TCC Fatima Viana | Na trilha de Jose Calzavara_12-11-2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE COMUNICAÇÃO TURISMO E ARTE - CCTA BACHARELADO EM ARTES VISUAIS

MEMÓRIA E POÉTICA: NA TRILHA CARTOGRÁFICA DE JOSÉ CALZAVARA

MARIA DE FÁTIMA DE ARAÚJO VIANA

João Pessoa Novembro/2018


MARIA DE FÁTIMA DE ARAÚJO VIANA

MEMÓRIA E POÉTICA: NA TRILHA CARTOGRÁFICA DE JOSÉ CALZAVARA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Bacharelado em Artes Visuais da Universidade Federal da Paraíba, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Artes Visuais. Orientador: Prof. Dr. Robson Xavier da Costa

João Pessoa Novembro/2018


MARIA DE FÁTIMA DE ARAÚJO VIANA

MEMÓRIA E POÉTICA: NA TRILHA CARTOGRÁFICA DE JOSÉ CALZAVARA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Artes Visuais da Universidade Federal da Paraíba, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Artes Visuais.

COMISSÃO EXAMINADORA

__________________________________________________________ Prof. Dr. Robson Xavier da Costa – UFPB - Orientador

___________________________________________________________ Profª. Drª. Maria Helena Mousinho Magalhães – UFPB – Examinadora Interna

______________________________________________________________ Prof. Dr. Luciene Lehmkuhl – UFPB – Examinadora Externa ao Departamento

João Pessoa, ______ de ______________de 2018.


DedicatĂłria

Aos meus filhos e netos, minha motivação para continuar aprendendo.


Agradecimentos

Ao Prof. Dr. Robson Xavier da Costa pela paciência e estímulo. Aos professores do Curso de Artes Visuais da UFPB por me apresentarem um mundo novo, mais bonito e colorido. Aos colegas do curso pelo carinho, pelas risadas e pelos cafezinhos de todos os dias. Aos meus filhos, pelo estímulo, pelo carinho de todos os dias, e pela ajuda na elaboração desta peça, principalmente no que diz respeito à parte gráfica. Aos meus irmãos pelo estímulo, especialmente a Kátia e Giuseppe, por me aguentarem.


LISTA DE IMAGENS Figura 1 - Plantas baixas de José Calzavara como se encontram atualmente - Acervo da Família – Fotografia da autora em out/2018 ......................................................................................... 11 Figura 2 - Tubos onde estão acondicionadas as plantas – Acervo da Família - Fotografia da autora em out/2018 ......................................................................................................................... 12 Figura 3 - Quadro com casulos e seda produzidos na Paraíba – Montagem de Calzavara – 1933 – Acervo da Família - Fotografia da autora em out/2018 .......................................................... 17 Figura 4 - Gorizia - Cidade italiana em ruinas na Guerra de 1914 – Acervo da Família - Fotografia de José Calzavara durante a Primeira Guerra ........................................................................... 17 Figura 5 - José Calzavara, Diretor do Instituto Sérico da Paraíba – Acervo da Família ...................... 21 Figura 6 - O agrimensor José Calzavara – Acervo da Família ........................................................... 22 Figura 7 - José Calzavara no Afeganistão – Acervo da Família ......................................................... 23 Figura 8 - Desenho de bois na Planta da Fazenda Linhares - Calzavara 1940 – Acervo da Família... 24 Figura 9 - Fazenda Jacu - Coite de Guarabira - Primeira colheita de casulos – 21/07/34 – Acervo da Família ................................................................................................................................. 25 Figura 10 - Cooperativa Serica de Serraria - Curso de especialização para mulheres – Setembro/1934 – Acervo da Família .............................................................................................................. 25 Figura 11 - Mapa de Piri Reis mostrando a America do Sul e Africa – Piri Reis 1513 (https://revistagalileu.globo.com) ........................................................................................... 28 Figura 12 - Arado na Planta da Fazenda Linhares - Calzavara 1940 – Acervo da Família.................. 29 Figura 13 - Desenho de touro na Planta da Fazenda Leitão - Calzavara 1942 - Acervo da Família .... 29 Figura 14 - Sítios na Praia de Lucena - Calzavara/1942 - Acervo da Família ..................................... 32 Figura 15 - Desenho equestre na Planta da Fazenda Gindiroba - Calzavara 1943 – Acervo da Família ................................................................................................................................. 33 Figura 16 - Fazenda Gindiroba – Calzavara 1943 – Acervo da Família .............................................. 34 Figura 17 - Legendas da planta Sítios na Praia de Lucena (ver Figura 14) ........................................ 37 Figura 18 - Carimbo em EVA - Acervo da autora ............................................................................... 38 Figura 19 - Acrílica sobre papel com carimbo em EVA – Acervo da autora ........................................ 38 Figura 20 - Acrílica sobre papel com carimbo em EVA - Acervo da autora......................................... 38 Figura 21 - Desenho de barco existente na planta dos “Sítios na Praia de Lucena” (Ver Figura 14) ... 39 Figura 22 - Matriz em papelão de sapateiro, inspirada em desenho na planta dos “Sítios na Praia de Lucena”. - Fátima/2017 ......................................................................................................... 39 Figura 23 - Gravura colorida sobre papel - Fátima/2017 .................................................................... 39 Figura 24 - Detalhes escolhidos na planta da Fazenda Pau Ferro – Acervo da Família ..................... 40 Figura 25 - Detalhe escolhido na planta da Fazenda Linhares - Acervo da Família ............................ 40 Figura 26 - Matriz em linóleo ............................................................................................................. 41 Figura 27 - Impressão em papel ........................................................................................................ 41 Figura 28 - Matriz em linóleo ............................................................................................................. 41 Figura 29 - Impressão sobre cortiça .................................................................................................. 41 Figura 30 - Legenda de mata encontrada em diversas plantas .......................................................... 42


Figura 31 - Mosaico .......................................................................................................................... 42 Figura 32 - Combinação .................................................................................................................... 42 Figura 33 - Foto aérea da cidade de Lucena – Google Maps/2015 .................................................... 43 Figura 34 - Aquarela da planta de Calzavara dos Sítios na Praia de Lucena – Fátima Calzavara/2015 .................................................................................................................... 43 Figura 35 - Planta dos locais da memória utilizando imagens e legendas de Calzavara - Fátima Calzavara/2017 - Nanquim em papel vegetal ........................................................................ 45 Figura 36 - Mesma imagem anterior – Cópia em papel com lápis de cor - Fátima Calzavara/2017 .... 46 Figura 37 - Mandala - Fatima Calzavara/2015 – Acrílica sobre tela.................................................... 47 Figura 38 - Recorte da planta da Fazenda Leitão, inspiração para as fotos das arvores .................... 48 Figura 39 - Fotografia da copa de árvore da Praça Rio Branco – Fátima Calzavara/2017 .................. 49 Figura 40 - Fotografia de arvore no Campus da UFPB – Fátima Calzavara/2017............................... 49


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 11 1.

2.

3.

CARTOGRAFIA E MEMÓRIA .................................................................................... 15 1.1.

Construindo Cartografias ................................................................................................ 15

1.2.

Memória Afetiva ............................................................................................................... 16

JOSÉ CALZAVARA ................................................................................................... 21 2.1.

O Agrimensor e sua Metodologia de Trabalho ............................................................... 22

2.2.

Contexto Histórico ........................................................................................................... 24

IMAGENS E PROCESSO CRIATIVO ......................................................................... 27 3.1.

Reflexões sobre o Processo Criativo de Calzavara ....................................................... 28

3.1.1.

Sítios na Praia de Lucena ........................................................................................ 30

3.1.2.

Fazenda Gindiroba ................................................................................................... 33

3.2.

Reflexões sobre meu Processo Criativo ........................................................................ 35

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 50 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 51


RESUMO Neste trabalho analisei a influência da obra cartográfica do meu avô, o engenheiro agrimensor José Calzavara, sobre a minha prática artística, no período em que cursei o Bacharelado em Artes Visuais na Universidade Federal da Paraíba (2013 a 2018). Para isso usei a abordagem da pesquisa qualitativa, analisando o acervo deixado por José Calzavara, que consiste em fotografias, artigos e um conjunto de mais de 60 plantas baixas com desenhos ilustrativos. Relacionei o acervo com as minhas produções artísticas na área de Artes Visuais, utilizando os conceitos de memória (LE GOFF, 1924 e HALBWACHS, 2006), cartografia (PASSOS e KASTRUP, 2015) e iconografia (PANOFSKY, 2009). O objetivo foi estudar no meu próprio processo criativo os aspectos artísticos e imagéticos de alguns trabalhos cartográficos do acervo de José Calzavara, usando como fontes primárias a consulta à documentação cartográfica com o apoio da minha memória e da dos meus familiares, criando minha própria cartografia a partir das referências visuais consultadas e com isso resgatar a iconografia da obra de José Calzavara.

Palavras-chave Cartografia. Memória. Imagem. Iconografia. José Calzavara.


ABSTRACT For this work I analyzed the influence of my grandfather’s cartographic work, land surveyor engineer José Calzavara, over my artistic practice, during the period in which I studied Visual Arts at the Federal University of Paraíba (2013 to 2018). For this I used the qualitative research approach, analyzing the collection left by José Calzavara, which consists of photographs, files and a set of more then 60 floor plans with illustrative drawings. I related the collection with my artistic productions in the area of Visual Arts, using the concepts of memory (LE GOFF, 1924 and HALBWACHS, 2006), cartography (PASSOS and KASTRUP, 2015) and iconography (PANOFSKY, 2009). The objective was to study in my own creative process the artistic and imagery aspects of some cartographic works of the José Calzavara collection, using as primary sources the consultation of cartographic documentation with the support of my memory and that of my relatives, creating my own cartography from the visual references consulted and with that to recover the iconography of the work of José Calzavara.

Key-words Cartography. Memory. Image. Iconography. José Calzavara.


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INTRODUÇÃO Ao iniciar o curso de Artes Visuais na UFPB, em 2013, e ser colocada diante da necessiddade de desenvolver meu processo criativo, me veio à memória as plantas topográficas elaboradas por meu avô José Calzavara, que fazem parte do acervo da minha família, e nas quais já havia observado ilustrações artísticas inseridas no trabalho técnico. Desde 2011 venho fazendo uma pesquisa sobre a vida e o trabalho de Calzavara como sericultor e a possibilidade de elaborar uma produção visual pessoal e criativa utilizando referências visuais de seu acervo gráfico, um material inédito que sempre esteve ao meu dispor e que sempre me encantara, foi de fato irresistível. Relacionei as Artes Visuais com os conceitos de memória, memória afetiva, cartografia e iconografia, por meio de revisão bibliográfica, de pesquisa no acervo da família Calzavara, e da minha produção visual, desenvolvida no decorrer do curso de bacharelado em Artes Visuais da UFPB, com diversas técnicas artísticas.

Figura 1 - Plantas baixas de José Calzavara como se encontram atualmente Acervo da Família – Fotografia da autora em out/2018

Iniciei o trabalho pela coleta das plantas baixas topográficas do meu avô, que estavam espalhadas entre os acervos privados de meus familiares, conseguindo reunir grande parte delas além de fotografias e equipamentos por ele utilizados durante o período em que trabalhou na Paraíba. Cataloguei as plantas classificando por data e localização, e as acondicionei em tubos de PVC guardando-as na posição horizontal uma vez que, por se tratarem de plantas elaboradas em papel vegetal e estarem por muitos anos guardadas na posição vertical, apresentavam grande


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desgaste nas suas laterais. Posteriormente mandei escanear todo o conjunto de plantas, garantindo a preservação da imagem. Algumas delas foram escaneadas apenas parcialmente por terem dimensões maiores que o scaner utilizado.

Figura 2 - Tubos onde estão acondicionadas as plantas – Acervo da Família Fotografia da autora em out/2018

Além do acervo, efetuei pesquisa bibliográfica e audiovisual sobre memória afetiva e sua influência nos processos de criação e utilizei o acervo documental, associado ao bibliográfico, pois além dos documentos existentes com a família, busquei obras que respaldaram a minha base teórica para fundamentar este estudo. Trata-se ainda de uma pesquisa qualitativa pois me apropriei de informações subjetivas minhas e de meus familiares. Este trabalho está organizado em três capítulos: inicialmente a Introdução, seguida pela Fundamentação Teórica organizada em tópicos que tratam de Cartografia e Memória, seguida do foco deste trabalho que é “José Calzavara” com sua biografia, apontando seu trabalho diversificado, o contexto histórico em que sua obra foi produzida e o uso da imagem em sua obra. Após a teoria e uma leve passagem pelos conceitos de Imagens e Processo Criativo trago a obra do agrimensor José Calzavara nas plantas baixas topográficas dos Sítios na Praia de Lucena e da Fazenda Gindiroba. Fiz reflexões sobre o Processo Criativo de meu avô e sobre o meu próprio processo, oriundo, possivelmente, da minha origem e da influência gerada pela minha admiração por aquele que me levou a cursar engenharia e posteriormente o Bacharelado em Artes Visuais. Nesse tópico, abordei o meu


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próprio processo de criação visual a partir das referências visuais das imagens no trabalho de José Calzavara, consistindo a minha produção visual na produção de gravuras, fotografias, aquarelas e pintura com tinta acrílica que abordam minha memória afetiva (a partir da iconografia presente nas plantas topográficas produzidas pelo meu avô) e constroem minha cartografia.


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1.

CARTOGRAFIA E MEMÓRIA 1.1.

Construindo Cartografias Em geometria, a cartografia é a forma de representar a terra em uma pequena

escala, ou seja, é a arte e a ciência de representar graficamente uma área geográfica da superfície terrestre em um gráfico ou um mapa. Essa representação pode incluir diversas informações sobre a área trabalhada com a utilização de cores e símbolos refletindo, além da descrição fisica da área, o contexto cultural, político e social dessa região, na época em que foi elaborada. É uma técnica antiga que foi elaborada devido à necessidade dos seres humanos de representar e localizar áreas demarcadas, fornecendo informações como: orientação e direção espacial, movidos pela curiosidade, necessidade de demarcação de territórios e vontade de deslocamento, criando mapas. [...] o mapa é aberto, conectável em todas as suas dimensões, desmontável, reversível, suscetível de receber modificações constantemente. Ele pode ser rasgado, revertido, adaptar-se a montagens de qualquer natureza, ser preparado por um indivíduo, um grupo, uma formação social. Pode-se desenha-lo numa parede, concebê-lo como obra de arte, construí-lo como uma ação política, uma meditação (DELEUZE e GUATARRI, 1995).

A Cartografia demonstra o interesse dos seres humanos pelo espaço, visando o conhecimento e o controle. O artista que trabalha com mapas além da preocupação com o espaço e o seu significado na vida das pessoas, preocupa-se também com a mensagem da linguagem cartográfica. No trabalho de Calzavara está clara a importância dessa linguagem, quando ele acrescentou diferenciações que exigem outras leituras além da técnica e certa sensibilidade, para perceber uma homenagem, uma crítica social ou ainda uma ironia. A arte na cartografia ajuda a identificar o espaço de maneira diversa do olhar puramente técnico, passando a ser imagens que representam a diversidade iconográfica local. No trabalho “Pistas do método de Cartografia” (2015), os autores apresentam um novo sentido à cartografia, agora como método de pesquisa, o acompanhamento de percursos, implicações em processos de produção, conexões de redes e rizomas. Citam Deleuze e Guatarri, quando afirmam que a cartografia surgiu como um princípio rizomático, inteiramente voltado para uma experimentação ancorada no real. Uma vez que são multiplas as suas entradas. “[...] a cartografia reverte o sentido tradicional de


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método sem abrir mão da orientação do percurso da pesquisa.” (PASSOS, 2014, p 17). Neste trabalho a cartografia foi utilizada como uma apresentação visual de lugares, uma imagem onde se destacam a composição de formas e linhas, simbolos, legendas e quaisquer elementos visuais que compõem as minhas plantas imaginárias e as plantas baixas topográficas de José Calzavara. 1.2.

Memória Afetiva O termo “memória” pode ser traduzido, no cotidiano, como o processo que

envolve a aquisição da informação, a consolidação e aprendizado da mesma, sua evocação e uso. Na neurociência, é a capacidade do cerebro de armazenar informações. Para Fayga Ostrower (2013), por meio da memória conseguimos interligar o passado ao futuro e o espaço vivencial da memória representa uma ampliação multidirecional do espaço fisico natural. Seu processo ativa contextos de ordem afetiva e de estado de ânimo, que caracterizam determinadas situações na vida de cada indivíduo, como alegria, tristeza e medo, assim, a memória seria a retenção de dados interligados em conteúdos vivenciais. Maurice Halbwachs (2006) porém, estudou o conceito de “memória coletiva” e segundo ele, a memória ultrapassa o plano individual uma vez que a memória de uma pessoa nunca é só sua e suas lembranças não podem existir apartadas da sociedade em que ela vive. Pode ser algo que você não viveu, porém, por ser coletiva, é compartilhada por um grupo do qual você faz parte, sendo que nossas lembranças estão conectadas com a sociedade em que vivemos. A memória coletiva tem como base as lembranças dos sujeitos que fazem parte de determinado grupo. Ainda segundo Halbwachs, as memórias são construidas por grupos sociais que deterrminam o que deve ser preservado (HALBWACHS, 2006). “Admitamos que a criança se recorde do fato – a imagem está situada no quadro de referências da família, porque desde o início ali estava compreendida e jamais saiu dali” (HALBWACHS, 2006, pp. 44 e 45).


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A memória afetiva remete a presentificação das imagens e a memória de José Calzavara, mesmo sem sua presença fisica, esteve viva na vida dos seus netos como se ele fosse entrar pela porta a qualquer momento. Todos os objetos da casa lembravam dele, os vidros com casulos do bicho da seda, de todos os tamanhos e cores, espalhados pela casa dos meus avós; o quadro montado por

ele com casulos e

meadas de

seda

coloridas;

a

cadeira dos cachorros; a tesoura de alfaiate, enorme na visão das crianças; o apontador de lápis fixado na mesa, a estante com Figura 3 - Quadro com casulos e seda produzidos na Paraíba – Montagem de Calzavara – 1933 – Acervo da Família - Fotografia da autora em out/2018

garrafinhas

contendo

cobras,

escorpiões e outros bichos que ele encontrava e trazia para casa; o

escritório, que, após sua morte, passou a ser o quarto das crianças por ser o maior cômodo da casa, e as fotografias nas paredes, de antepassados distantes no tempo e no espaço mas que se tornavam próximos pelas narrativas ouvidas desde a infância. O álbum com fotos da Primeira Guerra Mundial, captadas por ele com uma câmera minúscula, muito antiga, utilizando técnicas que demonstravam sua paixão pela

fotografia

e

um

conhecimento do assunto que não imaginávamos que ele tivesse. As lembranças do meu passado

sustentam minha

identidade, foram construidas no

convívio

compartilhadas

social

e com

discursos sobre o passado e, com elas, trago personagens cuja

memória

ajudam

a

Figura 4 - Gorizia - Cidade italiana em ruinas na Guerra de 1914 – Acervo da Família - Fotografia de José Calzavara durante a Primeira Guerra


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construir a identidade da familia Calzavara. Meu avô foi um desses personagens, cuja memória, cultivada por minha mãe e minha avó, alicerçou a construção da identidade do grupo formado por nossa família. Ele estava presente, vivo e participante da vida da familia que conhecia: desde sua formação em dois cursos, sua participação na “Primeira Grande Guerra”, o desligamento da fábrica de seda1, de propriedade da família italiana, e da qual era o presidente, para viajar ao Afeganistão, seu afastamento total da fábrica para vir para Brasil e posteriormente mandar buscar a família para morar em um sítio em Barbacena durante cinco anos. Sabíamos das divergências com a direção da Estação de Sericultura de Barbacena e seu posterior desligamento, a mudança para João Pessoa, a fundação do Instituto Sérico e da Escola de Sericultura e as suas aventuras como agrimensor pelo interior da Paraíba medindo terras. Le Goff (2003) afirma que os indivíduos ao transmitirem oralmente suas memórias tendem a idealizar o passado de forma simplificada, conforme os acontecimentos do grupo no qual estão inseridos. Para ele a escrita transformou os relatos

orais

em

memórias

físicas,

proporcionando

seu

armazenamento,

possibilitando sua transferencia no tempo e no espaço e permitindo sua visualização e reorganização. A memória, como propriedade de conservar certas informações, remete-nos em primeiro lugar a um conjunto de funções psíquicas, graças às quais o homem pode atualizar impressões ou informações passadas, ou que ele representa como passadas (LE GOFF, 1924, p. 423).

As plantas topográficas produzidas por José Calzavara, associadas às ilustrações e baseadas nas informações relatadas por familiares dos proprietários das terras, promovem a visualização dos locais que ele percorreu para desenhá-las, e remete aos locais da minha infância, fazendo relembrar e atualizar informações passadas. Durante muito tempo a arte guardou a memória por meio de estátuas, pinturas, e outros meios que foram surgindo, auxiliando a história a controlar a imaginação, aproximando os fatos narrados da realidade e apresentando mais de uma versão deles. É bem verdade que as obras podem transparecer a tendência do artista, para

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Fábrica de Seda situada à Rua Cesare Batistti, Istrana – Treviso – Itália.


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mostrar o que lhe era mais interessante ou sua interpretação dos fatos, cabendo ao pesquisador imprimir um filtro utilizando a análise detalhada da obra associada a um cuidadoso estudo dos fatos. Relacionar as imagens das plantas topográficas de José Calzavara com o meu processo criativo, o imaginário da minha infância e os locais da minha memória foi o desafio desse processo de pesquisa.


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2.

JOSÉ CALZAVARA José Calzavara foi o nome adotado por meu

avô, ao chegar ao Brasil, em substituição ao aristocrático e extenso

“Giuseppe Domenico Pietro

Hipólito Giovanni Battista Calzavara”. Ele achava que o simples José, ficaria melhor que o complicado Giuseppe, os demais eram desnecessários, e o último faria a diferença entre os tantos Josés. Assim ficou sendo José Calzavara, mais conhecido por Dr. Calzavara ou simplesmente Calzavara. Nascido no dia 31 de outubro de 1891, na cidade de Istrana, comuna de Treviso, no norte da Itália, em uma família de industriais da seda, graduou-se como sericultor

e

engenheiro

agrimensor,

na

Real

Universidade de Pádua em 1912, aos 21 anos. Pouco depois, irrompeu a Primeira Guerra Mundial da qual participou intensamente, chegando ao

Figura 5 - José Calzavara, Diretor do Instituto Sérico da Paraíba – Acervo da Família

posto de capitão do exército italiano. A guerra acabou em 1918, em 1919 morreu seu pai, aos 28 anos como filho mais velho, assumiu a industria da familia. Em 1924, aos 33 anos, José Calzavara deixou a indústria da família aos cuidados de um tio e viajou ao Afeganistão em uma missão do Governo Italiano para organizar a indústria da seda naquela região. Dois anos depois, após inumeras aventuras, retornou à Itália e no mesmo ano viajou para o Brasil, de onde não saiu mais. No Brasil se dedicou à cultura da seda, emprestando seus conhecimentos aos Estados de São Paulo, Minas Gerais e finalmente à Paraíba, em 1931, onde, a serviço do Governo do Estado, a convite do então interventor Antenor Navarro, que faleceu em 1932, em um desastre de avião no litoral da Bahia e foi substituido por Gratuliano de Brito, fundou o Instituto Sérico e a Escola de Sericultura da Paraíba, ambos na cidade de João Pessoa. Em 1935, e na Paraíba há cinco anos, com a extinção do Instituto Sérico e da Escola de Sericultura, pela nova Administração do Governo do Estado agora comandado pelo Sr. Maximiano de Figueiredo, vê a obra à qual se dedicara até então


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ser descartada e, sem possibilidade de voltar à Italia ou continuar atuando no ramo da sêda, se viu forçado a mudar de profissão, indo buscar sua formação como engenheiro agrimensor, que havia esquecido no decorrer do percurso. 2.1.

O Agrimensor2 e sua Metodologia de Trabalho A indumentária sóbria de Diretor do Instituto Sérico foi trocada por roupas mais despojadas, calças tipo bombacha e chapéu com protetor solar para o pescoço, peças incomuns no Estado da ParaÍba. Montado em uma burra branca de sua predileção, carregada com os instrumentos de trabalho e tudo o mais que fosse necessário para uma viagem de alguns dias formava uma imagem que, associada a uma figura alta, elegante e uma postura altiva, faziam dele uma figura incomum que não passava despercebida nos locais por onde transitava. Percorrendo o interior do Estado da Paraíba

Figura 6 - O agrimensor José Calzavara – Acervo da Família

em direção às propriedades que deveria medir, acompanhado apenas da burra, chegava cedinho,

ainda escuro, às sedes das fazendas. Armava a rede nas varandas e esperava as pessoas acordarem. Segundo relatos de minha avó e minha mãe, confirmados por uma pessoa, moradora de uma das fazendas visitadas, ele às vezes, encontrava um ninho de galinha com ovos e já fazia a primeira refeição saboreando os ovos na própria casca. Essas viagens solitárias, segundo relato de seus familiares, possivelmente, o faziam recordar de outra viagem, no Afeganistão, quando percorreu sozinho, a cavalo,

2

O agrimensor é o profissional habilitado a medir, dividir e demarcar propriedades rurais e urbanas, atualmente trabalha com a captação e a análise de dados geográficos e topográficos com a finalidade de elaborar mapas. No período em que Calzavara trabalhou, meados da década de trinta até a o início da década de cinquenta, essa captação de dados era feita “in loco”, percorrendo a pé toda a propriedade e medindo cada área utilizada em cada cultura. Os dados eram anotados em uma caderneta própria e, posteriormente, transcritos para uma planta, desenhada manualmente com nanquim sobre papel vegetal, de forma que o terreno real fosse visualizado na planta baixa com todas as informações necessárias.


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a cordilheira do Hindu Kush3, em busca de informações sobre a cultura local do bicho da seda. Na convivência com as famílias dos proprietários captava particularidades de cada um deles e também dos moradores das fazendas, muitos postos à sua disposição como auxiliares, no difícil trabalho de percorrer toda

a

propriedade

marcando

pontos

topográficos e fazendo medições, com uma corrente que fazia parte de seu equipamento de trabalho, pois afirmava que as trenas, de tecido na época, se deformavam com o tempo e forneciam medidas erradas. De volta para casa, no maior cômodo da residência, preparado para ser o escritório, cercado

por

revistas,

livros

e

jornais,

Figura 7 - José Calzavara no Afeganistão – Acervo da Família

acumulados na sua ausência e guardados cuidadosamente para ele, acompanhado das cadelas Dóli e Zara, deitadas aos seus pés, transferia, em tinta nanquim para o papel vegetal, as informações das cadernetas de campo. Acrescentava aos dados técnicos ilustrações com as imagens captadas em cada fazenda visitada, acrescidas das características dos seus proprietários. Estas referências, que às vezes só eram compreendidas por ele, em outras estavam bem claras, como o símbolo de Farmácia, na fazenda de um farmacêutico, ou uma imagem de Nossa Senhora na planta da Fazenda Santa Maria.

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A Hindu Kush é uma cadeia de montanhas elevadas, que se estende por cerca de 800 km em uma direção de nordeste a sudoeste das montanhas Pamir, perto da fronteira da China com o Paquistão, através do Paquistão, e para o oeste do Afeganistão. Quando Calzavara esteve lá, em 1924, o território onde hoje é o Paquistão fazia parte da chamada Índia Inglesa. Fonte: https://www.wdl.org/pt/item/475/


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Após serem desenhadas manualmente com nanquim, sobre papel vegetal, eram feitas cópias heliográficas das plantas que seriam coladas em tecido, num trabalho artesanal executado por sua esposa e filha, para serem entregues ao contratante. Os originais nunca eram disponibilizados para o cliente, porém, como ele fazia questão de que as cópias pudessem ser manuseadas e guardadas sem se estragarem, era efetuado o trabalho com tecido que tornava as plantas mais resistentes. A linguagem iconográfica de Calzavara transportava para o papel os acidentes geográficos e as benfeitorias de cada propriedade Figura 8 - Desenho de bois na Planta da Fazenda Linhares - Calzavara 1940 – Acervo da Família

estudada, incorporando ilustrações e criando um imaginário no qual os

animais das fazendas se misturam com os homens e, nas estradas e ferrovias, transitam os veículos utilizados na época. Associados à grande variedade de legendas mostrando os diversos tipos de ocupações do solo, vegetação e cultura existentes nas propriedades, as plantas baixas oferecem uma visão idílica e cultural da região, possibilitando ao observador visualizar a imagem dos locais visitados. 2.2.

Contexto Histórico A Paraíba de 1935, sob o governo de Argemiro de Figueiredo, tentava conciliar

as oligarquias, constituídas pelos grandes proprietários algodoeiros, açucareiros e pecuaristas, que apoiaram a revolução de 1930, com as oligarquias dissidentes, formando uma única frente de apoio ao governo de Getúlio Vargas. Com a eclosão desse movimento, um novo quadro político se instaura no País, com a vitória da Aliança Liberal, que sob o comando de Getúlio Vargas numa espécie de pacto político procura dar outro rumo ao País, com um projeto de desenvolvimento nacional calcado na industrialização. Contudo o seu interesse é muito maior, pois, investiu-se nos acontecimentos sobre novos condicionamentos históricos, concentrando o poder e implantando um Estado forte, centralizador e repressor. Para isso, cria meios que se sobrepõem às oligarquias regionais, submetendo-as e absorvendo-as ao poder do Estado (AGRA FILHO, 2006, p 1).

Foi neste contexto de reestruturação política do Brasil, que José Calzavara iniciou sua atuação como agrimensor, medindo as terras dos latifundiários paraibanos.


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A administração do Governo

Estadual

da

Paraíba,

emergente

da

Revolução de 1930, quando as

grandes

sofreram

oligarquias um

revés,

estimulava

o

desenvolvimento de culturas que

beneficiariam,

principalmente, o pequeno Figura 9 - Fazenda Jacu - Coite de Guarabira - Primeira colheita de casulos – 21/07/34 – Acervo da Família

produtor

rural,

como

a

cultura do Bicho da Seda,

cuja atividade se desenvolveu em pequenas propriedades rurais, empregando mão de obra familiar, aumentando a renda das famílias e diminuindo o êxodo rural, com pouco impacto ambiental e consequente melhoria de vida dos pequenos produtores. A sericicultura foi disseminada por José Calzavara pelo interior do Estado da Paraíba, por meio do Instituto Sérico. Os produtores foram formados na Escola de Sericultura e, na cidade de Serraria, foi fundada uma Cooperativa Sérica. Essa política permaneceu até 1935, quando mudou a administração do Governo Estadual e os pequenos agricultores não eram mais prioridade, voltando a esse posto o interesse dos grandes latifundiários. Quem trabalharia no plantio e colheita da cana de açúcar para os engenhos se produtores

os pequenos fossem

independentes? Nesse contexto, José Calzavara deixou o Instituto Sérico e a Escola de Sericultura e passou a trabalhar como agrimensor.

Figura 10 - Cooperativa Serica de Serraria - Curso de especialização para mulheres – Setembro/1934 – Acervo da Família


26


27

3.

IMAGENS E PROCESSO CRIATIVO Para Panofsky as imagens têm um significado factual, “pela simples

identificação de certas formas visíveis com certos objetos que já se conhece por experiência prática” (PANOFSKY, 2009 p.48), como a legenda de uma plantação de coqueiros onde a imagem da planta está bem clara, e um significado expressivo, “apreendido por empatia quando é preciso uma certa sensibilidade, mas é ainda parte de experiência prática, ou seja, da familiaridade cotidiana com objetos e fatos” (PANOFSKY, 2009 p.48), como a presença de imagens equestres em fazendas onde se praticava a criação de cavalos. “[...] a imagem passa a ser compreendida como signo que incorpora diversos códigos e sua leitura demanda o conhecimento e compreensão desses códigos” (SARDELICH, 2006, p. 206). A iconografia identifica, descreve e classifica as imagens enquanto a iconologia faz a interpretação e analisa os valores simbólicos, muitas vezes, desconsiderados pelo próprio artista, e que podem até diferir do que ele conscientemente tentou expressar. “A interpretação iconológica requer algo mais que a familiaridade com conceitos ou temas específicos transmitidos através de fontes literárias” (PANOFSKY, 2009, p. 51 a 53 e 62). As imagens podem materializar lembranças, buscando no nosso inconsciente associações espontâneas com fatos de nossa memória e gerando um mundo misto de imaginação e realidade, que compõem um passado mobilizado em nossa vivência. O processo de criação é o resultado do envolvimento do artista com o mundo, diante de sua relação com o cotidiano, com as pessoas e os locais por onde passou e com seu mundo interior. Ostrower (2013) afirmou que a criatividade é inerente ao ser humano e a realização desse potencial é uma de suas necessidades. Criar e viver estão interligados e a criatividade não está apenas no fazer artístico, ou seja, não se restringe à arte, sendo elaborada no contexto sociocultural de cada sujeito. “A natureza criativa do homem se elabora no contexto cultural” (OSTROWER, 2013, p.5). A criatividade está diretamente ligada à sensibilidade e é patrimônio de todo ser humano, em graus ou áreas diferentes. A sensibilidade, no entanto, é essencial a qualquer forma de vida, não sendo exclusiva dos seres humanos, e a sua maior parte está vinculada ao inconsciente, porém, nos seres humanos, uma outra parte chega ao nosso consciente em formas organizadas, é a percepção, que pode ser


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considerada a elaboração mental das sensações (OSTROWER, 2013). Soltar a imaginação para solucionar um problema, escapando do pensamento convencional, evidencia a criatividade e a relaciona com as práticas artísticas. 3.1.

Reflexões sobre o Processo Criativo de Calzavara A utilização de imagens, para reforçar o entendimento da planta topográfica e, consequentemente, proporcionar um melhor conhecimento

da

área

estudada,

é

especialmente forte nas plantas baixas elaboradas por José Calzavara, e nos transportam aos antigos mapas, quando a representação da superfície terrestre era um desafio

e

a

imaginação

auxiliava

na

ilustração das informações que se tinha na época. Um exemplo são os mapas de Piri Reis4. A riqueza dos detalhes nas plantas de José Calzavara informa sobre a cultura, os

Figura 11 - Mapa de Piri Reis mostrando a America do Sul e Africa – Piri Reis 1513 hábitos, as pessoas, seus costumes, sua - (https://revistagalileu.globo.com)

forma de viver e se locomover, os vários

níveis sociais e as relações de poder. Ele, provavelmente, se inspirava em imagens de propagandas e quadrinhos, captados em jornais e revistas da época, com a finalidade de fixar no papel tudo o que foi visualizado nas suas andanças pela região, registrando informações para além dos dados puramente técnicos. As ilustrações acrescentadas às plantas baixas na obra de José Calzavara, que a princípio podem parecer apenas uma maneira de enriquecer visualmente o trabalho, aguçaram a curiosidade sobre o autor. Uma investigação que, no início, girava em

4

Piri Reis (Piri Ibn Haji Mehmed, Reis significa almirante), foi um almirante otomano nascido por volta de 1465, na atual Turquia. www.islamemlinha.com.index.php/artigos/historia/item/o-mapa-d-piri-reis


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torno de um indivíduo, acabou possibilitando a descoberta de informações importantes sobre a cultura local da Paraíba, de meados dos anos 1930 ao início dos anos 1950. As plantas topográficas são mapas cartográficos com ícones, cuja leitura está associada à sua localização, fornecendo pistas, sintomas e indícios das informações que José Calzavara pretendia transmitir e, para entender todas as mensagens se faz necessário ter um conhecimento da região e da população local. As ilustrações das plantas topográficas de José Calzavara descrevem e representam o espaço estudado com referência ao contexto político, histórico e social de sua época. A maioria das plantas elaboradas

por

José

Calzavara, no período entre 1935

e

1952,

propriedades

são

rurais

de da

região do brejo paraibano, entre

as

cidades

de

Guarabira e João Pessoa, Figura 12 - Arado na Planta da Fazenda Linhares Calzavara 1940 – Acervo da Família

passando por Sapé e Santa Rita,

região

transitei

por

toda

onde minha

infância, nas viagens da família entre nossa casa em Mulungu e a casa de nossos avós em João Pessoa. Essa memória afetiva acendeu em mim a saudade do passado, quando visualizei as plantas de José Calzavara, resgatando a memória dos canaviais, das plantações de palma, de abacaxi, das pastagens e do gado espalhado pelos campos por onde circulei na infância. A linha do trem, as estradas, os rios e os açudes, tudo estava lá desenhado e estavam também nas minhas lembranças. Panofsky (2009, p. 31 e 32) afirmou que um objeto feito pelo ser humano, está carregado de “intenção” e que a esfera em que o campo dos objetos práticos termina e a arte começa, depende da “intenção” de

Figura 13 - Desenho de touro na Planta da Fazenda Leitão - Calzavara 1942 Acervo da Família


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seus criadores. “As vezes descobrimos as nossas intenções só depois de realizada a ação” (OSTROWER, 2013). Acredito que José Calzavara, quando da elaboração das plantas baixas, objeto secundário desta pesquisa, não tinha a “intenção” de fazer uma obra de arte, por se tratar de um trabalho técnico, as imagens seriam meras ilustrações. A “intenção” surgiu de minha parte como artista visual, quando identifiqeui as ilustrações como ícones, que passam mensagens culturais sobre os hábitos e a época em que foram desenhadas, fornecendo um verdadeiro mapa cultural de cada localidade, e as reconheci como arte. Aqui me deterei a análise de duas de suas plantas: a dos “Sítios na Praia de Lucena”, no Município de Lucena; e a da “Fazenda Gindiroba” localizada no Município de Marí, ambas no Estado da Paraíba, por compreendê-las como significativas diante da sua vasta produção visual, as plantas selecionadas apresentam toda a gama de ícones representados no conjunto de seus trabalhos. 3.1.1. Sítios na Praia de Lucena A planta dos “Sítios na Praia de Lucena”, datada de 1942, apresenta legendas onde facilmente são identificados varios coqueirais, áreas de cultivo, lagoas e o mar. Na área correspondente ao mar, encontrei desenhos de diversos tipos de embarcação, pessoas nadando e até um avião e, no local representativo da terra, além das culturas locais pode-se ver uma tropa de jumentos, carregadores de coco, um camponês preparando a terra, um carro antigo, um ônibus e um bonde. São desenhos ilustrativos, possivelmente com alguma referencia aos hábitos locais, verificados por José Calzavara quando efetuou os registros e as medições in loco. As plantas de José Calzavara são o que se pode chamar de cartografia temática, ou seja, a representação e o estudo da distribuição espacial dos fenômenos naturais e sociais, por meio de representações cartográficas – modelos icônicos – que reproduzem o aspecto da realidade de forma gráfica e generalizada. A cartografia temática designa todos os mapas que tratam de outro assunto, além da representação do terreno (JOLY, 1990). Nessa planta ainda pode-se ver um carro, modelo da época, e um homem subindo em um coqueiro, atividade corriqueira naquela localidade, uma mulher e duas


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crianças, em traje de banho, brincam na areia, à sombra de um coqueiro, em frente a uma casa de palha construida dentro de um coqueiral. A casa de palha, chamada caiçara, é um estilo de moradia muito usado no litoral nordestino, na época em que a planta foi desenhada, e ainda hoje pode ser encontrada. O detalhe de uma mulher tomando água de coco, hábito comum tanto dos habitantes locais como dos visitantes, faz o fechamento da planta.


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Figura 14 - Sítios na Praia de Lucena - Calzavara/1942 - Acervo da Família


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3.1.2. Fazenda Gindiroba Ao primeiro olhar para a planta da Fazenda Gindiroba já se pode ver que se trata de uma região totalmente diferente da desenhada na planta da Praia de Lucena e com culturas também diferentes. As legenda mostram se tratar de uma propriedade onde está visivelmente presente a pecuária e grandes áreas cultivadas, além de áreas de mata nativa preservada cercando açudes e grotas mostrando ser uma região bem servida de água. A planta foi ilustrada com desenhos de vacas leiteiras, touros, cavalos, arados, juntas de bois, jumentos e vaqueiros no melhor

estilo

americanos, influência

dos

cowboys

evidenciando das

revistas

a em

quadrinhos com aventuras do Figura 15 - Desenho equestre na Planta da Fazenda Gindiroba - Calzavara 1943 – Acervo da Família

velho oeste americano, sobre a iconografia de José Calzavara.

Nos quatro cantos desenhos de animais informam mais detalhes sobre o imóvel e seus proprietários. No canto superior esquerdo uma águia, em pleno voo, segura um círculo com as letras JU, talvez as iniciais do nome de algum dos proprietários ou outra referência, guardada no túmulo com o autor. Nos cantos superior direito e inferior esquerdo, as cabeças de um cavalo e dois bois registram mais uma vez a atividade pecuária da fazenda, e finalmente, o gafanhoto no canto inferior direito, provavelmente, registra o contato do autor com esses insetos em sua estadia na propriedade. O uso da arte para se comunicar com os clientes afirma a identidade de José Calzavara e apresenta um mapa cultural da região que percorreu na época em que viveu. A criatividade do trabalho de José Calzavara organizada na representação dos locais por onde circulou, criou um padrão de trabalho, que me fez querer percorrer os meus caminhos por meio da minha produção artistica, aproximando-se da sua iconografia.


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Figura 16 - Fazenda Gindiroba – Calzavara 1943 – Acervo da Família


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3.2.

Reflexões sobre meu Processo Criativo Elaborar minha própria cartografia, dos meus locais de memória e dos

percursos da memória afetiva, utilizando a tecnologia atualmente disponível e trabalhar os ícones presentes na cartografia de José Calzavara, foi uma ideia que surgiu na medida em que me aprofundava na análise das plantas dele e as relacionava com os locais da minha trajetória de vida. “O processo da memória no homem faz intervir não só a ordenação de vestígios, mas também a releitura desses vestígios” (CHANGEUX apud LE GOFF, 1972, p. 424). Nesta pesquisa utilizei a arte e a cartografia para reinventar espaços e reconstruir lugares, desenhando mapas a partir da minha trajetória, resgatando memórias e retratando lugares já vistos e percorridos. Esses mapas, no entanto, não têm a mesma preocupação com o espaço que as plantas topográficas de José Calzavara, estão relacionados à subjetividade dos significados que cada espaço adquiriu no decorrer da minha vida. As plantas estiveram sempre à minha disposição, esperando para serem decifradas, e minha formação em engenharia me aproximou delas. As ilustrações me trouxeram à memória os locais da infância, e trabalhei com aquelas imagens durante o curso de bacharelado em Artes Visuais da UFPB, desenhando minha própria cartografia. A ideia de trabalhar com as plantas topográficas elaboradas por José Calzavara (entre 1930 e 1950) e os ícones presentes nestas plantas surgiu ao me ver diante da necessidade de desenvolver uma produção artística para o curso de Artes Visuais. Já tendo iniciado uma pesquisa sobre o seu trabalho como sericultor me debrucei sobre as plantas das várias propriedades que ele havia percorrido, durante seu período de trabalho como agrimensor, e percebi o potencial dos detalhes de cada uma delas e as relacionei com os locais da minha trajetória de vida. Usar a arte e a cartografia para reinventar espaços, desenhando mapas a partir da minha trajetória, resgatando memórias e retratando lugares já vistos e percorridos buscando significados e ordenando lembranças foi a motivação do meu trabalho. “A motivação humana de criar reside na busca de ordenações e de significados” (OSTROWER, 2013, p. 9).


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A relação entre cartografia e arte tem força no meu processo criativo e vem da atualização de memórias e relações cotidianas construídas no decorrer da minha infância, adolescência e resgatadas ao estudar os mapas desenhados por José Calzavara. Relacionei a produção visual de José Calzavara com as atribuições de cada disciplina que cursava desenvolvendo trabalhos artísticos em diversas áreas e utilizando técnicas e materiais diversificados, produzindo algumas obras que apresento a seguir. Durante o bacharelado em Artes Visuais na Universidade Federal da Paraíba, pude conhecer um pouco do universo da arte e experimentar várias técnicas e materiais, elaborando trabalhos nas mais diversas áreas artísticas, sempre buscando relacionar esse fazer artístico com as plantas de meu avô, José Calzavara. Nas disciplinas Gravura I e Gravura II, ministradas pela professora Liana Chaves, fui apresentada à Gravura e suas várias técnicas e me encantei com as múltiplas possibilidades considerando que, com uma mesma matriz e variando a pressão da prensa, a quantidade e a cor da tinta e o material onde será impresso, poderemos ter obras diversificadas. Senti que poderia usar aquela técnica para gravar as imagens que vinham na minha mente quando estudava as plantas de José Calzavara. Posteriormente,

quando

cursei

a

disciplina

Tópicos

Especiais,

com

especificação em Gravura, ministrada pelo professor Eduardo Balbino, retomei os trabalhos em gravura explorando outros materiais. As legendas usadas por ele para indicar a localização das diversas culturas de utilização do solo foram referência para elaboração de alguns trabalhos em gravura, desenho e pintura. Partindo dessas legendas, executei os trabalhos nas disciplinas de Gravura, trabalhando com madeira, metal e acrílico, e na disciplina “Tópicos Especiais em Gravura”, trabalhei com EVA (placa emborrachada resultante da mistura de Etil,

Vinil e Acetato), papelão, linóleo e novamente metal.


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Figura 17 - Legendas da planta Sítios na Praia de Lucena (ver Figura 14) – Design gráfico Silvio de Araújo Viana out/2018


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No trabalho com EVA elaborei carimbos e usando tinta acrílica, imprimi sobre papel formando estampas diversas.

Figura 18 - Carimbo em EVA - Acervo da autora

Figura 19 - Acrílica sobre papel com carimbo em EVA – Acervo da autora

Figura 20 - Acrílica sobre papel com carimbo em EVA - Acervo da autora


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Na mesma disciplina, copiei o desenho de um barco existente na planta dos “Sítios na Praia de Lucena” e fabriquei uma matriz em papelão de sapateiro e fiz várias impressões em papel e, aproveitando a imagem impressa utilizei o Corel Drawn para vetoriza-la obtendo novos resultados.

Figura 21 - Desenho de barco existente na planta dos “Sítios na Praia de Lucena” (Ver Figura 14) – Design gráfico Silvio de Araújo Viana out/2018

Figura 22 - Matriz em papelão de sapateiro, inspirada em desenho na planta dos “Sítios na Praia de Lucena”. - Fátima/2017

Figura 23 - Gravura colorida sobre papel - Fátima/2017


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Reuni detalhes das plantas das Fazendas Pau Ferro e Linhares, fabriquei duas matrizes em linóleo e gravei em diversos materiais. A primeira é uma montagem que fiz reunindo detalhes das duas plantas. A segunda é a cabeça de um cavalo, imagem recorrente em muitas plantas e que chama a atenção pelo porte e beleza do animal desenhado.

Figura 24 - Detalhes escolhidos na planta da Fazenda Pau Ferro – Acervo da Família – Design gráfico Silvio de Araújo Viana out/2018

Figura 25 - Detalhe escolhido na planta da Fazenda Linhares - Acervo da Família – Design gráfico Silvio de Araújo Viana out/2018


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Figura 26 - Matriz em linóleo

Figura 28 - Matriz em linóleo

Figura 27 - Impressão em papel

Figura 29 - Impressão sobre cortiça


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Na disciplina “Oficina de Desenho I” do Curso de Arquitetura, ministrada pela professora Marília Dieb, diante da tarefa de elaborar um mosaico que pudesse ser usado em revestimento, lembrei da legenda usada por José Calzavara, para indicar a localização de matas nas suas plantas. Partindo desta legenda imaginei três mosaicos e, depois de varias tentativas, escolhi um deles que resultou em 23 combinações de montagem, podendo chegar a mais.

Figura 30 - Legenda de mata encontrada em diversas plantas – Design gráfico Silvio de Araújo Viana out/2018

Figura 31 - Mosaico

Figura 32 - Combinação


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Pesquisando no Google Maps os locais desenhados nas plantas de José Calzavara, localizei a Praia de Lucena e, vendo as cores da natureza, senti vontade de colorir a planta, do mesmo local, desenhada por ele (ver Figura 14), e fiz uma aquarela.

Figura 33 - Foto aérea da cidade de Lucena – Google Maps/2015

Figura 34 - Aquarela da planta de Calzavara dos Sítios na Praia de Lucena – Fátima Calzavara/2015


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Continuando a pesquisa nas fotografias aéreas do Google Maps, localizei a cidade de Mulungú, no brejo paraibano, onde passei toda minha infância. Usando a mesma técnica de Calzavara, desenho a nanquim sobre papel vegetal, desenhei uma planta e procurei inserir nela, além da geografia, ilustrações que retratam o que vivenciei naquela época e naquele lugar. Foi um trabalho que me trouxe de volta momentos, personagens e locais caros e me fez ter uma ideia de toda a dificuldade e empenho dele na elaboração do material que nos deixou. A experiencia de desenhar minha infância foi tão gratificante que imprimi a planta desenhada por mim e pintei com lápis de cor, dando uma conotação mais lúdica, buscando trazer para o papel as cores da infância.


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Figura 35 - Planta dos locais da memรณria utilizando imagens e legendas de Calzavara - Fรกtima Calzavara/2017 - Nanquim em papel vegetal


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Figura 36 - Mesma imagem anterior – Cópia em papel com lápis de cor - Fátima Calzavara/2017


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A trajetória de meus avós e sua família sempre despertaram o meu interesse, principalmente pela mudança radical de vida que eles empreenderam, trilhando o caminho de milhares de outros conterrâneos, saindo de uma Itália em ebulição, tentando se reerguer após a Primeira Guerra Mundial e vindo para o Brasil iniciar uma nova vida. Pensando nessa mudança elaborei uma Mandala em tinta acrilica sobre tela onde, usando as imagens das plantas por ele desenhadas, coloquei o seu trajeto da Itália para a Paraíba como um rio e no centro as .letras iniciais do seu nome entrelaçadas. Essas letras estão fixadas sobre o portão da Casa Calzavara, em Istrana, sua terra natal, na comuna de Treviso, no norte da Itália. As figuras das suas plantas também foram inseridas, juntamente com o bicho da seda desenhado por ele na contra capa do relatório final ao Governo do Estado da Paraíba, quando se desligou do Instituto Sérico.

Figura 37 - Mandala - Fatima Calzavara/2015 – Acrílica sobre tela


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Ao circular na Praça Rio Branco, no centro de João Pessoa, visualizei a copa das árvores que me lembrou as plantas de José Calzavara, com a distribuição dos rios, estradas e matas e, usando o celular, registrei a imagem, desde então estou explorando a fotografia como processo de criação de minhas cartografias.

Figura 38 - Recorte da planta da Fazenda Leitão, inspiração para as fotos das arvores


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Figura 39 - Fotografia da copa de árvore da Praça Rio Branco – Fátima Calzavara/2017

Figura 40 - Fotografia de arvore no Campus da UFPB – Fátima Calzavara/2017


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CONSIDERAÇÕES FINAIS Com este Trabalho de Conclusão de Curso, explorando os conceitos de imagem, memória, memória afetiva, cartografia e iconografia e utilizando os registros visuais das plantas de José Calzavara, até então esquecidos nos acervos familiares, juntamente com a memória afetiva e coletiva da minha família, coloco à disposição das pessoas todo o trabalho executado por ele para conhecimento e usufruto de sua obra. Considero que o meu processo de criação na área das Artes Visuais, utilizando técnicas tradicionais, como a gravura, a pintura e o desenho, passando pela fotografia, todo relacionado com o trabalho de José Calzavara, consegue chamar a atenção para o trabalho técnico do meu avô e a minha formação como artista visual, levando ao conhecimento do público sua obra e a minha memória familiar, as inserindo na memória coletiva, podendo ser acessada e consultada pelo publico interessado. As plantas topográficas de José Calzavara serão posteriormente reunidas em um livro tamanho A3, juntamente com as fotografias e os artigos sobre a sericicultura no Estado da Paraiba, encontrados nos jornais da época. Pretendo digitalizar, contextualizar e transforma-los em um livro, que será disponibilizado ao público como peça fundamental para o reconhecimento do seu trabalho e do legado da Família Calzavara.


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Bibliografia Consultada

GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes, 1939. São Paulo: Companhia de Bolso, 2016. ARAÚJO, Gustavo Cunha; OLIVEIRA, Ana Arlinda, Leitura de Imagens e Alfabetismo Visual: revendo alguns conceitos, Domínios da Imagem. Londrina PR. Ano V, nº 10, maio 2013, p.89-96. COATA, João Carlos de Oliveira, Representações Cartográficas em trabalhos de Geografia no Estado da Bahia. Dissertação de Mestrado em Geografia, Instituto de Geociências, Departamento de Geografia. Salvador: UFBA, 2008. MOURA, Carla Borin; LEITE, Flávia; GONÇALVES, Eduarda. Deslocamentos, Cartografias e Deslocamentos Poéticos. Disponível em: http://anpap.org.br/anais/2015/simposios/s2/carla_moura_flavia_leite_eduarda_goncalves.pd f. Acesso em: 15 de outubro de 2018. AGRA FILHO, Luciano Bezerra. A política historiográfica paraibana: 1930/1945 sequência ou rompimento? 2006. Disponível em: http://www.klepsidra.net/klepsidra27/pb1930-1945.htm. Acesso em: 15 de outubro de 2018. LOBO, Judá Leão. História e Iconologia: conteúdo nas artes visuais. In: Revista Direito e Praxis. vol, 3, nº 2, 2012. Disponível em: http://www.redalyc.org/html/3509/350944547007/. Acesso em: 15 de outubro de 2018. MARQUES, Renata Moreira. O mapa como relato. In: Revista Ra’eGa. Curitiba, vol, 3, p.4164, abril/2014. Disponível em: http://www.ser.ufpr.br/raega. Acesso em: 15 de outubro de 2018.


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