Da Amazônia: 100 Artigos

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Este livro é o segundo de uma série de três coletâneas, reunindo artigos publicados pelo autor nos últimos oito anos. O primeiro volume, intitulado “Do Acre: 100 artigos”, foi publicado em 2009. Um terceiro e último volume será publicado em 2014, sob o título “Da Floresta: 100 artigos”. Os artigos que integram esta segunda coletânea foram selecionados entre os publicados semanalmente pelo autor, no período de 2005 a 2012, no diário “A Tribuna” (www.jornalatribuna.com.br), que circula no âmbito do estado do Acre, e em sites especializados, como o da Associação Andiroba (www.andiroba.org.br). Os posicionamentos expostos, embora apoiados em embasamento técnico- científico, estão longe de traduzir o senso comum. Na verdade, na maioria das vezes, são poucos os que concordam com as teses aqui endossadas. E é justamente aí que reside a razão principal para a elaboração e publicação dos artigos: a possibilidade de discutir o tema da sustentabilidade na Amazônia sob uma perspectiva que, a despeito de ser dissonante, preza pela referência técnica – levando os leitores a considerar atentamente o assunto debatido. Mas, a intenção não é de convencimento; não se pretende convencer o leitor quanto à validade dos postulados defendidos, mas, sim, sensibilizá-lo quanto aos temas abordados. Sob um ponto de vista incomum e apoiando-se em fundamentos sólidos, espera-se suscitar no leitor uma reflexão sobre a realidade ambiental amazônica.






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esde 2005 que o autor publica artigos semanais (no diário “A Tribuna”, que circula no estado do Acre, e em sites especializados), no intuito principalmente de contribuir com a discussão sobre o tema da sustentabilidade. Um tema complexo e cuja dificuldade se agrava, em muito, quando diz respeito a uma região bem característica e que chama a atenção do planeta – a Amazônia. Acontece que sustentabilidade, como se diz por aí, cada um tem a sua. Há os que defendem a ocupação da Amazônia pela expansão da fronteira agropecuária (mais pecuária que agro) e confiam na possibilidade de que essa atividade seja realizada de maneira sustentável. Acreditam que desmatamentos e queimadas, práticas indispensáveis ao plantio de capim, podem ser contextualizados, se forem mantidas porções de florestas intactas, mesmo que distantes das áreas convertidas. Do mesmo modo, há os que pensam que a geração hidroelétrica de energia é menos sustentável do que a nuclear – ou, pior ainda, do que as termoelétricas movidas a óleo diesel. E há também os românticos, que vislumbram metrópoles de mais de um milhão de habitantes, na Amazônia, sendo abastecidas por energia solar e eólica. O conceito de desenvolvimento sustentável, cunhado durante a histórica conferência da Organização das Nações Unidas realizada no Rio de Janeiro em 1992 (também conhecida por Rio 92), exigiu um esforço enorme da diplomacia internacional para a sua demarcação. Cada palavra teve que ser negociada de forma exaustiva, para se chegar ao consenso de mais de 180 países associados à onu. Que o conceito não seria definido de maneira objetiva e sob elevado grau de especificidade era evidente para todas as nações participantes, mas esperava-se chegar ao mais próximo possível da realidade diária dos indivíduos, famílias, governos e empresas.


Um primeiro passo importante para a definição de um conceito que fosse consensual foi a opção por relacionar-se sustentabilidade à capacidade de o meio ambiente satisfazer as demandas da humanidade. Uma segunda linha conceitual tentou associar a sustentabilidade às tecnologias de exploração dos recursos naturais presentes em cada país – o que se mostrou, devido às diferenças acentuadas entre países ricos e pobres, um tanto constrangedor. Satisfazer as necessidades atuais da humanidade, sem comprometer a capacidade de satisfação das necessidades das futuras gerações. Foi esta a definição que situou o desenvolvimento sustentável no centro das discussões a respeito do compromisso que as pessoas podem assumir hoje, para que seus filhos e netos, as futuras gerações, não sejam privadas de ter casa, comida, carro, e roupa lavada. Não obstante, o conceito de desenvolvimento sustentável é impreciso, inconcluso e incompreensível. O conceito é impreciso, devido à generalidade contida no termo satisfação de necessidades; é inconcluso, pois as negociações quanto ao seu detalhamento foram adiadas para futuras convenções da onu; e é incompreensível, uma vez que somente alguns poucos familiarizados com o tema da sustentabilidade conseguem explicá-lo, ou melhor, interpretá-lo. Sob tamanha falta de clareza, não é difícil supor que a aplicação dos ideais de sustentabilidade pode trazer implicações imprevisíveis. Com um adendo, porém: implicações menos preocupantes que a rota inexorável da crise ecológica advinda do processo atual de desenvolvimento praticado no mundo; ou seja, imprevisível sim, mas para melhor, e por isso, inadiável. Inadiável, mesmo sendo imprevisível – e engana-se quem acha que nada tem acontecido. Uma série de ações de política pública tem sido desencadeada mundo afora, com o objetivo manifesto de avançar-se em direção à sustentabilidade. Até mesmo os mais céticos devem concordar que o mundo, hoje, nem de longe é igual ao que existia antes da Rio 92. A sensação de fracasso que toma conta da sociedade após cada conferência da onu, como a recente Rio + 20, pode ser explicada, em boa medida, pela dificuldade em fazer com que as diretrizes contidas no conceito de desenvolvimento sustentável cheguem, com clareza, ao cotidiano da humanidade.

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Da Amazônia: 100 artigos


Por outro lado, as interpretações desse conceito – que constam de uma gama variada de teses de doutorado e dissertações de mestrado –, embora logrem explicar a importância da sustentabilidade para o futuro do planeta, carecem de uma leitura concreta de suas implicações na vida das pessoas. A sustentabilidade do dia a dia, aquela que depende do que se faz no cotidiano, e que a maioria das pessoas conseguiu traduzir em iniciativas como separação do lixo, economia de água, bem como na busca por fontes alternativas de energia elétrica, somente para ficar nos melhores exemplos, ainda precisa ser esmiuçada. A sustentabilidade do dia a dia deve ir bem além do lixo, da água ou da eletricidade – deve chegar até ao que se consome, desde o momento em que se acorda até a hora em que se vai dormir. Em resumo, a sustentabilidade do dia a dia é um jeito (menos complexo, diga-se) de entender e praticar o conceito de desenvolvimento sustentável. Mediante essa pequena digressão, que o leitor deve de antemão desculpar, procurou-se situar o conteúdo deste livro. Trata-se de uma coletânea de cem artigos que se ocupam do desafio de discutir tópicos relacionados ao desenvolvimento sustentável da Amazônia. Pelo rol de assuntos abordados, é fácil perceber o alcance da empreitada assumida. Afinal, uma discussão franca e (o mais importante) ancorada em fundamentações técnicas, sobre questões de grande relevância para a Amazônia, exige, além de muita pesquisa, disposição para a polêmica. A polêmica faz dos artigos textos provocativos, que levam o leitor a refletir. Esse é o objetivo principal do livro – fazer pensar, sobretudo no futuro que se entrevê para a Amazônia. Os problemas abordados, todos eles, possuem soluções; mas, para encontrá-las, é necessário embasamento técnico. Sob amadorismos e as aventuras costumeiras, a Amazônia não encontrará a sustentabilidade que o mundo espera dos amazônidas. Este livro é o segundo de uma série de três coletâneas, reunindo artigos publicados pelo autor nos últimos oito anos. O primeiro volume, intitulado “Do Acre: 100 artigos”, foi publicado em 2009. Um terceiro e último volume será publicado em 2014, sob o título “Da Floresta: 100 artigos”.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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Da Amazônia: 100 artigos


o4 Artigos complexos, mas compreensíveis 09 Sumário 10 Sobre a organização do livro

18 Contra as queimadas

40 Contra o desmatamento

54 Pela manutenção da reserva legal

64 Pela promoção do manejo florestal de uso múltiplo 76 Pela valorização das reservas extrativistas

86 Pela sustentabilidade na Amazônia

112 Pela identidade das universidades na Amazônia

124 Pela valorização da floresta

150 Contra as mudanças no Código Florestal

170 Pela promoção da extensão florestal na Amazônia 178 Pela promoção do manejo florestal comunitário

192 Pela criação de unidades de conservação

200 Pela geração de tecnologia para o ecossistema florestal amazônico 210 Pela promoção do manejo florestal na Amazônia

228 Contra o risco de extinção de espécies

240 Pela realização de inventário no ecossistema florestal do Acre



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omo já referido, os artigos que integram esta segunda coletânea foram selecionados entre os publicados semanalmente pelo autor, no período de 2005 a 2012, no diário “A Tribuna” (www.jornalatribuna.com.br), que circula no âmbito do estado do Acre, e em sites especializados, como o da Associação Andiroba (www. andiroba.org.br). Encontram-se agrupados em 16 conjuntos de temas ou assuntos. A leitura de cada conjunto permite identificar uma linha de pensamento assumida pelos autores que evidencia uma forma de compreensão da realidade amazônica nem sempre convergente com a opinião da maioria. Na verdade, os posicionamentos expostos, embora apoiados em embasamento técnico-científico, estão longe de traduzir o senso comum. Na maioria das vezes, são poucos os que concordam com as teses aqui endossadas. É justamente aí que reside a razão principal para a elaboração e publicação dos artigos: a possibilidade de discutir o tema da sustentabilidade na Amazônia sob uma perspectiva que, a despeito de ser dissonante, preza pela referência técnica – levando os leitores a considerar atentamente o assunto debatido. Mas, a intenção não é de convencimento; não se pretende convencer o leitor quanto à validade dos postulados defendidos, mas, sim, sensibilizá-lo quanto aos temas abordados. Sob um ponto de vista incomum e apoiando-se em fundamentos sólidos, espera-se suscitar no leitor uma reflexão sobre a realidade ambiental amazônica. Dessa forma, os artigos foram escritos para compor o que se chamou de “campanhas de sensibilização”. As campanhas, todas elas, tratam dos empecilhos que impedem a Amazônia de se adequar aos ideais de sustentabilidade deprecados pelo mundo.


O total de artigos de cada campanha é aleatório. Sendo assim, enquanto para algumas campanhas foi selecionado um número expressivo de artigos (no máximo 12), no caso de outras, optou-se pela quantidade mínima de três. O mesmo ocorre em relação à ordem cronológica. Há campanhas em que a maioria dos artigos foi publicada no mesmo ano (alguns até no mesmo mês), e há aquelas nas quais os artigos foram elaborados de forma esparsa, nos últimos cinco anos. No quadro a seguir, são esquematizadas as 16 campanhas de sensibilização, indicando- se a quantidade de artigos, bem como o título e a data de cada um. A data considerada é a de postagem no site da Associação Andiroba, e não a de publicação no jornal impresso. Campanha contra as queimadas

10 artigos 27/5/2007

Com novo Ibama, o Acre não queimará em 2010

1/7/2007

100 anos de queimadas nas “Raízes do Brasil”

15/7/2007 23/9/2007 15/3/2009

Experiência do Reca para o Acre não queimar em 2010 Setembro cinza

Queimadas podem atrapalhar Copa de 2014 na Amazônia

24/5/2009

Campanha “Para o Acre não queimar em 2010” completa cinco anos

26/7/2009

Com Ministério Publico, o Acre não queimará em 2010

25/10/2009 3/9/2010 24/7/2011

Queimadas em Reservas Extrativistas da Amazônia Agosto cinza na Amazônia

Em 2012, Acre vai banir as queimadas

Campanha contra o desmatamento 6 artigos 11/11/2007

Um pacto para a Amazônia não desmatar em 2015

26/10/2008

Susto com o óbvio: Incra desmata

19/4/2009

Ministério do Meio Ambiente amplia área de pecuária na Amazônia

13/12/2009 29/5/2011 28/08/2011

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Fim do desmatamento legal derruba taxa Um punhado de florestas a menos

Sobre palma, dendê, biodiesel e desmatamento

Da Amazônia: 100 artigos


Campanha Pela manutenção da reserva legal 4 artigos 12/7/2009

Servidão florestal pode resolver impasse da reserva legal

6/12/2009

Código Florestal: reserva legal não é área improdutiva

26/6/2011 24/12/2011

Ipea alerta: Código Florestal deve manter reserva legal Mata ciliar não é reserva legal

Campanha pela valorização das reservas extrativistas 4 artigos 06/9/2009

20 anos de reservas extrativistas: é para comemorar?

21/11/2011

Serviço Florestal Brasileiro deve cuidar das reservas extrativistas

1/4/2012 15/4/2012

Reservas extrativistas e a tragédia dos recursos comuns

Para evitar a tragédia dos comuns em reservas extrativistas

Campanha pela sustentabilidade na Amazônia 12 artigos 16/04/2007

Hollywood, política, verdades e inconveniências

28/10/2007

O setor florestal e a sustentabilidade amazônica

23/3/2008 7/12/2008 4/1/2009

Sustentabilidade e eleições na Amazônia

Prêmio para a sustentabilidade na Amazônia

2008 deixa Amazônia mais perto da sustentabilidade

20/9/2009

A Amazônia poderá alcançar sustentabilidade?

17/1/2010

Sustentabilidade na Amazônia avança em 2009

23/5/2010 25/7/2010 13/2/2011 31/12/2011 16/09/2012

Sustentabilidade depende de mais engenheiros

Casa de madeira é melhor para sustentabilidade Ano Internacional das Florestas e a Amazônia

Na Amazônia, a sustentabilidade recua em 2011 Sustentabilidade do dia a dia: tábua de carne

Campanha pela promoção do manejo florestal de uso múltiplo 5 artigos 16/9/2007

Uso tradicional da biodiversidade na Amazônia

16/11/2008

Transição florestal na Amazônia

14/3/2010

“Avatar” defende uso múltiplo da floresta

11/4/2010 18/7/2010

Contribuições do Acre para o manejo da floresta na Amazônia Uso múltiplo da biodiversidade é o caminho para Amazônia

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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Campanha pela identidade das universidades na Amazônia 5 artigos 14/6/2009

Desafios para uma engenharia florestal amazônida

11/7/2010

10 anos de Engenharia Florestal no Acre, 50 no Brasil

5/6/2011

100 engenheiros florestais formados no Acre

16/10/2011 4/3/2012

Residentes florestais serão formados no Acre Sexta Semana Florestal do Acre

Campanha pela valorização da floresta 12 artigos 18/11/2007

Valorizar a floresta: única saída

16/8/2009

Visão protecionista da Amazônia prevalece na sbpc

15/11/2009 20/6/2010 13/3/2011

Plano Amazônia Florestal

Perícia Ambiental na Amazônia

Florestas precisam de nova institucionalidade estatal

31/7/2011

Energia limpa na Amazônia é a hidrelétrica?

4/9/2011

Governança florestal na Amazônia

23/10/2011 13/11/2011 28/11/2011 22/1/2012 13/5/2012

Bolsa Verde chega à mata ciliar

Amazônia e políticas florestais de segunda geração A saída pela floresta

Por um Ministério das Florestas

Por uma nova governança florestal para a Amazônia

Campanha contra as mudanças no Código Florestal 9 artigos 21/3/2010

Audiência sobre Código Florestal é puro espetáculo

2/5/2010

Código Florestal: uma revisão possível

1/8/2010 3/4/2011 15/5/2011

Código Florestal perde a validade na Câmara Código Florestal: hora da decisão

Novo Código Florestal desafia “capitalismo à brasileira”

29/4/2012

Código Florestal: pior impossível!

6/5/2012

Veto ao Código Florestal: vergonhoso, mas melhor

10/6/2012 30/9/2012

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Rio + 20, Código Florestal e Amazônia

Laranjais não restauram mata ciliar. Veta, Dilma!

Da Amazônia: 100 artigos


Campanha pela promoção da extensão florestal na Amazônia 3 artigos 24/4/2011

Extensionista ou fiscal de crédito?

7/8/2011

Extensão rural e engajamento político

18/3/2012

Extensão florestal na Amazônia

Campanha pela promoção do manejo florestal comunitário 6 artigos 8/6/2008

Desafios para o manejo comunitário do cacau nativo no Purus

28/12/2008

Sonegação de icms viabiliza manejo comunitário

27/9/2009 28/3/2010 6/6/2010 12/2/2012

Manejo florestal comunitário na Amazônia: difícil começo Manejo comunitário de madeira avança no Pará

Manejo comunitário de madeira é a melhor opção

Manejo florestal comunitário na Amazônia: existe saída!

Campanha pela criação de unidades de conservação 3 artigos 3/4/2010

Diretrizes para unidades de conservação na Amazônia

16/5/2010

Criação de unidades de conservação não pode ser “bônus de consciência”

26/9/2011

Unidade de conservação sem desapropriação é ilusão

Campanha pela geração de tecnologia para o ecossistema florestal amazônico 4 artigos 16/5/2008

Engenharia Florestal e o manejo comunitário do cacau

13/6/2010

Engenheiros florestais usam satélite para mapear cacau nativo

25/9/2010

Cacau nativo supera o cultivado

19/12/2010

Engenharia Florestal da Ufac vai mapear mata ciliar do rio Acre

Campanha pela promoção do manejo florestal na Amazônia 8 artigos 8/2/2009

Livro mostra como é fácil criar paca na Amazônia

15/2/2010

Domesticação não, manejo da floresta é a solução

26/9/2010 3/7/2011

Concessões comprovam vocação florestal da Amazônia

onu assevera: usar madeira é bom para o meio ambiente

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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Campanha pela promoção do manejo florestal na Amazônia 8 artigos 18/9/2011

Transformações na produção madeireira da Amazônia

3/10/2011

Produção de madeira é economia de baixo carbono

29/10/2011

Que manejo florestal é esse?

6/11/2011

Manejo florestal e agenda política na Amazônia

Campanha contra o risco de extinção de espécies 5 artigos 5/4/2009

Agressão à natureza e risco de extinção de espécies

17/5/2009

Sobre o risco de extinção de espécies

2/8/2009 13/9/2009 1/11/2009

Espécies florestais amazônicas e sua extinção pelo mercado Extinção de espécies florestais comerciais amazônicas

Extinção econômica de espécies florestais amazônicas

Campanha pela realização de inventário no ecossistema florestal do Acre 4 artigos 7/10/2007

Inventário florestal para biocombustíveis no Acre

9/5/2010

Inventário florestal do cacau nativo do Purus é tema de monografia

10/4/2011 22/5/2011

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Inventário estadual de florestas no Acre

Inventário florestal descreve a mata ciliar do rio Acre

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Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva



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banimento das queimadas é questão de tempo na Amazônia. Há uma forte pressão internacional que obrigará (infelizmente a expressão é obrigar, mesmo) o Brasil a eliminar essa primitiva prática da atividade rural amazônica, independentemente da escala de produção. Afinal, em relação aos efeitos nefastos da queimada, não tem relevância o tamanho da propriedade rural. Seja no campo político (por meio dos acordos internacionais firmados no âmbito das Conferências da onu), seja no econômico (quando não for mais possível, por exemplo, a exportação de carne de boi produzida em área queimada na Amazônia), os produtores amazônidas se verão, em primeiro lugar, à mercê de exigências internacionais e, posteriormente, submetidos a salvaguardas nacionais, regionais e até estaduais. Defende-se a prática das queimadas sob o argumento da tradição cultural (sempre se queimou); do imperativo social (queimar para poder comer); e da decisão econômica em esfera privada (queimar tem custo de oportunidade inferior para o produtor). Todavia, nenhum benefício eventualmente auferido por essa infausta técnica pode sequer chegar perto de compensar os custos relacionados à concentração de fumaça nas áreas urbanas. Por outro lado, nos últimos dez anos, a Embrapa (principalmente) e outros institutos de pesquisas desenvolveram tecnologias que põem abaixo o argumento – insubsistente, diga-se – de que não haveria alternativa. São tecnologias nacionais, reconhecidamente aptas a possibilitar a produção rural sem o emprego da queima.


I Postado em: 27/5/2007

COM NOVO IBAMA, O ACRE NÃO QUEIMARÁ EM 2010 Primeiro, foram os recursos hídricos, depois, as unidades de conservação; agora, são as florestas que saem da competência do Ibama. Será o fim do órgão? O Ibama acabou. Da mesma forma abrupta como foi criado (em 1990), com uma única medida foi extinto dias atrás; ou, pelo menos, deixou de ser a maior parte do que era. Fruto da junção de quatro órgãos públicos, o Ibama, nos seus 17 anos de existência, sempre apresentou grande fragilidade em sua estrutura administrativa. Parece que ao se congregar, num único órgão, a Sudhevea, (Superintendência do Desenvolvimento da Hevea); Sudepe (Superintendência do Desenvolvimento da Pesca); Sema (Secretaria Especial de Meio Ambiente); e ibdf (Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal), provocou-se uma esquizofrenia institucional que obstava a atuação do gigante. A gestão do Ibama se tornou difícil, e eram raros os presidentes que se mantinham no cargo por mais de um ano. As consultorias contratadas para diagnosticar o problema e apontar soluções não conseguiam sair do lugar-comum: incompatibilidade operacional entre os quatro órgãos de origem. Ponderava-se que o antigo funcionário da pesca, por exemplo, desejava continuar na Sudepe, e o mesmo acontecia em relação aos demais. Ou seja, avaliava-se que, como órgão, o Ibama não existia para os próprios servidores. Mas, não foi bem assim. Os técnicos do Ibama acabaram se identificando com o órgão e, o mais importante, se não eram, com o tempo se tornaram ambientalistas. Antigos extensionistas e fiscais (da pesca, da borracha, da madeira) converteram-se em conservacionistas e preservacionistas. Os primeiros (conservacionistas), preocupados com a extensão e acreditando na possibilidade de uma exploração sustentável dos recursos naturais. Os segundos (preservacionistas), preocupados com a cres-

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cente degradação ambiental e dirigindo seus esforços para a coibição das atividades econômicas; vale dizer, para o exercício do poder de polícia e consolidação da fiscalização e do monitoramento ambiental. O problema gerencial do Ibama se relacionava, como dito, a uma esquizofrenia institucional – uma vez que a instituição acumulava atribuições muitas vezes inconciliáveis entre si. Ocorre que o órgão a que compete o fomento de atividades produtivas não pode ser o mesmo órgão que fiscaliza essas atividades. Como bem disse um pescador residente na reserva extrativista de Arraial do Cabo, no Rio de Janeiro, “órgão que espalha bolinho, não pode servir para juntar bolinho”. A máxima se referia a uma circunstância em que o simples aparecimento de um carro do Ibama foi motivo suficiente para que um grupo de pescadores se dispersasse na praia. Ora, não dá para imaginar que o técnico que desembarcou daquele veículo lograsse realizar, junto à comunidade de pescadores, alguma ação de fomento ou de extensão, a fim de guiar a produção de pescados na direção da sustentabilidade. Mas, o fato é que o instituto foi extinto – ou dividido em dois, como dizem –, e um novo órgão surgirá. Só o tempo dirá se ele será mais eficiente para o meio ambiente. O mais importante é que o novo Ibama precisa ser forte para o Acre não queimar em 2010.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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I Postado em: 1/7/2007

100 ANOS DE QUEIMADAS NAS “RAÍZES DO BRASIL” Incrível como a grande obra “Raízes do Brasil”, escrita há mais de 70 anos, já se preocupava com o modelo predatório da agropecuária brasileira.

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mpressiona como o autor de “Raízes do Brasil” examina as características do país e dos brasileiros com tanta exatidão. Junto com Celso Furtado, Caio Prado Júnior e Gilberto Freire, Sérgio Buarque de Holanda integra um seleto grupo de estudiosos que se aventuraram na complexa tarefa de desvendar, para os próprios brasileiros, os elementos de sua formação social e econômica, e a contribuição de negros, portugueses e indígenas na gênese nacional. É provável, contudo, que nenhum outro autor tenha dado tanta atenção à forma predatória como se realizava a produção agropecuária no país. O livro, publicado em 1936, discute a tecnologia de produção rural empregada desde o período da colonização até o final do século dezenove. É recorrente na obra a preocupação com a sustentabilidade agronômica e ecológica (a despeito de esses termos nem existirem à época) da produção agropecuária praticada pelo camponês. Essa preocupação se acentua no Capítulo 2, intitulado “Trabalho e Aventura”, sobretudo nas notas explicativas. Para o autor, todos os camponeses, sem exceção – portugueses, imigrantes de outros países europeus (como os alemães, que eram tidos como produtores exemplares), negros, e até mesmo os indígenas – faziam uso desregrado da prática das queimadas para a viabilização da produção agrícola e pecuária. O historiador reitera que o emprego indisciplinado das queimadas evidenciava a ausência de tradição agropecuária em nossa sociedade, uma vez que “além de prejudicar a fertilidade do solo, as queimadas, destruindo facilmente grandes áreas de vegetação natural, trariam outras desvantagens, como a de retirar aos pássaros a possibilidade de construírem seus ninhos”. Sem pássaros não haveria predadores para

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Da Amazônia: 100 artigos


as pragas e assim “(...) a broca invade as plantações de mate e penetra até a medula nos troncos e galhos, condenando os arbustos à morte certa. As próprias lagartas multiplicam-se consideravelmente com a diminuição das matas”. O trecho destaca as duas piores conseqüências das queimadas – que dizem respeito à perda de fertilidade do solo e ao aumento da ocorrência de pragas e moléstias (inclusive malária). Existem, é claro, muitas outras implicações que, conjuntamente, transformam a queimada na mais primitiva e perniciosa das práticas agrícolas. A região abordada no livro não é a Amazônia. À época, o ecossistema florestal que era objeto de implacável destruição era a Mata Atlântica – bioma que hoje apresenta apenas 4% de sua cobertura original. Significa que 96% das florestas litorâneas, que compõem esse ecossistema florestal, foram destruídas. Sem embargo, constata-se que o diagnóstico presente em “Raízes do Brasil” poderia referir-se facilmente à atual situação da Amazônia. E, tornando essa relação ainda mais manifesta, Sérgio Buarque de Holanda afirma que “A lavoura entre nós continuou a fazer-se nas florestas e à custa delas. Dos lavradores de São Paulo, dizia, em 1766, d. Luis Antonio de Sousa, seu capitão-general, que iam ‘seguindo o mato virgem, de sorte que os Fregueses de Cutia, que dista desta Cidade sete léguas, são já hoje Fregueses de Sorocaba, que dista da dita Cutia vinte léguas. “E tudo porque, ao modo do gentio, só sabiam ‘correr atrás do mato virgem, mudando e estabelecendo seu domicílio por onde o há”.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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I Postado em: 15/7/2007

EXPERIÊNCIA DO RECA PARA O ACRE NÃO QUEIMAR EM 2010 O caso do Reca, uma das experiências de produção comunitária mais bem-sucedidas da região, pode ajudar o Acre a não queimar em 2010.

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Acre é rico em experiências que se dedicam à instalação de sistemas agroflorestais. E a mais conhecida delas – o Projeto Reca – surgiu por iniciativa dos próprios produtores rurais. Ainda em 1988, um grupo de produtores ousados, oriundos da esquecida Vila Extrema, batia de porta em porta, em busca de apoio para um empreendimento que se baseasse num modo diferente de conduzir a produção agrícola. Para esses produtores, que haviam adquirido vivência rural em outras regiões, a agricultura tradicional não tinha futuro, por duas razões – era ruim para ganhar dinheiro e pior ainda para o meio ambiente. A opção pela instalação de um sistema agroflorestal (saf) foi indicada, então, como a mais acertada. Para pôr o projeto em prática e realizar os primeiros cultivos, os produtores contaram com o apoio decisivo da Igreja Católica e do Ministério do Meio Ambiente. No início da década de 1990, essa pasta ministerial, por meio da Secretaria de Coordenação da Amazônia, era uma das mais importantes financiadoras de iniciativas produtivas ambientalmente adequadas para a região. Mas, ressalte-se que o saf, à época, ainda era considerado um procedimento de elevado risco. Em vista disso, poucos acreditavam no potencial dessa técnica, a despeito do importante diferencial que a caracteriza – a saber, seu maior ajustamento à realidade florestal. O saf é instalado no momento em que o produtor termina a limpeza da área. Depois do desmatamento e da queimada, o produtor, em regra, realiza o plantio das espécies de ciclo curto usadas para a sua subsistência. A maior parte dessa produção é consumida pela própria família, e a menor parcela é comercializada no mercado local. Geralmente, são plantadas espécies agrícolas, como milho, arroz, macaxeira e feijão. 26

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Pela metodologia do saf, nessa ocasião o produtor também efetua o plantio das espécies de ciclo médio, cuja produção se inicia depois de três anos de cultivo; é o caso das frutíferas, como açaí, cupuaçu, pupunha e graviola. O produtor pode concluir o saf mediante a introdução de espécies de ciclo longo – geralmente, espécies florestais madeireiras, que começam a produzir bem mais tarde, após 15 anos de plantio. Tradicionalmente, depois de cerca de três anos que a área é usada para a produção de subsistência, o produtor já percebe algum esgotamento do solo e, dessa forma, abandona a área para pousio. O diferencial do saf reside no fato de que a capoeira que então se forma é enriquecida com a presença das espécies frutíferas e florestais. Além da opção pelo sistema produtivo ancorado na tecnologia do saf, os produtores do Reca também tiveram sagacidade para acertar na escolha das espécies (cupuaçu e pupunha). Em relação a essas espécies, o Reca é considerado, na Amazônia, um dos primeiros plantios bem-sucedidos. Logo em seus primeiros anos de funcionamento, o projeto demonstrou a sua capacidade de auto-organização. Sob um complexo procedimento de tomada de decisão, que se inicia com reuniões nos ramais, os produtores do Reca conseguiram realizar uma verdadeira façanha perante a realidade da produção rural comunitária local: gerir com eficiência e obter lucros em seus negócios. Devem ser os únicos que conseguiram. A experiência do Reca é uma das muitas que podem ajudar o Acre a se preparar para não queimar em 2010. Isso é possível!

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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I Postado em: 23/9/2007

SETEMBRO CINZA Todos os anos, ao entrar setembro, as queimadas deixam o Acre sem céu e sem sol, durante mais de 30 dias. O que fazer?

É

fato notório – todo extensionista que mantém contato com a produção rural, no Acre, sabe que o dia 5 de setembro, além de ser o Dia da Amazônia, é também o dia da queimada. Quando chega setembro, o produtor que teve paciência e planejamento para esperar sempre consegue realizar uma boa queimada. Uma queimada considerada exitosa é aquela que queima completamente todas as sobras do desmatamento, ou todo o capim antigo, no caso dos pastos já formados. É uma queimada rápida e profunda, daquelas que deixam um único resíduo no solo – cinzas. O mês de setembro é propício para queimar porque as condições climáticas são favoráveis: umidade relativa mínima e seca máxima, com um ingrediente importante, vento. Mas as boas queimadas, as que deixam o produtor satisfeito, são justamente as que causam mais danos às populações urbanas. Por serem rápidas e profundas, produzem grande volume de fumaça em curto espaço de tempo. São toneladas de carbono jogadas na atmosfera de um dia para o outro. Hospitais lotam, sobretudo com anciãos e crianças. Aeroportos fecham. Os olhos ardem e infeccionam. A cidade fica coberta de fuligem, o clima fica abafado. Florestas são incendiadas. Um quadro insuportável, mas que se tolera em nome de uma produção rural que, na maioria das vezes, é muito tímida. Os custos relacionados à concentração de fumaça nas áreas urbanas seguramente não compensam eventual benefício que a atividade rural praticada no estado possa auferir para a sociedade em geral. Apesar da ausência de estudos sobre as consequências dessa concentração de fumaça para a economia local, não seria exagero afirmar que o “custo Acre” (aquele conjunto de entraves locais que retiram

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competitividade e tornam mais oneroso o sistema econômico como um todo) chega a níveis impraticáveis. A despeito de tudo isso, a tolerância para com as queimadas é algo impressionante na sociedade local. Em geral, a população não se manifesta, e a nefasta técnica é encarada como uma prática associada à tradição ou à cultura campesina. Realmente, o fogo faz parte do sistema nativo de produção agrícola. Os índios já usavam desse artifício, que foi ensinado aos colonizadores portugueses. Numa época em que a extensão de solo cultivado e a quantidade de fumaça na atmosfera eram relativamente pequenas, não ocorriam as mazelas atuais – não havendo, assim, motivo de preocupação. Mas, atualmente, concentração de carbono na atmosfera chegou a níveis que o planeta não suporta mais. A prática da queima, no Acre, em Rondônia, no Amapá ou em qualquer outro lugar, esquenta o planeta e põe em risco a existência humana. Por isso, não pode mais ser tolerada.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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I Postado em: 15/3/2009

QUEIMADAS PODEM ATRAPALHAR COPA DE 2014 NA AMAZÔNIA A disputa travada entre três cidades amazônicas para sediar a Copa de 2014 evidencia o fato de que o discurso do “verde sustentável” parece ser somente mensagem de outdoor.

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s inspetores da Fifa estão visitando as cidades (uma da Amazônia e outra do Pantanal) que completarão as 14 cidades-sedes da Copa do Mundo de 2014. Entre as amazônicas, três cidades disputam entre si. Rio Branco, Belém e Manaus se desdobram para mostrar que possuem atrativos e infraestrutura suficientes para garantir o sucesso do evento. Nos projetos elaborados por essas três cidades, constata-se pelo menos um argumento em comum – e contraditório, de certa forma. Todas elas recorrem ao discurso da sustentabilidade; todas querem mostrar que a sua copa será “verde” ou “sustentável”. A contradição reside no fato de que nenhum dos projetos propostos trata dos maiores problemas ambientais da Amazônia: o desmatamento e a queimada. Ora, a Copa acontece em julho, uma época do ano em que, como todo amazônida bem sabe, é possível ficar sem ver o céu por dias seguidos. Além de causar desconforto e uma série de outros transtornos, inclusive de ordem médica, a fumaça das queimadas impede a visibilidade atmosférica, causando o fechamento dos aeroportos durante horas. É em julho que a economia está aquecida na região. Depois do período chuvoso (o denominado inverno amazônico, que vai até meados de abril), toda a atividade rural, da empresarial à familiar, entra em intenso processo produtivo. Nesse período, os desmatamentos e as queimadas são intensificados, tanto em razão do início da safra pecuária quanto em razão do início da safra florestal. Infelizmente, a triste consequência dessa produção é a degradação ambiental acelerada. A pecuária desmata e queima os pastos, produzindo fumaça. Por sua vez, a extração sem técnica (não manejada) de madeira também 30

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acarreta impactos que, embora bem inferiores aos causados pela pecuária, empobrecem a diversidade biológica da floresta, tornando-a sujeita a incêndios florestais; como o que ocorreu no Acre em 2005, quando foram queimados mais de 200 mil hectares na Reserva Extrativista Chico Mendes. Para que a Copa de 2014 aconteça sem transtornos e sem a mancha vergonhosa infundida pelos desmatamentos e queimadas, as cidades candidatas deveriam demonstrar à Fifa que têm controle sobre as atividades produtivas danosas à floresta. Mais do que provar que possuem rede hoteleira, os projetos ditos “verdes” deveriam preocupar-se em propor ações que mitiguem a ocorrência dos efeitos nefastos dessas práticas. O frágil argumento do verde pelo verde, ou do sustentável pelo sustentável – usado por conta de eventuais propostas relacionadas à reciclagem do lixo, construção de ciclovias ou outras miudezas desse tipo – perder-se-á no momento em que os turistas se depararem com a fumaça. Para que não haja queimada em 2014, as cidades precisam se planejar agora. Aquela que declarar tolerância zero para com as práticas do desmatamento e da queimada seguramente estabelecerá um diferencial bem mais sólido que meros discursos de outdoors. Com fumaça, o avião não pousa; com fumaça, fica difícil assistir ao jogo da arquibancada; com fumaça, o sucesso vai virar vergonha. Com fumaça, a Copa de 2014 na Amazônia será apenas mais um factoide político.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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I Postado em: 24/05/2009

CAMPANHA “PARA O ACRE NÃO QUEIMAR EM 2010” COMPLETA CINCO ANOS Sob planejamento e aplicação de tecnologias já desenvolvidas, seria possível banir as queimadas em 2010. O Acre poderia ser o primeiro estado a alcançar essa meta.

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esde 2005, mediante a publicação de artigos semanais, este articulista vem alertando acerca das consequências perigosas que a prática das queimadas traz para o meio ambiente e para a saúde pública. Os artigos apresentam dois argumentos que atualmente parecem ser incontestáveis: agravamento das condições ambientais e possibilidade técnica e política para erradicar o primitivo método. No primeiro caso (agravamento ambiental), advoga-se que os dois maiores problemas ambientais da Amazônia – desmatamento e queimadas – irão assumir proporções globais, o que fará com que os outros países cobrem maior responsabilidade e efetividade nas ações de controle levadas a cabo pela estrutura estatal brasileira. Ocorre que, de 2005 para cá (2009), o mundo reconheceu enfaticamente que as mudanças climáticas e o consequente aquecimento global exigem solução imediata, uma vez que podem acarretar um colapso de tal envergadura que poria em risco o capitalismo e a própria existência humana. Depois do reconhecimento conferido pelas premiações do Oscar (na mídia cinematográfica) e do Nobel (na esfera científica), o tema do aquecimento global foi definitivamente vinculado à quantidade de monóxido de carbono (leia-se: fumaça) jogada na atmosfera. Desde então, um novo vínculo foi estabelecido – desta feita, com a existência das florestas. Seja para a retirada ou o sequestro de co2 da atmosfera, seja para manter o co2 estocado, a existência de florestas pode significar a salvação, e a falta delas (quando suprimidas pelos desmatamentos e queimadas), a desgraça da humanidade.

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Diante da dimensão que o problema das queimadas assume na Amazônia, e diante da grande contribuição das queimadas para o aquecimento global, o mundo, hoje, exige tolerância zero para com essa prática, sob pena de serem impostas ao país salvaguardas ambientais que podem comprometer, por exemplo, a exportação de grãos de soja – atividade que representa mais de 30% da riqueza nacional. Quanto ao segundo argumento (possibilidade técnica e política), os artigos defendem que existem inovações tecnológicas disponíveis, que podem ser abraçadas pelo produtor (pequeno, médio e grande), de acordo com as suas respectivas condições financeiras, possibilitando-lhe abrir mão da queima. E mais, alega-se que a justificativa comumente usada – vale dizer, a “necessidade de queimar para poder comer” – perdeu a validade ainda na década de 1990, já que não há casos de assentamentos humanos recentes, nos quais os produtores dependam, única e exclusivamente, do desmatamento e da queimada para sobreviver. Reconhecendo o impacto que eventuais medidas de erradicação das queimadas poderiam ter sobre o meio rural, os artigos também enfatizam a necessidade de planejamento público, a fim de que essa erradicação ocorra paulatinamente, até chegar-se à eliminação total da pratica em 2010. Uma expectativa plausível, que, para se concretizar, bastaria que os administradores reconhecessem, em primeiro lugar, que a erradicação das queimadas, mais que uma urgência local, é um imperativo internacional. Em segundo lugar, que, mediante um planejamento eficaz, é possível alcançar essa meta em curto prazo – ou seja, o prazo de um mandato, prazo suficiente para tornar o Acre o primeiro estado da Amazônia a banir a queimada; prazo suficiente para o Acre mostrar à Amazônia e ao mundo o seu tradicional diferencial de sustentabilidade. Mas, por falar em prazo, 2010 é ano que vem.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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I Postado em: 26/7/2009

COM AÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO, O ACRE NÃO QUEIMARÁ EM 2011 A tolerância zero para com as queimadas pode vir a ser imposta por meio de ação ajuizada pelo MP. Uma sentença judicial poderá decidir sobre o que deveria ser assunto de política pública.

A

lvissareira a iniciativa conjunta dos Ministérios Públicos (Federal e Estadual), de ajuizar ação civil pública, a fim de obrigar o estado a adotar medidas voltadas para a erradicação das queimadas em 2011. No entendimento do mp, é possível, já a partir deste ano e mediante o planejamento devido, o estabelecimento paulatino de regras que restrinjam as queimadas, num processo que culminaria, em 2011, com a total erradicação do primitivo método em território estadual. A atuação do mp vem ao encontro do que a campanha “Para o Acre não queimar em 2010”, iniciada por este articulista, defende desde 2005. Ou seja, existe disponibilidade de tecnologia, recursos financeiros e insumos, suficientemente aptos a possibilitar a consolidação de uma produção agropecuária sem o emprego da queima. Faltava, apenas, que as autoridades públicas se empenhassem nisso – o que a ação movida pelo Ministério Público poderá garantir. Em defesa das queimadas, alega-se, primeiro, que haveria certa tradição na prática da queima; depois, que a proibição da técnica poderia acarretar caos social. Essa argumentação (que, por sinal, é a mesma há mais de dez anos) é levantada em defesa do produtor rural, mas, na verdade, endossa a degradação de sua propriedade. A queimada de hoje, desculpada como paliativo para aplacar a fome, seguramente será a maior responsável pela fome que virá no futuro. Independentemente dessa discussão, contudo, o remédio proposto na ação civil pública é mais que eficiente – planejamento. Sob a certeza de que as queimadas não seriam toleradas em 2011, o produtor, os

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governos e as prefeituras teriam tempo suficiente para a adoção de medidas que minimizassem os prejuízos eventualmente suportados. Existe ainda outro argumento a favor das queimadas – mais sólido e sofisticado –, que foi igualmente jogado por terra pelo mp: o direito de queimar. Na ação civil pública, os procuradores defendem que o produtor tem sim, direito a desmatar e a plantar o que melhor lhe convier, mas jamais o direito à queima. Amparado pelo Código Florestal, que proíbe de forma clara o uso do fogo na produção agropecuária na Amazônia, o mp aduz que os órgãos de licenciamento cometeram o equívoco histórico de reconhecer a prática da queimada como um direito do produtor. Por isso, são emitidas licenças para a queima e não meras autorizações. A distância conceitual entre licença e autorização é grande. No caso da licença, a ação do Estado meramente assegura ao produtor, depois de cumpridos os requisitos legais, um direito pré-existente. A autorização, diferentemente, é ato precário, que depende da discricionariedade estatal. Se não existe o direito legal às queimadas – mas, ao contrário, se elas são efetivamente coibidas por lei – jamais poderia ocorrer o licenciamento. Isso quer dizer que o Estado vem cometendo um vício normativo grave, que põe em risco a vida das pessoas. Merece cumprimentos o Ministério Público, cuja atuação poderá reconduzir o Acre para a vanguarda da sustentabilidade – uma vez que seria o único estado da Amazônia a banir as queimadas. Pela via judicial, impõe-se o que deveria ser objeto de políticas públicas.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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I Postado em: 25/10/2009

QUEIMADAS EM RESERVAS EXTRATIVISTAS DA AMAZÔNIA As manifestações dos seringueiros que residem na Reserva Extrativista Chico Mendes, reivindicando o direito de queimar, evidenciam a gravidade do processo de agropecuarização dessas áreas.

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m julho de 2000, o movimento ambientalista nacional tinha motivos para comemorar. O Congresso Nacional, depois de 20 anos de acaloradas discussões, aprovava a lei que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, o Snuc. A partir daquele momento, áreas como parques nacionais e reservas extrativistas passavam a compreender prerrogativas e encargos, sob o amparo legal. Tratava-se de um marco importante para a estruturação de espaços territoriais, nos quais o modelo de ocupação produtiva baseado no desmatamento e nas queimadas, práticas comuns na economia da Amazônia, poderia ser profundamente revisto e, claro, amoldado aos ideais de sustentabilidade. O princípio fundamental é o de que nas unidades de conservação não pode haver o mesmo tipo de produção predatória que ocorre fora delas. Se, como no caso da Amazônia, a principal atividade produtiva regional é a agropecuária, sobretudo criação de gado e cultivo de soja, dentro do perímetro das unidades de conservação essa atividade teria que ser coibida ou restringida ao máximo, admitindo-se apenas as atividades ancoradas na sustentabilidade. Todavia, passados quase dez anos desde a aprovação do Snuc, a conjuntura não é das melhores. Relatórios anuais, antes publicados pelo Ibama e, atualmente, pelo Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (icmbio), órgão responsável pelas unidades de conservação em âmbito federal, dão conta que, em sua maioria, essas áreas se encontram submetidas a uma intensa pressão antrópica, com índices de desflorestamento bem superiores aos permitidos.

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As dificuldades para a consolidação das unidades de conservação são inúmeras e vão do despreparo dos profissionais que assumem a chefia das áreas à completa ausência de prioridade por parte do poder público. Sem embargo, uma avaliação superficial indica a existência de pelo menos duas causas principais para a situação diagnosticada nos relatórios oficiais: ausência do competente plano de manejo (pressuposto estabelecido expressamente pelo Snuc); e deficiência de gerenciamento, tanto em âmbito federal (icmbio) quanto estadual (secretarias estaduais de meio ambiente) e municipal (secretarias municipais de meio ambiente). A fim de solucionar parte do problema, o Ministério do Meio Ambiente deu início a um amplo programa de contratação de profissionais e empresas para a elaboração de mais de 40 planos de manejo – a maior parte direcionada para a Amazônia. Espera-se que nos próximos dois anos todas as unidades de conservação da região estejam com seus respectivos planos de manejo em execução. Mas, enquanto não se consegue superar os entraves, os produtores reagem à sua maneira. O caso das reservas extrativistas do Acre é sintomático. Se, antes, os produtores eram aliados na defesa da criação dessas unidades de conservação, hoje já não são mais. Recentemente, uma manifestação dos produtores que residem na Reserva Extrativista Chico Mendes, no Acre, que alcança porções territoriais dos municípios de Brasileia, Assis Brasil e Xapuri, tomou as ruas e interrompeu o trânsito na área urbana de Brasileia. Ao invés de exigir apoio para a atividade florestal, na condição de alternativa à produção baseada nos desmatamentos e queimadas, a reivindicação – pasme-se! – era pelo direito de realizar queimadas na área da reserva. Ou seja, os produtores não só não condenam essas práticas predatórias que ocorrem fora das reservas, como se arvoram no direito de realizá-las, contrariando frontalmente as disposições do Snuc e os princípios que norteiam a instalação das unidades de conservação. Alguém precisa lembrar que existe o Snuc. Ainda bem. É nele que se depositam as esperanças para a sustentabilidade das unidades de conservação da Amazônia.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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I Postado em: 3/9/2010

AGOSTO CINZA NA AMAZÔNIA Castigadas pela fumaça, as capitais da Amazônia se viram às voltas com fechamento de aeroportos e congestionamento de hospitais ainda em agosto. Como se chegou a esse ponto e o que fazer para reverter esse caos são as perguntas a serem feitas.

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odo produtor sabe que a época boa para a queima é setembro; tem até semana certa, a primeira, que é a indicada para queimar o solo, esteja ele coberto por capim, grãos ou restos de desmatamento. Mas alguma coisa mudou, e para quem gosta de comparações, esse deve ter sido, sob o ponto de vista das condições climáticas, o pior agosto da história da Amazônia. A fumaça tomou conta das capitais, fechando aeroportos e levando crianças, adultos e idosos aos congestionados hospitais locais. O exame das causas dessa mudança deveria motivar os técnicos que estudam o clima e as implicações nefastas das queimadas; afinal, entendendo-se as causas é que se poderão reverter os efeitos. Todavia, geralmente as atenções se voltam não para as causas das queimadas, mas, sim, para saber se os incêndios são criminosos ou não, ou se a fumaça é produzida aqui ou acolá. Um primeiro e importante passo para a compreensão de todas as variáveis que fizeram de agosto um mês cinza diz respeito ao reconhecimento, por parte das autoridades e da sociedade em geral, quanto à condição de catástrofe que o grande volume de fumaça presente no céu da Amazônia alcança. Vale dizer, tratando-se de uma catástrofe, as medidas de controle e de mitigação de danos devem ser emergenciais. Há fumaça, em função da primitiva prática (que já há muito deveria ter sido abolida) da queimada; não há dúvidas quanto a isso. Todavia, há fumaça também devido aos recentes incêndios florestais. É importante que esses dois problemas (queimadas e incêndios florestais) sejam abordados separadamente, uma vez que cada um possui dinâmica própria. Assumir-se a tolerância zero em relação às queima-

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das, proibindo-se essa prática em qualquer situação, é uma medida possível de ser efetivada, diante dos níveis de tecnologia e de recursos financeiros hoje presentes na Amazônia. Já os incêndios florestais são mais recentes e também mais perigosos. Se, antes, floresta em pé não pegava fogo, ao que parece, a situação mudou, e sempre que acontece um incêndio, a tragédia é visível. Todavia, enveredar pelo caminho das sindicâncias, para apurar se o incêndio começou com um fósforo, uma ponta de cigarro, um espelho ou um pedaço de latinha de alumínio, não parece ser o mais sensato. A fumaça tomou o céu da Amazônia, ainda em agosto, comprometendo a saúde das pessoas, trazendo prejuízos econômicos que precisam ser calculados e destruindo o ecossistema florestal, a mais importante riqueza estratégica da região. Isso é um fato, está acontecendo à vista de todos. O clima está cada vez mais seco; a temperatura, alta; e a umidade relativa, cada vez mais baixa – uma combinação explosiva para uma região que possui excesso de matéria orgânica, e na qual as florestas ainda ocupam a maior parte do território. Dessa forma, as perguntas que realmente importam, que dizem respeito às causas e às soluções para o problema são: (a) Quais as razões que levam o clima a ficar tão propício ao fogo? (b) O que é possível alterar na forma de produzir no meio rural, para que a umidade não fique tão baixa? (c) O investimento em piscicultura, mediante a construção de milhares de pequenos açudes, ajudaria a resolver o problema, como foi feito quando Roraima incendiou? (d) Deve-se ampliar a área de mata ciliar, a fim de manter mais águas nos rios? Perguntas que precisam ser discutidas e respondidas sem ranço ideológico, mesmo em pleno período eleitoral, circunstância que costuma impregnar tudo e todos.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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I Postado em: 24/7/2011

EM 2012, O ACRE VAI BANIR AS QUEIMADAS Tudo indica que desta vez é sério: em 2012, o Acre vai tornar toda queimada ilegal, sem exceção. Por meio de importante iniciativa do mp estadual, não haverá mais licenciamento para a danosa prática.

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urante 2011 (declarado pela onu o Ano Internacional das Florestas), não será admitida a prática das queimadas na porção territorial do Acre onde existem mais florestas – os vales dos rios Purus e Juruá. Mas, já em 2012, a queimada não será tolerada em nenhum quinhão das terras do estado. Fruto de um inédito acordo entre o governo estadual e o Ministério Público, a tolerância zero para com a queimada traduz o banimento da rudimentar técnica agrícola e é, possivelmente, o passo mais importante que o povo do Acre dá em direção à sustentabilidade da ocupação produtiva da região. O instrumento de ajustamento de conduta firmado pelo governo estadual impede o licenciamento das queimadas sob qualquer hipótese – ainda que justificado, como costuma ocorrer, pelo antigo argumento da “agricultura familiar” e da “subsistência”. Dessa forma, torna ilegal a prática, pondo na ilicitude os queimadores contumazes, independentemente da escala em que exerçam a atividade agrícola. Ocorre que, sob o argumento inconsistente de que o pequeno produtor precisa queimar para não morrer de fome, foi engendrada uma série de franquias normativas para flexibilizar as regras e liberar as queimadas em âmbito estadual. Chegou-se ao mais alto grau de insensatez ao se reconhecer a posse de produtor rural em área de reserva legal, a fim de que – e eis aí o absurdo – o produtor pudesse licenciar o desmatamento e a queimada da reserva legal, sem que com isso cometesse um crime ambiental. Esse

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entendimento leviano (para dizer o mínimo) chegou a ser convalidado no Conselho Estadual de Meio Ambiente – e, então, o que era insensato foi alçado à categoria de aberração normativa. Nem é preciso mencionar os incalculáveis prejuízos econômicos, sociais e ambientais causados pelos efeitos da prática infausta – da qual derivam, ademais, os perigosos e incontroláveis incêndios florestais. Isso sem falar nos custos públicos envolvidos no licenciamento e monitoramento do primitivo método. Em relação aos recursos hídricos, a situação é ainda mais lamentável, e o risco de aparte do rio Acre é a mais contundente comprovação disso. Que não se tenha dúvida: a prática da queimada está na raiz das principais degradações ambientais que ocorrem em território estadual. Desde 2005, este articulista vem publicando uma série de artigos no Jornal A Tribuna, como parte de uma campanha denominada “Para o Acre não Queimar em 2010”, voltada justamente para promover o que a excepcional medida irá tornar realidade – pôr na ilegalidade toda e qualquer queimada praticada no estado. Alcançar essa meta não é tarefa fácil, e o fato de atingi-la representa, sem dúvida, um marco para a civilização amazônida. Por isso, a iniciativa do Ministério Público deve ser firmemente apoiada pela sociedade. Na hora em que a choradeira começar, não faltarão os indefectíveis defensores dos “fracos e oprimidos”, para gritar contra a acertada resolução e ressuscitar o jargão da fome, achando que sua oposição lhes irá granjear apoio popular (leia-se: votos). A esses desavisados (que não são poucos), é importante advertir, todavia, que a Embrapa, nossa mais importante empresa de pesquisa agropecuária, já desenvolveu tecnologia apta a possibilitar a produção de qualquer coisa – veja bem, qualquer coisa! –, sem que haja necessidade de apelar para a queima. Vale dizer, a fome na área rural – se é que, no caso do Acre, ainda ocorre – diz respeito a um processo histórico de empobrecimento do pequeno produtor, cuja solução passa por bem longe da defesa da anacrônica prática. O banimento da queimada, por outro lado, assinala o começo de uma nova economia, que trará muito mais riqueza para o Acre que a produção de fumaça.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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epois que o produtor desmata, ele queima o mato derrubado e seco. Existe uma forte associação entre o desmatamento e a queimada, embora seja possível evitá-los em separado. No caso do desmatamento, porém, há uma significativa peculiaridade a ser considerada, uma vez que essa prática chegou ao seu limite legal. Significa dizer que, em regiões como o denominado Arco do Desmatamento, por exemplo, desde a década de 1990 vem sendo extrapolado o limite permitido pela legislação, de desmate de 20% da propriedade privada. O fim do desmatamento legalizado traz uma nova realidade para a Amazônia: suplantado o limiar legal, todo o desmatamento realizado na região passa a ser ilegal. Se o direito do produtor ao desmate é reconhecido (em relação à porção da sua propriedade prevista em lei), o exaurimento dos 20% permitidos põe o produtor na marginalidade, ou seja, à margem da lei. Dessa forma, o planejamento da fiscalização, no sentido de torná-la mais eficaz, fica mais simples, uma vez que não haverá exceções. O combate ao desmatamento, sobretudo depois que esse procedimento foi cientificamente vinculado à quantidade de carbono (co2) jogada na atmosfera, passou a ser efetuado com mais intensidade no âmbito internacional. O co2, como se sabe, é considerado o principal gás causador do efeito estufa, que, por sua vez, provoca as mudanças climáticas e o consequente aquecimento do planeta. Ao contribuir em mais de 70% de todo o carbono produzido no Brasil, o desmatamento, em especial na Amazônia, está a um passo da tolerância zero. Alguns ainda insistem no argumento tacanho de que, se o mundo desmatou, o produtor amazônida também teria o mesmo direito. Um triste equívoco, uma vez que o mundo estará, em breve, via Protocolo de Kyoto, disposto a pagar pelo serviço que as florestas prestam para conservar a biodiversidade, produzir água e retirar carbono da atmosfera. Mas, esses serviços, ditos ambientais, dependem de recursos humanos e financeiros para serem consumados.


II Postado em: 11/11/2007

UM PACTO PARA A AMAZÔNIA NÃO DESMATAR EM 2015 Na ausência de iniciativas oficiais, um grupo de organizações da sociedade civil articula um contrato social, na forma de um pacto, para que não ocorra desmatamento na Amazônia em 2015.

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or iniciativa de um grupo seleto de organizações não governamentais com atuação nacional e internacional, os governadores dos nove estados amazônicos foram instados a assinar, na última semana em Brasília, o que foi denominado de “Pacto pelo Desmatamento e pela Valorização da Floresta na Amazônia”. Uma iniciativa valiosa e que merece aplausos de todos os setores que se preocupam com o futuro da maior floresta tropical do planeta, bem como com o futuro do próprio planeta. A assinatura de um instrumento de tamanha importância merece análise acurada. Dois aspectos chamam a atenção prontamente. O primeiro deles diz respeito à constatação de que a ideia do pacto, sua articulação e monitoramento pós-assinatura ocorrem no âmbito da sociedade civil. Ou seja, parte da sociedade civil, reunida em organizações não governamentais, engendrou a celebração de um contrato social, na forma de um pacto, para deliberar sobre um problema que, historicamente, o Estado brasileiro – tanto em esfera federal quanto local – tem se mostrado incapaz de solucionar. Sinal dos tempos. Nada como a própria sociedade chamar para si a responsabilidade pela solução de mazelas sociais – e o desmatamento é, sem dúvida, uma das piores. Sob o monitoramento da sociedade, o pacto pode e deve tornar-se política de Estado, indo além dos mandatos de governo. Basta dizer que o prazo nele estabelecido para zerar o desmatamento na Amazônia é 2015, depois, portanto, dos dois próximos mandatos presidenciais.

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O segundo aspecto remete às razões que levaram todos os governos da região, inclusive os opositores ferrenhos à existência de empecilhos ambientais para a consolidação do agronegócio (como é o caso de Mato Grosso e Tocantins), a aquiescerem com os termos do contrato social. Certamente, a principal dessas razões se refere ao fato de que os formuladores do pacto conceberam instrumentos que introduzem um elemento importante para motivar a adesão: recursos financeiros. O pacto prevê a criação de um fundo financeiro para pagar pelo não desmatamento, ou – dizendo de outra forma – para que o produtor abra mão do direito, que infelizmente ele detém, de desmatar. Ora, sob a possibilidade concreta de obtenção de recursos (tanto em reais quanto em dólares, via Protocolo de Kyoto) em função do desmatamento não realizado, os governos estaduais, mediante simples aritmética, calcularam que a adesão ao pacto levaria ao aumento, e não à redução de suas receitas. Outra provável razão que motivou a assinatura do pacto é que, no fundo, existe nos governos locais um sentimento geral de impotência em relação ao problema desmatamento. Diante da proximidade desses governos com os empreendimentos realizados na região, além, é claro, da constante e interminável pressão eleitoral que acontece a cada dois anos, as autoridades desanimam, deixando que o tempo (que já não há) se encarregue de uma solução para o problema. Ou seja, a peleja em torno do desmatamento na Amazônia é tamanha, que é melhor e mais cômodo travá-la em Brasília, ou mesmo em outros países, do que na própria região.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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II Postado em: 26/10/2008

SUSTO COM O ÓBVIO: INCRA DESMATA Não é novidade que os assentamento geridos pelo Incra contribuem para as taxas de desmatamento na Amazônia. Por que o susto com o fato de o órgão figurar na lista dos maiores desmatadores?

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a lista recentemente divulgada pelo Ibama, que arrolou os cem maiores responsáveis pelo desmatamento na Amazônia, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) ocupa lugar destacado. Até aí, nada de novo – todos os envolvidos com o tema na região sabem que os projetos de colonização conduzidos pelo Incra são campeões de desmate. No entanto, a divulgação da lista causou uma crise política entre as pastas de Desenvolvimento Agrário e do Meio Ambiente. Sob “puxões de orelha” de todos os lados, autoridades ministeriais se apressaram em contestar o óbvio. Na área ambiental, as justificativas confrontaram os procedimentos adotados pelo Ibama. Argumentou-se, primeiro, que a confecção da lista se iniciara em janeiro deste ano, ou seja, antes da mudança ocorrida no comando da área ambiental; e, ainda, que como o trabalho da equipe técnica se desenvolvera às pressas, o produto final teria que ser revisto. De uma cajadada, dois coelhos saíram mortos: a credibilidade da área ambiental e a competência da gestão anterior do Ministério do Meio Ambiente. Para completar, os antigos gestores refutaram as justificativas apresentadas, negando que tenha ocorrido falta de controle sobre o trabalho realizado e mesmo a existência de uma equipe específica para a elaboração da lista. De outra banda, o pessoal ligado ao desenvolvimento agrário, tanto oriundo do Ministério quanto do Incra, esforçou-se para contestar os dados divulgados e, o que é pior, negar a contribuição dos projetos de colonização para a manutenção das taxas de desmatamento e queimada; ou seja, negou-se o óbvio. 46

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Faltou atitude para assumir que os projetos de colonização para a reforma agrária, sob responsabilidade do Incra ou já repassados aos estados e às prefeituras, são os maiores responsáveis pelos desmatamentos da Amazônia. Faltou atitude para dizer que o Incra conseguiu cumprir a sua missão, que era ocupar e manter a ocupação produtiva na Amazônia – uma região imensa e com grandes dificuldades de logística. A tarefa de transferir contingentes populacionais do Centro-Sul para a Amazônia, criando condições para que se produza, é hercúlea, exigindo esforços incalculáveis. E o Incra obteve êxito, sendo um dos maiores órgãos de colonização da América Latina. Ora, as preocupações ambientais sequer existiam à época do grande esforço colonizador. Há de se convir, ademais, que colonização não combina com proteção ambiental. A colonização é um empreendimento de natureza essencialmente destruidora. O colono beneficiado tem a obrigação contratual de trabalhar para pagar o que a sociedade gastou para assentá-lo, realizando o que se espera dele, que é a produção agropecuária. Para tanto, ele terá que desmatar, sempre e repetidas vezes. Enfim, ao Incra não compete atuar sob preocupação ambiental. O nó da questão, na verdade, está na estratégia empregada para a ocupação da Amazônia – que considera a destruição da floresta como fator de ampliação do Valor da Terra Nua, o famigerado vtn, que é o índice empregado para a remuneração das desapropriações levadas a cabo pelo órgão, e que macula a história econômica da região. Todavia, se as florestas, na Amazônia, diante do aquecimento global, são mais importantes que a colonização, é chegada a hora de descolonizar o colonizado.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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II Postado em: 19/4/2009

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE AMPLIA ÁREA DE PECUÁRIA NA AMAZÔNIA O Ministério do Meio Ambiente, que deveria ser o guardião da legislação ambiental, posicionou-se favoravelmente à redução das áreas de reserva legal ao longo da BR-163 e da Transamazônica, no Pará.

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ob a bizarra justificativa de que para fazer cumprir a lei é preciso anistiar os ilegais, o Ministério do Meio Ambiente (mma) defendeu a redução das áreas de reserva legal ao longo da BR-163 e da Transamazônica, nos trechos que cortam o estado do Pará. O inusitado ocorreu em reunião da Comissão Nacional do Zoneamento Ecológico-Econômico, na qual, ao emitir parecer acerca de solicitação oriunda do governo do Pará, o mma condescendeu que, uma vez concluído o zee levado a cabo no perímetro das duas brs, o estado poderá reduzir as áreas de reserva legal das propriedades rurais localizadas naquela região. Com a medida, a reserva legal, que nos termos da legislação vigente equivale a 80% da área total das propriedades rurais na Amazônia, foi reduzida para 50%. Os pecuaristas ganharam, portanto, mais 30% dos 30 milhões de hectares que englobam todo o perímetro abrangido pela duvidosa liberalidade, o que significa cerca de nove milhões de hectares. Para entender melhor: a legislação em vigor estabelece que todas as propriedades rurais na Amazônia devem manter 80% de sua área total sob a forma de reserva legal – uma porção de terra na qual só poderia ocorrer o aproveitamento florestal. Foi um meio que os legisladores encontraram para obrigar os proprietários rurais a realizar a atividade florestal, diversificando sua produção agropecuária. Mas os pecuaristas sempre consideraram a reserva legal como área improdutiva, não diferenciando a prática do manejo florestal, que é per-

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mitida nessas áreas, da ociosidade produtiva. Sob a ótica ainda predominante no meio rural amazônico, produzir é sinônimo de desmatamento – resquício dos tempos primitivos, que em breve deve ser superado. Por essa razão, os produtores brigam pela ampliação da área passível de desmatamento. Na verdade, em face da omissão estatal, a maioria dos produtores (inclusive os pequenos e médios) já desmatou, por conta própria, bem mais do que o permitido. Em geral, o que ocorre é a inversão da prescrição legal; ou seja, 80% da área das propriedades estão desmatados, e apenas 20% são mantidos com florestas. É aí que entra o absurdo raciocínio do mma. Uma vez que o Estado não consegue fazer cumprir a lei, obrigando os produtores a manter 80% de suas respectivas propriedades sob cobertura florestal, o órgão entende que o melhor a fazer é aceitar a redução da área de reserva legal, pois, aí sim, seria mais fácil exigir a observância da legislação. Por esse raciocínio equivocado, trazem-se os infratores (que se encontram à margem da lei) para mais próximo do que se pode chamar de “legalidade flexível” – já que a exigência de 50% de florestas estaria mais perto dos 20% de floresta que eles ainda mantêm. Vale dizer, é mais cômodo convencer os infratores a reflorestar 30% de sua propriedade (para chegar aos 50%), do que obrigá-los a repor os 60% já desmatados ilegalmente. Diga-se que essa lógica defeituosa, desprovida de bom senso, não é monopólio do mma. Sob o ponto de vista dos estados da Amazônia, a medida é oportuna; afinal, os prefeitos e governadores precisam agradar a esse importante setor social representado pelos pecuaristas. Todos os estados amazônicos que concluem o seu respectivo zoneamento ecológico-econômico reduzem a área de reserva legal com o apoio do mma. Os pecuaristas já ganharam terras no próprio estado do Pará, em Rondônia, no Acre e no Amapá, sempre sob a chancela inconteste do Ministério do Meio Ambiente; e tudo indica que ainda ganharão muito mais.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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II Postado em 13/12/2009

FIM DO DESMATAMENTO LEGAL DERRUBA TAXA No período de julho/2008 a agosto/2009, foram destruídos na Amazônia em torno de 7.000 km² – a menor taxa já observada desde 1988, quando o desmatamento começou a ser medido.

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omemora-se, com certa dose de razão, a nova taxa de desmatamento divulgada pelo Instituto de Pesquisas Espaciais – Inpe. No período compreendido entre julho de 2008 e agosto de 2009, um total de 7.008 km2 de florestas foi destruído em toda a região amazônica. Não que seja pouco – muito pelo contrário –, mas representa metade do que foi medido no período anterior (2007-2008), quando foi desmatado o equivalente a 14.000 km2. Mais do que isso: trata-se da menor taxa observada desde que a aferição começou a ser feita, há 21 anos. É um avanço, sem dúvida, mas a euforia deveria ser mais contida. Primeiro, porque, a despeito de o desmatamento ter diminuído, a destruição ainda ocorre sob uma intensidade intolerável; afinal de contas, 7.008 km2 compreendem uma área maior do que a de muitos países europeus. Além do mais, na atualidade – sobretudo diante de uma reunião decisiva sobre o clima como a que está sendo realizada em Copenhague –, o que se discute é o tempo que será necessário para zerar o desmatamento. Por outro lado, devem ser analisadas com mais rigor as razões pelas quais ocorreu a diminuição da indigitada taxa. Dirigentes públicos se apressam em creditar a redução do desmatamento à fiscalização e às ações de governo – que, segundo alegam, foram intensificadas e, por isso, têm coibido com mais eficiência a supressão das florestas. Argumento difícil de comprovar, uma vez que no período em questão não houve alterações significativas no aparato público. Não ocorreu contratação extraordinária de fiscais, tampouco aquisição

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expressiva de equipamentos de repressão; ademais, não deixaram de acontecer os contingenciamentos orçamentários anualmente suportados pela área ambiental. Outra justificativa para a minoração da taxa remete à crise financeira atual (argumento que, aliás, tem servido para explicar qualquer coisa). Por tal raciocínio, facilmente se vincula o calote imobiliário americano ao custo das operações de desmatamento na Amazônia. Tanto a fiscalização quanto a crise podem, realmente, ter tido sua parcela de contribuição para a redução do desmatamento; todavia, há um dado muito importante a ser considerado – o fim do desmatamento legal. Ocorre que nas regiões de maior concentração do desmatamento, na absoluta maioria das vezes, já foi extrapolado o limite de 20% de desmate permitido por lei nas propriedades privadas. Isso significa que todo o desmatamento ali realizado passou a ser ilegal. Uma análise grosseira do percentual de redução obtido em cada estado da Amazônia corrobora essa tese. A maior redução ocorreu no Mato Grosso, onde a taxa de desmatamento despencou em 65%; depois vem Rondônia, onde a queda foi de 50%; Pará, 35%; Amazonas, 30%; Maranhão, 20%; e por último, Acre, onde a taxa caiu apenas 18%. A maior redução ocorreu no Mato Grosso, que anualmente disputa com o Pará a condição de maior destruidor de florestas; e a menor ocorreu no Acre, que costuma ostentar o título de estado que menos desmata. Ou seja, proporcionalmente, o Acre foi o estado que mais desmatou. A única explicação para isso é a oferta de terras para o desmatamento legal. Recentemente, mediante a aprovação da lei que instituiu o zoneamento ecológico-econômico realizado no estado, a pecuária recebeu um ativo de mais de três milhões de hectares de novas áreas para desmatar, resultado da redução de 80% para 50% da área de reserva legal mantida nas propriedades privadas. A julgar pelo que demonstram os indicadores ambientais, o efeito perverso dessa medida ainda está longe de acabar.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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II Postado em 29/5/2011

UM PUNHADO DE FLORESTAS A MENOS Nas votações sobre o novo código florestal, mais de 400 deputados votaram a favor dos pecuaristas, e menos de 70 parlamentares ficaram do lado do setor florestal, dos cientistas e dos ambientalistas.

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ob preocupante vantagem de mais de 300 votos a favor, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de novo código florestal – a legislação que trata das florestas brasileiras. Na votação, mais de 400 parlamentares ficaram do lado dos pecuaristas (vinculados à Confederação Nacional da Agricultura), e menos de 70 ficaram do lado do setor florestal e dos ambientalistas. Ao deturpar o conceito de reserva legal e extinguir a mata ciliar dos rios, o projeto aprovado possibilita a redução expressiva da cobertura florestal presente em território nacional e, o mais grave, restringe o setor florestal a alguns produtos, como madeira e celulose. As áreas de reserva legal foram convertidas em empecilho para a produção rural (aquele tipo de produção, esclareça-se, que não admite a existência de florestas). Não obstante, a natureza dessas áreas é essencialmente econômica, já que elas se destinam a diversificar a produção, agregar valor e reduzir os riscos de perdas nas safras baseadas em monoculturas. A porção de floresta garantida pela reserva legal tem função produtiva, na medida em que pode ser manejada com vistas à extração de madeira e à produção de carne e derivados de animais silvestres. Em breve, haverá a possibilidade de acesso aos modernos mecanismos de ressarcimento pelos serviços ambientais prestados pelas florestas. Mas tudo isso pode acabar, virar passado, já que, nos termos da legislação aprovada pelos deputados, não há mais que se falar em florestas conservadas nas propriedades rurais da Amazônia. Sem embargo, essa nem é a pior notícia.

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O efeito mais perverso da nova lei diz respeito aos recursos hídricos: ao se abolir (pois, a despeito de toda a maquiagem, é isso o que se pretende) a exigência de mata ciliar, põe-se em risco o abastecimento d’água em áreas urbanas. A finalidade da mata ciliar é a conservação da água presente nos rios e igarapés. Sem a proteção conferida por essa faixa de vegetação, a consequência é inequívoca – água mais cara para pagar a inevitável canalização dos rios. Canalizar significa preencher o leito do rio com concreto armado, a fim de que a vazão seja mantida, evitando-se excesso de turbidez e assoreamento, que decorrem, por sua vez, do solo arrastado para o rio, ante a ausência da mata ciliar. A nova legislação, por fim, também confere anistia aos inadimplentes. A medida, inconcebível para um capitalismo que aspira a se consolidar como a quinta economia mundial, institucionaliza a impunidade. A lição a ser extraída é que quem cumpre a lei são apenas os tolos (os “abestados”, como se costuma dizer na Amazônia), já que as leis são mesmo feitas para ser descumpridas – no final das contas, os transgressores são recompensados. Ainda há esperanças, todavia. O projeto será encaminhado para votação no Senado, onde as discussões costumam ocorrer num patamar mais elevado, atentando para parâmetros científicos e estratégia de país. Como os senadores representam os interesses dos 27 estados brasileiros, o que se espera é que sejam movidos por outros ideais, que não meros interesses eleitoreiros. Em que pese o desânimo generalizado em face da grande diferença de votos, os senadores precisam demonstrar coerência e acuidade, e o melhor começo é dar ouvidos aos cientistas. A Ciência vem alertando de forma veemente quanto aos perigosos equívocos que permeiam o projeto de lei consagrado pelos deputados federais. O argumento da segurança jurídica, tanto usado pelos parlamentares para a destruição das florestas, não tem cabimento. A segurança jurídica diz respeito à titulação das terras – questão que já vem sendo enfrentada pelo programa “Terra Legal”. O que deve ser motivo de reflexão é o paradoxal legado já de pronto originado pela nova legislação florestal – um (enorme) punhado de florestas a menos.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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II Postado em 28/8/2011

SOBRE PALMA, DENDÊ, BIODIESEL E DESMATAMENTO Não adianta buscar alternativas para a soja, se a produção de biocombustíveis na Amazônia significar pressão por desmatamento.

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e vez em quando surgem ideias de cultivos para a redenção da produção rural na Amazônia. Essas ideias sempre partem da constatação de que a atual produção rural amazônida está sujeita a um contexto de primitivismo tecnológico, baixa produtividade e elevado impacto ambiental. E que esse contexto pode ser alterado. Como para todo problema complexo sempre existe uma resposta fácil, simples, rápida – e errada –, a solução imediata de introduzir uma nova cultura surge como a salvação da lavoura (com o perdão do trocadilho). Desse modo, muitas espécies entraram e saíram do rol das culturas que superariam o tripé da conjuntura rural amazônica. O cacau, a borracha, a pupunha, a pimenta-longa – todas essas espécies, em algum momento, tornaram-se a aposta da vez. Mais recentemente, as atenções se voltaram para as espécies de ciclo médio ou longo que possam originar óleo vegetal. É consenso que o óleo vegetal mais vantajoso é o proveniente da soja. Por apresentar custos de produção reduzidos e elevada produtividade, a soja leva vantagem sobre as demais espécies que podem ser usadas na produção de biocombustíveis. Os biocombustíveis se tornaram tema da moda porque o mundo compreendeu duas questões em relação ao petróleo. Primeiro, que esse combustível tem os dias contados. Os especialistas acreditam que a curva de decadência da oferta mundial de petróleo, mesmo com os novos poços brasileiros, se inicia por volta de 2050. Segundo, que o petróleo é o maior responsável pelo aquecimento global, gerando as mudanças climáticas que, por sua vez, põem em risco a vida no planeta.

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A substituição das fontes de combustíveis – do petróleo para os óleos vegetais, que são renováveis – vem sendo apontada como medida importante para se reverter o quadro da crise ecológica mundial. E é aí que entra a produção rural amazônica e o seu insuperável tripé. A cultura da vez terá que integrar a cadeia produtiva dos biocombustíveis, cujo consumo deverá crescer exponencialmente no mundo. A despeito de suas vantagens, a soja, ao lado do capim, é a cultura mais execrada pelos ambientalistas – as duas espécies lideram a lista dos principais responsáveis pelas taxas de desmatamento que persistem na Amazônia. Assim, para escapar da soja, as opções são o óleo de dendê ou o óleo de palma, espécies de palmeiras exóticas de ciclo médio (o plantio precisa ser renovado depois de certo período), que não sofrem o preconceito enfrentado por sua concorrente direta. Todavia, existem duas perigosas armadilhas – que os defensores dessas novas culturas preferem não enxergar. Em primeiro lugar, tudo indica que é remota a possibilidade de o plantio dessas palmeiras resolver o problema da agricultura familiar. É que óleo vegetal, petróleo, minérios e soja são commodities, mercadorias produzidas em larga escala, cujo preço é estabelecido em mercados futuros, em âmbito mundial. Não é empreendimento para pequenos, enfim. Já a segunda armadilha é mais complexa de entender e suas consequências podem ser mais nefastas para a Amazônia. Acontece que todas as vezes que uma espécie domesticada adquirir um valor que torne a sua produção muito atrativa, essa espécie, primeiro, ocupará os pastos; depois, tomará as florestas. Foi o que aconteceu com a soja.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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legislação brasileira impõe ao produtor rural a obrigatoriedade de destinar parte de sua propriedade para o uso florestal. Trata-se do que se convencionou chamar de reserva legal. A despeito dessa determinação, contudo, a manutenção da reserva legal sempre foi encarada com certo grau de indiferença pelo produtor. No âmbito da Amazônia, num primeiro momento, a legislação obrigou o proprietário a manter 50% da área de sua propriedade sob cobertura florestal; no final de década de 1990, esse percentual foi elevado para 80%. Como a maior parte dos produtores já não mantinha nem mesmo aqueles 50%, quando a reserva legal passou para 80% da propriedade, poucos reclamaram. A grita geral teve início no momento em que a infringência a essa regra passou a impedir o acesso aos recursos do crédito agropecuário. As reclamações contra os 80% de reserva legal são unânimes e vão do agricultor familiar à grande propriedade pecuarista: todos, sem exceção, consideram que 80% é muito e tentam voltar aos 50% ou, simplesmente, acabar com a obrigação. Por outro lado, um movimento ambientalista cada vez mais expressivo reivindica a manutenção dos 80%. Todavia, tanto do lado dos ambientalistas quanto dos pecuaristas, persiste um elevado grau de desinformação. Ambientalistas e produtores acreditam que a reserva legal é destinada à preservação da floresta; vale dizer, predomina o entendimento de que não seria possível intervir nessas áreas – o que é um grande equívoco. A reserva legal foi instituída a fim de que a opção econômica baseada na floresta integrasse o ciclo produtivo da propriedade, gerando renda para o produtor. As porções florestais que compõem a reserva legal não podem ser desmatadas; contudo, podem ser manejadas, para a comercialização de madeira, animais silvestres e outros produtos florestais. O manejo florestal de uso múltiplo pode e deve ser praticado na área de reserva legal, no escopo de auferir renda com a oferta de produtos florestais e, assim, ampliar a importância da floresta na função econômica da propriedade.


III Postado em 12/7/2009

SERVIDÃO FLORESTAL PODE RESOLVER IMPASSE DA RESERVA LEGAL A servidão florestal é uma saída para resolver-se o impasse que se tornou a manutenção das áreas de reserva legal e poderá levar ao estabelecimento de um mercado de áreas florestais manejadas.

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m 1965, em pleno regime militar, foi instituído o Código Florestal, um ordenamento jurídico voltado para organizar a produção florestal em território nacional. O Código tinha como principal referência o planejamento da produção florestal, sobretudo daquela vinculada à exportação de papel e celulose. Deu-se especial atenção à regulação da produção de madeira direcionada para o abastecimento da indústria de papel, bem como ao apoio público a essa produção, uma vez que o Brasil desejava alcançar autonomia na oferta dos produtos inseridos nesse segmento da economia. Mas, atentos às peculiaridades do processo de ocupação da Amazônia, os legisladores tiveram o cuidado de estabelecer princípios a serem seguidos, a fim de que não ocorresse a conversão das áreas florestais nativas. Dessa forma, instituiu-se a obrigatoriedade de manutenção da reserva legal, uma porção da propriedade privada na qual o proprietário não poderia realizar plantios. Ou seja, em cada propriedade privada na Amazônia, uma parte dela, equivalente a 50% ou 80% da área total, deveria ser mantida sob cobertura florestal nativa, cujo aproveitamento só poderia se dar mediante o manejo florestal. Esperava-se que a atividade florestal realizada na reserva legal competisse com a atividade agropecuária realizada na área desmatada da propriedade. Todavia, passados quase 40 anos da aprovação do Código Florestal de 1965, um grande número de ativistas ambientais, inclusive vinculados ao próprio governo, defendem a premissa de que as florestas pre-

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sentes nas áreas de reserva legal devem permanecer intocáveis; isto é, não podem ser aproveitadas sob nenhuma hipótese. Para entender melhor: a reserva legal, juntamente com as terras indígenas, as áreas de preservação permanente e as unidades de conservação, compõe o circuito nacional das áreas naturais protegidas. Trata-se de um enorme espaço territorial, no qual a única atividade produtiva possível é a oferta de produtos da floresta sob a tecnologia do manejo florestal de uso múltiplo. A despeito disso, o tradicional ciclo produtivo da propriedade sempre se limitou às áreas efetivamente desmatadas, onde a agropecuária é instalada. Ao invés de integrar o planejamento produtivo da propriedade, a reserva legal acabou por se tornar ociosa para a produção rural. A obrigatoriedade de sua manutenção, desse modo, passou a ser encarada cada vez mais como uma mera exigência normativa. Vale dizer, como vigora ideia de que produzir é sinônimo de desmatamento, a porção florestal compulsoriamente mantida nas propriedades foi considerada intocável. E essa condição vem sendo defendida por muitos ambientalistas, que confundem conservacionismo com preservacionismo. Nos locais onde se observa elevada demanda por áreas para cultivo, a ociosidade da reserva legal se transformou num verdadeiro entrave para a produção rural. Por outro lado, nas regiões onde a agropecuária ainda é incipiente e a demanda por terras não é expressiva, a área destinada à reserva legal costuma ser bem maior do que a exigida pelas normas vigentes. A solução para o impasse pode estar na chamada servidão florestal. Por este instituto, quem dispõe de uma área de floresta maior pode ceder parte dela, a custos negociados no mercado, para os que precisam de mais quantidade de terra para a pecuária. A servidão florestal permite que o produtor que desmatou ilegalmente negocie, de forma legítima, a possibilidade de voltar para a legalidade. O futuro pode estar aí.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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III Postado em 6/12/2009

CÓDIGO FLORESTAL: RESERVA LEGAL NÃO É ÁREA IMPRODUTIVA Diante da confusão conceitual que se faz em relação aos objetivos da reserva legal, o Código Florestal, referência maior da legislação florestal, em vigor há 40 anos, poderá ser alterado de forma perigosa.

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uma queda de braço com a bancada ruralista do Congresso envolvendo uma proposta de alteração do Código Florestal, o Ministério do Meio Ambiente, mais uma vez, optou por ceder, ao invés de enfrentar a discussão sob o conteúdo técnico que ela requer. O que ocorre é que aos ruralistas interessa resolver o problema gerado com a cobrança do passivo ambiental oriundo do desmatamento das áreas de reserva legal. Para entender melhor: a reserva legal corresponde a 80% da área das propriedades privadas na Amazônia. Para cada 100 hectares, o produtor pode desmatar 20 e deve, por força de lei, manter os 80 hectares restantes sob cobertura florestal. O que poucos entendem é que o fato de se manter a área sob cobertura florestal não significa deixá-la ociosa para a produção. Ao contrário, a obrigatoriedade da manutenção da reserva legal foi uma forma de incluir a atividade florestal no processo produtivo primário da Amazônia. Para que a região não fosse tomada pela agropecuária, os legisladores obrigaram os proprietários a incluir a atividade florestal, sobretudo a madeireira, na renda gerada pela propriedade, diversificando a produção e possibilitando a inovação tecnológica para a oferta de madeira. Isso significa que a reserva legal pode e deve ser objeto de manejo florestal de uso múltiplo, para fins de extração de produtos florestais variados, como madeira, queixada, paca, açaí, patuá, resinas e cipós. A despeito de ter sido impropriamente denominada de reserva, a natureza dessa área é econômica e conservacionista, e não ambiental e preservacionista.

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Até aí, nada de novo. O problema surge com o desmatamento da reserva legal para a ampliação da pecuária. Por um equívoco de compreensão generalizado, o analista ambiental do órgão de fiscalização acredita que a reserva legal é intocável; os produtores, por sua vez, entendem que, se for para manter intocável, é melhor desmatar. Ao pressionar o governo para não cobrar dos produtores o desmatamento (ilegal, diga-se) da reserva legal, os ruralistas ganharam um aliado competente e um opositor despreparado. O aliado é o Ministério da Agricultura, que tem proposta direcionada para compensar o desmatamento da reserva legal (mediante a instituição da servidão florestal) e até mesmo para acessar o Protocolo de Kyoto. Já o opositor despreparado é o Ministério do Meio Ambiente, que acena com a incongruente proposta de incorporar a área de preservação permanente (app) no cômputo dos 80% destinados à reserva legal. A prevalecer tal disparate, o que irá acontecer é que, numa região como a Amazônia, que dispõe de uma imensa bacia hidrográfica, a reserva legal vai virar app. Os ruralistas, é evidente, irão aceitar tanto esse quanto outros expedientes da mesma espécie – o que não quer dizer que vão abrir mão de suas próprias propostas, defendidas pelo Ministério da Agricultura. Todavia, a associação entre reserva legal e app evidencia o embaralhamento dos dois conceitos – o que já se esperava que tivesse sido superado. A reserva legal tem como finalidade incorporar a atividade florestal na produção agropecuária da Amazônia; a app, por outro lado, é direcionada para a proteção das nascentes, rios e morros. Ao se embaralharem dois objetivos tão díspares, os ambientalistas de Brasília incorrem num erro técnico perigoso. Afinal, como reza a máxima, “não se misturam alhos com bugalhos”.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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III Postado em 26/6/2011

IPEA ALERTA: CÓDIGO FLORESTAL DEVE MANTER RESERVA LEGAL O Ipea, o mais conceituado órgão de assessoria à Presidência da República, deu o seu veredicto: o prejuízo econômico advindo com a redução da área de reserva legal será enorme.

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s cientistas, por meio da Academia Brasileira de Ciência e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (abc/sbpc), já haviam alertado quanto aos efeitos nefastos que a proposta de alteração do Código Florestal (já aprovada na Câmara e em discussão no Senado) poderá trazer para o país. Agora, foi a vez de os economistas vinculados ao Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) jogarem por terra o principal argumento dos defensores do agronegócio para reduzir a área de reserva legal das propriedades rurais – a geração de renda. Considerado um dos órgãos mais importantes de assessoria dos ministérios e da Presidência da República, o Ipea divulgou o “Comunicado nº 96”, intitulado “Código Florestal: implicações do PL 1876/99 nas áreas de reserva legal”, no qual não deixa dúvidas: não existe razão econômica para a redução da área de reserva legal. Ao contrário, a diminuição das áreas de florestas trará um prejuízo econômico perigoso para a economia brasileira. Para além dos argumentos relacionados à importância ecológica das florestas – que os ambientalistas, com razão, não se cansam de empregar – os pesquisadores do Ipea atêm-se a evidências de cunho estritamente econômico, chamando a atenção para o balanço negativo da redução de florestas; ou seja, pra o risco de, em curto prazo, o país vir a ficar no vermelho. O estudo do Ipea demonstra que, longe de ser um empecilho para a produção, as florestas presentes nas áreas de reserva legal podem e devem ser exploradas, mediante a tecnologia do manejo florestal de uso múltiplo – o que pode significar ganhos econômicos superiores àqueles obtidos nas áreas desmatadas para pecuária.

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Com a palavra, Suas Excelências, os Economistas: Ao prever a possibilidade de uso econômico das reservas legais, o Código Florestal atual reconhece a potencialidade dessas áreas para o desenvolvimento econômico sustentável. Em primeiro lugar, são atividades ambientalmente adequadas, uma vez que necessitam que a vegetação seja preservada, o que permite seu uso permanente. Em segundo, sistemas sustentáveis de exploração da floresta são intensivos em mão de obra, consistindo, portanto, num potencial gerador de empregos e de desenvolvimento da agricultura familiar. Em terceiro, fornecem mais segurança econômica ao produtor, em virtude da diversificação e da menor incidência de pragas, comuns na monocultura. Em quarto, podem ser altamente rentáveis, podendo apresentar rendimentos por área mais elevados do que a agropecuária convencional para o pequeno produtor. Os estabelecimentos agropecuários, sobretudo a pequena propriedade familiar, deveriam ser estimulados a conservar e recuperar suas reservas legais de forma a auferir rendimentos mediante o uso sustentável da floresta. Esse incentivo poderia vir por meio de políticas de estímulo ao uso sustentável da reserva legal. (Obra citada, p. 22).

Aos que teimavam em não dar ouvidos à “ladainha ambientalista”, fica o alerta feito por pesquisadores de carreira, cuja autoridade técnica é irrefutável, que estão a serviço do Estado brasileiro e que não defendem propostas de governos, mas tão somente tópicos de grande importância para o país. Espera-se que os senadores – que não se manifestaram diante das advertências da abc/sbpc, dos apelos dos ambientalistas e dos clamores dos representantes do setor florestal – estejam mais atentos ao pronunciamento dos economistas do Ipea. Reserva legal, ao contrário do que se prega, pode e deve dar lucro, é produtiva. É o Ipea que está dizendo.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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III Postado em 24/12/2011

MATA CILIAR NÃO É RESERVA LEGAL Uma confusão conceitual entre reserva legal e mata ciliar permanece no texto do novo código florestal aprovado pelos deputados e senadores. Acontece que enquanto a primeira alude à conservação, a segunda diz respeito à preservação.

É

comum confundir-se mata ciliar com reserva legal. Muitos que atuam em órgãos ambientais incluem a reserva legal no rol de porções florestais consideradas de preservação – o que, definitivamente, não é o caso. Correndo o risco de incorrer em certo grau de preciosismo técnico, pode-se dizer que a reserva legal se destina à conservação da floresta, enquanto a mata ciliar tem como alvo a preservação da floresta. Dois conceitos bem distintos, que devem ser, sempre, diferenciados. Conservação sugere a exploração sustentável dos recursos florestais existentes na reserva legal; ou seja, nos ganhos econômicos da propriedade, inclui-se a renda (que pode vir a ser expressiva) obtida mediante a atividade florestal. Na preservação, por outro lado, a floresta é mantida quase que intocável, ou seja, ociosa para a economia da propriedade, no que se refere à extração de produtos. A mata ciliar poderá, num futuro que se espera próximo, vir a participar dos rendimentos econômicos da propriedade – quando os serviços relacionados ao sequestro de carbono e à produção e purificação de água puderem ser comercializados, o que ainda não acontece. Outro equívoco comum diz respeito ao juízo de que todas as áreas rurais localizadas na Amazônia devem manter uma área de reserva legal. Não é assim. Os 80% de reserva legal impostos pela legislação aludem apenas às propriedades privadas. Não há exigência de reserva legal para as reservas extrativistas ou para outras categorias de unidades de conservação, por exemplo. Foi justamente essa confusão que existe entre mata ciliar e reserva legal que ocasionou o grave equívoco de se admitir, no projeto de novo código florestal aprovado pelos deputados e senadores, a inclusão da mata ciliar no cálculo da reserva legal. Trata-se de um grande erro, por-

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Da Amazônia: 100 artigos


que, como um é produtivo e o outro não, são conceitos incompatíveis entre si. Como se costuma dizer, “misturaram-se alhos com bugalhos” – o que reflete a incompreensão que cerca o tema. Ocorre que além da improvável associação entre uma área que pode ser manejada para a produção de madeira (no caso, a reserva legal) e outra na qual não é permitido o corte de uma única árvore (a mata ciliar), a inclusão da mata ciliar no cômputo da reserva legal significa, em última análise, a redução da área de reserva legal imposta pela legislação. As propriedades privadas na Amazônia quase sempre possuem uma hidrografia significativa, composta por igarapés e olhos d’água. Existem estudos, inclusive, que demonstram que uma média de 30% da área total das propriedades é coberta por mata ciliar. Portanto, a inclusão dessa área no cômputo da reserva legal – a fim de que tudo somado não exceda os 80% exigidos por lei – importa na redução da reserva legal em 30%; e, o que pior, torna toda ela improdutiva, pelo menos para a produção de madeira. Na verdade, a inclusão da mata ciliar no cálculo da reserva legal já vem sendo permitida oficiosamente pelos órgãos ambientais nos estados do Acre, Pará e Mato Grosso, desde que a área de reserva legal foi ampliada para 80% da extensão da propriedade, ainda na década de 1990. Tratando-se de matéria compreendida por poucos, e uma vez que se obteve a anuência do Ministério Público, “deu-se um jeitinho”, como se diz. Também foi esse jeitinho que levou os produtores vinculados à pecuária (tanto os grandes quanto os médios e os pequenos) a questionar a necessidade de se manter área de reserva legal em propriedades de até 400 hectares; no que tiveram sucesso, aliás, já que sua reivindicação também foi incluída na proposta de novo código florestal. Portanto, o tal jeitinho aboliu do texto legal a obrigatoriedade de reserva legal em áreas de até 400 hectares, o que – sendo otimista – significará a ampliação do desmatamento em cerca de 30% das florestas presentes nas propriedades privadas da Amazônia. Um jeitinho que – esperemos – a Presidência da República deverá vetar com veemência.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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potencial econômico da diversidade biológica existente no ecossistema florestal da Amazônia tem sido louvado mundo afora. No Brasil, há quem acredite que a biodiversidade, pelo fato de representar uma grande riqueza, daria causa a verdadeiras pilhagens por parte dos países desenvolvidos. Trata-se, em última análise, do que foi batizado de “biopirataria”, algo difícil de ocorrer (e mais ainda de ser provado), mas que tem gerado uma boa dose de histeria. À margem dessas discussões estéreis, um reduzido número de técnicos e pesquisadores que atuam na região tem se dedicado a transformar o potencial da biodiversidade em emprego e renda para os amazônidas. Alguns passos importantes foram dados nessa direção, sendo, talvez, o mais importante deles a elaboração do arcabouço tecnológico a que se denominou de manejo florestal de uso múltiplo. A concepção dessa tecnologia, que ocorreu na década de 1990, notadamente no Acre, teve o propósito primordial de evitar o fenômeno da agropecuarização em reservas extrativistas. O uso múltiplo consiste, basicamente, numa moldura tecnológica que agrega os avanços obtidos no manejo específico de cada espécie ou grupos de espécies florestais. Mediante o manejo florestal de uso múltiplo, o produtor florestal, sobretudo o pequeno produtor extrativista (melhor ainda se estiver habitando uma reserva extrativista ou outra área legalmente protegida) poderá ofertar um leque variado de produtos. Durante todo o ano, segundo uma cronologia de produção que envolve a força de trabalho familiar, o produtor pode comercializar, em quantidades permitidas pela regeneração natural do ecossistema, produtos e serviços florestais que somam mais de 40 itens, incluindo-se, obviamente, a madeira.


IV Postado em 16/9/2007

USO TRADICIONAL DA BIODIVERSIDADE NA AMAZÔNIA As reservas extrativistas são realmente sustentáveis? A propensão para a sustentabilidade não é garantia de que ela ocorrerá. Apenas sob a tecnologia do manejo florestal é possível promover-se a sustentabilidade social, econômica e ambiental do extrativismo florestal na região.

A

exploração de recursos florestais pelas populações tradicionais é sustentável? Essa pergunta, sempre difícil de responder, vem ocupando técnicos e pesquisadores que atuam na Amazônia, desde a redescoberta do extrativismo, no final da década de 1980. Foi nessa época que a expansão da agropecuária sobre a floresta encontrou um grande obstáculo – os seringueiros remanescentes dos ciclos da borracha, que teimavam em manter essa atividade produtiva, então considerada extinta. Diante da ameaça representada pelos desmatamentos, o uso tradicional da diversidade biológica existente no ecossistema florestal foi alçado à condição de alternativa adequada para a ocupação produtiva da região. O argumento principal era que as populações tradicionais, incluindo ribeirinhos, pescadores, seringueiros, castanheiros, caucheiros, balateiros, índios, carnaubeiros, quebradeiras de coco, entre outros, praticavam a exploração florestal, de forma permanente e sustentável, havia mais de cem anos. Produziam sob o chamado modo extrativista de produção e, dessa forma, ajudavam a evitar os desmatamentos. Esse mesmo argumento justificou a criação das reservas extrativistas (uma categoria especial de unidade de conservação), já que era importante garantir terras para a manutenção do extrativismo e, consequentemente, da floresta. Atualmente, na Amazônia, existe uma área maior que a do Acre destinada às reservas extrativistas, sendo que nelas é permitido apenas o uso múltiplo sustentável da floresta.

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Mas, a pergunta inicial ainda não chegou a ser devidamente respondida. Pairam dúvidas acerca do potencial do extrativismo para gerar emprego e renda no nível da demanda existente no interior da floresta; não há consenso nem mesmo acerca da adequação ecológica dessa atividade. Experiências isoladas realizadas no Acre, para as quais não se deu ainda a devida atenção, corroboram a tese de que o uso sustentável é possível tanto no plano comunitário quanto no empresarial. A solução se encontra no jeito de fazer. Trata-se do emprego de uma tecnologia já existente, o manejo florestal de uso múltiplo, que em sua maior parte foi desenvolvida no próprio Acre e já demonstrou ser apta a promover a sustentabilidade social, econômica e ambiental do extrativismo florestal na região. No caso específico das populações tradicionais e de sua relação com a diversidade biológica da Amazônia (contexto abordado nas experiências realizadas), esse uso sustentável se mostrou não só possível, mas também a única opção para a permanência das populações no interior do ecossistema florestal e para a conservação da própria floresta. Ocorre uma relação de dependência mútua: o extrativista, agora manejador florestal, depende dos recursos que maneja, assim como a floresta depende dos manejadores florestais para evidenciar seu potencial de geração de emprego e renda e, desse modo, continuar a existir.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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IV Postado em 16/11/2008

TRANSIÇÃO FLORESTAL NA AMAZÔNIA Para que a Amazônia passe, de uma economia baseada na produção de soja e de gado, para uma economia que tenha no ecossistema florestal sua principal referência, será necessário um período de “transição florestal”.

T

omando-se emprestado o termo empregado pelos defensores da agroecologia, parece que, finalmente, a “transição florestal” na Amazônia começa a se materializar no âmbito da alta administração estatal brasileira. A agroecologia é um procedimento de produção agrícola, sobretudo de alimentos, voltado para favorecer e potencializar as características ambientais presentes no solo, na água e nas formações vegetais naturais da terra (daí sua condição ecológica). Essa técnica refuta o pressuposto, consagrado pela agricultura tradicional, de obter dos solos altos índices de produtividade. Afinal, foi para alcançar a maior fecundidade possível dos solos e, consequentemente, obter maiores rendimentos econômicos, que a chamada Revolução Verde se tornou uma realidade mundial. No período posterior à Segunda Guerra Mundial, consolidou-se no mundo o emprego intensivo de tecnologias baseadas em maquinário (para plantar, colher e debulhar), adubos (para enriquecer os solos e torná-los mais nutritivos para as plantas) e defensivos (agrotóxicos para eliminar as pragas), a fim de satisfazer a demanda humana por alimentos. Os produtos das safras agrícolas rapidamente se transformaram em commodities, mercadorias produzidas em larga escala, negociadas em bolsas do denominado mercado futuro. Os efeitos negativos desse tipo de produção, intensiva em insumos, afetaram os pequenos produtores rurais – excluídos do mercado de alta produtividade – e também a humanidade em geral, em vista dos impactos ambientais causados em esfera planetária.

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É o caso do fenômeno da desertificação (que destrói, anualmente, elevadas extensões de solo) e da prática do desmatamento (que destrói, anualmente, elevadas extensões de florestas). Esses efeitos nefastos, de proporções avassaladoras, puseram em risco a principal justificativa da Revolução Verde – que era o aumento da produção de alimentos. Na década de 1980, teve início um movimento nacional pela adoção de uma tecnologia alternativa que viabilizasse a produção de alimentos sem o uso de agrotóxicos e sem a exaustão dos solos. A agroecologia chegava ao Brasil, no esforço de transformar o modelo de produção rural do país. Cônscios de que a empreitada seria gigantesca, os adeptos da agroecologia conceberam um período de tempo e uma estratégia a ser seguida, a fim de que a tecnologia da agroecologia fosse, paulatinamente, ocupando as áreas destinadas à produção baseada na Revolução Verde. Denominou-se essa estratégia de “transição agroecológica”. Voltando ao título do artigo, repensar a estrutura produtiva da Amazônia e promover uma profunda alteração nessa estrutura foi o que motivou grupos de técnicos, já na década de 1990, a se debruçarem sobre o valor do ecossistema florestal. A transição florestal na Amazônia tem na adoção do manejo florestal de uso múltiplo sua principal estratégia. Estratégia que, felizmente, a cada dia ganha mais adeptos no Estado brasileiro.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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IV Postado em: 14/3/2010

“AVATAR” DEFENDE USO MÚLTIPLO DA FLORESTA O filme “Avatar” sugere que o homem pode usufruir da diversidade biológica para a satisfação de suas necessidades, desde que obedeça a regras imprescindíveis para a regeneração do ecossistema. Exatamente o que prevê a tecnologia do manejo florestal de uso múltiplo.

S

ucesso absoluto de crítica e de bilheteria, Avatar, o mais recente filme do diretor James Cameron, transmite uma mensagem importante sobre o relacionamento do homem com a natureza. Na trama, a temática ecológica é enfatizada por meio de um embate travado entre o homem branco, que demanda por ativos naturais não renováveis (no caso, jazidas de minérios com potencial para gerar energia), e uma população aborígine que vive no ecossistema florestal onde estão localizadas as cobiçadas jazidas. Nada mais atual e, ao mesmo tempo, antigo. Afinal, desde que a Revolução Industrial elevou ao máximo a exploração de recursos naturais (sobretudo petróleo e ferro), a humanidade experimenta um estilo de vida baseado nos mais altos índices de consumo; o que significa a exploração, em excesso, de jazidas já perto da exaustão. Por outro lado, alarmes quanto à impossibilidade de o planeta suportar esses níveis de consumo são a todo o tempo disparados e com cada vez mais frequência. A novidade é que dúvidas científicas sobre essa impossibilidade já não existem; vale dizer, a sobrevivência humana, nos moldes atuais, não é sustentável. O maior fascínio do filme reside, obviamente, nos seus efeitos especiais de última geração. Todavia, diante da crise ambiental originada pelo aquecimento global, o apelo ecológico se torna um ingrediente a mais para a sedução do público. Mas esse argumento ecológico não resvala para o lugar-comum. Os roteiristas tiveram o cuidado de ir além da mera defesa de um estilo

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de vida primitivo e naturalista, como o preconizado pelo movimento alternativo hippie na década de 1960. Por meio do cotidiano dos habitantes do planeta Pandora, o roteiro de Avatar nos apresenta o uso múltiplo da diversidade biológica existente naquele ecossistema. Vivendo em harmonia com o ecossistema, a população tradicional precisa, por exemplo, abater a fauna local, para satisfazer sua necessidade de proteína animal. Precisa coletar frutos, flores, raízes, para enriquecer sua dieta alimentar e realizar seus rituais espirituais, inclusive de acasalamento. E a fim de facilitar seus afazeres habituais, os nativos chegam ao que se pode considerar o grau máximo da relação do homem com a natureza – a domesticação –, quando animais e plantas são subjugados e dominados, para a satisfação das demandas humanas. Como Avatar faz questão de mostrar, seguindo-se um conjunto de regras e guardando limites, a relação harmoniosa do homem com a natureza é mais que possível, é uma questão de sobrevivência para as espécies. A tecnologia do manejo florestal de uso múltiplo se baseia na observância de regras e limites para a exploração da biodiversidade da Amazônia e, desse modo, alcançar-se a sustentabilidade.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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IV Postado em 11/4/2010

CONTRIBUIÇÕES DO ACRE PARA O MANEJO DA FLORESTA NA AMAZÔNIA Do Acre surgiram ideias inovadores para o estabelecimento da sustentabilidade na Amazônia. A reserva extrativista, o manejo florestal comunitário e o manejo florestal de uso múltiplo formam um legado que ajudou a imprimir, em relação ao estado, a marca da preocupação ambiental.

H

á quase 20 anos, o Acre começava a contribuir para o desenvolvimento de uma política florestal genuinamente amazônida. Mediante o esforço de algumas instituições, três inovações foram introduzidas no complexo processo de ocupação socioeconômica da região. A primeira dessas inovações foi a reserva extrativista. Tratava-se de uma proposta de reforma agrária distinta daquela preconizada pelo Estatuto da Terra e pelo Plano Nacional de Reforma Agrária; uma reforma agrária que, ao invés de converter o ecossistema florestal, tinha na floresta sua maior referência para a atividade econômica. A reserva extrativista pressupõe a realização de assentamentos humanos em áreas cobertas por florestas, sem o deslocamento de contingentes oriundos de outras regiões (os extrativistas da Amazônia foram assentados na época dos ciclos da borracha). A segunda inovação envolveu a concepção de um arcabouço tecnológico, a fim de possibilitar que as reservas extrativistas avançassem para além do binômio borracha e castanha-do-brasil. Diante da profunda crise em que se encontravam esses dois mercados (sobretudo o de elastômeros), era certo que o extrativista não poderia ficar circunscrito a eles, sob pena de ter que recorrer aos plantios e à criação de gado. O risco de agropecuarização das reservas extrativistas era elevado, e as organizações envolvidas com o tema precisavam adiantar-se. A ampliação da cesta de produtos florestais ofertada pelo extrativismo parecia o caminho mais óbvio. Diversos estudos e levantamentos permitiram, posteriormente, a definição da tecnologia denominada ma-

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nejo florestal de uso múltiplo. Por essa tecnologia, um conjunto de opções produtivas poderia ser manejado, segundo um cronograma e uma demanda de trabalho coerentes com a realidade do seringueiro. A diversidade biológica na Amazônia possibilita a oferta de um rol de produtos, entre os quais açaí, borracha, animais silvestres, orquídeas, fitoterápicos, além dos serviços ambientais de qualidade e quantidade de ar e água. Esses produtos podem ser explorados numa única unidade de produção – no caso, a colocação do seringueiro. Todavia, para viabilizar produção florestal, não se podia abrir mão do produto de maior liquidez – a madeira. A inclusão da madeira na tecnologia do manejo florestal de uso múltiplo exigiu a concepção da terceira inovação, o manejo comunitário de madeira. O desafio consistia em definir-se um conjunto de protocolos de manejo florestal adequados ao contexto da reserva extrativista (que, na condição de unidade de conservação, está sujeita a um regime especial de exploração). Esses protocolos, ademais, não poderiam prejudicar a oferta dos demais produtos e serviços florestais, segundo a tecnologia do uso múltiplo. O manejo comunitário seguiu os passos das reservas extrativistas, tendo se concretizado como opção tecnológica prioritária para a sustentabilidade dessa categoria de unidade de conservação. A reserva extrativista, o manejo comunitário e o manejo de uso múltiplo são inovações originárias do Acre, que não podem ser esquecidas em seu próprio berço. Um legado como esse, que ajudou a consolidar no estado a marca da preocupação com o futuro da Amazônia, deve ser permanente objeto de políticas públicas.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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IV Postado em 18/7/2010

USO MÚLTIPLO DA BIODIVERSIDADE É O CAMINHO PARA AMAZÔNIA Não há dúvidas técnicas em relação ao potencial da diversidade biológica do ecossistema florestal para gerar emprego e renda na Amazônia. Todavia, a viabilização de uma economia ancorada no uso múltiplo dessa biodiversidade ainda parece ser uma utopia.

A

importância econômica e social do extrativismo florestal na Amazônia é reconhecida desde os primórdios da ocupação da região pelos colonizadores portugueses. De maneira geral, a exploração florestal foi o motor principal para garantir o estabelecimento dos primeiros produtores portugueses na região. Esses pioneiros se esforçaram para compreender os diversos usos conferidos pelas populações indígenas a um igualmente diverso leque de produtos florestais. A produção florestal gerou, no período da colonização, ciclos econômicos que foram fundamentais para a instalação de uma infraestrutura considerável na região, bem como para a permanência de um grande contingente de mão de obra. Os ciclos econômicos baseados nos produtos florestais se iniciaram com as espécies florestais batizadas de “drogas do sertão” (em especial canela, cravo, cacau e salsaparrilha), passando pelo óleo de tartaruga (que iluminou durante um bom tempo as cidades amazônicas) e chegando ao seu mais importante produto: a borracha. Com a demanda crescente por borracha, a Amazônia foi definitivamente ocupada por produtores, empresários e trabalhadores florestais, originando-se uma riqueza jamais verificada na região. Nenhum outro período da história econômica regional pode ser comparado, em termos de prosperidade e opulência, ao período abrangido pelos quase 20 anos de duração do ciclo econômico da borracha.

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Da Amazônia: 100 artigos


Mais recentemente, na segunda metade do século passado, a importância dos produtos florestais para a economia local ficou restrita à produção de madeira – que era efetuada sem a menor preocupação com a manutenção dos estoques, tampouco com o emprego de técnicas de manejo florestal. Finda a relevância econômica dos produtos florestais, a Amazônia se viu às voltas com a instalação, em larga escala, de atividades baseadas na agropecuária. Os efeitos nefastos da substituição da floresta por monocultivos, sobretudo de forrageiras e grãos, foram rapidamente sentidos, chamando a atenção do mundo para a aceleração dos desmatamentos e das queimadas. A busca de uma opção produtiva mais adequada aos critérios de sustentabilidade fez ressurgir o extrativismo, revigorado em função da expectativa que os ambientalistas depositavam na atividade. As populações tradicionais da Amazônia, na condição de extrativistas que contribuíam para a manutenção da floresta, alcançaram espaço político prioritário. Experiências produtivas foram realizadas, no escopo de elevar o extrativismo ao nível tecnológico do manejo florestal de uso múltiplo. A análise dessas experiências, com vistas à sua multiplicação, deveria ser o objetivo principal de uma política pública destinada a promover essa atividade em larga escala e em toda a Amazônia. Afinal, o uso múltiplo da diversidade biológica existente no ecossistema florestal da Amazônia é o melhor caminho para a ocupação sustentável da região.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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a condição de principal reivindicação do movimento capitaneado por lideranças reconhecidas em todo o mundo (caso do sindicalista Chico Mendes), o surgimento das reservas extrativistas foi comemorado por técnicos e pesquisadores que atuam na Amazônia com o tema do desenvolvimento sustentável. De pronto, essa alternativa para a ocupação da terra na Amazônia foi considerada adequada para a região, sob o ponto de vista econômico, social e ecológico. As reservas extrativistas embutiam o reconhecimento da atividade produtiva que baseara a ocupação da região nos fins do século XIX e que garantira a produção de borracha nos anos de crise. O extrativismo chegava à atualidade sob vigor renovado, graças às pressões dos ambientalistas: tratava-se de uma ocupação produtiva que prescindia do desmatamento para se viabilizar. Entretanto, a despeito do tempo decorrido desde a criação da primeira reserva extrativista, que aconteceu no Acre em 1990, em nenhuma dessas áreas o processo de consolidação chegou a ser concluído. Para nenhuma reserva extrativista chegou a ser elaborado o respectivo plano de manejo florestal de uso múltiplo e o consequente contrato de concessão de direito real de uso, condições indispensáveis para que essas unidades de conservação efetivamente cumpram o desígnio para o qual foram criadas – a saber, a geração de renda sob critérios sustentáveis. Essa circunstância, resultado da omissão estatal, levou o extrativista à recorrer à pecuária como atividade produtiva. O resultado foi que, hoje, numa unidade de conservação onde não deveria ocorrer desmatamento, a pecuária ocupa cada vez mais espaço. Os produtores vivem às turras com os órgãos ambientais, reivindicando a flexibilização das regras que os próprios extrativistas ajudaram a instituir. A solução é simples e requer um grande esforço institucional no intuito de promover o manejo florestal de uso múltiplo em todas as reservas extrativistas da Amazônia.


V Postado em 6/9/2009

20 ANOS DE RESERVAS EXTRATIVISTAS: É PARA COMEMORAR? Criadas como solução para o assentamento das populações tradicionais que ainda viviam do extrativismo, as reservas extrativistas foram alçadas à condição de opção sustentável para a ocupação produtiva da Amazônia. Passados 20 anos, é hora de fazer um balanço.

H

á 20 anos, o movimento dos seringueiros, em conjunto com ativistas sociais e ambientais, comemorava a criação das reservas extrativistas. À época, diante da proximidade da Segunda Conferência das Organizações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (a Rio 92), o surgimento dessa nova modalidade de unidade de conservação expressava a capacidade de os brasileiros interpretarem, à sua maneira, os ideais do desenvolvimento sustentável para a Amazônia. Endossadas por técnicos e pesquisadores, as reservas extrativistas foram consideradas opção adequada para a ocupação produtiva da região, uma vez que pressupunham a manutenção do ecossistema florestal. Essas unidades de conservação avigoraram o modo extrativista de produção, que – a despeito de ser então considerado oficialmente falido, em face do declínio do mercado gomífero – ainda era empregado pelo contingente de trabalhadores que permanecia no interior da floresta. Embora o extrativismo se restringisse, basicamente, à exploração familiar de borracha e castanha-do-brasil, a ciência amazônida demonstraria que, mediante um investimento mínimo em pesquisas, seria possível elevar o patamar tecnológico dessa atividade, alçando-a à condição de manejo florestal de uso múltiplo. O uso múltiplo possibilitou a introdução, na cesta extrativista, de mais de 30 produtos e serviços passíveis de serem ofertados pelas comunidades. Sob muita expectativa, as primeiras quatro unidades de reservas extrativistas (criadas em 1990, como resposta ao assassinato do líder sindical Chico Mendes, ocorrido em dezembro de 1988) contaram com 80

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expressivo apoio da cooperação internacional, por meio do Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil, ppg 7, financiado a fundo perdido pelos sete países mais ricos do mundo. As reservas Cajari (no Amapá), Rio Ouro Preto (Rondônia), Alto Juruá e Chico Mendes (ambas no Acre) receberam significativos investimentos em infraestrutura, organização comunitária e instalação de unidades produtivas; além disso, foram realizados, em suas respectivas áreas territoriais, importantes levantamentos técnico-científicos. Os recursos se direcionaram para a consolidação dessas unidades de conservação e, em última instância, para a comprovação de que as atividades produtivas baseadas na floresta poderiam competir em pé de igualdade com as atividades que pressupõem a conversão do ecossistema florestal e até mesmo suplantá-las. Entretanto, sem embargo dos avanços significativos que a criação das reservas extrativistas trouxe para as comunidades tradicionais, a necessária e esperada transformação produtiva em direção à floresta efetivamente não aconteceu. Ao contrário, nos dias de hoje, as populações tradicionais que vivem nas reservas extrativistas brigam pelo direito de praticar a pecuária e têm dúvidas acerca da opção que fizeram pelo extrativismo. Dúvidas que começam a alcançar ambientalistas, técnicos e pesquisadores que atuam com o tema, sem os quais o princípio conceitual da reserva extrativista não teria ido tão longe. Enfim, deve-se ou não comemorar os 20 anos de criação das reservas extrativistas?

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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V

Postado em 21/11/2011

SERVIÇO FLORESTAL BRASILEIRO DEVE CUIDAR DAS RESERVAS EXTRATIVISTAS Comprometido com os ideais do preservacionismo, o icmbio não consegue entender a importância das unidades de conservação de uso sustentável, como é o caso das reservas extrativistas.

A

confirmação científica (e o reconhecimento político) quanto ao fato de que existe vinculação entre a existência (ou ausência) dos ecossistemas florestais e o equilíbrio (ou alteração) do clima levou a onu a incentivar, por um lado, a ampliação das áreas de florestas plantadas; e, por outro, a promover a tecnologia do manejo florestal de uso múltiplo, como meio de garantir a manutenção das florestas nativas. No rastro da deliberação que proclamou 2011 como Ano Internacional das Florestas, as nações foram instadas a rever sua atuação em relação aos seus respectivos ecossistemas florestais. Em âmbito nacional, as prescrições da onu podem desencadear, finalmente, a necessária discussão acerca de uma nova institucionalidade estatal que amplie a governança sobre os ativos florestais dispersos no território brasileiro. Muito embora a maior parte dos países mantenha uma instituição pública – alguns, mais de uma – destinada a gerir os assuntos relacionados às florestas, na maioria dos casos (exceção feita a poucos, como Alemanha e Canadá), essas instituições acumulam funções sobrepostas, de forma concomitante; ao mesmo tempo, persistem lacunas que não são supridas por nenhum outro órgão. No Brasil, a questão concernente à produção de madeira em terras indígenas é um bom exemplo. Como se trata de uma atividade lucrativa, as populações indígenas (com todo o direito) almejam entrar nesse mercado; todavia, e ainda que algumas já realizem a exploração madeireira em suas áreas, a Funai simplesmente se omite quanto à controvertido tópico. Ou finge que o problema não existe, ou, sob o pretexto da ilegalidade, transfere a responsabilidade ao Ibama – que, por sua vez, alega não ter jurisdição sobre as terras indígenas. 82

Da Amazônia: 100 artigos


Com algumas diferenças, a história se repete no contexto das reservas extrativistas. As populações tradicionais que vivem da exploração de algum tipo de recurso do ecossistema florestal (como borracha, castanha e babaçu) geralmente enfrentam, depois da criação da reserva, dificuldades para continuar extraindo o recurso florestal. Por mais paradoxal que pareça, os produtores se veem na bizarra situação de se empenhar pela criação da unidade de conservação (o que exige grande esforço político das comunidades e de seus apoiadores), para, depois que logram obter a almejada regularização fundiária, ser-lhes retirado o direito de manter a sua histórica produção extrativista – produção esta, diga-se, que justificou a criação da reserva. Essa situação paradoxal existe justamente em razão da ausência de uma governança florestal com alçada sobre essas unidades. Sem a adequada governança florestal, não é conferida prioridade (para ficar em apenas um dos problemas) à elaboração do competente plano de manejo, instrumento obrigatório para a gestão das reservas e a realização da exploração florestal, nos termos da lei que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, Snuc. Uma nova institucionalidade deveria ser engendrada, portanto, a fim de solucionar-se, de modo definitivo, esse tipo de entrave. Para se ter ideia do tamanho do problema, das 59 reservas extrativistas existentes no país, apenas seis possuem plano de manejo. Isso quer dizer que 53 reservas extrativistas não poderiam, a rigor, produzir coisa alguma; ou seja, sob o aspecto legal, a atividade extrativista que legitimou a criação da unidade de conservação não poderia ser mantida. O que se conclui é que o órgão incumbido de conduzir os assuntos relacionados às reservas extrativistas ou enfrenta grande deficiência de pessoal e dinheiro, o que não deve ser o caso, ou não possui os atributos necessários para operar com as unidades de conservação de uso sustentável – o que seguramente é o caso. O Instituto Chico Mendes para Conservação da Biodiversidade, icmbio, além de ter sido criado com esse nome disparatado, convive com uma série de vícios de origem que lhe obstam a atuação. Esses vícios começam com as atribuições do órgão, ditadas pela presunção de querer abarcar a biodiversidade nacional, quando deveriam se limitar às unidades de conservação; e findam com o enfoque preservacionista impregnado na instituição – que, entre outros equívocos, não admite que reserva extrativista seja unidade de conservação. Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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V Postado em 1/4/2012

RESERVAS EXTRATIVISTAS E A TRAGÉDIA DOS RECURSOS COMUNS Ancoradas no aproveitamento comunitário dos recursos florestais, as reservas extrativistas só podem gerar renda de modo permanente se a população residente obedecer a regras de exploração, evitando, dessa forma, o esgotamento dos recursos de uso comum.

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oi o biólogo Garrett Hardin quem difundiu a expressão tragédia dos comuns, para alertar sobre a inevitável exaustão dos recursos naturais (inclusive florestas) explorados por comunidades. Amparando-se em sólidas evidências, o pesquisador concluiu que todo recurso natural submetido à exploração por grupos de produtores seria extinto: os interesses individuais suplantariam o bem comum, levando os produtores a explorar o máximo do recurso, a fim de obter maiores ganhos e o mais rápido possível. Haveria duas opções para impedir a extinção da floresta ou do recurso natural explorado pela comunidade. A primeira seria a privatização completa do recurso natural, de modo que uma empresa assumisse a sua exploração e cuidasse da manutenção do estoque. Uma vez que a sobrevivência da empresa dependeria diretamente da existência desse recurso natural, a tendência seria que se buscasse a sustentabilidade, para evitar riscos de colapso da produção. A segunda opção seria a estatal. Conforme assinala Hardin, um Estado forte e poderoso poderia sujeitar as comunidades ao cumprimento de regras, a fim de evitar-se a exaustão do recurso. Como a sustentabilidade das reservas extrativistas depende da exploração florestal comunitária, nos termos assinalados pela teoria de Hardin, essa categoria de unidade de conservação estaria fadada ao fracasso, a menos que houvesse privatização completa ou estatização sob um poder público tendente ao autoritarismo. Duas opções difíceis de pôr em prática – sobretudo no caso de regiões como a Amazônia. 84

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Posteriormente, muitos autores se debruçaram sobre a tese de Hardin, a fim de demonstrar que ele estava enganado. Ao contrário do egoísmo, individualismo e obsessão por ganhos elevados e rápidos, o produtor inserido numa comunidade tenderia à valorização do bem coletivo. Para garantir sua sobrevivência, a vontade da maioria prevaleceria sobre a vontade de cada produtor isolado. Francis Fukuyama, em “A grande Ruptura” (Rocco, 2000), um estudo sobre a formação do capital social, preleciona que “a tragédia dos recursos comuns nada mais é que um jogo ampliado do dilema do prisioneiro com múltiplos participantes, no qual cada um deles tem a opção entre contribuir para a conservação dos recursos (cooperar) ou usá-los indiscriminadamente (trapacear). Ao contrário de um dilema do prisioneiro com dois lados, este problema não pode ser resolvido com a mesma rapidez pela simples repetição, em particular quando o tamanho do grupo de pessoas que cooperam é grande. Em grupos maiores, os abusos tornam-se muito mais difíceis de detectar. Este problema tem sido objeto de muita atenção por economistas e outros cientistas sociais ao longo da última geração como uma chave para resolver o problema mais amplo da origem da cooperação humana”. Para Fukuyama, a expectativa de ganhos de longo prazo (ou sustentáveis) faz com que as regras para o uso comum sejam cumpridas pela maioria. Afinal, “cada um tem um interesse, a longo prazo, numa reputação de honestidade, confiabilidade, qualidade e integridade, ou simplesmente de ser um grande benfeitor (...). Analogamente, os baleeiros, criadores ou pescadores que criam regras para a exploração sustentada de recursos comuns não estão fazendo isso em nome de um senso de correção ambiental; é do seu interesse que os recursos não sejam esgotados, de forma que possam ter sua justa parcela a longo prazo”. Ou seja, o produtor tende, por força da natureza humana, à cooperação, o que significa dizer que a comunidade conseguiria se auto-organizar, elaborando regras de manejo florestal e pondo-as em prática, evitando a exaustão da floresta e garantindo a sustentabilidade das reservas extrativistas. Fazer com que a cooperação e a confiança mútua prevaleçam nas reservas extrativistas é fator decisivo para a sua sustentabilidade. No entanto, os órgãos públicos responsáveis pela gestão dessas unidades de conservação não parecem entender muito a respeito dessa discussão. Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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Postado em 15/4/2012

PARA EVITAR A TRAGÉDIA DOS COMUNS EM RESERVAS EXTRATIVISTAS Sob o ponto de vista teórico, a hipótese da “tragédia dos comuns” representa o questionamento mais contundente acerca da sustentabilidade da exploração comunitária de recursos naturais, como acontece nas reservas extrativistas.

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advento das reservas extrativistas foi recebido pelos técnicos e pesquisadores que atuam na área ambiental como uma espécie de tábua de salvação para o processo de ocupação produtiva na Amazônia. Tratava-se de uma categoria especial de unidade de conservação que tinha potencial para incorporar à pequena produção florestal o respeito devido em relação à capacidade de regeneração natural do ecossistema. Finalmente, surgia a concreta possibilidade de uma ocupação rural, voltada especialmente para o setor primário da economia, contrapor-se à opção representada pela agropecuária – atividade que, independentemente da escala na qual seja praticada, se baseia no infausto princípio da substituição da floresta por algum cultivo (ou monocultivo, para ser mais exato). Além de resgatar uma antiga dívida social do Estado brasileiro para com os seringueiros (que tiveram importante papel na conquista do território do Acre), reconhecendo-lhes o direito ao uso do recurso florestal, as reservas extrativistas poderiam ainda, mediante a adoção do preceito do uso múltiplo, renovar a forma de exploração dos recursos florestais, ampliando-se a cesta de produtos ofertados para além do binômio borracha e castanha. A reserva extrativista, dessa forma, seria a resposta que há muito se buscava para solucionar-se de vez o impasse produtivo na Amazônia. Entretanto, havia um grande obstáculo a ser superado: a tese levantada em 1968 por Garrett Hardin, um biólogo americano, no artigo intitulado “A Tragédia dos Comuns”. Segundo essa tese, os recursos naturais (inclusive as florestas), quando submetidos à exploração por 86

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comunidades – ou seja, quando sujeitados ao uso comum –, tenderiam à extinção, já que os produtores não respeitariam regras de uso que garantissem a continuidade da atividade produtiva. Houve um esforço para demonstrar que, no caso das reservas extrativistas, seria possível o estabelecimento de regras para a exploração do recurso – regras essas inseridas na tecnologia do manejo florestal de uso múltiplo, que seriam obedecidas pelos produtores comunitários de forma espontânea; ou seja, por iniciativa da própria comunidade, os produtores se autorregulariam e estabeleceriam certa ordem social. O surgimento de uma ordem de modo espontâneo certamente é o primeiro passo para evitar a tragédia dos recursos comuns, mas é difícil encontrar estudos mais aprofundados sobre o tema. Contudo, como citado por Francis Fukuyama em “A Grande Ruptura” (Rocco, 2000), “uma exceção é a obra da cientista política Elinor Ostrom, que coletou mais de cinco mil estudos de casos de recursos comuns, um número suficiente para lhe permitir começar a fazer generalizações com base empírica a respeito do fenômeno. Sua conclusão ampla é que as comunidades humanas, em várias épocas e lugares, têm achado soluções para a tragédia dos recursos comuns com muito mais frequência do que se prevê comumente. Muitas dessas soluções não envolvem nem a privatização de recursos comuns (a solução favorecida por muitos economistas), nem a regulamentação pelo Estado (a solução muitas vezes preferida por não economistas). Em vez disso, as comunidades conseguiram criar racionalmente regras informais e, às vezes formais, para dividir recursos comuns de uma maneira equitativa e que não conduz ao seu esgotamento prematuro. Essas soluções são facilitadas pela mesma condição que torna solúvel o dilema do prisioneiro com dois lados: a repetição. Isto é, se as pessoas sabem que terão de continuar a viver umas com as outras em comunidades limitadas onde a cooperação continuada será recompensada, elas desenvolvem interesses por suas próprias reputações, bem como pela monitoração e punição daqueles que violam as regras da comunidade.” A chave para evitar a tragédia dos comuns nas reservas extrativistas, portanto, está na condição de que as comunidades sejam pequenas e limitadas, o que facilita o controle interno. Todavia, para que essa condição se efetive, é imprescindível uma profunda compreensão dos preceitos que embasam a concepção teórica das reservas extrativistas. Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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importância do Acre no cenário amazônico, no que se refere ao desenvolvimento de opções produtivas relacionadas à sustentabilidade, é inegável. Foi no Acre que surgiram concepções como o manejo florestal comunitário de madeira, as reservas extrativistas e o manejo florestal de uso múltiplo. Contudo, a conclusão de obras de infraestrutura (como a pavimentação da rodovia 364, que possibilitou escoamento rodoviário da produção) favoreceu a ampliação da agropecuária, principalmente em relação à criação de gado e ao cultivo de cana-de-açúcar. De outra parte, ante a aprovação da legislação que instituiu no estado o Zoneamento Ecológico-Econômico, as porções de reserva legal foram reduzidas (de 80% para 50% da área total das propriedades privadas), ampliando-se em quase três milhões de hectares a oferta de novas áreas para a pecuária. Na verdade, essa circunstância já se verificara, sob índices bem mais expressivos, em outros estados da região amazônica. Pará, Rondônia e Mato Grosso provavelmente registram os exemplos mais significativos a respeito do que representou a associação entre zee e instalação de infraestrutura para a ampliação de atividades produtivas já consolidadas, como a pecuária. O fato é que a condição de sustentabilidade não ocorrerá de maneira inexorável, como consequência natural do processo de ocupação da Amazônia. Ao contrário, a atividade produtiva que predomina na região, baseada na instalação de monocultivos em larga escala – sobretudo soja e capim –, apresenta níveis quase intoleráveis de degradação ambiental. Sem embargo, a substituição do ecossistema florestal, pela via do desmatamento e das queimadas, alertou para o óbvio: a destruição da floresta na Amazônia contribui para mudanças climáticas, aquecendo o planeta e pondo em risco a existência da humanidade. A vinculação entre a existência de florestas e a manutenção do equilíbrio climático ampliou a pressão contra o desmatamento. O mundo se deu conta que o ecossistema florestal amazônico funciona como se fosse um termostato verde e, em breve, estará disposto a pagar por esse serviço.


VI Postado em 16/04/2007

HOLLYWOOD, POLÍTICA, VERDADES E INCONVENIÊNCIAS É possível que o documentário “Uma Verdade Inconveniente”, ao receber dois prêmios na última cerimônia de entrega do Oscar, tenha sido o grande vencedor da noite. Mais que isso, a premiação demonstrou o quanto a indústria de cinema mais poderosa do mundo está sensibilizada com a causa do aquecimento global.

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possível que o documentário “Uma Verdade Inconveniente”, ao receber dois prêmios na última cerimônia de entrega do Oscar, tenha sido o grande vencedor da noite. Mais que isso, a premiação demonstrou o quanto a indústria de cinema mais poderosa do mundo está sensibilizada com a causa do aquecimento global. Dois documentos recentes podem ter influenciado a academia. O primeiro, elaborado sob a chancela do governo inglês, concluiu que o aquecimento da Terra implicará uma perda econômica em torno de 20% da riqueza mundial; e o segundo, produzido pela onu, afirma não haver dúvidas que o planeta está aquecendo e que a culpa é da humanidade (leia-se: da quantidade e qualidade dos produtos consumidos atualmente). O controle das emissões de fumaça – maiores responsáveis pelo gás carbono jogado na atmosfera, que, por sua vez, é o gás com maior parcela de contribuição para o efeito estufa e o consequente aquecimento global – ganha especial reforço com o envolvimento de Hollywood. Al Gore, ex-vice presidente americano e autor da palestra que é o tema do documentário, demonstrou que a política pode e deve ser realizada fora dos meios habituais e, melhor, de forma diferente. O documentário foi produzido e dirigido de maneira exemplar. Com quase duas horas de duração, sem cansar o expectador, discute com pormenores todos os elementos que envolvem o tema do aquecimento do planeta. Trata-se da filmagem de uma apresentação que Al Gore

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vem realizando pelo mundo, ao longo dos últimos seis anos, desde que saiu derrotado na conturbada eleição que deu o primeiro mandato a George W. Bush na presidência dos Estados Unidos. Ao primar pelas questões técnicas, o documentário apresenta a opinião da comunidade científica que há anos estuda o fenômeno; todavia, sem deixar de lado as implicações políticas do tema, também traça um novo mapa para a geopolítica internacional, no qual estariam excluídos os Estados Unidos, cujo governo republicano se recusou a assinar o Protocolo de Kyoto. Aludindo, evidentemente, à importância do retorno dos democratas ao poder. Entretanto, independentemente dos futuros rumos das eleições americanas, Al Gore, por duas razões, merece todo o crédito. Primeiro, pelo discernimento que o levou fazer política de forma diferente, usando uma fórmula há muito esquecida, mas que faz parte dos princípios da democracia: a discussão franca, realizada nas cidades, diretamente com o povo. A palestra que originou o documentário foi apresentada, pelo próprio Al Gore, nas principais cidades americanas e em vários países. Segundo, por ter tido coragem e sensatez para eleger o tema do aquecimento global como o de maior prioridade para a humanidade. Um tema difícil de ser explicado e discutido, que sempre esteve ausente das prioridades dos políticos. Um assunto que geralmente é relegado à condição de preocupação de ambientalistas que querem impedir o progresso, a geração de emprego e renda, o desenvolvimento e assim por diante; um assunto, enfim, considerado indefensável e sem solução. Ao se transformar em paladino da ecologia, Al Gore retorna em grande estilo à cena política da qual foi afastado por Bush. Volta “verde” e expõe uma questão muito inconveniente, já que os americanos são contra o Protocolo de Kyoto. Ao invés de guerras, quer discutir a sustentabilidade do planeta. Somente por isso, já vale assistir ao seu documentário.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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VI Postado em 28/10/2007

O SETOR FLORESTAL E A SUSTENTABILIDADE AMAZÔNICA A despeito da inegável distância, em termos de sustentabilidade, que separa a produção florestal da agropecuária, a importância das atividades florestais não é reconhecida no Acre, e tampouco na Amazônia.

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nquanto as atividades baseadas no agronegócio (como a pecuária e o plantio de cana) se consolidam e põem em risco a sustentabilidade no Acre, a atividade florestal, considerada adequada à realidade social e florestal da região, não vinga. As atividades produtivas inseridas no agronegócio são de natureza predatória e põem em risco a sustentabilidade porque pressupõem a retirada da cobertura florestal nativa (leia-se: desmatamento), a limpeza da área (leia-se: queimada), a exposição do solo aos castigos do clima (leia-se: erosão) – somente para ficar nos problemas mais conhecidos. As atividades florestais (realizadas sob a técnica do manejo florestal de uso múltiplo) são de natureza sustentável porque não promovem a remoção da cobertura florestal nativa; ao contrário, essas atividades têm sua viabilidade, inclusive econômica, vinculada à existência e à manutenção da floresta. Todavia, a produção ancorada no recurso florestal e inserida nos ideais de sustentabilidade não consegue se estabelecer em condições de competir com a expansão da pecuária e da cana. No quadro que se consolida no setor primário estadual, a atividade agropecuária está no caminho da expansão e da ocupação de novas áreas; a atividade florestal, por outro lado, é esmagada sob o peso de obstáculos de toda ordem, que impedem a sua instalação e que a levam a perder áreas para a agropecuária. Dizendo de outro modo, a atividade florestal é mais complicada de ser exercida, menos atrativa e, o que é pior, menos competitiva. Sob o ponto de vista do produtor, portanto, não representa alternativa à agropecuária.

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Exemplos diversos dão conta da incapacidade de reação da atividade florestal. O setor de elastômeros (borracha) talvez represente o mais antigo, o mais didático e o mais triste desses exemplos. Com o fim dos dois ciclos históricos da borracha (no final do século XIX e na metade do século XX), a produção amazônica foi extinta em termos econômicos. Embora a importância social da borracha tenha aumentado na década de 1990, mais recentemente, depois de alguns anos de subsídio público, finalmente o produto foi esquecido. As usinas de beneficiamento primário faliram gradativamente. Primeiro, as geridas pelos coletivos cooperados; depois, as empresariais. A boa notícia é que um último e bem-vindo alento para a borracha acaba de surgir, diante da inauguração de uma fábrica de preservativos masculinos em Xapuri. Contudo, embora se trate de alvissareira iniciativa, o empreendimento não se reveste de suficiente repercussão para funcionar como contraponto ao agronegócio. Mesmo alcançando seu pico de atividade, em face da garantia de compra integral da produção pelo governo federal, a fábrica ocupará no máximo 700 famílias residentes na reserva extrativista Chico Mendes. Ou seja, infelizmente a borracha jamais voltará a ser, para a Amazônia e para o Acre, o produto que gerou a riqueza obtida no século passado; uma riqueza capaz de competir com qualquer produção agropecuária.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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VI Postado em 23/3/2008

SUSTENTABILIDADE E ELEIÇÕES NA AMAZÔNIA Na Amazônia, é difícil conferir-se prioridade a políticas públicas que induzam à sustentabilidade. Nem mesmo como argumento de campanha eleitoral, os candidatos conseguem discutir de que forma essas políticas públicas poderiam ser elaboradas e levadas a efeito.

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esenvolvimento sustentável é um conceito que ganhou força no período que antecedeu a conferência da onu para o meio ambiente e desenvolvimento realizada no Rio de Janeiro em 1992. E conquanto uma definição mais acabada para o termo tenha surgido algum tempo depois, ainda se convive com certo grau de liberdade: o que é sustentável para uns não o será para outros. Na verdade, até hoje não se chegou a um consenso para o tema, seja sob o ponto de vista técnico, sob o econômico ou sob o ponto de vista político. Há aqueles que defendem que, sob um “olhar macro”, até uma queimada poderia ser contextualizada num processo de sustentabilidade. A rigor, sob uma perspectiva distante – um ecossistema pelo outro, um bioma pelo outro, um continente pelo outro e até um planeta pelo outro – tudo é possível, qualquer contexto pode ser rotulado de sustentável. Em síntese, significa aceitar que degradações locais podem ser assimiladas, quando se considera o planeta como um todo. A sustentabilidade, porém, não pode ser uma mera forma de acomodar as circunstâncias, como se fosse impossível superá-las. Um ciclo produtivo baseado no desmatamento-queimada-plantio simplesmente não pode ser emoldurado por argumentos que o torne menos prejudicial do que é na realidade. Diante do fato de que o aquecimento global é um problema emergencial concreto, e diante da certeza de que é causado, em grande parte, pelo desmatamento das florestas, o raciocínio que flexibiliza a sustentabilidade perdeu a validade. A aceitação do prejuízo ambiental como

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resultado inseparável da consolidação da ocupação socioeconômica na Amazônia, além de evidenciar um primitivismo constrangedor, expõe o mundo a um grande perigo. A boa notícia é que os gargalos tecnológicos que obstavam a conquista da sustentabilidade já foram superados. O nível de técnica atual não é o mesmo de vinte anos atrás. No âmbito de assuntos como instalação de infraestrutura, produção, educação e saúde, desenvolveram-se opções tecnológicas que estão inseridas no universo da sustentabilidade e que são passíveis de reprodução numa escala que atenda à demanda existente na Amazônia. Dessa forma, com um pouco de empenho e criatividade, e por outro lado, sem receio do ônus eleitoral, podem ser alcançadas as condições para que ocorra uma transformação efetiva em direção à sustentabilidade. É exatamente do contexto político (e eleitoral) que a sustentabilidade mais depende. Contudo, o eleitor, na Amazônia, tem dado mostras inequívocas de que entende e está de acordo com projetos políticos que se esteiem no ideal sustentável. Projetos que abranjam (e conciliem) temas como instalação de infraestrutura; apoio a atividades econômicas adequadas à realidade do ecossistema florestal da região; universalização da educação, saúde e do acesso à energia elétrica – todos sob uma única perspectiva, a da sustentabilidade. Projetos que assumam preceitos sustentáveis genuinamente amazônicos, reconhecidos no país e fora dele – cuja aplicação deve orientar as políticas públicas levadas a cabo na região.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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VI Postado em 7/12/2008

PRÊMIO PARA A SUSTENTABILIDADE NA AMAZÔNIA A criação do Prêmio Professor Samuel Benchimol, além de representar uma justa homenagem ao acadêmico e empresário amazonense, evidencia uma preocupação do Estado brasileiro para com a sustentabilidade da ocupação produtiva na Amazônia.

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a era do conhecimento, inovação é a palavra-chave”. Esse refrão tem sido repetido insistentemente mundo afora. Todavia, a dimensão da revolução cultural iniciada, sobretudo em âmbito empresarial, pela valorização do conhecimento, ainda está por ser devidamente aferida. O fato é que o conhecimento só se torna algo tangível, ou seja, passível de ser visualizado, quando é convertido em algum tipo de inovação. Inovar é o ato de conceber algo novo ou de suplantar um procedimento já consagrado. A inovação pode significar, por exemplo, a criação de um novo produto, o desenvolvimento de um novo modo fazer ou, ainda, a descoberta de uma acepção diferente para a compreensão da realidade. A busca pela sustentabilidade, que pode ser inserida nesse último tipo de inovação, depreca alto grau de conhecimento; afinal, apenas por meio da plena compreensão acerca das implicações ambientais de determinado produto ou processo produtivo é possível demarcar a fronteira entre o que pode e o que não pode ser considerado sustentável. Essa exigência de conhecimento é ampliada quando a sustentabilidade diz respeito à Amazônia, uma região reconhecida pela sua relevância para o equilíbrio climático do planeta e que já foi chamada, inclusive, de “termostato verde”. Foi justamente com a intenção de reconhecer a geração de conhecimento emanada do esforço de encontrar caminhos para a sustentabilidade da Amazônia que o Ministério do Desenvolvimento instituiu o “Prêmio Professor Samuel Benchimol”. A denominação do prêmio é

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uma merecida homenagem ao acadêmico e empresário amazonense que se dedicou a produzir conhecimento sobre a Amazônia e, o mais importante, a discutir a sustentabilidade da região. O prêmio se volta para o reconhecimento de propostas inovadoras, que, para efeito de julgamento, são distribuídas em três categorias: ambiental, social e econômica. Para cada uma dessas categorias são selecionados três projetos. A cada ano, portanto, nove projetos são distinguidos pela premiação, em face de sua contribuição para a consolidação, na Amazônia, de uma ocupação social e econômica sem o comprometimento do ecossistema florestal. Sendo um daqueles empreendimentos que rapidamente reúnem apoio, o prêmio conta com o aval de agentes financeiros, universidades e institutos de pesquisa da Amazônia – além das federações de indústrias presentes na região. O Prêmio funciona, dessa forma, como uma espécie de vitrine para as propostas selecionadas, divulgando-as para potenciais financiadores. Trata-se, sem dúvida, de importante iniciativa para reconhecer e dar publicidade ao grande volume de informações geradas por experiências e levantamentos realizados na região; informações que comumente ficam esquecidas nos arquivos dos pesquisadores e da academia. E o melhor é que, a cada ideia e a cada premiado, um novo passo é dado para a conquista da sustentabilidade na Amazônia.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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VI Postado em 4/1/2009

2008 DEIXA A AMAZÔNIA MAIS PERTO DA SUSTENTABILIDADE Significativos passos foram dados em 2008 para que a Amazônia se aproxime do desenvolvimento sustentável. A regularização fundiária e o apoio à atividade florestal foram os mais importantes.

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despeito das persistentes taxas de desmatamento, que teimam em não recuar em ano eleitoral, de uma maneira geral, alguns acontecimentos ocorridos em 2008 podem ser considerados como importantes passos para a conquista da sustentabilidade da ocupação social e econômica da Amazônia. Cinco desses acontecimentos merecem ser destacados: o zoneamento do plantio da cana-de-açúcar; o reforço institucional conferido à vocação florestal da região; a criação de uma agência para solucionar os problemas fundiários; as mudanças ocorridas no Ministério do Meio Ambiente; e, por fim, a conclusão da licitação para a primeira concessão florestal da Amazônia. Depois de acirradas discussões, tudo indica que o plantio de cana será proibido na Amazônia. Primeiro, foram os limites políticos – o mundo deixou claro que o aumento da produção de etanol não pode ocorrer à custa de novos desmatamentos; em seguida, foi a vez dos limites técnicos, que evidenciaram a inviabilidade técnica e econômica da produção de cana na Amazônia. O fato é que a região não possui clima adequado para a produção de cana-de-açúcar, sob os níveis de produtividade requeridos para o abastecimento do mercado mundial. Os limites políticos associados aos técnicos influenciaram a realização do zoneamento nacional para produção de etanol – que excluiu a Amazônia da denominada zona de produção. A segunda novidade importante vem da Coordenação do Plano Amazônia Sustentável, o pas. Sob a tutela da Secretaria de Assuntos

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Estratégicos da Presidência da República, a vocação florestal da região foi promovida à condição de prioridade nacional. Além do significado político desse reconhecimento, na prática, o manejo florestal, também reconhecido como tecnologia apropriada para converter essa vocação florestal em emprego e renda, transformou-se em prioridade para as grandes instituições de pesquisas que atuam na Amazônia (como é caso da Embrapa e do Inpa). Outra boa nova vinda da parte dos estrategistas foi a criação de uma agência para a promoção da regularização fundiária na região. Por meio da atuação dessa agência, os problemas fundiários, considerados os maiores entraves para o ordenamento e zoneamento da ocupação produtiva na Amazônia, podem finalmente vir a ser solucionados. A alteração no comando do Ministério do Meio Ambiente trouxe novas prioridades ao órgão. Além de maior vigor no combate aos desmatamentos, a nova equipe tem se esforçado para superar um grande obstáculo para a conquista da sustentabilidade na Amazônia, a falta de recursos financeiros. Assumindo que o sempre contingenciado orçamento da União não poderia ser uma fonte segura para a promoção de atividades produtivas ambientalmente adequadas, o Ministério adotou uma nova tática para a captação de recursos: convencer o mundo que o investimento nessas opções produtivas, consideradas de alto risco e elevado potencial de sustentabilidade, deve ser uma prioridade. O resultado, mais que bem-vindo, foi a instituição do Fundo Amazônia, administrado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, sob o aporte de recursos internacionais que irão financiar projetos produtivos inseridos nos ideais de sustentabilidade. Finalmente – e talvez o mais importante –, em 2008, foi concluído o processo de concessão, para fins de exploração privada, da Floresta Nacional do Jamari, em Rondônia. Depois de um sem-número de demandas judiciais, a novela acabou. Uma vez que a concessão venha a ser efetivada, o ecossistema florestal poderá tomar parte da economia regional, em condições de competir com a criação de boi. Isso é Sustentabilidade.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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VI Postado em 20/9/2009

A AMAZÔNIA PODERÁ ALCANÇAR SUSTENTABILIDADE? Sim. Mas a sustentabilidade não acontecerá como resultado de um processo natural e inexorável. A sustentabilidade precisa ser buscada e conquistada a cada decisão de investimento privado, a cada determinação de política pública. O mundo espera e vai reivindicar uma Amazônia sustentável, aceitando, inclusive, pagar por isso.

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oderá a Amazônia alcançar sustentabilidade? Quantos já não se fizeram essa pergunta e quantos já não a responderam. De Euclides da Cunha aos nossos dias, todos os que têm oportunidade de manter contato com a realidade amazônica em algum momento de sua trajetória profissional não se furtam aos diagnósticos sobre o destino da Amazônia e a conquista da sustentabilidade – é tão forte o assomo causado pela exuberante hiléia, que mais indiferente dos homens não deixa de se consternar ao pensar na possibilidade de destruição da floresta. Quanto à indagação inicial, a Amazônia pode, sim, alcançar sustentabilidade. Mas a positivação da resposta está condicionada a um rol de obrigações a serem cumpridas: o sim se subordina ao desde que. E embora tais obrigações sejam imperativas, lamentavelmente, os brasileiros temos conduzido o tema com perigosa indiferença. O fato é que os diagnósticos e postulados que discutem o desenvolvimento sustentável guardam certo grau de distanciamento conceitual com o dia a dia da região. Ademais, sequer foi superada a busca de consenso em torno da opção produtiva apropriada para se chegar à sustentabilidade – ainda que essa controvérsia remonte aos idos de 1996, quando foi elaborada a Política Nacional Integrada para a Amazônia Legal (Pnial). A Pnial já afirmava a vocação florestal da Amazônia. De lá para cá, a reafirmação dessa vocação aconteceu de modo recorrente (entre outros) em estudos realizados por organizações de promoção do desen100

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volvimento; teses acadêmicas; preceitos que ampliaram as restrições aos desmatamentos; normatizações expedidas por órgãos de controle; e experiências exitosas de uso múltiplo do ecossistema florestal levadas a efeito por comunidades e organizações do terceiro. Sem embargo, ainda há os que defendem um anacrônico modelo de ocupação baseado na agropecuária; como também os que, não vislumbrando alternativa à produção de espécies exóticas vegetais e animais (leia-se soja e gado), singelamente confiam na possibilidade de chegar a existir um infalível aparato público de fiscalização. Mais recentemente, os defensores desse viés fiscalizador se empenharam na consolidação do Zoneamento Ecológico-Econômico, zee. Triste resultado: na prática, em todos os estados em que foi concluído e convalidado por ordenamento legal, o zee abriu espaço territorial para a expansão da agropecuária; ou seja, beneficiou o pecuarista, justamente o agente econômico que sempre foi contrário à realização de zoneamentos. A exploração do ecossistema florestal, de outra banda, foi preconizada pelo Plano Amazônia Sustentável (pas), o mais importante documento de orientação de políticas para a Amazônia dos últimos anos. Estabelecendo diretrizes para a concretização dessa vocação florestal no cotidiano dos agentes econômicos e atores sociais locais, o pas se ancora nos pilares da regularização fundiária (a fim de que o Estado passe a cumprir sua atribuição de ordenador da ocupação) e da difusão da tecnologia do manejo florestal de uso múltiplo (a fim de que os produtores passem a explorar a biodiversidade de forma sustentável). Por meio das tecnologias de manejo da biodiversidade surgidas nos últimos 20 anos, a exploração da diversidade biológica (incluindo-se a madeira) pode se tornar a solução para que a Amazônia alcance sustentabilidade. Clusters florestais poderão ser concebidos e consolidados, potencializando as duas principais vantagens competitivas da região – a imensa diversidade biológica e a existência de contingente populacional com capacidade para manejá-la.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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VI Postado em 17/1/2010

SUSTENTABILIDADE NA AMAZÔNIA AVANÇA EM 2009 Em 2009, o mundo parece ter se alertado quanto à importância da manutenção do ecossistema florestal da Amazônia para o equilíbrio do clima no planeta. Melhor ainda: tudo indica que está disposto a pagar por isso.

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epois da mudança ocorrida, no início de 2008, no comando da área ambiental em Brasília, grande parte dos ambientalistas e organizações não governamentais apressou-se em prognosticar que a Amazônia sofreria significativos retrocessos em relação à sustentabilidade. Mas não foi o que aconteceu. Ao fim de 2009, o balanço é mais que favorável – como demonstra a vertiginosa queda da taxa de desmatamento, que chegou ao seu menor índice desde que a medição começou a ser efetuada, há mais de vinte anos. Em torno de 7.000 km² foram desmatados no período compreendido entre julho de 2008 e agosto de 2009. Ainda é muito, mas nunca se desmatou tão pouco. Sem entrar no mérito das razões que explicam essa queda, não há dúvida que se conseguiu dar um importante passo para a sustentabilidade da Amazônia. Também merece destaque a estruturação do Fundo Amazônia. Gerido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o fundo captou vultosos recursos internacionais (que podem chegar à casa dos bilhões de reais), para investimento em projetos relacionados à sustentabilidade da região. A maior parte desses recursos foi doada a fundo perdido. Trata-se de importante condição, uma vez que os projetos a serem financiados geralmente são de alto risco, requerendo esse tipo de apoio. Algumas experiências já estão sendo executadas, e em curto prazo demonstrarão o potencial da Amazônia para gerar emprego e renda, por meio do manejo da diversidade biológica da região.

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E como é gerido por um banco de fomento, o Fundo Amazônia não enfrentará as dificuldades burocráticas e as suscetibilidades ideológicas que comumente se observam na esfera ambiental dos governos. O fundo rompe ainda com as orientações que persistiam no Ministério do Meio Ambiente desde 2003, de que não haveria necessidade de recursos internacionais para o financiamento da sustentabilidade na Amazônia. Essas orientações, na verdade, embutiam um equivocado e retrógrado sentimento nacionalista em relação à região, no sentido de que “como a Amazônia é brasileira, só diz respeito aos próprios brasileiros”. Foram necessários alguns anos e vários contingenciamentos orçamentários para perceber-se o óbvio: o mundo quer e deve pagar pela sustentabilidade da Amazônia, simplesmente em razão de que a Amazônia presta um serviço inestimável para a manutenção do clima no planeta e precisa ser remunerada por isso. Ainda que a mídia e os ambientalistas em geral se esforcem para retratar o fracasso da decisiva cop ocorrida em Copenhague, o fato é que, depois da realização dessa conferência, certamente haverá oferta de recursos para o financiamento de ações (como restauração das matas ciliares e manutenção da floresta em pé) direcionadas à sustentabilidade da Amazônia. São resultados que parecem singelos – em especial para os que esperavam expressivas alterações no processo industrial atual –, mas que representam uma mudança de atitude fundamental. De Copenhague em diante, os dilemas para o desenvolvimento sustentável serão superados, e a Amazônia e o seu ecossistema florestal serão fundamentais nesse processo.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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VI Postado em 23/5/2010

SUSTENTABILIDADE DEPENDE DE MAIS ENGENHEIROS E MENOS ESPECULADORES Resgatar o lugar da Engenharia nesse emaranhado de discussões que se transformou a Amazônia é o que pretendem os organizadores do II Fórum Internacional de Desenvolvimento Sustentável, que começa dia 24, amanhã, em Arequipa, no Peru.

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ampla maioria dos que possuem poder de decisão e de influência em assuntos relacionados à sustentabilidade da Amazônia não tem formação em Engenharia. Em todas as áreas do conhecimento conexas ao tema, a história se repete. Pode ser o caso de um deputado que teima em propor o que chama de um novo código florestal, mas que não é engenheiro florestal; também pode ser o caso do ambientalista que tece críticas ferrenhas às hidrelétricas em fase de construção no rio Madeira, mas que não é engenheiro eletricista, civil, mecânico ou ambiental. A ausência do profissional de Engenharia pode ser justificada por uma razão tão simples quanto duvidosa: a discussão nunca é técnica, mas política. A discussão política encobre, na verdade, todos os tipos de afirmações equivocadas, falta de domínio sobre o tema e, o pior, banalização (ou popularização, como se diz) de temas complexos, cuja discussão exige um mínimo de formação. Não se nega a importância do envolvimento da sociedade nas discussões; defende-se, contudo, uma participação qualificada. Os dois exemplos trazidos à baila (código florestal e hidrelétricas) talvez sejam os que mais refletem a falta que os engenheiros fazem. No primeiro caso, evidencia-se um significativo paradoxo, uma vez que a profissão de engenheiro florestal, provavelmente a mais afeta-

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Da Amazônia: 100 artigos


da em sua prática cotidiana pelas alterações na respectiva legislação, é a que se encontra mais distante das decisões em torno da proposta de novo código florestal. De outra banda, se fossem ouvidos os engenheiros que atuam na construção das hidrelétricas e na geração de energia, a controvérsia certamente não se limitaria aos argumentos dos que são contra e dos que são a favor das hidrelétricas. Afinal, o que de fato interessa à sociedade brasileira é a discussão sobre a tecnologia de hidroeletricidade a ser empregada nas usinas – que devem ser instaladas o mais depressa possível, para atendimento da demanda por energia elétrica. A fim de promover um debate sobre esse espaço político de decisão e de influência tão necessário à Engenharia, sobretudo na região amazônica, a Federação Nacional dos Engenheiros, em conjunto com o Sindicato dos Engenheiros do Estado do Acre e com a ong Engenheiros Solidários, está realizando o II Fórum Internacional de Desenvolvimento Sustentável da Amazônia Sul-Americana. Temas como geração de energia e produção sustentável serão discutidos no evento, que tem programação prevista em cidades do Brasil, da Bolívia e do Peru. Não se trata de pôr a Engenharia a serviço do progresso a todo custo ou de interesses de governo. A ideia é discutir e evidenciar a importância da Engenharia, no que se refere à conquista dos ideais de sustentabilidade que o mundo exige para a Amazônia. Afinal, a sustentabilidade depende mais de engenharia do que de especulações.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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VI Postado em 25/7/2010

CASA DE MADEIRA É MELHOR PARA SUSTENTABILIDADE A despeito da preferência geral pela obra em alvenaria, a construção de casas em madeira é melhor para a sustentabilidade, sobretudo na Amazônia. Além de mais bonita, a madeira é mais ecológica.

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s avanços obtidos em direção a um mundo sustentável estão relacionados à capacidade de a humanidade efetuar uma leitura concreta, aquela que pode ser compreendida pela população, do que vem a ser desenvolvimento sustentável. É provável que essa leitura concreta tenha sido finalmente alcançada depois que os países associados à Organização das Nações Unidas aceitaram como fato o que os especialistas de todo mundo vinham, há tempos, alertando – o planeta está em processo de aquecimento perigoso, além do normal, o que poderá causar a falência da economia em condições bem mais catastróficas do que a quebra da Bolsa americana, nos idos da década de 1920. E a responsabilidade por esse processo de aquecimento é da própria humanidade; ou seja, uma vez que o padrão de consumo humano se baseia na premissa de que o petróleo não acabaria nunca, chegou-se a uma lista de itens de consumo (incluindo produtos e serviços), para atendimento da demanda mundial, que o planeta pode não conseguir mais ofertar. A consequência mais visível e perigosa imposta por esse padrão perdulário de consumo é a elevada quantidade de fumaça (ou gases) jogada na atmosfera pelos caminhões, pelo desmatamento das florestas, pelas indústrias, entre outros. Entre os gases presentes na fumaça, o que mais contribui para a mudança do clima é o co2, ou gás carbônico – em vista, sobretudo, da sua quantidade e do seu tempo de permanência na atmosfera (co2 é a combinação entre carbono e oxigênio).

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Da Amazônia: 100 artigos


Enfim, depois dessas constatações, a sustentabilidade ficou bem mais palpável. Trata-se, a partir de agora, de reduzir-se o uso de matérias-primas e de processos produtivos que sejam intensivos em carbono. Essa redução só será possível por duas vias: o desenvolvimento e a promoção de inovações tecnológicas em processos industriais; e o emprego de matérias-primas cujo balanço entre o carbono que emitem e o que retiram da atmosfera seja zero, ou quase zero. Economia de baixo carbono foi a designação dada ao novo padrão de consumo assumido pela humanidade; e é no âmbito dessa nova economia que se renova a importância de uma matéria-prima consumida desde remotos tempos e que vinha sendo rejeitada ano após ano – a madeira. Seja oriunda de florestas plantadas para fins específicos (como a produção de papel, móveis, carvão, dormentes e outros); seja oriunda de florestas nativas, manejadas para atender a mercados variados, a madeira passa a ser uma matéria-prima fundamental na nova ordem econômica. Entre os mercados atendidos pela madeira, o da construção de habitações é, provavelmente, o mais interessante para a sustentabilidade. Nesse caso, a madeira substitui uma grande quantidade de matérias-primas procedentes de jazidas (a construção em alvenaria usa cimento, tijolo e areia, jazidas que produzem muito carbono e não são renováveis). Ademais, como a madeira é, praticamente, 100% carbono puro, a construção de casas de madeira imobiliza uma gigantesca quantidade de co2. Um novo ciclo de construções em madeira irá iniciar-se. E ao invés de ser lançado para a atmosfera, causando efeitos nefastos ao planeta, o carbono fixado nas paredes das casas de madeira protegerá e embelezará a vida das pessoas.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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VI Postado em 13/2/2011

2011 – ANO INTERNACIONAL DAS FLORESTAS E A AMAZÔNIA A onu aprovou resolução declarando 2011 como Ano Internacional das Florestas. É o momento de os estados amazônicos promoverem o tema da conservação do ecossistema florestal na Amazônia.

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o intuito de promover uma profunda reflexão sobre a importância da cobertura florestal existente no planeta, a Organização das Nações Unidas, onu, reunida em assembleia dia 20 de dezembro último, aprovou resolução declarando 2011 como Ano Internacional das Florestas. Demonstrando domínio sobre as controvérsias que envolvem o tema das florestas, a onu foi além e orientou que as atividades a serem realizadas mundo afora tenham como foco a conservação e o desenvolvimento das florestas, bem como a conscientização quanto ao papel decisivo que as formações florestais desempenham para o desenvolvimento sustentável mundial. Mais ainda, a onu considera que os eventos motivados pelo Ano Internacional das Florestas devem mobilizar a comunidade mundial (incluindo-se governos, organizações internacionais e grupos civis), para o fim de assegurar que as florestas sejam manejadas de forma sustentável, para o bem das gerações atuais e futuras. Trata-se, sem dúvida, de extraordinária iniciativa para os que vivem em regiões como a Amazônia e se preocupam com os seus rumos. A onu acertou em cheio, tanto ao reconhecer a crucial função econômica, social e ecológica das florestas quanto ao admitir o potencial da tecnologia de manejo de uso múltiplo para garantir a manutenção das formações florestais e o desenvolvimento sustentável. Por sinal, os preceitos que embasam a sustentabilidade estão estreitamente vinculados aos ecossistemas florestais. Raramente haverá algum tipo de impacto ambiental cuja solução não esteja, direta ou indiretamente, associada às formações florestais nativas ou às florestas plantadas. 108

Da Amazônia: 100 artigos


Do lixo à geração de energia elétrica – passando pela poluição atmosférica urbana, pelos ciclos hidrológicos dos rios e pelas repetidas tragédias envolvendo alagações e desbarrancamentos (como as que ocorreram em Friburgo e Santa Catarina) –, as florestas ou a ausência delas têm relação com a solução ou o agravamento do problema. Afinal, são as florestas que possibilitam a contenção de encostas; são as matas ciliares que regulam o ciclo hidrológico dos rios e mantêm a água no sistema hídrico, garantindo as características físicas dos solos e evitando erosão e assoreamento dos fluxos d’água; são as florestas que retiram o carbono da poluição atmosférica; e, finalmente, são as florestas que fornecem as condições para que haja vida com elevada diversidade biológica. Mas, que não se engane. Para que esses serviços ambientais sejam prestados, é fundamental que se compreendam duas questões. Primeiro, que as florestas não fazem isso por acaso, ou por sua mera existência; elas precisam ser manejadas, como alvitra a resolução da onu. Além disso – e talvez aqui esteja o grande e insuperável gargalo –, esses serviços têm que ser remunerados. Ou seja, os donos das áreas com florestas precisam ser pagos por esses múltiplos usos; do contrário, outras atividades produtivas, que dependem do desmatamento, serão priorizadas. Não existem mais dúvidas: está na valoração da floresta, no retorno financeiro que cada hectare de floresta manejada pode auferir, a solução definitiva para garantir a manutenção das formações florestais e, assim, chegar-se ao desenvolvimento sustentável. O alerta da onu é claro e precisa ser recebido com alegria pelos amazônidas. Os nove países associados à Organização do Tratado de Cooperação Amazônico e os nove estados amazônicos brasileiros devem realizar eventos que promovam essa discussão. No Ano Internacional das Florestas, a Amazônia, maior floresta tropical do mundo, só tem a ganhar.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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VI Postado em 31/12/2011

NA AMAZÔNIA, A SUSTENTABILIDADE RECUA EM 2011 A sustentabilidade recuou na Amazônia em 2011. Os resultados da cop 17 foram decepcionantes, e as alterações promovidas no Código Florestal certamente redundarão em novas frentes de desmatamento legalizado – o que, por sua vez, poderá reverter a tão festejada tendência de queda na taxa de desmatamento. É esperar para ver.

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mbora mantida a leve tendência de queda nas taxas de desmatamento, a sustentabilidade na Amazônia sofreu dois duros golpes em 2011. E o primeiro deles diz respeito às profundas alterações ocorridas no Código Florestal. Não deveria ter sido motivo de comemoração, mas a manutenção da tendência de queda nas taxas de desmatamento foi transformada em vitrine internacional pelo Estado brasileiro – que, desse modo, tentou mostrar ao mundo que o país não apenas estaria preocupado com o desmatamento na Amazônia, como também resolvendo um problema que parecia insolúvel. É fato, porém, que a despeito de permanecer em níveis ainda muito elevados (ostentando coeficiente de dois dígitos), a taxa de desmatamento vem caindo ao longo dos últimos cinco anos, um comportamento que faz com que os ambientalistas sonhem com a possibilidade de, num futuro próximo, chegar-se a uma taxa zero. Todavia, é fundamental que se interpretem as razões e a dinâmica do desmatamento, para entender-se a tendência de queda. Que o poder de fiscalização dos órgãos responsáveis pelo monitoramento da cobertura florestal na Amazônia foi ampliado, não há dúvida. Aumentou-se o número de fiscais, e as operações de fiscalização ficaram mais abrangentes e mais frequentes. Tem havido, ademais, menos condescendência com os infratores; muitas pessoas foram detidas e submetidas a constrangimentos por policiais federais – cuja atuação, outrora questionada, não mais se discute. 110

Da Amazônia: 100 artigos


Por outro lado, o desmatamento legalizado, aquele permitido por lei – que, no caso da Amazônia pode alcançar 20% da área das propriedades privadas (os outros 80% são destinados à reserva legal) – chegou ao fim. O desmatamento regularizado foi completado, por exemplo, na maioria dos municípios localizados na região do denominado Arco do Desmatamento. Portanto, nessa região, todo desmatamento passou a ser ilegal. A fiscalização, sem dúvida, ficou mais simples, objetiva e eficiente. Isso significa que a tendência de queda será mantida, desde que não surjam novas frentes legalizadas de desmatamento. Mas, ante as alterações propostas no projeto de código florestal aprovado pelos senadores sob o apoio do governo federal, essa tendência de queda poderá ser revertida. Com efeito, a supressão da obrigatoriedade de reserva legal para áreas de até quatro módulos fiscais; a inclusão da mata ciliar, considerada app (área de preservação permanente), no cálculo da reserva legal; e, ainda, a diminuição da largura mínima da mata ciliar – todas essas medidas, em curto prazo, certamente originarão novas possibilidades de desmatamento legitimado. É esperar para ver. O segundo golpe sofrido pela sustentabilidade na Amazônia foi o decepcionante desfecho da cop 17: os resultados da conferência das Nações Unidas em relação à negociação de um novo protocolo para o clima ficaram bem aquém do que ansiava a sociedade. Longe de darem passos significativos rumo à economia de baixo carbono, baseada em recursos renováveis, os países se resignaram, diante da crise econômica internacional, a postergar as ações de redução das emissões de carbono que estavam previstas para 2012. Adiaram-se as tão aspiradas metas de redução para um futuro incerto, sob a singela promessa de que, a partir de 2020, a contenção das emissões não será mais voluntária, mas obrigatória para as nações signatárias do novo acordo. Mesmo a criação de um fundo internacional – que prevê indenização aos países subdesenvolvidos que venham a assumir metas arrojadas de redução das emissões – não compensou o desapontamento com a cop 17. Esperava-se mais; bem mais. A sustentabilidade na Amazônia não irá acontecer por mera imposição temporal. A sustentabilidade terá que ser buscada, alcançada, conquistada; e cabe a nós, amazônidas, fazê-lo. Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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VI Postado em 16/09/2012

SUSTENTABILIDADE DO DIA A DIA: TÁBUA DE CARNE A sustentabilidade do dia a dia, aquela que se constrói no cotidiano, exige conhecimento sobre uma série de quesitos relacionados à origem da matéria-prima e ao processo produtivo. A compra de uma singela tábua de carne de madeira ajuda a sustentabilidade, enquanto que a aquisição de uma tábua de plástico prejudica em muito.

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razer para a realidade cotidiana dos indivíduos os preceitos inseridos no conceito de Desenvolvimento Sustentável exige grande esforço de elaboração e de compreensão. Se, por um lado, é preciso atentar para as implicações sociais, econômicas e ecológicas (somente para ficar nessas três) do processo de desenvolvimento, por outro lado, é necessário grande domínio do tema para reconhecer nos produtos, bens e serviços o atributo da sustentabilidade. Afora o exercício comum, e que não acaba nunca, da retórica da sustentabilidade – no qual muitos estacionam, com tranqüilidade e comodismo, achando que basta atribuir o rótulo de “verde”, “ecológico” ou “sustentável”, que as diretrizes de sustentabilidade estariam satisfeitas –, poucos itens consumidos diariamente podem, de concreto, ser denominados de sustentáveis ou obter um selo de sustentabilidade. Não seria sensato achar que todo o mundo use dessa retórica da sustentabilidade por má-fé ou para obter algum tipo de benefício. Há casos em que as pessoas simplesmente não conseguem se informar, de maneira precisa, sobre os elementos que devem estar relacionados ao processo produtivo ou à origem da matéria-prima, para tornar algum produto bom ou ruim para a sustentabilidade. Diga-se que é difícil esmiuçar o rol de itens diariamente consumidos pelas pessoas, estabelecendo, para cada um, os princípios de sustentabilidade que deveriam estar associados à sua produção, em todos os elos do que os planejadores gostam de chamar de cadeia produtiva.

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Da Amazônia: 100 artigos


Ao se adquirir uma singela tábua de carne, por exemplo, pode-se estar ajudando a humanidade a se aproximar da sustentabilidade ou a ir para longe dela. Uma análise ligeira desse produto, portanto, considerando-se apenas dois elementos importantes para a sustentabilidade – o tipo e a origem da matéria-prima –, pode ajudar no momento de se tomar uma decisão de consumo bastante elementar. Existem, no mercado, tábuas de carne produzidas mediante o emprego de três tipos de matéria-prima: vidro; plástico/pvc (ou outro derivado do petróleo); e madeira. Um primeiro ponto importante para a sustentabilidade é o fato de que tanto o vidro quanto os derivados do petróleo são oriundos de jazidas – veios existentes na natureza que um dia se esgotam. Trata-se de matérias–primas não renováveis, ou seja, que uma vez retiradas, não podem ser restituídas ao ecossistema. Ademais, esses produtos, ao serem descartados como lixo, não são assimilados pelo meio. Se esse lixo vai ou não ser reutilizado (ou reciclado, como os apressados vão defender), dependerá de uma série de políticas públicas que, infelizmente, não existem. Mas, isso é tema para outro artigo. No caso dos derivados de petróleo, há ainda um agravante muito perigoso. Esses produtos são intensivos no elemento químico carbono, considerado um dos principais gases causadores do efeito estufa – fenômeno responsável pelas mudanças do clima, que, por sua vez, põem em risco a sobrevivência do planeta. Vale dizer, matéria-prima à base de petróleo deve ter seu emprego reduzido, e com urgência. Quanto à madeira, diferentemente do vidro e dos plásticos, é uma matéria-prima renovável; ou seja, ela volta para o ecossistema (mediante o plantio de árvores, por exemplo) e pode ser produzida sob a técnica do manejo florestal. Além do mais, como toda dona de casa e todo bom apreciador de churrasco sabem, cortar uma carne sobre uma tábua de madeira é bem mais prazeroso. A madeira possui qualidades de uso que a torna preferida. Comprar uma tábua de carne de madeira é ajudar a construir a sustentabilidade no dia a dia, mas, infelizmente, poucos sabem disso.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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s universidades federais vivem em permanente discussão sobre o dilema: especialização versus universalização. A maioria defende que os cursos oferecidos em todas as universidades, estejam elas localizadas no Rio Grande do Sul ou no Acre, devem ser os mesmos, similares em tema e conteúdo. Uma minoria, contudo, que inclui o próprio Ministério da Educação, entende que, como a formação deve se adequar à realidade local, devem ser priorizados cursos que sejam coerentes com a sociedade e com a vocação produtiva existente na respectiva região na qual a universidade se insere. O ajustamento à vocação social e econômica regional ajuda a fornecer à instituição uma identidade própria, que a diferencia perante o sistema de ensino superior. No caso da Amazônia, esse ajustamento está diretamente vinculado à conquista da sustentabilidade. A universidade passaria a ter como referência a diversidade biológica presente no ecossistema florestal e a diversidade cultural do produtor extrativista, responsável pelo manejo desse ecossistema.


VII Postado em 14/6/2009

DESAFIOS PARA UMA ENGENHARIA FLORESTAL AMAZÔNIDA O desenvolvimento de tecnologias para o manejo dos múltiplos produtos que o ecossistema florestal pode ofertar foi um dos desafios que a Engenharia Florestal da Amazônia conseguiu vencer na década de 1990. Mas ainda falta muito para se chegar ao uso sustentável da diversidade biológica na região.

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á mais de 20 anos a ciência florestal exercida na Amazônia se concentra no esforço de gerar conhecimentos e inovações tecnológicas que favoreçam o uso sustentável da imensa diversidade biológica existente na região. Trata-se de um grande desafio. Além de exigir a concepção de inovações tecnológicas complexas, a empreitada encontra resistências de toda ordem – das ideológicas às espiritualistas. Ocorre que, ao se voltar para o uso sustentável (relacionado à conservação da floresta), a ciência florestal precisa desenvolver metodologias para a exploração de cada recurso. Essa exploração pode significar, por exemplo, o abate de uma árvore milenar (para aproveitamento da madeira) ou de um animal selvagem (para aproveitamento da carne). Ambos os procedimentos são encarados sob grande preconceito pela sociedade. Ainda na década de 1990, instituições de pesquisas atuantes na Amazônia, como a Embrapa, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e a Fundação de Tecnologia do Acre (Funtac), associadas a algumas organizações da sociedade civil, como o Centro dos Trabalhadores da Amazônia (cta), também do Acre, lograram desenvolver procedimentos técnicos que possibilitaram adequar a atividade florestal ao âmbito da pequena unidade familiar presente no interior da floresta – a colocação de seringueiro.

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Tornou-se possível, dessa forma, a oferta de um leque variado de produtos e serviços oriundos do ecossistema florestal amazônico. A essa tecnologia foi dada a denominação de manejo florestal de uso múltiplo. Passados 15 anos de sua concepção inicial, essa inovação tecnológica ganhou destaque. A recente Lei de Gestão de Florestas Públicas (lei 11.284/06), que instituiu o mecanismo das concessões florestais e criou o Serviço Florestal Brasileiro, tem o manejo florestal de uso múltiplo como princípio norteador. No âmbito estadual, não é diferente. Nos estados do Acre, Amapá e Amazonas, por exemplo, existe um arcabouço normativo de política florestal e de gestão ambiental que assume essa tecnologia como referência principal para o uso múltiplo da floresta na região. A despeito desses avanços, contudo, a propalada biodiversidade ainda requer muito esforço técnico e financeiro para ser alçada à condição de solução para os problemas que afligem a região. Apoiando-se numa Engenharia Florestal dedicada aos ideais do conservacionismo, que acredita na possibilidade técnica e política da exploração sustentável da biodiversidade, a Amazônia deve investir na promoção e desenvolvimento de procedimentos tecnológicos que orientem o uso dos múltiplos produtos e serviços que o ecossistema florestal pode ofertar. É hora de superar as resistências e assumir que a saída possível é o manejo florestal de uso múltiplo – uma tecnologia que já comprovou seu potencial para promover, na Amazônia, o desenvolvimento sustentável que o mundo espera.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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VII Postado em 11/7/2010

10 ANOS DE ENGENHARIA FLORESTAL NO ACRE, 50 NO BRASIL Os engenheiros florestais podem e devem comemorar. Afora a importância da profissão para a produção brasileira de papel e celulose, foi a Engenharia Florestal da Amazônia que demonstrou a viabilidade do uso múltiplo da floresta.

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de julho é o dia dos engenheiros florestais. Foi nessa data que o primeiro curso de Engenharia Florestal do país iniciou suas atividades, há 50 anos – em 1960; e foi nessa data que, há 10 anos, o primeiro curso de Engenharia Florestal da Ufac teve início, no Acre. Motivos para comemorar não faltam. Afinal, os silvicultores brasileiros são reconhecidos por sua excelência na condução de povoamentos florestais, sobretudo os destinados à produção de papel e celulose. Os engenheiros florestais contribuíram de forma significativa para que o Brasil se tornasse o quinto maior produtor de madeira de florestas plantadas do mundo. Tirando proveito das condições climáticas presentes em quase todo o território nacional, os florestais ajudaram a desenvolver variedades e clones de espécies como eucaliptus e pinus, obtendo índices de produtividade superiores à média internacional. Na Amazônia não foi diferente. Desde a década de 1950 – quando a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, fao, trouxe para a região um primeiro grupo de engenheiros florestais alemães e americanos –, uma ciência florestal para o ecossistema amazônico vem sendo estruturada em bases sólidas. Os engenheiros florestais que atuam na Amazônia talvez sejam os únicos (considerando-se os demais países amazônicos), a conceber e a pôr em prática um sistema procedimental – denominado de Sistema Silvicultural para a Amazônia –, que tornou viável, sob o ponto de vista ecológico, técnico e econômico, a exploração de madeira tropical dura, na várzea e em terra firme, mediante a tecnologia do manejo florestal.

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Esses engenheiros sabem como proceder numa floresta tropical nativa, a fim de derrubar uma árvore, arrastá-la, transportá-la e, por último, serrar e secar a madeira que vai atender à demanda da sociedade por carteiras escolares e móveis domésticos, por exemplo. Para alcançar esse nível de tecnologia na produção de madeira, foi necessária muita pesquisa e muita criatividade. Mas, é bem provável que tenha sido do pequeno e singular Acre que surgiram as inovações tecnológicas mais recentes e mais importantes para a renovação da ciência florestal na Amazônia. Essas inovações foram concebidas, basicamente, para a solução de dois problemas cruciais. O primeiro, relacionado à obtenção e estruturação de áreas florestais destinadas ao extrativismo florestal, levou às reservas extrativistas. A concepção da reserva extrativista, um tipo de unidade de conservação hoje reconhecido em todo o país, contou a participação efetiva de um grupo de florestais atuantes no estado. Se a criação das reservas extrativistas exigiu esforço de política florestal, o segundo problema iria requerer empenho técnico no campo do manejo florestal. Tratava-se, então, de desenvolver um conjunto de procedimentos, a fim de elevar o extrativismo ao nível técnico do manejo florestal. Mediante o estabelecimento da tecnologia do manejo florestal comunitário para a produção de madeira, os extrativistas se transformaram em manejadores florestais. O passo seguinte – um passo definitivo para a ciência florestal amazônica – levou ao manejo florestal de uso múltiplo. Por essa tecnologia, foi possível a oferta de mais de 40 itens na cesta de produtos oriunda das unidades produtivas presentes no interior da floresta (as denominadas colocações de seringueiro), incluindo-se os serviços ambientais de sequestro de carbono e de produção de água. Mais que solucionar problemas relacionados à produção florestal amazônica, os engenheiros florestais do Acre estão escrevendo uma nova história. O futuro dirá.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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VII Postado em 5/6/2011

100 ENGENHEIROS FLORESTAIS FORMADOS NO ACRE O curso de Engenharia Florestal da Ufac comemora a formação do centésimo engenheiro florestal. Diante do histórico de contribuições dessa ciência para a consolidação, na Amazônia, de uma economia baseada no ecossistema florestal, uma coisa é certa: não vai faltar trabalho.

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próximo engenheiro florestal que se formar no Acre será o centésimo. Uma importante marca, que representa o esforço de profissionais e instituições que acreditaram, ainda no ano 2000, na criação de um curso direcionado para atuar com a maior riqueza do estado – a floresta. Nos últimos 20 anos, o Acre passou por profundas transformações. Em nenhum outro momento da história recente do estado, investiu-se tanto na construção de infraestrutura de apoio ao seu desenvolvimento. Sem embargo, é a valorização do ecossistema florestal, como indutor do processo de desenvolvimento, que definirá o Acre do futuro. Ocorre que a valorização do ecossistema florestal – de forma a promover-se a geração de emprego e renda em condições superiores às proporcionadas pelas atividades produtivas que dependem do desmatamento – requer criatividade, vontade política, clareza de propósitos e, evidentemente, engenheiros florestais. A boa notícia é que um longo caminho já foi percorrido para que a floresta venha a ter mais valor que o desmatamento. Um passo fundamental em direção a essa transformação produtiva foi dado no decorrer da década de 1990, quando um conjunto de técnicos (a maioria engenheiros florestais) e de lideranças sindicais (como Chico Mendes) concebeu um novo tipo de unidade de conservação – a que se denominou de reserva extrativista. Essas áreas, que na atualidade compreendem um território de mais de 2,5 milhões de hectares, são instituídas pelo poder público e entre-

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gues às comunidades de extrativistas, para que se apliquem ali modelos de exploração florestal compatíveis com a capacidade de regeneração do ecossistema. Princípio elementar da tecnologia do manejo florestal. Mais importante ainda é que, nessas áreas, só é possível a geração trabalho e renda por meio de atividades produtivas vinculadas à floresta; ou seja, a legislação impede a comercialização da produção agrícola e pecuária, admitidas tão somente para fins de subsistência. Outro feito significativo para a consolidação de uma economia florestal foi a concepção e aplicação, em escala experimental, da tecnologia do manejo florestal comunitário. Novamente, uma contribuição do Acre, tendo em vista que os projetos pioneiros de manejo florestal comunitário tiveram origem no estado. Sob crescente demanda, a produção comunitária de madeira foi sendo paulatinamente diversificada, mediante a introdução de produtos como copaíba, açaí, murmuru, cipó unha-de-gato, além de sementes florestais e da fauna silvestre. Essa diversificação exigiu dos engenheiros florestais a concepção de uma tecnologia de manejo apta a abranger a extração de todo o leque de produtos oriundos do ecossistema florestal. Surgiu, então, a tecnologia do manejo florestal de uso múltiplo, que pode ser definida, grosso modo, como a possibilidade de agregar numa unidade produtiva toda a matéria-prima, produto e serviço oriundos da diversidade biológica do ecossistema florestal e que sejam passíveis de manejamento. Em vista dessa expressiva acumulação teórica em ciência florestal no Acre, a demanda por profissionais com formação superior é grande – tão grande quanto a biodiversidade do ecossistema florestal na Amazônia. O que significa que os 100 engenheiros florestais formados no Acre têm muito trabalho pela frente.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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VII Postado em 16/10/2011

RESIDENTES FLORESTAIS SERÃO FORMADOS NO ACRE Sob o apoio do Fundo Amazônia, uma segunda turma de residentes florestais será formada até 2012. Tal como ocorre na Medicina, a ideia é que os residentes florestais passem por um período de formação em serviço, com vista ao aperfeiçoamento de sua atuação profissional.

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a mesma forma como ocorre na Medicina, a Engenharia Florestal vem, há alguns anos, discutindo a necessidade de instituir programas de residência, no intuito de preparar o profissional recém-graduado para o cotidiano da profissão. Ao lidar com os destinos da maior floresta tropical do planeta, o engenheiro florestal que atua na Amazônia se depara com desafios relacionados à exploração manejada da imensa diversidade biológica presente no ecossistema florestal amazônico. Desafios que aumentam de acordo com a demanda da sociedade e do agravamento da crise ecológica global. Se tradicionalmente o manejo florestal se direcionava para a oferta de produtos como borracha e madeira, agora a floresta também deve oferecer o que desde 1992 vem sendo denominado de serviços ambientais. Seja para encontrar soluções para a restauração florestal da mata ciliar dos rios, garantindo-se, dessa forma, o abastecimento d’água; seja para retirar a fumaça e o carbono da atmosfera, e, assim, purificar-se o ar; seja ainda para impedir que uma espécie, animal ou vegetal, corra risco de extinção – o engenheiro florestal precisa ser mais que um graduado, precisa da experiência e do discernimento que a residência pode propiciar. Fruto de um esforço institucional único, a residência florestal do Acre logrou reunir o governo do estado, a Universidade Federal do Paraná e a Universidade Federal do Acre num programa que irá introduzir no mercado de trabalho, em 2012, um total de 20 profissionais.

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Financiado com recursos oriundos do Fundo Amazônia, geridos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social e incorporados ao orçamento estadual por meio do Fundo Estadual de Florestas, o Programa de Residência Florestal está estruturado em duas ações prioritárias: contato profissional em expediente de trabalho permanente por 12 meses e uma especialização modular em Gestão Empresarial. Não há dúvida de que essa metodologia da formação em serviço – que associa, por um lado, a orientação de um professor do curso de Engenharia Florestal da Ufac com grau de mestrado ou doutorado, na condição de preceptor; e por outro, a experiência prática dos profissionais que já se encontram inseridos no mercado de trabalho – fornece aos residentes a bagagem necessária para enfrentar a complexidade que a região amazônica adjudica ao exercício da profissão. A expectativa dos envolvidos na execução do programa, desde a formação da primeira turma em 2008, é que futuramente novas turmas de residentes venham a ser constituídas, em função da demanda de algum agente econômico ou setor específico da sociedade. Simples assim. Se uma empresa ou um grupo de empresas tem interesse em contratar engenheiros florestais, pode ajustar com a Ufac a realização de um programa de residência, ao final do qual terá condições de eleger os profissionais mais capacitados para as vagas. Para os empreendedores, duas vantagens justificam a formação de uma turma de residentes. Em primeiro lugar, no período de 12 meses de duração do programa, a empresa terá a sua disposição, sem vínculo de emprego e sem dispêndio financeiro (já que os residentes são remunerados por meio de bolsas), os serviços prestados por engenheiros florestais formados. A segunda vantagem é ainda mais significativa. Somente quem lida com a rotina de administrar e viabilizar um empreendimento empresarial conhece as dificuldades para selecionar e manter um time profissional de primeira qualidade. A residência facultará ao empregador um prazo de 12 meses, no qual poderá avaliar, durante o expediente de trabalho, o profissional a ser contratado. E o mais importante, afinal: por via da residência, a sociedade poderá contar com um profissional mais qualificado para o gerenciamento de nossas florestas. Que venham, então, os residentes.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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VII Postado em 4/3/2012

SEXTA SEMANA FLORESTAL DO ACRE Sob o sugestivo tema “Energia Renovável e Biomassa Florestal”, inicia-se amanhã a Sexta Semana Florestal do Acre, um evento que já se consolidou na agenda anual da série de acontecimentos que tratam, no estado, do uso múltiplo do ecossistema florestal.

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fim de discutir a importância do ecossistema florestal amazônico para a geração de energia elétrica, os envolvidos com o setor florestal no Acre estarão reunidos, de 5 a 9 de março de 2012, num evento que já se tornou tradicional, inserindo-se num cronograma permanente de debates sobre o uso múltiplo e sustentável da biodiversidade existente na região. A “Semana Florestal” ocorre em todo início de ano letivo no âmbito do curso de Engenharia Florestal da Universidade Federal do Acre, demarcando um momento oportuno para se avaliar a nova safra florestal que se inicia com o fim do inverno e das cheias. Indo além das tradicionais “semanas” acadêmicas, a semana florestal procura reunir órgãos de governo, organizações da sociedade civil, empresários, técnicos, pesquisadores e acadêmicos em torno da discussão de algum tema relevante para a conservação (ou exploração sob técnicas de manejo florestal) do ecossistema florestal na Amazônia. Os temas selecionados pelos organizadores do evento já aludiram à Biodiversidade, em sua primeira edição; ao Desenvolvimento Tecnológico para Alternativas Florestais, na segunda edição; ao Manejo Florestal de Uso Múltiplo, na terceira edição; às Reservas Extrativistas, na quarta edição. Em 2011, na quinta vez em que a semana foi realizada, o tema eleito referiu-se ao Manejo Florestal Empresarial. Para 2012, a semana florestal propõe-se a debater o grande leque de oportunidades abrangido pela geração de energia elétrica considerada como tecnologia limpa. Depois que o preço do barril de petróleo alcançou a cifra dos 80 dólares (tendo transitado, nos últimos 30 anos, pela casa dos 20 dólares), as opções de geração de energia elétrica alternativas ao óleo diesel

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Da Amazônia: 100 artigos


ganharam evidência. Se antes esses combustíveis alternativos não podiam competir, em termos de preço, com o petróleo, agora o seu uso pode mesmo chegar a superar a geração de energia elétrica nas termoelétricas movidas a óleo diesel. Todavia, o problema do petróleo vai além do econômico, representado pelos preços em ascensão. Há outras duas variáveis que movem os pesquisadores mundo afora, na busca por novas opções para a geração de energia elétrica. A primeira dessas variáveis remete ao fato de que o petróleo é uma jazida, um recurso natural não renovável – ou seja, um dia ele acaba. Há especulações, com forte embasamento técnico, prevenindo que a partir de 2050 a curva de oferta de petróleo em todo o planeta se inverterá, e o recurso iniciará seu processo inexorável de exaustão. Difícil imaginar a vida sem petróleo, e mais difícil ainda é acreditar que um dia esse recurso acabará; mas é o que acontece com as jazidas, e esse raciocínio inclui as novas descobertas (como as brasileiras) no oceano profundo. Isso quer dizer que, mais cedo ou mais tarde, os países terão que descobrir substitutos para o petróleo – seja para movimentar os automóveis, para iluminar as habitações humanas, seja para os inúmeros outros usos dados a esse recurso. Fazer com que essa substituição ocorra mais cedo – e não mais tarde – é fator crucial para a segunda variável a ser examinada em relação ao uso indiscriminado do petróleo. Ocorre que a crise ecológica decorrente do aquecimento global está estreitamente vinculada ao petróleo. Considerado o maior responsável pelos níveis de carbono existentes na atmosfera (fazendo com que o clima do planeta mude de maneira perigosa), o petróleo precisa ser substituído por outras fontes o mais rápido possível, para não pôr o planeta em risco; um risco que é real e do qual poucos duvidam. A busca por fontes alternativas para a geração de energia elétrica insere o ecossistema florestal no centro do debate – o que poderá ser conferido na Sexta Semana Florestal do Acre.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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nstituir sistemas de gestão ambiental significa, necessariamente, favorecer as atividades produtivas adequadas à sustentabilidade da Amazônia, coibindo-se aquelas que pressupõem a destruição de seu patrimônio ambiental. Uma vez que esse patrimônio ambiental é ancorado, primordialmente, no ecossistema florestal, a gestão ambiental deve ter como desígnio a valorização desse ecossistema, de forma a possibilitar a ampliação do valor dos produtos florestais. Somente assim, a floresta poderá obter competitividade perante as atividades que pressupõem sua conversão em cultivos de capim e soja.


VIII Postado em 18/11/2007

VALORIZAR A FLORESTA: ÚNICA SAÍDA Duas alternativas para conter o desmatamento: taxar a ampliação da pecuária e dos plantios de soja ou ampliar o valor por hectare da área de floresta. O mundo caminha para a segunda opção, enquanto, na Amazônia, não temos coragem para nenhuma das duas.

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s organizações não governamentais responsáveis pela ideia, elaboração e articulação do que se denominou “Pacto pela Valorização da Floresta e pelo Fim do Desmatamento na Amazônia” (que contou com o apoio de todos os governos dos nove estados da Amazônia) procuraram se precaver em relação a uma eventual rejeição por parte dos gestores públicos, sobretudo em âmbito local. Como, em última análise, o que interessa aos estados e municípios é a captação de recursos financeiros, a saída foi a criação de um fundo, a ser abastecido por recursos nacionais e internacionais. Esse fundo, cuja administração é independente e autônoma, terá a função de remunerar os produtores e os entes públicos que, ao aderirem ao pacto, aceitem abrir mão do direito de desmatar. Para a idealização do fundo, as ongs se cercaram de economistas, que, por sua vez, buscaram na teoria econômica uma estimativa de valor financeiro baseada no custo de oportunidade da terra. Tentando simplificar: trata-se de oferecer ao produtor uma compensação em dinheiro, em face dos eventuais prejuízos advindos pelo não desmate da terra. É uma proposta complexa e que considera um valor bastante elevado a ser remunerado ao produtor, variando de 45 a 75 dólares por hectare, de acordo com a produtividade do solo. Esse valor tem como referência os lucros obtidos pelo maior custo de oportunidade da terra – a produção de soja. Para justificar esse pagamento, empregou-se o mecanismo denominado pagamento por serviços ambientais. É um sistema inovador, introduzido sob a ótica do consagrado princípio do poluidor/pagador, e 128

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que remunera os serviços prestados pela floresta (que dizem respeito à produção e purificação de água e ar e à manutenção da diversidade biológica e do equilíbrio climático, somente para citar alguns). No caso do fundo, porém, o produtor seria remunerado não em função desses serviços, mas, sim, em função das emissões de carbono que deixariam de ser jogadas no ar, devido aos desmatamentos evitados. Metodologias econômicas à parte, o que preocupa é o raciocínio por trás desse pagamento. Ao invés de remunerar os serviços ambientais prestados pela floresta mantida em pé, optou-se por remunerar o não uso agropecuário. No final das contas, foi o plantio de soja, a maior ameaça ao ecossistema florestal, que foi usado como referência de cálculo para o pagamento por um serviço ambiental que, em tese, deveria ser prestado pelo próprio ecossistema florestal. Ou seja, sob a ótica do custo de oportunidade de ganhar dinheiro com a soja, demonstrou-se o quanto o agronegócio é mais valioso que a floresta. Mais uma chance perdida para a valorização do ecossistema florestal. Não obstante, a saída para a contenção do desmatamento está na ampliação do valor da floresta, mediante a inclusão dos serviços ambientais na cesta de produtos obtidos por meio da tecnologia do manejo florestal de uso múltiplo.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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VIII Postado em 16/8/2009

VISÃO PROTECIONISTA DA AMAZÔNIA PREVALECE NA SBPC Mesmo quando se trata da sbpc, um foro privilegiado de cientistas brasileiros, a visão da Amazônia como santuário prevalece. Um equívoco que não resolve o problema da sustentabilidade da ocupação produtiva da região.

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esmo após várias reuniões anuais da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (sbpc) terem sido realizadas na Amazônia, os cientistas vinculados a essa entidade ainda cometem o equívoco de olhar a região como um santuário a ser protegido. Esquece-se que o ideal do preservacionismo, intrinsecamente relacionado ao pensamento que rege os planos diretores urbanos, não oferece solução para a floresta. Ao se acreditar na impraticável tarefa de proteção integral da floresta, reafirma-se o erro de reputar o não uso dos recursos florestais como instrumento para o desenvolvimento sustentável. Simplesmente se desconsidera que a não inserção do recurso florestal no sistema produtivo destruiu 96% da Mata Atlântica, transformou o Cerrado no eldorado do agronegócio da soja e está levando ao desaparecimento, por incrível que pareça, até a Caatinga, bioma que sempre foi desvalorizado, econômica e ambientalmente. Por outro lado, os cientistas da sbpc negam veementemente os ideais do conservacionismo, este sim, o caminho para a única e palpável solução (em curto prazo) do impasse quanto à manutenção da floresta na Amazônia – a saber, sua inserção produtiva no sistema econômico. Para que isso ocorra de forma espontânea, isto é, passível de aceitação pelos agentes econômicos privados, o caminho mais simples é aumentar o valor da floresta. A ampliação do valor da floresta – de modo que os produtos e serviços por ela ofertados obtenham preços competitivos – requer o estabelecimento de instrumentos que forneçam à atividade florestal maior

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competitividade, maior atratividade e maior simplicidade; e o Estado, como regulador e seletor de atividades econômicas consideradas prioritárias, tem papel fundamental nisso. Ampliar a competitividade da floresta significa estabelecer mecanismos que fortaleçam o seu potencial econômico. É o caso da destinação de áreas exclusivas ao uso florestal, como projetos de assentamentos florestais; da instituição de crédito facilitado e acessível à atividade florestal; da criação de organismos de apoio ao setor produtivo florestal. A ampliação da atividade significa, enfim, criar um ambiente para que clusters florestais venham a se instalar, de fato. Ampliar a atratividade significa tornar a produção florestal mais interessante (sob o ponto de vista normativo) do que suas concorrentes, os cultivos de soja e capim; significa inverter as exigências que hoje são praticadas – dificultando-se o licenciamento do desmatamento e facilitando-se o licenciamento do manejo florestal; significa, inclusive, correr o risco de causar eventuais impactos no ecossistema, assumindo-se que qualquer impacto que ocasionalmente ocorra em face do manejo florestal será infinitamente inferior à substituição da floresta pela agropecuária. Finalmente, por maior simplicidade entenda-se a massificação das técnicas de manejo florestal, de forma que não sejam exclusividade dos engenheiros florestais. É preciso que essas técnicas sejam dominadas por profissionais de outras formações e, o mais importante, que cheguem às comunidades que vivem da floresta. Diga-se que essas comunidades, desde que foram iniciadas as primeiras experiências de uso múltiplo da floresta, aceitaram o desafio de enfrentar os prejuízos políticos inerentes à atividade madeireira. Elas foram as precursoras, as pioneiras que justificaram a adoção da atividade florestal como política pública. Diversamente dos seringueiros do final do século XIX – os quais, como brilhantemente relatado por Euclides da Cunha, vivenciaram a “anomalia capitalista de trabalhar para escravizar-se” –, essas comunidades não aceitaram se submeter à anomalia capitalista contemporânea (nesse caso, impregnada com o ranço preservacionista ortodoxo), de trabalhar para não ofertar o produto mais valioso e abundante existente na colocação extrativista: a floresta.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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VIII Postado em 15/11/2009

PLANO AMAZÔNIA FLORESTAL Se existe um “Plano de Aceleração do Crescimento”, direcionado para implantar infraestrutura, e um “Plano Amazônia Sustentável”, para tratar das estratégias de futuro, seria oportuno um “Plano Amazônia Florestal”, para dissociar o ecossistema florestal da Zona Franca e dar prioridade ao tema. Ou a manutenção da floresta não é prioridade na Amazônia?

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ntensificado após a realização da conferência da Organização das Nações Unidas sobre desenvolvimento e meio ambiente de 1992, o processo de discussão sobre a exploração dos recursos florestais na Amazônia direcionou-se ora para instituir sistemas de controle e fiscalização (que atariam a atividade florestal a exigências burocráticas), ora para caracterizar a forte associação entre essa atividade e o desmatamento. Como resultado desse processo, os nove estados amazônicos, muitas vezes forçados por regras de distribuição de recursos financeiros do governo federal, viram-se na obrigação de intervir na realidade da produção florestal. Na maioria das vezes, as ações públicas buscaram estruturar um aparato institucional voltado para a organização e monitoramento de uma crescente exploração florestal, sobretudo de madeira. Surgiram secretarias estaduais (“de florestas”, como no caso do Acre, ou “de desenvolvimento sustentável”, como no caso do Amazonas), com a missão de conceber estratégias para regular a atividade florestal, tanto no âmbito empresarial quanto no comunitário. A institucionalidade na área florestal seria completada mediante a criação de paraestatais, na forma jurídica de autarquias e fundações, para apoio das secretarias. Desse modo, no exemplo do Acre, as ações de pesquisa tecnológica passaram a ser realizadas pela Fundação de Tecnologia (Funtac); e no exemplo do Amazonas, as ações de monitoramento ficaram a cargo do Instituto de Proteção Ambiental (Ipaam). Todavia, como a atuação dos órgãos não atendia às requisições do setor florestal, foi necessária a concepção de objetivos que norteassem a intervenção pública. Iniciava-se um segundo e decisivo passo, o da elaboração de políticas estaduais de florestas. 132

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Documentos de políticas públicas, abrangendo diversos programas e um número elevado de projetos, foram sendo elaborados e executados em toda a Amazônia. Alguns com viés conservacionista, voltados para a exploração sustentável da floresta; outros, com foco preservacionista, preocupados com a proteção do ecossistema florestal. O fato é que, em toda a região, não faltaram políticas florestais. Todavia, nem a institucionalidade surgida mediante a criação dos institutos e secretarias, nem a concepção de políticas florestais parecem ter surtido o efeito esperado. O uso múltiplo da imensa e valiosa diversidade biológica da Amazônia, sob as técnicas de manejo e para fins comerciais, continua a representar um grande desafio para os amazônidas. A principal razão desse fracasso, que reiteradamente emerge dos documentos de avaliação produzidos nos centros de pesquisas e na academia, remete à existência de políticas públicas conflitantes, que funcionam como verdadeiros freios para a política florestal. É o caso das políticas que tratam do meio ambiente e das que apoiam a agropecuária – que sempre colidem com as políticas florestais, emperrando a promoção da atividade sob a dimensão esperada para a Amazônia. E como essas políticas apresentam maior lastro público e apelo de mídia, são sempre consideradas em grau superior de prioridade. Da mesma forma como se engendrou o Plano de Aceleração do Crescimento, para implantação de infraestrutura, e o Plano Amazônia Sustentável, para definição das estratégias de futuro para a região, é a hora de estabelecer um “Plano Amazônia Florestal”. Desse modo, seria possível que finalmente se conferisse ao ecossistema florestal a prioridade a que faz jus.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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VIII Postado em 20/6/2010

PERÍCIA AMBIENTAL NA AMAZÔNIA Ante o acirramento da preocupação com o meio ambiente no período posterior à Rio 92, originou-se um emaranhado de normas de licenciamento e monitoramento de atividades potencialmente poluidoras – o que, por sua vez, levou ao surgimento de um novo profissional: o perito ambiental.

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os últimos 20 anos, em especial no período posterior à Rio 92 (a conferência das Nações Unidas para o meio ambiente e desenvolvimento realizada no Rio de Janeiro em 1992), os países associados à onu se esforçaram para instituir uma estrutura pública voltada para atuação na área ambiental. Essa estrutura envolveu a criação de órgãos de controle ambiental (como o Ibama) e de secretarias de meio ambiente. Para a definição de diretrizes de política ambiental, foram estabelecidos espaços coletivos e representativos, como o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) e os conselhos estaduais de meio ambiente. As diretrizes do Conama e o arcabouço de portarias e instruções normativas surgidas nesse período buscaram ordenar dois procedimentos importantes: o licenciamento das atividades consideradas com potencial para causar algum tipo de impacto ambiental; e o monitoramento dessas atividades, incluindo-se a imposição de penalidades aos infratores. Dadas as dificuldades técnicas e inclusive culturais para se definirem regras sob objetividade e clareza, o que acontece é que a maior parte dessas normas está sujeita a interpretações, levando a questionamentos administrativos e mesmo a processos judiciais. Evidenciou-se, dessa forma, a demanda por um tipo específico de profissional – o perito ambiental –, especializado na realização de um tipo igualmente específico de atividade, a Perícia Ambiental. Um mercado emergente surgiu e cresceu rapidamente; vários cursos, tanto em nível técnico quanto de graduação e de pós-graduação, foram estruturados, sobretudo no âmbito do ensino privado, para receber um elevado contingente de alunos. 134

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Tendo-se concentrado inicialmente no Sudeste e Centro-Oeste, regiões de maior dinâmica econômica, a demanda por serviços de perícia ambiental chegou à região Norte na década de 1990. Diferentemente do que acontece nas outras regiões, a Perícia Ambiental exercida na região Norte (ou na Amazônia) é menos direcionada para o setor secundário. É que, na Amazônia, a atividade depende dos processos produtivos característicos de áreas onde a expansão produtiva pela agropecuária, sobretudo para plantio de capim e soja, ocorre sob grande intensidade. Assim, e ainda que a atividade seja praticada cada vez mais nas áreas urbanas, pode-se estimar, por alto, que a avaliação de áreas rurais deve representar mais da metade da demanda por perícia ambiental na região. Novas metodologias para avaliação da degradação em áreas submetidas a desmatamento e queimadas tiveram que ser elaboradas, para fins de instrução dos litígios administrativos e judiciais. Na Amazônia, a Perícia Ambiental ruralizou-se, direcionando-se para o ecossistema florestal e para os efeitos nefastos ocasionados pela substituição desse ecossistema por monoculturas.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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VIII Postado em 13/3/2011

FLORESTAS PRECISAM DE NOVA INSTITUCIONALIDADE ESTATAL Assim como aconteceu com o tema do meio ambiente, no início da década de 1990, e com o tema da água, no início da década de 2000, é chegado o momento de discutir uma nova institucionalidade, sobretudo estatal, para tratar dos assuntos relacionados às florestas.

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os últimos 15 anos, em relação a assuntos como o uso sustentável e a exploração de recursos naturais, a institucionalidade estatal vem passando por uma profunda transformação. Em todos os países, o que antes se dividia entre agricultura (leia-se: áreas desmatadas ou transformadas pela ação do homem) e meio ambiente (leia-se: áreas protegidas da ação do homem) diz respeito, atualmente, a um rol bastante diversificado de especializações. Além de conceitos como unidades de conservação, reserva legal e áreas de preservação permanente, o tema do meio ambiente passou a abranger um complexo sistema de licenciamento e monitoramento ambiental, o que requereu o surgimento de um aparato público específico e especializadíssimo. Em que pese o elevado custo deprecado por esse aparato institucional, é inestimável o retorno trazido (em âmbito nacional e mundial), no que se refere à manutenção das condições ambientais, da biodiversidade, do clima... Da mesma forma como aconteceu com o tema do meio ambiente, a cada recurso natural cuja exploração, manutenção e sustentabilidade foram alçadas à condição de prioridade, uma nova institucionalidade foi requerida para fazer valer essa prioridade. Foi assim, por exemplo, com a água no final da década de 1990. A regulação do uso da água por meio de legislação específica; a criação da Agência Nacional de Águas e dos comitês de bacia hidrográfica; a elaboração do Plano Nacional de Recursos Hídricos e dos respectivos si-

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milares em cada unidade da federação e mesmo em alguns municípios de maior porte – tudo isso fez com que o recurso natural água adquirisse a expressão e importância que lhe eram devidas. Agora, é chegado o momento de discutir uma nova institucionalidade estatal para as florestas; uma institucionalidade apta a acomodar e repercutir a importância que esse recurso natural alcançou de maneira quase que espontânea – tanto em face da celebração de acordos internacionais quanto em razão da normatização ambiental nacional. Acontece que as formações florestais (sobretudo as nativas, como a floresta amazônica), dadas as suas intensas conexões com outros recursos naturais e com a qualidade do ambiente como um todo, têm sido incluídas, de diversas maneiras, nas ações voltadas para solução de um conjunto de problemas vinculados a outros temas. Quando um rio seca, por exemplo, e a baixa vazão põe em risco o abastecimento d’água em áreas urbanas, torna-se imperativa a restauração florestal da mata ciliar. Igualmente acontece em relação à poluição atmosférica por fumaça, caso em que é mandatória a manutenção de florestas para o sequestro de carbono. E na hipótese de risco de extinção de espécies vegetais e animais, a manutenção de seu ambiente natural, ou seja, as florestas nas quais essas espécies ocorrem, é condição para garantia da biodiversidade. Enfim, inúmeras intervenções destinadas à solução de impactos ambientais, locais e globais, são realizadas em áreas de florestas, de forma pulverizada e desorganizada – o que sugere que o conjunto institucional estatal atualmente em funcionamento já não dá conta de cuidar do tema sob a eficiência que o mundo espera. A criação do Serviço Florestal Brasileiro, em 2006, pode ser considerada um primeiro e importante passo, no país, em direção a essa revisão institucional. O advento das concessões florestais – regime introduzido pelo Serviço Florestal e que seria impensável sob a jurisdição do Ibama – demonstrou o quanto é necessária uma atuação efetivamente focada para as florestas. Uma nova institucionalidade para lidar com as florestas precisa e deve ser discutida no país; especialmente na Amazônia.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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VIII Postado em 31/7/2011

ENERGIA LIMPA NA AMAZÔNIA É A HIDRELÉTRICA? A opção pela geração de energia elétrica por meio dos rios foi feita ainda na década de 1970, em pleno regime militar, e reforçada pelos governos democráticos. Todavia, a sociedade questiona se essa alternativa é a mais adequada à sustentabilidade e se é a via mais rápida, segura e limpa para evitar o apagão previsto para 2015.

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geração de energia, seja a elétrica ou a queimada em motores a combustão, tem sido apontada como um dos principais agentes da concentração de dióxido de carbono (leia-se fumaça) na atmosfera. O dióxido de carbono, como se sabe, é o gás que, comprovadamente, causa aquecimento do planeta e os já triviais desequilíbrios climáticos. A pesquisa por fontes alternativas à geração de energia baseada em combustíveis fósseis intensivos em carbono – o caso do petróleo – tem mobilizado um número expressivo de pesquisadores mundo afora. Em época de economia de baixo carbono, a solução energética transformou-se em estratégia para garantir a sustentabilidade num futuro cada vez mais próximo. Numa região como a Amazônia, de elevada importância ecológica e cujo processo de ocupação social-produtiva se intensifica ano após ano, o tipo de energia a ser ofertada será, seguramente, o principal diferencial de competitividade regional. Por isso, a discussão acerca da fonte de energia que melhor se ajustaria aos ideais de sustentabilidade atualmente preconizados para a Amazônia requer, antes de tudo, a participação dos atores sociais e agentes econômicos que vivem e operam no cotidiano da região. E há aí uma primeira constatação a ser feita. É que, diferentemente do que ocorre hoje, tudo indica que as fontes de energia limpa não serão as mesmas para motores e geração elétrica. Atualmente, tanto os motores que carregam cargas e pessoas quanto os que movimen-

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tam as termoelétricas funcionam à base de óleo diesel, ou petróleo; todavia, no caso das energias limpas, uma diversificação da matriz energética se impõe. Enquanto nos motores a combustão – que fazem rodar os caminhões e navegar as numerosas embarcações que cruzam os rios amazônicos – o uso do petróleo pode ser substituído por um óleo de origem vegetal (de preferência produzido com alguma espécie florestal amazônica), a geração de energia elétrica caminha para o aproveitamento do potencial hidrológico da região. O uso de óleo florestal (excluamos a soja) nos motores tipo rabeta, por exemplo, traria ganhos admiráveis, ante a redução da degradação da água dos rios. A quantidade de óleo diesel derramado nos rios, contando somente as operações de abastecimento dos barcos, é de assustar. A cada hora, em média, todos os motores rabeta em funcionamento na região (que somam centenas de milhares) precisam ser reabastecidos; dadas as condições precárias em que o abastecimento acontece, em plena navegação, isso significa o derramamento de quantidade incalculável de óleo nos rios. Em relação às operações de manutenção desses motores – que envolvem troca de óleo lubrificante, que também poderia ser substituído por óleo de origem florestal – não é diferente: comumente, o óleo queimado retirado do motor vai parar no rio. A geração de energia elétrica, por outro lado, tende a substituir as sujas termoelétricas a diesel pelas limpas hidroelétricas. Em que pesem as controvérsias sempre ocasionadas pela construção de barragens nos rios (como a que vem acontecendo em Belo Monte, no Pará), existe uma determinação pública, corroborada, diga-se, em âmbito internacional, pela ampliação da participação dos rios na geração de energia elétrica, sobretudo na Amazônia. O fato é que, diante do pouco potencial amazônico para a geração de energia solar (em razão da intensa nebulosidade que ocorre na região) e eólica (em razão da inexistência de ventos), a energia baseada na água surge como promissora. Todavia, e ainda que se trate de uma fonte limpa, é indiscutível que a instalação de hidroelétricas exige muita discussão pública.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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VIII Postado em 4/9/2011

GOVERNANÇA FLORESTAL NA AMAZÔNIA Os ecossistemas florestais requerem uma nova institucionalidade, que se revista de maior poder de intervenção e regulação pública Se, antes, uma institucionalidade baseada no comando e controle, tendo o Ibama como órgão central, era suficiente, já não é mais – sendo imprescindível o estabelecimento de uma nova governança florestal.

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manutenção ou não dos ecossistemas florestais significa menor ou maior risco, respectivamente, de ocorrência de tragédias associadas às águas. O desequilíbrio climático, que sujeita todos os países do planeta às mais diversas e nefastas consequências, pode ser minimizado pela existência de florestas. Asseverações nesse sentido se tornaram possíveis há bem pouco tempo – mais precisamente, nos últimos 10 anos. É bem provável, aliás, que, desde a realização da Rio 92, o mais importante consenso mundial obtido na área ambiental resida justamente na associação que hoje se faz entre a existência das formações florestais, a quantidade de água e ar, e a estabilidade na oferta desses recursos ao longo do tempo (o que garante o equilíbrio do clima e atenua as consequências das mudanças climáticas e do aquecimento global). Ao se pôr “o guizo no pescoço do gato”, como se diz popularmente, ou seja, ao se detectar um ponto visível e mensurável – os ecossistemas florestais – no intricado conceito relacionado ao desenvolvimento sustentável, os países podem organizar-se e planejar suas ações no sentido de ampliar as áreas de florestas, nativas e plantadas, ao redor do globo. Se antes era tarefa complicada conceber políticas públicas para atendimento do ideal de sustentabilidade ambiental atualmente preconizado, agora parece não haver mais dúvidas. Iniciativas para manejar florestas, plantar florestas, proteger florestas, além de outras que garantam a existência dos ecossistemas florestais, foram alçadas à condição de prioridade número um. 140

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Ora, por esse raciocínio, não é difícil concluir que a todas as florestas existentes no planeta, especialmente as nativas, deve ser conferido um enfoque específico e diferenciado; e se a floresta em questão for a maior floresta tropical do mundo, como é o caso da Amazônia, esse enfoque deve ser mais diferenciado ainda. Isso quer dizer que as instituições que atuam com o tema das florestas devem, com urgência, rever seus objetivos e incorporar, às suas abordagens, os serviços ambientais que as florestas ofertam. Mais que isso, significa que os ecossistemas florestais requerem uma nova institucionalidade estatal, que amplie a governança florestal, revestindo-a de maior poder de intervenção e regulação pública. No âmbito nacional, a criação do Serviço Florestal Brasileiro, em 2006, não obstante o grande passo que representou, apenas recuperou, a bem da verdade, o tempo perdido ante a equivocada extinção do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, o antigo ibdf. A administração pública redimia-se, em parte, pelo erro cometido em 1989, quando foi criado o Ibama, e se embaralharam temas como água, florestas, borracha e meio ambiente num mesmo e bagunçado “saco”. Por sinal, talvez o melhor caminho para iniciar a discussão acerca da governança florestal e sua nova institucionalidade seja, justamente, a análise dos resultados satisfatórios obtidos pelos órgãos estatais que se ocuparam, no passado conturbado da gestão pública nacional, de apenas um produto florestal (como a Sudhevea e o Instituto do Mate) ou de uma única espécie florestal (como foi o caso do Instituto do Pinho). Ao consagrar 2011 como “Ano Internacional das Florestas”, um dos objetivos da Organização das Nações Unidas foi alertar para a urgência em se organizar, em cada país, uma nova institucionalidade para tratar do tema das florestas. A criação de agências reguladoras, institutos de pesquisas e outros órgãos específicos para o ecossistema florestal deve ser priorizada.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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VIII Postado em 23/10/2011

BOLSA VERDE CHEGA À MATA CILIAR O Programa Bolsa Verde vai pagar 100 reais por mês aos produtores que residem em unidades de conservação e em mata ciliar, para que conservem suas florestas. Reconhecer o serviço ambiental prestado pelo ecossistema florestal amazônico é o caminho mais curto para a sustentabilidade da ocupação produtiva da região.

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muito difícil convencer o produtor que vive em áreas florestais na Amazônia que a melhor saída para ele é a exploração do imenso potencial da diversidade biológica existente na própria floresta. A resistência do produtor resulta do fato de que, na sua visão (como, aliás, adverte o senso-comum), desde o fim do mercado gomífero, no final da Segunda Guerra, que a produção florestal não tem mais valor econômico. Sob a perspectiva do produtor, fora a madeira, que realmente vale um bom (e fácil) dinheiro, tudo o que os extensionistas dizem dos produtos florestais (copaíba, orquídeas, taboca, cipós etc.) só tem valia para os pesquisadores. Além da madeira, os produtos que existem na sua realidade são a castanha e o açaí – ambos já com fartas tentativas de cultivo, sem muitos resultados econômicos. E caso se tentasse persuadir um produtor do contrário, possivelmente ele demonstraria seu ceticismo em relação à produção de madeira lembrando que os analistas ambientais do Ibama (ou de outro órgão ambiental) fazem uma grande confusão quando ele intenta derrubar uma árvore que seja, para fins de exploração florestal; que é preciso um tal de “plano de manejo”, que é muito difícil de obter, e mesmo depois que se obtém, tem que ter muito cuidado. E ele certamente concluiria explicando que, por tudo isso, resta-lhe como opção o desmatamento para plantio de pastagem e criação de gado. Que o produtor está coberto de razão, não há dúvida. Seguramente, a agropecuária é mais fácil de introduzir, de manter e de legalizar, além de dar mais dinheiro. Só sendo muito conservacionista para optar pela 142

Da Amazônia: 100 artigos


atividade florestal. E produtor que manifesta sensibilidade conservacionista (mesmo os seringueiros e as populações tradicionais) – da mesma forma como acontece com os produtos florestais alternativos à madeira –, só existe no plano das dissertações de mestrado. O fato é que a produção florestal não consegue deslanchar. E não em razão de problemas relacionados à viabilidade econômica dos produtos ou a gargalos tecnológicos insuperáveis ou, ainda, em face da ausência de mão-de-obra apta a manejar a floresta para extrair os produtos. O motivo pelo qual a atividade florestal não avança é, simplesmente, um contexto de incoerências diversas no âmbito das políticas públicas. Sem embargo, o cerco contra o desmatamento está cada vez maior. E não por razões domésticas (pois o nosso grau de tolerância é alto), mas devido a um corolário de acordos internacionais que o país não pode deixar de cumprir. A solução para esse impasse na ocupação produtiva da região pode estar na remuneração dos serviços ambientais prestados pela floresta. Trata-se de uma novidade capaz de reverter, de um modo que nem os ambientalistas mais otimistas imaginavam, a realidade produtiva da Amazônia. Quem arriscaria supor que, no início do século 21, a pecuária bovina poderia ser substituída pelos serviços que a floresta presta, ao garantir água e ar, por exemplo? Pois o Programa Bolsa Verde, um projeto inédito (e muito bem vindo) instituído pelo governo federal foi ainda mais longe: a ideia é pagar 100 reais por mês ao produtor que vive na floresta, para que mantenha o ecossistema florestal. Estima-se que quase 74 mil famílias de produtores rurais serão beneficiadas pelo programa até 2014. É um número expressivo de produtores que, espalhados pelo interior da floresta, moram n’algum tipo de unidade de conservação (como uma reserva extrativista) ou, melhor ainda, na mata ciliar dos rios amazônicos. A decisão de incluir a população residente em mata ciliar como beneficiária do Bolsa Verde merece todo o apoio da sociedade. O aprimoramento do programa, a fim de se remunerar melhor o produtor que mantiver uma mata ciliar com largura maior do que a legal, é o caminho. Finalmente, para os nossos rios, uma luz no final da ponte!

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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VIII Postado em 13/11/2011

AMAZÔNIA E POLÍTICAS FLORESTAIS DE SEGUNDA GERAÇÃO As políticas florestais vigentes foram concebidas há mais de 10 anos, quando a produção de madeira ilegal e o primitivismo tecnológico eram a regra na indústria florestal. Como essas circunstâncias não mais correspondem à realidade, chegou a hora das “políticas florestais de 2ª geração”.

N

a Amazônia – conquanto a maioria dos estados possua um instrumento de política florestal, comumente engendrado na forma de legislação –, a suposta ausência de diretrizes públicas para o setor florestal é sempre apontada como a principal causa das dificuldades discernidas na produção madeireira. A sociedade continua cobrando dos agentes públicos e privados maior atenção na exploração florestal, em especial no que se refere à extração de madeira. Ora, se as políticas já foram, em tese, discutidas com a sociedade e aprovadas por seus representantes no Legislativo estadual, essa insatisfação social só pode ser creditada à precária adequação dessas diretrizes à realidade vivenciada no cotidiano da produção. De fato, as políticas florestais em vigor nos estados amazônicos, ditas de primeira geração, foram concebidas há mais de 20 anos – quando a ilegalidade e o primitivismo tecnológico imperavam no setor florestal; assentam-se, pois em preceitos considerados já ultrapassados, que há muito caducaram. Desse modo – e a despeito da existência de normativas direcionando a atividade florestal –, boa parte da população segue acreditando que as condutas concernentes à comercialização da madeira (que incluem derrubar árvores com o uso de motosserras, efetuar o seu arraste pela floresta por meio de tratores do tipo skidder e transportar sobre treminhões as toras para as áreas urbanas) ainda deixam para trás um rastro de destruição. E se há destruição, a responsabilidade recairia sobre os empresários e, por tabela, sobre os agentes públicos, que não estariam inibindo a atuação do empresário destruidor. 144

Da Amazônia: 100 artigos


Sob tais circunstâncias, pode-se dizer que, no âmbito da atividade madeireira, mais do que no de qualquer outra atividade produtiva, é quase que corriqueira a ocorrência de situações que atraem certo sensacionalismo. Vez por outra, a imprensa noticia eventos relacionados à exploração de madeira que põem em xeque, perante uma sociedade que sempre está com um pé atrás, a atividade florestal e a eficácia das respectivas políticas públicas. Ultimamente, tem causado celeuma no Estado do Acre a publicação de uma série de matérias, umas com evidente viés político-eleitoral, outras na forma de abjetas insinuações panfletárias, questionando o projeto executado na Floresta Estadual do Antimary. Trata-se, por ironia, de um dos mais importantes projetos de manejo florestal realizados na Amazônia, cuja concepção metodológica, inclusive, serviu de base técnica para a elaboração da política florestal local, aprovada pelos parlamentares estaduais há quase 10 anos. Não deixa de ser sintomático o fato de baratear-se, de modo trivial, uma experiência tão significativa para o estado. Assim, usando-se o caso do Acre como parâmetro, duas lições podem ser extraídas para aplicação ao contexto amazônico. A primeira delas é o fato de que, se existe, em esfera local, aprovada e sancionada em lei, uma política pública florestal que vem orientando a execução de uma série de ações de promoção da produção de madeira e de adoção da tecnologia do manejo florestal – e ainda assim, a população dá crédito a matérias sensacionalistas –, é possível que essa política, ao priorizar investimentos em empreendimentos intensivos em capital e tecnologia, esteja baseada em estratégias equivocadas. Portanto, a despeito de se ter ampliado, num período de 10 anos, a quantidade total de madeira produzida sob a tecnologia do manejo florestal (que passou de meros 20% para 95%), essas diretrizes estão superadas, devendo ser revistas. A segunda lição diz respeito à evidente constatação de uma resistência generalizada e insuperável na sociedade, que faz com que a exploração de madeira seja sempre considerada como algo danoso, independentemente da tecnologia empregada. No final das contas, seja em razão das deficiências presentes nas políticas florestais em vigor, seja em vista da enraizada oposição social à exploração de madeira, uma coisa é certa: é chegado o momento das políticas florestais de segunda geração. Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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VIII

Postado em 28/11/2011

A SAÍDA PELA FLORESTA A exploração sustentável da biodiversidade presente no ecossistema amazônico pode ser mais competitiva do que a pecuária de gado e o plantio de soja. Todavia, os produtores não acreditam na saída econômica pela floresta – algo a se lamentar num futuro que está cada vez mais próximo.

M

ovidos pela certeza de que somente no dia em que um hectare de floresta for mais valioso, economicamente, do que um hectare de capim, soja ou cana – que somente nesse dia, a região amazônica encontrará uma saída para a sua ocupação produtiva –, muitos técnicos e pesquisadores têm se empenhado em demonstrar o potencial da biodiversidade da Amazônia para gerar emprego e renda. Grosso modo, é mais ou menos assim: a floresta é mais valiosa, estrategicamente falando – sobretudo, em termos de país e de mundo; mas, para o produtor, a floresta não tem valor econômico, e, por isso, o desmatamento segue avançando. Reverter essa máxima exige duas estratégias: (a) ganhar tempo para que a floresta não seja extinta (e aí são necessárias investidas contra a pecuária e os desmatamentos); e (b) desenvolver tecnologias que possibilitem o uso da potencialidade do ecossistema florestal. O manejo florestal, que tem sido tema de muitas dissertações de mestrado e teses de doutorado, atualmente já se encontra bem avançado, no que diz respeito à sua concepção teórica. A despeito do fato de a floresta ainda valer menos que a pecuária, a sociedade já encara de forma mais complacente a exploração de madeira realizada sob o manejo florestal, compreendendo melhor a importância dessa tecnologia. O problema é que a defesa da exploração de madeira como opção produtiva embute o enfrentamento de alguns tabus (digamos assim), como tolerar o dobro ou triplo de caminhões carregados com toras circulando pela cidade – entendendo-se que é o melhor para a floresta, para a economia e, por conseguinte, para a própria sociedade. Trata-se, não há dúvida, de uma questão espinhosa, de discussão arriscada, que até o momento nenhum governo na Amazônia se dispôs a trazer a público.

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Da Amazônia: 100 artigos


O manejo florestal comunitário, por outro lado, como envolve as populações tradicionais, menos favorecidas, costuma angariar mais simpatia social. Seria de se esperar, então – ante as dificuldades eleitorais que impedem o fomento da exploração empresarial –, que o manejo praticado pelas comunidades gozasse de maior estímulo. Não é o que acontece, porém; a exploração comunitária também pouco progride. E uma das razões para isso se refere ao licenciamento ambiental, que não diferencia a exploração realizada pelas comunidades daquela realizada de forma empresarial, exigindo de ambas um rol proibitivo de documentos (a maior parte, aliás, sem nenhuma utilidade). Sem embargo, é provável que no Acre sejam maiores as chances de se chegar a uma saída econômica pela floresta. Tendo se tornado referência na área, o estado pode oferecer respostas, no escopo de se consolidar uma economia de base florestal na Amazônia. O prestígio do manejo florestal praticado em esfera local se evidencia diante da grande quantidade de planos de manejo habilitados com o “Selo Verde”, certificação emitida pelo Conselho Internacional de Manejo Florestal (fsc). Guardando as devidas proporções, é possível que, entre os estados da Amazônia, o Acre possua a maior área certificada e o maior número de empreendimentos de manejo credenciados por essa importante instituição – que, no âmbito da certificação florestal, é a mais conceituada no mundo. A habilitação atribuída pelo fsc, além de cara, é muito difícil de ser obtida. Para alcançá-la, o empreendimento se submete a um conjunto de exigências – mais rigorosas (e mais coerentes) que as regras para o licenciamento ambiental do manejo florestal. Por sinal, os produtores que possuem o selo do fsc reivindicam, com justa razão, que, por ocasião do licenciamento do plano de manejo, as empresas certificadas tenham direito a um tratamento diferenciado. A criação de um selo de âmbito estadual significaria, dessa forma, um passo importante, que incentivaria a certificação e aprimoraria a prática do manejo florestal. Uma discussão nesse sentido chegou a ser iniciada em 1996 – e os resultados, inclusive, integraram resolução do Conselho Estadual de Meio Ambiente; não obstante, a proposta não foi levada adiante. O fato é que, para se encontrar a saída pela floresta, a única capaz de justificar perante o mundo a ocupação produtiva da Amazônia, é necessário, acima de tudo, muita discussão pública, muita conversa com a sociedade. Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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VIII Postado em 22/1/2012

POR UM MINISTÉRIO DAS FLORESTAS O Ministério do Meio Ambiente não possui competência para atuar com produção florestal. O tema das florestas, na era da economia de baixo carbono, requer um órgão público específico – um “Ministério das Florestas”.

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o Brasil, a criação de um “Ministério das Florestas” tem sido reivindicada pelo setor florestal já há algum tempo. A ineficácia do aparato institucional estatal atualmente existente para lidar com o assunto é um consenso. Para entender melhor: no quadro institucional atual, toda demanda por qualquer tipo de atividade estatal relacionada às florestas – sejam as florestas plantadas ou as nativas da Amazônia – vai parar no Ministério do Meio Ambiente (mma). Desde sua criação, no período preparatório para a Rio 92 (conferência da Organização das Nações Unidas sobre meio ambiente realizada no Rio de Janeiro em 1992), o mma se caracteriza por vícios de origem insuperáveis. Em síntese, o órgão assumiu a pequenez como regra e funciona como uma ong, isto é, não consegue pensar e atuar na dimensão exigida pelo tema das florestas no país. O fato novo é que, de 2003 para cá, um paradoxo agravou a situação e reforçou a reivindicação pelo Ministério das Florestas. Acontece que, se de um lado, o mma submergiu num conflito de identidade que o tornou menor e mais ineficiente, de outro, as áreas florestais em todo o mundo foram alçadas à condição de prioridade para solucionar a maior crise ecológica vivida pela humanidade – a crise provocada pelas mudanças climáticas. Reduzir a importância e o papel político do mma (que perdeu a coordenação do Plano Amazônia Sustentável para a Secretaria de Assuntos Estratégicos, e o licenciamento ambiental de usinas hidrelétricas do rio Madeira, para o Gabinete Civil) parece ter sido a alternativa adotada pelo governo para superar a incapacidade operacional do órgão.

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Para o governo, a questão é simples: se o mma, não dá conta de alguma prioridade, melhor retirá-la de suas atribuições. O que chega a ser curioso é o fato de que, sob o argumento da dita “transversalidade ambiental”, os gestores do mma até gostaram da ideia. Mas, voltemos ao tema em discussão. Uma vez que o mma não tem envergadura para gerir um tema em ascensão mundial como o das florestas (e a postura do governo só endossa esse entendimento), é necessário encontrar uma saída. Uma alternativa (um tanto saudosista, por tentar restaurar a institucionalidade vigente até o final da década de 1980) seria restituir as demandas florestais ao Ministério da Agricultura – como ocorria durante a existência do antigo ibdf, Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal. Na esfera do Ministério da Agricultura, as florestas ganhariam força, na condição de componente produtivo importante para o agronegócio (como o são a soja e o gado). De imediato, o sucedâneo do ibdf, atual Serviço Florestal Brasileiro, teria mais condições para implementar, por exemplo, a concessão florestal, um estatuto fundamental para a região amazônica. Todavia, a importância das florestas, no Brasil e no mundo, ultrapassa a sua contribuição para a produção de commodities agrícolas. Além da madeira, do papel, da celulose, do carvão vegetal, entre outros, as florestas produzem bem-estar. As áreas cobertas por florestas estão estreitamente vinculadas a outros dois recursos naturais considerados essenciais: água e ar; assim, a existência ou não de florestas pode significar, por exemplo, disponibilidade ou falta de água potável em determinada região. E essa faceta o Ministério da Agricultura não tem condições de abarcar. Dessa forma, a criação de um Ministério das Florestas, como os que existem em outros países, é uma prioridade para a governança florestal brasileira.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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VIII Postado em 13/5/2012

POR UMA NOVA GOVERNANÇA FLORESTAL PARA A AMAZÔNIA Amplia-se mundo afora o consenso de que o tema das florestas precisa de uma nova governança estatal. Numa era em que as florestas foram cientificamente vinculadas à disponibilidade de água e de ar, torna-se evidente a necessidade de uma nova concepção de institucionalidade pública.

C

onstata-se no Brasil uma conjugação de fatores que justificam o surgimento de uma nova governança florestal para o país. A ação pública estatal voltada para o tema das florestas, na forma como atualmente é praticada, além de tímida, depara-se com dificuldades insuperáveis. O Estado é tímido para lidar com as florestas, em primeiro lugar, porque toda a política florestal nacional se encontra sob a chancela do Ministério do Meio Ambiente – órgão que é cheio de incoerências e passa por uma crise letal de identidade desde 2003. Acontece que, em geral, ambientalistas não se entusiasmam com a área da produção – ou seja, não gostam de produzir bens e tampouco gostam que outros produzam. Acreditam que a humanidade viveria bem melhor com menos da metade de tudo o que se produz atualmente. Como as florestas, por sua própria natureza, e como acontece há milhares de anos, têm como desígnio a produção de um variado leque de bens e serviços (todos, pode-se dizer, de primeira e absoluta necessidade para a humanidade), a crise entre produzir e não produzir é manifesta. No cotidiano da governança florestal nacional, as coisas acontecem mais ou menos assim: enquanto um grupo (pequeno) se esforça para resolver, por exemplo, questões relacionadas à ampliação da área de florestas plantadas, à inclusão de espécies nativas nos plantios, ao pagamento por assimilação de carbono e assim por diante, outro grupo (grande) se volta, por exemplo, para acabar com os plantios florestais de eucalipto.

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Em relação ao ecossistema florestal da Amazônia não é diferente. Enquanto o mesmo pequeno grupo se debate para fazer com que o manejo florestal de uso múltiplo seja consolidado como tecnologia apropriada para a exploração florestal, um grande grupo discute o fechamento das serrarias que atuam na região e geram centenas de empregos na área florestal. Além de se deixar levar por essa antiga e permanente arenga quanto ao padrão de consumo da humanidade, a governança florestal desempenhada pelo Ministério do Meio Ambiente parece não conseguir suplantar uma intrínseca aptidão para atuar como uma organização não governamental. Essa vocação para ong vem desde a criação da pasta, mas é inegável que a partir de 2003 foi fortemente acentuada. Perdida na elaboração de cartilhas (muitas cartilhas) e materiais direcionados para a sensibilização pública, a governança florestal não se dá conta da magnitude que tem sob sua jurisdição, representada pela área ocupada pelo ecossistema florestal da Amazônia. Prefere ater-se a algum projetinho para alguma pequena localidade que tem uma pequena prefeitura, cujo prefeito – uma exceção, sempre – sonha em instalar um aterro sanitário, já que não consegue realizar coleta seletiva de lixo. Vocação para ong significa mais que atuar no varejo, sob interesses limitados; significa pequenez para discutir e pôr em prática uma política florestal que responda aos anseios mundiais, tanto em relação ao uso e não uso do ecossistema florestal da Amazônia quanto no que diz respeito à imprescindível ampliação da área florestal plantada no país. Voltando às dificuldades intransponíveis para a governança florestal nacional, parece que jamais, em nenhuma hipótese, o país vai conseguir consolidar um mercado para sementes florestais nativas ou para carne de animais silvestres. Nunca, no Brasil, um supermercado, ainda que localizado em Manaus ou em Belém, poderá oferecer carne de paca, queixada, cateto ou capivara. Pior ainda, jamais, no Brasil, será possível comprar, legalmente, um papagaio. Por sinal, eles, os papagaios, andam falando tudo quanto é língua por aí, menos o português brasileiro.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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om mais de 45 anos de existência, o Código Florestal brasileiro sempre foi considerado um exemplo de preocupação com a conservação das florestas. Preocupação expressa, sobretudo, no advento dos institutos da reserva legal e da área de preservação permanente (app). A imposição da reserva legal obrigou o produtor a incluir o manejo florestal na geração de renda da propriedade rural. Por sua vez, a app impôs a proteção de áreas como a mata ciliar dos rios e topos de morros. Contudo, uma parcela expressiva dos produtores rurais (associados ao denominado agronegócio) acredita que sua atividade produtiva só poderá ser lucrativa se for praticada em toda a extensão da propriedade – o que é um grande equívoco. Ora, certamente não será a supressão das áreas de reserva legal, fundamentais para diversificar a produção rural e garantir a continuidade da atividade florestal, que irá resolver os problemas do pecuarista; da mesma forma, a manutenção da mata ciliar não reduz a área da propriedade a ponto de inviabilizar a pecuária. O problema central diz respeito ao fato de que o acesso ao crédito rural foi obstado aos produtores considerados inadimplentes – ou seja, aos que possuem pendências relacionadas ao descumprimento da legislação ambiental. Ao deixar de cumprir a lei, os produtores foram para a ilegalidade, o que lhes impediu de obter dinheiro subsidiado; e voltar para a legalidade, a fim de voltar a ter acesso ao crédito público, tem um custo que ninguém quer pagar. As áreas de reserva legal, as matas ciliares e as florestas que cobrem os morros e declives são fundamentais para a viabilização da produção rural (em especial da denominada agricultura familiar) e devem não apenas ser mantidas, mas, em alguns casos, devem até ser ampliadas.


IX Postado em 21/3/2010

AUDIÊNCIA SOBRE CÓDIGO FLORESTAL É PURO ESPETÁCULO A pressão, por parte dos ruralistas, para alterar o Código Florestal é enorme. Todavia, poucos sabem que o que está em jogo é a manutenção das matas ciliares, que são fundamentais para conservar nosso recurso mais precioso: a água.

N

ão poderia ser diferente. Provavelmente, entre os que participam das audiências públicas realizadas pela Câmara dos Deputados para discussão de uma proposta de novo código florestal, ninguém tem qualquer expectativa que algo positivo venha a resultar disso. Com imagem prejudicada perante o público, a Câmara dos Deputados, em particular, e o Congresso Nacional, de forma geral, estão devendo, e muito, à sociedade brasileira. Afinal, dos três Poderes republicanos, o Legislativo tem sido o que mais decepciona. Espera-se que uma reforma política, que é urgente, possa resolver o problema do parlamento, em esfera municipal, estadual e federal. Mas, voltando ao tema, os deputados se viram pressionados, tanto por ruralistas quanto por ambientalistas, a realizar audiências públicas em todas as regiões geográficas do país, no intuito de debater o que vem sendo chamado de “novo código florestal brasileiro”. Uma dessas audiências transcorreu recentemente em Rio Branco, no Acre, e o que se testemunhou foi um pequeno retrato do que deve estar ocorrendo país afora; um misto de palanque eleitoral e espetáculo popular, onde o que menos se discutem são as razões que levaram os ruralistas a forçarem uma alteração no Código Florestal. São poucos os parlamentares que participam dessas reuniões que de fato conhecem o Código Florestal. Alguns conseguem formular uma ou duas frases sobre desmatamentos, e nenhum é capaz de definir institutos como reserva legal e área de preservação permanente (app) – os dois temas que suscitaram as alterações no Código e as espetaculares audiências públicas.

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Ocorre que os ruralistas, em sua maioria, achavam que nunca seriam chamados a cumprir a lei (no caso, o Código Florestal). Acreditavam que jamais seria motivo de averiguação o cumprimento das regras relacionadas à manutenção de reserva legal e de app. Estariam certos, se um fato novo não surgisse: questões ambientais ganharam contornos globais, transformando-se em problemas mundiais. Os países foram obrigados a organizar sistemas de legislação ambiental e, o mais importante, a criar instituições para fazer cumprir a legislação – como é o caso do Ministério Público. Acossados pelo Ministério Público, os ruralistas recorreram ao governo – que concedeu prazo para que regularizassem sua situação; não conseguiram. Ganharam novo prazo e como não conseguiram novamente, entenderam por bem alterar o Código Florestal. Um raciocínio simples e tacanho – “se não consigo me adaptar à regra, adapto a regra a mim”. A regra, como se costuma dizer no futebol, era clara. No caso da Amazônia, todas as propriedades privadas deveriam manter, na forma de reserva legal, 80% de sua área total sob cobertura vegetal original; da mesma forma que não poderiam ser desmatadas as elevações (morros) e as matas ciliares – áreas classificadas pela legislação como de preservação permanente. As propostas dos ruralistas (compreensíveis, diga-se) alvitram sugestões para a reserva legal que incluem a servidão florestal – estatuto que, em tese, pode ajudar bastante a resolver o impasse; mas o importante não é isso. O mais grave, sem dúvida, é o fato de que a discussão sobre tópicos bem objetivos (reserva legal e app), num ambiente contaminado pela insensatez como a Câmara dos Deputados, rapidamente se reveste de grande subjetividade, ganhando contornos de ampla reforma do Código Florestal. Em período de eleições gerais, discursos perigosos são proferidos em nome dos pequenos produtores – sempre eles, é claro! –, como se os pequenos fossem os grandes prejudicados. O Código Florestal, em vigor desde 1965, é considerado um marco histórico no que diz respeito à preocupação com a sustentabilidade. Mudanças profundas certamente serão para pior.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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IX Postado em 2/5/2010

CÓDIGO FLORESTAL: UMA REVISÃO POSSÍVEL Fazer uma profunda alteração no Código Florestal, chamando-o, inclusive, de “novo código florestal”, como querem os deputados federais, é um risco que a sociedade não precisa correr. O problema é localizado e se refere às áreas de proteção permanente e de reserva legal.

A

falta de objetividade da sociedade brasileira é mundialmente reconhecida. Especula-se, inclusive, que se situaria nessa tradicional dificuldade em demarcar e cumprir objetivos nossa facilidade para articulação e negociação de acordos internacionais, particularmente os que envolvem temas delicados. É mais ou menos assim: “como não consigo perseguir um objetivo fixado de antemão, não fico ansioso para compelir outros atores a aceitarem aquele objetivo”. Desse modo, as negociações vão se fechando por inércia e ao sabor das conversas que vão ocorrendo. Talvez seja por isso que, no país, os assuntos polêmicos, que precisam ser tratados com rapidez e bastante foco, costumam se perder em discussões intermináveis. A mais recente, que envolve o Código Florestal, é um bom exemplo disso. Não se conseguindo demarcar com objetividade os tópicos que são objeto da insatisfação dos ruralistas – isto é, os limites das áreas de preservação permanente (app) e das porções de reserva legal –, a conclusão precipitada, como sempre, é pela necessidade de ampla revisão do Código Florestal, ou do que vem sendo chamado de “novo código florestal”. Não há gargalos na legislação vigente que demandem um novo código florestal. Por outro lado, basta voltar um pouco no tempo para constatar que a questão posta à discussão aflorou diante da edição do decreto 6.514/2008, que obrigava os proprietários rurais a cumprirem os preceitos já impostos pelo próprio Código. Mediante essa norma, o governo estabeleceu prazo, a fim de que os produtores, sob pena de multa, averbassem em cartório as áreas de preservação permanente e de reserva legal presentes em suas respectivas propriedades. 156

Da Amazônia: 100 artigos


Como a maioria dos produtores não conseguiria cumprir o prazo fixado, a pressão pela alteração do Código Florestal se intensificou. Sem embargo, o que os produtores querem, de fato, é ser anistiados, sob a justificativa de que não teriam infringido a lei, já que a exigência da reserva legal violaria os princípios constitucionais que informam a propriedade privada. O que os produtores reivindicam é, primeiro, a possibilidade de recompor até 30% das apps na Amazônia, mediante o emprego de espécies exóticas; e segundo, a criação do mecanismo da servidão florestal, para a implementação de um mercado de compensação ambiental abrangendo as reservas legais. São propostas passíveis de ser discutidas sob argumentos técnicos, de forma a chegar-se a um acordo satisfatório. A servidão florestal, por exemplo, parece ser uma saída interessante para o estabelecimento de um mercado para os serviços ambientais prestados pelas reservas legais. Por sua vez, as propostas apresentadas pelo Ministério do Meio Ambiente (mma), ainda que descabidas em certos pontos, também podem ser objeto de composição. Os gestores da área ambiental do governo propõem: simplificar os procedimentos para a averbação das áreas de reserva legal; regularizar cultivos já consolidados em áreas de preservação permanente; e incorporar a app no cômputo geral da reserva legal. O fato é que produtores e mma podem chegar a um denominador comum, que também seja considerado satisfatório pelos ambientalistas e desejável pela sociedade. O que não é desejável e, ademais, é muito perigoso, é deixar a cargo dos deputados federais a tarefa de conceber um novo código florestal. Definitivamente, não é o caso. O Brasil, recém-saído de Copenhague, não pode se arrastar na reforma de uma legislação que é reconhecida em âmbito internacional. O problema é localizado e se refere às áreas de preservação permanente e de reserva legal. Uma discussão acerca desses limites é possível; o que for além disso, é risco desnecessário.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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IX Postado em 1/8/2010

CÓDIGO FLORESTAL PERDE VALIDADE NA CÂMARA Os ruralistas conseguiram duas vitórias importantes: aprovar o relatório sobre o novo código florestal; e levar a votação em plenário para depois das eleições, quando os que se reelegerem terão assegurado mais quatro anos, e os que não se reelegerem certamente irão agradar aos ruralistas.

P

ara os deputados federais que participaram da comissão especial criada para avaliar possíveis incoerências no texto do Código Florestal em vigor, a norma legal simplesmente perdeu a validade. Entusiasmada por um relatório extenso e minucioso, fruto de um trabalho técnico sem dúvida exaustivo – mas repleto de incoerências –, a comissão aprovou o documento, que deverá ir a plenário depois das eleições. Há que fazer referência, antes de tudo, à facilidade com que, no nosso sistema legislativo, regras históricas, em vigor há mais de 40 anos, podem ser alteradas, sob a vontade e o esforço de meia dúzia de parlamentares, estando ou não eles movidos por boas intenções. O problema é que todo o procedimento se sustenta na realização de audiências públicas, nas quais, em tese, seriam ouvidos os atores sociais envolvidos com o tema. Ora, quem presenciou alguma dessas audiências – que, como afirma o relator, foram muitas mesmo para um país do tamanho do nosso – sabe que, na prática, não é o que ocorre. O que acontece é que, nesses momentos públicos, em que autoridades locais se misturam às federais, e todas são rodeadas por cabos eleitorais e pedintes vários, fica difícil realizar qualquer discussão séria sobre qualquer assunto. As audiências acabam se transformando em espetáculo, não conferindo a legitimidade necessária ao exame de questões graves, como a concernente à alteração da legislação florestal. Quanto ao conteúdo do relatório em si, diga-se que, novamente sob o entusiasmo excessivo da relatoria, os parlamentares se propuseram a elaborar o que chamaram de “novo código florestal” – quando a polê-

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Da Amazônia: 100 artigos


mica se restringia tão somente à extensão das áreas de reserva legal e de preservação permanente (app). E aí surgem contradições técnicas, filosóficas e de toda ordem. Provavelmente, a maior dessas contradições – que leva às consequências mais perigosas para o meio ambiente e para a economia, sobretudo na Amazônia – diz respeito à confusão que se faz entre aqueles dois conceitos, como se suas funções fossem semelhantes, o que não é o caso: a app tem função ecológica; e a reserva legal, função econômica. A função da app se refere à manutenção das condições das bacias hidrográficas e das encostas; ou seja, trata-se, a app, de mecanismo com eficiência comprovada para a prevenção de alagações e desbarrancamentos – ocorrências que, como se sabe, têm ocasionado grande número de calamidades e tragédias no país. Qualquer alteração legislativa que leve à redução da largura das apps, em qualquer situação – seja em virtude das plantações de arroz no Rio Grande do Sul, seja em benefício da importante agricultura de leito no rio Amazonas – deveria ser analisada sob muita cautela. A reserva legal, por outro lado, direciona-se para promover a inclusão da atividade florestal na geração de renda, evitando que a produção rural seja totalmente absorvida pelas atividades agropecuárias de plantio de grãos e de capim. O manejo florestal praticado na reserva legal teria a função de impulsionar a diversificação da produção rural e criar sistemas de garantia, em médio e longo prazo, para a dinâmica da economia local. A redução da reserva legal – ou, pior ainda, a supressão desse mecanismo –, mesmo que no âmbito da pequena produção da Amazônia, deveria ser objeto de maior cautela ainda. Mas, infelizmente, cautela foi o que não houve.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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IX Postado em 3/4/2011

CÓDIGO FLORESTAL: HORA DA DECISÃO O novo código florestal trará significativas alterações na estrutura fundiária da Amazônia. Milhares de hectares de florestas, hoje mantidas na forma de reserva legal e de mata ciliar, poderão ser destinados à agropecuária. Em longo prazo, a sustentabilidade ficará comprometida.

N

os últimos dez anos, vez ou outra tem sido questionada, sob maior ou menor intensidade, a efetividade do Código Florestal para responder às demandas atuais, tanto as oriundas do agronegócio quanto as formuladas pelos ambientalistas. O fato é que, se por um lado, a necessidade de atualização parece evidente para uma legislação que já completou 45 anos e que trata de um tema complexo, constantemente incorporado por novas informações, por outro lado, há o receio (legítimo, diga-se) de que a sua conformação à realidade contemporânea signifique retrocessos. Dessa vez, a investida contra o Código, planejada pela denominada “bancada ruralista” do Congresso (que reúne parlamentares de todos partidos políticos, excetuando-se os do Partido Verde) foi muito bem sucedida e obteve o máximo de resultado no âmbito do parlamento – chegando à proposição de uma nova legislação florestal. O que começou como uma reivindicação bem específica dos produtores – que queriam evitar a inadimplência e continuar tendo acesso aos créditos rurais, mediante a ampliação do prazo para cumprimento da legislação – descambou para uma revisão ampla do Código Florestal, bem do jeito que os parlamentares gostam de fazer. A despeito de tudo isso, o novo código é uma realidade e deverá ser votado em breve. Eventuais questionamentos quanto à necessidade ou não de atualização são meras digressões. O momento da decisão chegou, e o que está em jogo agora é que retrocessos e avanços serão impostos pela nova lei que emergirá do parlamento nacional nos próximos dois meses. 160

Da Amazônia: 100 artigos


A proposta dos ruralistas ganhou reforço especial, ao ser integralmente incorporada, pelo deputado-relator, ao projeto da Câmara dos Deputados. O Ministério do Meio Ambiente, por sua vez, elaborou projeto próprio, como alternativa àquele apresentado pelo parlamento. Ambientalistas de todas as tendências, dos preservacionistas mais ortodoxos aos mais conservacionistas, também apresentaram suas propostas de legislação. Sendo o momento de decisão, a sociedade precisa estar atenta às consequências que a aprovação do novo código acarretará ao futuro das próximas gerações – quando as mudanças de hoje serão efetivamente sentidas. A redução das áreas de reserva legal, sob o argumento de que uma parcela considerável da propriedade rural não pode ficar ociosa, ou fora do ciclo produtivo, não tem o menor cabimento. A reserva legal (a despeito de ser denominada como reserva) pode e deve ser explorada para produzir madeira e fauna silvestre, entre outros produtos florestais, e deverá, em breve, ser incluída no mecanismo do redd. Da mesma forma, a redução – ou flexibilização, como preferem alguns – da largura da faixa de mata ciliar (que protege os rios) e das porções de florestas que protegem encostas e morros deveria ser algo impensável, diante das recentes tragédias relacionadas diretamente a desabamentos e inundações. E, finalmente, a previsão de anistia (ou abrandamento) das penalidades impostas aos infratores pelo descumprimento da legislação vigente é simplesmente imoral – para dizer o mínimo.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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IX Postado em 15/5/2011

NOVO CÓDIGO FLORESTAL DESAFIA “CAPITALISMO À BRASILEIRA” A proposta de novo código florestal ainda não foi votada na Câmara dos Deputados, a despeito do empenho da bancada dos pecuaristas. Acontece que o Executivo Federal entrou na peleja, tomando partido dos que esperam manter as regras atuais e não admitem anistiar quem não cumpriu a legislação.

D

iante da dificuldade de os parlamentares compreenderem as graves implicações que a promulgação do novo código florestal poderá trazer ao país – tanto em relação aos efeitos ambientais quanto no que concerne à imagem que o Brasil passará ao mundo –, a tropa de choque do Executivo não poupou esforços. Todavia, na tentativa de chegar a uma proposta que conciliasse o incompatível – os interesses privados dos pecuaristas (pequeno, médio e grande) com os ideais de sustentabilidade atualmente preconizados para o planeta –, os governistas não obtiveram êxito. Assim (e como medida de bom senso), a votação da nova legislação foi suspensa duas vezes e, tudo indica, não deverá ser retomada nos mesmos termos anteriores. Sob o receio de que houvesse um retrocesso irreparável na legislação brasileira sobre florestas (que é considerada um modelo internacional), o governo federal intercedeu, com a intenção de evitar o pior: anistia para quem desrespeitou a lei, e a destruição das florestas nas áreas de preservação permanente (app). No primeiro caso, o da anistia, o argumento é simples – não reforçar um mal que já nos assola, a praga da impunidade. É essa praga que nos torna descrentes nas leis, é ela que cria o ambiente propício ao descumprimento das normas, o que, por sua vez, gera desconfiança, burocracia e, em última análise, corrupção. Enfim, não é o que se espera de uma sociedade capitalista que é a quinta economia do mundo.

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Se bem que são os deputados comunistas que defendem a anistia, juntamente com os recém-convertidos pecuaristas, que não querem pagar em espécie as multas a eles aplicadas por infringência da legislação florestal. A anistia, dessa forma, seria a solução para livrar os infratores da inadimplência, dando-lhes acesso aos créditos subsidiados, mesmo sem o cumprimento das exigências legais. Se isso é coisa do comunismo, não se pode dizer; certamente não o é do capitalismo. No caso das apps, os argumentos são bem mais complexos. Envolvem questões como o alto custo de tratamento da água; quantidade de água potável disponível; ocorrência de enchentes, alagações, desbarrancamentos, e assim por diante. Mas como essas questões ganham visibilidade apenas quando as catástrofes ocorrem e a costumeira comoção social toma conta do país, a argumentação não surtiu efeito perante os nossos parlamentares. Apelou-se, então, para a imagem internacional do Brasil. Vale dizer, é difícil de explicar que o mesmo país que pleiteia, perante a onu, recursos para a manutenção de suas florestas, aprova legislação liberando a destruição de áreas florestais. Ou, para entender melhor: o mesmo país que almeja ser o destino mais atraente para investimento do capital internacional e que se diz sustentável para convencimento dos investidores, esse mesmo país demonstra total irresponsabilidade para com os dois recursos naturais essenciais à sustentabilidade – água e floresta. Ainda que os comunistas se valham da defesa do pequeno produtor como principal justificativa tanto para anistiar quanto para reduzir as apps, a ciência demonstra que, independentemente do tamanho das propriedades, a redução das apps causaria implicações perigosas e inevitáveis para o ciclo da água e do carbono. O risco é muito grande, e a pressa dos pecuaristas e comunistas tem uma razão de ser: o tempo faz a razão prevalecer sobre a emoção. No frigir dos ovos, ante qualquer resultado que envolva a aprovação da anistia aos inadimplentes ou a destruição das florestas das apps, não se tenha dúvida – será o capitalismo nacional que sofrerá um duro e decisivo golpe, a ser cobrado, mais uma vez, da sociedade brasileira.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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IX Postado em 29/4/2012

CÓDIGO FLORESTAL: PIOR, IMPOSSÍVEL! As discussões acerca da proposta de novo código florestal, finalmente encerradas ante a aprovação final do texto, impõem duas importantes reflexões. Em primeiro lugar, a dita bancada ruralista é bem maior do que se imaginava; em segundo lugar, os parlamentares brasileiros não têm compromisso com a sustentabilidade. Uma pena.

A

s idas e vindas da proposta de novo código florestal é um bom exemplo do quanto pode ser exata a máxima segundo a qual não há nada que seja ruim o suficiente que não possa piorar. É verdade: as coisas ruins, sempre, podem ficar piores. Primeiro, a Câmara dos Deputados aprovou uma legislação, ainda em maio de 2011, que desagradou profundamente aos que se preocupam com o destino das florestas brasileiras e com os resultados, previsíveis e cientificamente comprovados, que a ausência de florestas pode determinar. Com efeito, não existem mais dúvidas, técnicas ou científicas, quanto ao fato de que a supressão das florestas pode levar a graves consequências, como elevação do risco de ocorrência de alagações e desbarrancamentos; extinção de espécies da flora e fauna; crises no abastecimento d’água e na geração de energia elétrica (apenas para ficar nas consequências mais sentidas pela sociedade). Não obstante, a primeira proposta aprovada pelos parlamentares atendeu à denominada bancada ruralista, que inclui todos os que são a favor da ampliação do peso do agronegócio na economia brasileira. Ou seja, além dos proprietários de terras e dos que possuem algum vínculo rural, essa bancada agrega também todos os parlamentares que entendem que a verdadeira vocação brasileira está circunscrita à produção de matéria-prima destinada à industrialização por outros países. Uma percepção muito antiquada e que, por outro lado, jamais pode ser considerada estratégia de desenvolvimento para uma nação com a 164

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estatura que o Brasil espera alcançar, tampouco para um país que hoje representa a quinta economia mundial. Mas os deputados federais desagradaram também aos cientistas, que, reunidos em duas instituições de grande prestígio – a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e a Academia Brasileira de Ciência – fizeram questão de tornar público as implicações científicas que, por exemplo, a redução das florestas existentes nas áreas de preservação permanente (app) traria para a sociedade brasileira. No Senado, a proposta aprovada na Câmara foi considerada frágil pela maioria dos senadores. Depois de muita discussão, chegou-se a um entendimento, que exigiu uma difícil negociação entre governo, ambientalistas e o agronegócio, e um relatório foi produzido. Ainda que sob muitas ressalvas, o senado aprovou uma proposta bem mais elaborada que a dos deputados. Além de manter dispositivos de proteção para as apps, e o manejo florestal de uso múltiplo para a reserva legal, o projeto dos senadores teve o mérito de incluir a possibilidade de renumeração dos serviços ambientais prestados pelas florestas. Esses serviços se referem, por exemplo, ao equilíbrio do clima e à purificação do ar, bem como à garantia do equilíbrio hidrológico e da vazão dos rios (o que é fundamental para abastecimento das cidades e geração de energia elétrica). Como foi fruto de um amplo acordo (difícil de ser obtido, repita-se), esperava-se que a proposta dos senadores fosse acatada sem ressalvas pelos deputados. Ledo engano. Os parlamentares demonstraram absoluto pouco-caso para com o acordo feito no Senado; pior, demonstraram obstinada falta de compromisso, até mesmo em relação à sustentabilidade da própria produção agropecuária que tanto defendem. Retirou-se da proposta do Senado um total de 21 itens que tratavam da manutenção de áreas de mata ciliar nas margens dos rios e em topos de morros. Ademais, suprimiu-se uma série de outros dispositivos que consideravam as florestas como ativos estratégicos, e não como empecilho ao progresso do agronegócio. Na verdade, a preocupação dos deputados, por falta de visão ou de compreensão quanto à importância do tema, foi apenas com a sorte do agronegócio, não com o futuro do país. Um país que será anfitrião da Rio + 20, reunião em que será discutido o destino do mundo, e não o do agronegócio. O que a presidente Dilma vai poder falar lá? Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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IX Postado em 6/5/2012

VETO AO CÓDIGO FLORESTAL: EMBORA VERGONHOSO, SERIA O MELHOR A pressão social para que a presidente Dilma vete a proposta de código florestal aprovada na Câmara dos Deputados se amplia, com razão, a cada dia. A decisão sobre o veto não diz respeito à qualidade da proposta, considerada ruim pela maioria, mas à exposição do simplório processo de decisão sobre política pública vigente no país.

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resce na sociedade a certeza de que a melhor saída para a presidente Dilma, no que se refere ao imbróglio do novo código florestal, seria o veto total ao texto aprovado em caráter definitivo pelos deputados federais. Um veto que, se por um lado, atende aos anseios da maioria dos setores sociais, por outro lado, representa uma afronta à Câmara. Assumindo-se que o projeto aprovado pelos deputados seja nocivo a ponto de obter a condenação da maioria, a norma legal terá que ser alterada, de um jeito ou de outro, por meio de instrumentos mais rigorosos e menos democráticos (como seria o caso de uma medida provisória ou de um decreto presidencial), até chegar-se, pelo menos, ao texto aprovado pelos senadores. Dessa forma, sendo a proposta realmente ruim – e, com exceção dos parlamentares que a aprovaram, todos concordam com isso – o veto presidencial seria apenas mais um instrumento pouco democrático, entre um rol de opções igualmente pouco democráticas. Mas não é bem assim. A decisão de vetar ou não já não se relaciona com a qualidade do texto aprovado, mas, sim, com o acatamento ou não de uma decisão vinda da Câmara dos Deputados. Trata-se de determinar em que medida deverá a presidente Dilma aceitar ou não a decisão dos representantes do povo, que, em tese, são os deputados federais. A resposta, que não poderia ser diferente, está em se agir de acordo com o que venha a ser o melhor para o Brasil, como nação, e em

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última análise, considerando-se a natureza do tema em discussão, com o que venha a ser melhor para resto do mundo. Poder-se-ia conjecturar que a Câmara não merece o crédito devido, pois, em face de um sistema eleitoral duvidoso, muitos parlamentares estão ali por efeito do voto de legenda – o que significa que não obtiveram o voto dos eleitores, princípio elementar em uma democracia. Assim, o desrespeito à decisão dos parlamentares não significaria, nem de longe, o desrespeito à vontade do povo. Uma argumentação que parece atraente, mas que não leva a nenhum lugar. A vontade dos parlamentares, gostando-se ou não, deve ser considerada com muita atenção, e um veto total ao código florestal aprovado pelos deputados federais seria vergonhoso, exatamente por expor a fragilidade de um sistema parlamentar no qual o eleito não precisa dos votos do eleitor. Situação a ser revista em uma reforma política, que, embora seja considerada prioridade, não se tem coragem de realizar. A despeito de tudo isso, o fato é que apenas um setor da economia (com peso elevado no pib, ressalte-se) ficou satisfeito com a proposta aprovada. Esse setor logrou ampliar a área de solo que lhe é destinada (para plantação de capim e criação de gado, por exemplo) e conseguiu evitar a imposição de penalidade, em face do descumprimento contumaz de uma legislação em vigor há mais de 40 anos – o Código Florestal de 1965. Esse setor, enfim, demonstrou sua força na Câmara Federal. A dita bancada ruralista comprovou ser bem maior do que se imaginava, ao agregar um número expressivo de parlamentares que odeiam os ambientalistas, são contra o governo e, o mais grave, acreditam que o destino da nação brasileira é ser produtora de matéria-prima agrícola – uma estratégia que certamente não é a mais indicada para um país que está entre as cinco maiores economias do mundo. Às vésperas da Rio + 20, o mundo espera do Brasil, no mínimo, uma atenção especial para com os povoamentos florestais – como os presentes nas matas ciliares, que garantem a água e o equilíbrio do clima. No caso específico do Código Florestal, portanto, o emprego do instrumento extraordinário do veto, previsto no sistema que rege as decisões de política pública, seria o melhor para a nação. Que a medida seja rápida, segura e transparente, e que venha acompanhada de uma nova proposta de legislação que beneficie a humanidade, e não o agronegócio.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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IX Postado em 10/6/2012

RIO + 20, CÓDIGO FLORESTAL E AMAZÔNIA Enquanto o Rio de Janeiro se prepara para recepcionar a Rio + 20, discute-se no país a alteração do Código Florestal – a fim de retirar da norma mecanismos fundamentais para a proteção das florestas e conceder anistia aos que não cumpriram a legislação.

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arafraseando-se Shakespeare, algo de incoerente (para não dizer podre), acontece no reino. Fácil de entender. Para o discurso da Conferência Rio + 20, vale a cantilena de que o país possui uma das maiores áreas de florestas do mundo. Mas, para efeito de aprovação do novo código florestal, vale a máxima de que a importância econômica do agronegócio justifica a ampliação da área plantada nas margens dos rios e igarapés. E a Amazônia não vai bem e pode ficar pior, muito obrigado. É possível que ninguém tenha se dado conta disso, mas se as discussões em torno da legislação florestal tivessem sido concluídas até 2010, a habitual incongruência tupiniquim passaria despercebida. A despeito de o Brasil ter se destacado durante a Rio 92, a segunda conferência das Nações Unidas sobre meio ambiente e desenvolvimento (a primeira aconteceu em Estocolmo, em 1972), na condição de referência no quesito preocupação ambiental, de lá (1992) prá cá (2012), a distância entre o discurso internacional e as ações internas tem alcançado proporções que, para dizer pouco, beiram o disparate. Enquanto se assume, perante as outras nações, que se investe no controle do desmatamento, a fim de garantir a manutenção das florestas (sobretudo na Amazônia), discute-se uma legislação de orientação francamente desfavorável à conservação de áreas florestais. Sem entrar no mérito do conteúdo do veto presidencial (ao projeto aprovado pela Câmara) e da medida provisória (pela qual o Governo tenta retomar o projeto aprovado no Senado), o fato é que essa balbúrdia

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Da Amazônia: 100 artigos


legislativa, essa bagunça de procedimentos só evidencia ainda mais o que já se sabia: que a preocupação com o destino da Amazônia e das nossas florestas é bem menor do que a preocupação com o agronegócio. E as previsões são, no mínimo, inquietantes. Pois que, no frigir dos ovos, os ruralistas vão conseguindo tudo o que pretendiam – anistia, impunidade e mais, a prerrogativa de invasão da mata ciliar, comprometendo a água que abastece a área urbana, e a anexação de uma expressiva quantidade de hectares, antes cobertos pelas florestas presentes nas áreas de reserva legal. A verdade é que, enquanto o governo se fez de refém para aprovar a venda de álcool nos estádios – o que (com toda a razão) a poderosa Fifa não quis nem discutir –, os ruralistas demonstraram sua força, tanto na esfera da Câmara quanto na do Senado. Mas, antes de tudo, o que esse setor demonstrou mesmo foi uma grande leviandade em relação às graves implicações ambientais advindas de sua respectiva atividade produtiva. Não obstante (já que isso não depende apenas do Brasil), não lograrão convencer o mercado internacional de que a carne de boi e os grãos de soja que produzem não trazem comprometimento para a qualidade e a quantidade de água, não aumentam a poluição do ar e não ampliam o desmatamento. Diferentemente do que acontece no Congresso Naacional, esse mercado está atento às questões ambientais e, seguramente, será influenciado pelas discussões e deliberações que resultarão da Rio + 20. Resta saber, portanto, que postura política o país assumirá durante a Rio + 20, prevista para junho. Na conferência, não haverá espaço para a defesa de pontos de vista como os que prevalecem nas discussões sobre a proposta de novo código florestal, contrárias à tendência internacional que aponta para a consolidação de uma economia de baixo carbono. Tendência essa que, diante da iminente crise ecológica, vem se fortalecendo cada vez mais.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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IX Postado em 30/9/2012

LARANJAIS NÃO RESTAURAM MATA CILIAR. VETA, DILMA! De todas as tentativas para acabar com a proteção que as florestas fornecem à água, permitir o plantio de frutíferas na mata ciliar foi a mais grave. Diante disso, toda a discussão sobre a largura da mata ciliar perdeu o sentido. Os parlamentares não perceberam que o que aprovaram mesmo foi o fim da mata ciliar.

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pós quase dois anos de discussão sobre a proposta de novo código florestal, conseguiu-se chegar ao limiar da insensatez, diante da aprovação, pelo Congresso, do Projeto de Lei de Conversão nº 21/2012 (relativo à Medida Provisória nº 571/2012). Para se entender melhor a novela do Código Florestal, cabe um breve esclarecimento. Embora o Código englobe um conjunto de definições e regule uma série de instrumentos relacionados às florestas, a controvérsia se restringe aos institutos da reserva legal e da área de preservação permanente (app). Acontece que uma parte considerável dos produtores rurais (tanto pequenos quanto grandes) estava ilegal, em face do desmatamento das áreas de reserva legal e das áreas de preservação permanente (em especial a mata ciliar). Como essa situação de ilegalidade impedia que o produtor tivesse acesso ao crédito público, nossa sabedoria tupiniquim entendeu por bem mudar a lei, a fim de adequá-la aos infratores e, dessa forma, trazê-los para a legalidade. Legalizar o produtor requeria, em síntese, a definição de novos limites para a reserva legal e para a mata ciliar, além do estabelecimento de regras para a restauração florestal da parte desmatada. Surgia, desse modo, a demanda por um novo código florestal. O acirramento dos debates fez emergir uma bancada de ruralistas bem superior à que se supunha existir. Representando ampla maioria, os parlamentares que acreditam no agronegócio como modelo de

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desenvolvimento para o país aprovaram como bem entenderam as propostas que transitaram, mais de uma vez, pela Câmara dos Deputados e pelo Senado. Insatisfeita com a proposta final aprovada no Congresso, a presidente Dilma vetou vários artigos e converteu a matéria controversa numa medida provisória, que, por sua vez, também foi alterada e votada pelo Congresso: essa é a proposta que, agora, transformada em projeto de lei de conversão, passará novamente pelo crivo da presidência. Trata-se, seguramente, da pior proposta já aprovada pelos parlamentares, entre todas as outras que levaram à opção pelo veto. A explicação é simples. Desde a primeira versão, aprovada na Câmara dos Deputados em maio de 2011, previu-se a restauração da mata ciliar e da reserva legal mediante o emprego exclusivo de espécies nativas da respectiva região onde se situassem as áreas sob restauro. Na nova proposta, porém, os deputados incluíram um dispositivo perigoso, que permite que na restauração da mata ciliar sejam aproveitadas espécies frutíferas. Simplesmente se desconsiderou toda a discussão sobre a largura que a mata ciliar deveria ter em razão do tamanho do rio e da propriedade. Poucos devem ter atentado para o fato de que a inclusão desse dispositivo, que libera o plantio de árvores frutíferas na mata ciliar a título de restauração florestal, irá transformar as matas ciliares, inclusive as que ainda existem, em grandes pomares. Ora, o plantio de laranja, limão, tangerina ou de outra frutífera não restaura a mata ciliar e suas funções. A polêmica sobre a quantidade de florestas que devem estar presentes na margem do rio só tem sentido quando se trata de fazer com que, mediante o plantio da vegetação nativa, a mata ciliar volte a desempenhar suas funções ambientais; ou seja, volte a conter o desbarrancamento, a impedir que a areia e o barro cheguem até o rio, a conservar a fauna silvestre dentro e fora d’água. E, o mais importante, volte a contribuir para o equilíbrio hidrológico do rio, a fim de que não falte água para o consumo humano e para a geração de energia elétrica, por exemplo. Laranjais não servem para nada disso. Bastou uma ideia infeliz para que as funções da mata ciliar fossem esquecidas de imediato, e por todos. Agora, mais que nunca, veta, Dilma!

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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a lista de prioridades dos órgãos públicos de apoio à pequena produção rural na Amazônia, em primeiro lugar se encontra a fiscalização de crédito; afinal, é ajudando o sistema de crédito operado pelos bancos que o órgão consegue dinheiro para financiar sua atuação de rotina. Em segundo lugar, vem a oferta de assistência técnica, que costuma se voltar para o apoio das atividades elementares da produção agropecuária: cultivo de arroz, feijão, milho, macaxeira; e criação de bois, porcos, galinhas. Como terceira e última prioridade, vem a extensão rural. Além do problema crônico da falta de recursos, há a ainda as dificuldades relacionadas ao fato de que nunca se sabe o que deve ou não ser objeto de extensão. Na maior parte do tempo, os extensionistas se veem obrigados a fomentar, junto ao produtor, opções produtivas disparatadas, que não guardam nenhuma relação com a vocação produtiva da região e que, por isso, inevitavelmente fracassam. A Amazônia é repleta de exemplos dessa natureza, em que se priorizam propostas que não têm vínculo com a realidade regional e que, desse modo, não se consolidam como atividade do setor primário, persistindo apenas enquanto dura o respectivo mandato que as promoveu. A organização de uma produção florestal, no âmbito da pequena propriedade, que eleve o extrativismo à condição de manejo florestal de uso múltiplo, é fundamental para se alcançar o desenvolvimento econômico regional. Essa produção florestal depende de uma extensão que logre consolidar e reproduzir as inovações tecnológicas já existentes.


X Postado em 24/4/2011

EXTENSIONISTA OU FISCAL DE CRÉDITO? A extensão rural costuma ser considerada a chave do sucesso ou do fracasso da produção rural na Amazônia. O problema é que existe uma confusão conceitual entre extensão e assistência técnica. Além disso, o profissional da extensão ainda precisa trabalhar como fiscal de crédito para os bancos.

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esponsabilizar os extensionistas, ou a ausência de extensão rural, pelo primitivismo existente na produção agropecuária na Amazônia é, no mínimo, uma injustiça. O profissional da extensão convive, em seu cotidiano de trabalho, com um dilema permanente, desdobrando seu tempo entre a extensão, a assistência técnica e a fiscalização de crédito. Tudo começa com a distância conceitual que existe entre as atividades de extensão rural e as de assistência técnica – da qual poucos se dão conta. Enquanto ao extensionista compete levar ao produtor inovações tecnológicas, o assistente técnico tem a incumbência de ajudar o produtor a resolver algum problema relacionado a uma tecnologia já consolidada ou amplamente adotada pelos produtores. Mas, a despeito da importância dessa distinção, a maioria a rotula como mero preciosismo acadêmico. Como não há coisa ruim que não possa piorar, tudo fica bem mais confuso quando o assistente técnico, que já é extensionista nas horas vagas, é obrigado pelo órgão em que trabalha a atuar como fiscal de crédito. Ocorre que o sistema de crédito adotado no país, em especial o direcionado ao apoio da agricultura familiar e ao pequeno produtor florestal, tem no Programa Nacional de Agricultura Familiar (Pronaf), sua principal referência. A maior parcela de recursos postos à disposição do produtor é, de longe, oriunda do Pronaf. O crédito via Pronaf é operacionalizado por agentes financeiros como o Banco do Brasil e, para o caso da Amazônia, o Banco da Amazônia (que não quer mais ser chamado de Basa). São esses agentes que

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se responsabilizam perante o Fundo Constitucional do Norte, fno, pelo pagamento dos créditos obtidos pelo produtor; vale dizer, se o tomador do crédito não pagar, o banco se responsabiliza pela dívida. Como capital e banco não podem correr riscos, ou melhor, procuram correr o menor risco possível, o sistema paga 3% do valor financiado para a fiscalização do crédito. O dinheiro sai do próprio crédito tomado pelo produtor e é pago por ele. No final das contas, quem paga ao fiscal do crédito é o próprio produtor. Talvez seja uma das poucas situações no mundo em que se paga para ser fiscalizado. Todavia, como Euclides da Cunha registrou que o seringueiro realizava a maior anomalia que o capitalismo engendrou – a de “trabalhar para escravizar-se” –, já devemos estar acostumados a anomalias capitalistas várias. Mas a história não acaba aí, fica pior, claro. O banco retira de cada crédito aprovado o equivalente a 3%, que deposita na conta da instituição responsável pela fiscalização do crédito. No caso da Amazônia, essas instituições são as secretarias estaduais de extensão rural ou suas congêneres. Muito bem, chegamos ao cerne da questão. Acontece que é justamente nessa instituição responsável pela extensão e pela assistência técnica que trabalham os técnicos que vão incluir em suas atividades a fiscalização do crédito. Dessas três atividades, a única que gera recursos é a fiscalização de crédito. Assim, como a extensão e a assistência técnica – públicas e gratuitas – não trazem retorno financeiro para manter a rotina do órgão, pagar as diárias dos técnicos e o material de apoio para a extensão (citando apenas alguns exemplos), os técnicos terminam mesmo por ocupar a maior parte do seu tempo com a fiscalização do crédito. Ora, nesse emaranhado administrativo desconexo e sem objetivos (ou com objetivos turvos), uma atividade como a extensão rural – crucial para elevar a produtividade da produção rural ou agregar-lhe maior valor ou, ainda, melhorar a renda do pequeno produtor – jamais poderá cumprir com a demanda que a sociedade lhe impõe. A constatação é uma só: extensão rural nunca será prioridade, enquanto o extensionista for, de fato, fiscal de crédito.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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X Postado em 7/8/2011

EXTENSÃO RURAL E ENGAJAMENTO POLÍTICO A extensão rural é apontada como solução para a maioria dos entraves da produção agropecuária na Amazônia; todavia, sob problemas de infraestrutura, de pessoal e de investimento, a extensão se perde e se confunde com engajamento político – que ajuda apenas um ou outro partido e nada resolve.

H

á os que impõem à extensão rural da Amazônia – sobretudo à extensão praticada no intuito de consolidar e expandir a agricultura e a pecuária – o encargo de encontrar uma saída para a emancipação econômica do pequeno produtor rural, superando-se, dessa forma, os eternos e graves gargalos que emperram a pequena produção familiar na região. Sob essa ótica, a atividade é direcionada no sentido do engajamento político. Vale dizer, a extensão é entendida como a realização de um conjunto de iniciativas de organização política, no intuito de tornar o produtor o principal agente de uma produção verticalizada e por ele dominada. O engajamento político, em tese, levaria o produtor rural (o pequeno, claro) a alcançar total independência, perante todos os demais elos da cadeia produtiva na qual está inserido. Um objetivo difícil de ser alcançado, para dizer o mínimo, especialmente no caso da Amazônia – até hoje, não se tem notícia de algo sequer parecido. No final das contas, esse tipo de extensão costuma dar algum resultado apenas na hora do voto, favorecendo o partido político que eventualmente se beneficie do engajamento preconizado. Situa-se aí, nessa singela constatação, a primeira e fundamental conclusão que pode ajudar a explicar as razões pelas quais os serviços de extensão dificilmente atendem às demandas da sociedade.

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É preciso esclarecer alguns pontos, ou, com o perdão do trocadilho, separar o joio do trigo. A extensão rural na Amazônia tem uma incumbência espinhosa – que diz respeito à melhoria das condições em que se insere a pequena produção na região. Está nas mãos dos extensionistas a árdua tarefa de fazer com que essa produção, superando problemas graves, saia do limbo em que se encontra. Por outro lado, as condições conferidas aos extensionistas para o cumprimento de sua incumbência também não são as melhores, e a questão esbarra em dois obstáculos difíceis de superar. O primeiro se refere às condições materiais, como disponibilidade de carros, barcos, diárias e técnicos qualificados. Acontece que em nenhuma cidade amazônica a extensão rural é prioridade. Isso é fato. O segundo obstáculo é mais complexo – alude ao produto e ao modo de produção; ou seja, diz respeito aos padrões tecnológicos a serem empregados no processo produtivo e à matéria-prima a ser aproveitada. Quanto a esse aspecto, tanto os produtores quanto os agentes públicos costumam se embaralhar e cometer grandes equívocos. E uma vez que a responsabilidade pelas decisões extrapola o trabalho do extensionista, talvez esteja aí o principal problema. Afinal, são as autoridades públicas que idealizam uma produção rural de frangos, por exemplo, que possa resultar em ganhos consideráveis para os produtores, levando-os à tão sonhada emancipação; ou de hortaliças, coco, cana-de-açúcar e outros. Compete ao extensionista levar a decisão ao produtor, convencendo-o a abraçá-la. Todavia, como é enorme a distância entre ideia e materialização da produção – ou seja, efetivação do processo produtivo, desenvolvimento e aplicação de tecnologias e abrangência de um número suficiente de consumidores que dê conta do produto cultivado –, a produção rural continuará estagnada. Restará, então, aos serviços de extensão, o discurso do engajamento político, da libertação do produtor – o que de concreto resultará em reuniões para a criação de uma cooperativa, que certamente irá quebrar depois de um ano de funcionamento; ou a criação de uma associação, que eventualmente existirá sob a tutela de um determinado governo e que se tornará flanco de resistência quando outro governo assumir. Ao contrário do que promete, a extensão rural engajada não traz libertação. Somente produzindo é que o produtor conquista autonomia. Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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X Postado em 18/3/2012

EXTENSÃO FLORESTAL NA AMAZÔNIA Os governos amazônicos não enxergam como prioridade o investimento em extensão, uma vez que não entendem a importância dessa atividade. Como não existe extensão sem investimento, a produção não avança.

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produtor rural amazônida, quer esteja localizado no interior do ecossistema florestal ou disperso ao longo da imensa rede de ramais que cortam a região, convive com um inalterável processo de produção agropecuária e florestal (ou extrativista), cujas características principais são primitivismo tecnológico; baixos índices de produtividade (os piores do país); e elevado grau de degradação ambiental. Uma conjuntura que atravessa os anos, as décadas e, em alguns casos, como o da extração de borracha, os séculos. A sensação que impera é a de que “se é assim há tanto tempo, é porque não tem jeito”. Mas isso não é verdade; existem soluções. As autoridades públicas se acostumaram de tal forma a essa situação, que não se incomodam mais com ela. A contradição que se repete é que a desgraça do produtor rural é sempre lembrada em períodos eleitorais – quando a sua condição, que não se altera, justifica a eleição de dirigentes que se conformaram com a permanência daquela realidade, pois acham que não há jeito de modificá-la. Os atores sociais, por seu turno, articulam reuniões e reivindicações que não surtem efeitos no tripé produtivo regional (tecnologia arcaica, baixa produtividade e elevado custo ambiental). No final das contas, a grita geral sempre recai sobre a falta de trafegabilidade dos ramais na época das chuvas. A pavimentação das vias – no caso, dos ramais, uma vez que a maioria das rodovias já foi pavimentada na região – une autoridades e produtores numa ladainha que só tem fim quando o asfalto sai. Mas o tripé permanece, e a realidade não muda.

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Da Amazônia: 100 artigos


A conclusão é sempre num sentido: somente o investimento em tecnologia poderia alterar a triste realidade da produção agropecuária e florestal amazônica. Todavia, essa constatação sobre o gargalo tecnológico encobre uma armadilha muito perigosa – o tempo. Acontece que, para os desavisados, quando se fala em investir em tecnologia, significa que muitas pesquisas teriam que ser realizadas; mas como os eventuais resultados demorariam a sair, seria melhor esperar sentado e, enquanto isso, continuar desmatando. Nada disso tem cabimento. Muito embora ainda existam algumas respostas a serem obtidas, as instituições envolvidas com a pesquisa florestal na Amazônia (como a Embrapa) já resolveram a grande maioria dos gargalos tecnológicos para a elevação do padrão de produtividade de um amplo leque de produtos florestais. Em relação à madeira, nem se fala. Existe tecnologia para produção madeireira sob qualquer escala, do pequeno ao grande produtor. Por sinal, quanto a esse produto, quase não há mais espaço para inovação, a não ser na área de industrialização. Fazer com que essas tecnologias cheguem ao produtor florestal é o papel dos extensionistas. Entretanto, a estruturação de órgãos que se dediquem exclusivamente à extensão florestal é papel dos governos. Muito embora a discussão eleitoral, aquela de palanque, sempre enalteça a existência de uma riqueza florestal inesgotável, que seria alvo da cobiça internacional, no momento do investimento público, a extensão florestal nunca é prioridade. Numa coisa, todos os governos da Amazônia concordam, sem exceção: extensão florestal não tem serventia.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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concepção da tecnologia do manejo florestal comunitário, que ocorreu no Acre, no final da década de 1990, teve o intuito de possibilitar que o extrativista tivesse acesso ao recurso florestal (sobretudo a madeira) presente em sua própria unidade de produção, a colocação de seringueiro. Mediante a qualificação do produtor extrativista, esperava-se que ele viesse a atuar como manejador florestal, participando de todas as etapas da exploração – desde a preparação da área até a comercialização da produção florestal no tumultuado mercado de madeira regional. A despeito do enfrentamento de alguns embaraços (que talvez sejam até insuperáveis), a viabilidade do manejo florestal comunitário foi comprovada em diversas experiências realizadas em toda a Amazônia. Hoje, já não há dúvidas de que se trata de uma tecnologia exitosa: em todos os lugares onde foi aplicada, possibilitou que a renda do produtor extrativista fosse, pelo menos, quadruplicada, melhorando sensivelmente sua qualidade de vida. Contudo, a produção comunitária de madeira depreca – como de resto as atividades rurais de maneira geral – expressivo apoio de políticas públicas, seja na abertura e manutenção de vias de escoamento, seja no fornecimento de serviços de educação e saúde. É hora, portanto, de o poder público assumir sua responsabilidade na consolidação dessa importante tecnologia.


XI Postado em 8/6/2008

DESAFIOS PARA O MANEJO COMUNITÁRIO DO CACAU NATIVO NO PURUS A empresa quer comprar o cacau selvagem que ocorre na várzea do Purus, mas precisa de uma quantidade bem superior ao que o extrativismo oferta. Será que o manejo florestal comunitário consegue ampliar a oferta e, assim, evitar a perigosa opção do cultivo? O futuro dirá.

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ão vários os desafios. Todavia, o maior deles é proposto por uma empresa alemã que compra o cacau nativo originário da várzea do rio Purus, no Amazonas – uma vez que essa empresa necessita de uma quantidade do produto bem superior à obtida pelos extrativistas ribeirinhos. Para a empresa, o sabor do cacau que ocorre naturalmente no Purus possui características únicas e incomparáveis quando é transformado em chocolate. Entenda-se por sabor único um diferencial de mercado que leva o produto a alcançar melhores preços de venda e, o mais importante, que confere identidade ao empreendimento. Dessa forma, a empresa se apresenta como a única a comercializar um chocolate genuíno, nativo, original – do jeito que a floresta amazônica oferece. Para quem aprecia chocolate (e são muitos os apreciadores, na Alemanha e na Europa em geral), compensa pagar mais pelo produto. Trata-se de um mercado que se amplia a cada ano. Afinal, quem não gostaria de experimentar um chocolate que é consumido há milênios e que vem de uma região ícone no mundo, a Amazônia? O contrato inicialmente celebrado entre a empresa e a cooperativa dos produtores evidenciou que a demanda pelo cacau estava bem acima da produção ofertada pelo extrativismo praticado na várzea do rio Purus. Sem dúvida, algo inusitado no mercado que envolve produtos de origem extrativista da Amazônia. Na maioria das vezes, tem-se uma grande diversidade de produtos que não possuem mercados consolidados. 182

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O problema é que, nesses casos, quando a demanda é alta, tal qual já sucedeu com o próprio cacau, a borracha, o cupuaçu, a pupunha, a pimenta-longa, a tendência é recorrer-se aos cultivos comerciais para ampliar a oferta do produto. A história econômica da Amazônia comprova que sempre que uma espécie florestal ganha dinamismo econômico, a resposta agronômica é rápida: domesticação, plantio, colheita – e, assim, o ciclo produtivo atende à expectativa do mercado. O passo seguinte é o início de um processo intenso de mecanização da produção. Esse procedimento tem justificado a entrada no mercado de vários produtos da floresta amazônica; e tem, igualmente, justificado o afastamento da Amazônia de vários mercados abertos por suas espécies florestais. A borracha ainda é o melhor exemplo dessa triste constatação. Uma vez que o sistema de cultivo desse produto já foi dominado, o estado de São Paulo controla o mercado desde 1993. Por outro lado, a história econômica da Amazônia também tem demonstrado que o que pode salvar a produção amazônica é a existência de algumas características nas espécies nativas que, a despeito de serem importantes para o mercado, se perdem com o cultivo comercial. No caso do cacau, a empresa compradora é taxativa: cacau cultivado não é nativo; por isso, o plantio da espécie não interessa. E aí surge o desafio do início desse artigo – ou seja, o que fazer para triplicar (ou quadruplicar) a produtividade do cacau nativo, sem recorrer aos plantios. No intuito de encontrar respostas, um grupo de especialistas oriundos da Universidade Federal do Acre e da Universidade Freiburg, entre outras instituições, vem se debruçando sobre a questão, no âmbito de um projeto de pesquisa apoiado pelo cnpq e direcionado para a implantação, no Purus, de uma experiência de manejo florestal comunitário. Tudo indica que em breve algumas respostas surgirão. Respostas que ajudarão a solucionar os desafios do cacau e, o melhor, do manejo florestal comunitário da Amazônia.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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XI Postado em 28/12/2008

SONEGAÇÃO DE ICMS VIABILIZA MANEJO COMUNITÁRIO NA AMAZÔNIA A despeito dos costumeiros discursos proferidos em apoio às populações que vivem na floresta, ao extrativismo e às reserva extrativistas, de concreto, os produtores que se dedicam ao manejo florestal comunitário sofrem ante a ausência de tratamento diferenciado: para o Estado, são todos madeireiros.

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onografia elaborada por graduando da Universidade Federal do Acre conclui que o impacto do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (icms) cobrado sobre a produção madeireira realizada por comunidades na Amazônia inviabiliza a atividade. O trabalho de pesquisa, desenvolvido pelo acadêmico Cláudio Bonfim como condição para conclusão do curso de Engenharia Florestal, analisou a planilha de custos da mais antiga e interessante experiência de manejo comunitário levada a cabo na Amazônia – o Projeto Porto Dias, no Acre, coordenado pelo Centro dos Trabalhadores da Amazônia (cta), entidade pioneira na execução de projetos enfocando o manejo comunitário de madeira. O projeto foi iniciado em 1994, mediante a realização de diversos levantamentos (socioeconômico, etnobotânico e faunístico), bem como de inventário florestal de diagnóstico. Logo depois, efetuou-se o planejamento do sistema de exploração, que envolveu dez famílias de extrativistas. Essas famílias exploram um total de dez hectares por ano, sob a intensidade de dez metros cúbicos de madeira por hectare. Significa que, anualmente, a comunidade explora e comercializa o equivalente a mil metros cúbicos de madeira. O sucesso dessa experiência animou outras comunidades a adotarem a produção florestal como principal atividade para auferir renda. Atualmente, a Amazônia está repleta de experiências similares. Todavia, a despeito elevado apelo social, ambiental e político do manejo comunitário, o apoio estatal ainda ocorre de forma desconexa e ineficiente. 184

Da Amazônia: 100 artigos


Para se ter uma ideia, de acordo com o estudo, no caso específico do Acre e tendo como referência a pauta de icms definida pela Secretaria Estadual de Fazenda, somente em 2004 – ou seja, depois de dez anos de iniciada a experiência do Porto Dias – a estrutura pública outorgou, por meio da portaria 408, tratamento diferenciado à madeira oriunda do manejo florestal comunitário. Pelo menos duas constatações surgem daí. A primeira, que a ação pública não considera a pauta de icms como instrumento de incentivo a atividades sustentáveis (como a produção de madeira) e de inibição a atividades insustentáveis (como a criação de gado). Vale dizer, em que pese a importância e o impacto quase imediato desse mecanismo para o ordenamento das atividades econômicas, as fazendas públicas estaduais não estão preparadas para empregá-lo. A segunda constatação, mais grave, refere-se ao fato de que o impacto da cobrança do icms sobre a produção madeireira oriunda do manejo florestal comunitário passou despercebido por muito tempo. As estimativas demonstram que, antes de 2004, o imposto representava quase 50% da planilha de custos da atividade; depois de 2004, quando foi instituído o tratamento diferenciado, esse impacto caiu para 17%. Diga-se, entretanto, que o problema ainda está longe de ser resolvido. Além de tímido, o subsídio conferido pela portaria 408 é bastante seletivo, uma vez que beneficia apenas a produção certificada; ou seja, apenas as experiências de manejo comunitário habilitadas por certificação do fsc podem gozar do benefício. Como a certificação é algo distante da realidade da maioria das comunidades de manejadores florestais, a conclusão só pode ser num sentido: o Estado finge que cobra, e os produtores florestais fingem que pagam.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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XI Postado em 27/9/2009

MANEJO FLORESTAL COMUNITÁRIO NA AMAZÔNIA: DIFÍCIL COMEÇO A despeito de o manejo florestal madeireiro atualmente já integrar as políticas públicas, a exploração sustentável da diversidade biológica amazônica ainda se depara com dificuldades que vão do preconceito generalizado a um sistema normativo simplesmente proibitivo.

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s instituições públicas e privadas envolvidas com os assuntos da produção são impregnadas de preconceitos em relação à atividade florestal. O modelo agropecuário, em especial o baseado na monocultura de larga escala destinada à geração de divisas de exportação (soja, principalmente), consolidou-se, no âmbito da sociedade e das instituições, na condição de opção inexorável. Dessa forma, mesmo com todas as experiências demonstrativas de manejo florestal levadas a cabo na Amazônia, é muito difícil fazer a defesa dessa atividade, sobretudo quando se inclui a madeira na cesta de produtos florestais. Por sinal, é preciso reconhecer a importância dessas experiências para o desenvolvimento da atividade florestal na região, em particular a praticada em escala comunitária. Experiências como a executada pela Fundação de Tecnologia do Acre (Funtac) na Floresta Estadual do Antimary, por meio de projeto financiado pela Organização Internacional de Madeiras Tropicais (itto, da sigla em inglês). Esse projeto se tornou referência para a gestão de florestas públicas sob regime de manejo florestal privado. Ou a desenvolvida pelo Centro dos Trabalhadores da Amazônia (cta) no assentamento extrativista Porto Dias, também no Acre. Trata-se de empreendimento pioneiro, tanto no que concerne à produção comunitária de madeira quanto no que se refere ao manejo florestal de uso múltiplo. Contrariando os pressupostos que então vigoravam na Engenharia Florestal – de que o manejo para madeira exigia extensas áreas e alto investimento – essa experiência demonstrou que a tecnologia podia ser aplicada no âmbito da produção comunitária, isto é, de pequena escala. 186

Da Amazônia: 100 artigos


Ou, ainda, a implantada pela Embrapa no Assentamento Dirigido Peixoto (novamente no Acre), que contribuiu para conferir às áreas de reserva legal presente nas propriedades rurais a condição de importante componente de geração de renda (desde que eficientemente manejadas) – contrariando a alegação levantada pelos pecuaristas, que consideravam essas porções florestais como empecilho à produção rural. Essas experiências, iniciadas na década de 1990, demandaram grande esforço de suas respectivas instituições condutoras. Se atualmente o uso sustentável da floresta ainda se depara com um sistema normativo proibitivo, imagine-se como era há quinze anos. Contudo, e a despeito do atual contexto desalentador, há um fato inegável e determinante: hoje, o manejo florestal madeireiro integra as políticas públicas, em âmbito estadual e federal. O problema é que, na ânsia de proteger a maior floresta tropical do mundo, (nós, os brasileiros) fomos criando um rol de normas que inibiram a atividade florestal, empurrando-a para a margem da lei. Primeiro, a denominada Lei de Crimes Ambientais suprimiu a possibilidade de inclusão da fauna silvestre no manejo florestal. Depois, as portarias do Ibama transformaram o licenciamento do manejo florestal em alguma coisa impossível de ser obtida; até eia/Rima chegou-se a exigir para o exercício dessa atividade. Por fim, a histeria da biopirataria jogou a última pá de cal – qualquer tipo de exploração florestal passou a ser considerado “uso biotecnológico”, o que infligiu ainda mais suspeição sobre a atividade. Na verdade, as regras que envolvem o acesso ao recurso florestal na Amazônia sempre foram ditadas pela burocracia estatal de Brasília, que, por sua vez, é dominada por gestores oriundos do Sudeste, que não têm vivência com a realidade florestal. Vale dizer, os destinos da floresta tropical são decididos por “urbanoides”, cuja maior preocupação geralmente diz respeito ao maior problema ambiental urbano, a destinação do lixo. É hora de os amazônidas fazerem valer a experiência que acumularam nos últimos 20 anos na condução da exploração sustentável da diversidade biológica amazônica.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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XI Postado em 28/3/2010

MANEJO COMUNITÁRIO DE MADEIRA AVANÇA NO PARÁ O estado do Pará, demonstrando competência técnica e ousadia, flexibilizou as regras para o licenciamento do manejo florestal comunitário em áreas de várzea. A iniciativa deveria ser seguida por outros estados amazônicos, uma vez que a simplificação do licenciamento é a chave para a consolidação do manejo florestal comunitário na Amazônia.

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uma postura ousada e que deveria ser seguida por outros estados da Amazônia, o Pará instituiu, por meio da instrução normativa 040/2010, regras para o licenciamento do manejo florestal comunitário de madeira nas áreas de várzea dos rios e igarapés que compõem a imensa rede hidrográfica do estado. O governo paraense reitera a importância de se fixarem procedimentos para o licenciamento da atividade de manejo florestal praticada por pequenos extrativistas de madeira, de forma individual ou comunitária. Ocorre que o manejo florestal comunitário – vale dizer, o praticado por pequenos produtores, em terra firme ou em áreas de várzea, com ou sem o processamento de madeira –sempre se debateu para superar as imposições do sistema oficial de licenciamento ambiental. Mesmo experiências pioneiras, como as implantadas no estado do Acre pelo Centro dos Trabalhadores da Amazônia (cta) e pela Embrapa, ainda encontram grandes dificuldades para cumprir os preceitos normativos impostos pelos órgãos ambientais. O que acontece na maioria das vezes é que os extrativistas possuem o recurso florestal, a madeira, mas não podem manejar esse recurso e ganhar dinheiro com a atividade, uma vez que não conseguem satisfazer a exigência de ter que apresentar mais de 20 documentos para habilitar o manejo. Como o Ministério do Meio Ambiente nunca conseguiu encontrar um caminho administrativo que resolvesse o impasse, deixou o “pepi-

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Da Amazônia: 100 artigos


no” nas mãos dos governos estaduais. Demonstrando clareza e objetividade raras em tais instrumentos, a normativa expedida pelo Pará destinou-se justamente a facilitar esse procedimento. A iniciativa ganha ainda mais relevância porque, como referido, tratou especificamente do manejo comunitário efetuado pelos ribeirinhos. Acontece que uma coisa é a exploração de madeira em terra firme; outra, bem distinta, é a efetuada nas áreas de várzea. Nesse caso, dois fatores dificultam ainda mais o licenciamento: a questão da propriedade da terra (margens de rios são patrimônio da União) e a realização do manejo em mata ciliar (margens de rios são qualificadas como áreas de preservação permanente, app). Ou seja, com ousadia e competência técnica, a pasta de meio ambiente do Pará enfrentou questões controversas para decidir tópicos relacionados à legislação fundiária e ambiental. A simplificação do licenciamento é a chave para a consolidação do manejo florestal comunitário de madeira na Amazônia. Isso exige disposição política e muito esforço técnico, mas, como o Pará demonstrou, é perfeitamente possível.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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XI Postado em 6/6/2010

MANEJO COMUNITÁRIO DE MADEIRA É A MELHOR OPÇÃO PARA AMAZÔNIA Levar as técnicas do manejo florestal para a realidade dos extrativistas, cunhando-se o que seria denominado de Manejo Florestal Comunitário, foi, sem dúvida, uma das inovações mais importantes já empreendidas pela ciência florestal da Amazônia. Tendo a atividade se consolidado, é chegada a hora de discutir os rumos e o alcance do manejo comunitário na região.

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manejo florestal para a produção de madeira, principal desígnio da Engenharia Florestal, sempre esteve calcado em preceitos difíceis de superar. Um desses preceitos, por exemplo, diz respeito à necessidade de extensas áreas e de elevados investimentos iniciais – vale dizer, o manejo não seria “coisa para pequenos”. Dessa forma, e na condição de atividade inerente ao grande capital, ao longo dos anos, a produção de madeira por meio do manejo florestal passou a ser considerada como opção produtiva de elevada lucratividade e ganhos rápidos. Quando, à oferta de madeira manejada pelo grande capital juntou-se a madeira oriunda dos planos de exploração para a agropecuária (legalizada, mas não manejada), bem como a madeira explorada sem licenciamento (ilegal e não manejada), a produção de madeira como um todo (fosse manejada, legalizada ou ilegal) tornou-se atividade marginal, alvo de ataques do movimento ambientalista. E o mais grave, a atividade passou a ser considerada, por muitos, como exemplo da exploração do mais fraco pelo mais forte, do trabalhador rural pelo capital. O desafio de levar essa atividade produtiva, com todas as suas controvérsias e gargalos técnicos, à realidade do extrativista e de sua unidade produtiva – a colocação de seringa – foi o que moveu alguns técnicos e extencionistas do Acre, no início da década de 1990. Nascia, assim, o manejo florestal comunitário.

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Ao invés de uma grande área, com mais de mil hectares, e de um único proprietário – condições com que tradicionalmente os engenheiros florestais se deparavam – tratava-se, agora, de pequenas áreas (medindo cem hectares, em média), pertencentes a pequenos extrativistas, que se agrupavam numa associação para ganhar dinheiro produzindo madeira. O manejo florestal comunitário surgiu no Acre, mediante o arrojo de projetos pioneiros, como o Porto Dias (conduzido pelo cta), pad Peixoto (pela Embrapa) e Antimary (pela Funtac). Como era de se esperar, a inovadora técnica enfrentou grandes resistências. Da parte do grande empresário, preocupado com a concorrência; da parte dos ambientalistas, que viam na iniciativa mais uma ameaça à manutenção da floresta na Amazônia; e até mesmo da parte do pequeno produtor rural, impregnado por uma compreensão deturpada acerca da produção madeireira. É bem provável que nenhuma outra tecnologia de produção na Amazônia tenha sido alvo de tanta desconfiança quanto o manejo florestal comunitário para a produção de madeira. E mesmo na atualidade, novas respostas ainda têm que ser fornecidas todos os dias. E esse é o objetivo do encontro que acontece a partir de 08 de junho de 2010, em Rio Branco, no Acre. Batizado de “I Semana Amazônica de Manejo Florestal Comunitário”, o evento reunirá representantes de todos os estados da região, para discutir os rumos e o alcance da atividade na Amazônia. O fato é que, como técnica, o manejo florestal comunitário se consolidou, e a atividade proliferou na Amazônia. Os pioneiros conseguiram.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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XI Postado em 12/2/2012

MANEJO FLORESTAL COMUNITÁRIO NA AMAZÔNIA: EXISTE SAÍDA! Fomentar o manejo florestal comunitário para a exploração do potencial econômico da biodiversidade é o melhor caminho; e a ciência, sobretudo aquela praticada na própria Amazônia, já comprovou isso.

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azer com que, na Amazônia, as comunidades que vivem no interior da floresta tenham acesso ao recurso florestal – para produzir e ganhar dinheiro – pode até parecer algo banal; afinal, os produtores, como se diz, têm a floresta na “biqueira de casa”. Mas não é bem assim. Eles estão na floresta, mas não ganham nada com ela. Solucionar esse dilema não é tarefa fácil, e a questão tem demandado considerável esforço técnico. Muito embora a região seja rica em experimentos envolvendo recursos florestais e o seu respectivo manejo por alguma comunidade, nem sempre é possível fazer com que a produção tenha a perenidade necessária para resistir aos inúmeros percalços que surgem no cotidiano da atividade florestal na Amazônia. Imposições não faltam e todas, com pouquíssimas exceções, atravancam o manejo florestal praticado pelas comunidades amazônicas. São prescrições relacionadas às exigências normativas, quase sempre exageradas e ineficazes; às implicações de mercado, quase sempre insuperáveis pelas comunidades; aos preceitos ambientais, inalcançáveis e incompreensíveis para a realidade comunitária; e, por fim, às regras trabalhistas, infactíveis e impraticáveis. O que ocorre, na verdade, é um grande paradoxo. A despeito da existência de um farto ecossistema florestal, com diversas oportunidades de negócios; de um mercado que demanda pelos produtos; e de uma massa trabalhadora que sabe, por tradição, manejar a floresta para ofertar os produtos que viram negócios – a despeito de tudo isso, por incrível que pareça, nada acontece.

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Com um ingrediente a mais. Na maioria das vezes (ainda que alguns desavisados e poucos afetos à realidade amazônica teimem em discordar disso), não existem problemas tecnológicos insuperáveis, ou de comprometida solução. Melhor explicando: existe tecnologia disponível, compatível com a realidade das comunidades – em especial no que se refere ao esforço de trabalho e à capacidade de investimentos –, que possibilita a exploração dos recursos da biodiversidade amazônica, de acordo com os ideais de sustentabilidade atualmente preconizados. Mas, se é assim, surge o óbvio questionamento. Por que, então, as comunidades florestais amazônicas apresentam os piores índices de desenvolvimento humano, vivem em situação de permanente exclusão e não conseguem superar os fatores limitantes de uma produção florestal manejada? O paradoxo se mantém. Longe de seguir o caminho do manejo, as comunidades de manejadores florestais costumam adentrar no universo nebuloso – e sem volta – da pecuária extensiva para a criação de boi. Dessa forma, passam a exercer uma atividade para qual não estão preparadas, e cuja prática requer uma escala de investimento (sobretudo de terra desmatada) que, em geral, não podem dispor; nem hoje, nem num futuro próximo. Enfim, o produtor amazônida não consegue se inserir ou se manter na atividade florestal por razões difíceis de diagnosticar – mas que, seguramente, não dizem respeito à disponibilidade de recurso florestal, de trabalho, de investimento e tampouco de tecnologia. Ele é impedido por forças alheias ao tripé da produção preconizado pela economia. Uma mistura inusitada entre preconceito (tanto em relação manejador florestal quanto em relação ao uso da biodiversidade) e ausência de bom senso. Se, por um lado, não se garante a manutenção das espécies, por outro, não se possibilita o uso econômico da biodiversidade (o que poderia trazer alguma esperança para a conservação da floresta). O fato é que as causas que impedem o desenvolvimento da produção florestal comunitária não estão na floresta, mas, sim, no que acontece fora dela.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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ma passada de olhos sobre o mapa do denominado Arco do Desmatamento é o suficiente para constatar a importância da existência de unidades de conservação em regiões como a Amazônia. Ainda que, costumeiramente, essas áreas sejam abandonadas à própria sorte depois que são instituídas, a criação de unidades de conservação (que ocorre por decreto do Presidente da República) é imprescindível para barrar o desmatamento e favorecer a consolidação de um modelo de ocupação social e econômica alternativo à agropecuária. No caso das unidades de conservação, pode-se aplicar o dito popular “ruim com elas, pior sem elas” O maior problema a ser superado reside na herança deixada pelo período anterior à aprovação e consolidação da Lei do Snuc (lei 9.985/2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação). Nesse período, a criação das unidades de conservação não era orientada por planejamento prévio e tampouco subsidiada por informações técnicas. Na Amazônia, as unidades de conservação devem promover as atividades baseadas no ecossistema florestal. Dentro do perímetro dessas áreas não podem ocorrer os malefícios que a expansão agropecuária já causou do lado de fora.


XII Postado em 3/4/2010

DIRETRIZES PARA UNIDADES DE CONSERVAÇÃO NA AMAZÔNIA As unidades de conservação são criadas justamente para mitigar os efeitos danosos causados pela agropecuária. Dentro dessas áreas, portanto, não pode ocorrer a mesma atividade produtiva praticada em derredor.

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esde tempos remotos, a humanidade reconhece que determinadas áreas, diante da existência de um tipo qualquer de atributo natural, devem dispor de alguma proteção que garanta a manutenção e a perpetuidade desse atributo. No Egito antigo, porções de florestas eram resguardadas para fins de excursões pela nobreza e contemplação pelos religiosos. Na China e na Índia, extensas formações florestais foram fechadas ao uso público ainda no século VI. Ante o crescimento da população mundial e o avanço do poder de intervenção do homem sobre o recurso natural, ampliaram-se as restrições de uso da propriedade para fins de proteção ecossistêmica. O problema é que essa proteção geralmente se funda num singelo mecanismo de segregação de espaços, pelo qual partes do ecossistema, previamente selecionadas por sua relevância ecológica, precisam ser protegidas, mediante sua exclusão do sistema produtivo vigente. Esse mecanismo de delimitação de áreas embute duas importantes constatações. Em primeiro lugar, ao aceitar a segregação de áreas como meio para a manutenção da integridade dos ecossistemas, a sociedade assume que o modelo de exploração seguido naquela respectiva região é nocivo para o meio ambiente; do contrário, não haveria necessidade da segregação territorial e muito menos do consequente investimento de recursos públicos. Em segundo lugar, como a sociedade considera que não existe alternativa produtiva, conforma-se com esses efeitos nocivos, tendo-os como inevitáveis. Significa dizer que, no caso do desmatamento acar-

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retado pela expansão da agropecuária (leia-se plantio de soja e criação de gado) sobre a floresta, a sociedade reconhece os males causados por essa atividade econômica. Todavia, como o pensamento predominante é o de que não há saída para esse modelo produtivo, não se investe em atividades alternativas que não se baseiem na conversão do ecossistema. Assim, como forma de reduzir os riscos ambientais, separam-se áreas que apresentam peculiaridades ecossistêmicas, nas quais a agropecuária não pode ser praticada. De acordo com essas constatações, a criação de unidades de conservação pode ser compreendida como medida reivindicada pela sociedade, na forma de um tipo de segregação de terras, para compensar a destruição causada por um processo de ocupação produtiva lesivo ao ecossistema. Ora, se as unidades de conservação (em especial em ecossistemas como os da Amazônia) são instituídas para mitigar os efeitos danosos da agropecuária, não tem sentido que a agropecuária seja exercida dentro dessas áreas. Ainda que maquiada por designações que remetem à pequena propriedade, ao participativo ou ao comunitário, e ainda que camuflada sob uma suposta adequação ambiental, a agropecuária não pode ser introduzida nas unidades de conservação, porque as unidades de conservação são criadas justamente para resguardar o ecossistema desse tipo de atividade produtiva. Grosso modo, a principal diretriz para a criação de unidades de conservação pode ser expressa da seguinte forma: “o que acontece fora das unidades de conservação não pode ser levado para dentro delas”.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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XII Postado em 16/5/2010

CRIAÇÃO DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO NÃO PODE SER “BÔNUS DE CONSCIÊNCIA” A criação de unidades de conservação, em especial em regiões como a Amazônia, não pode ser entendida como “bônus de consciência”. Isto é, como uma espécie de medida paliativa ante o estrago causado pela expansão da agropecuária.

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arece haver certo conformismo da sociedade quanto aos efeitos decorrentes da expansão da atividade agropecuária na Amazônia. Ou seja, diante da percepção de que não há alternativa ao modelo produtivo que prevalece na região, aceita-se conviver com o desmatamento, mesmo se tendo pleno conhecimento dos danos residuais dessa prática. Essa questão, inclusive, é fundamental para a compreensão da dinâmica relacionada às elevadas taxas anuais de desmatamento, uma vez que o ponto central para a solução do problema está na constatação de que existem opções produtivas alternativas à agropecuária. Já há muito tempo que não é preciso escolher entre duas situações limítrofes: ou a permanência da agropecuária que desmata, ou a manutenção de um santuário intocável. Sem embargo, como essas opções produtivas adequadas à realidade florestal da Amazônia não são resolutamente apoiadas por políticas públicas, a sociedade continua a conviver com o ônus da substituição da floresta. Enquanto isso, indivíduos e instituições direcionam seus esforços para consolidar o sentimento de conformismo em relação à agropecuária. O raciocínio é, mais ou menos, o seguinte: “como a conversão do ecossistema florestal em cultivos (capim e soja) é inevitável, e estamos conformados com isso, vamos usar nossa capacidade criativa para conceber medidas paliativas, que atenuem o estrago”. Dessa forma, são criados procedimentos com o propósito de abrandar os danos causados pelas queimadas e desmatamentos.

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Na verdade, esses procedimentos constituem uma espécie de “bônus de consciência”. Ou seja, diante de um mal inevitável, forja-se um lenitivo – toma-se alguma atitude que pelo menos forneça certo conforto moral. Assim, por um lado impõem-se regras para o manuseio da motosserra e para a aplicação do fogo (no caso das queimadas); e por outro, implementam-se técnicas de plantio como o consórcio de espécies, que associa árvores às espécies tradicionalmente empregadas pela agropecuária (milho, feijão, arroz e macaxeira). De maneira geral, essas medidas podem ser agrupadas em três categorias, a saber: (a) medidas de ergometria; (b) medidas de segregação de áreas e espécies da fauna e flora; e (c) medidas de adequação do processo produtivo da agropecuária Todavia, ao se conceberem tais procedimentos, não se atenta para o fato de que certas características inerentes à agropecuária dificultam e até mesmo impedem a introdução de ações paliativas, tornando-as inócuas. Para se ter uma ideia, o maior impacto resultante da instalação da agropecuária acontece no instante da derrubada da floresta e da queima da vegetação. Em tais momentos, quantidades expressivas de carbono (decorrentes tanto da derrubada quanto da queima) são jogadas na atmosfera, e a diversidade biológica sofre perdas expressivas. Esses malefícios (somente para ficar nesses dois exemplos) são de grande magnitude e não têm reversão; uma vez que ocorram, não há retorno, e suas consequências podem afetar regiões longínquas, em qualquer parte do planeta. As medidas do “bônus de consciência”, portanto, têm pouca ou nenhuma efetividade. Se vêm sendo cada vez mais adotadas, é tão somente em face da necessidade que o homem tem de dormir tranquilo. A criação de unidades de conservação não pode ser encarada como parte de um conjunto de ações desenvolvidas no âmbito do “bônus de consciência”. Essas áreas não podem ser instituídas como mero paliativo aos danos causados pela agropecuária. As unidades de conservação representam uma opção produtiva adequada à realidade florestal e estão inseridas numa nova e proeminente economia. Dessa forma, devem ser inseridas no sistema econômico, como alternativa ao modelo predatório.

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XII Postado em 26/9/2011

UNIDADE DE CONSERVAÇÃO SEM DESAPROPRIAÇÃO É ILUSÃO Como as áreas direcionadas às apas não são desapropriadas, a criação dessas unidades de conservação, a despeito de não implicar custos para o Estado, não resulta em ganhos efetivos para a sustentabilidade.

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azer com que as propriedades privadas assimilem o ideário da sustentabilidade é um sonho acalentado por significativa parcela do movimento ambientalista. Guiados por forte viés preservacionista, esses ambientalistas advogam que, mediante a outorga de incentivos estatais, a exploração das propriedades privadas poderia se dar sob critérios sustentáveis, mitigando-se, desse modo, os impactos ambientais decorrentes das atividades produtivas nelas praticadas. Abarcada por essa designação genérica – incentivos estatais – estaria a conversão de propriedades privadas (individualmente ou em conjunto) em unidades de conservação, conforme prevê a lei 9.985/2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, Snuc. Todavia, o que a experiência tem demonstrado é que, sem desapropriação, os efeitos da criação de unidades de conservação são inócuos. Individualmente, uma propriedade privada pode ser gravada como reserva particular de patrimônio natural (rppn), o que garante ao proprietário o status de “amigo do meio ambiente”, possibilitando-lhe o acesso a fundos públicos, como o Fundo Nacional de Meio Ambiente. Todavia, em termos gerais, o assento da propriedade como rppn não resulta em restrições significativas, de forma a garantir-se exclusivamente a exploração de atividades produtivas ambientalmente adequadas. Assim, no âmbito dessa categoria de unidade de conservação pode ser admitida até mesmo a pecuária bovina, uma das atividades rurais que mais causam impactos ambientais. Não são raras as situações em que pecuaristas acalentam (e põem em prática) a ideia de construir uma “pousadinha”, dita ecológica, visando à conversão de suas propriedades em rppn. 200

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Quando existe um número maior de propriedades particulares reunidas numa determinada área passível de delimitação, o Snuc prevê três possibilidades, de acordo com as características da área em questão: área de proteção ambiental (apa); área de relevante interesse ecológico (Arie); e reserva de desenvolvimento sustentável (rds). Entre essas categorias, a apa é a mais comum, uma vez que, para a sua constituição basta que a respectiva área possua algum atributo – ecológico, paisagístico, social, cultural etc. Ademais, a instalação de uma apa (como de resto, de uma Arie ou de uma rds) não traz implicações orçamentárias, bastando apenas a assinatura de um decreto, em esfera federal, estadual ou municipal. Nesse caso, a criação da unidade de conservação não assegura de maneira nenhuma (como é comum se pensar) que dali por diante o poder público estará mais presente na região. O que acontece, na absoluta maioria das vezes, é a mera instituição legal, sem maiores decorrências práticas. É frequente a criação de apas municipais durante as chamadas “Semanas do Meio Ambiente”; desse modo, o prefeito, que quase sempre não tem iniciativas a apresentar, pode jactar-se de uma ação concreta. Por outro lado, é fantasiosa a expectativa – nutrida por ambientalistas e por alguns abnegados agentes públicos da área ambiental – que a instalação da apa mudará a mentalidade das pessoas que moram nos seus limites, transformando-as (de preferência logo depois da assinatura do decreto) em ativos defensores do meio ambiente. Na verdade, numa apa, qualquer atividade produtiva é possível; a conversão de uma área em apa não obriga que a exploração das propriedades ali presentes obedeça a critérios sustentáveis. Tanto é verdade, que as inúmeras apas que têm sido criadas Brasil afora apresentam resultados pífios para o meio ambiente. No frigir dos ovos, a criação de unidades de conservação sem desapropriação não passa de uma ilusão, de uma grande quimera. Somente por meio da do domínio público sobre a terra, o Estado pode restringir o seu uso à exploração de atividades produtivas ambientalmente corretas. Somente dessa forma as unidades de conservação poderão se consolidar.

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fim de que o potencial da diversidade biológica amazônica seja convertido, de forma sustentável, em geração de emprego e renda, é imprescindível a concepção de inovações tecnológicas. Conquanto passos significativos já tenham sido dados para a obtenção de inovações em diversas áreas do conhecimento, a Amazônia ainda carece de muito investimento em ciência e tecnologia. E quando o conhecimento diz respeito ao ecossistema florestal, a carência é bem mais expressiva e preocupante. Como se investe pouco, não se obtêm informações cruciais para subsidiar, por exemplo, o manejo das espécies florestais. Os órgãos de fomento à pesquisa e inovação costumam ressaltar a grande defasagem que existe entre a produção científica oriunda do Sudeste do país e a oriunda da Amazônia. Todavia, como no momento das decisões de investimento sempre é conferida prioridade à região Sudeste, as discrepâncias vão sendo continuamente ampliadas, num círculo infindável.


XIII Postado em 16/5/2008

ENGENHARIA FLORESTAL E O MANEJO COMUNITÁRIO DO CACAU Para a Engenharia Florestal da Amazônia é um desafio ampliar a produção do cacau nativo do Purus por meio do manejo florestal comunitário, sem ter que recorrer aos cultivos em grande escala.

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cacau é um dos produtos de valor comercial mais antigos da Amazônia. Na condição de um dos mais importantes ingredientes das denominadas “drogas do sertão”, a espécie ocupa lugar de destaque perante as estatísticas regionais de produção. O que intriga na história comercial do cacau é a ausência de ciclos, como ocorreu no caso da borracha. Trata-se, diversamente, de uma produção permanente, praticamente ininterrupta por quase duzentos anos. Um desempenho que impressiona e que confere ao cacau considerável relevância econômica. Todavia, ao longo dos últimos 20 anos, depois de tentativas frustradas de cultivos (devido à ocorrência da doença “vassoura de bruxa”), os plantios de cacau na Amazônia têm sido abandonados. Certamente que a elevada oferta internacional e o baixo preço operado pelo mercado reforçam a intenção de abandono por parte dos produtores. A novidade é que um nicho de mercado vem surgindo, em face da valorização do cacau nativo. Empresas européias que detêm marcas tradicionais de chocolate estão em busca do sabor característico e exótico do cacau dito “selvagem”, o que ocorre na várzea dos rios amazônicos, como o Purus. A percepção quanto ao surgimento desse novo e promissor mercado levou os extrativistas residentes na Floresta Nacional do Mapiá, no Amazonas, a fechar um acordo comercial com uma renomada empresa alemã para fornecimento do cacau nativo originário da mata ciliar do Purus.

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No intuito de tornar essa produção extrativista sustentável e permanente, a Engenharia Florestal da Universidade Federal do Acre logrou a aprovação, perante o cnpq, do projeto “Manejo Florestal Comunitário do Cacau Nativo do Purus”. O trabalho de pesquisa e extensão envolve ampla parceria institucional, incluindo-se a cooperativa que agrega os produtores (Cooperar) e a Universidade de Freiburg, na Alemanha. A primeira expedição realizada no âmbito do projeto acontecerá no período de 16 a 24 de maio próximo e terá como destino o município de Boca do Acre, no Amazonas, onde a cooperativa é sediada. Nesse município, a equipe cumprirá extensa agenda de compromissos, entre os quais: discussão dos objetivos do projeto com a Cooperar; visita às áreas de extração de cacau; obtenção de informações sobre o sistema de escoamento da produção; e realização de diagnóstico quanto às doenças que acometem os cacaueiros. O compromisso firmado entre a equipe do projeto e a Cooperar, que justificou o apoio do cnpq, compreende o desenvolvimento de inovações tecnológicas direcionadas para a melhoria do processo produtivo de extração do cacau. Mediante a elaboração e implantação de um plano de manejo florestal comunitário, pretende-se organizar a atividade extrativista realizada pelos ribeirinhos, conferindo-se à produção do cacau nativo a sustentabilidade que lhe é requerida. O maior desafio imposto ao projeto consiste na demonstração de que, mediante a tecnologia do manejo florestal, é possível quadruplicar a produção, sem a necessidade de plantios. Um desafio complexo e que irá exigir da equipe muita criatividade.

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XIII Postado em 13/6/2010

ENGENHEIROS FLORESTAIS USAM SATÉLITE PARA MAPEAR CACAU NATIVO DO PURUS Trabalho de monitoramento com imagens de satélite de média resolução permitiu identificar áreas de ocorrência de povoamentos nativos de cacau ao longo da mata ciliar do rio Purus. Trata-se da segunda monografia concluída no âmbito do projeto “Manejo Florestal Comunitário do Cacau Nativo do Purus”, executado com o apoio do cnpq.

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onografia intitulada “Classificação de imagens Landsat 5 para mapeamento do cacaueiro nativo (Theobroma cacao L.) do rio Purus – Amazonas”, elaborada por graduanda da Universidade Federal do Acre, analisou os padrões de ocorrência do cacau nativo na mata ciliar do rio Purus. No trabalho de pesquisa, realizado pela acadêmica Kamilla Andrade de Oliveira como requisito para a conclusão do curso de Engenharia Florestal, foram desenvolvidos estudos de mapeamento temático (sob o emprego de imagens de satélite de média resolução), a fim de localizar os povoamentos de cacau nativo presentes no rio Purus – no trecho compreendido entre a foz do rio Iaco e o município de Lábrea, no Amazonas. Os estudos foram empreendidos no âmbito do projeto “Manejo Florestal Comunitário do Cacau Nativo do Purus”, apoiado pelo cnpq e levado a cabo por um conjunto de instituições, como a Universidade Estadual Paulista (Unesp), responsável pelos estudos de logística para o escoamento do cacau; a Universidade Federal de Viçosa, responsável pelo mapeamento por satélite do cacau; e a Universidade Federal do Acre, responsável pela elaboração de um plano de manejo florestal comunitário, que constitui o objetivo principal do projeto. Os beneficiários diretos das ações desenvolvidas são os produtores associados à Cooperativa dos Extrativistas do Purus e Mapiá. O pro-

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jeto conta ainda com o importante apoio da Agência de Cooperação Alemã e da empresa de chocolates Hachez, que adquire toda a produção da Cooperar. O mapeamento dos povoamentos de cacau por imagem de satélite foi um passo fundamental para as ações de planejamento da produção. A partir de agora, será possível estabelecer procedimentos para melhorar a logística de produção e determinar a quantidade de famílias de extrativistas que efetivamente podem obter renda mediante a comercialização da safra anual de cacau. Comparando tecnologias de interpretação de imagens de satélite – no intuito de obter a maior precisão possível entre o que a imagem detecta e o que existe na realidade –, a monografia concluiu que as ferramentas de sensoriamento remoto podem ser utilizadas para mapear povoamentos florestais, sob percentual de acertos superior a 95% (o que é considerado ideal pela Engenharia Florestal). E mais: os custos associados à realização de inventário florestal e à elaboração de plano de manejo são reduzidos de forma significativa com o emprego das imagens de satélite. Trata-se da segunda monografia finalizada no âmbito do projeto (a primeira quantificou o povoamento de cacau por meio de inventário florestal). Ainda serão realizados levantamentos socioeconômicos, bem como estudos relacionados à genética dos cacaueiros, logística de transporte e protocolos de manejo. A despeito de versarem sobre assuntos de natureza essencialmente técnica, como interpretação de imagens de satélite, sem dúvida o maior propósito desses estudos é compreender e aperfeiçoar o cotidiano de produção das populações tradicionais do Purus.

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XIII Postado em 25/9/2010

CACAU NATIVO SUPERA O CULTIVADO O projeto “Manejo Florestal Comunitário do Cacau Nativo do Purus” demonstrou que existe alternativa à domesticação da espécie. Mediante a aplicação da tecnologia do manejo florestal comunitário, foi possível aumentar a produção de cacau nativo realizada pelas populações extrativistas, conferindo-lhe condições de se estabelecer no mercado.

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uanto ao sabor, não há dúvida – o cacau nativo origina um chocolate mais saboroso que o cultivado. Mas as vantagens da produção do cacau nativo não param por aí. É o que demonstra o projeto “Manejo Florestal Comunitário do Cacau Nativo do Purus”, desenvolvido por pesquisadores na mata ciliar do rio Purus, sob o apoio do cnpq. Desde a sua idealização, o projeto apresentou um diferencial importante: a demanda se originou fora do ambiente acadêmico. Deparando-se com um desafio concreto a ser superado, os extrativistas da Cooperar, cooperativa que agrega produtores do médio Purus, procuraram a Universidade Federal do Acre, em especial o curso de Engenharia Florestal, a fim de elevar a produção anual de sementes secas de cacau de nove para 40 toneladas. A opção tradicional seria pela domesticação do cacau nativo, mediante a realização de plantios. Nesse caso, além de ampliar-se a produtividade, o cultivo ficaria restrito a um determinado ponto do rio, o que, por sua vez, reduziria os custos associados à logística. Em princípio eficiente, essa opção, contudo, esbarrava em dificuldades de ordem social, ecológica e econômica. Em primeiro lugar, uma vez que a domesticação compreenderia plantios localizados, próximos a Boca do Acre (o município de embarque para a exportação), a tendência seria o envolvimento de poucos produtores, que eventualmente passariam de pequenos a médios no decorrer dos ciclos de comercialização do cacau. Como se desejava envolver o maior número possível de famílias, o cultivo não era a melhor escolha. 208

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Em segundo lugar, a domesticação possivelmente acarretaria infestação da “vassoura de bruxa”, doença que acomete os cultivos de cacau na Amazônia e que é fatal para os cacaueiros. Uma vez que o controle dessa doença é difícil, a tendência seria o seu alastramento, o que poderia levar o plantio à ruína. Finalmente, a domesticação certamente instigaria o emprego de técnicas de melhoramento vegetal, a fim de levar as árvores a produzir quantidades cada vez maiores de frutos. A tendência, nesse caso, seria de perda de sabor, como ocorre nos cultivos levados a efeito em outras regiões. Em face de tais impedimentos, fez-se a opção pelo manejo florestal do cacau nativo, o que levou à elaboração do projeto. Diante da capilaridade do cacau nativo ao longo das margens do rio Purus, o manejo envolveria um considerável contingente de pequenos produtores familiares. Ademais, nos povoamentos de cacau nativo, a “vassoura de bruxa” não prolifera, já que os inimigos naturais do fungo causador da doença impedem a sua propagação. Por fim, o mercado comprador, um mercado exigente e que paga mais caro pelo chocolate com sabor primitivo, não abria mão do sabor que é peculiar ao cacau nativo. Como principal resultado do projeto, constatou-se que a aplicação do manejo florestal comunitário, mediante a elaboração de um conjunto de protocolos de manejo a ser executado em cada safra, poderá quadruplicar a produção de cacau nativo, o que atenderá à demanda do mercado. O projeto proporcionou ainda a produção de seis estudos pioneiros, que subsidiaram a elaboração do plano de manejo florestal; dessa forma, correspondeu tanto à demanda da academia por informações quanto à demanda dos associados da Cooperar por respostas para o gerenciamento da produção de cacau. É possível que, justamente em função dessa associação entre a produção acadêmica e as demandas da realidade amazônica, tenha-se logrado alcançar um leque tão amplo de instituições. Além da Universidade Federal do Acre, o projeto envolveu a Universidade Estadual Paulista; a Universidade de Viçosa; a Universidade de Freiburg; a Agência de Cooperação alemã (gtz); a empresa de chocolates Hachez; e, obviamente, os manejadores de cacau nativo associados à Cooperar. Afinal, foi sobretudo em função deles que o projeto foi concebido e executado.

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XIII Postado em 19/12/2010

ENGENHARIA FLORESTAL DA UFAC VAI MAPEAR MATA CILIAR DO RIO ACRE Por meio do projeto “Ciliar Só-Rio Acre”, executado com o apoio do cnpq, os engenheiros florestais da Ufac intentam diagnosticar as condições ecológicas presentes ao longo da bacia hidrográfica do rio Acre.

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or meio de projeto aprovado em edital do cnpq, a Engenharia Florestal da Universidade Federal do Acre está realizando denso diagnóstico sobre as condições ecológicas da mata ciliar presente ao longo do rio Acre, no trecho que corta o território estadual – que vai do município de Porto Acre ao município de Assis Brasil. O pioneiro projeto, denominado “Ciliar Só-Rio Acre”, está orçado em aproximadamente 200 mil reais, destinados, entre outros, à contratação de bolsistas e a cobrir os custos com o extenso trabalho de campo a ser realizado Serão desenvolvidas quatro linhas de pesquisas, que se iniciam com a realização de inventário florestal (cujas unidades amostrais já foram medidas) e terminam com uma discussão pública, a ser efetuada em cada município da bacia do rio Acre, sobre a importância da manutenção da mata ciliar. A fase inicial do projeto – que envolveu o mapeamento, com o emprego de imagens de satélite, de toda a extensão do rio Acre, numa faixa de dois quilômetros de largura em cada margem – possibilitou à equipe de pesquisadores uma visão de conjunto da mata ciliar e de sua grave condição de degradação. O mapeamento revelou ainda que a ocupação produtiva ao longo das margens do curso d’água pode ser considerada a principal causa dessa degradação. Por sua vez, o inventário florestal do remanescente da mata ciliar irá possibilitar a demarcação das 20 espécies florestais de maior importância ecológica na mata ciliar, por município. O objetivo é que

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essas espécies venham a ser empregadas em futuros projetos de restauração florestal. Por meio da realização do inventário florestal também se pretende chegar a uma equação de volume para o cálculo da biomassa total existente na mata ciliar, de forma a medir a contribuição dessa formação florestal para a imobilização de carbono. A intenção, nesse caso, é que, em médio prazo, o produtor venha a ser beneficiado pela remuneração dos créditos de carbono decorrentes da manutenção da vegetação. Concluída a definição das 20 espécies de maior importância para a restauração florestal, a equipe irá se debruçar sobre o estudo da fenologia dessas espécies e o desenvolvimento de metodologias de produção de sementes. A seleção e o georreferenciamento de árvores-matrizes certamente favorecerá a instalação de futuras áreas de produção de sementes e, por conseguinte, o estabelecimento de um mercado de sementes florestais para essas espécies originais da mata ciliar. Para fins de reflorestamento, em cada município serão identificados trechos considerados críticos para a recomposição florestal da mata ciliar. O projeto prevê, ainda, o desenvolvimento de uma inovadora metodologia para o cálculo da denominada largura técnica da mata ciliar – levando-se em conta não a largura do rio, mas as características de suas margens. A aplicação dessa metodologia irá resultar na fixação da largura da mata ciliar adequada à realidade de cada um dos oito municípios banhados pelo rio Acre. Finalmente, um programa de extensão florestal será desencadeado, com vista a sensibilizar as autoridades municipais (em especial vereadores e secretários de meio ambiente) quanto ao tema, convencendo-os a aprovar, em caráter suplementar, uma legislação estabelecendo a respectiva largura técnica da mata ciliar calculada para cada municipalidade. Mediante a aprovação, nas câmaras de vereadores, de uma “lei municipal da mata ciliar”, uma nova e promissora história poderá começar a ser escrita para a bacia hidrográfica do rio Acre.

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uas atividades produtivas disputam, diuturnamente, a ocupação do espaço territorial na área rural da Amazônia. A primeira dessas atividades e, atualmente, a mais importante em termos econômicos, é a que se funda na expansão da agropecuária – que tem na substituição da floresta por plantios de capim e soja sua mais importante referência. A segunda atividade produtiva se baseia na exploração da diversidade biológica presente na floresta, por meio da aplicação da técnica do manejo florestal. Embora sendo economicamente menos importante, a atividade florestal se distingue por suas perspectivas futuras. Sobretudo para efeito de ocupação de novas áreas, o manejo florestal pode ser adotado, em larga escala, num horizonte temporal ilimitado. Por sua vez, a expansão da agropecuária certamente irá encontrar limites em curto prazo, diante das pressões nacionais e internacionais pelo fim do desmatamento e da irmã siamesa deste, a queimada. Dessa forma, o uso sustentável da biodiversidade existente no ecossistema florestal da Amazônia, em especial para a produção da madeira, representa uma opção estratégica para a ocupação produtiva da região.


XIV Postado em 8/2/2009

LIVRO MOSTRA COMO É FÁCIL CRIAR PACA NA AMAZÔNIA A criação de animais silvestres pode ampliar consideravelmente, na Amazônia, a renda da pequena propriedade rural, levando-a a se diferenciar no mercado agropecuário. O problema continua sendo o insano licenciamento ambiental.

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omo introduzir animais silvestres num sistema agrossilvipastoril? Essa pergunta foi respondida ainda em 2005, mediante a execução do “Projeto Paca de Acrelândia”, uma experiência desenvolvida por uma parceria institucional entre a Associação Andiroba (organização da sociedade civil que atua com o desenvolvimento de opções econômicas sustentáveis); o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Acrelândia; a Engenharia Florestal da Universidade Federal do Acre; e a Universidade Estadual Paulista, por seu Departamento de Engenharia Civil de Ilha Solteira. Sob o apoio financeiro do cnpq, o projeto se direcionou para a instalação de um criatório de paca num antigo sistema agroflorestal (saf) implantado no município de Acrelândia, no Acre. O projeto, agora transformado em livro, introduziu duas importantes inovações tecnológicas para o manejo de animais silvestres. A primeira delas se refere ao emprego de madeira e paxiúba na construção do criatório. Como se trata de materiais facilmente encontrados nas “colônias” dos produtores, o uso dessas matérias-primas diminui consideravelmente o custo da obra, que geralmente é proibitivo e afasta o pequeno produtor da atividade. A segunda inovação tecnológica diz respeito ao leiaute do criatório. A fim de obstar eventuais escavações do terreno pelo animal e consequentes fugas, o criatório foi construído em formato octogonal. O plantel de pacas demonstrou perfeita adaptação ao leiaute inovador, não tendo sido verificada a ocorrência de agressões e ferimentos entre os animais, tampouco tentativas de evasões.

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Além dessas inovações, a experiência possibilitou também uma avaliação criteriosa do sistema agroflorestal presente na propriedade, que à época da execução do projeto já tinha mais de 20 anos de instalação. Trata-se, provavelmente, do saf mais antigo da região. Um excelente laboratório de campo para os que se interessam pelo tema da agricultura familiar na Amazônia; e o mais interessante é que todo o plantio foi realizado mediante o esforço do próprio produtor. Nesse saf foram consorciadas várias espécies florestais, sendo duas as principais – cupuaçu e seringueira. A diversificação de espécies é bastante elevada, quando comparada à diversificação presente nos modelos comumente implantados na Amazônia. O Projeto Reca, por exemplo, um dos sistemas agroflorestais amazônicos mais bem sucedidos, mantém apenas duas espécies consorciadas. A publicação, resultado do projeto, também trata de outro tema importante para a viabilidade dos safs na Amazônia. É que, durante um espaço de tempo considerável, o saf não gera rendimentos, embora demande intensa mão de obra. Comumente, essa circunstância dificulta sobremaneira o custeio do sistema pelo produtor. Tendo denominado esse lapso temporal sem rentabilidade, mas intensivo em trabalho, de “pousio econômico”, os autores propõem uma alternativa: a introdução da criação de animais silvestres (no caso, a paca) no sistema. A elevação do sistema agroflorestal à condição de sistema agrossilvipastoril (sas) possibilitaria ao pequeno produtor o aumento da renda gerada pela propriedade, afastando os efeitos negativos do pousio econômico. A tendência, afirma-se, é a de que o plantel de animais silvestres seja ampliado, tornando-se uma das atividades principais na composição dos rendimentos familiares. Para não fugir à regra, o maior obstáculo ao sas são as exigências normativas. A atividade, como não poderia deixar de ser, é regulada de maneira exagerada e equivocada, e o produtor que desejar de entrar nesse mercado terá que se submeter ao incongruente procedimento de licenciamento ambiental.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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XIV Postado em 15/2/2010

DOMESTICAÇÃO NÃO, MANEJO DA FLORESTA É A SOLUÇÃO O esforço técnico e científico realizado na Amazônia para domesticar espécies florestais com potencial de mercado é impressionante. O paradoxo é que sempre que uma espécie é cultivada com sucesso, a Amazônia deixa de produzi-la. Foi o que aconteceu com a seringueira, o cacau, a pupunha, o cupuaçu e a pimenta-longa. Alguma coisa está errada.

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odas as vezes que uma espécie (vegetal ou animal) presente no ecossistema florestal amazônico adquiriu elevada importância de mercado, tentou-se (e quase sempre se conseguiu) a adaptação dessa espécie em cultivos comerciais, por meio de um processo de domesticação que geralmente exige altos investimentos públicos. No caso das espécies vegetais, o principal argumento para a domesticação é que a coleta do produto no interior da floresta, sobretudo sob o modo extrativista de produção, apresenta custos elevados, tem baixa produtividade e encontra limitações de oferta. Vale dizer, a floresta, certamente em face de um complexo equilíbrio naturalmente existente na diversidade biológica, apresenta um número de árvores por hectare difícil de ser alterado – a despeito de eventual crescimento da demanda comercial pelo produto extrativo. No jargão econômico, trata-se da “inelasticidade de oferta”, o que significa uma rigidez no montante passível de extração, alterado apenas mediante a incorporação de novas áreas de florestas ao ciclo produtivo. Não foi outra a razão pela qual, no auge do ciclo de produção da borracha, nos idos de 1890, teve início uma busca frenética pela abertura de novos seringais. O resultado foi a domesticação do produto na Malásia. A transferência de mudas de seringueira para aquele país, efetuada sob acordos comerciais vigentes à época, até hoje suscita um sentimento de indignação em relação a uma suposta pilhagem – que todavia não ocorreu.

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O exemplo da borracha é importante, em razão do pioneirismo da domesticação e da dimensão do cataclismo econômico que esse processo causou à Amazônia. Mas a origem do problema reside na domesticação da espécie e não na Malásia ou na Inglaterra. O Brasil também alcançou, com exímia eficiência, a domesticação da seringueira e a completa adaptação da espécie à região Sudeste. Desde 1992, São Paulo é recordista nacional na produção de borracha cultivada e produz mais borracha que toda a Amazônia. Outros exemplos também são sintomáticos, ainda que nenhum outro produto florestal tenha se aproximado da borracha em importância comercial. A domesticação levou da Amazônia o cacau, o cupuaçu, a pupunha e, mais recentemente, a pimenta-longa. Essas espécies foram retiradas do interior da floresta e domesticadas sob recursos e esforços dos próprios amazônidas; atualmente, são produzidas fora da região. Por um conjunto de razões – que remetem à dificuldade de se estabelecer na região uma agropecuária sob níveis adequados de tecnologia; à falta de tradição do produtor; e às limitações ecológicas relacionadas à ocorrência de pragas que não existem em outras regiões –, a domesticação não vinga na Amazônia e, em curto prazo, prejudica a dinâmica da economia local. A saída, então, passa por uma profunda transformação no processo produtivo relacionado à biodiversidade da Amazônia. Uma transformação que induza ao estabelecimento de uma espécie de “dogma”, diante do qual a oferta de produtos florestais amazônicos só poderia ser efetivada por meio da tecnologia do manejo florestal de uso múltiplo; tecnologia cujos níveis de produtividade, diga-se, jamais podem ser comparados aos dos cultivos domesticados. Uma vez que se acatasse esse dogma da produção florestal, os esforços técnicos e científicos poderiam se voltar para a melhoria cotidiana das técnicas de manejo, mediante o desenvolvimento de inovações em logística, extração, beneficiamento e outros. Com o fantasma da domesticação erradicado, certamente que a criatividade dos amazônidas levaria à evolução do manejo florestal de uso múltiplo.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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XIV Postado em 26/9/2010

CONCESSÕES COMPROVAM VOCAÇÃO FLORESTAL DA AMAZÔNIA Um novo e potencial setor econômico emerge na Amazônia. Como resultado das concessões florestais, as florestas públicas passam a ser geridas por empresas, a fim de efetivar-se a produção de madeira e de outros produtos florestais. As concessões promoverão a dinâmica econômica regional de forma sustentável, ou seja, conservando a floresta.

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epois de Rondônia, onde a Flona do Jamari se tornou, em 2009, a primeira área de floresta pública a ser objeto de contrato de concessão florestal, foi a vez do Pará. A concessão da Flona de Sacará-Taquera sinaliza o início de um novo ciclo no estado, no qual a exploração madeireira passa a ser legalizada, planejada e, o melhor, praticada segundo as mais avançadas técnicas de manejo florestal. Aos poucos – bem aos poucos ainda, diante da morosidade dos procedimentos público-administrativos – vai se confirmando, na prática, que a exploração madeireira na região é viável sob todos os aspectos (técnico, econômico, social e ecológico). Em breve, não haverá mais dúvidas quanto ao que antes parecia infactível. A exploração de madeira, na Amazônia, depois que saiu da várzea em direção à terra firme, na década de 1970, foi cingida por uma série de exigências burocráticas – um rol proibitivo de regras, ampliadas ano após ano, e que culminaram no vulnerável e muitas vezes equivocado processo de licenciamento ambiental. Como os empreendedores, por várias razões, sempre se esquivam da obrigação de licenciar a exploração madeireira, o emprego da tecnologia do manejo florestal não acontece. Por outro lado, como os ambientalistas, em especial os que atuam nos órgãos oficiais de monitoramento e controle, costumam considerar o licenciamento como solução para todos os males ambientais, as exigências para o licenciamento do manejo florestal se tornam cada vez mais rígidas.

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O empresário, então, para não ser levado ao recurso extremo de fechar o seu empreendimento – solução que não interessa a ninguém, pois além de desemprego, acarreta a redução da dinâmica econômica em municípios cuja economia já é frágil – acaba por buscar a madeira por outros meios. Ressalve-se, todavia, que buscar a madeira por outros meios não significa, na maioria das vezes, operar na ilicitude ou algo do tipo, como poderia pensar alguém pouco familiarizado com a realidade florestal; significa, isso sim, explorar madeira de forma perfeitamente legal, ainda que sem a menor preocupação com a manutenção do estoque, ou melhor, com o futuro. Explica-se: se o licenciamento do manejo é obstado pelas normas vigentes, contraditoriamente a exploração sem manejo pode ser facilmente habilitada por meio de outro procedimento, o plano de exploração, que possibilita a extração de madeira sem licenciamento ambiental, desde que o dono da respectiva área a ser desmatada declare a intenção de criar gado. A efetivação das concessões florestais poderá, de uma vez por todas, pôr fim a essa rotina de faz de conta que orienta a normatização da exploração madeireira na região. Ampliando-se o número de áreas destinadas à concessão, a tendência é que permaneçam no mercado apenas os empreendimentos que tiverem garantida a origem do seu respectivo estoque de madeira; apenas os que comprovarem que praticam o manejo florestal, do mesmo modo como é exigido com as concessões florestais. No Pará, as empresas concessionárias pagarão, pelo menos, 2,8 milhões de reais por ano, quantia a ser dividida entre as esferas federal, estadual e municipal. Todos ganham, portanto, e o mais importante é que a dinâmica econômica local irá se desenvolver. Depois do Pará, ficam faltando ainda a primeira concessão florestal do Acre (Flona do Macauã), do Amapá, de Roraima e assim por diante. Falta mais: uma reserva extrativista funcionando sob concessão florestal. Uma economia ancorada no ecossistema florestal e na capacidade para manejá-lo que detêm as populações que vivem na floresta – as duas maiores vantagens competitivas da Amazônia.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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XIV Postado em 3/7/2011

ONU ASSEVERA: USAR MADEIRA É BOM PARA O MEIO AMBIENTE! A madeira se apresenta como principal matéria-prima para a incipiente economia de baixo carbono. Ocorre que a madeira é sustentável, na medida em que é renovável – isto é, pode ser produzida sob a tecnologia do manejo florestal de uso múltiplo.

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s profissionais da Engenharia Florestal que atuam na Amazônia vêm, há anos, se debatendo com uma dificuldade que se tornou, senão o maior, um grande dilema profissional: lograr produzir madeira na região. O problema é que, muito embora não haja dúvida quanto à viabilidade (técnica, econômica, social e ecológica) do manejo florestal de uso múltiplo, a sociedade, de maneira geral, hostiliza a exploração de madeira. O imaginário popular, ao que parece, foi afetado pelo lado nefasto do avanço da agropecuária sobre a floresta, circunstância que originou imagens decadentes de motosserras destruidoras, tratores florestais do tipo skidder (que derrubam o que está pela frente) e treminhões carregados de árvores mortas. Essas imagens, na verdade, traçam um quadro representativo do período mais intenso da expansão da fronteira agropecuária na Amazônia, que teve vez na década de 1970; ou seja, o quadro em si diz respeito não ao produto madeira, mas, sim, à implantação da pecuária. Todavia, como a madeira oriunda do desmatamento era vendida para custear a destruição da floresta, a “associação mental” (como dizem os psicólogos) foi imediata. Surgia aí o forte preconceito relacionado à produção de madeira. Some-se a isso o fato de essas imagens terem sido divulgadas de forma excessiva e equivocada por uma parcela do movimento ambientalista, aquela dita preservacionista, que acredita que as florestas devem ser intocáveis – ainda que isso implique na criação de um aparato

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público de fiscalização que, por seu custo e magnitude desmedidos, é simplesmente impraticável. Assim, tem-se pelo menos uma geração inteira que presenciou a agressividade com que as florestas foram sendo substituídas por pastos e que, dessa forma, quando contempla um caminhão toreiro carregado de madeira, não acredita que essa cena, longe de sugerir a destruição das florestas, pode aludir a uma atividade que é benigna à humanidade e à própria floresta. Reverter esse tipo de preconceito, que se encontra arraigado na coletividade, tem sido um desafio permanente para todos os envolvidos com o setor florestal. É o caso da diretora-chefe do Secretariado do Fórum da onu sobre Florestas, Jan McAlpine, que, em passagem recente pelo Brasil, conclamou: “Usar madeira faz bem ao meio ambiente!” Para a diretora da onu, o uso de madeira oriunda de florestas manejadas é uma das principais soluções para a crise ecológica atual. McAlpine defendeu até mesmo o amplo emprego de madeira na construção civil, em substituição ao concreto, cuja aplicação é tão arraigada no mundo. Ao discutir os efeitos do terremoto no Japão, afirmou que “a madeira é firme, mas é mais maleável que o concreto, por exemplo. Nesse episódio, pudemos ver como a madeira pode ser muito útil na construção civil”. O pronunciamento da representante das Nações Unidas evidencia que é chegada a hora de o mundo considerar a madeira como alternativa ao alumínio, ao ferro e ao concreto. A ampliação do emprego da madeira na construção de habitações, por exemplo, ajudaria a adjudicar à poluente indústria da construção civil a sustentabilidade que lhe é tão necessária. É na produção de madeira, por outro lado, que desponta uma das saídas para a redução de carbono na atmosfera. Do uso da madeira poderá surgir a base da nova economia de baixo carbono, que, espera-se, deve se consolidar em substituição àquela baseada no petróleo. No Ano Internacional das Florestas, uma diretora da onu orienta o mundo a usar a madeira. São bons augúrios, sem dúvida – sinal de que profundas mudanças devem estar a caminho. Que bons ventos as tragam!

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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XIV Postado em 18/9/2011

TRANSFORMAÇÕES NA PRODUÇÃO MADEIREIRA DA AMAZÔNIA A exploração de madeira na Amazônia mais que triplicou nos últimos dez anos. No caso do Acre, a produção total de toras deverá ultrapassar um milhão de metros cúbicos em 2011. E o melhor é que mais de 90% dessa madeira é explorada sob a tecnologia do manejo florestal.

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os últimos 20 anos, o setor florestal – entendido como as atividades relacionadas à produção, beneficiamento e comercialização de produtos originados do ecossistema florestal – passou por intensa transformação. No Acre, observa-se um crescimento em todos os segmentos desse setor, sob percentuais elevados e permanentes. Analisados isoladamente, constata-se que os produtos florestais são explorados, industrializados e vendidos, atualmente, em quantidade e qualidade bem superiores ao que era produzido no final da década de 1980. Todavia, a despeito da importância social e econômica que logrou alcançar, a atividade florestal não obteve o devido reconhecimento da sociedade local (que, aliás, é a maior beneficiada pelo crescimento do setor). E de todos os produtos florestais, é provável que o caso da madeira seja o mais sintomático desse paradoxo. O distrito industrial de Rio Branco testemunhou a transformação ocorrida com as serrarias ali estabelecidas. Embora ocupassem a maior parte dos lotes, suplantando um total de 70 empreendimentos e serrando em média 60 mil metros cúbicos anuais, essas indústrias operavam de forma precária e o seu funcionamento se ancorava num débil arranjo: exploração seletiva de espécies de maior valor comercial (cedro, mogno, cerejeira, angelim); contratação de trabalhadores sem observância das regras trabalhistas; e pouca ou nenhuma preocupação com os impactos ambientais advindos da sua atividade.

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Esse sistema de funcionamento extralegal, que caracterizava as chamadas “serrarias de ramal”, marginalizou a indústria madeireira, bem como o seu produto – a madeira. O fator ambiental, obviamente, teve um peso considerável; mas, para além da preocupação com o meio ambiente, havia também a questão da opressão social, sempre denunciada por técnicos, ongs, instituições de pesquisa e academia. Explica-se: como contavam com escassa estrutura para a exploração e o transporte da madeira, as serrarias dependiam da atuação dos chamados “toreiros”, contratados para serrar as árvores em toras e transportá-las até o pátio de estocagem. Os toreiros, por sua vez, iam de ramal em ramal, convencendo o produtor a fornecer as árvores. Sobre os toreiros (e as serrarias) pesava a acusação de que se locupletavam, pagando ao pequeno produtor uma quantia ínfima por cada árvore em pé. A realidade, contudo, não era bem assim. Ao se tornar fornecedor de árvores para as serrarias, o pequeno produtor, compelido ao isolamento por ramais quase sempre intrafegáveis, obtinha algumas vantagens que iam bem além do que ganhava, em dinheiro, pela árvore em pé. O que se considerava um vínculo desigual – de um lado, o toreiro/ explorador, e do outro, o produtor/vítima – era, na verdade, o resultado de uma simbiose comercial, na qual os dois lados tinham suas vantagens e, como ocorre em toda relação comercial, corriam riscos. O produtor não precisava se envolver com a exploração da madeira, atividade sempre muito arriscada para o toreiro; e sem a interferência deste, não obtinha a melhoria dos ramais e a construção de pontes, sujeitando-se a ficar ilhado no inverno. Geralmente, essas melhorias não duravam mais que um inverno, o que levava o produtor a reclamar do toreiro no inverno seguinte. No entanto, era a venda da madeira que pagava pela melhoria do ramal, e quando não havia mais árvores num determinado ramal, o toreiro, é claro, partia em busca de outro. Felizmente, salvo poucas situações, a fase da serraria de ramal foi superada. Hoje, mais de 90% das toras transportadas pelos treminhões que circulam por Rio Branco são extraídas por meio da tecnologia do manejo florestal. Resta superar o preconceito que ainda cerca a atividade madeireira, conferindo-se ao setor florestal o crédito que lhe é devido. Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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XIV Postado em 3/10/2011

PRODUÇÃO DE MADEIRA É ECONOMIA DE BAIXO CARBONO O emprego da madeira para a fabricação de utensílios domésticos e até para a construção civil parece, finalmente, ter se tornado um imperativo internacional. A madeira fixa carbono; matérias-primas como alumínio e petróleo, ao contrário, são intensivas em carbono e, por isso, ampliam o aquecimento global.

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o observar um treminhão (aquele caminhão com dois vagões) rodando, repleto de toras, poucos arriscariam afirmar que um carregamento desse tipo não teria causado um impacto significativo no ecossistema florestal onde foi realizada a retirada de madeira – ou a derrubada das árvores, para soar mais dramático. Todavia, e ao contrário do que comumente se pensa, nem sempre a exploração madeireira deixa pra trás um rastro de destruição. Não estaria, portanto, tão equivocado como a princípio se poderia supor, quem ousasse divergir do senso comum. Explica-se: é grande a chance de que aquelas toras sejam originárias de madeira explorada por meio da tecnologia do manejo florestal. Madeira manejada é aquela cujo processo de extração – ou seja, os procedimentos relativos à escolha da árvore a ser colhida, à derrubada, ao arraste da tora e ao transporte no tal treminhão – atendeu rigorosamente aos requisitos técnicos desenvolvidos pela Engenharia Florestal. E não são poucos os pressupostos técnicos a serem cumpridos no manejo de madeira realizado na Amazônia. Envolvem uma centena de coeficientes concebidos por instituições do peso do Inpa e da Embrapa, ao longo de mais de sessenta anos de pesquisas na região. Essas pesquisas não deixam dúvidas quanto à viabilidade técnica, social, econômica e ecológica do manejo praticado na floresta amazônica nativa. Trata-se de um arcabouço de informações, que (notadamente nos últimos 20 anos) vem sendo ampliado mediante a atuação de outras

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instituições dedicadas à inovação tecnológica. Instituições estaduais de pesquisa, como a Funtac, no Acre, e o Iepa, no Amapá, e mais um vasto número de organizações não governamentais, como o cta, também no Acre, aderiram ao esforço para produzir inovações na área florestal. Superada a fase da exploração predatória e, por isso, insustentável, a madeira passa à condição de produto essencial para os ideais de sustentabilidade atualmente preconizados. A madeira retira carbono da atmosfera, o principal gás causador do aquecimento global e das consequentes mudanças climáticas – cuja evidência científica foi comprovada, em 2007, pelos cientistas que compõem o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (ipcc, na sigla em inglês). Ora, é fato que a humanidade trava uma corrida tecnológica sem precedentes, em busca de alternativas ao uso de materiais intensivos em carbono, como é o caso do alumínio e do petróleo, as duas matérias-primas mais utilizadas no planeta. A madeira manejada se torna opção preferencial para a substituição desses dois materiais na fabricação de uma infinidade de produtos e utensílios que fazem parte do cotidiano das pessoas e que, portanto, são demandados em quantidades elevadas. Para entender melhor: o uso do alumínio e do petróleo amplia a quantidade de carbono na atmosfera e, por conseguinte, o risco de tsunamis, enchentes, furacões e outras tragédias, tornando inevitável o colapso decorrente da crise ecológica. O emprego da madeira, ao contrário, ajuda a evitar as catástrofes ambientais, já que a madeira contribui para o equilíbrio do clima, ao retirar carbono da atmosfera. A conclusão parece óbvia – a madeira manejada, que pode ser alçada a um patamar ainda mais nobre e com maior valor de mercado, por meio da certificação, é benéfica para o meio ambiente; e na era da economia de baixo carbono, a utilização dessa matéria-prima ganha importância estratégica. Tudo leva a crer que, finalmente, o potencial da biodiversidade amazônica alcançará o devido interesse econômico; e o ecossistema florestal, a devida valoração.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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XIV Postado em 29/10/2011

QUE MANEJO FLORESTAL É ESSE? Desde que a exploração de madeira, na Amazônia, passou da várzea para terra firme, na década de 1970, uma tecnologia nacional de manejo florestal vem sendo aprimorada ano após ano. Não há dúvida científica quanto à viabilidade técnica, econômica e ecológica do manejo, ainda que, vez ou outra, sua viabilidade política seja ameaçada.

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mbora o dilema de explorar ou não a floresta, na Amazônia, remonte ao início da colonização portuguesa, somente na década de 1950 houve a sistematização, no Brasil, de um processo de discussão quanto à melhor tecnologia para a extração de madeira. Como a madeira que se encontrava nas margens dos rios, dita de várzea, começava a se esgotar, a exploração foi direcionada para terra firme. Todavia, a demanda por estradas, ramais, tratores etc. fez ver o estrago que uma exploração de madeira sem tecnologia poderia causar à floresta. A primeira providência foi pedir socorro aos americanos. A fao (agência da onu para as florestas) enviou uma missão de engenheiros florestais (a maioria, alemães), que, acompanhados por agrônomos do Ministério da Agricultura, permaneceram alguns meses na região, discutindo a respeito do manejo florestal em floresta tropical; embora também eles não soubessem muito bem como proceder, pois só conheciam suas florestas, as temperadas. Os fatos se desdobraram na criação do primeiro curso de Engenharia Florestal, que formou a primeira turma em 1965 – quando também foi aprovado o Código Florestal. Uma Engenharia Florestal genuinamente nacional se firmava, dessa forma, no país e também na Amazônia. Ante o trabalho realizado pelo Inpa, em Manaus, e pela Embrapa (notadamente a de Belém), na década de 1970 a Amazônia já detinha uma tecnologia de manejo florestal apta a ser aplicada na região. No Acre, essa tecnologia estaria disponível somente a partir do final da década de 1980, quando foi criada a Fundação de Tecnologia do estado, Funtac.

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A instituição foi pioneira nas pesquisas empreendidas na área – cujo apogeu foi o projeto executado na Floresta Estadual do Antimary, financiado pela Organização Internacional de Madeira Tropical (itto, da sigla em inglês). O Projeto Antimary foi um marco, tendo assentado as bases de uma metodologia adequada às características da floresta presente em território estadual. Jamais houve em toda a história do Acre um investimento tão elevado em pesquisas com manejo florestal. O Antimary, entretanto, direcionou-se para o manejo realizado em larga escala, de natureza empresarial. No caso do manejo voltado para a prática comunitária, duas outras experiências merecem destaque: a da Embrapa, no pad Peixoto; e a do cta, no Seringal Porto Dias. A tecnologia desenvolvida nesses experimentos – denominada de manejo florestal comunitário – é, com certeza, um legado do Acre, como o são as reservas extrativistas e o manejo florestal de uso múltiplo. Tais concepções, a despeito de não gozarem o devido reconhecimento pela sociedade local, foram engendradas no estado; vale dizer, foi dali que saíram as informações definitivas para a sua concepção. A Embrapa conseguiu a façanha de introduzir o manejo florestal na realidade dos projetos de assentamentos e das propriedades distribuídas em linha ao longo dos ramais. O cta, por sua vez, possui o mérito de ter levado o manejo para a realidade dos seringueiros; ou seja, para o contexto das “colocações”, dos “varadouros” e das “varações” – um feito notável, não há dúvida. Definitivamente, essas instituições foram precursoras do manejo florestal desenvolvido no Acre, tanto em âmbito empresarial quanto comunitário. Os técnicos e pesquisadores responsáveis pela condução dessas experiências contribuíram para assentar o país, em relação à atividade, numa posição de destaque na América Latina. O Brasil detém um cabedal de informações bem superior aos demais países e é, de longe, a nação que desenvolveu a tecnologia mais aprimorada. Trata-se de um grupo de técnicos que assumiu árdua incumbência: a de convencer a sociedade de que a exploração madeireira é atividade benéfica para a economia, para a coletividade e – o mais surpreendente – para a floresta. Que manejo é esse, enfim? O praticado no país é tecnologia nacional, certamente. Mas, o manejo florestal realizado na Amazônia é um legado da região; é amazônida, com certeza! Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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XIV Postado em 06/11/2011

MANEJO FLORESTAL E AGENDA POLÍTICA NA AMAZÔNIA Na Amazônia, o emprego da tecnologia do manejo florestal pode fazer a diferença entre a degradação e a conservação da floresta. Essa tecnologia precisa ser mais bem discutida, sem dúvida, mas jamais pode ser excluída da agenda política dos governos.

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urante a história da humanidade – é possível mesmo dizer desde que o homem era nômade –, as atividades produtivas, em qualquer lugar do planeta, enfrentam toda a sorte de problemas. Na Amazônia, contudo, no âmbito da atividade de produção de madeira, não pode ocorrer a menor dificuldade, que logo a questão se transforma em alvoroço. E sempre que algum desavisado se apressa em apontar algum embaraço envolvendo a exploração madeireira, o manejo florestal é posto em xeque. Debitar na conta do manejo florestal, que é uma tecnologia, os incontáveis problemas que podem decorrer da derrubada de árvores, do respectivo arraste no interior da floresta e do posterior transporte por longos trechos no trânsito urbano é – para dizer o mínimo – uma grande insensatez. A tecnologia do manejo tem como desígnio justamente o planejamento da exploração florestal (em qualquer floresta do planeta, inclusive a amazônica), de forma a assegurar, sobretudo, impacto ambiental mínimo e garantia de estoque futuro. Para que essas diretrizes sejam alcançadas, são executados, sob a orientação de profissionais graduados, procedimentos técnicos desenvolvidos pela ciência da Engenharia Florestal. Trata-se da atividade-fim dos engenheiros florestais, desempenhada sob estrita observância de métodos científicos; e como acontece com todas as atividades de engenharia, envolve, obviamente, muitos cálculos matemáticos.

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Há quem negue a importância das técnicas, assentando-as, equivocadamente, num plano inferior às práticas populares. Deslumbramentos à parte, todavia, é a técnica que possibilita o resgate do conhecimento empírico, por meio da sistematização do saber tradicional. E independentemente das dificuldades que sempre obstam a produção de madeira, um ponto é inegável: o manejo florestal é a saída para uma ocupação produtiva da Amazônia isenta de queima e de desmatamento. Chegará o tempo (espera-se) em que uma vasta cesta de produtos florestais (papagaio, paca, remédio, água, ar, resina, cipó, entre outros) será passível de exploração pela via do manejo – de tal modo que venha a ser superado o contexto atual, em que a madeira impera como o produto mais importante da floresta. Mas, até esse tempo chegar, não se duvide, é a madeira o produto que permitirá manter a floresta em pé. Sem a exploração madeireira por meio do manejo, a pecuária ocuparia todas as áreas, o que tornaria improvável um futuro com floresta – é preciso muito tempo e muito dinheiro para que áreas desmatadas voltem a ter cobertura florestal. Portanto, excluir o manejo florestal da agenda política significaria um retrocesso irreparável. A consolidação de uma opção produtiva que passe pela via florestal e justifique a ocupação da Amazônia é um imperativo internacional que ganha cada vez mais força mundo afora. Ou seja, (sem entrar na seara dos discursos nacionalistas), temos que nos habituar ao fato de que pecuária, cana e soja não podem ser referência para uma economia amazônica; por conseguinte, é inafastável a consolidação de uma sociedade e de uma economia florestal. Assim, nenhum governo, em nenhuma esfera, poderá comprometer os avanços obtidos com o manejo florestal nem incentivar o desmatamento decorrente da pecuária – sob pena de sofrer retaliações econômicas que podem levar a região à bancarrota. É provável que o que aconteceu no Amazonas seja sintomático. Lá, o governador eleito, embora não tivesse nenhum histórico de atuação com o tema da ocupação produtiva da região, acabou por se tornar referência em política florestal. A mudança teve uma única e singela causa – os rumos ditados pelo apelo internacional. É certo, portanto, que mudanças estão ocorrendo; e, ao que tudo indica, não há mais volta.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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preocupação com o risco de extinção de espécies (animais e vegetais) vem se ampliando cada vez mais. Poucos tópicos inseridos na temática da sustentabilidade causam tanta comoção, atualmente, quanto o risco – note-se bem, o risco – de desaparecimento de alguma espécie do planeta (frise-se que não se trata do desaparecimento propriamente dito, mas do risco de desaparecimento). A questão, sem dúvida, é pertinente. O problema surge quando a preocupação com o risco de extinção leva ao estabelecimento de normas contraditórias, que favorecem a expansão da agropecuária e inviabilizam o manejo do potencial econômico da biodiversidade presente na Amazônia. Nos últimos 20 anos, um conjunto de regras tem sido instituído, sob o argumento principal de que as espécies não podem correr risco de extinção. Paradoxalmente, está justamente no uso econômico da biodiversidade a possibilidade de, em curto prazo, evitar-se que a existência das espécies venha a correr algum perigo. Assim, ao coibir as atividades baseadas no aproveitamento do ecossistema florestal, essas mesmas regras acabam por ampliar o risco de extinção que se pretendia prevenir.


XV Postado em 5/4/2009

AGRESSÃO À NATUREZA E RISCO DE EXTINÇÃO DE ESPÉCIES A preocupação com o risco de extinção de espécies gerou um sistema normativo que obsta o ambiente de negócios na área florestal. A despeito disso, nem sempre esse risco pode ser aferido de fato.

É

legítima a preocupação com o risco de extinção imposto às espécies da fauna e flora pela construção de estradas, urbanização de cidades e instalação de empreendimentos produtivos, entre outras demandas da humanidade. Todavia, esse risco precisa ser medido, particularizado; vale dizer, é preciso aferir onde, como e com que intensidade o risco de extinção irá ocorrer ou não. Diante dos níveis técnicos atualmente existentes, isso é possível na ampla maioria dos casos. E o primeiro passo a ser dado consiste em diferenciar risco de agressão. O preservacionismo, corrente mais ortodoxa do ambientalismo, costuma fazer certa confusão entre agressão à natureza e risco de extinção de espécies, como se fossem inseparáveis, ou seja, causa e efeito. Ora, se toda agressão do homem à natureza tem como resultado inafastável o risco de extinção de espécies, das duas uma: ou não se poderia intervir na natureza de forma alguma, ou temos que conviver com esse risco. Como a primeira opção não é factível (nem mesmo para os preservacionistas mais intransigentes), uma vez que, como espécie animal que ocupa o topo da cadeia alimentar, o homem necessariamente interage com as outras espécies, resta somente a segunda opção. Mas, conviver com o risco de extinção, apesar de parecer algo inaceitável, é o que o homem tem feito desde os primórdios da industrialização, quando o problema realmente começou a se agravar. Na verdade, a humanidade não só tem aceitado esse risco, como tem se submetido

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ao sacrifício da extinção propriamente dita. Para não comprometer o padrão de consumo e o modelo de vida atual, a humanidade tem aceitado abrir mão de algumas espécies. O fato é que a agressão à natureza sempre ocorreu (e sempre ocorrerá), em maior ou menor grau, desde que o homem existe. O risco de extinção de espécies, por outro lado, pode ou não ocorrer, dependendo do grau de intervenção e da adoção ou não de tecnologias apropriadas, que resguardem os ecossistemas. Ao se emaranharem ambos os termos, põem-se sob o mesmo patamar atividades produtivas díspares, atribuindo-se-lhes os mesmos níveis de destruição e de rejeição. Atividades produtivas que dependem do desmatamento (e que por isso representam elevado risco) não podem ser equiparadas às atividades produtivas que dependem da floresta (e que por isso implicam menor risco). As regras para licenciamento ambiental, portanto, deveriam favorecer as segundas, em detrimento das primeiras; mas não é o que ocorre. A graduação das distintas intervenções humanas sobre a natureza, de acordo com o risco que apresentam para a extinção das espécies, talvez seja a primeira condição para tratar desiguais de maneira diferenciada. A experiência amazônica tem comprovado, reiteradamente, que a estratégia dos preservacionistas, de considerar agressão e risco como equivalentes, só traz como consequência o favorecimento do desmatamento e a inibição da atividade florestal.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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XV Postado em 17/5/2009

SOBRE O RISCO DE EXTINÇÃO DE ESPÉCIES A preocupação, legítima, com o risco de extinção de espécies acarretou o surgimento de um arcabouço de regras difíceis de atender. É mais do que oportuna, portanto, a caracterização desse risco, a fim de determinar quando ele ocorre, de que forma, com que intensidade e sob que frequência.

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preocupação com o risco de extinção das espécies, animais e vegetais, é mais que legítima, é imperiosa; e tem sensibilizado indivíduos de diferentes formações ao redor do mundo. Não é à toa. Além da irreparável perda causada à biodiversidade do planeta, a extinção duma espécie pode significar, por exemplo, que se perderam as chances de encontrar a cura para uma doença; ou, pior ainda, que algum drástico desequilíbrio ecológico poderá pôr em risco outras espécies, ante a complexa cadeia de dependências que existe nos ecossistemas. A extinção de espécies também infunde uma sensação de prejuízo econômico; como se algum recurso, que poderia ser estratégico e valer muito dinheiro no futuro, estivesse sendo desperdiçado. Assim, em princípio não parece razoável que a humanidade corra o risco de causar a extinção de alguma espécie, sobretudo se esse risco estiver associado à exploração de algum tipo de recurso natural. Em face do denominado “princípio da precaução”, tão louvado durante a Rio 92, não se pode admitir que a exploração de uma jazida de ferro, por exemplo, ameace a existência das espécies naturais. Sendo ponto indiscutível que a precaução com relação ao risco de extinção é mandatória, resta caracterizar esse risco. Ou seja, há que se especificar quando o risco de extinção ocorre, de que forma, com que intensidade e, talvez o mais importante, sob que frequência. Afinal de contas, a agressão à natureza ocorre desde o surgimento do homem; o risco de extinção das espécies, nem sempre.

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Diante do padrão tecnológico alcançado pela humanidade, na absoluta maioria das vezes essa caracterização já pode ser efetuada sob grande especificidade. A despeito disso, seja por falta de formação e de informação, seja por razões de cunho ideológico, prevalece o ponto de vista que considera que toda agressão à natureza leva necessariamente ao risco de extinção de espécies. No primeiro caso (ausência de formação e de informação), inclui-se um grande contingente populacional que é influenciado pelo senso comum. Os motivos ideológicos, por outro lado, dizem respeito aos preservacionistas extremados, aos “adoradores da natureza”, que se julgam portadores da missão de levar adiante os ideais de um ambientalismo que prega, sempre, a tragédia. Como já afirmava em 1925, no seu célebre livro “No que Acredito”, o matemático e filósofo Bertrand Russell, ganhador do Nobel de Literatura: “Creio haver uma mescla de verdade e falsidade na admiração da ‘natureza’, da qual é importante que nos desvinculemos (...). O respeito à natureza física é pura tolice; a natureza física deve ser estudada no intuito de se fazer com que sirva, tanto quanto possível, aos propósitos humanos, ainda que, do ponto de vista ético, ela permaneça nem boa nem má.”

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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XV Postado em 2/8/2009

ESPÉCIES FLORESTAIS AMAZÔNICAS E SUA EXTINÇÃO PELO MERCADO A exploração florestal, quando realizada sob as técnicas de manejo florestal de uso múltiplo, jamais leva as espécies ao risco de extinção ecológica. A história econômica da Amazônia demonstra que o problema é a extinção comercial da espécie, imposta pelo mercado, e que é implacável.

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borracha foi o produto florestal que mais gerou riqueza na região amazônica. É bem possível que a exploração desse produto tenha alcançado o limite de capacidade suportado pela floresta; a despeito disso, a seringueira não correu risco de extinção ecológica. Como a demanda elevou sobremaneira os preços praticados no mercado, os seringais nativos da Amazônia poderiam ter sidos levados à exaustão, o que, por sua vez, teria comprometido a regeneração da seringueira, causando a extinção da espécie. Entretanto, a pressão pela oferta de borracha encontrou uma válvula de escape na domesticação da espécie em cultivos e na sua substituição por sintéticos. Para entender melhor: é fato que o valor comercial obtido por um produto florestal é diretamente proporcional à intensidade de sua exploração. Quanto maior o valor auferido por um produto, maior será sua taxa de exploração – o que deveria equilibrar as taxas de oferta e demanda. Todavia, caso esse equilíbrio não aconteça, e a demanda pela espécie continue crescendo e elevando os preços de mercado a tal ponto que justifique os pesados investimentos em domesticação, esses investimentos ocorrerão muito antes de ocorrer o risco de extinção ecológica daquela espécie. Significa dizer que as forças de mercado tendem a manter a espécie produzindo, seja para ampliar sua oferta, seja porque novos investidores vão se interessar por aquele mercado. Assim, para garantir níveis de preço vantajosos ou em face de qualquer outra razão imposta pelo mercado, a espécie florestal tem sua existência e manutenção garantidas. 236

Da Amazônia: 100 artigos


Esse raciocínio é válido para espécies florestais com elevado valor comercial, como foi a borracha um dia. O problema são as espécies de pouco valor comercial, cujos mercados são reduzidos e operam sob limites mínimos, chegando ao ponto da subsistência. Nesse caso, os riscos da extinção ecológica são maiores. Contudo, por mais paradoxal que possa parecer, é justamente esse mercado de subsistência, em cujo âmbito o risco de extinção é elevado, que sempre conta com a proteção e o apoio das políticas públicas para continuar operando. O exemplo da fauna elucida, com clareza, os riscos acarretados à espécie pela proteção conferida ao mercado de subsistência. Considerando-se que a caça (para fins comerciais) é proibida, e que o manejo em ambiente natural é extremamente restringido, não dá para ignorar o quanto tem sido danosa a caça de subsistência para a permanência da fauna silvestre na Amazônia. Sem a proteção que o mercado oferece para produtos de alto valor, e diante das lacunas da regulação estatal, a caça, a pesca e a coleta para subsistência, realizadas sem a aplicação de técnicas de manejo, tornaram-se atividades de risco para a manutenção das espécies. O quadro se agrava na medida em que a proibitiva normatização vigente, decorrente da legislação ambiental e florestal e das resoluções expedidas pelo Conama, impede a exploração comercial dos produtos florestais. Essa circunstância prejudica o ambiente de negócios e favorece a extinção comercial e econômica das espécies florestais. Vale dizer, antes que a possibilidade de uma sobre-exploração acarrete a extinção ecológica, o mercado providencia a extinção comercial da espécie, ao desistir dela.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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Postado em 13/9/2009

EXTINÇÃO DE ESPÉCIES FLORESTAIS COMERCIAIS AMAZÔNICAS Sob o argumento de que existe o risco de extinção de espécies, impôs-se à exploração florestal, na Amazônia, um ordenamento normativo impeditivo, sobretudo para o pequeno produtor extrativista. A preocupação é legítima; todavia, além de ser de difícil aferição, esse risco é mil vezes ampliado quando a floresta é substituída por capim.

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preocupação com o risco de extinção das espécies, que é legítima e oportuna, suscitou a imposição, na Amazônia, de uma série de procedimentos para a regulação de atividades produtivas (em especial no setor primário), cujos resultados merecem ser mais bem avaliados. Um primeiro ponto crucial é que as normas tratam como iguais tanto as atividades baseadas no desmatamento quanto as atividades que dependem da floresta em pé. O mais grave é que são mais rigorosas para as segundas e mais flexíveis para as primeiras – a despeito de o risco de extinção de alguma espécie ser obviamente bem maior quando há desmatamento. No caso da exploração florestal madeireira – uma vez que essa atividade auferiu importância econômica na região, tendo alcançado visibilidade nas estatísticas do ibge –, a sua regulação se deparou com um restritivo ambiente político. Em consequência, a pressão nacional e internacional sobre a Amazônia fez com que, nos últimos 20 anos, surgisse um rol extenso e abstruso de normas baseadas no princípio do comando e controle, que restringem a exploração de todo e qualquer produto ou matéria-prima florestal, sob toda e qualquer escala de produção, sem distinção. Esse ordenamento normativo se fundamenta no fato de que a exploração florestal necessariamente infligiria às espécies animais e vegetais o risco de extinção ecológica. Assim, as regras não costumam diferenciar nem mesmo o que é elementar, em termos econômicos:

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Da Amazônia: 100 artigos


pequena, média e grande produção; ou o que, em termos ecológicos, também é elementar: produtos da coleta, do abate e da extração. O problema é que a natureza restritiva dessas normas alterou a realidade da exploração florestal na Amazônia, alcançando-se o pior dos resultados – os produtores foram levados à ilegalidade, marginalizando-se o ambiente de negócios no setor. Por outro lado, uma vez que o aparato de comando e controle disponível na estrutura pública de fiscalização nunca é eficiente (e suficiente) para fazer valer as exigências burocráticas, a exploração florestal associou-se a atividades predatórias (como é o caso da pecuária), seguindo o rastro do desmatamento e das queimadas. Um quadro caótico que, ano após ano, leva o setor florestal da Amazônia a dar mais um passo em direção ao colapso. Mas, afinal, o risco da extinção ecológica das espécies, um dos principais argumentos que justifica esse equivocado sistema normativo, é ou não relevante, no caso da atividade florestal? A experiência tem demonstrado que, por mais paradoxal que pareça, a espécie florestal de interesse comercial, mesmo quando sujeita às piores condições de exploração, sem obediência a técnicas de manejo florestal, tem sua extinção econômica antes do risco de extinção ecológica. A extinção econômica foi o que acarretou, por exemplo, o fim da produção amazônica da borracha; e sobreveio bem antes que a espécie corresse algum risco de desaparecimento ecológico.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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XV Postado em 1/11/2009

EXTINÇÃO ECONÔMICA DE ESPÉCIES FLORESTAIS AMAZÔNICAS Duas premissas importantes para entender a discussão acerca do risco de extinção de espécies florestais na Amazônia: primeiro, a extinção comercial, de mercado, vem antes da ecológica; segundo, a produção sob as técnicas de manejo florestal de uso múltiplo é a garantia de que o risco de extinção não irá ocorrer.

A

preocupação com o risco de extinção de espécies florestais em processo de exploração na Amazônia levou à imposição, no campo do licenciamento ambiental, de um conjunto de procedimentos burocráticos, incompatíveis com a realidade na qual a atividade florestal é praticada. As regras impostas são, sob raríssimas exceções, incoerentes e desnecessárias; e alcançam desde a exploração madeireira, considerada por muitos como nefasta, até a mais singela produção de polpa de açaí nativo. Mas é provável que a atividade de produção de fauna silvestre, diante da sua importância como fonte de proteína para a população local e da sua relevância para a economia regional, constitua o melhor e mais didático exemplo para a compreensão do problema. Para se ter ideia das incoerências, é mais fácil (e os órgãos de licenciamento ficam mais satisfeitos) habilitar um criatório de paca do que licenciar o manejo da espécie no seu ambiente natural, ou seja, no interior da floresta. Vale dizer, quanto mais artificial for a produção (cercada, concretada e murada), tanto melhor para o licenciamento. Não se leva em conta, primeiro, que os custos de produção são diretamente proporcionais às benfeitorias introduzidas; e segundo (o mais grave), que elevados níveis de artificialidade, como preferem as normas e os órgãos de licenciamento, envolvem necessariamente melhoramento genético e a posterior introdução de organismos geneticamente modificados. 240

Da Amazônia: 100 artigos


Outro exemplo significativo é a produção de sementes florestais nativas da Amazônia. Para o licenciamento do manejo de sementes nativas, exige-se a elaboração de um plano de manejo. Esse procedimento, que compreende a realização de numerosos estudos e levantamentos, tem um custo muito alto, sendo, portanto, inexeqüível para o pequeno produtor. Nesse caso, o das sementes, o argumento é que poderiam ser coletadas todas as sementes produzidas pela árvore, sem que algumas permanecessem para se transformar em muda e, um dia, substituir a árvore antiga – evitando-se, assim, o risco da extinção ecológica. Somente quem nunca viu o espetáculo que uma árvore amazônica é capaz de propiciar depois da floração – ao lançar seus frutos e então disseminar as sementes – pode imaginar que é possível coletar todas as sementes que caem de todas as árvores daquela espécie, ao mesmo tempo, na floresta. É algo muito difícil de acontecer, para não dizer impraticável. Um fato curioso é que não se discute o conceito de extinção ecológica sob maior critério e discernimento. Parece conveniente repassar ao imaginário popular a equivocada ideia de que as espécies desaparecem num piscar de olhos, de uma hora para outra. Contudo, não há notícias de casos de espécies cujas taxas populacionais tenham sofrido reduções drásticas, sem que tivesse havido tempo, técnica e recursos suficientes para reverter a situação. Na Amazônia, certamente nenhum produto florestal gerou mais riqueza e foi tão intensamente explorado como a borracha; mas, em nenhum momento, a seringueira correu risco de extinção. Na verdade, a extinção comercial da borracha amazônica chegou a acontecer; mas, o risco de extinção ecológica da seringueira, nunca.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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onhecer o ecossistema florestal é condição elementar para a aplicação de técnicas de manejo, a fim de obter da biodiversidade um leque variado de bens e serviços, além de gerar emprego e renda para as comunidades que vivem na floresta. O primeiro e principal passo para se alcançar esse conhecimento é a realização de inventários florestais. No Acre, ainda que diversos inventários tenham sido executados para a exploração de uma espécie florestal específica, apenas um chegou a abranger todo o território estadual, tendo servido de base para as decisões tomadas no âmbito do zoneamento ecológico-econômico do estado. Todavia, esse inventário foi realizado em duas etapas (com intervalo de dez anos entre a primeira e a segunda) e sob baixo grau de precisão técnica. É imprescindível, portanto, a sua atualização, A realização de inventário abrangendo todo o território do estado, no intuito de gerar informação sobre o ecossistema florestal, é prioridade para a promoção do manejo florestal e a estruturação de uma economia ancorada na diversidade biológica.


XVI Postado em 7/10/2007

INVENTÁRIO FLORESTAL PARA BIOCOMBUSTÍVEIS NO ACRE Seria lamentável que as únicas opções para o biodiesel se restringissem às espécies da soja, palma e dendê. A floresta seguramente esconde novas possibilidades. É mais que oportuna a realização de um inventário florestal direcionado para determinar o potencial da floresta amazônica para a produção de biocombustíveis.

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s custos inerentes à realização de inventários florestais costumam inibir os agentes políticos a investir nesse tipo de levantamento. Poucos se dão conta que, na verdade, os ganhos obtidos com as informações geradas são muito superiores aos recursos financeiros consumidos na realização dos estudos. No Acre, a primeira tentativa de realização de um inventário florestal ocorreu em 1989, com recursos doados pela Fundação Ford (por sinal, a fonte dos recursos financeiros para a realização de inventários no estado sempre foi estrangeira). No âmbito desse inventário, a Funtac (Fundação de Tecnologia do Acre) levantou amostras ao longo da BR364, no sentido Rio Branco-Cruzeiro do Sul. Dez anos depois, dessa vez com recursos oriundos do Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil (ppg 7), doados pelo grupo dos sete países mais ricos do mundo, a mesma Funtac completaria o levantamento, com amostras medidas ao longo da BR-317, até Assis Brasil, e nos municípios de Santa Rosa, Jordão e Thaumaturgo. Mesmo com a diferença de dez anos entre as duas medições, realizou-se uma análise estatística satisfatória, e as informações obtidas, em face da sua natureza primária, foram as mais importantes da Fase I do Programa Estadual de Zoneamento Ecológico-Econômico (zee); os demais estudos foram baseados em dados secundários, produzidos por fontes diversas e em datas distintas.

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Na execução da Fase II do zee, constatou-se o óbvio: as informações geradas pelo tipo de inventário realizado – denominado de diagnóstico –, em face de sua baixa intensidade amostral, isto é, reduzida quantidade de árvores medidas, possuem abrangência limitada. O inventário de diagnóstico se presta mais a servir como ferramenta para orientar a realização de estudos específicos e mais aprofundados acerca de algum recurso florestal de interesse. Foi por meio desse inventário florestal, por exemplo, que se chegou à conclusão de que as áreas com maior potencial para a produção de madeira em território estadual estavam localizadas depois do município de Sena Madureira (no sentido Rio Branco-Cruzeiro do Sul); e depois do município Capixaba (no sentido Rio Branco-Assis Brasil). Tanto a localização das florestas de rendimento para a produção de madeira (denominadas de “Complexo do Rio Gregório”) quanto o local da fábrica de pisos construída em Xapuri foram definidos com base nas informações geradas por aquele inventário florestal. Uma decisão acertada e com elevado embasamento técnico. Todavia, essas informações tiveram que ser complementadas, mediante estudos específicos de inventário florestal para a produção de madeira realizados nas áreas apontadas como potenciais pelo diagnóstico anterior. Dessa forma, a decisão final acerca da instalação da fábrica e das florestas de rendimento pôde ser tomada sob chances mínimas de erro. A vantagem parece evidente. Como o inventário florestal específico para determinados fins é bem mais detalhado (leia-se: mais caro), sua realização ocorre em áreas menores, cujos potenciais já foram diagnosticados. Se esse raciocínio é válido para a produção de madeira, o mesmo ocorre para a produção de biocombustíveis. O potencial florestal, na Amazônia e no Acre, para a produção de biocombustíveis ainda não foi devidamente aferido. Um inventário florestal para biocombustíveis, no Acre, é mais que oportuno.

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XVI Postado em 9/5/2010

INVENTÁRIO FLORESTAL DO CACAU NATIVO DO PURUS É TEMA DE MONOGRAFIA O projeto “Manejo Florestal Comunitário do Cacau Nativo do Purus” produz seu primeiro documento acadêmico. Agora a equipe sabe que onde ocorre cacau existem 7,8 pés por hectare, informação decisiva para se estabelecerem os protocolos de manejo florestal comunitário.

O

projeto “Manejo Florestal Comunitário do Cacau Nativo do Purus”, apoiado pelo cnpq desde 2007, publicou seu primeiro documento acadêmico. Trata-se da monografia “Inventário Florestal: Diagnóstico do Cacau Nativo e Espécies Associadas na Várzea do Médio Rio Purus – Amazonas”, elaborada por Hudson Veras e apresentada como requisito final para graduação em Engenharia Florestal na Universidade Federal do Acre – Ufac. O projeto conta com o envolvimento de uma rede de instituições que acreditam na possibilidade de o manejo florestal comunitário do cacau nativo do Purus chegar a se tornar um importante componente do uso múltiplo da biodiversidade existente na região. Além da Ufac, a Agência de Cooperação Técnica Alemã – gtz; a Universidade Estadual Paulista – Unesp; a Universidade Federal de Viçosa; e a Universidade de Freiburg, da Alemanha, uniram-se à cooperativa que agrega os produtores de cacau, Cooperar, e à empresa Hachez, que compra todo o cacau produzido, no intuito de encontrar uma saída para um grande desafio: aumentar a oferta de sementes de cacau por meio do manejo florestal comunitário. Ocorre que a empresa tinha uma demanda para a aquisição de 40 toneladas de sementes de cacau nativo; todavia, a Cooperar conseguia ofertar, no máximo, nove toneladas. Como passar de nove para 40 toneladas, sem recorrer aos cultivos – ou seja, intervindo no povoamento do cacau em ambiente nativo, ou florestal –, era a questão que se apresentava aos pesquisadores. 246

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A primeira informação importante para subsidiar as estratégias de manejo dizia respeito à definição dos padrões de ocorrência do cacau. A equipe de engenheiros florestais precisava saber onde esses povoamentos estavam localizados, ao longo da extensa área coberta pela margem do rio Purus. Três hipóteses foram testadas e comprovadas. Os povoamentos agregados de cacau ocorrem sempre que, simultaneamente, as três hipóteses se verificam – cota altimétrica de 100 metros; área sujeita aos interflúvios do Purus (que é atingida pelas cheias anuais); e tipologia florestal de floresta densa ou aberta, desde que sem palmeiras. Ante o cruzamento dessas três condições, foi possível definir a área de ocorrência dos cacaueiros. Restava averiguar, então, a quantidade de pés de cacau existentes na área de ocorrência – o que foi esclarecido pelo inventário florestal. De acordo com os resultados do inventário, existem 7,84 indivíduos de cacau em cada hectare de mata ciliar do rio Purus, sendo que sete espécies arbóreas se associam ao cacau para sombreá-lo: Cecropia sp. (imbaúba), Eschweilera odorata (mata-mata), Hevea brasiliensis (seringueira), Ficus sp. (gameleira), Aspidosperma sp. (amarelinho), Pouteria sp. (abiurana ou maparajuba), Calycophyllum spruceanum (mulateiro). Os próximos trabalhos acadêmicos discutirão temas como metodologia do inventário florestal; mapeamento de povoamentos florestais por imagens de satélite e de radar; estudo de genética de populações do cacau; logística de produção do cacau; por fim, serão testados os oito protocolos de manejo já concebidos. Novas monografias deverão ser apresentadas até o final de 2010. Além dos estudos realizados no âmbito das universidades brasileiras, o projeto também prevê intercâmbio de alunos com a Universidade Freiburg, da Alemanha. Os acadêmicos alemães realizarão pesquisas relacionadas à quantificação dos cacaueiros; germinação por sementes e estaquia; e propagação das sementes de cacau na floresta. Como produto final, o projeto prevê a elaboração de um plano de manejo comunitário do cacau nativo do Purus – que terá como escopo a produção, sob gerenciamento, de 40 toneladas de cacau.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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XVI Postado em 10/4/2011

INVENTÁRIO ESTADUAL DE FLORESTAS NO ACRE No Acre, a dinâmica econômica associada à produção de madeira requer, de imediato, a realização de um inventário florestal, a fim de se determinar com precisão a quantidade e a localização da madeira existente no estado.

S

em informação, não há planejamento; sem planejamento, é impossível organizar os setores produtivos. Não há como imaginar o estabelecimento de uma economia florestal forte na Amazônia, sem a produção de informações precisas sobre todas as variáveis que influenciam cada segmento, subsetor ou elo do cluster florestal que será preciso instituir. Enquanto a matéria-prima permanece na floresta, essas informações são essenciais para orientar o aproveitamento do estoque existente. No momento em que a matéria-prima florestal chega à indústria, essas informações são necessárias para pautar o processamento do produto, sua embalagem, transporte e inclusão no mercado. Conhecer o potencial do estoque florestal presente no ecossistema é condição fundamental para o planejamento da exploração em todo tipo de florestas, especialmente no caso de florestas com elevada diversidade de espécies, como as que ocorrem no Acre. Todavia, a despeito da indiscutível importância do inventário florestal, a realização desse tipo de levantamento costuma encontrar resistência dos governos locais. Considera-se, equivocadamente, que inventariar o potencial florestal de grandes áreas é muito caro e, pior, que o custo-benefício não justifica o investimento. Acontece que as modernas técnicas de mapeamento por satélite, sensoriamento remoto e geoprocessamento possibilitam obter alto grau de precisão na alocação das amostras de inventário – o que reduz a necessidade de um número elevado de amostras, diminuindo sobremaneira o custo do inventário como um todo.

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Da Amazônia: 100 artigos


Por outro lado, os retornos ou benefícios auferidos mediante as informações originadas superam facilmente os custos associados à realização do inventário, ainda que esses custos sejam altos; afinal, essas informações, que devem ser atualizadas periodicamente (de dez em dez anos, por exemplo), vão orientar o investimento privado nas atividades florestais. São as informações inventariadas que poderão, também, orientar o planejamento da ocupação, se e quando essa ocupação tiver algum tipo de vínculo com o aproveitamento florestal. A produção de óleos florestais com o aproveitamento das palmeiras existentes no Acre em localidades como Jordão e santa Rosa só seria possível a partir dos dados de um inventário florestal; o mesmo raciocínio é válido para o tabocal de Assis Brasil. As florestas do Acre nunca, em nenhum momento, foram devidamente inventariadas em sua totalidade e numa mesma ocasião. Nem mesmo para efeito de instituir a Lei do Zoneamento Ecológico-Econômico (zee) – em cujo âmbito o inventário era de crucial importância, aliás. Considerando apenas as iniciativas oriundas do poder público, algumas áreas pontuais de florestas foram medidas, como no caso do Antimary e do São Luís do Remanso, no remoto ano de 1989. Nessa mesma época também foram inventariadas as florestas próximas à BR-364, no trecho Rio Branco-Cruzeiro do Sul, durante a realização do zee. Quase 15 anos depois, em 2003, o inventário para o zee foi concluído com amostras medidas nas florestas ao sul e na fronteira com Bolívia e Peru. Para se ter ideia da importância dessas (precárias) informações, basta dizer que foi esse inventário, realizado em dois momentos distintos e espaçados, que subsidiou importantes decisões, como as concernentes à criação das florestas estaduais de Tarauacá e à localização da fábrica de pisos em Xapuri. Atualmente, as decisões a serem tomadas são ainda mais vitais para o futuro do Acre. A realização de inventário nas florestas do estado é fundamental, por exemplo, para a definição de questões relacionadas ao redd, à geração de energia elétrica com biomassa, ao biodiesel, à disponibilidade de madeira e às unidades de conservação. Diante dessas possibilidades que se abrem para o futuro, certamente que os custos de um inventário estadual de florestas se tornam módicos.

Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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XVI Postado em 22/5/2011

INVENTÁRIO FLORESTAL DESCREVE A MATA CILIAR DO RIO ACRE Contribuir para reverter as graves condições de degradação do rio Acre foi o que motivou a aprovação, perante o cnpq, de projeto orçado em 200 mil reais, que mapeou o desmatamento na mata ciliar ao longo do rio, inventariou o remanescente florestal e computou as 20 espécies de maior importância para a restauração florestal.

A

importância da vegetação existente nas margens dos rios, genericamente denominada de mata ciliar, foi reconhecida desde a elaboração do Código Florestal. O Código conferiu especial destaque a essas formações florestais, a ponto de incluí-las no que a legislação convencionou chamar de área de preservação permanente, app. Significa dizer que essas florestas devem ser preservadas, a fim de se garantir a qualidade da água e o equilíbrio das vazões dos rios – evitando-se, dessa forma, a ocorrência de alagações e secas extremas. Todavia, a despeito da garantia legal, as consequências dos desmatamentos realizados nas margens dos rios são cada vez mais visíveis. Em vista disso, tornou-se prioridade, no âmbito da academia e dos institutos de pesquisas que atuam na Amazônia, a realização de estudos de diagnóstico sobre o nível de ocupação antrópica e as transformações na mata ciliar acarretadas pela produção agropecuária. Sob apoio do cnpq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), os engenheiros florestais da Ufac (Universidade Federal do Acre) iniciaram um ousado projeto para estudar a mata ciliar do rio Acre, principal provedor de água para a capital do estado, Rio Branco, e mais sete municípios. Orçado em 200 mil reais, o projeto, que tem o sugestivo nome de “Ciliar Só-Rio Acre” – uma alusão ao rio, aos cílios e ao sorriso –, propõe-se a investigar as espécies florestais que são nativas da mata ciliar e que, dessa forma, seriam indicadas para a respectiva restauração florestal das margens do curso d’água. 250

Da Amazônia: 100 artigos


Mediante a efetivação de amplo mapeamento com imagens de satélite, calculou-se o grau de desmatamento presente na mata ciliar de cada um dos oito municípios da bacia do rio Acre, identificando-se os trechos mais críticos para restauração. Uma vez concluído o mapeamento, o segundo passo foi a realização de um inventário florestal, ao longo de toda a extensão da mata ciliar do rio Acre em território estadual – ou seja, no trecho compreendido entre os municípios de Porto Acre e Assis Brasil –, numa faixa de dois quilômetros de largura em cada margem do rio. Os resultados do inventário constam de um trabalho de monografia elaborado pela acadêmica Moema Silva Farias e apresentado como requisito final para graduação em Engenharia Florestal pela Universidade Federal do Acre. A monografia computou as 20 espécies florestais que, apresentando maior Índice de Valor de Importância (ivi), são indicadas para a restauração florestal da mata ciliar. O Projeto Ciliar Só-Rio se prepara, agora, para levar a cabo um programa de extensão florestal, a fim de convencer as autoridades dos oito municípios da bacia do rio Acre quanto à urgência em se efetuar a restauração florestal nos trechos onde o desmatamento alcançou níveis críticos. Para tanto, estão sendo elaboradas ferramentas de extensão, que se destinam à divulgação das 20 espécies florestais de maior ivi, bem como à realização de palestras perante as câmaras de vereadores e o Executivo Municipal. Espera-se que, ao final do projeto, os municípios venham a aprovar uma lei específica, definindo a largura da mata ciliar apropriada para cada realidade municipal e o tipo de manejo que poderá ser praticado ali. O trabalho de monografia concluído pela graduada Moema Farias abre um novo horizonte para a realização de estudos com o tema da mata ciliar. Trata-se de uma linha de pesquisa inovadora e de fundamental importância, em vista da grande lacuna de conhecimento em torno do assunto. O estudo da mata ciliar dos rios, sobretudo na Amazônia, é uma tendência da academia; e a Engenharia Florestal da Ufac apresenta sua contribuição.

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associação andiroba www.andiroba.org.br Presidente

Jairo Salim Pinheiro de Lima, PhD. Equipe técnica

Raul Vargas Torrico Domingos Ramos de Assis Elaine Dutrav Editoração, projeto gráfico, diagramação e ilustrações Rayza Mucunã A produção de conteúdo para esta publicação contou com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, por meio de Bolsa de Produtividade em Desenvolvimento Tecnológico e Extensão Inovadora – DT2, concedida ao autor desde março de 2012. Ficha catalográfica Da Amazônia: 100 Artigos / Ecio Rodrigues; Aurisa Paiva Rio Branco: Editora do autor, 2013. 250p; ISBN: 978-85-907253-9-8. 1. Amazônia  2. Extensão Florestal 3. Desenvolvimento Sustentável  4. Artigos. Este livro foi composto nas tipografias Caecilia e Thesis Serif. Seus 400 exemplares foram impressos em papel offset 90 g/m2 e Supremo 250 g/m2 pela Grafitusa em Vitória, Espírito Santo.


ECIO RODRIGUES Vencedor do Prêmio Samuel Benchimol, edição 2008, e do Premio Banco da Amazônia de Empreendedorismo Consciente, edição 2011. Bolsista de Produtividade do CNPq, é autor de cerca de 15 livros sobre vários temas relacionados ao Setor Florestal e à Sustentabilidade na Amazônia. Também escreve para periódicos, já tendo publicado mais de 250 artigos em jornais, revistas e mídia eletrônica. É engenheiro florestal (1987), especialista em Manejo Florestal, com mestrado em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (1994) e doutorado em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (2004). Atualmente, é professor adjunto da Universidade Federal do Acre. Possui larga experiência na área de Políticas Florestais, com ênfase em Manejo Florestal de Uso Múltiplo, Unidade de Conservação e Cluster Florestal. É líder do Grupo de Pesquisa Manejo Florestal de Uso Múltiplo na Amazônia. Ecio Rodrigues & Aurisa Paiva

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Satisfazer as necessidades atuais da humanidade, sem comprometer a capacidade de satisfação das necessidades das futuras gerações. Foi esta a definição que situou o desenvolvimento sustentável no centro das discussões a respeito do compromisso que as pessoas podem assumir hoje, para que seus filhos e netos, as futuras gerações, não sejam privadas de ter casa, comida, carro – e roupa lavada. Desde 2005 que o autor publica artigos semanais, no intuito principalmente de contribuir com a discussão sobre o tema da Sustentabilidade. Um tema complexo, e cuja dificuldade se agrava, em muito, quando diz respeito a uma região bem característica e que chama a atenção do planeta – a Amazônia. 254

Da Amazônia: 100 artigos


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