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Jorge Lira

Graduado em Letras e Pedagogia, graduando em Psicologia. Mestre e doutor em Educação (UFPE). Esse itinerário acadêmico, certamente, foi possibilitado, porque a arte, através da sua expressão literária, sobretudo, no que diz respeito ao texto poético, materializado nos poemas, nas letras de música, atravessou a construção das minhas subjetividades no corpo de um homem gay, ocupando um lugar de epifania, de reconhecimento, de denúncia, de resistência, de sobrevivência, de manifestação linguística pelo verbo que tem a forma de transfigurar o real, vendo a vida com mais sensibilidade.

Havia muita dor naquela trajetória. As palavras foram sempre impiedosas e se fizeram eco no dia a dia daquela história.

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A rejeição estampada na cara paterna foi o primeiro sinal. A diferença por não estar no padrão social custou caro demais. o pai a dizer: “quem mandou nascer assim ?” O primeiro a personalizar o preconceito e encontrar, um jeito de repelir.

A saga de conjugar o verbo rejeitar não parou por aí. me deixou o primeiro legado do que é ser apartado do amor primeiro de quem deveria ser proteção e referência, mas pela indiferença fez opção em dias cruciais em que o olhar daquele menino pedia somente colo e proteção.

Aquela primeira despedida deixou a primeira ferida que se fez dura companhia nos dias sombrios de subsistência afetiva e inverno pesado como única estação.

Estar no mundo virou um exercício para sobreviver à sistemática violência

que não se cansou de dar o ar da graça nas mais variadas feições:

“É tão inteligente, mas é defeituoso”. “Tão lindo!! Aí se fosse homem!! ”.

“Eu amo você, mas meu filho, gay, não”. “Um corretivo e esse safado vira cabra macho.” “Vergonha da família, expulsão “Preferia morto a ser viado” !!” “Antes preso, do que gay”. “Onde foi que errei? Aberração!”

O preço da homofobia sempre foi alto demais. Impiedoso, roubou-nos de nós. As subjetividades adoecidas sucumbiram a autoestima a um conjunto vazio sem direção.

A afetividade, relegada a a terceira pessoa de ninguém, fez um estrago sem mensuração. A autocrítica fez-se o único passaporte para que a sexualidade não fosse o exclusivo recorte

para me etiquetar E me deixar jogado à própria sorte sem possiblidade de emergir e andar com as próprias mãos.

O meu toque ainda é ojeriza. Meu direito de amar: uma vergonha. Meu direito de ir e vir: estado de sítio. Meu corpo: gerenciado pelo alheio. Minha voz: violentada por uma projeção. Minha linguagem de corpo: estado de alerta e discrição.

Ser homem: um conceito unicamente traduzido pelo viés genital. Meu prazer: agora um risco de vida, caminhando em linhas tortas pelas vielas do marginal. Minha vida profissional: subordinada à exclusão, como critério de alocação.

Tudo isso, uma construção dorida. Tudo isso, resistência sem direito a feriado nacional. Tudo isso, mais cobranças diárias. E o corpo cansado reclama um pouco mais de alma pra continuação.

Tem uma luta. Tem orgulho também. Mesmo sem escolha, quisemos que a vida andasse, Não ficamos presos na estação. O “trem era bala, parceiro”. Ficar trancado no vagão Era correr novamente o risco De escolher o armário Como condição.

Enquanto houver poesia, ser livre será sempre o meu guia. Ainda que tenhamos que tirar leite de pedra pra fazer a travessia.

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