edição n° 1 - volume 1 setembro a dezembro de 2017
Rascunho
FOTOGRÁFICO Um exercício do olhar entre ruínas, histórias e paisagens
ALCÂNTARA
edição n° 1 - volume 1 setembro a dezembro de 2017
Rascunho
FOTOGRÁFICO Um exercício do olhar entre ruínas, histórias e paisagens
ALCÂNTARA
EDITORIAL
PRODUÇÃO
A
qui se encontra o trabalho final da turma de Fotojornalismo da UFMA (2017.2). Ao longo desse processo, nosso objetivo era aprender e reconhecer o que significa fotografia e como usá-la para retratar o nosso cotidiano e poder alcançar a todos com os nossos olhares.
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as a questão é um pouco mais complexa. Fotografia hoje em dia é algo massificado, todo mundo quer ser fotógrafo. Aliás, quem não quer tirar fotos “Tumblr Girl”? Até nós mesmos queríamos entrar nessa onda. Mas no final é um trabalho muito difícil, a gente até pensa duas vezes antes de ter que aprender a fazer a relação entre ISO, foco, abertura de lente... é algo cansativo.
É
tão gratificante que ao fim de longos 6 meses, entre erros e acertos, treinos e dedicação, finalmente conseguimos aprender a capturar um momento e transformar aquela ação, seja qual for, em um recorte da realidade que vai perdurar por muito tempo. Aprendemos, enfim, a transformar um fato em notícia e a notícia em imagem.
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ssa revista é feita com toda dedicação possível e esperamos que o leitor possa aproveitar nosso trabalho e todo o seu conteúdo, que foi produzido para quem se interessa não apenas pela cidade de Alcântara, mas por fotos de qualidade.
Orientadora LI-CHANG SHUEN CRISTINA SILVA
Fotos
Texto e Edição
Quecia Carvalho
Quecia Carvalho Jefferson Aires Morais Joyce Nunes Laís Costa Luana Kessia Araújo Lucas Melo Vieira Luiz Gabriel Cutrim Matheus Werneck Millena Cunha Nádia Barros Paula Ceres Costa Raissa Sales Ricardo Fahd Rodrigo Bomfim Sâmia Martins Tatiane Raquel Ferreira
Jean Michel Lisboa Joyce Nunes Luiz Gabriel Cutrim Matheus Werneck Orlando Ezon Melo Paula Ceres Costa Rodrigo Bomfim Tatiane Raquel Ferreira Victor Manuel Feitosa
Design Rodrigo Bomfim
Diagramação e Produção Matheus Werneck
ALCÂNTARA
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undada em 22 de dezembro de 1648, a cidade completou 369 anos em 2017. Localizada ao norte da capital maranhense, com uma extensão territorial de 1.458 km² e mais de 21 mil habitantes, a cidadefantasma tem ruínas que contam histórias por si só, que hoje emolduram as paisagens do local, proporcionando um ar mais poético e religioso, já que ambas possuem uma ligação arquitetônica com o catolicismo.
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ma dessas histórias envolveu o imperador Dom Pedro II, na época do Império (1822-1899). Alcântara foi palco de um grande desentendimento político entre famílias tradicionais da época (Barão de Mearim e Barão de Pindaré), que buscavam prestígio por recepcionar o então imperador do Brasil. Houve uma verdadeira batalha durante a construção dos palácios que receberiam D. Pedro II. Entretanto, a visita nunca ocorreu, e com isso as construções foram abandonadas, tornandose as ruínas conhecidas da cidade histórica.
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lcântara, além de tudo, é um monumento nacional e rica em lendas e crendices populares. Como a dos sinos que foram trazidos de Portugal e que estão localizados no alto da Igreja do Desterro, dando assim, a quem visita, uma belíssima vista da Ilha do Livramento.
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o fundo, emoldurada por uma das ruínas de um dos casarões que receberiam o imperador, a igreja Nossa Senhora do Carmo. Com mais de trezentos anos de história, é a principal igreja da cidade, composta por azulejos portugueses em seu interior e por ruínas do antigo convento das irmãs carmelitas.
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egistro de dentro de uma das casas projetadas para ser a mansĂŁo que abrigaria o Imperador. As ruĂnas servem de moldura para o final da Rua Grande, no centro da cidade.
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ont raste e nt re a pr imeira c apit a l d o Mar an hã o e a atu a l ( a o f u nd o ), mo st r and o a diferenç a de uma cid a d e qu e p arou no temp o c om su as r uí nas .
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relevância das ruínas ao redor do mundo é indiscutível. Além de resgatar momentos históricos, elas compõem um cenário único e impressionante. Alcântara é conhecida como cidade-fantasma devido suas ruínas, fazendo um mix de arquitetura, manifestações culturais, escravidão e uma natureza exuberante.
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egundo a lenda dos sinos de Alcântara, ao dar 3 badaladas no sino maior, haverá um divórcio, 2 badaladas no menor haverá um casamento e uma badalada em qualquer um dos sinos, um desejo se realizará (basta manter em sigilo).
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lém das construções planejadas para a recepção de Dom Pedro, as principais ruas também foram feitas para agradar o ilustre visitante, com destaque para a Ladeira do Jacaré. Calçada com pedra sabão, desenhada e construída por escravos da época, possui 500 metros de subida e casas coloridas. É o principal acesso entre a cidade baixa e a cidade alta.
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uínas históricas que se assemelham ao mapa do Brasil e África, fazendo um elo entre os escravos que ergueram a cidade de Alcântara.
CULTURA
“A
cultura não se herda, conquista-se”. Para o escritor francês André Malraux, a cultura, sob todas as formas de arte, de amor e de pensamento, é a responsável por libertar o homem da escravidão – social e intelectual - ao longo dos séculos. Se tal afirmação for verdade, logo, não basta a um lugar e povo ter um passado de muitas histórias e glórias, é preciso também merecêlas. Alcântara, um pequeno município do estado do Maranhão, faz jus ao título de Patrimônio Cultural da Humanidade. A cidade humilde, discreta e escondida, em meio à mata nativa, revela aos mais curiosos olhos as riquezas e tradições de séculos passados e prova - a quem ainda duvidar - o porquê de ser um grande centro de produção cultural. ma das cidades mais antigas do Maranhão (fundada em 22 de dezembro de 1648), Alcântara é uma cidade histórica onde mesmo hoje os traços da época da escravidão são perceptíveis com uma simples caminhada pela cidade, como percebe-se ao observar o Pelourinho, por exemplo. Já o festejo do Divino, uma das representações culturais mais genuínas não apenas da cidade, mas do próprio do estado, também é descendência direta dos costumes de ex-escravos que ali viviam. A comemoração ocorre na famosa Casa do Divino, localizada no Centro da Cidade. Em seu interior encontram-se os elementos usados no festejo e outros aspectos que representam a cultura local. lcântara se destaca não só por suas belezas e seus pontos turísticos, mas também por seus moradores, que, de uma hospitalidade colossal, receberam esta equipe que aqui escreve com bastante carinho e afeto, não esquecendo do famoso (e delicioso) doce de espécie. Não dá para escolher a melhor parte de Alcântara – sejam as ruas, os museus, as pessoas, desde a comida até os seus belíssimos pontos turísticos. Tudo o que acabou de ser citado constitui Alcântara por completo. Uma cidade maravilhosa, e que ficará para sempre na memória de todos que a visitarão.
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artesanato em Alcântara também é importante fonte de renda para os seus moradores. Na imagem, um bumba-boi coberto de lantejoulas é colocado à venda em uma loja de artesanatos no Centro da Cidade.
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ssim como não existe filme sem protagonistas, não existe Festa do Divino sem patronos e curadores. Por isso, como forma de agradecimento a essas pessoas que tanto se dedicaram para manter a tradição do Festejo viva ao longo dos anos, a exposição traz, ao lado das alegorias e altares, a memória e a contribuição desses inúmeros protetores da Festa do Divino Espírito Santo.
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á não é segredo: Alcântara é o lugar onde as tradições ganham vida! A prova se encontra num belo e preservado sobrado entre as ruelas da cidade, a Casa do Divino. Além de conhecer todos os aparatos do Festejo, o visitante pode ainda reviver cada momento por trás da história dessa festividade tão tradicional, que acontece todos os anos no mês de maio.
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rtesanato: o reflexo de tudo o que uma terra tem a oferecer aos que ali habitam e aos que a visitam. E Alcântara, como patrimônio cultural da humanidade, não deixa a desejar. Desde as fibras vegetais, que compõem as bolsas e chapéus, até o doce sabor do licor de Jenipapo, tudo - exatamente tudo - expressa a rica cultura do lugar.
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ma cidade construída por escravos: a imponente arquitetura de Alcântara foi baseada na mão de obra escrava trazida de países como GuinéBissau e Angola. Maquete da Casa do Divino Espírito Santo representando a abolição da escravatura.
RECORTES
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imortalidade de Alcântara é uma bênção e maldição aos que a visitam. Bênção de uma cidade linda e que deixa um gostinho de quero mais, um maldito gostinho de quero mais, pois como uma maldição, a cidade parece “crescer” a cada vez que é visitada, nos dando a impressão que há sempre um lugar novo para conhecer.
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empre ficando com um pouco dos que a visitam e dando um pouco de si mesma em troca. É assim que Alcântara se reinventa, mesmo sendo conservada com muito trabalho e amor.
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s pés que percorrem os possíveis caminhos vão sempre oferecer aos olhos atentos ou desatentos dos visitantes uma novidade. Como uma criança travessa que esconde um briquedo quando há uma visita em casa, Alcântara consegue nessa travessura, oferecer sempre uma nova experiência e aprendizado quando é revisitada. E talvez tal experiência e aprendizado só podem ser aproveitados por completo para aqueles que se entregam ao momento, ao presente que vira passado e que se eterniza em forma de memória.
ARQUITETURA
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arquitetura de Alcântara tem forte influência dos períodos colonial e imperial. Isso é facilmente perceptível ao se olhar os grandes casarões da cidade, além das igrejas e ruas de pedras. Com o título de Cidade Monumento Nacional, conquistado em 1948, Alcântara é um prato cheio para aqueles que queiram conhecer um pouco da história brasileira, tendo em vista o bom estado de preservação de suas construções. A arquitetura está diretamente relacionada ao turismo da região, uma vez que as pessoas são atraídas até lá pelas histórias que estão guardadas nos prédios e ruínas da cidade. Apesar disso, há uma notável harmonia entre o patrimônio histórico e o desenvolvimento da cidade, impedindo que Alcântara seja apenas um lugar antigo perdido no presente.
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m Alcântara, o passado se encontra com o presente. O patrimônio histórico é conservado, mantendo viva a a memória da cidade, coexistindo com as inovações. Os casarões são o principal cartão postal da cidade.
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s pedras de alvenaria estão presentes em boa parte das construções de Alcântara, herança de seu passado colonial. A alvenaria é marca registrada da arquitetura colonial.
CULINÁRIA O charme e singularidade do interior maranhense, conhecido por sua arquitetura, sob outro ponto de vista: o da culinária
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o peixe assado ao café com farinha tomado no centro da cidade, Alcântara é especialista em demonstrar que exotismo e simplicidade podem caminhar lado a lado. município, um dos cantos mais charmosos do interior do Maranhão, traz, nos traços de suas panelas de barro e fogões à lenha, a riqueza de sua história e a tradição do povo antigo que ainda marca a culinária do lugar.
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omo amostra de preservação da influência indígena nos pratos e bebidas da região, a Feirinha de Artesanato e Culinária, que rola no centro da cidade, atrai moradores e turistas que procuram viver a singularidade alcantarense. Os produtos, feitos a partir de matéria-prima natural, têm preço acessível e podem ser experimentados em pequenas doses pelos visitantes. Entre eles, as ervas de tabaco – usadas para rituais, banhos e fumo – são um dos mais famosos e aceitos entre o povo local.
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ona Geralda, moradora de Alcântara e vendedora na Feirinha, apresenta – com ótimo papo e muito bom humor – sua variedade de licores e geleias alcoólicas que são superfamosos entre as pessoas que visitam e moram por lá. Se você for simpático, com certeza, Dona Geralda vai te oferecer uma dose de licor e provar que é quase um pecado passar por ali e não levar para casa algum de seus produtos!
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ntre os restaurantes locais, os pratos são feitos, em sua maioria, a partir da pesca de animais, como peixes e camarão, e as particularidades de cada um ficam por conta da imaginação dos cozinheiros dos estabelecimentos. Como é o caso do Restaurante Tijupá, muito conhecido por seu peixe assado servido na folha de bananeira e que leva apenas água, sal e limão.
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á nos barzinhos do centro, sob o clima agradável de Alcântara, dá para desfrutar de quitutes maravilhosos enquanto se aproveita a vista incrível e a simpatia dos proprietários. oda a exuberância da cultura culinária do município – única e inesquecível – é somada à hospitalidade dos nativos. O conjunto destes elementos resulta no fascínio que é (re)conhecer a “cidade que parou no tempo” através do paladar.
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s ervas de tabaco são muito aceitas no lugar, evidenciando mais uma característica da forte influência que a cultura indígena ainda exerce na população de Alcântara.
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lcântara não esconde traços marcantes daqueles que construíram sua história.
doce de espécie, guloseima feita a base coco e trigo, é marca registrada de Alcântara. Facilmente encontrado em cada esquina, a maior demonstração da tradição dessa iguaria na cidade é o oferecimento do doce àqueles que vão prestigiar a festa do Divino Espírito Santo, que acontece em Maio.
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lém de ótimos licores dos mais diversos sabores, Dona Geralda oferece boa conversa e acolhimento àqueles que passam por sua terra, dando uma aula descontraída sobre a cultura local.
TURISMO Mesmo com inúmeros atrativos turísticos, a cidade ainda não recebe o visitante como deveria.
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porto do Jacaré é o primeiro contato entre a cidade e o visitante que vai de Catamarã.
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uínas datadas dos séculos XVIII e XIX, Centro de Lançamento de Alcântara, sítio arqueológico Ilha do Cajual, a tradicional festa do Divino Espírito Santo, praias e o doce de espécie são alguns dos atrativos da cidade de Alcântara, o que deixa claro que a cidade tem potencial turístico. Porém, há que se observar alguns elementos essenciais destacados no guia “Avaliar o potencial turístico de um território” em relação à infraestrutura e serviços disponíveis: • Equipamentos (água, gás, eletricidade, tratamento de resíduos, etc.); • Transportes (rede rodoviária, ferroviária, transportes coletivos, etc.); • Serviços (comércios, serviços de saúde, etc.).
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m visita à cidade, registramos alguns dos elementos listados para mostrar um pouco sobre o quanto Alcântara está preparada para receber turistas.
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natureza tenta favorecer... ...mas a infraestrutura não ajuda.
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s guias de turismo fazem a intermediação entre turista e história.
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e a primeira impressão é a que fica, a cidade decepciona logo na chegada. Faltam lâmpadas nas luminárias e há buracos no piso da passarela. Certamente, não era essa a imagem de boas-vindas que o visitante esperava.
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s propostas de música ao pôr-do-sol e de unir comércio local com as ruínas da cidade são interessantes, mas a falta de um palco para o artista e de tendas que favoreçam a exposição dos produtos e o atendimento ao cliente dão um caráter de improvisação, de falta de planejamento.
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noite, a segurança é garantida pela Polícia Militar, porém a falta de iluminação no principal ponto de visitação da cidade não permite perceber e registrar em fotografia toda a beleza do local. lcântara tem atrativos que não deixam a desejar a nenhuma outra cidade histórica, mas é necessário investimentos para recepcionar o turista e para que ele possa aproveitar bastante tudo o que a cidade tem a oferecer.
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Problemas existem, mas Alcântara segue lutando para não esquecer a história contada através do seu povo e das ruínas em pedra. O lugar que, outrora, exibiu riquezas à espera do imperador, agora vive dos batuques do divino, saboreia os doces de espécie e só ostenta a calmaria no vai-e-vem das embarcações que trazem poucos sortudos curiosos para visitar aquela que tenta brilhar timidamente no roteiro. Semear seu nome e revelar suas belezas é o que fará com que a cidade deixe de ser apenas um horizonte visto da capital.