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Juscelino Bezerra

Cearense, reside no Rio de Janeiro desde 1999. Professor de Matemática e artista visual (https://jotalino.wixsite.com/fotoimagens), escreve pequenos textos, entre contos e crônicas, no blog https://pequenasmentiras.blogspot.com.

O fenômeno do cu pulsante1

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Deus criou o homem, Eva, a cobra e a sapatão nos primeiros dez dias. Reza a bíblia que primeiro veio o homem e, na sequência, de sua costela, nasceu a mulher. Na real, todos sabemos que antes de Adão vieram Eva e Lilith, e foi da alça arrebentada da pochete de couro de cobra da sapatão que se deu origem ao homem, mas isto é uma outra história. Ainda à época da criação, em seu vigésimo quarto dia, Deus criou o viado, popularmente conhecido como “a menina pululante do Éden”. De qualquer forma, o que importa nesta história é que desde os seus primeiros dias no paraíso, a fragilidade da heterossexualidade do macho radical já dava uma certa pinta, e não se iluda, pois não foi por outro motivo o desentendimento entre Caim e Abel. O heterossexual macho radical nunca conseguiu lidar com o óbvio, a maldição da próstata e a erotização do ânus masculino. O anátema do cu pulsante no macho heterossexual o persegue desde o seu primeiro gozo, ainda na puberdade. É nesta etapa que ocorre uma alteração fundamental em sua anatomia, partes do cérebro se soltam da caixa craniana e migram pelo organismo para duas regiões essenciais do corpo masculino: a cabeça menor ou glande, onde há uma grande concentração de neurotransmissores, e o reto, destino final do hipotálamo, que, ao se instalar na parede retal, a uma dedada da entrada do ânus, passa a ser chamado de próstata. É aí que o macho heterossexual radical toma plena consciência do fenômeno biológico do cu pulsante e aprende que um fio-terra entre amigos pode levar a uma entrega comprometedora, o que, na cabeça do macho radical,deve

1 Esta crônica é dotada de ficção e ironia e algumas partes contêm edições em cima de trechos de textos disponíveis na Internet, principalmente da publicação Homoerotismo na Antiguidade Clássica, disponível em http://www.posclassicas.letras.ufrj.br/images/Publicacoes/ Homoerotismo_2.ed..pdf

sempre ser reprimido e combatido - mal sabe ele da existência do cunete, não há radical que resista a um bom beijo grego. De tão reprimido, o cu pulsante, em muitos machos heterossexuais, se utiliza do córtex cerebral e elege a visão como a única escapatória, o simples ato de ver uma nudes enviada via zap por um parça aparentemente hetererossexual ameniza a vida na encolha do Macho Discreto. Nada de novo no mundo sob o céu, na antiguidade clássica, as nudes eram em forma de esculturas. Relembremos a nudes de Davi, encomendada a Michelangelo por um dos membros da arquidiocese de Firenze, na Itália, e que seria colocada no contraforte do Duomo defronte à janela do seu aposento. A obra demorou alguns anos para ser finalizada e, segundo Michelangelo, nas várias conversas com o arcebispo do Duomo, sempre fazendo a egípcia, a pose da imagem de Davi se baseou em confissões de soldados sobre “parcerias” comuns em agremiações exclusivamente masculinas, onde o amor entre guerreiros de modelo espartano e tebano (multiplica senhô!) era normal e não estava associado à efeminação. Essas tais práticas entre jovens em clubes de atletismo e em outras academias eram relatadas apenas como sarro de picas e, raramente, mencianava-se o cu pulsante. Aliás, os costumes sexuais dos antigos gregos e romanos têm sido continuamente objeto de discussões nas sociedades contemporâneas. Em várias épocas da história da humanidade, o cu pulsante gerou muito desconforto, mesmo propiciando êxtase e prazer para o homem heterossexual radical. Na Londres do final do século XIX, clubes secretos, formados por homens heterossexuais da alta sociedade inglesa, ritualizavam, ao final de cada reunião, com abraços íntimos prolongados, começando com um cheiro discreto no cangote, uma forma de estimular o cu pulsante sem dar muitaaaaaaaaaaa pinta (pare, querida!). Eram nesses sarros discretos que as rolas duras roçavam fortemente umas nas outras, dando origem a um termo muito utilizado hoje em dia: a luta de espadas. Nessa mesma Inglaterra, a que condenou Oscar Wilde por sodomia, em 1895, e Alan Turing, em 1952, era patente o desconforto gerado pelas abundantes referências às práticas homossexuais nos textos gregos e latinos. Muito emblemático desse constrangimento é uma passagem do romance Maurice, de E.M. Forster, escrito já no início do séc. XX. Em cena passada num college de Cambridge, durante a tradução oral de um texto grego, um aluno recebe a seguinte advertência do professor, cujo cu pulsante se encontrava em plena atividade: “Omita este trecho: faz referência ao impublicável vício grego” (Apenas pare, querida!). Se lembrarmos que o sistema educacional inglês era lastreado no ensino dos

clássicos, podemos imaginar o assombro que muitas passagens deveriam causar em alunos e professores. É certo que muitos textos escolares sofreram expurgos, de maneira a se cassar, sistematicamente, qualquer referencia ao cu pulsante do macho heterossexual; mas em outros, notoriamente em diálogos platônicos, como O banquete, essa supressão era mais difícil. Assim, criava-se um impasse para os vitorianos e, ainda que respeitadas as diferenças culturais, também para outros países de forte tradição humanística: como civilizações paradigmáticas para aquele tempo, tais como a grega e a romana, podiam tolerar algo tão “execrável” como o fenômeno do cu pulsante no macho heterossexual radical?

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