Experiência sonora na vila das feras “loucura é morar onde a gente mora” Eu estava no quarto com as janelas furadas Entrou pela porta a minha mestra A que ajudava nas compreensões E me lançou a nova: Estar em paz em meio ao barulho Quando vi, já estava, de novo, na velha cidade Parado na calçada e sozinho Passavam por mim aquelas pessoas Cinzas como nuvens e duras como pilastras Na pele os caracachos E missões diárias explosivas como a pólvora O estado de lagoa em que eu me mantinha titubeava Os traços, até então alinhados Formavam barrigas A cidade gritava Estridente Tentei não ouvir Me focar em outra coisa Procurei algum apito que me puxasse Alguma freqüência-salva arquivada desde as semanas na cabana Mas só havia um chiado mixuruca Formigal Me invadia de volta a cidade Com mais força Berrando na minha cara Pensei na velha rasteira De respirar, perceber os órgãos dentro da barriga E os intestinos aquietarem qualquer barulho Mas perto de todo o resto O macete minguou no nublo Na caixa cega Já estava desorientado, mergulhando na vertigem Quando me levou de volta a minha mestra Eu caído no chão de madeira, respirando fundo e o olho arregalado Ela me olhando paciente, sem dó ou desapontamento Respirando com calma me disse: Daqui a uns dias você volta Saiu andando Flutuando em seu vestido
A paisagem já era aquela Que eu gostava E em minutos já via tudo Como que por antenas Me lembrei de como era estar distante E só pensava em Ficar ali Caio Fabricius
comecei a sentir umas pontadas sei lá aonde, acho que na imaginação não quis marcar consulta pra saber mas achei que pudesse piorar procurei os sintomas na internet câncer, medo ou estresse
fiquei confusa e quase desisti foi quando li alguém dizer "acho que estou ficando louco" ah, bem! agora tudo faz sentido não era nada assim tão preocupante e o diagnóstico me dei às pressas: sofro de uma loucura constante mas antes que lotem o sanatório me auto-mediquei sem medo um poema-pílula a cada pesadelo
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minha loucura, por hora, é insana e, por ora, é sensata
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(isabella mariano)
a loucura navega na rua e é um carro uma borboleta uma tirolesa de dentro da cabeça nosso cerebelo é doido é um avião uma carroça desembestada um dirigível em que voamos as letras as cidades os prédios
pois não somos normais nem caretas demais nosso planeta é muito maior do que este ou aquele que todo mundo conhece e compartilha viraliza doravante doralice todavia nesta guia a que chamamos vida gostamos é de voar mucho locos no céu da boca da natureza
(Rafael Magalhães)
lugar-comum não somos marginais não somos naturalistas não somos parnasianos não somos simbolistas não somos modernos nem vivemos o mal do século nossa voz é o nosso eco e a escrita passa e fica nós somos homens
nós somos mulheres nós somos poetas nossa pílula é a poesia do dia seguinte (remédio para poucos) escrevemos torto em linhas retas para o deleite dos loucos
defenestrar as dálias
amar o amor e não a figura perseguir a flor e não o amante escolher a dedo e não à toa patologia romanesca é cultura (nem todo anel é brilhante) quem vende, compra
quem compra, não sente se o amor é consumo de loucura só tem culpa quem é inocente
(yasmin nariyoshi)
,com dois terços amarrados nos pulsos ela desce a rua subindo um sorriso do joelho até a cara trinca sequência de vinte cigarros em uma rua curta tem gosto de cereja e v ansiando pela próxima isqueirada senta no meio-fio com seis dedos ocupados os outros brincam com os fios soltos da meia sete-oitavos a hora a aperta e a esquina não produz ninguém pra ela chega outro quarto de hora vazio a calçada esfria ela acende o próximo espera que a lua nove essa semana mas não vai porque ainda faltam dez dias ela viaja a noite toda sozinha
ela acendeu porque só faltava um,
prosinha de geração descendo a rua da ladeira e só quem viu que pôde contar, lá, meiando um fio de cabelo torto essa menina de fazer girar me puxou por uma mão, com a outra mão atada e mo arrastando dois pés mas sem meia sola. difíceis os dias de ver a espera do samba que rebola, e sobe e desce. deita no colchão jogado maltrapilho no chão, coberto de lençol azul e ventilador enrolando-se-nos. ato ii é o caso de uma notícia lagrimada cheia de pudor e três receosos intervalos de "continua no próximo episódio". empaca. embarga. emplasto. os músculos doem, seu cabelo já não enrola mais, cortara curtinho demais. gracinha demais, sempre os sorrisos atemporais de catar as migalhas do meu caminho. veio a notícia. ela vem chegando. ela vem chegando. e feliz aflito vou esperando. a espera é difícil mas eu espero sambando. sonho com nossas brigas e acordo aliviado.
ato 3. um beijo.termina uma cortina sideral fechando a janela com bastante força de quebrar vidros e vidraças, usurpando nome de vento.
(j chagas)
-você é louca! Mas é nessa loucura que eu reconheço Minhas próprias neuras Meus complexos Minhas calhanices -você é louca! Mas é nos teus olhos Que espelha minhas perturbações Da alma, dos sentidos, dos espíritos -você é louca! E eu vou me encontrando Nessa nossa loucura De se machucar (Veriana Ribeiro)
entre a loucura sem volta e a realidade bruta nem sim nem nĂŁo muito menos mais ou menos sim e nĂŁo ao mesmo tempo a loucura infinda de ver a realidade de olhos nĂşs sem volta.
meus psicólogos tem versos meus psiquiatras tem estrofes meus remédios são poemas
(Eric Sia Mapurunga)
Dispersão Me faltou coragem de dizer bobagens, de acreditar nas miragens e vivê-las Busquei construir uma imagem, mas com pouca habilidade me perdi naquilo que já existia. Conclui por certo, Que não foi mera liberalidade, Nem tão pouco insanidade que me trouxe até aqui. Houve um pouco de loucura, mas também muita doçura pra fazer seguir. Sem saber aonde Sem saber porquê Andar sem perceber Perdido Na despretensão que é viver (Luciana Pianca)
Seiva Sangra Me pegue pelos olhos, cabelos e braços Me leve pra onde eu possa descansar sob o sol Todo esse mar de concreto e caos Enjaulam meus músculos como eles enjaulam os pássaros Quando o cérebro sangra é hora de embriagar o coração E você sabe que só o contato com a seiva me liberta Antes mesmo de me derreter pra dentro de onde mais pulsa Alguma fuga além de tantas promessas São poetas com agulhas nos dedos Toda essa situação inquieta que nos cerca Na escapatória perdida de quem todos são O meu extinto mais antigo e natural me beija Então eu bebo a bebida dos nossos ancestrais Vegetais mortinhos no supermercado. (Felipe Acácio)
Loucura da carne é achar que a pele é coração. É viver quando se pode sonhar. É correr quando se pode voar. Loucura de outros olhos nestes é o que se enxerga quando acredita que ver está além de perceber. É olhar com pupilas longas o que a lucidez já fez costume. É fazer o relógio da mente rodar além dos ponteiros 24. Loucura é acreditar que pode ser feliz. E ser. Sanidade é seca e seca. Só faz sobreviver. (Ariel Dantas)