Casa de Mãe

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Casa

de Mãe Ana de Santana )organização(

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de Mãe



Casa

de Mãe Ana de Santana )organização(

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Mulher, como você se chama? – Não sei. Quando você nasceu, de onde você vem? – Não sei. Para que cavou uma toca na terra? – Não sei. Desde quanto está aqui escondida? – Não sei. Por que mordeu o meu dedo anular? – Não sei. Não sabe que não vamos te fazer nenhum mal? – Não sei. De que lado você está? – Não sei. É a guerra, você tem que escolher. – Não sei. Esses são teus filhos? – São. (Wislawa Szymborska)



quando mainha me visita esquece seus cabelos por toda a parte como se fosse para eu não esquecer de me cobrir com o lençol perfumado pra me proteger do sereno da noite quando mainha me visita deixa seus longos e pretos e brancos cabelos mais em mim do que na casa os cabelos de mainha são oceanos inteiros de zila, de sophia, de iemanjá os cabelos de mainha guardam segredos como no mais alto mar da noite me enlinho pra tentar me proteger é com eles que me salvo dos afogamentos do mundo. (Thiago Medeiros)


Soleira da porta (abertura) Ana de Santana

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Teto e Chão: Amor Apenas (poemas reunidos) Ana de Santana

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Sumário Na Janela: Invenção da Verdade (testemunhos)

Da Casa: Feição e Fecho Praça Santina da Liberdade Ana de Santana

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Uma mulher de sim, sim, não, não Maria do Céu Souza Afonso

Ixtendendo roupa Suzana Medeiros

A alcoviteira Zé Arnaldo

Era uma vez um passarinho Ilane Cavalcante

Tudo em mais Anna Karlla Fontes

Casa camarim Liz Araújo

A landra Roberto Fontes

Uma mulher generosa Maria Eliziete dos Santos Dantas

Minha ideia de mãe Edilene Santos Monteiro

Minha irmã, meu exemplo Terezinha Medeiros da Nóbrega

Ensinança

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Tatyana Mabel

Fuxico de anjo Francisca Franca Maurício (Neném)

Rir é um remédio Vaneide Morais

Você não vale nada...mas eu gosto de você! Suerda Medeiros

Oxigênio do gesto Muirakytan Kennedy de Macedo

Amor de vó Maria Clara Fontes



abertura

Soleira da Porta Ana de Santana



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O

que é uma mãe? Talvez um rio, uma estrada, qualquer coisa que nos leve adiante. Ou, quem sabe, uma mãe seja tudo que nos alcança. Talvez um perfume no ar,

cheiro de bolo assando ou de feijão esturricado. Um olhar amoroso, outras vezes, tirano. Seria a mãe uma deusa acorrentada? Talvez seja um pássaro ferido ou apenas acostumado com a gaiola. Uma água represada, tipo barragem ou água de chuva aparada em baldes. Quem sabe uma árvore fincada no chão onde a plantaram? Tomara escape em frutas. Dizem que uma mãe conhece o maior amor do mundo. Mas é preciso parir para ser uma mãe? Não basta amar sem limites? Que eu saiba, amar e parir não são sinônimos. Uma mãe não se define pelos filhos que gerou no próprio ventre, isso é certo. Mas também é certo que é impossível definir uma mãe. Elas podem ser borboletas, centopéias, formigas, samambaias, cactos ou bicicletas, um copo com dentes e uma asa. As mães nunca são o que a gente pensa que elas são.

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Olhe sua mãe de novo, preste atenção no semblante, na cor das mãos, dos pés, dos cabelos. Com o tempo, as mães mudam de cor, entortam o corpo, inflam e podem flutuar feito balão. Pura camuflagem. Sua mãe e a minha são mutantes. Sua mãe e a minha mãe não são apenas nossas mães. São camaleões, como todas as mães. A minha, agorinha mesmo, aduba a terra, movimenta o lençol freático, ao mesmo tempo em que peneira estrelas e vira livro. Um amigo meu acha livro uma coisa tão maravilhosa que ele usa o termo para exaltar as qualidades de quem ama. Ele diz coisas como “você está tão livro hoje”. Pois é isso: minha mãe é um livro, sem deixar de ser também adubo, lagartixa, roda gigante, casa ou o que se queira imaginar. Menos lagarta, porque ela tinha mais medo desse bicho do que da fome. Minha mãe, neste livro, tem mais filhos do que imaginava. Certamente você tem muitas outras hipóteses sobre o que é uma mãe. Eu também tenho, mas agora que você chegou até aqui, não vejo a hora de atravessarmos a soleira da porta desta casalivro. As pessoas lá dentro estão reunidas em poemas, fotos, depoimentos. Pense que é dia de festa. Escute a música que toca no coreto da praça. Entre e fique à vontade, a casa também é sua.

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poemas reunidos

Teto e Chão: Amor Apenas Ana de Santana Amor apenas e tão plenamente que ama até a dor que se sente quando a mãe matéria presente pede passagem e se vai. (Christina Ramalho)

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Onde habita a poesia Na cabeceira da mesa, a mãe, invasiva como o cheiro do café e gorda de orgulho: – Minhas filhas são perfeitas! A mais nova, desdizendo a condenação: – Suas filhas, vírgula. De espanto, a mãe pergunta: – O que é vírgula? E a poesia atravessa a cozinha... Quem é poeta se alumbra.

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Mátria Na sala de aula tinha um globo e eu gostava de apontar onde eu vivia. A cidade era invisível de tão pequena. Então imaginava-me na esquina do país vendo o trânsito entre os continentes. Pegava carona nos navios e crescia mundano. No fim da tarde voltava Para descansar no colo da minha mãe.

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