Somos da Troça, do Homem do Miúdo Por causa do descuido, A morena perde tudo... No carnaval! A carroça vem ali O fiscal vem acolá Quem tiver cachorro prenda Ou, senão vá matricular Ele estava na calçada, roendo o seu ossinho, a danada da carroça levou meu cachorrinho. Frevo para a T.C.M O Cachorro do Homem do Miúdo em 05 de março de 1910, autor desconhecido*
FOTO: FRED JORDテグ
FOTO: FRED JORDテグ
Homenagem ao Centenário da Troça Carnavalesca Mista O Cachorro do Homem do Miúdo
Carmem Lélis Hugo Menezes
REALIZAÇÃO
Prefeito do Recife João da Costa Vice-Prefeito Milton Coelho Secretária Interina de Comunicação Ceça Britto Diretora de Propaganda e Criação Kássia Araújo Diretoria de Jornalismo Ida Comber Secretaria de Cultura Renato L Coordenação Executiva do Carnaval André Brasileiro Assessoria Executiva Fernando Duarte Diretoria de Preservação do Patrimônio Cultural Lorena Veloso Gerência de Preservação do Patrimônio Cultural Imaterial Carmem Lélis Gerência do Centro de Formação, Pesquisa e Memória Cultural – Casa do Carnaval Alzenide Simões Gerência do Sistema Municipal de Informações Culturais Cadastro Cultural Lucina Gama Fundação de Cultura Cidade do Recife Presidente Luciana Félix Assessoria Executiva Luciana Veras
FICHA TÉCNICA Coordenação do Projeto Carmem Lélis Supervisão de Pesquisa Carmem Lélis Hugo Menezes Produção de Textos Carmem Lélis Hugo Menezes Pesquisa de Campo Cássio Raniere Hugo Menezes Produção Executiva Alzenide Simões Apoio à Produção Executiva Cássio Raniere Luciana Gama Revisão de Textos Norma Baracho Araújo Design Gráfico Raul Kawamura Fotos Acervos: Prefeitura do Recife, Casa do Carnaval, Museu da Cidade, Troça Carnavalesca Mista Cachorro do Homem do Miúdo, Fred Jordão, Raul Kawamura. Acervo Digital Diário de Pernambuco Agradecimentos especiais Albenice, Claudemir Gaspar, Camila, Carminha, Maria de Perôa, D. Ivonete, Emerson da Silva, Eurídice Rodrigues da Silva, Gildo, Marli, Sueli, Genival Peixoto, Maestro Nunes, Marcelo Varela, Vavá, Alzira, Gilson Gonçalves, Troça Carnavalesca Mista Cachorro do Homem do Miúdo, Carlos Orlando e Nalva.
O passado nรฃo reconhece o seu lugar: estรก sempre presente. (Mรกrio Quintana)
O Carnaval do Recife é constituído sobremaneira pelas agremiações carnavalescas. Elas preenchem de beleza e alegria as ruas da cidade, tomam conta do espaço festivo com a propriedade que lhes é atribuída pela história, fazem parte do repertório de símbolos representativos da nossa multiculturalidade. Portanto, entendemos que uma festa democrática, popular e descentralizada como a do Recife deve se fundamentar no respeito àqueles que compõem nossa riqueza e diversidade cultural. Nesse sentido, uma publicação acerca dos cem anos da Troça Carnavalesca Mista Cachorro do Homem do Miúdo é um reconhecimento por sua contribuição ao carnaval e, consequentemente, à história do Recife. Uma homenagem que atenta para o registro da memória de uma das troças mais antigas da cidade e para a importância de termos uma agremiação centenária participando ativamente da nossa festa. Este trabalho soma-se aos esforços da Prefeitura do Recife no atendimento ao Plano de Salvaguarda do Frevo, que preza pela proteção e promoção do nosso Patrimônio Cultural Imaterial. João da Costa Prefeito do Recife
Cem anos... Parabéns ao Cachorro do Homem do Miúdo! Poucas agremiações conseguem completar cem anos de vida. Chegar a um século com a vitalidade e o vigor próprios do Cachorro do Homem do Miúdo é, então, um grande motivo para comemorar. A Prefeitura do Recife vem presentear a todos com um trabalho dedicado não apenas à troça, mas em especial à memória do carnaval. Esta publicação da Secretaria de Cultura e Fundação de Cultura Cidade do Recife rende uma justa homenagem ao centenário, um marco temporal que revela o poder de resistência de uma agremiação. O trabalho, repleto de lirismo e história, celebra o Cachorro do Homem do Miúdo com o resgate da sua trajetória a partir das lembranças de carnavalescos, amigos e integrantes. Assim, atendemos ao Plano de Salvaguarda do Frevo nas diretrizes voltadas à difusão e preservação das agremiações, reconhecemos a importância da troça e valorizamos a participação indispensável e imensurável de quem faz a nossa cidade e, em especial, o nosso carnaval. Desejamos um feliz aniversário ao Cachorro do Homem do Miúdo. Que venham outros parabéns, outros carnavais e sempre o frevo, por mais cem anos... Renato L Secretaria de Cultura Luciana Félix Fundação de Cultura Cidade do Recife
SALVAGUARDA O registro do frevo como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil, proposto em 2007 pela Prefeitura do Recife e reconhecido pelo Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional – IPHAN, referenda uma significativa ação do Estado brasileiro no seu papel de promover e proteger os nossos bens patrimoniais. O Registro é parte das políticas públicas para a cultura que, por meio de instrumentos e ações legais, buscam atender aos objetivos de valorização e preservação desses bens. É a partir de tais políticas e seus desdobramentos que se torna possível consolidar as responsabilidades do Estado e da sociedade civil no compromisso de garantir perpetuidade, condições materiais, produção, transmissão, divulgação e consequente salvaguarda. Apresentamos o trabalho que se segue entendendo-o como um projeto que precisa de continuidade, ao tempo em que recomendamos aos diversos atores públicos e privados que se lancem ao desafio de uma ação conjunta, com vistas a atender ao eixo de número 5 do Plano de Salvaguarda do Frevo que prevê Apoio às Agremiações Carnavalescas. As histórias que aqui se apresentam sugerem uma imersão no extraordinário universo das memórias, desvendadas e expressas por meio de visões, tradições, releituras e transformações: subsídios capazes de fundamentar, dentre outros, o papel sociocultural da agremiação como elemento primordial do carnaval popular do Recife. Cem anos da Troça Carnavalesca Mista Cachorro do Homem do Miúdo, momento singular de celebração e avanço nos nossos aprendizados de salvaguarda. Faz-se oportuno agradecer à trabalhadora da cultura Miriam Brasileiro, seu empenho na visibilidade de tão significativo aniversário. Enfim, esperamos que se multipliquem as pesquisas, os registros documentais e as produções relativas às memórias das nossas agremiações, centenárias ou não, mas sempre tradutoras e mantenedoras dos sentidos e significados desse incomensurável bem cultural – o Frevo. Carmem Lélis Gerência de Preservação do Patrimônio Cultural Imaterial da Secretaria de Cultura
ÍNDICE
Memória Olhares dessemelhantes sobre o lugar comum Centenário Tempo, tempo, tempo... Troça É de Perder os Sapatos Que Troça é Essa? Outra vez, era uma vez... Rivalidades Outros Diálogos Mário Orlando Uma História de Carnaval Atualidade Lá vem o Cachorro!
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Referências
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Mem贸rias Olhares dessemelhantes sobre um lugar comum 16
Que saudades que me deu, Recife, cair no frevo, ou então lá pras bandas do tremde-ferro, sambando com os negros do Leão Coroado, até fugir num último esbafo, pedindo a bênção pra Cachorro e chamando gato de tio... [...] Qual! Diante de coisas assim a gente perde mesmo a tramontana, cai no frevo e manda à fava todas as circunspecções. (Mário de Andrade – escritor, poeta e pesquisador) 17 17
Lembrança, inquietação efêmera e cotidiana. Intermitente sinalização a romper fronteiras, umas vezes camufladas outras expressas, sempre identificadas com distintos e complexos universos existenciais de sujeitos e coletivos. Não esquecendo o plano dos desejos, ousamos mencionar o território simbólico enquanto consciência representativa do inconsciente, marca do diferente que aproxima e afasta, excita e transgride. Eterna transversal de significados atribuídos, responsáveis pelas glórias, disputas, embates e construção de valores. (...) dançava em Cachorro e adorava... Saía muito bonito, orquestra boa, aquilo é que era orquestra. Animava o carnaval, tinha um homem que saía com um cachorro e um tabuleiro de miúdo (...) A gente sentiu muita falta (...) a gente vai lutar pra trazer Cachorro de novo, quem não quer ele de volta? (...) (D. Maria de Perôa, 104 anos – Brincante mais antiga) Memórias captadas pelos sentidos, muitas vezes desavisados, que anunciam, denunciam, revelam. Símbolos que ocultam quando se mostram ao passo que se desvendam ao velar, e é justamente essa dinâmica que preserva, sustenta, retroalimenta... Para além de um registro, o recordar também traz em si a ação inventiva e transformadora capaz de dar conta das dinâmicas de díspares contextos históricos e sociais. (...) Era Cachorro, Abano, Amantes das Flores e Camisa Velha. Eram os quatro fortes e todo mundo perdia para Cachorro. (D. Alzira - Presidente da Troça Carnavalesca Mista Abanadores do Arruda) (D. Alzira – carnavalesca, presidente da Troça Abanadores do Arruda) Para Eclea Bosi, “Memória é trabalho”, exercício contínuo de selecionar o que lembrar ou esquecer. Entre lembranças e esquecimentos, vimos celebrar, entendendo a celebração como condição primordial às culturas. (...) Todo mundo vinha ver Cachorro sair e comer pirão... Era tradição. (...) O povo daqui ainda sente muita falta da brincadeira, do pirão... (...) Meu avô me levava para receber as medalhas que Cachorro ganhava no carnaval. Quando lembro, sinto uma alegria muito grande, queria eu que voltasse atrás no tempo, eu sempre saí em Cachorro e emendava com Gente Inocente... (Marli, neta do ex-presidente da Troça – Mário Orlando)
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Centenรกrio Tempo, tempo, tempo... 20
Parece um acontecimento mágico completar cem anos. Há uma aura de mistério e força que envolve um brinquedo centenário e o transforma em subversivo diante da fugacidade do mundo contemporâneo. Nesse tempo de existência, O Cachorro do Homem do Miúdo, ou “Cachorro” como é mais conhecido, acompanhou o desenvolvimento urbano da cidade do Recife; viveu duas guerras mundiais; desfilou satiricamente no período da ditadura militar; brindou a redemocratização do país; resistiu às intempéries e gozou as alegrias inerentes à História. É partícipe dela, produtor e elemento constitutivo, observador e observado, cúmplice e refém de um processo intermitente de mudanças, avanços e recuos que fazem parte do fluxo da vida. 21
(...) No Cachorro do Homem do Miúdo eu comecei menino, estou com 57 anos, na Troça eu passei cerca de 35 anos (...) eu comecei no cordão e depois fiquei como porta-estandarte (...) (Genival Peixoto – antigo porta-estandarte do Cachorro do Homem do Homem do Miúdo) (...) o que a gente fala de Cachorro é sempre de coração, com muito amor, porque faz parte da história da gente, da minha vida, da vida dos meus filhos (...) (D. Ivonete – carnavalesca, antiga integrante do Cachorro, presidente da Escola de Samba Gente Inocente) (...) E este ano, cem anos, quando sair eu vou chorar porque a minha emoção é grande demais em ver O Cachorro do Homem do Miúdo. Uma Troça que nunca deve deixar de sair. (...) (Gildo – porta-estandarte do Cachorro do Homem do Miúdo) A longevidade do Cachorro por si já seria grande motivo para comemorações, entretanto, um século de vida extrapola os 36 mil dias contabilizados. São cem carnavais impregnados na memória da cidade que preenchem de emoções e lembranças diversas um incontável número de foliões. São cem ciclos ininterruptos de criação, explosão e renascimento, pois na quarta-feira de cinzas renascem os subversivos que resistem à efemeridade e insistem em ser, por mais um carnaval, a dádiva do êxtase e a imagem alegórica da fênix. (...) por mim, Cachorro não deixa de sair nunca! (...) (Carlos Orlando – atual presidente do Cachorro do Homem do Miúdo) (...) De longe se ouvia a orquestra, que era muito forte e predominam os instrumentos de rua, tubas, trombones... Já se sabia: Lá vem Cachorro! (Claudemir Gaspar – carnavalesco, amigo de Mário Orlando) Uma agremiação que há um século sai às ruas traz consigo um dado indispensável para a história do Carnaval do Recife. Todavia, o que permeia e credencia esse dado é a memória da cidade e das pessoas que, de uma maneira ou de outra, estão ligadas à festa. O som das tubas e trombones da reconhecida orquestra da Troça há cem anos anuncia: Lá vem Cachorro! O arrepio, o entusiasmo e a energia provocada por tal anunciação transubstanciam-se em memória. Nela guardamos o cheiro, o calor, as sensações e sentimentos, é sinestésica por natureza, acionada por um impulso instintivo, reativo e/ou consciente. 22
(...) E quando a festa já ia se aproximando, como explicar a agitação que me tomava? Como se enfim o mundo se abrisse de botão que era em grande rosa escarlate. Como se as ruas e praças do Recife enfim explicassem para que tinham sido feitas. Como se vozes humanas enfim cantassem a capacidade de prazer que era secreta em mim. Carnaval era meu, meu (...) (Clarice Lispector – escritora, poetisa)
Cem anos que para além de um marco cronológico se respaldam no arquivo processual, afetivo, emocional e sensorial que nos forma coletiva e individualmente. Assim é possível compreender a aura de mistério e força que o circunscreve, bem como se aproximar da relação de entrega e paixão de homens e mulheres para manter a Troça na rua. (...) Uma agremiação completar cem anos é a maior glória do mundo, uma importância muito grande, um pipoco. Você tem uma agremiação que chega a cem anos desfilando, com o nome em pé, sem cair, sem deixar de desfilar. Bonita ou feia, com roupa rica ou com roupa pobre, mas tá abrilhantando o carnaval do Recife. Para Cachorro isso é a maior glória do mundo, está honrando o nome da Troça, de Mário Orlando e do filho dele. Onde Mário Orlando tiver vai dizer: deixei Cachorro com meu filho que continuou e Cachorro está aí na avenida. Ele está de parabéns. A homenagem chegou na hora certa (...) (D. Alzira) Não é brincadeira uma Troça que nasceu numa comunidade carente, completar cem anos de carnaval, fico orgulhoso porque gosto do Cachorro! (...) Os cem anos significam uma parte da minha vida, passei 35 anos dentro do Cachorro do Miúdo (...) O que me deixa alegre é que vou presenciar uma homenagem aos cem anos da Troça mais velha do carnaval do Recife e estarei lá, vendo o desfile (...) (Genival Peixoto) Cem anos: Cachorro, cem anos de frevo (...) É uma história que se confunde com a história do frevo (...) (Maestro Nunes) (...) Cachorro do Homem do Miúdo tem nome e tem cultura para mostrar para todos. Nasci no Cachorro e me criei comendo o pirão de mocotó. São cem anos de glória e prazer (...) E esse ano, cem anos, quando sair eu vou chorar, porque a minha emoção é grande demais em ver Cachorro do Homem do Miúdo. 23
Uma Troça que nunca deve deixar de sair. (Gildo) (...) Acho uma homenagem mais do que justa, é como se tivesse homenageando meu pai. Foram cem anos de muita luta (...) (Sueli – filha de Mário Orlando) (...) Eu sempre fui um admirador do Cachorro, nascido no bairro de São José, pude acompanhar durante parte da minha vida a sua trajetória (...) O que importa é que a agremiação está aí, mordendo. É como eu digo na música é o Cachorro latindo para o mundo! (Marcelo Varela – carnavalesco e compositor, amigo de Mário Orlando)
Cachorro na Cabeça FREVO CANÇÃO (Marcelo Varella/Bráulio de Castro) Interprete: Ivaldo Silva Essa Troça, É um troço que nem traça E arrasta até quem já voou Faz zoeira, poeira por onde passa É o passo de quem nunca passou É a troça, é o troço, é a cachaça É o sol, É o sal e a graça É o povo que na rua endoidou É o cachorro latindo para o mundo É o cachorro do Homem do miúdo Faz cem anos E você nunca esqueça E o cachorro que brilha a história É o cachorro que é a nossa glória Só vai dar cachorro na cabeça Homenagem ao centenário* da troça carnavalesca mista “O Cachorro do Homem do Miúdo” *05 de março de 1910 – 05 de março de 2010 24
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FOTOS: ACERVO DO MUSEU DA CIDADE DO RECIFE, 1952
Troça É de perder os sapatos 26
Falar da celebração do carnaval, para muitos, parece nunca ser demais... Festa que ganha a rua, transgressão da rotina que celebra o prazer, mas também espaço onde os embates travados no cotidiano são levados à sátira, ao inusitado e à rebeldia pela carnavalização. Quem sabe um tênue fio entre a festa e a rebelião, fenômeno e maneira de expressar a vida capaz de contribuir para que indivíduos e grupos se reconheçam em suas culturas específicas e ao mesmo tempo nos todos culturais. 27
Agregando referências, é a partir do hibridismo que o carnaval do Recife se explicita e o frevo, em suas muitas formas de expressão, parece avisar que a cidade é de todos. As agremiações carnavalescas são os elementos fundantes e mantenedores do carnaval popular do Recife e dentre as várias modalidades de agremiações que dão vida à festa está a Troça, precisamente o foco dessa produção. (...) Dentro da psicologia puramente carnavalesca das Troças, se situam os nomes que os seus fundadores inventaram – nomes como O Cachorro do Homem do Miúdo, Arrasta Tudo, Guaiamum na Vara, Camisa Velha, Formiga Sabe que Roça Come, etc. (...) Fundam-se troças e acabam-se troças, divergências num grupo vão produzindo novos grupos, membros deixam uma troça para brincar com outra – num eterno e complicadíssimo processo de fissão e fusão cultural. Com as formidáveis troças carnavalescas, estamos no próprio pulso desse magnífico carnaval do Recife. (Katarina Real – Folclorista e antropóloga norte-americana)
A palavra Troça deriva do verbo troçar que significa ridicularizar, zombar ou simplesmente brincar. Tal denominação é atribuída a um tipo de agremiação carnavalesca, que se assemelha aos clubes de frevo em menor dimensão. Desfilam pela manhã nas ruas do centro da cidade ou nos subúrbios, em seus locais de origem, dispersando-se ao entardecer. O improviso, a descontração e a irreverência são elementos constitutivos e indispensáveis à sua criação e apresentação. Apesar de tais características, muitas troças seguem praticamente o mesmo formato dos clubes. Aquelas consideradas tradicionais, por vezes, são tão ou mais luxuosas do que os clubes de frevo tendo seu diferencial apenas no horário de apresentação. Enquanto os clubes brilham à noite são as troças as senhoras do dia, reluzindo sob a luz do sol. Muitas passam à categoria de clubes, outras, por opção, permanecem troças e muito se orgulham da sua denominação. (...) Troça é troça, eu e Mário Orlando pensamos do mesmo jeito, quem é troça é troça, desfila de dia e não é menor do que quem desfila à noite, não (...) As troças hoje saem melhor do que os clubes. O carnaval da noite tem que gastar muito, tem que vir com luxo e de dia tem que vir bonita e mais animação (...) (...) tudo era troça, tudo desfilava de dia, ninguém era da noite. (...) Era um belo carnaval começava às dez horas e acabava quatro horas da tarde (...) (D. Alzira) 28
FOTOS: ACERVO PARTICULAR DA TROÇA CACHORRO DO HOMEM DO MIÚDO
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Que Troça é essa? Outra vez, era uma vez... 30
Como é bom começar ouvindo quem sabe guardar e contar lembranças tão vivas! Esta é uma história que, embora contada e recontada tantas e tão distintas vezes, nunca perde o seu encanto. Mas... como já disse alguém, quem conta um conto aumenta um ponto: A Fundação da Troça O Cachorro do Homem do Miúdo que aconteceu aqui no Pátio de Santa Cruz, ao lado da igreja de Santa Cruz (...) Essa é uma história meio (...) penosa, porque o pessoal vinha do enterro de um diretor do Clube Lenhadores, onde a sede era o Leão Coroado, rua da Glória, e quando chegava ao lado da igreja vinha um homem com um tabuleiro de miúdo tombando, embriagado e um cachorro do lado. Caiu no chão e daí tava Mário Orlando e outras pessoas que resolveram fazer a Troça, de início foi “Homem do Cachorro do Miúdo”, logo após viram que a coisa era inversa e foi dado o nome “Troça do Cachorro do Homem do Miúdo” (...) (Genival Peixoto) 31 31
Cachorro começou assim: Um grupo de amigos vinha do carnaval ali na Ponte Velha, viram um homem que vendia miúdo e estava bêbado, eles ficaram todos torcendo para o miúdo cair e eles pegarem. O miúdo caiu só que o homem vinha com um bocado de cachorro que ficou ao redor do miúdo e não deixou ninguém pegar. Aí disseram: Vamos fazer uma troça – O Cachorro do Homem do Homem do Miúdo (Sueli) Quando ele foi fundado, foi na Ilha do Leite, ali na rua dos Prazeres, numa casa de esquina que dá atrás de um ferro-velho, no meio dos sapotis, no meio das mangueiras. (Maria de Perôa) O Cachorro do Homem do Miúdo, isso foi um fato acontecido. Isso foi em 5 de março de 1910 quando ali, na Rua José de Alencar, antigo Beco das Palmeiras, tinha uns carnavalescos que estavam voltando do enterro de um dos diretores do Clube Lenhadores. Embaixo do pé de sapota, estava o miudeiro. Já no final da tarde do sábado, tinha tomado umas carraspanazinha (...) Aí o pessoal vinha voltando, meu avô no meio, Bernardino Sena, e disseram: “Rapaz, olha ali o miudeiro, tá querendo ser ajudado.” Mas ele, tão embriagado estava e os cachorros tudo atrás, tombou pra lá, tombou pra cá e quando caiu derrubou o tabuleiro. O pessoal tava querendo ajudar, aí meu avô disse: deixa ele cair, rapaz, só assim os cachorros comem o miúdo. Só que os cachorros ficaram atônitos, assim olhando... O pessoal disse: não aconteceu o que tu queria, então vamos fazer o seguinte: vamos levantar o miudeiro. Meu avô disse: nada, rapaz, vamos fazer uma brincadeira. Aí o pessoal diz: qual é a brincadeira, sabe-tudo? Meu avô responde: tá aí no chão – Cachorro do Homem do Miúdo. Daí fizeram um estandarte de estopa e saíram. Isso foi em 5 de março de 1910. (Carlos Orlando) Relatos alegres e emocionados... Tantas verdades... Tantas versões... Pátio de Santa Cruz (Boa Vista), Rua José Alencar (Boa Vista), Ilha do Leite, Ponte Velha (São José)... Afinal, onde mesmo ocorreu esse fato pitoresco que deu origem à Troça Cachorro do Homem do Miúdo? Chamando a atenção para as imagens recorrentes que envolvem o acontecimento – miudeiro, grupo de amigos, embriaguez, cachorros, enterro, Clube Lenhadores, pé de sapoti e a fidelidade dos cachorros –, os traços simbólicos aparecem como uma vertente possível sobre a qual se ousa refletir. Imagens, envoltas na poesia da palavra e embaladas pelas canções que 32
traduzem histórias, apontam para a verdade contida nas várias formas de retratar o fato.
(...) Cada troça tem uma história engraçada, às vezes até absurda, que explica o espírito do verdadeiro folião. (...) um grupo de colegas, rapazes, ou foliões, está na “farra”, bebendo, brincando, dançando, etc., quando encontra, ou vê, ou tropeça numa coisa fora do ordinário – um cachorro, uma burra, um guaiamum, etc., ou o grupo tem uma experiência notável que deixa uma impressão forte. Naquele momento, o grupo resolve que “vão fundar uma troça” para sair no próximo carnaval. (...)
A observação de Katarina Real traz o universo comum ao surgimento das troças no carnaval do Recife. E não seria diferente com o Cachorro... Encontram-se elementos compartilhados e/ou típicos das histórias de outras troças, ao mesmo tempo em que as várias versões para a fundação do Cachorro apresentam subsídios peculiares. Diante de uma teia de referências tecida pelo sentido de pertencimento e impregnada na memória de todos aqueles que vivem Cachorro, quem dúvida das tantas verdades? Quem precisa de uma versão oficial? (...) É uma tristeza para os Coelhos perder Cachorro do Homem do Miúdo, tanto os Coelhos como a Boa Vista, que foi onde ele foi fundado (...) (Gildo) A grande itinerância da agremiação provocada pela ausência de uma sede própria é, no mínimo, cúmplice do nomadismo responsável pelo sentimento de perda presente nas pessoas que residem nos locais onde a agremiação se localizou. No bairro dos Coelhos, onde passou grande parte de sua vida, Cachorro é sempre lembrado com afeto e saudade. A sua saída mobiliza a comunidade no sentido de retroalimentar essa ausência-presença deflagrada nas falas que remetem a um sonho de retorno. Assim como um inconformismo declarado por não deter mais um motivo de orgulho que, naturalmente, referendava a localidade. (...) Quando ele saía daqui era aquela animação, sempre foi daqui. Vinha um homem com um tabuleiro de miúdo na cabeça e um cachorro. A orquestra quando tocava abalava tudo aqui nos Coelhos. Saía daqui! Fazia o percurso 33
todinho, Rua Velha, Pátio de Santa Cruz até o retorno, para recolher aqui. (Gildo) Quando chegar a orquestra de Cachorro, com o estandarte ali (...) A senhora vai ver isso ficar cheio, que não vai ter lugar para fazer o passo! (Maria de Perôa) Cachorro é daqui dos Coelhos, do Recife. Quando meu avô faleceu, Sueli não podia ficar com Cachorro, aí Carlinhos levou para Olinda e lá ficou (...). Não era para ter tirado Cachorro daqui, a gente continuava com ele aqui, continuava a alegria aqui. (Marli) Cachorro saía daqui, arrodeava os Coelhos no sol quente, até lá na Ilha do Leite e Boa Vista, com o miudeiro, o cachorro, a orquestra e o povo. Vinha gente de todo lugar só para ver o Cachorro (...). Todo mundo fazia o passo. Quando levaram a bandeira de Cachorro, se acabou o carnaval dos Coelhos. (D. Ivonete) (...) Olinda não tem nada a ver com Cachorro. Eu gostaria que ela desfilasse com a gente aqui no Recife. Quem tem a ver com Cachorro é o Recife. Olinda é Olinda, Recife é Recife, ele nasceu aqui, ele criou-se aqui nos Coelhos, envelheceu aqui e tem que ficar aqui com a gente, brigando (...) (D. Alzira) (...) Se não tivesse saído daqui, hoje Cachorro estava igual ao Galo da Madrugada (...) Porque quando Cachorro passava todo mundo sabia. Tem gente que chora, pessoas de idade que se lembram com muita saudade. Não é brincadeira, não, é muito gasto... Hoje em dia é muito difícil e meu pai onde estiver deve estar muito contente. (Sueli) Por que Cachorro saiu dos Coelhos? Não, Cachorro não saiu dos Coelhos, Cachorro nasceu nos Coelhos, é dos Coelhos. Mas meu pai dizia: a sede da agremiação tem que está onde o presidente está (...). (Carlos Orlando) É importante realçar as relações sociais como promotoras do espaço urbano, atentando para o fato de não se limitarem aos perfis materiais e/ou funcionais. Percebê-las também como códigos forjados no
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cotidiano, capazes de estabelecer um complexo intercâmbio entre o concreto, o simbólico e a construção de identidades. Nesse contexto, as manifestações artísticas ocupam papel de destaque, interferindo na mobilização e ocupação de espaços físicos. Essa profusão de sentidos aponta para uma profunda relação de pertencimento a um território que, mesmo ultrapassando os limites físicos, se impõe de forma intermitente na memória. É assim com o território do Frevo no Recife. Como não referendar os bairros de São José, Boa Vista, Santo Antônio e seus entornos como nascedouros impregnados de códigos relativos ao universo do carnaval e do frevo? (...) Por ser de uma comunidade tradicional de carnaval como é o bairro da Boa Vista e estar próximo a dois bairros tão tradicionais quanto Santo Antônio e São José, Cachorro tinha uma facilidade enorme de arrastar multidões. (Marcelo Varela) Dessa forma, torna-se compreensível a relação de pertencimento, implícita e ao mesmo tempo declarada, presente nos emocionados relatos acerca do endereço da Troça Cachorro do Homem do Miúdo. Mas já foi no Jiquiá, já foi em Afogados, já foi do Arruda lá em Água Fria. Aí o pessoal diz: Cachorro é de Afogados, eu digo é; Cachorro é de Água Fria, eu digo é (...) Já foi na Estrada dos Remédios (...) Já foi de Jaboatão, eu digo é (...) Já foi da Mustardinha ali do Barra Forte. Eu sempre concordo, eu não discuto com eles porque eles têm história, eles têm conhecimento, não posso discutir com aquilo que é verdade. Não vou brigar e dizer que Cachorro é meu, porque Cachorro é de vários lugares. (Carlos Orlando) Disseram até que já foi de Piedade (...) fiquei assim pensando, será? Acho que pode ser! Né! (Nalva – atual diretora do Cachorro do Homem do Miúdo) Desde a sua fundação são muitas alusões a distintos lugares, pelo fato de serem redutos das memórias que compõem o universo ou, como já mencionado, o território do Frevo, e aí quem não detém um registro importante? Quem não tem pertença ou não quer pertencer? A gente sentiu muita falta! Né! Mas graças a Deus vai chegar! Eu doida para procurar um canto para botar Cachorro, quem não quer ele de volta? (Maria de Perôa)
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O Cachorro e seus símbolos ou Que desfilem os símbolos... As manifestações simbólicas representam uma intercessão entre o inconsciente evidente e a consciência ativa. Desta maneira, os símbolos mostram aspectos profundos da realidade, revelando as distintas modalidades do ser. O Cachorro do Homem do Miúdo é constituído de símbolos em suas diversas possibilidades de interpretação, como nas versões sobre seu surgimento e no seu estandarte, que constroem significações multivalentes e misturam-se a simbologia carnavalesca. O cão, em algumas narrativas míticas aparece associado à idéia de morte, por conseguinte, de iniciação ou recomeço. Em outras faz analogia ao ato sexual, a algo libidinoso. Interpretações que se aproximam do carnaval, festa da carne que antecede a quaresma católica. O cachorro ainda é comumente relacionado à fidelidade e a vigilância, aspectos salientados nas referidas versões.
FOTOS: RAUL KAWAMURA
Outro símbolo recorrente é o miúdo. Mitos relacionados às vísceras estão ligados a poderes mágicos, a morte e ao tempo cíclico. Prometeu, personagem mitológico grego, por roubar o fogo sagrado, do qual os mortais eram privados, é condenado por Zeus a ficar eternamente acorrentado e uma águia diariamente se alimentava de seu fígado. Uma vez que este órgão é o único capaz de se regenerar, o mito traz a ideia de um contínuo de renovação, afinal todos os dias ele se recompõe e é devorado pela ave. Nas religiões de matriz africana nas vísceras dos animais se encontra o axé, energia vital. Visceral é o que vem do âmago, do lugar mais profundo, é o que mais representa a organicidade dos seres vivos no sentido biológico e emocional. Nas mitologias de muitas culturas a embriaguez, retratada no vendedor de miúdos e no grupo de amigos, é considerada símbolo de libertação, rompimento com os valores morais. Revela a necessidade de perder os sentidos e transgredir o tempo linear, mesmo que por instantes. A ebriedade permite o contato com um outro mundo cuja ordem é substituída pelo caos, desordem efêmera, cíclica e ritualista que é o carnaval... Luciana Gama Antropóloga
FOTO: ACERVO PARTICULAR DA TROÇA CACHORRO DO HOMEM DO MIÚDO
Rivalidades Outros diálogos 38
(...) Tudo deve estar mudado. O carnaval do Recife talvez não seja, hoje, um desabafo. Talvez não contenha aquele desafio de homens e mulheres, livres de todas as sujeições e esquecidos de Deus. É possível que se tenha transformado numa festa, simplesmente. Talvez seja alegre e isto é sadio. Mas os meus carnavais eram revoltados. Não tenho a menor dúvida de que aquilo que fazia a beleza do carnaval pernambucano era revolta – revolta e amor – porque só de amor, e por amor, se cometem os gestos de rebeldia... (Antônio Maria – jornalista, escritor, radialista e compositor recifense) 39
(...) Tinha muita rivalidade, brigas mesmo com Batutas de Água Fria, Espanador, Prato Misterioso, Amantes das Flores, Pão Duro, Toureiros de Santo Antônio, Camisa Velha, tudo isso era do tempo de Cachorro (...). Tinha briga sadia, rivalidades, bate-bocas, mas também briga do sangue descer. Hoje em dia nossa briga deve ser mesmo na avenida, depois a gente senta, come, toma cerveja. Quando chega a hora da avenida, eu não gosto de ninguém, só de Abano (...) (D. Alzira) Quando Cachorro apontava na cabeça de uma rua e outra agremiação apontava na outra, ela que voltasse dali. Quando cruzavam os estandartes o pau cantava, era a torcida que brigava. A gente trazia uma orquestra que abafava a outra (...) era um rolo compressor (...) (Carlos Orlando) Os estandartes surgem empinados, cortando o ar, e o som das orquestras vibrantes arrebanham o povaréu proclamando quem vem lá! Explosão de alegria, vigor, beleza, sentimentos e sensações inerentes ao brincar sem rédeas. Mas nem tudo é tão harmônico, a onda invade todos os espaços e deixa claro que não veio para perder. Essa onda se chama meu clube, minha troça, minha paixão. A disputa é acirrada e vale um campeonato, um título, honras e reconhecimento. É hora de a plateia virar palco e nada vale mais do que o aplauso e o grito de campeão. Agora estão em jogo outros valores. O orgulho e a vaidade falam mais alto e se mesclam num movimento de disputa e resistência, onde a palavra ceder não abre precedentes, não faz parte desse percurso! No âmbito da competição é preciso deixar que o palco da disputa apague suas luzes para dar lugar ao exercício de outra relação dialógica, inclusive, por ser ela uma saída da encruzilhada – estado tensional entre a rivalidade e a coexistência harmônica – onde as manifestações artísticas sempre se encontram. É no momento posterior a esse lapso de tempo que são retomadas as relações alternativas sugerindo a convergência de forças como forma de resistir, manter identidades e se afirmar como coletivo social. As rivalidades, assim como as incompatibilidades ou preferências respondem, a seu modo, às formas de ser e agir, assim como às representações de poder desenvolvidas no interior dos grupos, e se às vezes parecem fragmentar, também se tornam em parte responsáveis pela manutenção dos valores e sentidos de existir. Em um momento desagrega para depois voltar a agregar, firmando-se desafiadoramente nos contornos das expressões coletivas. Valores como tempo de existência, 40
saberes e fazeres no campo da arte, liderança, articulação e expressividade são mensurados, gerando parâmetros valorativos de destaque e representatividade, interna e externamente, dimensionando qual o melhor, qual o maior... Relações pautadas por contradições e processos de construção e desconstrução alimentam a dinâmica vital de todos os envolvidos com as manifestações artísticas e são transportadas para a folia do carnaval. (...) só Camisa Velha e Abanadores chegavam perto de Cachorro, Arlindo (já falecido) fez uma encrenca danada para me levar para Camisa Velha, Rubens também me convidou para Abano. Todas as troças grandes têm ciúmes de Cachorro, principalmente por causa da orquestra (...) (Maestro Nunes – Professor regente, Patrimônio Vivo do Estado) (...) Ele apoiava Folha Dourada, Lenhadores, Gente inocente... Ele disputava com Camisa Velha (...) (Marli) (...) A gente brigava muito, ele ganhava para mim e era aquela confusão aqui no Pátio. Eu disse a ele que no dia que eu pegasse o campeonato dele ele nunca mais ganharia para mim (...) Aí eu ganhei e ele não ganhou mais de mim, não. Mas a gente era amigo, a rivalidade é no desfile. Para Mário, a maior Troça do mundo era Cachorro, ninguém podia dizer que tinha nada feio, matava e morria pela agremiação (...) Eu gostaria muito de desfilar com eles, mas Abano não dá brecha. Todas as troças deveriam cumprimentar eles, ir lá, esquecer as brigas e dizer que ele está fazendo cem anos, é uma história. Eu gostaria de chegar a cem anos com Abano. (D. Alzira) A Troça Carnavalesca Mista O Cachorro do Homem do Miúdo não foge à regra, ao contrário, é legitimada desde a sua pitoresca certidão de nascimento, até a presença de uma liderança apta a não deixar dúvidas quanto ao modo de atuar, não só à frente de uma agremiação, mas na paixão desenfreada pelo carnaval e pelo frevo. Alguém capaz de congregar espírito carnavalesco e vocação organizacional que aliados à tenacidade somam atributos indispensáveis para a composição de um coletivo. No seu percurso de festas e embates, o Cachorro conquistou além de adeptos, campeonatos, títulos e o respeito dos adversários. Como não podia deixar de ser, acirrou rivalidades e se impôs perante a orbe do carnaval recifense. Quem não temia, e ao mesmo tempo não podia deixar de admirar, sua marcante orquestra? Seus frevos, sua for41
ça, seu vigor... Marcas indeléveis do seu prestígio. Mário Orlando passava com a Troça na frente do Hospital Pedro II, falava com os médicos para a Troça tocar para os doentes. Assim era no IMIP, na Casa de Detenção, na delegacia da Rua do Aragão, tocava para os presos (...) Veja que arquivo deixado! Cachorro passou por aqui! Isso antes de ir para a Pracinha do Diário que era o quartel-general do frevo. Era uma sementezinha plantada em cada um (...) (Carlos Orlando) (...) Quem viveu naquele tempo sabe a importância do Cachorro do Homem do Miúdo, todo mundo levantava para ver Cachorro passar, eu que não sou muito de carnaval conhecia e esperava para ver, virava festa quando o povo via o Cachorro (...) (Microfone - 85 anos, amigo de Mário Orlando e lojista do Mercado de São José) (...) Sinto muita saudade daquele tempo, principalmente do carnaval de rua do qual Cachorro é representante de uma época. (Maestro Nunes) Assim como o frevo, o Cachorro fez tremer a rua emocionando não só aqueles que o faziam na sua integridade, partilhando e construindo, mas a todos que foram arrebatados pelo seu furacão capaz de envolver e arrastar multidões. Além disso, provocou ciúmes, desavenças e uma inquietante interferência no mundo dos adversários onde a disputa e a rivalidade são alimentos. É nos concursos e na orgulhosa exibição que o grito de é campeão! motiva o deslumbramento, apaga o cansaço do ofício cotidiano, premia o ator e explode no prazer indescritível fortalecendo essa gigantesca teia de sentidos. (...) Mário Orlando já dizia: Bote bonitinho, que eu vou botar melhor! (...) O Cachorro era a vida dele, quando era na época do carnaval ele não queria saber de ninguém, ele queria ganhar o carnaval. (...) Também tinha outro detalhe, Mário brigava muito com Comissão Julgadora. Se terminasse o carnaval e ele não ganhasse ele ficava brabo. (Vavá) Por que não concorre? Porque no dia que Cachorro concorrer, a rua enche e eles tremem. Sabe por que eles tremem? Porque é Cachorro, campeoníssimo do carnaval. (Carlos Orlando) 42
FOTOS: ACERVO DO MUSEU DA CIDADE DO RECIFE
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FOTO: ACERVO PESSOAL DE GRAÇA XAVIER
Mário Orlando Uma História de Carnaval 44
A vida de Mário Orlando era o carnaval e Cachorro. (D. Ivonete) Nesse passeio pela memória do Cachorro do Homem do Miúdo surge imponente uma das mais importantes lideranças da Troça, personalidade do carnaval que o tempo transforma em personagem da História Cultural do Recife: Mário Orlando, revivido e homenageado com a licença poética intrínseca às narrativas dos carnavalescos, amigos, parentes e filhos. 45
Nas falas sobre Mário Orlando um misto de emoção e saudade compõe um quadro de características, a princípio controversas, que (re) constroem um homem alegre e sério; amável e austero; falante e introspectivo tudo ao mesmo tempo. Um olhar apressado sugere que as narrativas encobertas de encantamento e nostalgia trazem aspectos inconciliáveis e por isso não retratam fielmente quem era Mário Orlando. No entanto, a condição humana é naturalmente incongruente, formada pela tensão entre os opostos complementares que, por sua vez, é evidenciada quando confrontamos os vários “Mário Orlando” vindos das inúmeras memórias a que se recorre. Por meio das lembranças detectamos o que há de mais humano e real nesse personagem, como diz o escritor francês Marcel Proust: a realidade apenas se forma na memória; as flores que hoje me mostram pela primeira vez não me parecem verdadeiras flores. Sim, é possível ser alegre e sério ao mesmo tempo, não se busca o retrato fiel. Segue-se o fluxo dos sentimentos suscitado pela magia do centenário. Para saber sobre Mário Orlando basta perguntar pela Troça O Cachorro do Homem do Miúdo e deixar fluir, inevitavelmente surge e se impõe... Meu pai era um homem muito animado, sempre carnavalesco e isso ele passou para gente. Quando chega o carnaval a gente sente, quando toca um frevo a gente sente no sangue. Era Sport doente, botava uma camisa estampada, um chapéu e saía para o carnaval, a gente ia atrás. Ele tinha um jeito meio bruto, mas era muito amoroso (...) Ele mandava fazer o pirão e dizia que os primeiros a comer era o pessoal da orquestra porque os outros são de casa. Todo mundo gostava dele, ele era muito popular. Curto e grosso, mas sempre falava a verdade. (Sueli) Um homem fora de série. Lembro do jeito dele descontraído e sério, ele era assim (...) Gostava muito de usar o chapéu do Sport na cabeça, era rubro-negro doente. (Genival Peixoto) Um homem tão íntegro, não tinha muito conhecimento, mas era cem por cento. Não adianta ser muito letrado e não ter integridade. Ele cuidava do Mercado de São José, da Troça, da família, da Federação, ninguém nunca viu aquele rapaz com falcatrua nem com nada. (Microfone, 85 anos - amigo de Mário Orlando e lojista do Mercado de São José ) 46
Meu amigo, trabalhei com ele também. Mário está fazendo muita falta com aquele bocão dele (...) Um homem público, muito politizado, brigava pelos candidatos, e quem estava doido de discutir com ele. Como todo homem público, tinha muitos amigos, mas também tinha desavenças. Né! (Maestro Nunes) FOTO: ACERVO PCR - INALDO LINS
Com meu compadre Amaro tudo era na linha, só podia beber depois que a agremiação recolhesse, não tinha briga nem confusão. Tinha festa antes e depois, se ganhasse ou se perdesse. Ele era sério quando tinha que ser. (Maria de Perôa)
Ele não gostava de ser chamado de Amaro. Um homem de poucas palavras, não era de sorrir muito, era muito apegado a Nossa Senhora do Carmo, sempre ia para a festa do Carmo, não deixava nunca de ir para a igreja do Carmo. (Vavá) Ele ficava furioso com quem o chamasse de Amaro. Conheci Seu Mário, era uma pessoa espetacular, apesar de muita gente achar ele uma pessoa grossa, ele era uma pessoa muito boa, todo mundo gostava dele. (...) Íntegro, não admitia erros, brigava inclusive com os filhos por ver alguma coisa errada, severíssimo. Na brincadeira dele ele não admitia anarquia, maloqueiro ele botava para fora, era brabo. (Claudemir Gaspar) FOTO: ACERVO PCR - INALDO LINS
Meu avô era muito brincalhão, gostava muito de carnaval, fazia o passo. (Marli) Era um amigo e um rival na avenida. Era brigão, a gente brigava muito, ele ganhava para mim e era aquela confusão aqui no Pátio. (D. Alzira)
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(...) Era uma pessoa de poucas palavras (...) Difícil de conversar. Quando falava do Cachorro os seus olhos brilhavam (...) (Marcelo Varela) Um homem com um chapéu e uma camisa estampada, torcedor do Sport, pai de muitos filhos, avô, devoto de Nossa Senhora do Carmo, de vida pública por opção, carnavalesco nato. Os trechos das memórias que foram acionadas revelam mais do que qualquer biografia prévia e cuidadosamente construída. Mário Orlando íntegro, severo, animado, querido, amoroso, intransigente, sincero, amistoso, brigão. Talvez o mais próximo do real... Como se vê, é quase impossível discorrer sobre Mário Orlando sem abordar o carnaval. A festa constitui o personagem histórico e subsidia o que a memória traduz por realidade. Assim sendo, dissociá-los pode ser um equívoco na compreensão da vida de um carnavalesco orgânico, incondicional cuja atuação, de tão intensa e abrangente, subdividese em duas frentes: O Cachorro do Homem do Miúdo e a Federação Carnavalesca. Mário Orlando foi um carnavalesco que fez tudo pelo carnaval do Recife com a Federação e pela sua Troça, o Cachorro. (Genival Peixoto) Seu avô Bernardino foi um dos fundadores da Troça Carnavalesca Mista O Cachorro do Homem do Miúdo na qual Mário Orlando desfilava desde criança. Quando adulto, na década de 1940, assume a presidência até falecer em 1987, como relata sua filha Sueli: ele começou desfilando na Troça quando ainda era menino de rua... Quando adulto assumiu a presidência e só deixou porque morreu. Transfere a sua relação de intimidade com o carnaval e com O Cachorro para a família, fazendo filhos e netos participarem da folia acompanhando-o a todos os eventos, como atesta seu amigo e também carnavalesco Vavá do Bloco Banhistas do Pina: a família dele acompanhava tudo, para todo canto ele levava. Carlos, o filho, que hoje assumiu a Troça, desde pequeno acompanhou tudo isso.
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FOTO: ACERVO PCR - INALDO LINS
(...) Eu nasci e fui criada com ele dentro do Cachorro, nós e minha mãe (Onorina) íamos assistir e só saíamos do desfile quando varria. Todos nós gostávamos muito de carnaval por causa dele principalmente. (Sueli)
Torna-se um nome reconhecido no carnaval, um entendedor da festa, compreendendo inclusive sua estrutura política. Transitava por várias agremiações e por universos distintos de manifestações carnavalescas, não se restringia às Troças e ao concurso, como informa o Maestro Nunes: Ele acompanhava tudo, saía com o Cachorro e depois, à noite, vinha assistir tudo de concurso, de palco, tudo, ele era de carnaval. Mário Orlando era um grande carnavalesco, um baluarte, conhecia muito de carnaval. (D. Alzira) Pode ter certeza, quem mais conhecia o carnaval de Pernambuco era Mário Orlando. (Claudemir Gaspar) Contrários as ambiguidades relativas à sua forma de pensar e agir, os relatos trazem um consenso interessante: a preocupação com a orquestra. A música é o alimento do folião, dizia Mário Orlando, que escolhia pessoalmente os músicos; contratava profissionais das bandas renomadas como a do Liceu de Artes e Ofício e a da Polícia Militar; primava por um grande quantitativo de instrumentistas no intuito de obter o som potente e de longo alcance; privilegiava as tubas e trombones por considerá-las instrumentos de rua com o vigor e o visual necessários para impressionar e abafar as orquestras rivais; estabelecia parcerias musicais, sendo a mais importante delas realizada com o Maestro Nunes. Tanto empenho na excelência da orquestra, considerada por ele como vital, provocava, por conseguinte, a euforia dos foliões e o reconhecimento da agremiação, tida como uma das Troças com a melhor orquestra do carnaval do Recife. O esmero tinha como efeitos diretos a gênese de um público ávido de frevo rasgado, bem como a conquista
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PARTITURAS: ACERVO MAESTRO NUNES FOTO: ACERVO CASA DO CARNAVAL
de vários campeonatos. A orquestra do Cachorro do Homem do Miúdo marcou época. Ainda ecoa na memória daqueles que viveram o período ou dos que se alimentam das narrativas excitadas e saudosistas de uma Troça cuja orquestra quando chegava invadia os bairros do Recife e avisava, com seu refrão, e à revelia dos ouvidos menos preparados: Lá vem Cachorro! Para Mário Orlando, sua agremiação deveria ser a primeira a desfilar, dizia ter que abrir o carnaval. Para tanto, preparava-se logo cedo, os músicos comiam o famoso pirão “de Cachorro” para fazer o percurso na comunidade (Coelhos) e em seguida a Troça se encaminhava para o desfile no centro da cidade. O parceiro e amigo Maestro Nunes esteve muitas vezes à frente da orquestra. Ajudava Mário Orlando na escolha dos músicos e seleção do repertório, sendo compositor de vários frevos dedicados à agremiação que hoje, apesar de conhecidos do grande público, nem sempre são apontados como pertencentes ao repertório do Cachorro do Homem do Miúdo, como Bomba relógio, É de perder os sapatos e Balançando a pança. A orquestra de Cachorro era a melhor do carnaval do Recife. Domingo de manhã, meio-dia, com o sol quente tremendo, era a orquestra de Cachorro. Todo mundo que é carnavalesco tem um fraco, uns têm um fraco para cuidar do meio, outros para cuidar à frente, outros para cuidar do final, outros da orquestra como Mário Orlando. O campeonato era ganho pela orquestra. Enquanto Cachorro vinha com os músicos da Polícia, do Liceu, as outras vinham com uma orquestra “canudo de mamão”. (D. Alzira) Os músicos de Mário eram escolhidos, ele mesmo escolhia “não, esse não, bote aquele”. Ele trabalhava muito com a Banda do Liceu. A Troça todo ano era campeã, foi cinco vezes campeã, ganhou para Camisa Velha, ganhou para todo mundo e eu à frente da orquestra. (Maestro Nunes) Meu avô gostava muito de carnaval, valorizava muito a orquestra, se a orquestra não tivesse boa ele mesmo dizia: “não presta”. Quem tivesse perto a orquestra arrastava, porque era da boa! (Marli) Mário Orlando fazia questão de escolher os músicos da orquestra e o porta-es-
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tandarte. Tinha que vir com uma boa roupa e tinha que fazer o melhor passo, isso era tradição do Cachorro, boa orquestra e bom porta-estandarte. (Gildo) Era uma Troça que tinha a melhor orquestra do carnaval de Pernambuco, tinha músico do Liceu de Artes e Ofício comandada pelo Nelson Ferreira (...) tinha cinco trombones, cinco saxofones, quatro tubas, quatro pistões, quatro clarinetes (...) Era uma orquestra de arromba, 30 homens tocando. Os frevos que Mário Orlando mais gostava eram A chave é o segredo e É de perder o sapato que Nunes fez em homenagem a ele e ao Cachorro. (Genival Peixoto) Ele escolhia os músicos, músicos bons, da Polícia, da Banda Cidade do Recife, do Liceu, eram esses músicos. O melhor tuba do Recife chamava-se Peba que era da Banda da Cidade do Recife e sempre estava na orquestra de Cachorro. Ele não fazia questão de gastar com orquestra, além de orquestra grande também tinha qualidade. Antes de sair da casa dele ele fazia panelada, de manhã cedo, ele dizia: “Músico comigo não passa fome”. Nunca enrolou músico, tocou, dinheiro na mão. (Claudemir Gaspar) O interessante era que ele queria ganhar o carnaval só com a orquestra, porque a orquestra dele, de fato, era a melhor do Recife. A orquestra dele era o pessoal da Banda do Liceu e com isso ele ganhou muitos carnavais. Uma orquestra pesada, sempre foi assim. Todos bons músicos, todos os músicos queriam tocar com Mário, e ele ia na frente da orquestra. (Vavá) Como mencionado, Mário Orlando fez parte do Cachorro do Homem do Miúdo e da Federação Carnavalesca, onde permaneceu por 30 anos. Essa experiência redimensionou sua atuação no carnaval, ampliou sua rede de relações, fez de Mário Orlando um homem público, de muitos contatos, amigos e naturalmente alguns desafetos, como também o instrumentalizou acerca da estrutura política do carnaval do Recife. (...) Mário Orlando fez muita coisa pelo carnaval através da Federação. (Microfone) Mário faz falta, ele é insubstituível, super-respeitado principalmente como diretor da Federação. Nos domingos à tarde ele saía para os bailes de carnaval e levava um monte de gente. Todo mundo queria ir com Seu Mário porque ele chegava nas sedes das agremiações e não pagava nada, era muito querido por 52
agremiações e carnavalescos. (Claudemir Gaspar) Mário tinha muito respeito pela Federação. Quando Cachorro chegava para entrar na passarela tocava o hino da Federação, hoje a gente vê poucas agremiações tocar. (Genival Peixoto) O que se diz sobre sua participação na entidade, em geral, confirma o empenho para com o trabalho burocrático (organizando as formas de participação das agremiações carnavalescas); a sensibilidade para intervir e ajudar grupos com dificuldades; e o estímulo à realização do carnaval nas comunidades. Ele era o fiscal geral da Federação carnavalesca, ele era o cabeça, tudo da Federação era com ele. Quem botava, tirava as agremiações, tudo era ele na Casa 10 no Pátio de São Pedro, vivia ali o tempo todo. Ele que mandava, tudo era com ele, relação, cartão de apresentação, pagamentos, quem ia trabalhar no palanque da Federação Carnavalesca (no Diario de Pernambuco), quem ia tocar (...) (Vavá) FOTO: ACERVO PCR - INALDO LINS
Aqui nos Coelhos qualquer coisa de carnaval, um som, um sambinha, uma festa, tinha que falar com Mário Orlando, ele ajudava a colocar o carnaval da comunidade. Tudo o que era de carnaval ele administrava. Se precisasse de qualquer coisa procurava Seu Mário Orlando no Mercado de São José e depois lá no pátio de São Pedro na Casa 10. (D. Ivonete) Vale ressaltar que Mário Orlando foi o responsável pela contratação do Maestro Nunes na Federação como diretor de Música, função que atendia às agremiações, inclusive na composição de frevos para a grande maioria delas. Com esse apoio, o Maestro Nunes deu início ao projeto de formação musical, fundou sua escola de frevo, que até hoje se mantém em atividade, formando Maestros conhecidos no Brasil e no exterior, o que o referendou a conquistar o título de Patrimônio Vivo.
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Nesta sala aqui no Pátio de Santa Cruz, dou aula de música, frevo... Consegui pelas minhas amizades com o então diretor da Federação Carnavalesca Mário Orlando, trabalhei com ele, foi meu amigo. Nos anos da ditadura, ele me ajudou bastante, me deu o cargo de diretor Musical da Federação Carnavalesca, nesse cargo desenvolvi o trabalho de formação musical com os garotos e fazendo música para todas as agremiações carnavalescas de Pernambuco, por isso aonde a gente chega tem música minha nas agremiações e elas podem dizer que são do repertório delas. (Maestro Nunes) Além da Federação Carnavalesca e do Cachorro, a vida de Mário Orlando ainda estava envolvida com outra paixão e feliz coincidência: o Mercado de São José. Espaço referencial para a cidade do Recife – a feira, local de convergência e socialização. É possível imaginar a circulação e identificação dos carnavalescos com essa ambiência, por tratarse de um local de forte apelo simbólico expresso nas manifestações dos saberes e fazeres populares. São os Mercados uma rica fonte sensorial da memória olfativa, visual, auditiva e afetiva. A feira é por excelência um palco de artistas populares como cantadores, violeiros, poetas. Inusitadamente ou não, o Mercado de São José abrigou em sua administração um carnavalesco que fez dele seu escritório para o carnaval, o que potencializou a frequência dos carnavalescos que a partir de então passaram a ter no Mercado uma extensão da Federação Carnavalesca. Mário Orlando tinha duas paixões: o Mercado São José e O Cachorro do Homem do Miúdo. (Maestro Nunes) Conheci Mário Orlando como administrador do Mercado de São José, tenho um Box aqui há 60 anos. A gente aqui do Mercado sabia que ele além de um bom administrador era uma sumidade na área de carnaval. Agora ele não era diletante, trabalhava porque gostava de trabalhar, cheguei aqui em 1936, garoto com meu pai e vi muitos administradores, mas igual a ele poucos (...) Na administração do Mercado de São José, muitas coisas de carnaval foram lá resolvidas e conversadas, o Mercado teve muita importância para o carnaval durante algum tempo. (Microfone) Eu fiz concurso na Guarda Municipal, em 1960, assumi, e Mário já era guarda. Quando comecei a trabalhar com ele, ele tirava serviço no Mercado de São José, era um relacionamento profissional. Ele era o guarda do Mercado de
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São José e depois administrador do Mercado. Ele me chamou para fazer um trabalho de agremiação carnavalesca no Mercado porque sabia que eu era envolvido com carnaval. A sede da Federação carnavalesca era praticamente na administração do Mercado São José. Fizemos muitos trabalhos e reuniões lá. (Vavá) Ele resolvia muitas coisas no Mercado de São José. A administração do Mercado São José era a segunda Federação. Do Pátio para o Mercado era um salto (...) (Carlos Orlando) (...) As decisões carnavalescas eram sempre tomadas por ele, que era o secretário da Federação. Durante muito tempo, ele era o próprio arquivo da Federação. As decisões do carnaval do Recife muitas vezes eram tomadas no Mercado (...). (Marcelo Varela) Mário Orlando juntou-se a outros carnavalescos importantes no quadro das referências da nossa memória coletiva. Seu legado foi perpetuado, sobretudo por seu filho Carlos Orlando. Faleceu dias antes do carnaval do ano 1987 e teve seu pedido atendido, foi enterrado ao som de É de perder os sapatos, tocado pelo Maestro Nunes que rendia homenagem ao amigo e expoente do carnaval. Quando ele faleceu, quem foi tocar no velório fui eu e, claro, foi frevo. Antes de morrer ele disse: “Eu quero que traga uma orquestra para tocar, e quero que a música seja É de perder os sapatos do Maestro Nunes”, um frevo que ele gostava muito. No dia do enterro, eu toquei no sax É de perder os sapatos, acompanhado por um caixa. (Maestro Nunes)
ACERVO PARTICULAR CARLOS ORLANDO
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Atualidade Lรก vem o Cachorro! 56
(...) Eu era mais que um guerreiro. Eu era o vento. Cada homem e cada mulher eram uma parte daquele furacão libertário. Todos se emancipavam (eu digo por mim) e se tornavam magnificamente dissolutos... Porque o clarim estava tocando, porque os estandartes se equilibravam no espaço, porque o mundo, naquele exato e breve momento era, afinal, de todos (...) (Antônio Maria) 57
Carnaval é como um rio, pode botar o que for (impedimentos), ele estoura e passa... (Carlos Orlando) Quando termina o carnaval a gente já começa a pensar no próximo. Para mim, o final do ano é o carnaval, nossa virada do ano é o carnaval. (Carlos Orlando) Um rio chamado carnaval... Insurreição cronológica que desordena a linearidade do calendário ocidental, propondo outra possibilidade de acompanhar e sentir a passagem da vida. Algoz do tempo ordinário que, satiricamente, o faz se apresentar fantasiado de cotidiano. Amante ávido pela carne e inebriado pelo cheiro das relações furtivas. Impulso avassalador a colorir de humano a esfera inóspita da racionalidade. Para os carnavalescos esse é o carnaval. Marco temporal e energia explosiva, simultaneamente festa e ritual. Instaura novo ciclo. É a culminância de todo o processo criativo e o início de mais um. Esse ano a gente fala como se fosse o ano que passou ainda, quando virar, chegar o carnaval, a gente passa a dizer o ano passado. (Nalva) Como ainda ocorre em algumas comunidades do Recife e Região Metropolitana, a sede do Cachorro do Homem do Miúdo promove a queima da lapinha, em 6 de janeiro quando se comemora a festa de reis. Representação da manjedoura, sua queima simboliza o encerramento das festividades relativas ao ciclo natalino. Ao final, a lapinha se reduz a cinzas, a orquestra que tocava músicas alusivas ao natal e acompanhava as pastoras embarca no frevo, assim pastorinhas e público se tornam foliões. Agora já é carnaval e o Cachorro anuncia, para depois intensificar, os preparativos já iniciados em julho. A gente faz a queima da lapinha para mostrar à comunidade que o carnaval está chegando. (Carlos Orlando) Quando termina o carnaval a gente já começa a pensar no próximo (...) Os preparativos começam em julho, os ensaios a partir de janeiro, primeiro semanalmente e depois a gente intensifica. (Nalva) Para o carnavalesco, a forma organizacional do carnaval está nos sen58
tidos. É do imersivo despretensioso que vem a inspiração criadora. A agremiação mergulha no universo fantástico de imensuráveis possibilidades inventivas para vestir a fantasia à espera do chamado dos clarins. A primeira coisa que a gente faz é ficar imaginando (...) essa fantasia encaixa aqui (...) a gente vai fazendo devagarzinho. Somos nós dois mesmo, conversamos sobre tudo, sobre o que vai entrar e o que não vai entrar. Quando vê, já está pronto (...) (Nalva) A produção artístico-cultural de uma troça se fundamenta no esforço conjunto, materializa-se nos momentos de encontro entre integrantes, costureiras, bordadeiras, figurinistas, coreógrafos, maquiadores... Levar o brinquedo para a rua é o principal, e tudo é partilha e convivência, o que não suprime os conflitos e contradições próprios ao fazer grupal. Essa rede de relacionamentos gerada pela participação na troça ultrapassa os limites da festa, alimenta o processo de construção do conhecimento, estabelece relações de pertencimento e dá visibilidade aos atores anônimos e seus legados culturais e artísticos. Muitas são as dimensões explicitadas a partir do poder associativo e identitário das agremiações. No passado ou no presente, a força do trabalho coletivo, o compartilhamento, os mestrados de vida que caracterizam esses grupos se impõem desafiando lógicas e formalismo impostos pela sociedade. Essa dinâmica coletiva funciona no Cachorro do Homem do Miúdo sob a liderança de Carlos Orlando, herdeiro do patrimônio que seu avô Bernardino Sena (fundador da Troça junto com Antônio Oliveira, José Maria da Costa, Antero Gomes e Alfredo Maximiano) deixou para seu pai. Após o falecimento de Mário Orlando, em 1987, Maria José (sua última esposa) assume a presidência da Troça. Em 1992, Carlos Orlando recebe a agremiação quando a transfere para Águas Compridas – Olinda, local onde se encontra até hoje. A Troça por ser conhecida e por ser uma Troça grande ela não aguentou e disse: Carlinhos, vou passar para você (...) Logo no início foi difícil porque a gente era brincante, acompanhante da agremiação, e isso é diferente de participar da diretoria. Eu era da diretoria, mas não fazia nada, meu pai era quem resolvia tudo. (Carlos Orlando)
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FOTOS: RAUL KAWAMURA
Em Águas Compridas, Cachorro se estabelece numa relação dialógica com a comunidade. Um exercício constante de mobilizar, agregar e envolver pessoas na rede de sociabilidade e na teia de afetos constitui o cerne da agremiação, sendo grandes responsáveis pela sua (re)existência há cem anos. Nesse sentido, como a Troça não tem sede oficial, o Bar O Cachorrão é a sede provisória e improvisada, suporte espacial para a preservação, socialização e transmissão de saberes e fazeres, ponto de encontro e de intensas atividades lúdicas e sociais. O Barresidência-sede ora atende aos clientes, ora se transforma em escola, oficina, depósito de fantasias, alegoria e adereços. Por todos os cantos do Cachorrão, a Troça se faz presente, o que passa, aos desavisados, uma estranha sensação de ser carnaval o ano inteiro. Aqui é assim, a gente mobiliza toda a comunidade para chegar. Chamo uma menina para desfilar, por exemplo, se ele não topar na hora eu digo: traz teu namorado também. Ela já fica animada, aí a mãe não vai querer deixar a filha vir sozinha, já é mais uma. Muita gente chegou assim. Esse é um trabalho de mobilização mesmo, não para nunca (...) Quando tem qualquer coisa de Cachorro do Homem do Miúdo o Bar fica lotado, a comunidade toda vem ver. (Carlos Orlando) Aqui no Cachorro somos tratados com muito carinho e com muito respeito (...) aqui nós somos uma família. (Eurídice Rodrigues da Silva – dama do Cachorro do Homem do Miúdo) Eu danço desde os seis anos de idade e no Cachorro estou fazendo cinco anos. Estar dentro do Cachorro representa uma fase muito importante da minha vida, já que a dança é minha vida e eu estou dançando aqui na agremiação (...) Cachorro é do meu bairro, eu acho muito gratificante participar da agremiação. (Emerson da Silva – passista de frevo do Cachorro do Homem do Miúdo) Estou no Cachorro faz quatro anos. É muito importante estar aqui na comunidade da gente, e como a gente dança frevo, tenta resgatar a cultura pernambucana com os jovens da comunidade. (Camila – passista de frevo do Cachorro do Homem do Miúdo) Além de ser uma agremiação muito antiga, é humilde, tem harmonia, é maravilhosa, todo mundo aqui da comunidade tem vontade de desfilar porque é maravilhoso participar da dessa festa. (Albenice da Silva – comissão de frente) 62
Carlos Orlando cuida da sua herança de modo apaixonado e com o rigor necessário para a coesão e perpetuação da mesma. Um carnavalesco carismático e persistente, com sensibilidade para as questões ligadas ao microcosmo dos bastidores, bem como atento àquelas de dimensões estruturais. Ele é o Cachorro, sem, entretanto, se sentir dono dele, pois “Cachorro é do povo”, afirma. Suas memórias mais intimistas se confundem com história da Troça, o que lhe dá propriedade para entender, como poucos, a força dessa agremiação centenária. Nas agremiações um presidente tem que dar a cara, ele tem que checar, tem que estar lá. Porque ele tem o conhecimento, a história. Traz a agremiação no sangue. (...) Cachorro do Homem do Miúdo está no meu sangue, é herança do meu pai, eu vou preparar um outro para passar. (Carlos Orlando) Carlinhos é um baluarte, porque não é fácil pegar uma agremiação do porte de Cachorro, muitas sucumbiram e ele não, continua no batente. (Claudemir Gaspar) Era preciso uma criatura com garra e determinação para segurar Cachorro. Carlinhos, além disso, tem aquele espírito do carnavalesco, da festa, da brincadeira. (Marcelo Varela) O Cachorro do Homem do Miúdo é uma referência no carnaval de Pernambuco. Mário Orlando quando partiu Carlos tomou conta e não quis deixar a peteca cair, segurou até agora. (Vavá) É muito importante uma agremiação que passa de pai para filho, de geração a geração... Por conseguir fazer cem anos. É uma herança de todo mundo. (Albenice da Silva) O carinho de Carlos Orlando por Cachorro do Homem do Miúdo certamente contagiou Nalva, sua esposa, que hoje é uma das diretoras da Troça. No entanto, talvez seja simplista afirmar que a entrega plena a um brinquedo seja uma mera transfusão de sentimentos. É mais crível dizer que Nalva foi tomada de assalto pela intensidade e encanto do Cachorro que, sedutor, ao seu modo, a conquistou. Hoje amo Cachorro. Eu não sabia nada de carnaval e eu era evangélica (...) Quando Carlos ia assumir o Cachorro ele me perguntou o que eu achava, eu disse: eu não sei o que é isso, mas topa que eu estou dentro! Quando ele chegou 63
com o documento, eu disse: meu Deus do céu, isso é mais complicado do que eu imaginava (...) O primeiro ano que eu fui olhar (...) quando chegou à avenida eu disse: Meu Deus do céu, estou perdida, o que é que eu faço? Mas quando eu olhei para o estandarte pensei comigo: é o que eu quero, vou ficar por aqui mesmo! Gradativamente, Nalva torna-se uma figura de liderança na agremiação. Sua expressividade no quadro das lideranças carnavalescas do Recife e Região Metropolitana não é mais exceção, visto que muitas mulheres dividem com ela essa posição. Contudo, pode servir de exemplo emblemático para destacar que, apesar de algumas visíveis mudanças, as manifestações populares ainda delimitam espaços de atuação a partir da posição sexo/gênero reproduzindo relações desiguais entre homens e mulheres. O Cachorro de Homem do Miúdo consegue, então, chegar aos cem anos ressignificando práticas e representações abrindo precedentes para arranjos mais igualitários.
Agora, já nos detalhes dos cem anos, a gente encontrou com seu Otoniel de Missangueira, e ele disse assim: poxa, Carlinhos, ela era uma menina, mas agora ela é a mulher do carnaval, mulher do Cachorro. Cachorro não pode viver sem essa mulher, não teria nada e não chegaria até aqui se ela não tivesse apoiando. (Nalva) Aniversário é palavra habitada nas histórias impregnadas de marcas, tempos e espaços. Tem o sentido mágico de dar corpo ao que foi, não se atendo ao passado, mas sem perdê-lo de vista. É no diálogo entre permanências e mudanças que o novo tempo estabelece o desafio da luz que reflete os tantos mundos vislumbrados e repletos de significados. 64
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No Cachorro são dois doidos na mesma porta, não sei como seria sem ela. Tem coisas que a gente faz junto, pensar no tema, criar fantasias... Tem coisa que é com Nalva, e só com ela. Outras comigo. Olhe, coisa de comprar é com ela. Fico com a mão na cabeça, mas ela resolve, a decisão é dela. Outras eu resolvo e pronto... e a gente vai fazendo assim. (Carlos Orlando)
No ano de 2010, a Troça Carnavalesca Mista Cachorro do Homem do Miúdo está completando cem anos de vida e o carnaval do Recife tem o privilégio de descortinar o véu da memória e (co)memorar, entendendo o sentido da comemoração como o ato de memorar juntos. Esta celebração, para além da festa, indica um novo tempo no qual o desejo é o senhor da mudança e sinaliza para o que virá. É por puro desejo que a agremiação centenária, novamente está sendo gestada e cuidada nos seus mínimos detalhes pelos pais e mães que a querem viva e forte como exatos cem anos atrás. Com miudeiro, cachorro e tudo que lhe diz respeito, inclusive os lugares onde os afetos e desafetos deixaram as suas marcas. Nesse desfile centenário, como não poderia deixar de ser, a memória daqueles que acompanham a trajetória do Cachorro do Homem do Miúdo é despertada e busca trazer elementos tidos como símbolos da agremiação que reafirmam a história de participações, elementos identitários e de pertença comum. Tem que ter uma boa orquestra – que é uma marca de Cachorro. Se não tiver uma boa orquestra, se ela não executar um bom frevo não é Cachorro. Eu escolho o repertório de 10 frevos, mas não venha com aquele negócio de A manga rosa, com Frevo de descansar o bico... Ou toca pra vir rachando ou não toca. (Carlos Orlando) Uma coisa importante é chegar aos cem anos com os filhos de Mário Orlando, uma herança. Por isso ele tem que caprichar para sair bonito e com muito músico na rua para homenagear o pai. (Claudemir Gaspar) Este ano estamos levando 200 componentes para o carnaval. Não é alugado, como muitos, é nosso mesmo! Não sei como, não sei de onde, mas a gente vai levar, são cem anos. (Nalva) Já é gratificante você costurar todo ano e quando tem uma referência maior, a do centenário (...) Isso é muito importante pra gente. (Carminha – costureira) Eu tenho certeza que as pessoas que dirigem hoje O Cachorro do Homem do Miúdo vão fazer com que Cachorro viva mais cem anos. (Marcelo Varela) 65
É uma grande responsabilidade desfilar nos 100 anos. (...) Mas é ótimo, a emoção é muito forte de comemorar os 100 anos na avenida, desfilando. (Emerson da Silva Lopes) Assim como o conjunto de agremiações responsáveis pela beleza do carnaval popular do Recife, a Troça Carnavalesca Mista Cachorro do Homem do Miúdo constitui-se uma expressão artística gerada no cotidiano das pessoas. E como não poderia deixar de ser, é transgressora, ousada e inacabada. Sempre movida pelo comum assim como pelo inusitado, impulso este que a conduzirá para a festa e para a vida. Celebrar, comemorar, memorar juntos... Carnaval é Cachorro e Cachorro é carnaval!
Cachorro é a minha vida (...) Eu não tenho pena, eu gasto mesmo. Deixo de fazer um cabelo, uma unha, de pagar uma dívida, eu deixo tudo, mas, compro o que é bom para o Cachorro. Carlos reclama, mas, quando chega na avenida, que ele vê o povo de pé para aplaudir, ele diz: você é mesmo arretada! Valeu à pena a gente se endividar. (Nalva) FOTOS: RAUL KAWAMURA
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Eu vim do sertão, mas já costurava (...) Para mim é um prazer costurar para Cachorro, adoro a Troça, gosto das pessoas. Para esse trabalho é preciso que a gente goste de costurar para a cultura... É diferente para você costurar no dia a dia e você costurar para o carnaval (...) Porque a costura para o carnaval tem que ter efeito, beleza de carnaval mesmo, sabe? Se for frevo, tem que dar o toque de frevo. (Carminha – costureira do Cachorro do Homem do Miúdo)
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Na prévia do Cachorro 2010, ano do centenário, é muita emoção, felicidade que não consigo nem expressar... Isso é inesquecível, são cem anos de luta, alegria e tradição do nosso Cachorro do Homem do Miúdo, porque ele não é meu, ele é nosso, é do povo!! (Carlos Orlando)
FOTOS: ACERVO PCR - PAULO LOPES
FOTOS: RAUL KAWAMURA
FOTO: FRED JORDテグ
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Referências ANDRADE, Mário. Citado em: OLIVEIRA, Valdemar de. Frevo, Capoeira e Passo. Recife: Companhia Editora de Pernambuco, 2 ed. 1985. CASSOLI, Concepção Camilo; FALCÃO, Luiz Augusto; AGUIAR, Rodrigo. (org.) Frevo: 100 anos de folia. São Paulo: Timbro, 2007. LÉLIS, Carmem. Dossiê de Candidatura do Frevo a Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil. Recife: Prefeitura do Recife/IPHAN, 2006. 152 p. LISPECTOR, Clarisse. Citado em: Frevo: Cem Anos de Folia. São Paulo: Timbro, 2007. REAL, Katarina. O Folclore no Carnaval do Recife. Recife: FUNDAJ, Ed. Massangana, 1990. SUPLEMENTO CULTURAL DO DIÁRIO OFICIAL DE PERNAMBUCO. Antonio Maria: onde anda você? Recife: Companhia Editora de Pernambuco, Ano III, nº 14 set/out, 1989. QUINTANA, Mário. www.pensador.info/frase/MTAyMA/ Referências bibliográficas do box O Cachorro e seus símbolos ou Que desfilem os símbolos... da página 36. CHEVALIER, Jean & GHEERBRANT Alain. Dicionário dos Símbolos. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 2007. DURAND, Gilbert. Estruturas Antropológicas do Imaginário. São Paulo: Martins Fontes, 2002 ELIADE, Micéia. Imagens e Símbolos. São Paulo: Martins Fontes, 2002. 71
Cachorro não é meu, é do povo, é da comunidade, dos simpatizantes... Daquele cara que acompanha, do alto escalão da sociedade até o pedinte. Isso para mim é gratificante. (...) Na Pracinha do Diário (...) aquelas mulheres ali que fazem ponto, fazem programa e eu ouvindo as narrativas delas: “está chegando o carnaval! Eu vou botar para quebrar! Vou me esbagaçar!”. É nessa hora que passa o Cachorro e todas elas vão atrás. Então, Cachorro é isso ai! (Carlos Orlando)