ATELIÊ COLETIVO 2E1 4ª e 5ª edições do projeto GetTogether 2E1
4ª edição GetTogether 2E1 [29 de setembro de 2012] com Carolina Paz, Daniela Seixas e Luciano Boletti Fechaduras Muitas podem ser as formas de uma fechadura. No presente evento expositivo realizado no Ateliê Coletivo 2E1, temos no mínimo três sinuosos e diferentes desenhos para este orifício que convida o espectador a contemplar. Na fachada da casa, diferente das entradas para chaves, contornos se oferecem ao público de modo horizontal. Estas silhuetas se configuram como um pasto sobre a arquitetura. Pequenas imagens de vacas quebram com a pretensão uniforme do branco que acentua a verticalidade do edifício. Ao se lançar o olhar a partir do outro lado da calçada, pontos dourados convidam o passante a se deter por alguns momentos sobre uma ambiência bucólica incompatível com a disseminada imagem da cidade onde o cinza é rei. O panorama convida para a minúcia. Entre quatro paredes, uma ação que envolve a troca entre artista e público é inserida em um contexto burocrático. Sobre a luz de uma luminária, ambos tem suas sombras projetadas sobre um rolo de papel que serve de fundo. A ponta do lápis se transforma no vértice de uma faca e o que um dia foi área obscura e fugidia se transforma em figura humana. A intimidade de se resguardar a sombra de um ente querido, narrada deste a Antiguidade através da figura de Butades, aqui é atravessada por um comprovante de movimentação de sombras; documenta-se um impossível controle. Ao fundo, na penumbra, o amarrotado branco de uma inflável cama de solteiro contrasta com o brilho do arame farpado. O lugar de repouso ganha tons de campo de batalha e os braços de Morfeu são mais próximos de um abraço de Ícelo. Nesta inversão da ordem doméstica, onde nossas plumas mentais são capazes de cair de “baixo para cima” (ou melhor, onde o senso de direção lógico é abandonado) só temos uma saída: abraçar nosso travesseiro bem forte e esperar pelo parar dos ponteiros. Não, não existe nenhum som em nosso relógio, mas um pêndulo insiste em coordenar nossos olhos. Ao abrir esta casa, pedimos aos voyeurs da arte contemporânea que bisbilhotem a doação de sombras a Daniela Seixas, a fronteira pontiaguda de Carolina Paz e o dourado profano de Luciano Boletti. Se existem fechaduras, elas hão de ser usadas como monóculos poéticos. Raphael Fonseca
Luciano Boletti sem tĂtulo (2012)
Carolina Paz sem título [estudo para possível instalação] (2012)
Daniela Seixas “Trocam-se sombras” (2012)
5ª edição GetTogether 2E1 [27 de outubro de 2012] com André Terayama, Jorge Soledar e Renato Pera Parafuso Poder-se-ia dizer que esta edição do GetTogether gira em torno do “corpo”, essa famigerada palavra utilizada de modo desenfreado na abordagem crítica sobre a arte contemporânea. Vistos os trabalhos de André Terayama, Jorge Soledar e Renato Pera, todavia, o uso deste substantivo não me parece pecaminoso, mas, me incita a enxergá-lo de modo amplo, para além de uma habitual circunscrição unilateral deste à performance, à fotografia e ao vídeo. Falar sobre “corpo” é , a meu ver, comentar o conceito de figura humana, tão caro à tradição clássica. Ao se falar desse tópico, como se esquecer do grande mestre da narrativa visual através da nudez, Michelangelo? Em seu grande afresco do “Juízo final” (1537-41), lá está a imagem de São Bartolomeu, homem que foi esfolado vivo e alçado a mártir. Há quem diga que esta imagem derretida se trata de um autorretrato do artista. Na ausência desta certeza, podemos fazer uma relação entre esta construção visual e a fachada do Atelier 2E1. A autoimagem de Renato Pera também se faz presente, mas não há apelo para a face. O resultado de uma artesania é escancarado através da fotografia: eis exposta uma monumental tatuagem circular. Com a pele ainda avermelhada, dolorida, seis recortes de papel compõem um todo através do lambelambe. Ao se olhar de muito perto uma parte de nosso corpo, assim como um microscópio, parece que a única saída é seguir a gerar fragmentos. A superfície aqui é apresentada tal qual a proposição de Michelangelo: frágil, mole, sobre papel, basta chover, molhar e escorrer, assim como aquele resquício santo. No mesmo século XVI, em 1543, o anatomista Andrea Vesalius publica o seu “Da estrutura do corpo humano”. Como o próprio título indica, se trata uma obra que mescla texto e imagem em torno da apreensão da arquitetura humanóide e de suas interseções. Como é possível ficar em pé? Ossos e músculos são dissecados e interessa ao autor mostrar o desenho de nossas entranhas. É com esta mesma referência ao desenhar que se dá nome a “Drawing itself”, de Jorge Soledar. Rostos e braços são tomados por polígonos e criam desenhos no espaço através de espelhamentos. Se Vesalius estuda uma estrutura física, este artista contemporâneo pesquisa um possível esquema corporal. Para além do interesse pelo caráter documental da reprodutibilidade técnica, os organismos aqui estão tensionados a fim de se criar novas geometrias. Aquilo que detém vida pode ser instrumentalizado e transformado em ponto, linha e fórmula. O adestramento se faz possível e, neste sentido, esta pesquisa artística parece mais próxima da ideia do que do simulacro. Mais do que a representação do físico se constituir como obra de arte, nos trabalhos de André Terayama, tal qual uma casa em processo de reforma, elementos se agrupam e criam estruturas que remetem a constituições orgânicas. Cadeiras, objetos de assentamento por excelência, se cruzam e se transformam em asterisco. Uma pedra alçada a protagonista é elevada às suas irmãs menores. O som da fita adesiva a ser cortada rasga o espaço e nos pede para acompanhar a montagem de um precário andaime que reverencia Brancusi. A banalidade do que nos rodeia é ressignificada em instrumentos de trabalho através da presença filmada do artista ou da sacralização que a fotografia é capaz de atribuir a uma imagem. Os cantos e o chão aqui podem estar na altura dos olhos. Os três artistas que aqui dialogam parecem estar em um local entre Michelangelo e Vesalius, ou seja, entre o martírio da carne e a experimentação anatômica. Se a dor é passível de interpretação em algumas dessas imagens, em outras os vasos sanguíneos são retas paralelas. Se, tal qual um parafuso, pudemos inseri-los dentro deste espaço, também é possível que os desprendamos dos lugares cômodos que o “corpo” proporciona na arte contemporânea. Mais do que prender, estes pequenos objetos talvez sejam importantes justamente pelo poder de desconectar. A história da arte, portanto, tal qual uma broca, pode contribuir para fazer com que cada uma destas poéticas seja desmontada e remontada através de uma rede de referências onde “corpo” é apenas um ponto de partida.
Renato Pera “Cosmogonia” (2012)
AndrĂŠ Terayama sem tĂtulo (cadeiras) (2012)
André Terayama “Tocos #1” (2012)
André Terayama “Tocos #2” (2012)
André Terayama “Coluna infinita (para Brancusi)” (2012) – 6’47”
http://vimeo.com/42278963
André Terayama “Wall floor” (2011) – vídeo em looping
http://vimeo.com/42591380
André Terayama “Sem título (quique #2)” (2012) – vídeo em looping
http://vimeo.com/42315429
André Terayama “Fúria centrípeta” (2012) – 5’10”
http://vimeo.com/49134178
André Terayama “Cavaletes” (2011) – 2’45”
http://vimeo.com/40908177
Jorge Soledar “Estudo sobre massa (Sol)” (2012)
Jorge Soledar “Desenho em si” (2012) – 5’43”
http://www.youtube.com/watch?v=i8u4j5hcX1k