Regiane Cipriano enfatiza a situação: “São os próprios moradores que fazem a diferença, motivados pelo instinto de sobrevivência. Antes, cada um tinha uma atitude. Agora, junto aos líderes comunitários, convocamos a comunidade para votar e discutir os assuntos, a fim de resolver os problemas da melhor maneira possível para todos”. A criação dos estabelecimentos comerciais é a chave do avanço. Segundo ela, devido ao comércio local, que cresce a cada dia, as pessoas preferem ficar em casa, no bairro, geran-

SOCIAL

Má distribuição da riqueza Uma pesquisa feita pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA), apresentada em 2011 ao Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), mostra como os pobres sofrem uma tripla injustiça, dentro das legalidades do sistema tributário - sendo a má distribuição da riqueza o fator principal. Segundo o levantamento, os 10% mais pobres do País gastam 33 por cento de seus rendimentos em impostos - enquanto que os 10% mais ricos pagam 23 por cento pelos mesmos tributos. Isso porque o valor pago é proporcional à renda do cidadão, tanto para os ricos, quanto para os pobres. Ou seja, os que possuem a menor renda acabam pagando proporcionalmente mais do que

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do renda com o seu próprio negócio. “Aqui, cada um faz algo que não seja igual ao comerciante próximo. Temos uma boa distribuição do espaço, em relação ao número de habitantes e comércios locais. Isso ajuda o vizinho que vende o pão e também ao outro, que vende a sacola”. Ela mora há mais de 20 anos no bairro e está lá antes de qualquer desenvolvimento: “Eu tomava banho na maré e catava caranguejo”. Há 18 anos, Regiane diz lutar pela melhoria de onde mora, trabalhando na única escola municipal do local. Também é representante da comunidade na Sociedade de Melhoramentos. A chefe de seção da Unidade Centro Comunitário, responsável pela área, Mônica Bertan, é assistente social e trabalha dentro do bairro junto à população. Ela confirma que os moradores se ajudam, se mantêm no que podem e o comércio que lá dentro existe faz com que o bairro seja um local que tem o bastante para fazer valer o conceito de comunidade com sociabilidade.

os ricos. Este imposto é cobrado tanto do produtor como do consumidor, independentemente da condição social do indivíduo. O ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) é o que mais causa essa distância entre os pobres e os ricos, causando um efeito social regressivo. A alíquota (percentual de tributo proporcional ao total da renda) fica, então, proporcionalmente menor quando a renda fica maior. Com isso, o rico gasta uma média de 5,7% proporcionais a sua renda gorda, enquanto um pobre deve arcar com 16% do total da sua respectiva “renda” magra. O outro fator desfavorável aos pobres está nos impostos diretos (renda e propriedade). Apesar de

Qualidade de vida A socióloga e professora de ensino superior na Universidade Santa Cecília, Maria Cristina Lopes, vê o conceito de cidadania aplicado à realidade no São Manoel. “A cidadania é o conjunto de direitos e deveres a que o cidadão está sujeito no seu relacionamento com a comunidade em que vive. Verificamos que os moradores do bairro estão organizando projetos sociais, preocupados com a qualidade de vida e fazendo cumprir o exercício da cidadania”, destaca a professora universitária. Segundo a socióloga, o projeto de melhoria socioeconômica desenvolvido pela comunidade possibilita a integração de seus moradores, proporcionando a solidariedade na forma de um comércio local, por exemplo. Essa atividade pode gerar emprego, propiciando um crescimento econômico com sustentabilidade, desenvolvendo assim um dos papéis principais do cidadão: gerar renda.

MATHEUS MARIA JOSÉ

ser menos corrosivo ao bolso, o Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) cobra os 0,5% proporcionais à renda dos mais pobres. Já, os mais ricos devem desembolsar de 0,6% a 0,7% do total, no mesmo IPVA. Para pagar o Imposto sobre Propriedade Territorial e Urbana (IPTU), a alíquota é de 0,4% mais barata para os mais ricos, em comparação ao tributo de 1,8% proporcionais ao total da renda dos mais pobres. Levando em conta os fatos e situações de ambas as partes, quem mora numa mansão paga menos do que o que reside na favela. Ou seja, o país precisa de um sistema tributário mais justo, pois não ter um serviço público equivalente para todos os cidadãos já é Um córrego de cascalho e água suja em meio às moradias muito desumano. (J.D.)


DEZEMBRO 2012

Jornal Comunitário

Jardim São Manoel

FOTOS MATHEUS JOSÉ

MARIA

Ensaio É a ponte que marca a fronteira das duas realidades do bairro Jardim São Manoel. A parte que fica antes da ponte é mais antiga, dotada de maior infraestrutura e se assemelha à um bairro periférico comum. Já o outro lado mostra uma realidade que muitos santistas não conhecem: a extrema necessidade. Esquecidos pelos órgãos públicos, os moradores sofrem com a falta de saneamento básico, aten-

dimento de saúde e escolar. Muitos já perderam bens e familiares na maré. O prejuízo moral e material é incompensável, porém os moradores sobrevivem à falta de assistência e batalham por um futuro melhor. Seja dentro ou fora da comunidade. Histórias de superação, de perda, de choro, de glória, de revolta... O misto de sentimentos que invade uma comunidade, que é cheia de vida. E cheia de vontade.

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