Revista rascunho

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Rascunho

Edição 03 - ano 02 - nº 03 16 de novembro de 2017 www.labjor.ufma.br

Até onde vai o poder da censura? Vênus de Willendorf

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO REITORA: Nair Portela Silva Coutinho DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL CHEFE DE DEPARTAMENTO: Protásio Cézar Dos Santos COORDENADORA: Luiziane Silva Saraiva DISCIPLINA: Jornalismo de Revista PROFESSORA: Li-Chang Shuen Cristina Silva Sousa DIAGRAMAÇÃO: Breno Frazão REPÓRTERES: Ana Luíza Lopes Ana Paula Ramos Alan Silva Ananda Mayi Breno Frazão Bruna Lorrana Cynthia Carvalho Débora Ribeiro Gabriel Pereira Giovana Kury Juliana Ribeiro Luana Alves Maria Clara Nunes Sarah Bianca Victoria Chaves Yara Mendes Yasmin Paiva

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Índice Editorial ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 04 Em meio à censura, arte ------------------------------------------------------------------------------------------------------------ 05 A música Queer no Brasil atual -------------------------------------------------------------------------------------------------- 07 A batalha para o reconhecimento ----------------------------------------------------------------------------------------------- 09 Batalha na Praça: a resistência do Hip Hop em São Luís ---------------------------------------------------------------- 11 Graffiti em São Luís: existe valorização? ------------------------------------------------------------------------------------- 12 A cor da religião ----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 15 Intervenção artística Marias: a censura ao corpo da mulher na vida e na arte ----------------------------------- 17 Dançando Falas ----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 19 “Pelo menos se casou” ------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 21 Curiosidades Ludovicenses ------------------------------------------------------------------------------------------------------ 23 São Luís em cena: O cinema maranhense ----------------------------------------------------------------------------------- 25 Jornalismo literário: possibilidade ou ficção? ------------------------------------------------------------------------------ 27 Resenha: O Império do Grotesco ------------------------------------------------------------------------------------------------ 29

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Editorial O Brasil é um país, no mínimo, curioso. Somos famosos pelo carnaval e pelas mulheres nuas que exibimos na avenida. Famosos pelas praias belíssimas, e suas mulheres em trajes sumaríssimos exibindo corpos na areia. Até outro dia, o próprio Ministério do Turismo exibia corpos femininos seminus em campanhas de atração turística no exterior. Também somos o país em que pelo menos 80% da população jamais pisou em um museu. Curiosamente, somos o país em que exposições de arte viram pauta política por exibir....nudez. Vá entender! Claramente, não é a arte o que está em discussão no acalorado debate das redes sociais. Não mesmo: trata-se de trincheira de luta por votos nas eleições do ano que vem. A pauta moral (ou pauta da arte contemporânea como imoral, de esquerda, contra a família e tudo isso aí que já estamos cansados de ouvir) é, na verdade, um tubo de ensaio que os marqueteiros estão de olho para já irem preparando os programas do horário eleitoral e a plataforma de ataque dos seus candidatos, especialmente aqueles situados no espectro conservador e reacionário da política brasileira. Arte mesmo, ninguém quer discutir a sério neste país. Se alguém quisesse, inclusive aqueles que gritam contra exposições e obras que jamais veriam se não fosse a histeria coletiva, abrigados em museus que jamais visitarão porque o bar, a praia, a fazenda, a casinha de sapê, a vida do vizinho, etc., são mais interessantes, haveria uma política educacional séria, que incluísse a arte em todos os seus aspectos, de acordo com a faixa etária e o discernimento esperado de estudantes nos diversos ciclos escolares. Falta investimento em educação artística, mas sobra hipocrisia. Nesta edição da Rascunho, a primeira da turma 2017.2, vamos passear um pouco nesse campo minado. Estética do grotesco, arte de rua, preconceito contra artistas, cinema no Maranhão, maranhenses que precisam sair do estado para serem reconhecidos, jornalismo literário, religiosidade, cultura negra....um caldeirão e um pouco de polêmica. Boa leitura. Li-Chang Shuen Cristina Editora-chefe da Rascunho

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Em meio à censura, arte Após ter sido palco de um golpe político e usurpado por uma classe que flerta com o conservadorismo e o neoliberalismo econômico, o Brasil tem agora sua classe artística censurada.

O Brasil parou logo na reta final de 2017. Movimentos da sociedade civil, pessoas públicas e entidades têm dedicado seus palanques, gogós e textões – sendo, este último, aparentemente um dos principais mecanismos de protesto da pós-modernidade – à intervenção dos perversos males que assolam o povo brasileiro. Se você, caro leitor, imaginou batalhas épicas travadas contra o conservadorismo e o retrocesso que se instauraram em terras tupiniquins desde a tomada arbitrária do poder por você-sabe-quem, do partido você-sabe-qual, está redondamente enganado. O alvo é outro, e está ali, acenando timidamente do outro lado da balança. Trata-se de grupos de artistas que, em suas performances e instalações, buscam quebrar paradigmas e um status quo que dá as caras por um período que já dura tempo demais. Voltamos à pergunta piloto do ovo e da galinha. Desta vez, no entanto, a questão é outra. Quem veio primeiro: a arte ou a censura? First things first. Capela Sistina de Michelangelo? Profana, imoral. A vulva escancarada de Coubert em “A Origem do Mundo”? Censurada. Um passeio à luz da história deixa claro que a arte, subversiva que é, sempre deu dor de cabeça às classes dominantes (e aí, já se sabe o bê-á-bá: cristãos, políticos, homens, brancos). O professor do departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Maranhão, Junerlei Dias Saletti, explica: “Sempre houve perseguição. Os impressionistas

não sofreram perseguição, mas foram ridicularizados por alguns críticos e rechaçados dos salões oficiais. O nazismo perseguiu de fato. O Francisco Franco fez o mesmo na Espanha, o Salazar em Portugal, o Mussolini na Itália, então na verdade a arte incomoda sobretudo os regimes não democráticos”.

política, pode ser a antena, pode ser o instrumento de luta, de resistência, e assim deixa de ser contemplativa”, ressalta. O professor explica, ainda, que uma obra pode ficar datada, mas que a arte engajada pode ser eterna. “Guernica do Pablo Picasso é um exemplo de ‘art engagé’ que segue tendo validade”, conclui.

O estopim

“Capela Sistina”, de Michelangelo/ Imagem: Reprodução Internet

“A Origem do Mundo”, de Gustave Courbet/ Imagem: Reprodução Internet

Democracia e arte andam juntas, pontua Junerlei Dias, e esta segunda não se resume apenas à estética e técnica. “Talvez por trazer consciência, ser antena e válvula de escape, os artistas sofrem com a falta de liberdade em tempos de exceção. Mesmo que a arte não tenha exclusivamente uma função

O país viu, desde o início de setembro deste ano, movimentos ligados a grupos religiosos e partidos de direita rechaçarem 85 artistas brasileiros que fazem parte da exposição “Queermuseu: Cartografias da Diferença na Arte Brasileira” – entre eles, Alfredo Volpi e Cândido Portinari. A temática, voltada às questões LGBTs, pertencia à mostra Santander Cultural de Porto Alegre, e foi acusada de fazer apologia à pedofilia e zoofilia. Após duras críticas e uma campanha massiva de boicote ao banco, vindas do lado conservador da esfera política, a exposição que conta com curadoria de Gaudêncio Fidelis foi retirada de cartaz no dia 10 de setembro, um mês antes do previsto, causando grande comoção e pesar entre a classe artística brasileira e mundial. Agora, o destino da exposição ainda é incerto. O Ministério Público Federal recomendou, na última sexta-feira (29), a realocação das 264 obras, mas o Santander, retrato fiel do em-cima-do-murismo liberal, e temendo os boicotes conservadores, manteve firme a decisão. O MAR, Museu de Arte do Rio, indicou a pretensão de

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receber a mostra, mas o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (PRB) já deu o tom: “só se for no fundo do mar”. Enquanto isso, a arte inconcebível aos olhos dos brasileiros que permitiram um golpe político mais de meio século após o golpe militar no Brasil é projetada na íntegra nos muros de Nova Iorque, em ato de apoio aos artistas censurados.

Debate aberto

O acontecimento abriu precedente para que, nas últimas semanas, outras performances artísticas fossem altamente repudiadas por uma classe que crê cegamente que a Lei Rouanet

“patrocina” pessoas correndo nuas em círculo, com os dedos cravados nas partes íntimas dentro de museus, a partir de informações de correntes enviadas pelo WhatsApp. Ainda esta semana, um vídeo que mostra uma criança (acompanhada da mãe) interagindo com o corpo nu de um artista, no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) também gerou polêmica nos tribunais das redes sociais, e reabriu um debate delicado sobre os limites entre arte, nudez e pedofilia. Alguns dias antes, um advogado requereu o cancelamento de uma peça de teatro, por considerá-la um “escárnio”. A justiça negou a censura.

A Associação Brasileira de Críticos de Arte deu seu parecer, em nota, numa opinião que sintetiza o que é, afinal de contas, a arte: “As práticas artísticas contemporâneas expõem as contradições do nosso mundo e do nosso tempo. Elas se expandem mais além de seu próprio campo e fogem ao consenso, elas exigem um pensamento aberto. Seu propósito não é apresentar modelos nem dar respostas às muitas questões que se colocam em nossa sociedade, mas trazê-las à tona para reflexão”. Juliana Ribeiro

“Adriano bafônica e Luiz França She-há” (2013), da artista Bia Leite, é uma das obras do “Queermuseu”/ Imagem: Reprodução Internet

“A arte incomoda sobretudo os regimes não democráticos” Junerlei Dias, professor

Obras do Queermuseu foram exibidas em Nova Iorque/ Imagem: Reprodução Internet

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A música Queer no Brasil atual

Artistas considerados Queers, Liniker e Johnny Hooker, brilham nos palcos

O termo Queer já foi considerado pejorativo, usado pra discriminar pessoas que não se encaixam nas noções hegemônicas de gênero e sexualidade. Com o tempo, foi resignificado e adquiriu caráter positivo, simbolizando diversidade sexual e de gênero. Nos últimos dias, o tema foi bastante reproduzido pelos meios de comunicação e redes sociais devido ao fechamento da exposição Queermuseu – Cartografias da diferença na arte brasileira. O Santander Cultural, que promovia a exposição, cedeu a pressões de grupos da direita reacionária e encerrou a mostra que contava com mais de 260 obras de diversos artistas. A arte queer é um movimento artístico não oficial que tem o objetivo de abordar questões relacionadas ao gênero e à sexualidade. O contexto cultural brasileiro tem visto

crescer a quantidade de artistas que se identificam com o movimento queer, principalmente na música. Cantores como Liniker, Johnny Hooker e Pabllo Vittar caíram no gosto popular e mostram um grande avanço na aceitação social de uma identidade não-normativa, ou seja, que não se encaixa no padrão cisgênero e heterossexual. Esse fenômeno ficou bem claro na edição do Rock in Rio de 2017, em que todos os três artistas citados performaram. Esse movimento artístico tem um papel de grande importância em relação a questões de identificação de diversos grupos sociais. Identidades sexuais e de gênero, quando não estão em conformidade com o padrão social, costumam ser apagadas do imaginário coletivo. Assim, grupos de pessoas que não se encaixam no padrão tem dificuldade em se reconhecer

nos meios artísticos. É aí que a arte queer entra como uma maneira válida de representação daqueles que são marginalizados pela sociedade hetéro-cis. Conceitos que geralmente são renegados e deixados de lado nas artes em geral são enfocados e destacados por esse movimento. “Ficou insustentável fingir que nós não existíamos. Éramos representadas de forma jocosa, marginalizada e, de certa forma, desumanizadas. Isso tem se transformado. Somente assim, ocupando esses espaços, de comunicação, de poder e de fala que as coisas podem se transformar. Os veículos de informação e de arte, eles não só imitam a vida, mas eles também limitam a vida e produzem modos e comportamentos de existir”, declarou Linn da Quebrada, artista trans, à revista Cult. Ela utiliza o funk para passar mensagens contra o preconceito e discute sexualidade nas músicas de um ponto de vista das mulheres trans e travestis da periferia. Com a fala de Linn, podemos concluir que a sociedade de fato passa por uma transformação. A arte não apenas retrata as mudanças que o artista gostaria de ver no mundo, mas também as mudanças pelas quais o mundo está passando. Com a crescente onda de representação queer, fica claro que, apesar do recente avanço do movimento conservador que invalida essas identidades, há também um avanço do movimento de liberdade e diversidade sexual e de gênero. Como prova disso, o fechamento da exposição

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Queermuseu causou uma grande indignação no público, que lotou a internet de opiniões contrárias ao seu fim prematuro. Para Felipe Maia, estudante universitário de 18 anos e simpatizante do movimento queer, o crescimento da quantidade de artistas ligados a assuntos de diversidade sexual e de gênero no Brasil significa “quebra de preconceitos, representatividade e empoderamento”. Seria então um “um avanço da humanidade, saindo do padrão tradicional e reconhecendo a diversidade”, completa ele. A música criada por artistas queer é política, trata de impressões pessoais e gerais sobre o que é não se identificar com a norma padrão de gênero e sexo. “A placa de censura no meu rosto diz: ‘não recomendado à sociedade’. A tarja de conforto no

meu corpo diz: ‘não recomendado à sociedade’. Pervertido, mal amado, menino malvado, muito cuidado! Má influência, péssima aparência, menino indecente, viado”, canta Caio Prado em sua canção “Não Recomendado”. É através de letras como essas que os artistas passam sua mensagem, expõem suas experiências e trazem à tona vivências comumente ignoradas. Como consequência, essas palavras causam a sensação de pertencimento e identificação por parte dos ouvintes. A construção de um visual também é bastante importante nesse movimento, que é um apelo tão importante quanto o musical. Longe de qualquer norma padrão de vestimentas e estilos, os artistas se aproveitam do não-convencional e abusam do “excêntrico”. Jaloo, Johnny Hooker e Rico Dalasam

misturam o “feminino” e o “masculino” para compor seus visuais. Barba, maquiagem forte, cabelos compridos e cortes excêntricos, roupas consideradas “femininas” em corpos “masculinos” são alguns dos elementos dos quais esses artistas se utilizam para construir seus visuais e desconstruir noções de padrões de gênero. “Sempre tem discurso de ódio direcionado a mim. Mas quando isso acontece eu penso que a música e a arte ficam, enquanto do fascismo a única coisa que fica é o horror. A arte é eterna, declarou Johnny Hooker à revista Caliban, representando perfeitamente o movimento artístico queer, que sofre repressões diárias, mas que segue lutando por respeito e reconhecimento. Luana Alves

Jaime de Souza Melo Junior, mais conhecido como “Jaloo”

Jefferson Ricardo da Silva, mais conhecido como “Rico Dalasam”

Linn Santos, mais conhecida como “MC Linn da Quebrada”

Phabullo Rodrigues da Silva, mais conhecido como “Pabllo Vittar” Imagens: Reprodução Internet

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A batalha para o reconhecimento Pabllo Vittar Reconhecida internacionalmente, a drag queen mais seguida do mundo nas redes sociais fez participações em shows e músicas com personalidades como Anitta, Major Lazer e Fergie. Seus clipes possuem milhões de visualizações no youtube.

Alcione

Imagem: Reprodução Internet

Integra o cenário musical brasileiro tanto como compositora quanto como cantora. Quarenta e cinco anos de carreira, a Marrom já ganhou prêmios como Grammy Latino e Prêmio da Música Brasileira. Lançou 30 álbuns de estúdio, nove ao vivo e sete compilações. É dona de uma das músicas mais marcantes: “Não deixe o samba morrer”. Imagem: Reprodução Internet

Zeca Baleiro

Importante nome na música popular brasileira e suas composições já foram interpretadas por grandes nomes como Gal Costa, Luiza Possi e Elba Ramalho. Ganhou cinco discos de ouro com alguns de seus álbuns, também foi premiado pelo Prêmio da Música Brasileira por melhor álbum infantil.

Imagem: Reprodução Internet

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A falta de reconhecimento

Os nomes citados, além de conhecidos nacionalmente por conta do trabalho que exercem, têm um ponto em comum: tiveram que sair de seu próprio estado para conseguirem notoriedade. Por que os músicos maranhenses precisam se deslocar para lugares com grande visibilidade no circuito musical e apenas depois que fazem sucesso em outras regiões são reconhecidos no Maranhão? Ser um grande celeiro de ótimos artistas não nos isenta da falta de reconhecimento pelo trabalho que fazem. Muitos precisam transpor as barreiras regionais, ir para grandes capitais como São Paulo e Rio de Janeiro, buscar parcerias e apenas depois do sucesso lá fora é que os aplaudimos aqui. Talvez o “x” da questão esteja no fato de não investirmos o suficiente na promoção da nossa cultura. Festivais como BR135, organizado por Alê Muniz e Luciana Simões (integrantes da banda Criolina), têm mostrado nomes importantes na música maranhense e ajudado na difusão deles em nosso estado. Bruno Batista, cantor e compositor, disse que iniciativas como essa ajudam muito na projeção do que é feito aqui. “O Maranhão sempre esteve fora do circuito, sempre teve uma atenção subestimada. E o BR135 vem para colocar o Maranhão nesse rolo de festivais, de chamar pessoas para cá”, completa o músico.

O que mudar?

Mesmo assim, ainda é difícil se projetar no cenário musical maranhense. As novidades demoram a chegar em nosso estado e, por conta disso, não conseguimos nos posicionar diante do mercado nacional. Outro aspecto importante que a cantora Milla Camões, nascida no Rio de Janeiro, mas que mora em São Luís há 15 anos, destacou foi a falta de estrutura das produtoras. “Poucos produtores e os que têm, não tem link com o eixo nacional, para levar a sonoridade daqui”, completou a artista. Investir na formação desses artistas a partir da conscientização de leis de incentivo à cultura e da manipulação das mídias, bem como nos festivais de músicas talvez sejam os primeiros passos. Valorizar a cultura, as produções, os artistas, é primordial para que eles sejam reconhecidos e, a partir de então, alavancarem em suas carreiras, mas, para tanto, é preciso que eles mesmos se olhem como empreendedores e que esse trabalho seja divulgado corretamente. Só assim, por meio da fomentação da cultura, é que esse cenário pode mudar.

“As próprias mídias de São Luís não dão acesso ao artista local. Sem mediação, não há meio” Milla Camões, cantora

Ana Luíza Lopes

Milla Camões em uma de suas apresentações/ Imagem: Reprodução Internet

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Batalha na Praça: a resistência do Hip Hop em São Luís “Quem rima está aqui, quem não rima aplaude o adversário”, foi o que disse Sabotage, um dos mais admiráveis rappers do Brasil, sobre o ambiente que harmoniza arte, improviso e competição: as batalhas de rap. Parte do Hip Hop, os duelos de rima surgiram no país no final dos anos 80 trazidos dos Estados Unidos. Em São Luís o evento Batalha na Praça surgiu como arma de resistência dessa cultura e acontece todas as sextas-feiras às 19h na Praça Benedito Leite, no centro da cidade. A Batalha na Praça surgiu em 2015 com a iniciativa de Hugo Costa e Carlos Nogueira, que a idealizaram ao perceber a carência da cidade na área do Hip Hop. “A gente tinha que viajar para outros estados para curtir o que a gente curte”, Hugo explica. A Batalha agrega não só rap, mas tudo que compõe tal subcultura: há DJs, reuniões de grupos de breakdance, assim como sessões de graffitti, manifestações populares necessárias mas ainda muito discriminadas por terem suas raízes na periferia. As batalhas acontecem com dois MCs por turno. Com um beat tocando no fundo, cada um tem a sua vez de enfrentar o adversário com rimas improvisadas. Os jurados da batalha são o próprio público: o MC mais ovacionado do duelo passa para a próxima fase. Aquele que passar pelas eliminatórias da Batalha na Praça tem a chance de representar São Luís na batalha de rap nacional, que acontece todo ano no mês de novembro em Belo Horizonte.

Público da ‘Batalha na Praça’ no aguardo para a próxima batalha de rimas Imagem: Daniela Lopes

No começo, o evento acontecia graças à ajuda de amigos, que emprestavam tendas, microfones e caixas de som. Hoje, a Batalha é patrocinada por apoiadores locais da cultura do Hip Hop, como tatuadores e donos de lojas de roupas, que cuidam do aluguel de tudo o que é necessário - mas jamais por instituições estatais ou grandes corporações. Hugo recusa desculpas para falta de investimento público: “não tem crise. Pra mim não tem esse momento. A grana sempre esteve aí”. Gil Leros tem 32 anos e é grafiteiro há 20. Desde sempre, frequentou as atividades do Hip Hop na Divinéia, bairro em que cresceu, e acompanhou o crescimento da Batalha na Praça. Orgulhoso, Gil explica que viu com seus próprios olhos o break e o graffitti mudarem vidas em sua comunidade. “A juventude do bairro ocupava seu tempo com essa cultura promovida

por eles mesmos, em vez de seguir um caminho negativo, mais comum para lugares pobres”, ele explica. “A Batalha também tem essa função”. Muito além da tradição, o evento se preocupa em trazer uma característica inovadora que não se vira com frequência na história do Rap: a representatividade feminina. Yone Barros, que se intitula Pantera, trabalha como modelo nas horas vagas, tem 21 anos e é MC há pouco mais de um. Mulher, negra e nascida em periferia, explica que sempre frequentou o meio do Hip Hop, mas o que a fez querer participar foi sua revolta pelo constante machismo e preconceito nas rimas. “Fiz questão de desenvolver a habilidade de mandar freestyles com a ideia de desconstruir qualquer coisa que desmerecesse as minorias”, afirmou. Pantera pensa como outrora pensara um dos maiores filósofos do século XX, Paulo Freire, ao falar que a desinformação é uma tática para que o povo não possa desafiar as estruturas de poder da sociedade. “O movimento underground fala sobre as ruas: coisas que você não vê na televisão, não escuta nos jornais ou da boca de políticos. Ele vai contra o sistema, e quanto mais alienada a sociedade for, mais controle ele tem”. É por isso, ela explica, que o Hip Hop não é incentivado: porque ele liberta; e a liberdade não é de interesse estatal. Giovana Kury

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Graffiti em São Luís: existe valorização?

Graffiti do maranhense Edi Bruzaca/ Imagem: Reprodução Internet

O graffiti é uma expressão que existe desde o Império Romano, quando já se encontravam marcas gravadas em paredes, que depois se popularizou nos Estados Unidos, na década de 70, como forma de expressar a realidade das ruas e a opressão vivida pelas camadas mais baixas da população. No Brasil, a primeira manifestação de graffiti aconteceu em São Paulo, na mesma década. E no Maranhão ele surgiu cerca de 20 anos atrás. Com o tempo, o graffiti vem se aprimorando e contando com novas técnicas de expressão, porém ainda sofre com tabus, invisibilidade e questionamentos.

Um desses questionamentos surgiu quando o renomado artista Eduardo Kobra e mais quatro profissionais vieram para São Luís no mês de setembro criar um painel no bairro Ponta D’Areia, prestando homenagem aos 405 anos da cidade. O convite foi feito pela empresa Empório Fribal e levantou as seguintes perguntas: Por que a empresa não convidou um grafiteiro maranhense para homenagear a cidade? Até onde o graffiti pode ser comercializado? Será que o graffiti ainda sofre preconceito, invisibilidade e falta de investimento? Ao observar São Luís, é evidente a marca Kobra homenageia 405 anos de São Luís/ Imagem: Reprodução Internet

dos grafiteiros maranhenses espalhada por diversos lugares e para entender sobre essa arte e seus diversos questionamentos, conversei com o grafiteiro e arte-educador Edi Bruzaca e o artista e ex-grafiteiro Naldo Saori.

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“A arte urbana ainda sofre bastante preconceito, mas acredito que a educação torna o graffiti visível” Edi Bruzaca, grafiteiro

Graffiti de Edi Bruzaca/ Imagem: Reprodução Internet

Para o grafiteiro Edi Bruzaca, o graffiti é expressão, é resistência. Ele afirma que a sociedade precisa construir uma bagagem cultural através da educação para receber melhor o graffiti. “A arte urbana ainda sofre bastante preconceito, mas acredito que a educação torna o graffiti visível, quando você consegue educar pessoas para ver a cidade, elas percebem que existe outro mundo. A visibilidade do graffiti maranhense não é ser apoiado por uma empresa, não é fazer diversos trabalhos, a visibilidade acontece quando cada cidadão tem a cultura de olhar o que está em volta, saindo da zona de conforto e experimentando uma arte diferente da habitual”, contou. Já o ex-grafiteiro Naldo Saori, que hoje segue a produção artística sem nomenclaturas, diz que “o grafiteiro não precisa de visibilidade, ele precisa de uma sociedade que valorize sua arte e respeite aquilo que ele plantou, não se apropriando da resistência e luta do graffiti porque está na ‘moda’ e o momento convém”. Um dos grandes incômodos quanto à prática do graffiti é sua oposição à tese elitista na qual o grafiteiro coloca a arte na rua, sai das periferias, invade os bairros nobres, apropria-se da cidade sem pedir licença, mas e quando uma empresa paga pelo graffiti? Para Edi Bruzaca, a comercialização do grafite é necessária. “Acho importante o artista dar um preço pela sua arte, afinal ele precisa valorizar o que faz”, afirma. Quando perguntei da contratação de outros artistas ele disse que não acha “errado contratar artista de outro lugar para falar do Maranhão, levo como argumento que ele é artista, é brasileiro e também necessita se expressar e tirar sua renda do que gosta. Afinal tanto a arte como o artista foi feito para se difundir, independente de para quem está fazendo ou quem está fazendo.” Graffiti do Edi Bruzaca/ Imagem: Reprodução Internet

Construção do painel do 405 anos de São Luís/ Imagem: Reprodução Internet

E pontua que “quando limitamos um espaço, perdemos a oportunidade de receber algo novo. Poderia ser o Kobra, poderia ser os Gêmeos ou eu pintando, mas a empresa optou por quem desse maior visibilidade. Acho que a gente tem que mudar essa visão de não receber trabalho de outros artistas e se unir para divulgar nossa arte em todo canto”. Sobre o questionamento, Naori afirma que apesar de ter saído do graffiti, segregar não é interessante. “Faço arte para todas as classes, porque a arte não pode ficar na mão dos que tem mais. E se surgir um convite de empresas, o artista tem que valorizar seu trabalho para poder manter sua arte com o valor cobrado, porém vejo o graffiti na rua.”

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Artistas urbanos dizem que o graffiti é o estilo que o ser humano incorpora para enfrentar as barreiras em seu cotidiano, colocado de forma radical por um passado que foi revitalizado e legitimado perante a cultura que invade e promove o máximo respeito. Porém outra discussão se centra atualmente em questões mais particulares, dentre elas, como o graffiti é encarado quando sai dos muros e vai para espaços comerciais ou até galerias. Edi Bruzaca pontua que independe do local, o graffiti sempre vai ser grito de resistência. “Há alguns anos, muito se pautava a questão do graffiti em galeria, eu cito um filme que se chama Stars Wars, filme direcionado ao graffiti elaborado em 1970. Logo quando o graffiti começou a surgir, já existia essa cultura de expor em galeria, em prédios comerciais. O grito de resistência só tem valor quando atinge o máximo de pessoas, quando atinge todas as camadas”. Ele acrescenta ainda que “não faz sentido ser um movimento de resistência e permanecer em bairros periféricos. No caso do Maranhão, para uma comunidade ser vista, o artista tem que pintar dentro e fora dela para que outras pessoas possam percebê-la. A galeria pra muita gente é elitista, mas a meu ver, no momento em que exponho grafites na galeria, mostro pra todo mundo o grande transgressor que estou sendo levando arte urbana para outro canto diferente”.

“Acredito que o graffiti é na rua e não algo comercial”

Naldo Saori, grafiteiro

Graffiti do ex-grafiteiro Naldo Saori/ Imagem: Reprodução Internet

Em contrapartida, Naldo Saori acredita que o lugar do graffiti é na rua. “Hoje o graffiti ficou valorizado e vários grafiteiros resolveram viver da sua arte e comercializar. Sendo assim, muitos deixam de pintar na rua para viver da venda das suas obras e não de graffiti. Acredito que o graffiti é na rua e não algo comercial”. Entre questionamentos, conversas e afirmações de grafiteiros e ex-grafiteiros, o graffiti permanece como manifestação, voz do periférico e relativizações entre o público e o privado dentro do espaço urbano contemporâneo. Cynthia Carvalho

Graffiti do ex-grafiteiro Naldo Saori/ Imagem: Reprodução Internet

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A cor da religião Cresce a cada dia o número de brancos em cultos afro-brasileiros

Saias rodando, vestimentas e adornos exuberantes que encantam os olhos, homens e mulheres (médiuns) andando em círculo e entoando canções ao som de batidas fortes e cadenciadas dos atabaques, uma espécie de tambor. Atrás, um altar colorido repleto de imagens de santos, velas e adereços. A cena descrita trata-se de um ritual religioso de matriz africana: a Umbanda. A imagem que vem à cabeça quando se fala de religiões afro-brasileiras é a de cultos predominantemente frequentados por pessoas negras e pardas. Mas esse estereótipo tem sofrido mudanças. A presença de brancos é cada vez maior. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 47% dos adeptos de religiões de matriz africana no Brasil se declaram brancas. Em São Paulo, esse percentual chega a 60%, de acordo com pesquisa feita pela Secretaria Municipal de Promoção da Igualdade Racial. O psicólogo Diogo Régis Cardoso, 29 anos, é um dos babalorixás (pai de santo) da Tenda de Umbanda Dom João Rei de Minas, localizada no bairro do Angelim, em São Luís, capital do Maranhão. Além de Diogo, o outro babalorixá e as ialorixás (mãe de santo) da casa, são todos brancos. Na verdade, a maioria dos frequentadores da casa são brancos. Esse retrato racial é a mostra de uma mudança no estereótipo dos adeptos de religiões afro-brasileiras. O babalorixá Diogo iniciou sua trajetória na Umbanda cedo. “Na minha infância, na cidade de Pindaré Mirim, quando

Fiéis brancos em rituais religiosos afro-brasileiros/ Imagem: Reprodução Internet

eu ouvia os sons dos atabaques e as doutrinas de terreiros próximos à minha casa, eu fugia dos olhos de minha mãe, evangélica, e dos familiares para ir aos festejos nos terreiros”, conta. Diogo acredita que o número crescente de brancos adeptos às religiões de matriz africana seja reflexo de um momento atual de transição da sociedade. “Percebo que houve uma mudança no momento em que vivemos. Muitos estigmas sofreram uma ruptura cultural, o que nos trouxe grandes avanços. Isso ocorreu devido uma evolução espiritual do ser humano e, consequentemente, uma abertura da mente das pessoas que buscam aceitar as energias de nossos mentores, orixás e guias espirituais. As pessoas brancas estão assumindo as suas raízes e assim buscando o equilíbrio entre o mundo espiritual

e o mundo material”, reflete o babalorixá.

As religiões afro-brasileiras

Religiões africanas, como o Candomblé, vieram para o Brasil na época da colonização com a chegada dos escravos. Muitos desses eram líderes religiosos em seus países de origem e tinham nos ritos religiosos uma forma de ligação com a sua cultura e raízes. No entanto, a religião dos colonizadores era o catolicismo e os negros foram, então, proibidos de cultuar seus orixás (divindades africanas). Para burlar a proibição dos senhores, os negros associaram os orixás aos santos da igreja católica para que pudessem assim, realizar seus rituais. São Jorge, por exemplo equivale ao orixá Ogum, por possuírem características parecidas. Dessa maneira surgiu o

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sincretismo religioso afro-brasileiro. A Umbanda nasceu no Brasil, no século XX, depois da abolição da escravatura e atualmente é umas das religiões afro-brasileiras com mais adeptos no país. A Umbanda incorporou características do Candomblé, do catolicismo e do espiritismo. Na Umbanda os guias (espíritos) que estão pelo universo se comunicam com as pessoas através dos médiuns. Os guias se dividem entre as pombas-giras (espíritos femininos) os caboclos (índios brasileiros) e os pretos-velhos (negros escravos).

Preconceito e intolerância religiosa A popularidade das religiões afro-brasileiras tem crescido nos últimos tempos. Em São Paulo por exemplo, o número de pessoas que se declararam adeptas dessas religiões teve um aumento de 43,8% segundo dados da Secretaria Municipal de Promoção da Igualdade Racial de São Paulo. É fato que o preconceito sofrido

por essas religiões ainda é muito grande, está intrinsicamente ligado às questões raciais e é ainda motivo para que muitos adeptos tenham receio em assumir a religião. O número de pessoas brancas e de outras raças tornando-se adeptas de religiões afro-brasileiras endossa um movimento contra o preconceito e a intolerância religiosa, reflexos das relações sociais atuais, bem como da herança do período colonial. Religião não tem cor, tem fé. E todos merecem respeito, pois representam a cultura de um povo. Ana Paula Ramos e Gabriel Pereira

“As pessoas brancas estão assumindo as suas raízes e assim buscando o equilíbrio entre o mundo espiritual e o mundo material”

Diogo Cardoso, babalorixá

Fonte: Secretaria Municipal de Promoção da Igualdade Racial de São Paulo/ Imagem: Reprodução Internet

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Senso de 2010


Intervenção artística Marias: a censura ao corpo da mulher na vida e na arte

Ato após pichação de mural na Rua Afonso Pena, Centro de São Luís/ Imagem: Héveny Araújo

As intervenções artísticas urbanas são uma marca da sociedade contemporânea, que buscam por meio do impacto visual despertar questões polêmicas que geralmente não têm espaço dentro dos muros dos museus e galerias. Esses movimentos surgiram no Brasil por volta dos anos 1970 e ganharam espaço nas grandes capitais do Sul e Sudeste como São Paulo, Curitiba e Porto Alegre. No Maranhão as intervenções ainda aparecem de forma muito tímida, mas aos poucos vem conquistando os espaços públicos da capital, São Luís. Em abril de 2016 a designer curitibana Maria Zeferina, que é radicada há quatro anos em São Luís, realizou a instalação “Marias”. A obra composta por dez imagens foi criada a partir da técnica Lambe-lambe e ficou em exibição na rua Afonso Pena, Centro de São Luís. A ideia de fazer a intervenção surgiu de uma situação inusitada em uma viagem que a artista fez aos Lençóis Maranhenses. Após um dos amigos do grupo nadar

pelado na frente de todos e sem nenhuma preocupação, Maria disse que se pôs a pensar no “universo de indiferença da sociedade, nas muitas coisas em que a mulher ainda é limitada simplesmente por ser mulher, que isso não apenas violava o direito de escolha como ser humano, mas também influenciava no comportamento das pessoas em relação ao desrespeito à mulher”. Instalação Marias, Rua Afonso Pena/ Imagem: Thiago Férrer

Instalação Marias, Reocupa/ Imagem: Thiago Férrer

“Marias vem para afrontar e para mostrar que queremos poder escolher o que e quem quisermos ser, sem censura.” (Maria Zeferina - Idealizadora da Instalação MARIAS)

As intervenções artísticas desempenham um papel muito importante nas discussões político-sociais, como no caso da instalação que embelezou e ao mesmo tempo gerou impacto e reflexão para quem passava pela rua e observava atento aos murais da Marias. Maria Zeferina classificou como extrema importância as intervenções no meio urbano, por conseguirem atingir um público grande e diversificado, gerando uma maior “democracia intelectual”. “A arte na rua consegue alcançar um grande número de pessoas, por sua técnica e formato, transmite

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com mais facilidade a mensagem, a vontade de dizer algo que contribui para a formação de opinião ou para confrontar o que até então permanecia estagnado”, disse Zeferina. Apesar do crescimento dessas manifestações artísticas ao redor do mundo, falar em democratização da arte e querer que todo tipo de arte chegue a todos ainda incomoda uma grande parcela da sociedade. As bandeiras levantadas pelos movimentos artísticos de rua em grande parte levantam questões delicadas. Na Instalação Marias, a liberdade do corpo da mulher gerou incômodo e levou à pichação de um dos principais murais da rua Afonso Pena com a frase “Ustra vive!”. Carlos Alberto Brilhante Ustra foi chefe comandante do Destacamento de Operações Internas (DOI-Codi) de São Paulo no período de 1970 a 1974. Em 2008, tornou-se o primeiro militar a ser reconhecido, pela Justiça, como torturador durante a ditadura. O momento de censura sofrido pela artista reflete uma realidade muito triste da nossa sociedade. Só no Brasil, a cada 11 minutos uma mulher é violentada, de acordo com dados publicados pelo jornal O Estado de S. Paulo. “Nos murais que faço na rua vejo com frequência mamilos ou rostos rasgados [...] não vejo diferença entre homens e mulheres, vejo pessoas querendo ser feliz, cada qual na sua singularidade. Gostaria que todos vivessem em paz, podendo ser quem quiserem ser e respeitando o espaço do outro”, declarou a designer curitibana. “Impossível esperar outra reação se não de revolta e intolerância, num país onde não podemos ter escolha para pensar por nós mesmos” - Maria Zeferina

Instalação Marias, Rua Afonso Pena/ Imagem: Thiago Férrer

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Maria Clara Nunes


Dançando Falas

Ensaio fotográfico para divulgar o espetáculo ‘Feminicídio’/ Imagem: Acervo particular do Ateliê Acadêmia de Dança

“A arte é uma linguagem diferente. A arte, ela aguça. A pessoa acaba tendo uma leitura de forma diferente. Se eu passo na rua e recebo um papel sobre feminicídio ou sobre droga, eu vou ler, algumas pessoas não vão nem ler, outras vão colocar no bolso, vão amassar, vão jogar fora. A arte não, a partir do momento que tu olha ela daquela forma, tu nunca mais vai esquecer”, disse Silvana Noely, diretora do Ateliê Contemporâneo Companhia de Dança quando perguntada sobre as vantagens da linguagem artística para tratar de assuntos sociais. A fala da diretora que coordena o Balé Feminicídio, espetáculo baseado em fatos reais sobre violência contra a mulher desde a época das torturas da ditadura até casos atuais, retrata o que hoje é conhecido como “arte engajada”, na qual o artista utiliza de seus talentos, através de diferentes linguagens, para transmitir seus pensamentos, suas atitudes, para protestar contra algo ou denunciar. Segundo Mário de Andrade, poeta modernista, a arte exige do artista

uma atitude interessada diante da vida contemporânea. A arte que sensibiliza e busca comunicar emoções está vigente desde o Romantismo, quando a experiência estética toca de forma profunda e única cada espectador de maneira que não pode ser descrita. Por outro lado, existe a arte que desde sua gênese intenciona levar o espectador à reflexão sobre seu contexto e problemáticas sociais. Os movimentos artísticos sempre tiveram um papel importante na formação do pensamento brasileiro. Especialmente nas décadas de 60 e 70, a música, o teatro e o cinema foram fortes elementos de união contra o regime militar instalado no País a partir de 1964. Segundo a socióloga Márcia Tosta Dias , os principais levantes artísticos da época eram: o Cinema Novo, o Tropicalismo, o Centro Popular de Cultura (CPC) da União Nacional dos Estudantes (UNE), a Bossa Nova. Atualmente, o feminicídio tem sido tema de algumas produções culturais. Presente em

todas as classes sociais, a violência contra a mulher afeta não apenas suas vítimas, mas a sociedade como um todo. Cada ato de violência carrega uma tragédia impossível de ser mensurada nas estatísticas. Envolve filhos que perdem as mães e estruturas familiares inteiras que se desestabilizam. “Infelizmente, esse tema está em alta, ‘tá’ em foco, e pra ele ‘tá’ em foco é porque tem vítimas (...) tem pessoas no elenco que sofrem isso dentro de casa, então ali, eles olham a mãe, olham a irmã.Não é fácil, é um trabalho desafiador”, afirma Silvana. Segundo dados dos Ministérios Públicos Estaduais, o Brasil registrou ao menos oito casos de feminicídio por dia entre março de 2016 e março de 2017. No Maranhão os números de assassinatos de mulheres são os mais altos, de acordo com o Atlas da Violência, do Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas (Ipea). Foi o estado onde este crime mais cresceu entre 2005 e 2015, diferente de estados como São Paulo, onde

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houve redução de 35%, e Rio de Janeiro, 28%. No Estado, o aumento foi de 130%, o que representa mais de mil mulheres assassinadas.

Imagem: Acervo particular do Ateliê Acadêmia de Dança

A bailarina Rebeca Carneiro, parte do elenco do Balé Feminicídio, acrescenta: “Feminicídio não é só sobre violência física, é sobre violência em todos os seus âmbitos. O grande lance de falar do feminicídio é mostrar como ele acontece em todas as relações que envolvem mulheres. Em como a gente é construído dentro de uma sociedade patriarcal, onde a mulher é subjugada, onde a mulher é vulnerável, ela precisa de um homem pra proteger ela, ainda hoje. De como a gente ‘tá sujeita a tudo (...) de que isso pode acontecer em qualquer lugar, em qualquer hora, com qualquer idade só pelo fato da gente ser mulher”. Entre esses dados, casos como o da estudante Iarla Lima Barbosa, morta pelo namorado, o tenente do Exército José Ricardo da Silva Neto ocorrido em junho deste ano. Ou o caso da publicitária Mariana Costa, filha do ex-deputado estadual Sarney Neto e sobrinha-neta do ex-presidente e ex-senador José Sarney, estuprada e morta por asfixia pelo empresário Lucas Porto. Ou ainda os recorrentes casos de estupro de universitárias da Universidade Federal do Maranhão, que ganham destaque na mídia por serem casos de classe média-alta, mas que não refletem a verdadeira realidade maranhense, pois ainda é grande o número de casos não denunciados. Para tentar mudar esse quadro, a arte engajada propõe-se a influenciar mulheres a denunciar

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seus agressores, reagindo desta maneira à violência. A mídia não retrata este tema de forma adequada, os fóruns e debates estão longe das camadas populares da sociedade, e ainda que a produção literária já tenha se dedicado a essa vertente, se torna inacessível e desinteressante para a grande maioria do público. Diferente da arte que é uma ferramenta atrativa, acessível e dinâmica para abordar essa problemática social. “E eu pensei se a gente falar sobre feminicídio através da dança eles vão querer saber. A gente atrai o nosso público e elas passam a ter mais força pra denunciar, não só pessoas que passam por isso, mas alguém pode ter um vizinho, uma família, eu posso encorajar alguém a denunciar”, diz Silvana. A arte engajada não pode extinguir problemas sociais, não pode acabar com os crimes de feminicídio. Mas pode, de dentro para fora, questionar agressores e agredidos, atentar para detalhes que farão toda a diferença, despertar e encorajar. Os filmes Tropa de Elite, as obras Abaporu

e Operários de Tarsila do Amaral, a música Cálice de Chico Buarque são apenas alguns dos exemplos de como a arte pode nos levar à reflexão sobre a realidade social, e não só à reflexão, mas à mudança. O Balé Feminicídio aguarda pela reabertura do Teatro Arthur Azevedo, prevista para o final de outubro desse ano, pois conta com um elenco com mais de 20 bailarinos e usará diversos recursos em seu espetáculo, e não há na cidade outro espaço que possa atender a demanda do Balé, segundo a diretora da companhia de dança. Diferente do teatro, a Delegacia de Defesa da Mulher, localizada na Avenida Beira Mar, 534, Centro, está com as portas abertas de segunda à sexta, das 7h até as 18h. “Eu acho que o grande lance desse trabalho é mostrar que você tem voz, mulher tem voz, ela tem esse lugar onde ela pode se estabelecer da maneira que ela achar melhor. Afinal nós temos leis que nos protegem, nós temos medidas que nos protegem, existem serviços psicológicos que dão suporte pra essa mulher”, diz a bailarina Rebeca. Ananda Mayi e Bruna Lorrana

Garotas do espetáculo ‘Feminicídio’/ Imagem: Acervo particular do Ateliê Acadêmia de Dança


“Pelo menos se casou” Enquanto o casamento infantil for visto apenas como um problema do outro e não como um problema social, mais distante de se resolver tais mazelas estará à sociedade. Qualquer casamento, seja ele formal ou informal, que envolva um menino ou uma menina, que tenha idade inferior a 18 anos é legalmente intitulado como casamento infantil. Apesar de ser uma prática muito comum, principalmente na América Latina, é relevante rememorar que o casamento nessa etapa da vida pode interferir na qualidade de vida da criança/ adolescente, intervindo na efetivação de direitos fundamentais que lhe são assegurados, como o desenvolvimento. Para os brasileiros, a idade legal para o casamento é de 18 anos, tanto para as mulheres como para os homens, com a ressalva de que ambos podem se casar aos 16 anos com o consentimento dos pais ou responsáveis legais. No entanto, existe uma exceção. Segundo o Código Penal, no artigo 1520, permite que menores de idade possam se casar com menos de 16 anos no caso de uma gravidez. Apesar de ser um problema que deveria ser pautado nas agendas políticas, pois em muitos lugares a prática se torna cultural, o problema não tem sido visto como preocupante e tão pouco entra em questão para que haja formulação de políticas nacionais e na promoção de igualdade de gênero. Como declara a gerente técnica de gênero da ONG Plan International Brasil, Viviana Santiago, “A temática ainda é muito inviabilizada e quando visível aparece como sendo um problema do outro, não como um problema nosso, é um problema de África, de Ásia, talvez seja uma problemática muito relacionado às comunidades tradicionais, como a dos índios e toda depreciação em torno disso”. No Brasil, é mais comum meninas que se casam de maneira precoce do que meninos. Quando se traça um perfil de quem são essas meninas, geralmente são pessoas de baixa escolaridade e renda, com alguma vivência de violência no âmbito familiar. A escolha pelo casamento muitas vezes explica-se pela ilusão de que casar é uma alternativa para reverter a situação de violência e pobreza. Muitas vezes, porém, o casamento infantil resulta em mais pobreza, em falta de acesso a uma boa educação e a tendência é que as próximas gerações reproduzam o contexto de pobreza e exclusão. Por que eu tava entrando na minha adolescência, eu queria sair, eu queria curtir, queria andar [...] Eu me relacionei com ele, namorei com ele três meses, ele me convidou pra morar na casa dele, aí eu fui pra casa dele. Não gostava muito dele, eu só fui mesmo pelo fato do meu padrasto, aí na convivência nossa ele me fez aprender a gostar dele, e hoje eu sou louca por ele (risos). | Menina de Belém que casou-se aos 12 anos com um homem de 19 (ela refere-se a seu padrasto maltratando-a, mas não é claro de que forma); ela tinha 16 anos na época da entrevista, e estava grávida *Trecho retirado da pesquisa “Ela Vai no Meu Barco” Para muitos o casamento infantil é visto como tradição. Na capital São Luís no Maranhão, alguns fatores como área portuária, ferroviária e rodoviária, são pontos básicos para que esses dados se elevem. Muitos homens veem de outros estados e passam muito tempo sem ver suas famílias. Em contrapartida, em áreas como o Itaqui Bacanga e adjacências, que compõem a BR 135, pessoas que migraram da zona rural em busca de melhores condições de vida, por falta de políticas públicas efetivas crescem constantemente, e que muitas vezes tem como resultado o pensamento de que um casamento com uma pessoa com melhores condições seja a solução de todos os problemas vividos. Questões como culto a beleza, sonho pela liberdade, uma gravidez não planejada, promessa de vida melhor, são pontos que estão muito ligados ao casamento infantil e que desencadeiam outras situações problemáticastais como exploração sexual, gravidez na adolescência, evasão escolar, trabalho infantil. É relevante ressaltar a subordinação que muitas vezes ocorre após essa união. Geralmente a pessoa mais velha da relação por ser o

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assalariado deixa evidente que o título de provedor deverá ter como recompensa alguém que estará ao seu dispor. O número de crianças/ adolescentes casados formal ou informalmente no Brasil é significativo, conforme mostra a tabela (gráfico), e ainda sim, a temática é muito invisível na mídia. As pessoas ainda não conseguem visualizar o casamento infantil como um problema social. Como destaca Viviana Santiago, “É importante visualizar a problemática do casamento infantil como um problema social e não das famílias, em específico, pois essa mazela é reflexo de uma falência social”. Yara Mendes e Yasmin Paiva

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Curiosidades Ludovicenses

Imagem feita por Sarah Bianca

1 - Como “vive” o Reviver? O Projeto Reviver foi iniciado em 1987, pelo Governo do Maranhão, com o objetivo de revitalizar o conjunto arquitetônico do Centro Histórico de São Luís. Muitas construções fazem parte do projeto que visa, também, oferecer uma melhor estrutura para moradores e turistas que frequentam os locais. As atrações musicais, culturais dão vida às noites do Reviver, enquanto os mercados de venda de produtos típicos e lembranças dão o tom do dia. 2 - Casa do Maranhão A Casa do Maranhão fica na Rua do Trapiche e é uma das atrações turísticas mais visitadas do Reviver. É chamada também de Museu Folclórico porque, além de funcionar no antigo Prédio da Alfândega, construído em 1873, oferece visitas guiadas que apresentam ao turista o acervo formado por vestimentas e instrumentos musicais usados nas festas do Bumba-Meu-Boi. As exposições variam de acordo com a data do ano, mas sempre mostram as belezas naturais e culturais do estado. Em 2014 o espaço recebeu uma “repaginada tecnológica”, com equipamentos multimídia que tornam o tour mais dinâmico. Horário de funcionamento: Terça a domingo, 8h às 16h. Sábado e domingo, 14h às 18h.

3 - Centro de Criatividade Odylo Costa Filho Um espaço de arte e cultura que há 36 anos promove o envolvimento da comunidade com espetáculos e difusão das técnicas do fazer artístico. O Centro dispõe de cinema, teatro, biblioteca e espaços para exposição; oferece cursos de diversas expressões artísticas nas áreas das artes visuais e artes cênicas. 4 - Mercado das Tulhas Situado em uma construção de meados do século XVIII para funcionar como uma espécie de celeiro, a Casa das Tulhas é um dos principais pontos de compra de produtos maranhenses na cidade de São Luís. O mercado é também conhecido como Feira da Praia Grande. Parte de sua área externa é dedicada às lojas comerciais que vendem artesanato e vestuário, as famosas lembrancinhas. Possui, também, boxes, bancadas e barracas que apostam em produtos ligados à gastronomia. Horário de funcionamento: Segunda a sexta, 10h às 18h; Sábado, até às 13h. 5 - Praça do Reggae Antes conhecida como Praça da Criança, por ter uma concepção arquitetônica com o objetivo de criar um

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espaço de lazer infantil, hoje é chamada de Praça do Reggae pelos eventos que abriga. É muito frequentada pelos turistas pois a iluminação ao fim da tarde é muito propícia para fotografias. 6 - Teatro João do Vale Está localizado no espaço que abrigava um galpão comercial da Praia Grande e, após ser adquirido pelo Governo do Estado foi transformado em um Teatro que abriga programações artístico-culturais e grandes palestras que acontecem na cidade. A capacidade é de 400 lugares na plateia. Os preços variam entre R$ 5,00 e R$ 30,00 e muitos espetáculos de Companhias locais são grátis ao público. 7 - Praça Nauro Machado Sem dúvidas a praça mais movimentada do Reviver, frequentada por turistas e, principalmente pelo público alternativo. Muitos shows e festivais de música acontecem durante todo o ano, entre eles o Festival BR 135, que reúne milhares de pessoas no Reviver e tem como palco principal a praça Nauro Machado. Anteriormente, onde hoje é a praça, funcionava um depósito de açúcar. O nome é em homenagem a um dos mais importantes poetas maranhenses, Nauro Machado, falecido em 2015. 8 - Centro de Pesquisa de História Natural e Arqueologia do Maranhão Fundado em 2002, o Centro tem como objetivo o estudo, valorização e preservação do acervo patrimonial maranhense, principalmente em relação ao povo indígena. A instituição dá à comunidade e aos turísticas a oportunidade de uma visita guiada e gratuita a três exposições temáticas:

Praça Nauro Machado./ Imagem: Reprodução Governo do Maranhão

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Sala expositiva de Paleontologia Fósseis e réplicas de espécies pré-históricas encontradas no Maranhão. Sala expositiva da Arqueologia Artefatos de pedra, objetos cerâmicos utilitários e ritualísticos pré -coloniais e utensílios de louça e artigos de uso pessoal e cotidiano provenientes do período histórico. Sala expositiva de Etnologia Objetos de uso diário e cerimonial pertencentes aos grupos indígenas contemporâneos. Biblioteca Olavo Correia Lima - Disponibiliza a consulta ao seu acervo de cerca de 3000 volumes nas áreas de atuação do órgão. Horário de funcionamento: Segunda a Sexta de 8:00 às 12:00 e à tarde das 14:00 às 18:00. Sarah Bianca


São Luís em cena: O cinema maranhense

‘A chegada do trem na estação’ é um clássico dos irmãos Lumière./ Imagem: Reprodução Internet

Sabemos que o cinema se originou de várias inovações, como a fotografia, por exemplo. E que podemos concordar que o dia 28 de dezembro de 1895 foi o dia do seu “nascimento”, já que foi neste dia que o cinematógrafo, invenção dos irmãos Louis Lumière e Auguste Lumière, foi usado pela primeira vez para a apresentação do filme “A chegada do trem na estação”, também dos irmãos Lumière. O filme foi apresentado para mais ou menos 30 pessoas, que ficaram impressionadas com as fotos se mexendo. Mas, de fato, o cinema surgiu desde 1893 com Thomas Edson, que registou, nos Estados Unidos da América, a patente do seu quinetoscópico, a qual usava para exibir filmes. Os irmãos Lumière, então, acabaram se tornando a maior produtora europeia de placas fotográficas, naquela época. Sem falar que no decorrer dos anos, Louis Lumière e Auguste Lumière continuavam com invenções e mais invenções que só faziam ajudá-los mais ainda no sucesso.

No Brasil, a primeira exibição cinematográfica aconteceu no ano de 1896, no Cinematographo Parisiense, um lugar adaptado, onde hoje funciona o teatro Glauber Rocha, no Rio de Janeiro. Atualmente, a indústria cinematográfica é um grande mercado exigente e proeminente para várias áreas, pois não são apenas atores e atrizes que brilham nas cenas dos filmes que o público local e internacional prestigia. A realização de um filme precisa ter uma grande equipe trabalhando. Para se ter uma ideia, na construção e realização de um filme encontramos os seguintes profissionais: o roteirista, o diretor, o diretor de fotografia, o operador de áudio, o compositor musical, o produtor, além de outros que fazem parte da equipe técnica.

São Luís, possui mais de 90 anos e o seu autor foi o italiano José Felippe, proprietário do Biscópio Inglês. Mas, quando falamos em produção cinematográfica em São Luís, remetemo-nos aos anos 70 e 80, época em que vários filmes vieram a lume e consolidaram nomes importantes, como Murilo Santos, Euclides Moreira Neto, entre tantos outros. Hoje em dia, alguns nomes bastante conhecidos que rodam no cenário cinematográfico da capital maranhense é o do cineasta Frederico Machado, dono do Cine Lume, e do diretor do Cine Praia Grande, Raffaele Petrini.

Cineasta, Frederico Machado./ Imagem: Reprodução Internet

O cinema maranhense e o cenário cinematográfico da capital

O primeiro registro de filmagem na capital maranhense,

Diretor do Cine Praia Grande, Raffaele Petrini./ Imagem: Reprodução Internet

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Infelizmente a falta de apoio e de recursos de entidades da capital faz com que muitas pessoas desistam dessa profissão, mas para Frederico Machado, são essas dificuldades que o fazem continuar. “Eu vejo a dificuldade como forma de trabalhar com felicidade. Ela existe, de fato, me chateia muito, mas as dificuldades estão aí para a gente superá-las e ter mais verdade com o seu trabalho”, ressalta. O mercado do cinema na cidade encontra-se escasso e vem diminuindo a cada ano que passa. Ainda há pouca produção, mas, curiosamente, a maior parte da produção cinematográfica do estado, especialmente a de longas-metragens, se deve ao cinema independente de guerrilha, segundo Frederico. E isso é algo muito positivo, pois significa que os produtores maranhenses estão se empenhando em produzir sem depender de verbas públicas. “De 2000 pra cá, fazer cinema ficou muito mais fácil. A gente vive um momento que assistimos filmes com fotografias maravilhosas e depois acabamos descobrindo que foi feito com um iPhone 7, por exemplo”, conclui Raffaele. Percebemos, também, que, de fato, existe uma centralização do cinema maranhense no Centro Histórico de São Luís, e segundo Raffaele Pretrini, isso se dá pela falta de espaço. Ainda de acordo com ele, “adoraria que existissem outros espaços em São Luís que passassem filmes maranhenses, além do Cine Praia Grande, do Cine Roxy e do Cine Lume, que fica localizado no Renascença, mas se formos olhar um mapa, fica perto do Centro Histórico ”. Outro grande problema que ocorre no cinema maranhense é essa convicção de que os artistas que vêm de fora são mais importantes, que foi criado pelos profissionais não só da área do cinema, mas de todas as áreas. O Maranhão não ajuda na ascensão de seus próprios filhos, o que é uma pena. Mas observamos também, uma geração que está se estabelecendo aqui, que está estudando cinema na cidade, trabalhando com

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cinema e ganhando dinheiro com ele, o que antigamente não acontecia. O cinema é a arte que nunca vai morrer, porque sempre vai ter alguém sonhando com imagens, histórias e com mundos.

Cena do filme ‘O Signo das Tetas, do cineasta maranhense Frederico Machado./ Imagem: Reprodução Internet

O ritmo do rock que invade o cinema independe maranhense

Como já foi dito , o cinema maranhense tem seus nomes conhecidos, mas produtoras independentes invadem o cenário, como a Rock Filmes, do jornalista e realizador cinematográfico, como gosta de ser chamado, Alexandre Bruno Gouveia . Ele montou a Rock filmes há pouco mais de dois anos, por uma aspiração pessoal junto com a esposa. Quando surge a pergunta da escolha do nome da produtora, Bruno diz que “a escolha do nome foi por conta do meu estilo musical e também porque representa algo que é entendido no mundo todo”. Um dos grandes sonhos dos realizadores da produtora é atingir níveis nacionais e internacionais com a Rock. Diferente do cinema que Frederico e Petrini realizam, a Rock tem uma autoria mais documental, como um exemplo sua produção Escola da Terra, que mostrava a realidade das escolas do interior e zona rural do Maranhão. Seu mais novo projeto, que ainda está em produção, é o Memória Bom Fim, que vai contar a história dos moradores que viveram e vivem com a doença hanseníase. “A Rock trabalha em primeiro momento com editais, mas tem sonhos de embarcar em novos projetos, queremos contar histórias através do audiovisual”, comenta Bruno. Fazer cinema no Maranhão pode ser difícil, mas Bruno diz que “as dificuldades que temos aqui

existem em qualquer lugar . O que dificulta aqui é não ter lugares para compras de produtos, e também a retenção cultural, por termos a cultura muito rica, muitas pessoas querem ser donos dela, e assim divulgar o nosso trabalho.” A Rock ainda está engatinhando no mercado cinematográfico, e os idealizadores contam com uma equipe pequena, mas que quer alçar uma identidade nova para cinema, pois segundo eles temos muito potencial para criar novas formas de cinema e deixar de copiar tudo que vem de fora. O sonho de ter uma produtora foi realizado, mas Bruno tem muitos sonhos ainda para a sua pequena Rock. Além de querer investir nele, em sua formação como amante de cinema e dono de uma produtora, ele tem um sonho de no futuro transformar a Rock em uma escola de cinema, que possa colher frutos e realmente ter um cenário de cinema consistente no Maranhão. Além de ter a própria como fonte de estagio e de criação e produção de cinema no Maranhão . A expectativa para novas produtoras é grande, a consolidação de profissionais como Frederico Machado, Petrini e Bruno serve de inspiração para jovens que têm o sonho e a garra de trabalhar com cinema. E jovens que têm ainda mais essa vontade de trabalhar com cinema, por verem que apesar do trabalho, que é bem grande, tem a possibilidade próxima de cravar em rocha a vontade de ver seu trabalho nas telas. Breno Frazão e Victoria Chaves

Documentário sendo gravado pela Rock Filmes./ Imagem: Reprodução Internet


Jornalismo literário: possibilidade ou ficção? Passa, tempo, tic-tac Tic-tac, passa, hora Chega logo, tic-tac Tic-tac, e vai-te embora Passa, tempo Bem depressa Não atrasa Não demora...

A música de Vinícius de Moraes parecia só mais uma brincadeira infantil... Só que não. O tempo tem sido cada vez mais um aspecto definidor de nossos dias e sem dúvida influencia na dinâmica de nossas atividades. “Moça, vai demorar muito pra ficar pronto?”, “Ah não, isso é perda de tempo”, “Preciso desse trabalho pra ontem!”, “Quanto mais rápido, melhor!”, e assim nosso cotidiano carrega consigo um teor de urgência, de rapidez, de “praticidade”. Com o jornalismo não foi diferente: para abreviar o tempo de leitura as matérias que antes eram longas, repletas de adjetivos, descrições e carregadas de opiniões passaram a ser mais curtas e a obedecer a famosa dinâmica do Lead: o quê (a ação), quem (o agente), quando (o tempo), onde (o lugar), como (o modo) e por que (o motivo); e da Pirâmide Invertida, uma técnica de estruturação de texto que é velha conhecida dos jornalistas por organizar as informações em ordem decrescente de importância. Assim, os fatos mais cruciais para que o leitor esteja minimamente informado abrem o texto jornalístico, enquanto os considerados de menor relevância aparecem na sequência e podem ser até mesmo dispensados pelo leitor. E o dilema existencial de “economia de tempo” para se manter atraente do jornalismo impresso (seja de jornais ou revistas) se intensificou ainda mais com a concorrência que desponta: plataformas virtuais divulgando notícias curtas e em tempo real, canais no youtube especializados em notícias e incrementados com gráficos virtuais megazórdicos que tomam formas inimagináveis para deixar um evento/fato mais compreensível e atraente ao público, e pílulas de informação que chegam direto nos dispositivos móveis sem que o leitor precise, necessariamente, procurar a informação. Acontece que há algum tempo a dupla aparentemente imbatível lead-pirâmide pareceu ser a solução para capturar a atenção dos leitores fujões, mas hoje, com todo o aparato eletrônico disponível, o jornalismo impresso carece de dar um “tapa” no visual. E talvez uma boa estratégia seja dar uma de Marty McFly e fazer um exercício De Volta para o Futuro. De volta para o futuro? Isso mesmo, o paradoxo parece servir muito bem se pensarmos no jornalismo literário como uma

estratégia de atração do público. Segundo pesquisa divulgada pelo portal Publishnews a partir de dados coletados entre os anos de 2010 e 2017, o segundo gênero mais lido pelo brasileiro são livros de literatura ficcionais e não ficcionais, que tem como característica a criação de uma ambiência pelo uso de elementos literários como a narração, descrição, presença de personagens, conflito, noção de tempo (cronológico e/ ou psicológico), cenas, enredo, entre outros. Para Almicéia Diniz, bibliotecária, mestra em Cultura e Sociedade, acadêmica de jornalismo, e leitora assídua de obras ficcionais, o jornalismo literário é uma possibilidade de “brincar” um pouco mais com as palavras, deixando o texto mais atraente, e é por isso que para ela esse gênero ainda tem vez nos dias de hoje: “O jornalismo está sempre se reinventando e com o jornalismo literário não seria diferente, mesmo que não seja como antigamente quando tinha espaço nos periódicos destinado para os folhetins”. O romance entre jornalismo e literatura é antigo, mas também é novo: está em transformação. De Euclides da Cunha à Nana Queiroz é possível observar que subjetividade não é necessariamente sinônimo de má observação dos fatos. Essa última jornalista é também autora da obra “Presas que Menstruam”, um livro reportagem que trata da realidade das presas nas penitenciárias brasileiras, narrando histórias de antes, durante e depois do crime e da punição. No livro, a escritora traz relatos de falas das presidiárias, contexto histórico e social em que estavam inseridas, apresenta hipertextos, dados relacionados à temática, falas de fontes oficiais, descrição de cenários, informações sobre os presídios visitados, impressões e sensações pessoais (o que remete a figura de um narrador personagem e que não é onisciente), características que compõem uma narrativa jornalístico literária. A edição é curta, estruturada em ordem não linear (de modo que as histórias das personagens estão dispostas de modo intercalado) e com capítulos que abordam aspectos específicos da vida das presidiárias como família, escolaridade, relacionamentos amorosos, maternidade. A leitura é leve e informativa. O certo é que em tempos de “Fast News”, jornalismo e literatura é uma junção a ser considerada. A vertente exige dos profissionais da informação mais pesquisa, conhecimento literário e, portanto, mais tempo. O que não significa necessariamente textos longos ou demorados, mas elaborados por processos diferentes dos padrões atuais. Débora Ribeiro

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A sangue frio - Truman Capote

Vozes de Tchernóbil - Svetlana Alexijevich

Este livro do norte-americano Truman Capote é considerado o marco inicial do jornalismo literário, corrente jornalística que “empresta” a narrativa da literatura, descrevendo fatos de forma mais narrativa, como nos livros de ficção. Publicado em 1967, relata a história de como o autor se envolveu com um homem preso que assassinou uma família no Estado do Kansas, nos Estados Unidos, para contar a história do crime de todos os ângulos possíveis.

Para marcar os trinta anos do desastre de Tchernóbil, o livro reportagem é um relato impressionante do pior acidente nuclear da história. Em abril de 1986, uma explosão na usina nuclear de Tchernóbil, na Ucrânia — então parte da finada União Soviética —, provocou uma catástrofe sem precedentes.

Fonte: Revista Galileu

Fonte: Companhia das Letras Chega de Saudade – Ruy Castro Neste livro Ruy Castro reconstitui a história da boêmia carioca da década de 50, cada bar, cada boate de Copacabana ou Ipanema daqueles anos dourados da era JK. Ruy investiga João Gilberto antes da fama, Vinícius de Moraes ainda um diplomata do Itamaraty e Tom Jobim um pianista da noite que corria atrás do dinheiro para pagar o aluguel.

Fonte: Botequim Cultural

Imagem: Reprodução Internet

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Imagem: Reprodução Internet

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Resenha: O Império do Grotesco A obra O Império do Grotesco, de Muniz Sodré e Raquel Paiva, traz uma abordagem minuciosa sobre o que é grotesco e suas várias manifestações na mídia, tanto impressa quanto digital, além de fazer uma análise social, cultural, política, filosófica e psicológica da manifestação do grotesco no ser humano em suas mais variadas formas. Toda a análise feita com base em autores como Bakhtin e Nietzsche, utilizando-se também de análises feitas por autores brasileiros como Machado de Assis e Monteiro Lobato. De forma crua e visceral, o livro vem como um “soco no estômago’’ para aqueles que nunca se perguntaram o porquê do fascínio humano com o seu lado mais cruel e mórbido e como a mídia influencia nessa fixação. Mas o que é o grotesco? Primeiramente, pode ser definido, segundo um trecho do livro, como ‘’[...] a quebra insólita de uma forma canônica, de uma deformação inesperada [...], o belo de cabeça para baixo, uma espécie de catástrofe do gosto clássico’’. Os autores, de forma excepcional e descritiva, fazem a distinção do verdadeiro conceito de grotesco, pois quando se pensa no termo, automaticamente somos levados a pensar no feio. Porém, ao contrário deste, gera o asco. O grotesco é a antítese do ser humano: “aquilo que tem algo de agradavelmente ridículo’’, pois busca o riso cruel e a curiosidade. Ao mesmo tempo em que há o asco, há a vontade e curiosidade de observar. Nessa questão, os autores fazem uma análise impecável da relação do grotesco com a psique humana, seus desejos e vontades. Frequentemente somos levados, por preceitos morais e éticos, a

Capa do livro ‘O Império do Grotescto’./ Imagem: Reprodução Internet

suprimir vontades e curiosidades sobre o mundo. A exemplo disso, pode-se citar um telespectador que se depara com um programa exibindo cenas de um acidente explícitas. Inicialmente, haverá a rejeição àquelas imagens fortes, mas, ao mesmo tempo, haverá a curiosidade de observar aquilo de maneira mais profunda. Isso acontece porque somos cercados por condutas éticas

que nos fazem 0 aquilo considerado “errado’’, “horrível’’... grotesco. Ou seja, o grotesco age de forma reprimida no ser humano quando ele não se encontra em seu estado de natureza, proposto por Hobbes. Isso fica claro no trecho em que se faz a comparação entre o homem e o animal: “Imaginemos agora que um animal pudesse ‘beber sem sede e amar sem tempo’. Ele o faria

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certamente em estado de natureza, como um bicho, isto é, sem as regras e contenções da cultura, portanto, de uma maneira absolutamente censurável pelos homens. A domesticação de um animal não pode ser tão satisfatória do ponto de vista da civilização quanto a ‘domesticação’, por ética e cultura, do ser humano’’. Essa relação entre o ser humano e o grotesco é proposta no livro, principalmente, pelo advento da mídia de massa. Os veículos midiáticos, ao longo do tempo, buscaram formas de conseguir abranger uma parcela maior do público e, para isso, foram utilizados programas com teor humorístico e popular que se utilizavam da humilhação e constrangimento de outras pessoas para obter a audiência. Assim se dá a busca do riso pelo grotesco na mídia massiva. “Todos esses programas pautam-se por recursos de rebaixamento de padrões, seja para reduzir a complexidade de mensagens e facilitar a sua assimilação por um público mais amplo, seja para estimular rebarbativamente o comportamento da plateia no auditório [...]’’. Esses programas serviram como uma “permissão’’ para que o grotesco fosse visto com mais naturalidade ou que não houvesse a negação do estado de natureza humano em meio ao ridículo. “O que efetivamente consome o espectador de tevê é o ato de ver, de espiar, de satisfazer-se escopicamente. O que se poderia chamar de ‘desejo audiovisual’ é esse movimento de espiar o mundo ou suas imagens, somente pela pulsão de olhar, independentemente dos conteúdos ou dos significados. A mira concentra-se sobre o chocante na televisão do mesmo modo que sobre o malabarista de feira pública ou sobre o acidente na beira da estrada”. Outro ponto a se destacar é a forma como as elites e classes cristãs mais altas, juntamente com a própria mídia, contribuíram para definir o grotesco na mídia de massa. Citando o caso de Seu Sete da Lira,

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que a televisão mostrou ao país inteiro, “com seu traje característico, ou seja, smoking, cartola, capa preta com aplicação de uma lira em vermelho e ouro, charuto à boca e permanentemente uma garrafa de aguardente à mão”, os autores mostram como uma variante da cultura religiosa popular de origem africana foi transformada em aberração, numa “cultura de coalização dominante”, segundo o sociólogo Sérgio Miceli. “O rechaço elitista às manifestações de religiosidade afro sempre foi, na verdade, um aspecto de resistência ao que tivesse ‘cara’ de povo ou ao que soasse como diversidade cultural”. A afirmação feita pode servir de prova para mostrar como a elite conservadora moldou o grotesco na televisão brasileira e como, ao mesmo tempo, entra em contradição ao veicular seu próprio espetáculo grotesco em rede nacional, com as famigeradas sessões transmitidas dos cultos realizados pela Igreja Universal. O que é mostrado ao público nesses programas acaba se tornando um objeto prático disso, pois a todo momento são levados ao telespectador casos de “possessões’’ ao vivo, “sessões de descarrego” e charlatanismo que, ao mesmo tempo em que pode ser crível e assustador ao mais fiéis, atiça a curiosidade e vontade de observar aquela situação. Portanto, O Império do Grotesco abre um leque de possibilidades para se pensar o que é o grotesco, como ele se molda no ser humano e na mídia e como o conservadorismo, tanto das elites quanto da própria mídia, serve para transformar o grotesco em natural e permissível de um lado, mas ridículo, terrível e constrangedor de outro, além de transformá-lo em um chamativo para o público. Como define um trecho do livro, o grotesco é o que arranca a audiência de sua triste paralisia. Alan Silva


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A Cultura faz parte do nosso ser 32


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