Apresenta
Cinema Belga contempor창neo
02 a 11 de agosto de 2013 Caixa Cultural S찾o Paulo
PRESIDENTA DA REPÚBLICA Dilma Vana Rousseff MINISTRO DA FAZENDA Guido Mantega PRESIDENTE DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL Jorge Fontes Hereda COORDENAÇÃO EDITORIAL Mariana Nunes de Carvalho ORGANIZAÇÃO Bruno Carmelo Raphael Fonseca PROJETO GRÁFICO Daniela Seixas Nathália Barbosa DIAGRAMAÇÃO Nathália Barbosa TRADUÇÃO Bruno Carmelo Raphael Fonseca REVISÃO Mariana Nunes de Carvalho IMPRESSÃO Sol Gráfica
Apresentação Caixa Econômica Federal A CAIXA foi criada em 1861, no Rio de Janeiro, por D. Pedro II, cujo conhecimento artístico e a consciência da valorização do patrimônio histórico das nações foram decisivos na consolidação de sua atuação como estadista. Tal proceder abriu as portas do país para o intercâmbio com a cultura mundial e chamou a atenção para a importância desses atos na criação de nosso próprio patrimônio e nossa identidade. Contribuir com a melhoria da qualidade de vida, buscando sempre a excelência nos serviços prestados aos clientes é um dos aspectos que podem bem representar o compromisso dessa instituição financeira nos seus 150 anos de existência. A CAIXA hoje atua intensamente no apoio, estímulo e promoção cultural do país, sobretudo por meio de patrocínio a projetos nos segmentos de música, teatro, artes plástica, fotografia e dança, os quais circulam nos espaços da CAIXA Cultural. Também fomentamos produções em outros gêneros, como festivais de teatro e dança. Outra vertente de sua política cultural converge para o apoio aos Museus e Centros Culturais de todo o Brasil, com o objetivo de restaurar, preservar e propiciar um maior acesso da população a esses acervos, imprescindíveis para perpetuar a nossa história. A CAIXA apoia também o artesanato brasileiro e estabelece uma política de marketing cultural que prima pelo apoio à diversidade de linguagens e pluralidade artística de nosso povo, consciente de sua responsabilidade em relação à valorização da potencialidade criativa dos brasileiros. Essa participação sinaliza para a compreensão da vitalidade e versatilidade de nossa
produção, nas diversas regiões do país, representada pelo sincretismo cultural e de valores que delineiam a riqueza de nosso patrimônio cultural. Assim é a história da CAIXA que, desde o Império, vem contribuindo para facilitar o acesso aos diversos bens culturais e o crescimento intelectual e cultural de nossa gente. Com o projeto Cinema Belga Contemporâneo a CAIXA traz para o nosso país a produção cinematográfica da Bélgica tendo o “contemporâneo”, ou seja, aproximadamente os últimos dez anos de audiovisual, como desafio. Visando levar ao grande público respostas autorais de regiões, durações, proposições estéticas e humanas bem diferentes deste país europeu.
Sumário iNTRODUÇÃO 7 planos de fuga 9 Bruno Carmelo A Forma do Outro: sentidos possíveis para um cinema sem centro Filipe Furtado Do clown à caricatura: o riso segundo os belgas Heitor Augusto
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cinema contemporâneo belga: incômodo e desesperança 29 Martinho Alves da Costa Junior “French fucking idiots” ou chocolate com castanhas de caju 35 Raphael Fonseca Entrevistas Entrevista feita pelo The Film Stage com Michaël R. Roskam e Matthias Schoenaerts
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A melancolia é doce Entrevista com Caroline Strubbe, por Dimitra Bouras 46 Entrevista feita pelo Little White Lies com Ursula Meier
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A nova onda do cinema flamengo Entrevista com Koen Mortier, diretor de Ex Drummer por Dimitra Bouras.
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Entrevista do Subtitled Online com Stéphane Aubier & Vincent Patar
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Fichas Técnicas 74
Introdução Este livro surge, inicialmente, como uma contribuição em diálogo com a mostra de cinema “Cinema belga contemporâneo” realizada na Caixa Cultural de São Paulo. Como seu título anuncia, a proposta da mostra é de exibir um recorte da produção de cinema na Bélgica tendo o “contemporâneo” ou seja, aproximadamente os últimos dez anos de audiovisual, como desafio. Com isso, após elencar cerca de trinta filmes, quinze foram selecionados e programados nesse espaço cultural visando levar ao grande público respostas autorais de regiões, durações, proposições estéticas e humanas bem diferentes. Os textos desse livro, portanto, estão baseados na apreensão e reflexão sobre esta cinematografia. Organizados por ordem alfabética de primeiro nome dos autores, nossa seleção abre com um artigo de Bruno Carmelo, um dos curadores da mostra, que reflete sobre um tópico a se repetir em muitos dos filmes aqui selecionados, a ideia de fuga e o deslocamento espacial de vários dos personagens centrais às narrativas. O crítico de cinema Filipe Furtado lança seu olhar a partir da ideia de “centro” e alteridade dado pelas construções culturais belgas. Haveria uma consciência da Bélgica como um espaço culturalmente central ou poderíamos falar em uma “estética da periferia” da Europa? Heitor Augusto, também crítico de cinema, optou por um tópico preciso comum aos filmes programados: o riso, a comédia, o escárnio. Quais os diferentes modos de rir e de incentivar a gargalhada ocasionados por essas obras audiovisuais? O historiador da arte Martinho Junior, curiosamente, trabalha sob um ponto de vista quase inverso, a saber, o da desesperança e melancolia. Interessa a ele pensar sobre um certo pessimismo das visões de mundo dos
personagens e diretores desses filmes. Ao fim, Raphael Fonseca, crítico e historiador da arte, a partir de dois gêneros artísticos comuns à produção artística na Bélgica, a paisagem e as chamadas “cenas de gênero”, estabelece alguns cruzamentos entre cinema e a produção de imagens da tradição clássica. Além desta importante compilação de textos feitos por escritores brasileiros sobre o cinema belga, possivelmente a primeira publicação brasileira dedicada ao tema, os organizadores desse livro também julgaram importante proporcionar ao público a leitura das colocações, opiniões e comentários de cinco autores cujos filmes são exibidos nessa mostra. Cremos que desse modo esta publicação não se baseia apenas numa visão analítica e por vezes acadêmica das obras, mas também mais pessoal, mesmo afetiva, e na primeira pessoa do singular por parte dos criadores e de suas definições verbais dos seus processos artísticos. Desejamos uma boa leitura e esperamos que vocês se deparem com mais de uma Bélgica nas próximas páginas.
planos de fuga Bruno Carmelo
A mostra Cinema Belga Contemporâneo foi organizada no intuito de representar a nova filmografia deste país em sua diversidade de gêneros, estilos e discursos. No entanto, conscientemente ou não, começou a se desenhar entre os títulos escolhidos uma temática bastante clara, que atravessa grande parte dessas produções: a questão da fuga, do abandono de uma vida regrada e familiar para se entregar às aventuras da estrada. Os espaços abertos, os campos vazios, os ambientes rurais dominam estes filmes, que trazem como (anti-)heróis personagens falhos, deprimidos, de classe média-baixa. Esta estrutura pode remeter ao gênero do road movie, mas poucos filmes adotam todas as regras deste tipo de narrativa. Eldorado (Bouli Lanners, 2008), com seus dois desconhecidos atravessando o país, ou Aaltra (Benoît Delépine, Gustave de Kervern, 2004), uma improvável aventura pelas estradas sobre cadeira de rodas, podem ser considerados como road movies. Já Home (Ursula Meier, 2008), pela imobilidade dos personagens, e O Iceberg1 (Dominique Abel, Fiona Gordon, Bruno Romy, 2005), pelo uso do mar ao invés da estrada, teriam maior dificuldade em adentrar essa categoria. A estrada 1. O Iceberg foi inicialmente considerado para integrar a mostra, sendo posteriormente substituído por outro filme dos mesmos cineastas, Rumba. De qualquer maneira, ambas produções servem como retrato onírico do tema da fuga no cinema belga. A história de Rumba, marcada por um acidente na estrada e pela consequente dispersão dos dois amantes, apresenta questionamentos semelhantes ao apresentados neste artigo sobre O Iceberg.
10 e a viagem dos protagonistas aparecem como fatores que se sobrepõem ao gênero e à mera temática. A fuga representa uma solução, uma moral oferecida aos personagens, a única saída possível à falta de perspectivas. Nota-se portanto que, embora a maioria dos filmes selecionados tenham clara conotação social, poucos deles são militantes, políticos e propositivos. Estas crônicas da vida no subúrbio, à beira de estradas vazias, terminam em geral com a separação ou desaparecimento voluntário de um dos protagonistas, rompendo a estrutura familiar ou amorosa das tramas. Não se luta contra o sistema, abandona-o. Algumas exceções notáveis compõem a mostra, como A Razão do Mais Fraco (Lucas Belvaux, 2006), no qual um grupo de empregados cede aos roubos e à violência. Mas mesmo neste caso, a intenção dos personagens não é enviar uma mensagem de alerta ao sistema, e sim aproveitar suas fraquezas internas, ou seja, jogar com as mesmas regras de desigualdade social que causam a sua exclusão. Já em Aaltra, Home, Eldorado, O Iceberg, Rumba (Abel, Gordon, Romy, 2008), Área dos Desconhecidos (Caroline Strubbe, 2009) e muitos outros, a solução é mesmo a fuga - e as narrativas completam seu círculo justamente com a partida, ou o reencontro, do(s) fugitivo(s). eldorado, ou o caminho mais longo Os conflitos da comédia dramática Eldorado começam quando Yvan (Bouli Lanners) chega em casa, após um péssimo dia de trabalho, e descobre que sua propriedade foi assaltada. Pior do que isso, o ladrão ainda está no local. O pavor inicial cede ao impasse: Elie (Fabrice Adde), um homem frágil e amedrontado, esconde-se embaixo da cama e recusa-se a sair. Ele implora, chorando, que o morador não chame a polícia. Após algumas negociações entre os dois, Yvan aceita levar o assaltante à casa de seus pais, do outro lado do país. Para a extensão limitada do território belga, isso representa algumas horas, que são esticadas na narrativa para a duração média de um dia inteiro. Quando entram no veículo para iniciar a viagem, o motorista tem ape-
nas uma regra: “Eu não pego a autoestrada”. Não são dadas razões para essa imposição, que também não é contestada por Elie. Assim, por vontade própria, eles fazem um caminho muito mais longo, por pequenas estradas vazias, rumo à fronteira com a França. O ladrão avisa, aliás, que mora na cidade, local caracterizado pelo filme como fonte de todas as perdições do personagem: foi lá que nasceu a sua dependência de drogas. Mesmo a conclusão, amarga, remete ao triste anonimato característico da vida na cidade. As imagens, e a grande parte da narrativa, preferem percorrer o campo, marcado por uma natureza feia, escassa, em dias cinzentos. O carro que atravessa o país está em péssimas condições, ambos os homens são sujos, solitários, descontentes com si mesmos. Nenhum dos dois parece ter amigos, ou relações próximas com os familiares. Eldorado propõe uma estética da desilusão, como uma idealização do anti-herói, acentuado em suas fraquezas e defeitos. Enquanto viajam, a música no rádio repete: “Eu apenas preciso sair daqui”. De certo modo, este é a mensagem de todo o filme, propondo uma saída para Elie (que vai visitar os pais, mas não pretende morar com eles), e também para Yvan, encontrando na motivação do colega uma fuga para seus próprios problemas. O destino tragicômico do filme encarrega-se de somar situações absurdas ao trajeto, como cachorros caindo sobre o veículo, encontro com naturistas e com um homem mórbido, colecionador de veículos envolvidos em acidentes mortais. A intenção do roteiro parece clara: prolongar ao máximo, para o prazer dos personagens e dos espectadores, a convivência entre ambos. Com a estabilidade adquirida pela amizade nascente, uma única conclusão é possível ao filme: a fuga. Eldorado termina justamente quando um dos personagens é eclipsado pela cidade grande. home, ou a fuga involuntária Home funciona com uma estrutura diferente, praticamente oposta à de Eldorado. Uma família feliz, composta pelo pai, a mãe e os três filhos, mora
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12 em uma casa isolada, à beira de uma estrada. O lugar cultiva sua imobilidade: há pelo menos dez anos, a autoestrada está fechada, tornando-se o quintal das crianças, que espalham os brinquedos, os móveis da casa e brincam de hóquei sobre o concreto. A estrada, no início do filme, pertence à família, ao domínio íntimo. Sem vizinhos, amigos ou passantes, os cinco parecem bastar a si mesmos. Quando o pai vai à cidade trabalhar, ou as crianças vão à escola, a câmera permanece na casa, recusando-se a partir com eles. Isso é possível porque a história adota o olhar de Marthe (Isabelle Huppert), dona-de-casa e mãe zelosa. Ela não consegue imaginar uma vida além do espaço físico da casa - os próprios personagens sugerem, em diálogos vagos, a dificuldade que ela teria enfrentado no passado para se adaptar a qualquer outro lugar. Esta mulher fóbica, com dificuldades para atravessar a estrada, mesmo vazia, é a estrutura que sustenta a família. Todos trabalham, estudam e comportam-se de modo a agradá-la. Eis que um dia, subitamente, a estrada é ativada, e os carros começam a passar em grande velocidade. Os móveis sobre o asfalto são recolhidos, constrói-se uma grade delimitando o espaço, e logo o barulho e os olhares dos motoristas passam a entrar na casa. Em poucos dias, o núcleo familiar entra em colapso: a mãe não consegue mais pendurar suas roupas íntimas no varal, por receio do olhar dos passantes, ela não abre mais a janela, e passa a se refugiar nos quartos, no sótão, para escapar do mundo externo. Nesta hora, a estrada torna-se de fato um elemento de perigo, um símbolo de invasão à privacidade dos personagens. É muito interessante a maneira como Home articula a tensão entre os espaços público e privado. O desequilíbrio entre essas esferas se impõe aos personagens, que nunca buscam compreender porque a estrada será ligada, e nunca reclamam de sua condição de vida, cada vez mais precária. A solução é interiorizada: diante da agressão dos carros passando, eles aceitam estoicamente a situação e se refugiam em cômodos menores,
fecham as janelas, as cortinas e colocam tampões nas orelhas. O filme apresenta uma relação de forças potente e simbólica, quando essa grande propriedade familiar (o campo a perder de vista, o gramado ao lado da casa, a estrada infinita) é subtraído aos cinco personagens, da noite para o dia. Assim, a casa é o único espaço inviolável, razão pela qual Martha atém-se às paredes, às janelas e aos objetos, como se estivesse perdendo sua própria identidade. Sua fobia aumenta proporcionalmente ao tráfego de veículos, até o limite do insuportável. Neste ritmo de gradação progressiva e inevitável, apenas uma explosão poderia retirar os personagens de sua clausura, e é literalmente uma quebra de paredes que possibilita novos rumos à narrativa. Os personagens, então, fogem pelo campo, deixando o lar, os objetos e toda a história que construíram nesse lugar. A narrativa se dilui nessa proposta curiosa, meio otimista, meio pessimista, de abandonar o lar invadido para se entregar à natureza selvagem e vazia. o iceberg, ou o destino simbólico Há poucas estradas em O Iceberg, embora o mar exerça um papel semelhante na narrativa. No caso, Fiona (Fiona Gordon) leva uma vida monótona com um marido pouco amoroso, dois filhos com quem nunca conversa, e o pequeno restaurante de fast food onde trabalha. Um dia, tranca-se acidentalmente dentro do frigorífico, sendo obrigada a passar a noite no local. No dia seguinte, acolhida pelos colegas de trabalho, ela começa a desenvolver um desejo crescente de fuga. Mas não uma fuga qualquer: Fiona quer se lançar ao mar, escapar da vida rotineira, e conhecer geleiras, icebergs. Assim, esta mulher determinada abandona a família e o trabalho, oferece-se ao primeiro marinheiro que passa (um homem surdo e mudo, que não sabe nadar) e embarca a bordo de um pequeno barco chamado “Titanique”. O tom adotado por O Iceberg é o da comédia burlesca, com poucos diálogos e muitos gestos dos atores. Embora seja menos realista do
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14 que os demais filmes citados neste artigo, ele também trabalha a noção de absurdo e de improbabilidade. De fato, Eldorado, Home e O Iceberg fazem do absurdo e do caos a único meio de excitação na vida triste dos protagonistas. Eles são personagens marcados por fobias (Marthe e o medo de sair de casa), manias (Yvan e a aversão à autoestrada) e obsessões (caso de Fiona), que funcionam como motores para forçá-los a se rebelarem contra a rotina familiar. A natureza selvagem aparece, nos três filmes, como um terreno de fuga ideal, pela ausência de seres humanos e de regras sociais. Em O Iceberg, Fiona improvisa-se marinheira, mesmo quando as circunstâncias obrigam que viva sozinha no barco. Quando ela finalmente encontra um iceberg, a personagem joga-se com um prazer quase erótico ao objeto, abandonando mesmo o barco - e portanto a sobrevivência. É curioso ver como a entrega total à fuga representa, de certo modo, um flerte como o suicídio: Fiona pretende passar o resto de seus dias sozinha sobre um iceberg, Marthe aceita que seu marido cimente todas as janelas, até não sobrar mais ar dentro da casa, Yvan bate o carro duas vezes, dirigindo embriagado e sonolento, e ainda segue caminho. A saída possível para os personagens é a morte, seja ela simbólica ou efetiva, mas sempre voluntária. Estes três cenários, contemporâneos e realistas, também são marcados por uma separação dos elementos de urbanidade, de tecnologia. Não existe nenhum televisor, aparelho celular ou computador nas casas dos personagens, que também não são vistos com amigos, colegas de trabalho, amantes etc. A desconexão com o mundo externo é o estopim que leva estes personagens a fugirem, mas não rumo à agitação da cidade grande, e sim para a natureza vazia, intacta e misteriosa. Seria tentador apontar estes três filmes (e também outros como Rumba, Área dos Desaparecidos etc.) como metáforas da própria Bélgica, enquanto centro geográfico da Europa, dividido entre culturas e línguas diferentes, entre polos urbano e rural muito distintos. A recusa de um olhar
militante também poderia ser lido de modo sintomático, como uma metáfora da situação política indefinida em que vive o país, ora sede da OTAN e das decisões tomadas na União Europeia, ora nação afetada por desejos separatistas. Mas não caberia neste pequeno artigo uma associação tão ampla, que necessitaria de uma argumentação muito mais profunda, explicando de que maneira a produção audiovisual do país seria uma reflexo direto da política doméstica e internacional praticada nele - argumento bastante questionável, diga-se de passagem. Mas estes inúmeros filmes sobre fuga podem ser lidos como reflexo da indústria cinematográfica belga atual, que adota no gênero “indie” e nas pequenas histórias simbólicas uma maneira economicamente e ideologicamente viável de construir uma indústria nacional. A Bélgica sempre precisou coproduzir a maioria das suas obras (dos três filmes citados, apenas O Iceberg, de baixíssimo orçamento, foi produzido inteiramente pela indústria nacional), e a estrutura simples destes filmes aparece como uma maneira viável de aliar pretensões artísticas e comerciais. As produções intimistas, centradas nos personagens, mesclando a comédia ao drama, garantem em países como a Bélgica (e também a Argentina, Canadá etc.) a sustentação econômica através dos “filmes do meio”, ou seja, as produções de orçamento modesto, mas com potencial razoável de público. A cinematografia belga contemporânea, através dos mecanismos de coprodução internacional e das tramas concebidas para as suas limitações financeiras, conseguiu desenvolver obras de grande qualidade, marcadas pela união louvável entre potencial artístico e potencial de público.
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A Forma do Outro: sentidos possíveis para um cinema sem centro Filipe Furtado
Pouco depois de receber o convite para colaborar com este catálogo, lembro-me de conversar com um amigo cinéfilo sobre a mostra e mencionar que me agradava muito o desejo dela de ir além do óbvio: “é uma mostra de cinema belga sem filme dos Dardenne”, eu disse, no que meu amigo retrucou: “mas os Dardenne não fazem filmes na França?”. Não, pelo contrário. A despeito da presença frequente de atores e produtores franceses seus filmes passam-se todos numa pequena cidade nas proximidades de Liége chamada Sereing e, apesar de nosso olhar estrangeiro buscar frequentemente o que eles têm de universais, são também preocupados o suficiente com as questões locais a ponto do sucesso do filme Rosetta ter ajudado o parlamento belga a aprovar uma lei que protegia trabalhadores adolescentes. Reconto esta pequena anedota e sua distância da realidade, pois a confusão do meu amigo diz muito sobre o paradoxo no centro do cinema belga. Sua cultura cinematográfica existe de tal forma às margens da francesa que a indústria local existe quase como um fantasma em que até seus expoentes de mais sucesso se confundem facilmente com a do seu vizinho dominante. Para a maior parte da cinefilia, a Bélgica deu ao mundo Jean-Claude Van Damme e o ocasional cineasta de arte destinado a ser absorvido pela indústria francesa tão rapidamente quanto apareceu. Um dos efeitos desta marginalização é certa consciência excessiva do próprio
18 espaço e de como ele se reflete em formas emprestadas, uma crise de identidade constante e a certeza de que se esta sempre no terreno do outro. A parte os Dardenne, o cineasta belga mais bem sucedido da última década é o ator tornado diretor Lucas Belvaux. Seus filmes (frequentemente rodados na França, mas sempre com co-financiamento belga) são exemplares muito claros deste dilema. Belvaux ficou originalmente conhecido pela sua trilogia Em Fuga, Um Casal Admirável e Acordo Quebrado, um trio de filmes rodados em sequância cujos personagens principais reaparecem como coadjuvantes nos filmes subsequentes, cada um deles se aventurando por um gênero diferente. O mote já muito bem dado que caracterizaria também seus trabalhos seguintes La Raison Du Plus Faible, O Sequestro de um Herói e 38 Testemunhas: todos exercícios de gênero em que a ideia de cultivar uma mise en scene que melhor der conta de encenar seus variados jogos de narrativas dará sempre um tom. Os filmes da trilogia eram exímios exemplares de modulação narrativa da procura de uma imagem que sirva um drama. Esta procura pelo drama nos filmes de Belvaux ressoa esta já notada crise de identidade do cinema belga. Seu cinema existe na contramão de boa parte do cinema contemporâneo e seu gosto por certa opacidade que frequentemente parece querer anular a dramaticidade das suas situações. Não deixa de ser curioso observar que os maiores sucessos de exportação do cinema belga nos últimos 15 anos, Belvaux e os Dardenne, ambos possam ser descritos como classicistas modernos, cultores de uma ideia de narrativa bem pouco comum no cinema europeu recente. Lucas Belvaux só filmou uma única vez na Bélgica após o sucesso de sua trilogia, em La Raison Du Plus Faible, mas o filme é exemplar das tensões que animam seu cinema, se Em Fuga segue seu filme mais bem resolvido, este e seu novo 38 Testemunhas são seus trabalhos mais característicos. Há um grupo de homens a deriva, a crise econômica no fora de campo lhes fazendo pressão e o aparecer súbito de uma figura de cinema (o ex-presidiário) que lhes dá uma história e uma direção. O resultado é
um filme que flerta com as formas do thriller policial sem jamais se sentir completamente à vontade na nesta pele. Seu movimento de observação para filme de gênero estranhamente apático, resgatado por um final em que a habilidade em delinear o drama de Belvaux consegue escavar um impacto que o filme até ali não conseguia sugerir. O seu caráter híbrido revelando uma insegurança que seus filmes franceses escondem, como se fosse possível somente esboçar o filme policial a distância, observá-lo, mas jamais assumi-lo. A crise de identidade do cinema belga provoca a paralisia até do seu mais bem sucedido realizador do cinema industrial. Esta consciência em trabalhar com formatos já muito consagrados é bem aparente nos trabalhos de dois cineastas menos bem sucedidos que os Dardenne e Belvaux, mas que mesmo assim vem se estabelecendo como figuras carimbadas das mostras paralelas dos grandes festivais europeus: Bouli Lanners e Joachim Lafosse. Filmes como Eldorado (Lanners) e Propriedade Privada (Lafosse) habilmente exploram fórmulas bem estabelecidas do cinema de festivais europeu e oferecem uma espécie de versão B do trabalho de cineastas mais famosos. O status de uma arte decalcada sempre muito visível a cada momento. São filmes aos quais a impressão de subproduto é inescapável, que internalizam em si sua posição como subprodutos dentro da grande indústria de cinema de festivais europeus (que a sua maneira uma maquina de produção de valores menores, mas tão implacável quanto a do cinema americano). Seu espaço é garantido não pelos ocasionais momentos memoráveis que possam oferecer, mas pela necessidade desta indústria de abarcar um numero expressivo de produções. É bom deixar claro que nada disso é um julgamento de valor, Lanners e Lafosse são cineastas hábeis e talentosos que trabalham dentro das brechas que a produção europeia permite. Lanners, por exemplo, tem um olhar dotado de uma naturalidade que desarma. Eldorado, por exemplo, um road movie cuja trama pode a princípio nos trazer a lembrança um filme dos
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20 Irmãos Coen, mas escapa da maior parte das armadilhas de um formalismo excessivo que poderíamos associar a eles, é um filme que ressoa justamente na medida em que se instala no espaço entre aqueles dois homens desencontrados empreendendo a viagem no seu centro. Podemos compará-lo, por exemplo, a outro road movie belga recente, Aaltra, de Benoit Delepine e Gustav de Kervern, em que as situações são bem calcadas numa estilização próximo de nomes como Kaurimaski e Jamursch, para observar como no segundo filme as situações tendem a uma camisa de força asfixiante enquanto nas mãos de Lanners todo momento por mais calculado e artificial que aparente ser sempre encontra seu ponto de respiro. Já Lafosse tem uma facilidade muito grande para as modulações dramáticas e trabalho com atores (especialmente em Lições Particulares) que driblam a forma um tanto calculada como seus filmes se constroem; o todo por vezes soa derivativo, mas cenas individuais são sempre marcantes. Uma comparação entre Lanners e Lafosse é bem informativa da maneira como se pode negociar esta posição de cineasta de uma indústria marginal. Num filme como Propriedade Privada impera o sentimento generalista, um desejo pelo universal, os olhos de Lafosse parecem fixos na vizinha França (não a toa o filme todo é centrado na presença de cena de Isabelle Huppert), um sentimento transnacional que ele viria finalmente alcançar em A Perder a Razão (2012). Já em Lanners se pega todas estas estruturas batidas sejam num road movie como Eldorado ou numa narrativa fabular com adolescentes como Les Geants e busca-se justamente reforçar uma regionalidade, um sotaque próprio, aproximar-se das formas consagradas e não simplesmente vampiriza-las. Um viés especialmente rico que esta marginalização do cinema belga permitiu é justamente o do cinema que existe num meio termo entre o experimental e o filme de gênero. Esta descentralização e falta de identidade produziu um número grande de filmes que podem ser descritos como parte de um avant garde pop art. Nem todos são filmes completamente bem
sucedidos, mas eles combinam um trato formal cuidadoso com um uso consciente de reciclagem como peça essencial de criação, suas imagens sedutoras não escondem serem filmes que brotam de um estado de crise. É um processo que pode ser notado, por exemplo, Noite Negra de Olivier Smoulders, parte surrealista, parte sonho de terror, o filme de Smoulders é um tanto quanto calculado no seu uso de imagens de impacto ao mesmo tempo sedutoras na sua concepção e bastante incomodas no conteúdo, mas muito marcante. O que resta do filme é muito menos seus momentos de estranhamente, do que a noite do título sempre muito atmosférica e em especial um uso de sombras e cores escuras dos mais expressivos. Ainda no terreno dos filmes sedutores vale a pena destacar Amer, de Hélène Catte e Bruno Forzani, uma homenagem ao horror italiano, em particular aos filmes de Mario Bava e Dario Argento. Delírio maneirista sobre delírios maneiristas, Amer é o exercício formalista por si mesmo levado a um raro extremo. Se Noite Negra revia a ausência de imagens da Bélgica como um imaginário de pesadelo, Amer a esvazia por completo, restam somente imagens sobre imagens que já eram elas próprias esvaziadas e desconectadas, seu terror brota menos da precisão com que os realizadores aterrorizam sua personagem principal, mas do vazio no seu centro. No extremo oposto se encontra o trabalho de Johan Grimonprez todo voltado para redimensionar nossa memória audiovisual como receptáculo de toda uma história de desastres. Seu Double Take (2009) usa a figura de Alfred Hitchcock para retomar a memória da Guerra Fria e torna-la contemporânea, a história revista como uma série de ecos que se repetem e ressoam na cultura popular. Usando amplo material de arquivo entorno da figura de Hitchcock, cineasta e persona pública, o filme articula um ensaio sore história, mas também sobre identidade e a maneira como a mise en scene cotidiana se mistura a dos filmes.
No seu centro a ideia do duplo,
da imagem que leva a outra, de como a guerra fria da década de 1960 e a guerra ao terror dos anos 2000 se espelham, da angustia de se ter uma
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22 identidade fluida e indefinida, a algo reforçado pela sugestão de que assistimos Alfred Hitchcock protagonizando um pastiche de Jorge Luís Borges. O próprio Grimonprez atua em múltiplas frentes, no cinema e na vídeo art e a imagem dupla de Double Take é acompanhada da consciência das diferentes maneiras de como uma imagem pode ser consumida. Se em um filme como Amer traduz o terror de uma existência invisível por meio de uma imagem esvaziada, o horror de Double Take é justamente o excesso de significado, as imagens mais banais recuperadas por Grimonprez se tornam perturbadoras justamente por estarem imbuídas dos mais variados sentidos. Se em muitos filmes belgas o apelo do universal é uma questão de atravessar a fronteira, em Double Take é um caso de evocar todo um imaginário coletivo ocidental e localizar nele o mesmo inescapável sentimento perturbador. O maior sucesso de exportação da Bélgica para a indústria cinematográfico é mesmo Jean-Claude Van Damme e este astro de filme de ação não só protagonizou o filme que melhor traz para dentro de si a própria posição marginalizada do cinema belga, mas lhe empresta o nome e a associação constante da sua desastrada vida fora das telas. Assim como em Double Take, a imagem de JCVD traz com ela se duplo: Van Damme interpreta “JeanClaude Van Damme” astro de filmes de ação decadente que a certa altura se vê as voltas com uma situação (um assalto a bancos) que poderia sair de um dos seus filmes.
A crítica habitual a figuras como Jean-Claude Van
Damme é de que no fundo eles nunca estão atuando. Este não deixa de ser o ponto deste JCVD, um filme todo construído a partir da ideia de sinceridade e a possibilidade e impossibilidade dela num universo de mídia saturada. O assalto que serve de mote narrativo pode parecer uma situação banal e simplista, mas o diretor Mabrouk El Mechri usa-o como forma de colocar o ator na posição de interpretar diferentes papeis para diferentes interlocutores que por sua vez tem olhares e expectativas muito diferentes a seu respeito. Tudo em JCVD é consciente da sua própria condição de dispensável
e numa das melhores sacadas do filme a codificação de nossa memória audiovisual alcança todo o cinema: Van Damme até tem a chance de protagonizar um remake de cena final de Pickpocket do Bresson três anos depois dos Dardenne refilmá-la em A Criança, nem mesmo a pureza de Bresson pode escapar a indústria.
Deve-se dizer que JCVD inverte a má-
xima do cinema belga contemporâneo, no lugar de procurar exportar uma sensibilidade, o filme importa um diretor francês para melhor dar conta de um tema (Van Damme) local. Se boa parte do cinema belga responde a sua marginalização com um temor, JCVD responde a ela com uma honesta crença na sinceridade: da mais baixa indústria brota o momento em que se rompendo os filtros Jean Claude Van Damme entrega um monólogo sobre seus próprios fracassos onde as suas fragilidades se tornam sua maior qualidade. A falta de centro é preciso responder com um elemento autêntico e se Jean Claude Van Damme cabe sempre o papel de si mesmo, nada melhor do que músculo de Bruxelas para retirar o cinema belga da sua própria crise de identidade.
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Do clown à caricatura: o riso segundo os belgas Heitor Augusto
Apontar a diversidade como característica de uma cinematografia conectada com tendências mundiais contemporâneas é redundante e de longe não é, por si só, uma qualidade.
No caso da produção da Bélgica – que não é um país de dimensões continentais como o nosso, mas é formado por encontros de culturas que respingam especialmente na língua –, não há distinção apenas de gêneros cinematográficos, mas de abordagens dentro dessas próprias filiações. Tratar-se-á neste texto de uma delas: a comédia. A mais evidente é o humor caricato dos filmes de Dany Boon. Em Nada a Declarar (2010), o que importa é a ultraexposição dos traços. Se numa charge caricatural saltam as partes físicas (nariz, boca, orelha etc), no humor cinematográfico predomina a oposição entre esta e aquela cultura, modos distintos de ver e estar no mundo, de lidar com o outro, que você insiste em apontar como diferente mas, num olhar mais atento, se parece mais com você do que você mesmo gostaria. Talvez para uma audiência francófona familiarizada no dia a dia com as raízes históricas de como franceses e belgas enxergam uns aos outros e a si próprios, Nada a Declarar ou A Riviera Não é Aqui, longa anterior de Boon, não passem de uma gigante bobagem. Para mim, como brasileiro, seus filmes revelam um ruído cultural que desconhecia. E me interessa pensar
26 também a diferença de tratamento desse ruído em comparação com outros países francófonos. Em Quebec, por exemplo, as diferenças de cultura são enxergadas no cinema com muito mais seriedade. A galhofa tem mais vazão ou na música ou na televisão. Os quebequenses que santificam o joual, o dialeto que difere do francês na pronúncia e na gramática, usaram justamente o chiste musical para responder ao nariz torcido ao preconceito linguístico. Vide a canção Le Joual, do Mononc’ Serge: “Fuck ceux-là qui disent qu’on parle mal” (“Fodam-se os que dizem que eu falo errado”). Não esqueçamos que “tratar da língua é tratar de um tema político”1 Voltando a Nada a Declarar. Se na via França-Bélgica o preconceito respinga fortemente na língua, na direção oposta surge uma reação nacionalista, xenófoba. É no humor pautado pelo exagero dos traços que Boon se aproxima do calo no sapato europeu. Assistir ao personagem ressaltando os feitos do “Grande Reino da Bélgica” ou “argumentando” como até a lua prefere esta porção de terra belga àquela francesa, não há como não lembrar de Hannah Arendt. […] Vemos que um verdadeiro preconceito pode ser reconhecido porque nele se oculta um juízo já formado, o qual originalmente tinha uma legítima causa empírica que lhe era apropriada e que só se tornou preconceito porque foi arrastado através dos tempos, de modo cego e sem ser revisto.2 Nada a Declarar propõe, com a caricatura, uma revisão desse preconceito. Infelizmente, como já prenunciava desde o começo, não é um filme de ruptura de valores. Toma o caminho mais fácil, o da alienação, destilando a mensagem superficial, ainda que haja um lapso de verdade, de que o amor tudo supera. Dança, inadequação e desesperança Numa outra frente de comédia estão as parcerias do trio Fiona Gordon, Dominique Abel e Bruno Romy. Se em Nada a Declarar é a língua a prota1. BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. São Paulo: Loyola, 2009. 2. ARENDT, Hannah. O que é política?. Rio de Janeiro: Ursula Ludz, 2002.
gonista, em Iceberg (2005) e Rumba (2008) o corpo é o veículo, aquele a carregar e representar o choque do “eu” com o “mundo”. Não fosse o investimento pesado na artificialidade dos gestos e dos espaços ambos os filmes jamais alcançariam a comédia que provoca o riso, mas, logo em seguida, te faz questionar “é cômico ou trágico o que estou vendo”?. “Comédia é a equação ‘tragédia + tempo’”, já dizia o outro. Fiona, Dominique e Bruno exploram com inteligência a matriz comum da tragédia e da comédia. Parte fundamental da ambiguidade é a filiação do trio ao clown. A inadequação ao corpo social, a incompreensão dos porquês que explicam seu lugar no mundo e a forte sensação de que jamais irá conseguir acompanham o casal Fiona e Dom – ela em geral vítima das trapalhadas causadas por ele, tão feio, careca e magro quanto o Woody Allen derrotado de Um Assaltante Bem Trapalhão (1969). Mais apropriado talvez seja a comparação não com o comediante nova-iorquino, mas com Harry Langdon (1884-1944). Um filme como Luck o’ the Foolish (1924) ilustra a sorte do bobo Dom em Rumba, que mesmo perdendo a memória permanece surpreendentemente protegido durante todo o filme, seja pelo cuidado do outro, seja pela própria inconsciência de sua situação. Assistir aos filmes de Fiona, Dominique e Bruno é como entrar pelo mesmo buraco na terra que atraiu Alice. Verossimilhança não existe. Reinam as atitudes que fogem à lógica (cair da cama enquanto dorme, mas não acordar após o tombo) e a incompreensão do outro a um código particular de comportamento. Ainda no recorte desta mostra, resta também espaço ao humor negro, não raro atrelado a personagens mergulhados em ambientes que lhes oferecem nada, a não ser razões para cultivar a desesperança. Caso de Eldorado (2008), título abertamente irônico, já que o lugar das riquezas não existe no horizonte dos personagens. Ou especialmente de Aaltra (2004), no qual em vez de se vitimar os protagonistas cadeirantes, o filme os retrata como genuínos pilantras aproveitadores.
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cinema contemporâneo belga: incômodo e desesperança Martinho Alves da Costa Junior Não estamos na Itália, em Ledeberg não há amor1
cinema inquietante Há algo de perturbador no cinema belga contemporâneo. Ao mesmo tempo em que as relações se dão quase sempre de modo inesperado, por diversas vezes acabam malogradas. Não se trata de pessimismo aos moldes de Bergman ou das vinganças comumente fracassadas de certos filmes da Coréia do Sul. O que temos de fato é certo mal estar, um não-sei-o-quê que incomoda e corrói como ferrugem as personagens de muito dos longas. O conjunto de filmes criteriosamente selecionados para esta mostra deixa transparecer esta ideia. Em primeiro lugar é preciso ter em mente que não se trata de categorias gerais ou alguma coisa verdadeiramente inerente ao cinema belga, antes é uma constatação que nasce do embate direto com os filmes produzidos nos últimos 10 anos. Na epígrafe, retirada do filme Moscou, Bélgica (cujo título original Aanrijding
in Moscou é mais justo com a proposta do filme, algo em torno de Colisão ou acidente em Moscou), 2008, de Christophe Von Rompaey, a personagem Matty diz ao seu pretendente essas palavras amargas que exprimem uma aporia aos sentimentos de proximidade. Notemos que a personagem é construída neste escopo: suas blusas largas são suficientemente boas para cobrir seu corpo, o que é corroborado pelo braço que em diversas vezes envolve seu abdômen. Ela se pro1. Frase retirada do Aanrijding in Moscou (Moscou, Bélgica), 2008 de Christophe Van Rompaey.
30 tege, está sempre séria e a rigor não sorri. A caracterização de sua personagem vai ao encontro do que ela mesma fala sobre a Monalisa de Leonardo da Vinci. Johnny, que tenta de diversas formas conquistá-la, a compara com o famoso sorriso que a figura no quadro do pintor expressaria. Ela retruca imediatamente: Monalisa não está sorrindo. Ela está tomada de tristeza. Ela tenta se esconder, está presa. Uma leitura, aliás, muito interessante e pertinente sobre a famosa Gioconda. Ao mesmo tempo em que diz respeito à própria personagem, lembra intimamente a leitura que o historiador da arte Walter Pater realiza a partir de Monalisa em um livro de 1873; e esta aproximação não é gratuita. Diz Pater sobre a tela: As pálpebras estão um pouco cansadas. […] Ela é mais velha que os rochedos entre os quais senta; como o vampiro, ela morreu várias vezes, e aprendeu os segredos da tumba; e mergulhou em oceanos profundos, e guardou consigo suas luzes alquebradas; e traficou para obter estranhas rendas com mercadores do leste, e, como Leda, foi a mãe de Helena de Troia, e, como Sant’Ana, a mãe de Maria […]. O devaneio de uma vida perpétua, reunindo dez mil experiências, é velho; e a moderna filosofia concebeu a ideia da humanidade como influenciada por, e resumindo nela própria, todos os modos de pensamento e de vida. Certamente Lady Lisa pode manifestar a encarnação do velho devaneio, o símbolo da ideia moderna2. Por certo, a leitura de Pater é possível porque ele está embebido em uma cultura do decadentismo e do simbolismo do final do século XIX. Uma cultura em que temas como os excessos, o luxo, a destruição e a morte caminhavam juntos. É a cultura, por exemplo, de um Félicien Rops, Gustave Moreau, Oscar Wilde ou Johann Strauss. Isto significa que a leitura de Pater está em consonância e, em última instância, só era possível de ser realizada naquele ambiente. Mas a descrição precisa e pujante, uma vez na história da cultura, faz parte de modo inatacável à imagem de Leonardo. 2. PATER, Walter. The Renaissance: Studies in Art and Poetry, 1873. Disponível em: http:// www.gutenberg.org/dirs/etext03/8rnsn11.txt
Se colocarmos então a frase de Matty sobre a Monalisa a partir deste prisma podemos também constatar, assim como em Pater, que tais palavras são possíveis pensando em uma Bélgica de hoje, mais especificamente em Ledeberg (bairro da cidade de Gent, cujo bonde no filme faz o trajeto entre este bairro e o bairro de Moscou, apenas a dois quilômetros e meio da catedral de Saint Bavo, local do celebérrimo políptico dos irmãos Hubert e Jan van Eyck). Mas, parece claro que, uma vez enunciada, o peso dado à Monalisa e também à personagem e ao filme de Rompaey tornam-se características que corroboram nos aspectos pontuados aqui. São nestes pequenos bairros que a trama se descortina, portanto se parte de um ponto específico e o filme realmente não procura justificativas gerais, mesmo que os sentimentos o sejam. As personagens do longa-metragem possuem um aspecto declaradamente humilde, em que as roupas são simples, os cabelos desgrenhados e os espaços internos (basicamente na casa de Matty), embora apareçam pequenos, não são claustrofóbicos. A água da banheira na qual Matty toma banho é turva, tem a aparência quase suja. Esses elementos são indicativos na construção do filme, sugerem ou apontam para algo inquietante. O filme tem suspiros positivos, em diversos aspectos parece um conto de fadas, mas sempre há uma enorme fragilidade das coisas, não apenas físicas como de ordem das personagens que estão a ponto de trincar. dos encontros inesperados Neste mesmo filme aparece algo que certamente é uma constante neste cinema. As personagens principais, Matty e Johnny, encontram-se pela primeira vez de modo abrupto. É a partir de uma colisão em um estacionamento que tudo se desenvolve. As primeiras impressões e também marcas gerais das personagens são expostos nesta situação. Ela, com seu carro cinza e sujo, ele com seu caminhão impecavelmente limpo e amarelo, reluzente. Ele torna-se então, aos olhos de Matty, um estorvo que aos poucos vai ganhando outros contornos.
Aaltra, 2004 de Benoît Kerven e Gustave Délépine, por exemplo, têm desenvolvimentos bem distantes. O ambiente criado é de um fino pessimismo que vai
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32 aparecendo pela fadiga das personagens, uma apatia que se constrói dia após dia. A impressão é de que as personagens não possuem forças para que a situação possa ser diferente. A história centra-se entre dois vizinhos. Aparentemente eles não mantêm nenhuma relação, ao contrário, o que se constata nos primeiros minutos é um ódio erguido pelos dois, quase simultaneamente. Eles serão obrigados a conviver, diferentemente de antes, pela condição que sofrerão. A aproximação entre eles será quase um ato de sobrevivência. Contudo, eles só se encontram a partir, também, de um acidente, desta vez com um trator. A situação ainda é mais evidente com Eldorado, 2008 de Bouli Lanners. Aqui o encontro inesperado parte de um assalto malogrado. Assaltante e assaltado passam a dividir momentos em um espaço fechado que é um carro, em um filme que parece um Road Movie. O longa, de fato, procura fugir de uma visão glorificante em que os corações bondosos inflam vida por onde passam como acontece em boa parte da produção nacional. No cinema de Lanners, com tomadas que privilegiam a amplidão dos espaços e a proximidade de câmera com as personagens, o que importa é como se dão as relações, instâncias que passam certamente por crença (ou seja, em acreditar, apostar em algo e/ou alguém) e que em via de regra é impossível. lar, doce lar Um sentimento de perda ou de não pertencimento se sobressai nestas produções. Filmes como JCVD, 2008, de Mabrouk El Mechri, Home, do mesmo ano de Ursula Meier, Nue Propriété3, 2006, de Joachim Lafosse, La Raison du
Plus Faible3, 2006, de Lucas Belvaux, entre tantos outros mantêm essa veia, por assim dizer, contestadora como epicentro do discurso e de suas imagens. O extremamente forte Nue Propriété4 tem como desenvolvimento principal o relacionamento entre as três principais personagens, Pascale, Thierry e François (interpretado respectivamente por Isabelle Huppert, Jérémie Renier e Yannick 3. Título em português: A razão do mais fraco. 4. Título em português: Propriedade privada.
Renier). Thierry e François são irmãos gêmeos não idênticos e Pascale, a mãe, é divorciada e procura reestabelecer uma vida afetiva com um vizinho. O problema central é a venda da casa em que os três moram. Se por um lado, Pascale quer viver sua vida, os dois, sobretudo Thierry, não suporta esta ideia. De fato, os filhos que são bem crescidos se comportam como crianças. Não é bem a ideia de filhos mimados que transparece e sim um forte acento infantilizado. Os dois têm boas relações, inclusive com a mãe. Dão opiniões na roupa, dizem se o cabelo está ou não bom, ao mesmo em tempo que, entre eles, andam junto de moto e tomam banho juntos. Todo esse alicerce que parece firme e duradouro entra em colapso – ou, visto de outra maneira, o que era firme na realidade era quebradiço – pelo simples ato de liberdade da mãe, cansada e ao mesmo tempo reprimida.
JCVD, que tem uma característica bem marcante e por si só interessante, dialogar o enredo com a história de Jean-Claude Van Damme, filmado de maneira inteligente, pensa em diversos aspectos que poderiam ser exemplos ou temas centrais na discussão do cinema belga contemporâneo. Entretanto, neste ponto específico Van Damme, que volta a sua cidade natal, é encurralado sem mesmo saber bem porquê. O papel avassalador de diversas instâncias do mundo de um star é posto de modo a estes elementos fazerem eco em todo o filme. Mesmo o protagonista sendo belga, há um sentimento de perda de espaço, de localidade, de não pertencimento como se ele não mais coubesse ali. enfim, a apoteose Para finalizar, a cena final de La raison du plus faible5, vai ao encontro com absolutamente tudo o que foi dito. O desfecho apoteótico do filme é em si melancólico. As personagens são intimamente ligadas, mas todos possuem certo rancor, guardam mágoas, são em possibilidade inconstantes. Se existe alguma síntese das características apontadas, certamente aparecem com maior visibilidade neste filme assinado por Lucas Belvaux, que inclusive atua no filme com um papel cativante, misterioso: extraordinário. 5. Título em português: A razão do mais fraco.
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“French fucking idiots” ou chocolate com castanhas de caju Raphael Fonseca
Nestas últimas semanas de produção desta mostra de cinema, nossa produtora se deparou com outra retrospectiva acerca do cinema belga. Realizada dentro do FESTROIA, o Festival Internacional de Cinema de Setúbal, em Portugal, em seu website é possível encontrar um texto comentando a edição anual da “homenagem a um país” que, claro, vem a ser a Bélgica. Intitulado “De Bruxelas com carinho”, a primeira frase deixa clara a abordagem acerca da cultura deste país: ... o 29º FESTROIA escolheu o reino dos chocolates, das batatas fritas, da cerveja e do Tintin, um país com 10 milhões de habitantes, duas línguas oficiais, e, enquanto coração da União Européia, a casa de quase tantos diplomatas e correspondentes estrangeiros quanto Washington.1 Logo na sequência da escrita, o curador britânico Phillip Bergson continua com sua descrição do cinema belga e afirma que “são muitos os actores talentosos e as lindas actrizes que pensamos serem franceses mas que, na realidade nasceram na Bélgica...” e termina por definir a região geográfica como “um país de diversão e amizade, humor e surrealismo”. Em um primeiro momento, a reação que tive foi de ficar impressionado com esse rótulo um tanto quanto simples da cultura belga. Assim como o Brasil se resume, como uma vez uma crítica de arte russa me disse, a calor, praias, samba e pessoas nuas, a Bélgica poderia se concentrar em torno 1. BERGSON, Philipe. De Bruxelas com amor. Acesso em 7 de julho de 2013. [http://www. festroia.pt/belgium-homage.php]
36 de alguns ícones que, mais do que “nacionais”, funcionam numa chave da projeção internacional. A culinária, a história em quadrinhos e uma pitada magrittiana de surrealismo, nessa perspectiva, é o que tangenciaria sua identidade cultural. Não me parece, de todo modo, algo que pode ser incriminado de modo unilateral. Sabemos muito bem como essas afirmações não se dão de modo aleatório, mas geralmente são construídas historicamente e mesmo incentivadas pelas administrações públicas. As batatas fritas, por exemplo, em inglês chamadas por “French fries” e que no francês são nomeadas por “pommes frites” ou “patates frites”, seriam uma invenção belga. No anseio por ser criar traços de uma cultura própria, um jornalista belga chamado Jo Gérard alegou ter encontrado um documento de 1781, assinado por um ancestral, Joseph Gérard, intitulado “Curiosidades da mesa na Bélgica”. Esse parente escreve que Os habitantes de Namur, Andenne e Dinant tinham o costume de pescar no Meuse atrás de pequenos peixes e fritá-los, especialmente entre os pobres, mas quando o rio estava congelado e a pescaria se tornava difícil, eles cortavam batatas na forma de pequenos peixes e os colocavam numa fritadeira.2 Essa espécie de ansiedade por marcos identitários faz com que exista em Bruges, na região falante do flamengo, um museu chamado “Frietmuseum”, o Museu das Fritas. O “French”, então, da língua inglesa, parece ser justificado através de uma utilização do termo pelos exércitos estadunidenses que chegaram à Bélgica durante a Primeira Guerra Mundial. Ao provar a iguaria local, por estarem baseados na região francófona do país, eles teriam associado a culinária à língua francesa e, voilà, “the French fries”. Anedotas não confirmadas à parte, é interessante pensar como a imagem de um país se molda através desses fluxos culturais que tem mais costuras soltas do que pontes de transferências claras. 2. HENRY, Hughes. La Frite est-elle belge?. Acesso em 7 de julho de 2013. [http://www. frites.be/v4/index.cfm?context=article&ContentID=354]
Alguns desses traços da cultura popular aparecem nos filmes de nossa mostra. Em “Aaltra”, uma espécie de comédia de erros pautada no formato de um road movie (talvez um “road movie de erros”), os personagens centrais, após sofrerem um acidente e já estarem paraplégicos, resolvem ir rumo a Finlândia, país que sedia a empresa que fabricou o trator que os feriu. No percurso, porém, fica clara a fascinação de um deles pelo motociclismo. Após passarem por uma espécie de feira de novas motos, um deles engana o vendedor, nitidamente um homem nascido nos Estados Unidos, e rouba por algumas horas uma máquina de alta potência. Uma vez capturado, a primeira frase que este homem diz após jogar sua cadeira de rodas e recuperar seu objeto é “French fucking idiots!” (algo como “malditos idiotas franceses!”). Interessante pensar como se retorna ao tópico da alteridade tal qual na tradução para “French fries” e a Bélgica é mais uma vez bloqueada pela língua francesa. Mais do que isso, a diferença linguística entre inglês e francês é reforçada de modo muito claro entre uma cultura supostamente inteligente, ao ritmo do capital, e aquela cultura que não é a “sua” (do personagem falante), ou seja, que é “outra” e, por tabela, “fucking idiot”. Os outros poderiam ser suecos, italianos ou mesmo finlandeses; todos seriam idiotas, mas o que nos serve aqui é constatar um apagamento da suposta identidade belga. A Bélgica se configura de modo idiossincrático devido à sua pequena extensão territorial e à sua aparente divisão entre territórios que se comunicam de modo diferente. Ao norte, uma cultura batizada por “flamenga” e em contato direto com um passado compartilhado junto à sua vizinha Holanda. Ao sul, uma região fronteiriça com a França e que tenta não se deixar ficar à sombra de seu vizinho. Quase que ao centro, por vezes destacado de seu mapa geral, assim como o projeto gráfico dessa mostra, com um estatuto simbólico de ilha, temos Bruxelas, capital onde, supostamente, se fala o flamengo e o francês. Com uma clara intenção de representação internacional
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38 por ser sede da União Europeia, basta, porém, caminhar um pouco pela cidade para perceber que as placas, o transporte público e mesmo o atendimento nos estabelecimentos comerciais pende para a língua francesa. As línguas podem ser diferentes, mas foi muito curioso durante esse processo curatorial perceber que existe um tópico claro na produção belga recente de cinema: a noção de deslocamento. A maior parte dos filmes aqui selecionados está pautada em uma apreensão da paisagem geralmente pelo ponto de vista do viajante, ou seja, as narrativas se iniciam geralmente através de encontros que fazem com que os protagonistas saiam de seus lugares seguros.3 Quando isso não ocorre de modo explícito, personagens surgem de modo curioso dentro do espaço privado e agora instável de outros indivíduos.4 Essas peculiaridades me fizeram buscar relações com a história da imagem na Bélgica e recordar de um importante texto datado de 1572 e de autoria de Domenicus Lampsonius. Em vez de nos determos apenas a uma leitura cliché da iconografia popular da Bélgica contemporânea, talvez seja interessante cruzar essa escrita do Renascimento com as imagens encontradas nos filmes selecionados para essa mostra. Lampsonius, humanista, pintor, colecionista e poeta nascido em Bruges, em 1532, e falecido em Liège, em 1599, escreveu um texto intitulado “Pictorum aliquota celebrium germaniae inferioris effigies”, uma compilação de poemas dedicados a vinte e três artistas que viveram entre os séculos XV e XVI. O que chama a atenção em sua escrita, como aponta a historiadora da arte Maria Berbara, é o modo como ele busca construir uma identidade própria da arte do então chamado “Norte da Europa”.5 Em outras palavras, 3. “Eldorado” se inicia através de assalto a uma residência e desemboca numa viagem pela Bélgica, enquanto “Ex drummer” se constrói a partir do encontro entre quatro personagens a fim de dar vida a uma banda de rock. 4. Possível exemplificar com a invasão no seio privado que a construção de uma autoestrada causa na família central de “Home” ou na figura do vizinho flamenco que se apaixona por uma dona de casa francófona e que pretende vender seu único imóvel, contra a vontade de seus filhos, em “Propriedade privada”. 5. BERBARA, Maria. “Propria Belgarum laus: Domenicus Lampsonius e as Pictorum aliquot celebrium germaniae inferioris effigies” in Revista de História da Arte e Arqueologia. Campinas: Editora UNICAMP, volume 8, pp. 1737.
em vez de se colocar em uma posição de admiração e diminuição perante os grandes nomes então vivos da produção artística na Itália, como Michelangelo e Tiziano, Lampsonius elogia e busca aquilo que seria próprio à arte dos “Países Baixos”. Ao comentar a obra de Jan van Amstel, diz: A glória própria dos belgas é bem pintar os campos; a dos italianos, homens ou deuses; é por isso que se diz, com razão, que o italiano tem o cérebro em sua cabeça, e o belga, em sua hábil mão. Jan, preferiste portanto que tua mão pintasse bem paisagens, a que tua cabeça pintasse mal homens e deuses.6 Lampsonius coloca de modo explícito uma problemática típica de meados dos tratados de arte do século XVI. Do mesmo modo que o historiador contemporâneo a ele e inclusive seu amigo, Giorgio Vasari, elogiava Michelangelo por ele ser favorável à representação idealizada do corpo humano nu e com cunho narrativo, na melhor recodificação da antiguidade greco-romana, o escritor belga elogia Jan van Amstel por ser um precioso imitador da natureza e detalhista quanto à paisagem. Não só aqui a potencialização dessa característica merece atenção, como também, por exemplo, quando elogia Herri met de Bles: “Foi a própria localização excelente de sua pátria que dele fez um artista; nenhum mestre ensinou-lhe. A pequena Bouvines invejou a glória de sua vizinha e criou Henrique, hábil na pintura de paisagem”.7 A própria geografia, o próprio entorno paisagístico, apela para sua forma e imprime a preferência de gênero artístico do pintor.
6. Ibidem, pág. 25. 7. BERBARA, Maria. Op. cit., pág. 27.
[Herri met de Bles – “A fuga para o Egito” – 17x21cm – circa 1550]
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40 Acho interessante trazer esses exemplos para a contemporaneidade e se olhar novamente os filmes dessa mostra e sua nítida insistência pelas visões da paisagem. Planos que deixam clara a pequeneza da figura humana perante as autoestradas ou mesmo em momentos de deslocamento pedestre são constantes em todas as narrativas aqui pautadas no desbravar do território belga. Se, por um lado, poderíamos atribuir isto a uma proposição estética típica de um road movie, não poderíamos enriquecer essa leitura também com uma perspectiva anacrônica da própria construção de uma identidade belga pautada na observação de sua própria produção de imagens durante o Renascimento? Quando o autor elogia a produção do grande Pieter Brueghel, apenas resta citar um artista de geração anterior: Quem é este Hieronymus Bosch, renascido no mundo? Quem, tão hábil na arte de imitar os sonhos fantásticos do mestre com o pincel e o lápis, é capaz até mesmo de superá-lo? Louvado sejas, ó Petrus, louvado pela tua arte. Em teu gênero de pintura (e no de teu mestre), pleno de humor e engenho, mereces de todos, em todos os lugares, o prêmio da laude, não inferior a de nenhum outro artista.8 Não só pintores de paisagens, mas os artistas belgas se destacariam, nessa perspectiva, por serem representantes das chamadas “pinturas de gênero”. No lugar das grandes narrativas católicas em grande formato, tal qual vistas na Itália, estando imersos em um ambiente com uma religiosidade que se dava de outro modo, menos permeado pelo pathos e que caminhava rumo ao protestantismo, os pintores belgas se tornaram especialistas em quadros de pequeno formato que utilizavam de contos populares a fim de levar mensagens sobre o correto comportamento do homem. Longe dos grandes santos e dos fatos célebres, os protagonistas aqui são os homens comuns e suas banais atividades como o comer, o trabalhar e as relações interpessoais. 8
Ibidem, pág. 30.
Essa construção historiográfica de Lampsonius também me faz lembrar como os filmes dessa mostra estão pautados numa aparente “arte do encontro”. Personagens se esbarram e uma sucessão de situações por vezes bizarras se desencadeia: um acidente de carro apaga a memória de um homem em “Rumba”; uma batida no estacionamento de um supermercado proporciona primeiro o ódio, depois a paixão entre uma mulher madura e um jovem em “Moscou, Bélgica”; dois cadeirantes partem rumo às longínquas terras finlandesas em “Aaaltra”. As ações se dão, portanto, de baixo para cima. Melhor do que um “cinema surreal”, talvez possamos falar de uma produção audiovisual enfocada no lado irreal e improvável da vida, apostando suas fichas em encontros que por vezes parecem beber de um realismo quase fantástico, assumindo o caráter ficcional da arte do cinema. Do mesmo modo que ao contemplarmos uma pintura de Herri met de Bles as figuras humanas quase que somem perante sua vontade de representar a paisagem, deixando a narrativa numa segunda instância, talvez seja interessante observar esses filmes para além das batatas fritas belgas. Não se trata, porém, de esquecer a carga quase turística desse cinema, por algumas vezes colocada como problema em seus filmes (não à toa Van Damme é título e protagonista de um deles), do mesmo modo que nós, brasileiros, não queremos esquecer Carmen Miranda. O convite aqui é de uma ampliação da leitura da arte cinematográfica, mais pautada em uma perspectiva transhistórica e transdisciplinar, quiçá a dialogar com os pressupostos dos chamados “estudos culturais”. Quem sabe assim os belgas possam deixar de ser meros “French fucking idiots” e seu típico chocolate seja acrescido de algumas castanhas de caju.
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Entrevista Entrevista feita pelo The Film
mo, então não fizemos nada desse
Stage com Michaël R. Roskam e
tipo. E, na verdade, nós tínhamos
Matthias Schoenaerts
esperança, mas eu esperava, hones-
[28/02/2012]
tamente, que os irmãos Dardenne com “O garoto da bicicleta” iriam
Gostaria de te parabenizar pela indi-
ser os pré-indicados porque se
cação ao Oscar. Tenho certeza de que
você olhar sua lista de festivais e de
deve ter sido uma montanha-russa
prêmios, eles estavam ganhando e
desde derrotar os Dardennes [Jean-
também o seu status – quero dizer,
Pierre e Luc Dardenne] e chegar tão
eles são caras grandes. Eles são
longe agora. Você poderia falar sobre
grandes no nosso país.
esse processo na Bélgica? Você teve
Então eu estava “Okay, tudo bem.
de fazer campanha assim como estú-
Não é tão ruim se forem os irmãos
dios aqui nos Estados Unidos fazem?
Dardenne”. Ser vencido pelos irmãos
MRR: Bem, nós não fizemos re-
Dardenne não é um desastre, quero
almente... A questão é – o filme foi
dizer, tudo bem. Mas, então, nós
lançado no começo de fevereiro e
fomos os escolhidos para a Bélgica
nós tivemos muitas críticas boas.
e, então, foi de repente excitante e
Os críticos nos amaram, a imprensa
também com um pouco de pressão.
amou o filme e a audiência também
Eu me senti como “e se nós nem en-
– então nós também fomos um su-
trarmos na lista dos indicados?” As
cesso comercial. Quase quinhentas
pessoas provavelmente diriam, sabe,
mil pessoas de um território de seis
“Está vendo? Deveríamos ter enviado
milhões, então quase dez por cento
os irmãos [Dardenne]”.
das pessoas viu o filme em meu país. O filme fez campanha por si mes-
Então tinha um pouco disso, mas, ao mesmo tempo, eu me senti
realmente honrado e animado com
mesmo nível, estamos todos co-
a indicação. E essa é uma espécie
nectados e isso funciona bem.
de primeiro passo para nos colocar no mapa porque nós éramos
Agora, esse filme tem muito a ver com
os caras que derrotaram os irmãos
o universo da máfia/gangster, mas
Dardenne. Então, as pessoas co-
isso é mais um pano de fundo para
meçaram a ficar curiosas: “Qual é
uma história muito íntima sobre um
esse filme? Quem é esse cara?” Eles anti-herói compreensivo. É vagamente descobriram o filme e ele começou
baseado naquela assassinato de um
a ter essa bela carreira começando
veterinário nos anos 90 – foi esse o
aqui nos Estados Unidos, iniciando
ímpeto da história ou você teve a ideia
no Fantastic Fest, onde nós ven-
centrada no personagem primeiro e
cemos – foi nossa estreia norte-
depois o colocou nesse meio?
-americana – três prêmios. E o Tim
MRR: Bem, acho que os fatos en-
League da Drafthouse pulou no fil-
volvendo o assassinato em si sempre
me porque ele era o diretor do fes-
estiveram na minha mente. O fato de
tival. Agora ele é nosso distribuidor
que houve um inspetor veterinário da
com a Drafthouse Cinema; ele com-
Administração de Comidas e Drogas
prou o filme e está fazendo parte
– assassinado nos anos 1990 – é,
do time agora nos ajudando muito
claro, alguma coisa que não se pode
com a campanha e promoção.
esquecer. Foi um grande escândalo
E está indo bem. Eu acho que
político – um grande escândalo no
essa é, talvez, uma das razões –
meu país com muitas consequências
sim, claro, esse é porquê ele foi
políticas. Então, isso estava lá e, cla-
indicado. Tem a ver com o time por
ro, quero dizer, não se pode inventar
trás dele. Nós todos jogamos no
essa coisa.
44 Eu tinha planos de fazer filmes
nas uma sensação intuitiva, instinti-
noir ou de gangsters – esse é o tipo
va, que me deixou realmente louco
de filmes que eu queria fazer. Isso [o
– e é isso.
comércio de esteroides bovinos] é
E isso foi há sete anos atrás e
tão único e daí comecei a buscar uma
desde então eu estava pronto para
tragédia que fosse forte dentro dos
todo o percurso para o filme. Então
temas em que eu estava interessado
eu li o primeiro rascunho do roteiro
e transformar tudo em uma história.
e pensei “Okay, eu tenho que ser um
Eu queria a coisa toda – uma tragédia
tipo de Frankenstein”. Eu tinha essa
sobre destino e impotência e a perda
imagem presa no meu cérebro e era
da inocência. Todas essas coisas já
esse minotauro – meio touro, meio
estavam na minha mente, então...
homem – e eu pensava “Okay, eu te-
E então tudo veio na minha cabeça. Digo, é minha imaginação. Eu acho que dançar em torno dos fatos é o que começou a criar a história.
nho que começar a malhar porque eu sou realmente um garoto magrelo”. [risos] E então eu tive de voltar tudo – mesmo há seis anos atrás eu
E para você, Matthias, o que o trouxe
já havia começado a malhar para
para esse projeto? Eu sei que você já
ter uma pequena base de trabalho
havia trabalho com Michäel antes em
para o momento em que eu saberia
um curta-metragem, mas ficar anos
quando rodaríamos o filme.
da sua vida se preparando e ganhando trinta quilos de músculos – o que
Você foi metódico no set? Você é
realmente te levou a esse projeto?
essa besta à la Hulk na tela, mas
MS: Bem, desde o começo, quan-
existe uma vulnerabilidade no perso-
do Michaël me contou sua ideia para nagem com os flashbacks e o lugar o filme, de alguma forma, tive uma
de onde ele vem. Você estava pronto
sensação instintiva. Às vezes você
para ir quando Michaël disse “ação”
não pode explicar porque está tão
ou houve muita preparação diária?
inserido em alguma coisa. Foi ape-
MS: Claro, estive desenvolvendo
e pensando sobre esse personagem
Ainda é muito dinheiro, mas estáva-
– eu tive a oportunidade de pensar
mos muito ambiciosos e tínhamos
sobre o personagem por mais de seis
trinta e cinco dias, então tínhamos de
anos e isso me permitiu realmente
estar bem preparados. Nós queríamos
chegar a ele no nível mais profundo.
trazer um valor de grande produção.
Claro que considerei tudo, espe-
Eu desenvolvi esse filme com
cialmente a parte vulnerável. Ela, para
muitas pessoas. O compositor [Raf
mim, era mais importante do que essa
Keunen] já era parte desde o prin-
presença animalesca que ele tinha.
cípio – discutindo o filme e a músi-
Existia essa “fisicalidade” que era ne-
ca – e, claro, o diretor de fotografia,
cessária para o papel, mas para mim,
Nicolas Karakatsanis, também estava
o meu caminho para chegar ao per-
envolvido no processo desde muito
sonagem era pela vulnerabilidade que,
cedo. Eu fiz todo o storyboarding
para mim, era o coração do persona-
sozinho e sempre conferia com ele.
gem e não a sua brutalidade.
Digo, é tudo sobre – primeiro sobre a luz, os contrastes, claros e
Para Michaël, uma pergunta sobre a
escuros, e sombras e tudo o mais.
preparação para o filme. Houve muita
Isso é a primeira coisa. A segunda
utilização de storyboard? Com aquela
é o posicionamento do enquandra-
tomada de abertura onde a câmera
mento e a terceira é o movimento
faz um panorama sobre a parede e
de câmera, e para isso nós tínhamos
então somos empurrados para a in-
conceitos básicos. Nós sempre os
trodução desse mundo – tudo parecia
usamos para todo começo, para
meticulosamente detalhado. Tudo
toda cena que nós iríamos gravar, e
foi preparado; a colaboração com os
isso nos ajudou a ser muito discipli-
atores no set contribuiu?
nados e ao mesmo tempo – graças a
MRR: Foi de tudo – eu acho que
esse conceito – nos sentimos muito
toda a equipe estava muito, muito
orgulhosos. Isso é o que nos ver criar
bem preparada. Digo, nós rodamos
esse filme de um modo muito artísti-
esse filme com baixo orçamento.
co e ainda muito acessível.
45
Entrevista A melancolia é doce
adolescente. Quando assisti a esses filmes, eu percebi que não era a
Entrevista com Caroline
única a ter questionamentos sobre a
Strubbe, diretora de Área
vida. Aos 18 anos de idade, quando
dos Desaparecidos.
estava pensando sobre o meu futuro,
Escrita por Dimitra Bouras, e
eu decidi me mudar para Barcelona.
publicado no site Cinergie.be
Lá, eu encontrei uma equipe de
[11/09/2009].
cinema, e foi assim que eu descobri que era possível estudar a
Como você começou a dirigir filmes?
linguagem cinematográfica para
Isso já era uma paixão de juventude,
depois fazer filmes. Eu fiz um cur-
ou uma descoberta súbita que lhe
so de escritura de roteiro na Escola
deu o desejo de escrever as suas
Cinematográfica de Barcelona,
imagens?
depois eu entrei na IAD. Eu não
Quando eu era criança, eu me
pude terminar a minha formação,
lembro de filmes vistos rapidamente
mas acabei encontrando colegas
com as minhas duas irmãs, quando
que se tornaram amigos e que me
meus pais saíam de casa. Eu me
apoiaram na minha pesquisa. Eu
lembro de um filme que me marcou
era muito próxima de Geneviève
tanto que, quando era adolescen-
Mersch, Frédéric Fonteyne, Pierre-
te, eu decidi ir à Espanha. Foi Cria
Paul Reynders e Philippe Blasband.
Cuervos, de Carlos Saura. Também
Eu fiquei com vontade de fazer um
teve La Dentellière com Isabelle
filme, um filme acolhedor.
Huppert. Eu encontrei muito conforto nos filmes: foram eles que me aju-
De qualquer maneira, você deixa as
daram a superar minha angústia de
mães aliviadas quando diz no filme
que elas são boas mães, pouco impor-
Marcus é chefe de uma equipe. Ele
ta o que façam!
gostaria de se tornar empresário,
Eu acho que exigem muito de
mas não tem o diploma necessá-
nós, mães. Nós devemos exercer
rio. Em seu grupo de operários,
vários papéis, uns mais difíceis que
existem homens que vêm do leste
os outros. Bettina está dividida en-
e entre eles, existe um engenheiro.
tre a sua função de mãe, seu dese-
Marcus vai tentar convencê-lo a
jo de mulher e as suas contradições
criarem juntos a sociedade dos so-
de esposa modelo. Ela não quer
nhos dele. O engenheiro húngaro,
ser colocada em um único papel,
Szabolcs, aceita a sociedade com
mas ela também não consegue li-
Marcus e entra na vida desta micro
dar com todos eles.
família. A presença dele, que coincide com um evento dramático, vai
Você pode contar a história do seu
provocar mudanças nas relações
filme?
entre os personagens principais. É
Eu só sou capaz de falar sobre
o retrato de pessoas confrontadas
ele agora. Eu compreendo aos
a amores e desejos não satisfeitos,
poucos o que queria dizer. É o re-
a projetos de vida frustrados e suas
trato de um casal, Bettina e Marcus.
capacidades ou incapacidades de
Eles têm uma filha, Tessa, fruto da
lidar com essa decepção.
paixão física de um casal incapaz de educar, deixando-a sozinha
A relação que une Marcus a seus ope-
diante da descoberta da vida. Ela
rários, particularmente a Szabolcs,
existe por acaso, e ela observa os
é muito ambígua, dividida entre a
seus pais. Eles vivem em um cam-
autoridade e a necessidade. Marcus
po com torres de eletricidade, e o
é um marginal, ele não quer seguir
48 um modelo de vida típico, preferindo a
Mas eis que o amor entra no destino
sua cantina pré-fabricada, isolada no
deste homem. Ele, um homem sim-
campo de torres elétricas, à casinha
ples, é conquistado pelo desejo proibi-
burguesa clássica do pequeno empre-
do: a mulher de seu patrão, deste que
sário. Mas para viver a sua margina-
diz ser o seu melhor amigo.
lidade, ele precisa de pessoas mais
No início, eu queria que meu per-
frágeis que ele, que ele pode utilizar
sonagem fosse um homem solitário,
como bem entender.
sem paixões nem raízes, e que ele
Marcus criou um pequeno reino
tivesse medo do contato físico. Mas
para si mesmo. Ele, mal adaptado
a perda de poder de Marcus provo-
à sociedade, soube cativar pesso-
cou o apoderamento de Szabolcs.
as que precisam dele. Sua esposa,
Quando se torna mais confiante,
Bettina, depende completamente
ele começa a desejar esta mulher
dele, de seu olhar e de seu di-
não convencional.
nheiro. Ela está tão apaixonada que não consegue sequer imagi-
E também existe Tessa, a filha de
nar uma vida sem ele. Apesar de
Bettina e Marcus, rejeitada porque
sua postura igualitária, Marcus
ela tem uma vez estranha.
representa um chefe que quer uti-
No roteiro inicial, eu tinha ima-
lizar os outros... Mas ele será a ví-
ginado uma criança com uma voz
tima. Szabolcs, o operário húnga-
grave demais para a sua idade. Isso
ro contratado por ele, vai dominar
fazia referência à minha infância. Eu
a situação. Ele tem um diploma.
chorei tanto quando era bebê que
Como os colegas imigrantes dele,
minha voz ficou rouca. Até os dez
ele saiu do país para melhorar de
anos de idade, mais ou menos, eu
vida. Ele ainda tem um objetivo
tinha uma voz rouca demais. Mas eu
na vida, e suas necessidades são
precisei abandonar essa ideia, por-
simples: um emprego, dinheiro
que era impossível encontrar uma
para ele e a família, um carro, um
garotinha com essa característica.
perfume etc.
Quando fiz os testes de elenco, eu
pedi às crianças para brincarem com
Eu descobri Zoltan Miklos Hajdu
uma fôrma quebrada. Uma garoti-
em um papel de ator. Eu não sa-
nha que veio ao teste se recusou a
bia que ele também era acrobata
fazê-lo, no entanto, a irmãzinha dela
do Cirque du Soleil! Foi por acaso,
que estava acompanhando saltava
mas é verdade que eu sou seduzida
da cadeira, de tanta vontade de fa-
pelos corpos. No cinema, o ator
zer por ela, e quando eu a ouvi falar,
é acima de tudo um corpo, uma
eu tive uma grande surpresa: ela
presença física. Principalmente nos
tinha a voz que eu procurava!
meus filmes, nos quais há pouco diálogo.
Por que você escolheu trabalhar com dançarinos ao invés de atores? A maneira como as pessoas se
Quando você escreveu o roteiro, você já conhecia então uma parte dos ato-
mexem é muito importante. Os
res. Você fez adaptações pensando
dançarinos têm um modo de tra-
neles?
balhar que eu gosto muito. Dá para
Na vontade de trabalhar de ma-
trabalhar muito tempo com eles, e
neira orgânica, criar uma matéria
num espírito bastante coletivo. Eu
viva e não seguir etapas, eu decidi
conheço Lisbeth Gruwez há mais de
readaptar o roteiro aos atores e
quinze anos. Quando eu a encontrei
aos cenários que eu encontrava. Eu
em uma pista de dança, eu fiquei
não queria ficar presa a um texto,
tão surpresa com a sua maneira livre
e sim o contrário, reinventando-o e
de dançar que eu prometi a mim
readaptando-o o tempo todo, sem
mesma que, um dia, trabalharia com
temer que o trabalho de escritura
ela. Quando a oportunidade final-
fosse questionado permanente-
mente apareceu, eu não hesitei a
mente. Por exemplo, o personagem
convidá-la para um teste de elenco.
de Szabolcs, no começo, era um
Foi uma grande felicidade vê-la ao
flamengo de 40 anos, amigos de
lado de Sam Louwyck, também dan-
Marcus. Todo o tema da imigra-
çarino, mas igualmente ator.
ção do leste não existia no roteiro.
49
50 Meu produtor me mostrou trechos
grar, no início, meu primeiro curta-
de filmes de um amigo produtor.
-metragem, Melanomen, mas no
Quando eu vi Zoltan, eu decidi que
final eu acabei não usando essa
era ele que eu queria no meu filme.
parte da trama. Com base nesse
Eu retomei o roteiro e incluí toda
início de história, e principalmente
a parte dos trabalhadores húnga-
na paisagem, eu comecei a escre-
ros. Isso tornou o filme muito mais
ver. O mais difícil foi lidar com o
contemporâneo. Este personagem
tempo. Não se sabe quantas cenas
enriquece o filme, no sentido que
é preciso escrever, nem quanto
ele está em busca de coisas muito
tempo elas vão durar. Na primeira
fundamentais, um status social pela
versão, eu tinha 450 páginas, e de-
compra de objetos. Mas esta é a
pois, quando fui relendo, eu cortei
última vez que eu levo tanto tem-
algumas camadas. Nós fomos se-
po para escrever um roteiro. Seis
lecionados no CineMart de Roterdã
anos escrevendo e reescrevendo, é
e em Berlim, e eu encontrei pessoas
tempo demais! É claro que eu tinha
que não me conheciam, mas que
medo de começar as filmagens, e
estavam fascinadas pela história e
é certamente por isso que eu levei
que estavam prontas a se arriscar
tanto tempo, como para me prote-
para realizá-la.
ger com a escritura. Os seus três filmes têm um denomiQual é a gênese do filme? Eu comecei seis ou sete anos atrás. Eu já tinha escolhido o lugar.
nador comum; uma deficiência ou um problema físico visível. Sim. Quem somos nós no olhar
Há mais de 20 anos, quando eu fiz
dos outros quando temos uma
meu primeiro curta-metragem, eu
deficiência física? Como podemos
tinha visto este campo de torres
aceitar sua imagem? Esta não foi
elétricas e eu sabia que era nele
uma busca consciente. É verdade
que eu queria filmar. Aliás, uma
que eu filmei os corpos de perto.
parte desta história deveria inte-
Nós escolhemos o Cinemascope
para mostrar o espaço, enquanto
uma cantina com a minha mãe, en-
ficaríamos perto dos corpos, para
quanto ele dava aulas no céu. Este
criar este contraste entre os dois:
campo de torres elétricas me lem-
a intimidade de um mundo vazio
brou um campo de aviação. A his-
e grande. Inconscientemente, eu
tória surgiu quando eu estava nesse
falo dos medos e da fragilidade dos
local. Eu gostei muito de construir
corpos, do medo de envelhecer,
esse “personagem” que é a cantina
como a vida pode se transformar
com o decorador, Igor Gabriel (que
subitamente quando nos acontece
também trabalha para os irmãos
um acidente físico, e o olhar do
Dardenne).
outro, o fato de ser julgado por seu
Eu também descobri uma sen-
físico. Eu acho isso muito difícil.
sação muito forte e muito bela
Tenho uma enorme compaixão pe-
quando escrevi o roteiro, diante
las pessoas que têm que suportar o
das minhas páginas brancas. Esta
tempo inteiro o olhar dos outros.
liberdade de inventar era ainda mais poderosa porque, na hora de
Se você não pudesse ser diretora,
filmar, eu me senti sequestrada por
qual outra atividade do cinema você
uma equipe que, ao tentar fazer o
escolheria?
melhor possível, tinha uma opinião
Eu escreveria... Mas eu hesitei
sobre tudo: o modo de filmar, os
durante muito tempo entre traba-
enquadramentos, e a própria his-
lhar com a criação de cenários ou
tória! Durante a filmagem, houve
com a direção. Eu percebo que é
momentos em que eu quis aban-
um lugar ou uma paisagem que
donar tudo e me consagrar apenas
me inspira, como aconteceu com o
à escritura. Quando você escreve,
campo de torres elétricas. Quando
você é livre, solitário e muito feliz.
eu o vi, antigas sensações voltaram
Mas o que também me interessa no
à tona. Foi uma lembrança de in-
cinema é que você tem acesso a
fância. Meu pai era aviador e nós
lugares improváveis. No campo de
passávamos os fins de semana em
torres elétricas, nós encontramos
51
52 operários que trabalhavam por lá.
sonagens, ou com qualquer outro
Eles nos apresentaram o traba-
evento aleatório. Quando uma
lho deles, e mostraram aos atores
cena tinha sido ensaiada demais e
como subir nas torres. Foi uma
os atores não apresentavam a es-
experiência ótima que só o cinema
pontaneidade que eu buscava, nós
pode oferecer.
parávamos de filmar aquela cena e fazíamos outra. Nicolas estava en-
Qual foi a cena mais prazerosa de fil-
cantado com as minhas propostas
mar? Você conservou este momento
e, felizmente, nós nos entendemos
na montagem?
muito bem, e fomos cúmplices na
Sim, eu conservei. Foi um mo-
hora de filmar. Com o resto da
mento eufórico para todo mundo.
equipe, foi menos fácil porque eles
Nos primeiros dez dias de filmagem,
perceberam rapidamente que esse
nós vivemos um período de encan-
espírito aventureiro é muito mais
tamento. Durante a preparação,
cansativo! Meu assistente de di-
nós decidimos abandonar a minha
reção insistiu que eu fizesse pelo
decupagem e adaptar os planos de
menos um ensaio antes de filmar.
acordo com os atores, seus movi-
Os atores começaram a interpretar,
mentos, seu próprio ritmo. Eu não
mas eu achava suas atuações tão
queria iluminação, indicações de
fortes que eu pedi a Nicolas, com o
movimento, nem ensaios. Eu queria
olhar, para começar a filmar.
captar a espontaneidade dos atores
A cena mais bela, foi a cena
e Nicolas Karakatsanis, o operador
de amor entre Lisbeth e Sam: nós
de câmera, podia filmá-los de ma-
fizemos uma única tomada, em
neira diferente a cada tomada. Os
plano-sequência. Enquanto eles
cenários e os acessórios tinham
atuavam, eu pedia a Nicolas para
que estar prontos o tempo inteiro
se aproximar. Eu tinha pedido aos
caso a gente decidisse filmar tal
atores para terminarem a cena, irem
cena ao invés de outra, de acordo
o mais longe possível, integrando os
com as interpretações dos per-
imprevistos na atuação, e disse que
eu nunca diria “Corta!”; eram eles
exercícios, tudo funcionava muito
que decidiriam quando seria hora de
bem com ela. Mas no momento da
parar. Aliás, eu quase nunca dizia
primeira tomada, ela ficou imóvel.
“Ação!”, um simples olhar bastava.
Eu precisei mudar a maneira de tra-
De fato, antes de cada cena, os ato-
balhar. Eu pedi a Lisbeth, que in-
res gostavam de ensaiar uns com
terpreta a mãe, para provocar uma
os outros, e frequentemente nós os
reação na garota, sem necessaria-
filmávamos sem que eles soubes-
mente lhe dizer como ela devia se
sem, como na cena de amor que
comportar ou as palavras que tinha
começou como um ensaio mas que,
que dizer. Assim que implementa-
no final, era a tomada definitiva.
mos isso, tudo funcionou. Nos dez
Talvez por serem dançarinos, eles
primeiros dias, todos adoraram a
ousaram se entregar a esse ponto,
filmagem, mais depois disso veio
sem tentar controlar as suas ima-
um momento de stress, de pânico.
gens, sem medo de errar, sem medo
Na metade da filmagem, eu já tinha
do ridículo, porque é dessa maneira
usado todo a película disponível!
que os coreógrafos trabalham.
Eu enfrentei um dilema diante da
A cena em que Marcus entra
possibilidade de ter que parar de
pela janela, Bettina está escondida,
trabalhar desta maneira, para voltar
mas ele não sabe onde; esta cena
a algo mais acadêmico, filmando
foi feita em uma única tomada! Eu
apenas o necessário. Mas quando
dava indicações a Nicolas e ele fez
se filma apenas o necessário, o
planos soberbos de mãos, de bei-
resultado fica pobre, porque tudo é
jos, sem nenhuma decupagem.
eficaz, e na verdade é no supérfluo que se encontra a beleza, nesses fi-
Qual foi a cena mais difícil de finalizar,
nais de cena que não querem dizer
e você a conservou?
nada, mas com os quais é possível
Sim, ela foi conservada. Foi a primeira cena com Tessa, a garotinha. Durante os testes e os
criar algo sugestivo. Ou então eu podia reescrever a história e abandonar uma parte do
53
54 filme. Eu preferi esta última solução.
matéria que tínhamos, ainda faltava
Consequentemente, eu reescrevi o
uma cena.
roteiro durante as noites. Na manhã
Ao abrir os armários, eu encon-
seguinte, a figurinista e o acessoris-
trei uma lata de sardinha, uma caixa
ta eram informados sobre as cenas
de pesca, e eu disse à equipe para
que nós íamos filmar para completar
me darem dez minutos, porque eu
o que já tínhamos. Foi um momento
tinha a ideia para uma bela cena.
psicologicamente difícil, porque era
É a cena em que Bettina prepara a
preciso motivar a equipe apesar do
sua filha para uma pesca com sar-
meu cansaço físico.
dinhas porque ela voltou para casa,
Mas eu percebia que todas as
ela a encontrou e ela quer agradá-
mudanças que eu trazia eram ne-
-la. Agora eu tenho uma equipe
cessárias. É por isso que o prêmio
com a qual posso filmar em total
de roteiro em Cannes me deixou
confiança. Este filme fala de uma
tão feliz. Foi a prova da minha cria-
liberação, e para mim, a filmagem
tividade, mesmo nos momentos de
foi esta verdadeira liberação.
stress, com a pressão da equipe, a falta de tempo e dinheiro. Se eu
Agora que você encontrou a sua equi-
não tivesse sido capaz, eu teria
pe, você não vai demorar mais dez
parado. Eu sempre pensei durante
anos para fazer o seu próximo filme?
a filmagem que eu deveria fazer o
Ah, não! Quando a gente con-
meu filme, como eu queria, como
segue quebrar algumas normas do
eu sentia, não para agradar os ou-
cinema e quando chegamos a um
tros ou para entregar um dever bem
resultado, é fabuloso. Eu me sinto
feito. Enquanto eu relia o roteiro,
bastante confiante, e já tenho mi-
eu pensava que apesar de toda a
nha história...
55
Entrevista Entrevista feita pelo Little
fícil de modo incomum porque nós
White Lies com Ursula Meier
filmamos tudo em apenas uma lo-
[07/08/09]
cação, mas com a questão de que esse mesmo lugar estava mudando
Como as experiências com cinema
o tempo inteiro, então foi uma ex-
documentário e filmes para televisão
periência única. Foi um filme muito
te influenciaram como cineasta?
estranho para se rodar.
Na TV é muito difícil ser livre, mas foi a minha experiência em fazer
O quão fácil foi achar a locação? O
filmes para a Arte que me deu a
quanto que vemos em “Home” é real e
chance de ser diretora. Sem aquela
o quanto foi construído para o filme?
experiência, eu não teria ganhado o
Nós pesquisamos a locação por
orçamento para fazer “Home”. Para
toda a Europa, mas foi muito difícil
um primeiro filme, é um orçamento
encontrar aquele tipo de rodovia
grande e um grande elenco, e sem o
e seria muito difícil construir uma.
meu filme para TV, talvez a compa-
A rodovia em si foi muito difícil
nhia produtora não tivesse encarado
de trabalhar porque como estava
o risco e me dado tanta liberdade.
sendo construída, havia muitos veículos de construção. Mas nós
Com essa liberdade em mente, como
achamos um lugar na Bulgária. Foi
você lidou com “Home” como seu pri-
ideal porque era tão isolado e ceni-
meiro filme ficcional para cinema?
camente bonito, então nós tiramos
Foi muito diferente do que filmar
todas as barreiras e construímos
para a TV, que é mais clássica, mas
a casa ali. O que você vê no filme
foi uma ótima experiência. Foi di-
está ali mesmo, mas para conseguir
a perspectiva correta, algumas ve-
pode viver assim?”, mas, ao mesmo
zes tínhamos de manipular a câme-
tempo, eles pareciam felizes. É real-
ra para dar a ilusão de uma estrada
mente uma mistura entre realidade
mais longa.
e imaginação. Eu escrevi o roteiro como um anti-road movie, como
Como você chegou a trabalhar com
uma metáfora para as pessoas que
Isabelle Hupert e Olivier Gourmet?
querem viver fora das paredes, mas
Isabelle e Olivier ficaram muito
ao mesmo tempo precisam delas.
entusiasmados com o roteiro por-
Eu vejo “Home” como um inverso;
que ele é diferente de um roteiro
um road movie às avessas.
normal, tem muitos poucos diálogos. Eu acho que cinematografica-
O quão significante é, então, a ideia,
mente realmente chamou a atenção
a metáfora, de construir e destruir
de Isabelle, enquanto Olivier gostou
paredes?
da ideia de mudar sua aparência
Eu rodei o filme com a auto-estra-
atual, de fazer algo diferente. Eu
da como a fronteira entre a parede
tive de explicar muito e visualizar o
e o resto do mundo. Nesse sentido,
roteiro com eles.
era muito importante onde colocava a câmera porque você nunca vê real-
O que te inspirou a fazer “Home”?
mente o que existe além da estrada.
Minha imaginação. Como muitas pessoas, um dia eu vi uma casa no
De quais formas o filme reflete suas es-
centro da França, próxima a uma
peranças, seus sonhos e seus medos?
rodovia com uma família comendo no jardim. Você pensa, “Como se
Eu penso muito em família e em como as pessoas querem ficar
58 juntas, e quando você pergunta às
falar sobre por que o som é tão inte-
pessoas o que é importante e elas
gral no filme?
dizem “família”. Assusta que a úl-
Quando falo sobre o filme, pri-
tima humildade seja a família, algo
meiro falo sobre o som. Quando eu
que é tão forte e tão frágil. Para
escrevi o filme, escutei muitas faixas
mim, “Home” fala sobre isso.
de áudio de trânsito, foi importante que quando escrevia cada cena,
Você é germano-suíça, mas vive prin-
sentia o que as personagens senti-
cipalmente na Bélgica. O que “lar”
riam. Eu quis ter certeza de que as
[“home”] significa para você?
cenas com mais diálogo seriam de
Meu lar é muito diverso, sou germano-suíça, mas minha mãe é
noite, algo para dar ao público uma quebra quanto ao barulho.
francesa e fui à escola de cinema em Bruxelas, então é uma mistura
Você busca por isolamento e tranqui-
estranha. Eu gosto de viajar; não
lidade na sua vida?
posso ficar no mesmo lugar por
Sim, sou muito obcecada pelo
mais de uma semana e acho que
som. No meu apartamento, eu ouvi
“Home” me representa muito bem,
um som que ninguém mais parecia
reflete o meu passado. Existem al-
capaz de ouvir. Eu tive que alertar
guns toques de surrealismo belga,
alguém sobre isso e daí era a única
mas também é algo tipicamente
coisa que as pessoas podiam ouvir.
francês e alemão.
Eu gosto, po-
rém, de opostos; contradição.
Existem tons de ambientalismo no
“Home” é uma mistura de muitas
filme, mas também uma resistência
coisas, então, quanto à música, por
à mudança. No geral, qual mensagem
exemplo, há de heavy metal a jazz,
você espera que as pessoas tenham
Nina Simone e Bach também.
com “Home”? Eu quero que eles resistam à
Falando sobre música e mais especi-
parede. Você não pode viver toda
ficamente sobre som, você poderia
a sua vida fora das paredes, mas
quando vem a estrada e você é obrigado a viver dentro é sempre uma batalha para a mudança. Viver dentro das paredes é difícil e duro e não é bonito todo dia, mas no final é mais difícil ainda escapar delas. Há alguém que te inspira como diretora de cinema? Existem muitos diretores, eu amo Jane Campion e, claro, François Truffaut, mas eu sou louca por Hitchcock. Quando escrevi “Home”, estava pensando em “Pássaros”. O primeiro carro em “Home” é como o primeiro pássaro de “Hitchcock”; começar não é nada estranho, mas logo cedo você percebe que está rodeado e aí que fica assustador. No que você está trabalhando agora? No momento, estou escrevendo um filme para Kacey Motty Klein, que interpreta Julien em “Home”. É um filme sobre crianças e juventude. Ele acabou de interpretar o jovem Serge Gainsbourg em “Serge Gainsbourg, vie héroïque”, então esperamos começar a filmar tão logo ele esteja pronto.
59
Entrevista A nova onda do cinema
das as pessoas que fazem cinema,
flamengo
eu percebi que assim que você dá o primeiro passo como diretor, você
Entrevista com Koen
não é mais aceito como assisten-
Mortier, diretor de Ex
te. Foi bem difícil, e eu não queria
Drummer
trabalhar na televisão porque isso
Escrita por Dimitra Bouras,
não me interessava nem um pouco.
publicado no site Cinergie.be
Eu também não queria fazer séries
[12/09/2007]
porque eu acho que é uma indústria, onde você repete o mesmo
Você pode nos explicar resumidamen-
processo de criação o tempo todo,
te o seu percurso?
e não existe liberdade suficiente.
Eu encontrei minha vocação de
Por isso eu comecei a trabalhar
diretor bem tarde, na verdade. Eu
na publicidade, como diretor. Por
dirigi um primeiro curta-metragem
que a publicidade? Porque por um
quando tinha 30 anos, em 1995,
lado eles estavam interessados
que se chamava Anatomij, e que
no que eu fazia, enquanto na fic-
era um filme experimental sobre
ção ninguém se importava. Eu fiz
anatomia. Depois eu fiz um segun-
propagandas muito visuais, com o
do curta-metragem no ano seguin-
uso de 3D, de maquinários, as di-
te, e este filme ganhou uma dezena
tas grandes publicidades, que são
de prêmios em vários lugares, tanto
baseadas no visual e na poesia. Eu
na Bélgica quanto em outros paí-
trabalhei na França e na Holanda,
ses. Depois desse curta-metragem,
onde decidi criar uma sociedade
eu estava sem trabalho. Como to-
com dois colegas, e que se tornou
uma grande empresa de publici-
Alemanha para trabalhar neste pro-
dade na Europa. Nós chegamos
jeto. Infelizmente, Philippe Aubert
inclusive a ganhar o Grand Prix no
tinha muitos diretores na sua
festival de Cannes para publicida-
empresa, ele não dedicava muito
de: foi o prêmio de melhor empresa
tempo ao meu projeto, embora eu
de produção no mundo. Para uma
dedicasse muito tempo aos proje-
firma holandesa, era algo incrível.
tos dele. Eu fui embora com o meu
Depois eu vim à Bélgica para criar
projeto, que eu esqueci um pouco,
uma nova sociedade de publicida-
eu admito. Depois, como eu diri-
de. Eu encontrei dois sócios belgas
gia muitas propagandas na época,
e a gente ganhou 6 ou sete Leões
eu fazia viagens muito longas, o
em Cannes, inclusive o de melhor
que me permitiu retomar o roteiro
propaganda.
de Ex Drummer e eu decidi tentar novamente o projeto há três anos,
Quando surgiu a ideia de Ex
porque eu tinha aberto uma nova
Drummer?
empresa. Ela é destinada a mostrar
Eu fiz uma primeira versão
ao mundo a propaganda feita por
do roteiro há oito anos, com
jovens diretores, sem muitos riscos,
Philippe Aubert, o proprietário de
principalmente financeiros, mas
Coproductions Office, que traba-
com grande liberdade artística. A
lhou com Lars Von Trier. Por isso
empresa também contribui à produ-
ele recebeu o “Nip Koepp Program”
ção de longas e curtas-metragens
em Berlim, um programa de incen-
documentários. Assim eu pensei:
tivo financeiro. Consequentemente,
“Vou fazer Ex Drummer!”.
eu morei alguns meses na
O roteiro foi recusado duas ve-
62 zes pela V.A.F. (Vlaams Audiovisuel
Depois da montagem, eu enviei
Fonds) que não achava o filme in-
o filme novamente à Comissão,
teressante, considerando que ele
que o recusou mais uma vez, mas
não representava o caminho que
a 3 votos contra 3. As pessoas
o cinema flamengo queria tomar.
que me apoiavam, como Miel Van
Então eu comecei a procurar in-
Hoogenbemt, sugeriram que eu
vestidores, mas como eu não tinha
abrisse um recurso e solicitasse
o dinheiro do V.A.F., eu não podia
uma nova Comissão, pois meu filme
ter os subsídios das Comissões de
representava para ele algo novo
filmes de outros países. Um pro-
no cinema flamengo. Ao mesmo
dutor holandês estava interessado,
tempo, eu tinha um distribuidor,
mas ele não podia investir porque
A-Films, que pretendia distribuir
eu não tinha dinheiro do meu país.
o filme na Bélgica e na Holanda.
Eu tinha perdido as esperanças de
O recurso deu certo no final, e eu
fazer o filme quando um produtor
consegui o dinheiro para a pós-pro-
de publicidade francês me disse
dução. Não era uma quantidade de
para avisá-lo quando eu pretendes-
dinheiro imensa, mas foi o suficien-
se fazer um longa-metragem. Ele
te para terminar o filme em 35mm,
me emprestou 150 mil euros. Assim,
pronto para ser projetado nas salas
eu falei novamente com os parcei-
de cinema.
ros na Bélgica e na Holanda, que aceitaram investir. Eu também tinha
Dá para compreender facilmente a
um produtor italiano com quem já
surpresa da Comissão! O seu filme
tinha filmado, e por sorte, eu tinha
foge de tudo que se vê neste momen-
dinheiro suficiente para produzir
to no cinema flamengo! Além disso,
o projeto e filmá-lo. Foi difícil por
por vir da publicidade, você fez um
causa do orçamento reduzido, já
percurso incrível: imagina-se que a
que o roteiro de Ex Drummer era
publicidade tenha imagens limpas,
complexo, com muitos atores e fi-
corretas, formatadas, enquanto o seu
gurantes, e muita música também...
filme é exatamente o oposto.
A publicidade em si é formatada
certas classes sociais, em certas
de um ponto de vista francófono,
maneiras de pensar, as pessoas
porque a publicidade flamenga não
são assim, pensam desta maneira,
tem nada a ver com isso. Ela é mui-
enxergam desta maneira”.
to mais inspirada na publicidade
Como o personagem Grosbit,
inglesa ou americana, às vezes um
que é racista, e cujo pensamento
pouco trash. Eu acho que o cami-
eu critico por considerar vulgar. Eu
nho entre a publicidade e a ficção
não quero dizer que todos os fla-
não é imenso: quando você vê Sofia
mengos são assim, eu digo apenas
Coppola, Spike Jonze, David Fincher,
como vejo aqueles que o são. Ao
você compreende que existem mui-
mesmo tempo, eu queria mostrar
tos diretores de publicidade fazendo
essas pessoas, pois o problema de
belas coisas em ficção. Mesmo se,
Vlaams Blok é cada vez mais grave.
na Europa e na Bélgica, existisse
Eu não queria fazer um filme
um olhar de desprezo em relação à
social e dizer “É preciso melhorar
publicidade, não se poderia esque-
isso”. Este é simplesmente o meu
cer que a metade dos produtores e
ponto de vista, mas eu não posso
diretores vêm deste meio.
mudar as pessoas porque não é possível mudá-las, é preciso que
Ex Drummer é claramente uma crí-
elas mudem a si mesmas. Dris, que
tica mordaz da sociedade flamenga,
é supostamente inteligente, é a meu
que tem uma mentalidade e uma cul-
ver um tipo malvado, porque é um
tura atrasadas, que não deixa nenhu-
criminoso intelectual que manipu-
ma possibilidade de renovação...
la todo mundo. É por isso que eu
Eu reconheço que Ex Drummer
queria que ele fosse simpático no
é uma crítica virulenta, vista como
começo, mas depois a gente per-
sem solução, porque eu não for-
cebe que é ele o malvado. No meu
neço soluções e porque eu não
caso, eu baseei meu trabalho em
pretendia fornecer. O que eu que-
um humor cínico, que fere, mas eu
ria dizer era “olhe certos estados,
também queria brincar com isso:
63
64 eu não queria usar uma realidade
vez mais cínicas, e é isto que eu
verdadeira, eu não queria nem co-
acho verdadeiramente chocante.
piar os irmãos Dardenne, nem fazer
Elas também são cada vez mais
algo como C’est Arrivé Près de Chez
ávidas pela fama: eu me lembro,
Vous, eu buscava algo entre os
quando estava fazendo a seleção
dois. O que nós vemos é real? Não!
de atores, para brincar, nós pergun-
Mas ele também não se afasta da
távamos aos atores se eles estavam
realidade. Não leve o filme a sério,
dispostos a fazer várias cenas de
é um humor muito sarcástico, mas
nudez para conquistar o papel, e
não interprete tudo como se fosse
eles estavam!
ficção. Existe uma verdade sobre a nossa sociedade, e é preciso
Você pode falar um pouco sobre os
aprender um pouco dela!
seus próximos projetos?
Este é o paradoxo do filme: as
Vai ser dividido entre a publici-
imagens são insuportáveis, mas se
dade e a ficção. Eu ainda tenho
forem interpretadas com muito re-
projetos de publicidade porque ela
cuo, pode-se ultrapassar esta im-
está mudando, não só na Bélgica,
pressão e compreender o que existe mas no mundo inteiro. Com a por trás, e não é preciso ir muito
Internet e o individualismo, estes
longe, já que o fundo é tangível.
são projetos interessantes, como o
Este é um grande debate: algu-
meu projeto sobre o skateboarding,
mas pessoas dizem que meu filme
um filme de 50 minutos exibido nas
é perigoso, agressivo porque o per-
lojas especializadas. Ao mesmo
sonagem principal não tem reden-
tempo, eu estou escrevendo o meu
ção. Mas as pessoas más não têm
próximo longa-metragem e eu pre-
arrependimentos, pelo contrário, e
tendo produzir os filmes de pessoas
eu queria fazer um filme sobre isso.
que eu acho interessantes porque
Não existem pessoas boas e más:
elas têm algo a dizer, de uma ma-
existem pessoas más e pessoas
neira diferente daquela do cinema
menos más. As pessoas são cada
flamengo “clássico”.
65
Entrevista Entrevista do Subtitled Online
Em “Uma cidade chamada pânico”, os
com Stéphane Aubier
personagens e objetos ao seu redor
& Vincent Patar
não tem a mesma escala. Isso não é algo que se vê geralmente em filmes...
(Uma cidade chamada Pânico)
Stéphane Aubier: Existem duas razões para a discrepância de tama-
Como co-diretores, como vocês fazem
nhos. Primeiro, nós achamos que é
para decidir quais das quatro mãos
engraçado! E em segundo lugar, nós
farão o que?
queríamos que ficasse o mais espon-
Vincent Patar: É difícil dizer.
tâneo possível sem ter de dar uma
Quando estamos absortos fazendo
atenção específica para perspectiva
um filme, é difícil dar um passo para
e proporções. Por exemplo, quando
trás e analisar precisamente quem fez
os personagens vão para dentro de
o que. Obviamente, nós complemen-
casa, o edifício parece pequeno, mas
tamos um ao outro. Se Stéphane traz
uma vez que eles estão dentro, é
muitas coisas para o roteiro, então
espaçoso. Nós gostamos do fato de
talvez eu irei avançar e organizar um
que os personagens são uma mistura
pouco as coisas em frente da câmera, de diferentes tamanhos – é mais inestando mais inserido na porção de
teressante para nós do que respeitar
dirigir/colocar a mão em tal projeto.
as regras que reproduzem um sentido
Nós falamos o tempo inteiro; nós
estrito de realidade.
constantemente estamos confrontando ideias de cada um e, de algum
É como se você estivesse determina-
modo, um projeto finalizado aparece.
do a evitar um olhar muito clean...
É como um permanente jogo de ping pong com muita energia.
SA: Bem, para os episódios para a série de TV, também foi por causa
de uma falta de tempo – nós tínha-
ma de TV do Monty Python, “Flying
mos de manejá-los. Mas, sim, tam-
Circus”. Aqueles caras eram incri-
bém é uma escolha estética – nós
velmente inventivos. Eles podiam
gostamos de um visual ligeiramente
ter ideias que eram efetivamente
duro, mesmo que tenhamos dedica-
muito simples, mas brilhantes e eu
do muito mais tempo e atenção nos
amo o tom que eles trazem para
detalhes para o longa-metragem.
os resultados. Dito isso, nós nunca
VP: Para ter certeza de que o re-
pensamos neles como uma inspi-
sultado ficaria bom na tela grande,
ração direta. Nossa série foi com-
tivemos de refinar a nossa abordagem
parada com a atmosfera típica de
e dar uma atenção especial para a
Jacques Tati ou Buster Keaton. Mas
iluminação. Dito isso, ficamos espon-
nós queremos o direito de reivindi-
tâneos na animação e no percurso
car que nossos próprios domínios
fomos contando a história. Tudo tem
onde tudo tem sua própria lógica e
que parecer natural e sem esforços,
as motivações psicológicas são tão
por mais que atingir uma aparência
imprevisíveis, pessoas e excêntricas
de espontaneidade em uma animação
o quão podem ser.
stop motion seja incrivelmente dolorosa e consuma muito tempo.
Nesse caso, de onde vem a sua inspiração?
O senso de humor de vocês está para
VP: De qualquer coisa ao nos-
além dos limites do absurdo, com
so redor que julguemos divertido!
forte senso do tipo de nonsense que é
Alguma coisa que vemos descendo
uma especialidade britânica...
a rua, uma foto no jornal, etc. São
SA: Há pouco tempo atrás eu vi os primeiros episódios do progra-
os pequenos detalhes da vida diária que nutrem o nosso trabalho.
68 No decorrer de suas carreiras como
SA: Nós queríamos explorar mais
animadores vocês usaram diferentes
as variadas estruturas que criamos
técnicas: recortes de papel, objetos
para os curtas tomando um tempo
animados frame a frame, modelagem
para mostrá-los com mais detalhes.
em argila. Existe algum método que vocês prefiram? SA: O que você vê em “Uma ci-
Qual foi seu ponto de partida para “Uma cidade chamada pânico”?
dade chamada pânico” é uma boa
VP: Nós tivemos nossa inspira-
indicação do que nós sempre qui-
ção inicial de um curta-metragem
sermos fazer. Usando um cenário
que fizemos chamado “Card thie-
relativamente simples e uma técnica ves”. Esse foi o episódio que foi padrão, mas versátil, nós temos
melhor nos festivais e que parecia
total liberdade para criar um mundo
agradar aos críticos e ao público
próprio.
em geral. É aquele onde os personagens centrais de “Uma cidade
O que fez vocês decidirem dar o
chamada pânico” descobrem um
salto artístico de fazer um longa-
mundo alternativo paralelo ao de-
-metragem?
les: Atlantide.
VP: Nós queríamos contar uma
SA: Esses dois mundos coe-
história concreta que tivesse uma
xistentes, mas diametricamente
estrutura mais sustentada do que
opostos e que nenhum dos lados
uma mera coleção de episódios
suspeita que existam, os leva a
livres agrupados. O outro desafio
todos os tipos de ideias que tem o
foi manter o estilo de animação da
“oomph” suficiente para sustentar
série pra TV – o que é ligeiramente
um longa. Mandar nossos per-
assustador -, mantendo, de algum
sonagens para uma missão para
modo, um ritmo mais calmo no ge-
explorar um universo vizinho com-
ral, ao mesmo tempo usando per-
pletamente estrangeiro nos deu o
sonagens plasticamente rígidos. Foi
elemento de “aventura” que preci-
complicado ceder.
sávamos para nos mover além dos
roteiros compactos para a série de
temos certeza de que o público nos
televisão e achar nova inspiração.
deixará saber de todo modo!
E como seus personagens lidaram
Existem outros animadores cujo
com a transição de performances em
trabalho pode ser comparado ao de
curtas-metragens de cinco minutos
vocês ou pelos quais vocês foram
para a demanda de um longa de se-
influenciados?
tenta e cinco minutos?
VP: Não existem influências que
SA: Visando negociar a passagem escapam – nós achamos inspirade um formato para outro, sabía-
ção no trabalho de pessoas que
mos com certeza que era preciso
vieram antes de nós, assim como
ampliar as motivações psicológicas
nos nossos contemporâneos.
e reforçar suas conexões um com o
Na animação, por exemplo, Mark
outro. Uma coisa é você ver o Índio
Baker tem sido uma figura impor-
ou Steven perder a paciência com o
tante para nós. Recentemente,
Cowboy por cinco minutos se essa
nós achamos o trabalho do PES
for a extensão da piada, mas outra
(Adam Pesapane) muito estimulan-
totalmente diferente é se você es-
te. Então, existem pessoas cujos
tará interessado no que esses per-
universos criativos falam muito a
sonagens estão fazendo por mais
nós: “South Park”, de Trey Parker e
de uma hora! Então, nós preen-
Matt Stone, ou “Futurama”, do Matt
chemos mais essa relação de amor
Groening. Olhando mais pra trás,
e ódio entre o Cowboy e o Índio,
em um nível técnico e conceitual, a
trabalhamos em dar ao Cavalo um
animação que o Terry Gilliam criou
lado mais humano (através do seu
para o “Flying Circus” do Monty
romance com a Madame Longray),
Python tem destaque pela sua pura
e levamos um tempo explicando
ousadia sem medo, junto com uma
porque Jeanine e o Policial tem
animação stop motion perfeita de
esse jeito. Nós esperamos que esse
George Pal. Ele, por exemplo, ani-
“programa de expansão” funcione –
mou milhares de figuras de madeira
69
70 em cenários incrivelmente elabora-
novos talentos foi associada com
dos. Esse nível de maestria técnica
revistas semanais e irreverentes
a serviço de um universo visual
como “Métal Hurlant” e “L’echo des
altamente potente realmente nos
savanes”. Tramber, que deu origem
impressiona.
às aventuras de William Vaurien e Pypo l’Intello; Kamagurka e Herr
A Bélgica é famosa por sua longa
Seele, que desenharam o Cowboy
tradição de histórias em quadrinhos,
Henk; e Charlie Schlingo e outros
artistas e livros gráficos. Onde se
injetaram um tom mais rock n’ roll
encaixa a animação belga?
ao formato. “Métal Hurlant” teve
SA: É verdade que a Bélgica
excelência em misturar uma ampla
tem destaque nas tirinhas e livros
variedade de gêneros e categorias:
em quadrinhos há muito tempo.
era o espírito dos filmes B, a es-
Voltando para a revista semanal
sência da contracultura e, somado
“Spirou” e a crianção de Tintin nos
a uma dose de música, tudo se
anos 1940, os quadrinhos são um
transformou em um.
grande elemento na cultura popular na Bélgica.
VP: Outra figura que teve grande influência sobre nós era Petzi
Quando éramos crianças, pas-
(Rasmus Klump, em dinamarquês),
sávamos horas devorando os clás-
criado por um casal escandinávio,
sicos quadrinhos com capa dura,
Vil e Carla Hansen, no começo dos
escritos e ilustrados por grandes
anos 1950. Sua abordagem livre e
nomes como Hergé, Franquin,
ultrapoética na série de Petzi, Pingo
Morris, Peyo e Tillieux. Mas, então,
e Riki – sobre um urso, um pinguim
nos anos 1980, a relativa inocência
e um pelicano – foi uma revelação
desses contos clássicos foi “con-
fundamental para nós. Por últi-
taminada” quando deixamos entrar
mo, mas não menos importante,
uma nova geração de artistas dos
devemos mencionar o universo
quadrinhos mais agressivos em
singular do cartunista Gary Larson
nossos cérebros. A maioria desses
e, mais recente, o “Pinóquio” de
Winschluss. Existe um trânsito entre
em campanhas publicitárias, atual-
quadrinhos e animação na Bélgica
mente está na direção de uma mui-
que remonta há muito, muito atrás.
to boa editora especializada. Ele
Morris, Franquin e Peyo começaram
nos pediu para adaptar “Uma cida-
a trabalhar em estúdios de cinema.
de chamada pânico” para o formato
E, indo para outro caminho, seus
de quadrinhos. O primeiro volume
trabalhos com quadrinhos foram
será lançado junto com o filme.
rapidamente destacados e adapta-
Mas, diferente do que geralmente é
dos para a telona como animações
feito, o livro não será uma história
por estúdios belgas. Então, de todo
recontada de modo idêntico ao
modo que você olhar, na Bélgica
filme, como um quadrinho de capa
existe uma grande conexão entre
dura. Decidimos criar novas situa-
desenhos animados e quadrinhos
ções para nossos personagens que
ilustrados sobre papel.
achamos que se adequarão melhor para o formato do quadrinho.
Vocês tem contato próximo com essas proeminentes figuras do mundo
Contem-nos sobre como vocês cria-
dos quadrinhos?
ram o Índio, o Cowboy e o Cavalo...
SA: A Bélgica é um país pequeno.
VP: Nós tivemos a ideia enquanto
Isso torna as coisas mais fáceis
visitávamos feiras de antiguidades
para os artistas se conhecerem
e vendas em garagens aos domin-
e colaborarem nos projetos dos
gos! Porque dinossauros e as figuras
outros. Fred Jannin, por exemplo
de mangás estavam na moda, as
– que em “Uma cidade chamada
crianças perderam o interesse pelos
pânico” faz as vozes do Policial e
brinquedos mais velhos e básicos
de uma das criaturas marinhas que
como cowboys, índios e animais de
chamamos de Atlantes – é um au-
fazenda. Então, decidimos resgatar
tor de quadrinhos muito conhecido
esses pobres órfãos – e havia, com
na Bélgica. Sergio Honorez, com
certeza, muitos deles. As origens
quem trabalhamos com frequência
são bobas assim!
71
72 Como regra geral, cowboys e índios
Mas no campo da animação, isso
são inimigos. Como esses dois se tor-
representa uma grande perda. Mas,
naram amigos?
não se preocupe, nada foi criado
SA: Cowboy e Índio TIVERAM de
em vão. O material será apresenta-
se aproximar já que eles estavam
do como um bônus no DVD, como
presos juntos no mesmo baú de
“tomadas nunca vistas antes”, etc.
brinquedos. Se alguma coisa acontecesse na Quando vocês estão trabalhando no
Terra e apenas os filmes belgas so-
roteiro, qual a proporção de más e
brevivessem, como uma civilização
boas ideias?
alienígena veria os humanos?
VP: Nós concordamos em ter
VP: Não podemos falar em nome
apenas boas ideias. E qualquer
de todos os belgas. Apenas o nos-
ideia que não pode ser usada nesse
so rei tem a autoridade para tal!
longa será usada em algum outro
Mas, do quanto eu sei, se esses
momento. Nós nunca descartamos
aliens achassem os NOSSOS fil-
nada, entende? Nossa empresa
mes, pensamos que eles achariam
recicla e é contra desperdícios de
que somos ligeiramente retardados
qualquer tipo! [risadas]
ou gênios absolutos. Obviamente, a interpretação dependeria de
Vocês já filmaram uma sequência
quanto eles são inteligentes e
inteira e decidiram omiti-la do filme
sofisticados. Por outro lado, po-
finalizado?
demos dizemos com total certeza
SA: Isso aconteceu algumas ve-
que se alguns desses aliens che-
zes. Pelo menos quinze minutos de
garam a essa entrevista – e não
sequências completas não entraram importa qual o seu nível de intelina edição final desse filme. Isso é
gência – eles concluiriam que essa
perfeitamente normal quando você
é a pergunta mais estúpida que
está filmando com atores humanos.
eles já ouviram.
73
Aaltra Título internacional: “Aaltra”
Festivais e prêmios:
Duração: 88 minutos
- Festival Internacional de de
Ano de lançamento: 2004
Karlovy Vary (2004)
Produção: Bélgica e França
Prêmio da Crítica
“Aaltra é um road movie ao mes-
- Festival Internacional de Londres
mo tempo glacial e hilário. Calmo
(2004)
e louco. Poeticamente incorreto, e
Prêmio FIPRESCI
alegremente niilista”. (Rock & Folk)
- Festival Internacional de Cinema Fantástico de Puchon (2004)
Dois vizinhos se odeiam e são atro-
Prêmio de melhor ator (Benoît
pelados durante uma discussão.
Delépine e Gustave de Kervern)
Ambos saem do hospital em cadei-
- Prêmio Joseph Plateau (2005)
ras de rodas. Cada um deles deci-
Melhor ator belga (Benoît
de fazer uma viagem pessoal, mas
Poelvoorde, também pelo filme
o destino faz com que eles se reen-
“Podium”, de Yann Moix, 2004)
contrem em uma estação de trem.
- Festival Internacional de Cinema da Transilvânia (2004)
Direção e Roteiro: Benoît Delépine
Prêmio do público
e Gustave de Kervern.
- Festival Internacional de Roterdã
Elenco: Benoît Delépine, Gustave
(2004)
de Kervern, Michel de Gavre, Gérard
- Festival Internacional de Telluride
Condejean, Isabelle Delépine e
(2004)
Pierre Ghenassia.
- Festival Internacional de Tribeca
Fotografia: Hughes Poulain.
(2004)
Arte: Isabelle Girard. Montagem: Anne-Laure Guégan. Música: Les Wampas.
74
Área dos desaparecidos Título internacional: “Lost per-
Montagem: Frédéric Fichefet.
sons area”
Música: Albert Márkos.
Duração: 109 minutos Ano de lançamento: 2009
Festivais e prêmios:
Produção: Bélgica, Alemanha,
- Festival Internacional de Cannes -
França, Holanda e Hungria
Semana da Crítica (2009)
“Um faroeste sonhador e perturba-
Prêmio SACD de roteiro
dor sobre duas almas feridas, em
- Festival Internacional de Roterdã
corpos de alta tensão”. (Télérama)
(2009) - Festival Internacional de Karlovy
Bettina e Marcus sentem uma for-
Vary (2009)
te paixão um pelo outro, mas não
- Festival Internacional de Munique
prestam atenção à filha Teresa,
(2009)
que vagueia pelas redondezas e
- Festival Internacional de Kiev
gosta de recolher lixos e restos.
(2009)
Quando o novo engenheiro húngaro
- Festival Internacional de
Szabolcs entra em suas vidas, uma
Chungmuro (2009)
tragédia está prestes a acontecer.
- Festival Internacional de Cancún (2009)
Direção e Roteiro: Caroline
- Festival Internacional Cinefest
Strubbe.
(2009)
Elenco: Zoltán Miklós Hajdu, Kimke
- Mostra Internacional de Cinema
Desart, Lisbeth Gruwez e Sam
de São Paulo (2009)
Louwyck. Fotografia: Nicolas Karakatsanis.
75
Bullhead Título internacional: “Bullhead”
Montagem: Alain Dessauvage.
Duração: 123 minutos
Música: Raf Keunen.
Ano de lançamento: 2011 Produção: Bélgica e Holanda
Festivais e prêmios:
“O jovem cineasta flamengo encon-
- Oscar (2012)
trou em Matthias Schoenaerts um ator
Indicado a melhor filme estrangeiro
fenomenal, uma criatura tão mons-
- Belgium Film Awards (2011)
truosa quanto magnífica, que ele filma
Melhor filme belga
com verdadeira compaixão.” (Excessif)
- Flemish Film Awards (2011) Melhor filme, melhor diretor (Michael
Jacky, um jovem pecuarista morador
Roskam), melhor filme de
de Limburg, é abordado por um vete-
estreia, melhor ator (Matthias
rinário para fazer um obscuro acordo
Schoenaerts), melhor ator coadjuvan-
com um conhecido vendedor de
te (Jeroen Perceval), melhor fotografia
carne. Porém, o assassinato de um
- Magrittes Awards (2012)
policial e um inesperado confronto
Melhor ator (Matthias Schoenaerts),
com o misterioso passado de Jacky
melhor coprodução, melhor
dão início a uma cadeira de eventos
roteiro, melhor edição
com consequência irreversíveis.
- Festival do Filme Fantástico de Austin (2011)
76
Direção e Roteiro: Michael R.
Melhor filme, melhor direção e me-
Roskam.
lhor ator (Matthias Schoenaerts)
Elenco: Matthias Schoenaerts,
- Festival Internacional de Berlim -
Jeroen Perceval, Jeanne Dandoy,
Panorama (2011)
Barbara Sarafian, Tibo Vanderborre
- Festival Internacional de Karlovy
e Frank Lammers.
Vary (2011)
Fotografia: Nicolas Karakatsanis.
- Festival Internacional de
Arte: Walter Brugmans.
Melbourne (2011)
Uma cidade chamada pânico Título internacional: “A town
Fotografia: Jan Vandenbussche.
called panic”
Montagem: Anne-Laure Guégan.
Duração: 74 minutos
Música: Dionysos e French
Ano de lançamento: 2009
Cowboy.
Produção: Bélgica, França e Luxemburgo
Festivais e prêmios:
“É engraçado, muito engraçado,
- Festival Internacional de Cannes -
mas não apenas isso, porque deste
Fora de Competição (2009)
tom burlesco falsamente inocen-
- Prêmio César (2010)
te surge um belo humanismo”.
Indicado a melhor filme estrangeiro
(Marianne)
- Festival de Cinema Fantástico de Austin (2009)
Brinquedos de plástico também
Melhor filme de animação
têm problemas. Cowboy e Índio
- Festival Internacional de Animação
planejam surpreender Cavalo com
Cinanima (2009)
um presente de aniversário, mas
Melhor filme
acabam por destruir sua casa.
- Festival Internacional de Cinema
Aventurais irreais se iniciam quando
da Catalunha - Sitges (2009)
o trio viaja rumo ao centro da Terra
Melhor filme de animação
e descobrem um universo paralelo.
- Festival do filme francófono de Angoulème (2009)
Direção e Roteiro: Stéphane
Melhor diretor (Stéphane Aubier e
Aubier e Vincent Patar.
Vincent Patar)
Vozes de Stéphane Aubier, Jeanne
- Festival Internacional de Roterdã
Balibar, Nicolas Buysse, Véronique
(2009)
Dumont, Bruce Ellison e Christine
- Festival Internacional de La
Grulois.
Rochelle (2009)
77
Eldorado Título internacional: “Eldorado”
Festivais e prêmios:
Duração: 80 minutos
- Festival Internacional de Cannes -
Ano de lançamento: 2008
Quinzena dos Realizadores (2008)
Produção: Bélgica e França
Prêmio FIPRESCI, prêmio Europa
“Um road movie de um novo tipo:
Cinémas e prêmio da juventude
absurdo, trágico, divertido e senti-
- Prêmio César (2009)
mental”. (Le Monde)
Indicado a melhor filme estrangeiro - Associação belga de críticos de
Yvan encontra um ladrão em sua
cinema - UCC (2009)
casa. Depois de pensar sobre a
Melhor filme
situação, decide não chamar a
- Mostra Internacional de Novos
polícia e deixa-lo na cidade mais
Cinemas em Pesaro (2008)
próxima. Com o tempo, acaba por
Menção especial
dar uma carona até a casa de seus
- Festival Nouveau Cinéma em
pais, viajando pela Bélgica e pas-
Montreal (2008)
sando por estranhas situações. Direção e Roteiro: Bouli Lanners. Elenco: Bouli Lanners, Fabrice Adde, Philippe Nahon, Didier Toupy, Françoise Chichéry e Stefan Liberski. Fotografia: Jean-Paul de Zaetijd. Arte: Paul Rouschop. Montagem: Ewin Ryckaert.
78
Ex Drummer Título internacional: “Ex
Louwyck, François Beukelaers e
Drummer”
Bernadette Damman.
Duração: 104 minutos
Fotografia: Glynn Speeckaert.
Ano de lançamento: 2007
Arte: Geert Paredis.
Produção: Bélgica, França e Itália
Montagem: Manu Van Hove.
“Através da história impertinente de
Música: Arno, Flip Kowlier,
uma reviravolta inesperada, Koen
Millionaire e Guy Van Nueten.
Mortier lembra que o punk certamente ainda não morreu”. (Les
Festivais e prêmios:
Fiches du Cinéma)
- Festival de Cinema de Raindance (2007)
Quando o conhecido escritor Dries
Melhor primeiro filme
é abordado por três músicos in-
- Festival Internacional de Cinema
válidos que pedem que ele seja o
de Varsóvia (2007)
baterista na banda deles, termina
Menção honrosa do júri
ficando intrigado e concorda. Cada
- Festival Internacional de Roterdã
um dos parceiros de banda tem
(2008)
suas próprias excentricidades e
Prêmio Tiger
psicoses. Lentamente, Dries come-
- Fant-Asia Film Festival (2008)
ça a gostar de estar neste mundo,
Melhor primeiro filme
enquanto a banda prepara uma apresentação para um festival de rock local. Direção e Roteiro: Koen Mortier. Elenco: Dries Van Hegen, Norman Baert, Gunter Lamoot, Sam
79
Home Título internacional: “Home”
Gourmet, Adéläide Leroux,
Duração: 98 minutos
Madeleine Budd e Kacey Mottet
Ano de lançamento: 2008
Klein.
Produção: Bélgica, França e Suíça
Fotografia: Agnès Godard.
“O filme se situa no encontro mi-
Montagem: François Gédigier, Nelly
lagroso entre duas influências
Quettier e Susana Rossberg.
opostas: o classicismo americano e certa modernidade europeia,
Festivais e prêmios:
que enxerga a família por um pris-
- Festival de Cinema de Mar del
ma conflituoso, neurótico”. (Les
Plata (2008)
Inrockuptibles)
Melhor atriz (Isabelle Huppert) e prêmio ADF de fotografia
Uma família vive perante uma paisa-
- Festival Internacional de Cinema
gem bucólica e desértica. A poucos
de Reykjavik (2008)
metros, se estende uma autoestra-
Prêmio FIPRESCI
da cuja abertura já leva dez anos
- Prêmio Lumière (2009)
de demora. Até que em um dia de
Melhor realização técnica
verão, finalmente, a rota E57 é inau-
- Prêmio do Cinema Suíço (2009)
gurada e com ela chega a invasão
Melhor filme, melhor roteiro e melhor
urbana, os ruídos e a poluição.
novo ator (Kacey Mottet Klein) - Prêmio César (2009)
80
Direção: Ursula Meier.
Indicado a melhor filme de estreia,
Roteiro: Ursula Meier, Antoine
melhor fotografia e melhor
Jaccoud, Raphaëlle Valbrune, Gilles
direção de arte.
Taurand e Olivier Lorelle.
- Festival Internacional de Bratislava
Elenco: Isabelle Huppert, Olivier
(2008)
JCVD Título internacional: “JVCD”
Arte: André Fonsny.
Duração: 92 minutos
Montagem: Kako Kelber.
Ano de lançamento: 2008
Música: Gast Waltzing.
Produção: Bélgica, França e Luxemburgo
Festivais e prêmios:
“Análise selvagem, autoparódia
- Associação de críticos de cinema
(que é sempre uma ginástica da
de Toronto (2009)
inteligência), o ator se confronta ao
Indicado a melhor ator (Jean-
seu pior inimigo: o personagem Van
Claude Van Damme)
Damme. (Libération)
- Prêmios Chlotrudis (2009) Indicado a melhor ator (Jean-
Entre problemas com impostos e
Claude Van Damme)
uma batalha judicial com sua mu-
- Festival Internacional de Cannes -
lher pela custódia de sua filha, são
Exibição Especial (2008)
tempos difíceis para uma estrela de
- Festival Internacional de Toronto
filmes de ação. Jean-Claude Van
(2008)
Damme retorna para seu país na-
- Festival Internacional de Roma
tal buscando a paz e tranquilidade
(2008)
que ele não mais consegue ter nos
- Festival Internacional IndieLisboa
Estados Unidos.
(2009)
Direção e Roteiro: Mabrouk El Mechri. Elenco: Jean-Claude Van Damme, Valérie Bodson, Hervé Sogne, Rock Chen, Huifang Wang e John Flanders. Fotografia: Pierre-Yves Bastard.
81
Moscou, Bélgica Título internacional: “Moscow-
Festivais e prêmios:
Belgium”
- Festival Internacional de Cannes
Duração: 101 minutos
(2008)
Ano de lançamento: 2008
Prêmio ACID, prêmio SACD de rotei-
Produção: Bélgica
ro e prêmio Golden Rail
“Uma comédia social flamenga cuja
- Festival Internacional de Cinema
graça e espírito popular lembram o
de Denver (2008)
bom cinema britânico” (L’Humanité)
Melhor filme - Prêmio World Soundtrack (2008)
Matty é uma mulher na faixa dos
Prêmio do público (Tuur Florizoone)
quarenta anos e no meio de uma
- Festival Internacional de Zurique
crise matrimonial. Após um acidente
(2008)
de carro, conhece o jovem Johnny,
Prêmio de novo talento
um caminhoneiro. Esse encontro, so-
- Festival Internacional de Denver (2009)
mado ao modo como seus três filhos
Melhor filme
respondem a essa nova relação, fará
- Festival Internacional Fantasporto
com que ela repense seus princípios.
(2009) Melhor filme
82
Direção: Christophe Von Rompaey.
- Festival Internacional de Bermuda
Roteiro: Jean-Claude Van Rijckeghem
(2009)
e Pat van Beirs.
Melhor contribuição narrativa
Elenco: Barbara Sarafian, Jurgen
- Festival Internacional Mediawave,
Delnaet, Johan Heldenbergh, Anemone
em Komaróm, Hungria (2009) –
Valcke, Sofia Ferri e Julian Borsani.
Melhor filme segundo o júri jovem e
Fotografia: Ruben Impens.
melhor atriz (Barbara Sarafian)
Arte: Steven Liegeois.
- Festival de Cinema de Palic (2009)
Montagem: Alain Dessauvage.
Prêmio FIPRESCI de melhor filme e
Música: Tuur Florizoone.
menção honrosa (Barbara Sarafian)
Noite negra Título internacional: “Black night”
Montagem: Olivier Smolders e
Duração: 101 minutos
Philippe Bourgueil.
Ano de lançamento: 2005
Festivais e prêmios:
Produção: Bélgica
- Festival Internacional de Cinema
“Noite Negra é sem dúvida um filme
Fantástico de Puchon (2005)
para mexer com os conceitos inte-
Prêmio do júri
lectuais ao mesmo tempo que des-
- Festival Internacional de Cinema
lumbra pela estética”. (Cinelogue)
Fantástico de Bruxelas (2005) Menção especial do júri
Fábula construída sobre os limites
- Festival Internacional Camerimage
entre o negro e o branco, a neve e a
de Lodz (2006)
noite, o sangue e o leite, uma velha
Prêmio Bronze Frog de fotografia
Europa e uma África que ela própria
- Festival Internacional de Terror,
inventou. Prisioneiro entre o desejo
Suspense e Ficção Científica de
e a repulsão que transmite o paraíso
Nuremberg (2006)
perdido de seus amores de criança,
Glibb de ouro de melhor filme
Oscar abandona pouco a pouco a
- Festival Internacional de La
vida inquietante dos fantasmas.
Rochelle (2005)
Direção e Roteiro: Olivier Smolders. Elenco: Fabrice Rodriguez, YvesMarie Gnahoua, Philippe Corbisier, Iris De Busschere, Raffa Chillah e Raymond Pradel. Fotografia: Louis-Philippe Capelle.
83
Nossa propriedade Título internacional: “Nue pro-
Renier, Yannick Renier, Kris
prieté”
Cuppens, Patrick Descamps e
Duração: 88 minutos
Raphaëlle Lubansu.
Ano de lançamento: 2006
Fotografia: Hichame Alaouie.
Produção: Bélgica, França e
Arte: Anna Falguères.
Luxemburgo
Montagem: Sophie Vercruvsse.
“O diretor belga Joachim Lafosse trabalha uma matéria que nenhum
Festivais e prêmios:
resumo conseguiria descrever. E
- Festival Internacional de Veneza
traz uma razão a mais para apre-
(2006)
ciar Isabelle Huppert”. (Le Nouvel
Menção honrosa do prêmio SIGNIS
Observateur)
- Prêmio Espoir da la Presse Étrangère (2008)
Divorciada, Pascale vive numa antiga
Indicado a melhor ator revelação
casa restaurada com seus filhos.
(Yannick Renier)
Quando a mãe decide vende-la
- Festival Internacional de Toronto
após iniciar um relacionamento com
(2006)
seu vizinho, os irmãos percebem que
- Festival Internacional de Roterdã
vão ter de viver uma vida de adultos
(2006)
e se opõe violentamente à venda.
- Festival Internacional de Karlovy
As relações se transformam em uma
Vary - Mostra Horizontes (2006)
guerra familiar.
- Festival Black Nights de Tallinn (2006)
Direção: Joachim Lafosse.
- Festival Internacional de La
Roteiro: François Pirot e Joachim
Rochelle (2006)
Lafosse. Elenco: Isabelle Huppert, Jérémie
84
Oxigênio Título internacional: “Oxygène”
Montagem: Alain Dessauvage.
Duração: 98 minutos
Música: Spinvis.
Ano de lançamento: 2010 Produção: Bélgica e Holanda
Festivais e prêmios:
“Hans Van Nuffel evita o moralismo
- Festival Internacional de Cinema
e consegue gerar uma verdadeira
de Amiens (2010)
emoção”. (Excessif)
Melhor filme e melhor ator (Stef Aerts) - Festival Internacional de Cinema
Os irmãos Tom e Lucas são jovens
de Montreal (2010)
que sofrem de fibrose cística, uma
Grande prêmio das Américas e prê-
doença que lentamente destrói seus
mio do júri ecumênico
pulmões. No hospital, Tom conhece
- Festival Internacional de Roma (2010)
Xavier, um jovem que sofre da mesma
Prêmio Alice na Cidade
doença. A partir daí, ele saberá mais
- Festival Internacional de Zurique
de sua história e conhecerá Eline,
(2010)
paciente de quarentena. Entre a ju-
Prêmio novo talento (Hans Van Nuffel)
ventude latente e a certeza da morte,
- European Film Awards (2011)
esse grupo de personagens se distrai
Descoberta europeia do ano (Hans
enquanto aguarda a temida hora.
Van Nuffel) - Festival Internacional Starz Denver
Direção: Hans Van Nuffel.
(2010)
Roteiro: Hans Van Nuffel e Jean-
- Festival Internacional da
Claude Van Rijckeghem.
Transilvânia (2010)
Elenco: Stef Aerts, Wouter Hendrickx,
- Festival Internacional de Palm
Marie Vinck, Rik Verheye, Anemone
Springs (2010)
Valcke e Gijs Scholten van Aschat.
Festival Internacional de Karlovy
Fotografia: Ruben Impens.
Vary (2010)
Arte: Steven Liegeois.
Festival Internacional de Amiens (2010)
85
Pássaro azul Título internacional: “Blue Bird”
Festivais e prêmios:
Duração: 86 minutos
- Festival Internacional de Cinema
Ano de lançamento: 2011
de Ghent (2001)
Produção: Bélgica e França
Menção honrosa (Gust Van Den
“Parte poema etnográfico, parte
Berghe)
conto mágico, Blue Bird é uma jor-
- Festival Internacional de Cannes -
nada inspiradora pelas savanas do
Quinzena dos Realizadores (2001)
Togo, que investiga os enigmas da
- Festival Internacional de Karlovy
vida e da morte”. (The Hollywood
Vary (2001)
Reporter)
- Festival Internacional de Busan (2001)
Um dia, Bafiokadié e sua irmã Tené,
- Festival Nouveau Cinéma de
duas crianças africanas, deixam
Montreal (2001)
seu vilarejo. A única coisa em suas
- Festival Internacional de Sevilha
mentes é que é preciso achar seu
(2001)
pássaro azul perdido antes do dia acabar. Mas eles acharão muito mais do que isso em seu trajeto. Direção: Gust Van Den Berghe. Elenco: Bafiokadie Potey e Tene Potey. Fotografia: Hans Bruch Jr. Arte: Nils Valkenborgh. Montagem: David Verdurme. Música: Michelino Bisceglia.
86
A razão do mais fraco Título internacional: “La raison du
Festivais e prêmios:
plus faible”
- Festival Internacional de Cannes -
Duração: 110 minutos
Competição oficial (2006)
Ano de lançamento: 2006
- Festival Paris Cinéma (2013)
Produção: Bélgica e França
- Festival Internacional de Karlovy Vary (2006)
Em Liège, um grupo de homens
- Festival do Cinema Europeu de
passa os dias em uma cafeteria ao
Arcs (2006)
lado de uma decadente fábrica de
- Festival Internacional de Bangkok
aço. Entre jogos de cartas, tentam
(2006)
dissimular sua insatisfação com a vida. Quando entra em cena Marc, um novo funcionário com passado criminoso, uma nova perspectiva de futuro se abre para todos. Direção e Roteiro: Lucas Belvaux. Elenco: Éric Caravaca, Lucas Belvaux, Claude Semal, Patrick Descamps, Natacha Régnier e Elie Belvaux. Fotografia: Pierre Milon. Arte: Frédérique Belvaux. Montagem: Ludo Troch. Música: Riccardo Del Fra.
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Rumba Título internacional: “Rumba”
Prêmios:
Duração: 77 minutos
- Festival Internacional de Cannes -
Ano de lançamento: 2008
Semana da Crítica (2008)
Produção: Bélgica e França
- Festival Internacional de Cinema
“Com um senso de observação sutil
de Atenas (2008)
e lúdico, o duo burlesco conjuga o
Prêmio do público
gosto pela coreografia dos corpos,
- Festival Internacional de Zagreb
pelos gestos engraçados, espor-
(2006)
tivos, sensuais, inesperados”. (Le
Melhor filme
Monde)
- Festival Internacional de Estocolmo (2008)
Professores em uma escola rural,
- Festival Internacional de Karlovy
o feliz casal Fiona e Dom tem uma
Vary (2008)
paixão comum: dança latina. Uma
- Festival Internacional de Torino
noite, depois de uma competição,
(2008)
eles sofrem um acidente de carro e
- Festival Internacional Starz Denver
sua vida dá uma grande reviravolta.
(2008) - Festival Internacional de Seattle
Direção e Roteiro: Dominique Abel,
(2009)
Fiona Gordon e Bruno Romy.
- Festival Internacional de RiverRun
Elenco: Dominique Abel, Fiona
(2008)
Gordon, Philippe Martz, Bruno Romy, Clément Morel e Thérèse Fisher. Fotografia: Claire Childeric. Arte: Nicolas Girault. Montagem: Sandrine Deegen.
88
Currículos Bruno Carmelo é mestre em teoria de cinema e do audiovisual pela universidade Sorbonne Nouvelle – Paris III, autor de duas dissertações sobre teorias cognitivas, crítica de cinema e recepção artística. Escreveu em jornais e sites como Le Monde Diplomatique Brasil, Outras Palavras, Revista Beta, Revista Cinefilia e RUA. Atualmente, trabalha como editor no site AdoroCinema, e mantém o blog pessoal Discurso-Imagem, sobre análise de filmes. Filipe Furtado é critico de cinema. Atualmente é redator da Revista Cinética e mantém o blog Anotações de um Cinéfilo (http://anotacoescinefilo.com). É ex-editor da Revista Paisà. Colaborou com publicações como Contracampo, Teorema, Taturana, The Film Journal, Rouge e Lumière.” Heitor Augusto é crítico de cinema com colaborações para as revistas Interlúdio, Preview, Monet, de CINEMA, Caros Amigos, além do jornal Valor Econômico e do site Cineclick. Ministrou os cursos livres Francofonia – Ecos no Cinema de Língua Francesa e Cinema Americano – Anos 70, ambos no CineSesc. Participou de palestras e debates sobre cinema brasileiro. Integrou o júri oficial e o da crítica em diversos festivais de cinema. É membro do grupo de entrevistadores do projeto Memória do Cinema (Heco Produções/ MIS). Mantém o blog Urso de Lata. Martinho Alves da Costa Junior é doutor em História da Arte pela UNICAMP e pesquisador do Centro de História da Arte
e Arqueologia (CHAA). Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP e Autor do livro: Claraluz de Regina Silveira, CCBB e seus espectadores. Bluecom, 2009. Editor da revista on-line de arte, comunicação e cultura Conjecturas e outras verdades. Raphael Fonseca é doutorando em História da Arte pela UERJ. Professor de Artes Visuais no Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro. Crítico de arte atuante nas revistas ArtNexus e DasArtes. Curador das mostras de cinema “Commedia all’italiana” e “Cinema pós-iugoslavo” (realizadas na Caixa Cultural Brasília e São Paulo em 2011 e 2012). Assina também a curadoria de exposições de arte contemporânea como “Sete” (Casamata, Rio de Janeiro, 2013), “City as a process” (2nd Industrial Biennial of Ekaterinburg, 2012) e “Linha aparente” (Sérgio Gonçalves Galeria, Rio de Janeiro, 2012). Reúne sua produção textual no blog Gabinete de Jerônimo.