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Luzes acima do túnel — Paulo Vianna Jr
da Diversidade Sexual de Fortaleza (Flids), responsáveis por essa joia da literatura LGBTQI+. Obrigado à Secultfor, por meio da Lei Aldir Blanc de apoio às artes e à cultura durante a pandemia do coronavírus. E VIVA A LITERATURA BRASILEIRA!
Benedito Teixeira - 2021
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Organizador Jornalista e doutor em Literatura pela Universidade Federal do Ceará (CE)
Luzes acima do túnel
Uma edição deve falar à sua época. A apresentação de qualquer edição deve registrar para os leitores, contemporâneos e futuros que vierem a tê-la em mãos, algo da têmpera que ferveu e encapsulou em livro aquelas ideias e palavras. Novas edições do mesmo livro podem e devem atualizar essas condições de temperatura e pressão. Portanto, se um conteúdo literário é tanto melhor quanto possa celebrar sua atemporalidade, a edição desse conteúdo, ao contrário, vai primar pelo quanto possa ser propositalmente datada. Abrimos esta antologia dizendo isso porque POESIA PARA AMAR DE TODA FORMA reúne textos poéticos que vêm a público em um período lúgubre e emergencial da vida brasileira. Estamos em 2021. O país sofre duplamente. A pandemia de covid-19, que forçou a humanidade a reconfigurar comportamentos mundo afora para tentar frear uma mortandade sem precedentes na história recente, foi, no Brasil, cruelmente agravada por uma governança federal desastrosa, inepta, cooptada por forças as mais reacionárias e retrógradas. E por isso nos cabe, antes de tudo, sublinhar essa datação e o quanto seu contexto injeta ainda mais coragem e pertinência em cada obra poética aqui elencada, modesta ou sofisticada seja sua compleição. O bolsonarismo e sua regressão estético-cognitiva recrudesceram a exclusão, a disseminação ostensiva do ódio à diversidade e às artes e o reaparecimento despudorado do fascismo-pequeno-burguês, que tanto põe minorias sociais sob constante ataque e risco. De maneira sucinta, portanto, é possível dizer o mais importante sobre os textos aqui enfeixados: eles estão no campo avesso
a essas trevas circundantes, contra as quais, poetizar, escrever um simples verso que seja já é, sim, um modo de fortalecer as trincheiras de luta. Contra o ódio: poesia para amar de toda forma. E toda forma de amor que houver na poesia… Aqui, então, como singela contribuição cidadã ante a escuridão, estão reunidas pequenas luzes que talvez se posicionem não ao fim, mas acima do túnel. Faz escuro mas o movimento LGBTQIA+ canta, num salve a Thiago de Mello. Ainda que alguns poemas contenham dores e denúncias do subterrâneo, todas, como (f)ato poético, apontam para o cume do arco a ser escalado pelo processo civilizatório, e, com mais urgência, pela civilização brasileira, que precisa requerer de volta, com sua força prazenteira, no seu horizonte de sonho, o arco-íris trópico-carnavalesco que tanto reluz de nossas transversalidades culturais, apesar da história de sangue que as ensejou. Assim, é com aquele orgulho que trafegou de Stonewall até a beira-mar de Fortaleza, e tantas mais voltas deu, que a Editora Flids orgulhosamente apresenta sua primeira coletânea de poemas (e textos poéticos). Com enfoque em autoras e autores vinculados à capital cearense, temos aqui o recorte significativo de uma cena literária fortalezense e, ao mesmo tempo, do ativismo LGBTQIA+ na cidade, em suas instâncias artísticas e de militância social. Mostrando um panorama plurigeracional, também dá-se neste livro o enriquecimento mútuo dos bons encontros, congregando escritores consagrados que aceitaram com humildade gentil nosso convite para participar, como Carlos Emílio Corrêa Lima, cuja obra há muito já avulta na plêiade brasileira, Ícaro Machado, representante da novíssima geração que vem ganhando destaque nacional, Jeane Ramos, Diego Gregório, Antônio LaCarne e outros nomes já editados e acolhidos, a uma gama de poetas até então inéditos que, selecionados por certame público, estão tendo aqui a sua primeira vez em publicação, e a honra do debute é toda nossa. Além disso, e talvez o mais exclusivo nesta publicação, é que POESIA PARA AMAR DE TODA FORMA conta com textos de artistas e personalidades de outras linguagens que não apenas a literatura: gente de teatro, da política, do cinema, jornalistas, produtores culturais e militantes do movimento LGBTQIA+ fortalezense. São personalidades que ‘desengavetaram’ seus escritos a convite da Flids para somar força e brilho à causa da poesia. Dessa forma, acrescenta-se a partir de agora ao acervo poético da cidade
um novo repertório cuja qualidade só não surpreende mais por se tratar de talentos já amados e comprovados em suas áreas de atuação. Por fim, a última parte deste livro é dedicada a letras de músicas, registrando também o Slam, ‘batalha’ de versos feita nas ruas que talvez configure o mais vigoroso movimento poético da atualidade. Também na parte final aparece a interseção mais nítida desta publicação com o projeto ‘Sarau da Montação’, outra ação da Flids, que registrou poemas e músicas em formato audiovisual no site www.flids.org. Ambos os projetos, livro e sarau, são realizações da N3 Produções e da SETE SETAS cultura e cidadania, produtoras parceiras das atividades do Coletivo Flids. O projeto desta publicação, como realização da N3, tem direção geral de Fabio Nobre, Marco Beranger e minha, Paulo Vianna Jr. Também ao meu lado, como coorganizador do livro, está Benedito Teixeira. Na produção: Charlony Victor e Gerlyara Sousa. Capa, artes em geral, assim como toda a comunicação das atividades Flids são assinadas por Adail Ferreira. A equipe Flids ainda conta com José Oliveira Filho, Rosana Rodrigues e Adailma Mendes em coordenações e relações institucionais. E essa equipe é apenas uma parte do Coletivo que a Flids é por origem, vocação e natureza. Portanto, é o coletivo Flids que agradece a cada colaboração para esta realização. Por exemplo, ao trabalho sempre primoroso da Expressão Gráfica: nossa gratidão ao incansável parteiro de livros Mauro Gurgel e a toda sua equipe. Agradecemos também à SECULTFOR, que, de modo ágil e multiplicador, de fato bem geriu os recursos provenientes dessa importante conquista da classe artística brasileira que foi a “Lei Aldir Blanc” de apoio às artes durante a pandemia, possibilitando que, especialmente em Fortaleza, a Lei frutificasse ao máximo. Inegável que esta é apenas uma entre centenas de boas produções que puderam ser democraticamente realizadas na capital cearense, embora a enorme crise do setor cultural no país. Este livro, pois, compõe-se de quatro partes: a primeira dedicada a poetas de Fortaleza que já desenvolvem uma carreira em publicações, a segunda enfoca a poesia de personalidades e artistas atuantes em outras áreas e ligados ao universo LGBTQIA+ da cidade, a terceira é o resultado da seleção pública entre os autores e autoras que se inscreveram, revelando ou reforçando novos talentos das letras cearenses, e a quarta é reservada a letras de canções.
Como resultado final, a temática LGBTQIA+ recebe neste livro a polivocidade de representações que sempre exige, ainda que obviamente esteja longe de alcançar o ideal. Mas se aqui há poesia para amar de toda forma é justamente porque há essa profusão de vozes, uma pluralidade de visões dentro da própria poética da diversidade. A Flids, assim, agradece imensamente cada autora e cada autor que colaborou neste livro, são parcerias em um projeto não só literário, mas social. O mosaico dado pela variedade de autorias e estruturas poemáticas talvez seja o trunfo final desta obra. Sobretudo, agradecemos a você, para quem tudo aqui se destina, e que agora toma este trabalho coletivo nas mãos, cara leitora, caro leitor. Esperamos que nas próximas páginas você encontre alguns dos pequenos grandes encantamentos que os poetas empenharam-se em cristalizar e deixar por aqui... à sua disposição. O ato de resistência que é fazer poesia, exercido pelos talentos deste livro, complementa-se agora contigo, no ato de resistência que é ler poesia. Eia! Para um mundo que respeite todas as formas do amor, aqui tem poesia para amar de toda forma1 .
Paulo Vianna Jr. - 2021
Organizador
1 Nota dos organizadores: As minibiografias que compõem esta antologia não são propriamente de responsabilidade das autoras e autores elencados, foram redigidas a partir de diversas fontes, ora estão tal e qual a descrição enviada, ora foram acrescidas ou recriadas por pesquisas dos currículos, de modo a melhor situar leitoras e leitores.
Desenhos de Hélio Braga. Hélio Braga foi um ator e artista plástico brasileiro, irmão da atriz Sônia Braga. Vivia em Paraty (RJ), onde faleceu em 2019, aos 72 anos. As duas belíssimas telas reproduzidas acima são do acervo pessoal do escritor Carlos Emílio Corrêa Lima que gentilmente concedeu o uso das imagens à plataforma Flids e a esta publicação.
PRIMEIRA PARTE
Poetas da Cidade
Uma seleta de poetas que têm se dedicado à atividade literária com empenhos regulares na realização de suas obras e no uso dos meios atuais de publicação, representando, portanto, uma cena contemporânea da literatura cearense e fortalezense atravessada pelas questões LGBTQIA+.