O BNDES que temos e o que queremos

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O BNDES que temos e o que queremos: o papel do BNDES no financiamento do desenvolvimento nacional democrรกtico



Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais

O BNDES que temos e o que queremos: o papel do BNDES no financiamento do desenvolvimento nacional democrático

1ª edição Editora Expressão Popular São Paulo – 2007


Expediente Copyright © Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais Publicação: Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais Organização do Seminário: IBASE e Rede Brasil Organização da publicação: Fabrina Pontes Furtado Apoio Institucional: Christian Aid, Fundação Ford, Fundação Mott e Oxfam Transcrição: Ana Valeria Holanda da Nobrega Revisão: Daniela Lima e Fabrina Pontes Furtado Capa: Marcos Cartum Diagramação: Maria Rosa Juliani Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) B661 O BNDES que temos e o que queremos : o papel do BNDES no financiamento do desenvolvimento nacional democrático/ organização [de] Fabrina Pontes Furtado –1.ed. — São Paulo : Expressão Popular, 2007. 104 p. : il.

Vários autores Indexado em GeoDados - http://www.geodados.uem.br Textos originalmente apresentados no Seminário IBASE e Rede Brasil, no dia 13 dse julho de 2006 no Rio de Janeiro. ISBN 978-85-7743-035-2

1. Banco Nacional de Desenvolvimento. 2. Bancos - Instituição Financeira. I. Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais. II. Furtado, Fabrina Pontes, org. III. Título. CDD 21.ed. 332.2800981 338.9 Bibliotecária: Eliane M. S. Jovanovich CRB 9/1250

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida sem a autorização da Rede Brasil. 1ª Edição: abril de 2007 Informações: Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais SCS Quadra 08 Ed. Venâncio 2000 BL B-50 salas 415/417 CEP: 70333-970 – Brasília – DF Tel: (61) 3321-6108 Fax (61) 3321-2766 www.rbrasil.org.br Editora Expressão Popular Rua Abolição, 266 – Bela Vista CEP 01319-010 – São Paulo – SP Tel/Fax: (11) 3112-0941 www.expressaopopular.com.br


Sumário

Introdução .................................................................................................... 7 Rede Brasil

Capítulo 1 ................................................................................................... 13 O BNDES que temos e o BNDES que queremos

Capítulo 2 ................................................................................................... 23 O olhar dos movimentos sociais sobre o modelo de desenvolvimento e o papel do BNDES

Capítulo 3 ................................................................................................... 45 A democratização do BNDES

Capítulo 4 ................................................................................................... 53 Estratégias de desenvolvimento

Anexos ....................................................................................................... 91



Introdução

Este livro é resultado de um seminário realizado no dia 13 de julho de 2006 na sede do BNDES, no Rio de Janeiro. Ele fez parte de um processo de diálogo do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) e da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais com este Banco. O seminário contou com a participação de Organizações Não Governamentais (ONGs) – membros e não membros da Rede Brasil –, instituições de pesquisa, lideranças indígenas, movimentos sociais e representantes do BNDES e do governo federal. A Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais é uma rede de ONGs e movimentos sociais que tem como objetivo geral “ser articuladora da sociedade civil brasileira, através de suas representações, para atuarem como sujeitos na elaboração e execução das políticas públicas e no acompanhamento de ações pontuais­ do setor privado, garantindo, principalmente, os interesses da sociedade frente às Instituições Financeiras Multilaterais (IFMs)”. Foi visando este objetivo, que há um ano a Rede passou a incluir o acompanhamento social do BNDES como uma de suas ações prioritárias. Essa decisão foi decorrente da crescente importância do BNDES enquanto agência de financiamento, que induz um determinado tipo de desenvolvimento, muitas vezes em parcerias com bancos multilaterais, realizando inclusive, investimentos em volumes crescentes em países vizinhos. O BNDES, determinado em ser a instituição propulsora da “integração” física sul-americana, por exemplo, já financiou – por meio da contratação de produtos e serviços brasileiros – a construção de dois gasodutos na Argentina, um metrô no Chile, uma hidrelétrica no Equador, uma rodovia no Paraguai e uma hidrelétrica e um metrô na Venezuela, entre outros projetos.

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Considerando que a construção de estratégias de um desenvolvimento nacional democrático e popular e a retomada do crescimento seguem sendo desafios fundamentais para o país, discutir o papel do BNDES nesse processo é fundamental. Essas estratégias precisam passar pela redução das desigualdades de renda, de acesso à terra, de raça, de gênero, de geração e regionais no país. Sendo o Banco o principal agente público de promoção e fomento do desenvolvimento econômico e social no país se torna clara a necessidade de ampliar o diálogo entre o BNDES e a sociedade civil. Esses desafios só podem ser adequadamente enfrentados na medida em que amplos setores da sociedade sejam incluídos na discussão das alternativas existentes. Esse debate torna-se ainda mais importante com a aprovação dos dispositivos na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) 2007 – Emenda nº 02, Emenda nº 04 e Emenda nº 05 – aprovadas com a seguinte redação: “Art. 101. § 7º As agências financeiras oficiais de fomento deverão ainda: II – observar a diretriz de redução das desigualdades de gênero, raça, etnia, geracional, regional e de pessoas com deficiência, na definição da política de aplicação de seus recursos; e III – publicar relatório anual do impacto de suas operações de crédito no combate às desigualdades mencionadas no inciso anterior”. Assim, acreditamos que o Banco possa promover, através de suas ações, o desenvolvimento social de brasileiros/as afro-descendentes, de mulheres e de vários outros grupos sociais atualmente não considerados pelo Banco. A realização de um seminário em que estavam presentes representantes do BNDES­ e da sociedade civil para discutir a ampla questão do desenvolvimento, as opções necessárias e suas conseqüências, constituiu sem dúvida um passo importante nessa direção. A Rede Brasil vêm dialogando com o BNDES, a fim de, em um primeiro momento, conseguir do Banco não só informações sobre projetos financiados, mas também participar na elaboração dos critérios de avaliação dos pedidos de desembolso. Esse processo de diálogo também tem como objetivo, o exercício do controle social desta instituição pública, indo além dos controles formais que ora se realizam. Esses controles não se limitam à área social, mas têm relação com toda a dimensão socioambiental de cada empréstimo do BNDES. Esse não tem sido um diálogo fácil. A Rede Brasil tem insistido, desde a gestão do ex-presidente do Banco, Carlos Lessa, passando pela gestão do ex-presidente Guido Mantega, atual ministro da Fazenda, em algumas pautas mínimas que representantes da Rede acordaram com representantes do Banco, liderados pelo atual diretor da Área Social, Élvio Gaspar. Assim, por ordem legal expressa do presidente do Banco, consignada na Portaria nº 15/2006, foi criado um grupo de trabalho de funcionários do Banco que deveriam, até meados de junho de 2006, ter elaborado, em consulta às organizações da sociedade civil, uma política pública de informação. O prazo inicial de dois meses foi adiado uma vez por igual período, sem que a comissão tivesse apresentado qualquer resultado.

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O Banco também se comprometeu em divulgar no seu sítio eletrônico, a lista dos 10 maiores projetos em cada uma das suas cinco áreas (agropecuária, indústria, infra-estrutura, comércio/serviços e educação/saúde) financiados à iniciativa privada. Isso também não foi cumprido, embora tivesse sido apresentada em reunião no dia 07 de junho de 2006. O Banco suspendeu a sua divulgação e não indicou qualquer data para a sua publicação, mesmo estando suficientemente claro que a exibição pública daquelas informações não contrariava qualquer dispositivo legal. A idéia de organizar o seminário e a publicação foi estimulada por essas circunstâncias. O seminário teve como objetivo geral a promoção de um debate público sobre o papel do BNDES na promoção do desenvolvimento inclusivo, focando nos setores da energia e desenvolvimento rural. Os objetivos específicos foram: 1. Promover um diálogo inédito entre movimentos sociais e BNDES; 2. Dar publicidade ao processo de diálogo da sociedade civil com o BNDES na construção de uma Política de Informação Pública; 3. Sensibilizar o conjunto do corpo funcional do BNDES sobre a importância da instituição abrir espaços de interlocução com o conjunto da sociedade civil; 4. Contribuir para o debate público quanto às estratégias de desenvolvimento inclusivo. Pela primeira vez, o BNDES ajudou a organizar e participou de um debate público com organizações da sociedade civil e movimentos sociais, tendo como objetivo qualificar a dimensão pública da atuação do Banco em favor de um desenvolvimento cuja centralidade seja socioambiental e não somente econômico-financeiro de forma desigual. O seminário, que para muitos dos presentes deveria se tornar algo sistemático, contemplou, em seu conteúdo, dois eixos estruturantes para o desenvolvimento e, portanto, com claras implicações socioambientais, a saber: o tema da matriz energética e o modelo de desenvolvimento rural. Durante o seminário, foi cobrada uma posição oficial do Banco sobre os problemas socioambientais ocasionados por obras em que a Instituição destinou recursos, como a usina hidrelétrica de Campos Novos, construída na bacia do rio Uruguai, Sul do Brasil. Questionou-se o montante de recursos destinados às empresas de papel e celulose que têm ocasionado imensos danos socioambientais em diversos Estados do Brasil, com a expansão desenfreada deste setor que visa prioritariamente à exportação. Acionista das principais empresas de celulose do país, em 2006 o BNDES investiu cerca de R$ 2 bilhões no setor, 43% a mais do que em 2005 e cerca de 40% do total investido pelo Banco no setor de insumos básicos, que encampa as atividades de mineração, siderurgia, química e petroquímica. Também foi entregue uma carta, com 58 assinaturas de ONGs de diversos países do mundo, questionando o interesse do BNDES em financiar duas hidrelétricas no rio Madeira, no Norte do país. “Entendemos que a decisão de financiar o represamento

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do segundo maior rio da bacia amazônica não deve ser tomada sem que cuidadosas análises dos impactos diretos e indiretos da obra – como o impulso definitivo para o desmatamento da Amazônia Ocidental” dizia uma parte dessa carta. Além disso, pleiteou-se que a nova diretoria do Banco fizesse valer a portaria que determina a instituição pelo Banco de uma política pública de informação – o prazo para isso expirou em junho de 2006. No que toca ao formato do seminário, houve a combinação de falas dos movimentos sociais, que revelam a luta das populações diretamente prejudicadas pelo padrão de desenvolvimento dominante nestas áreas, com falas de técnicos próximos aos movimentos sociais e do próprio BNDES, no sentido de aprofundar as alternativas e propostas levantadas pelos movimentos sociais. Durante o seminário foi reafirmado que o BNDES precisa continuar a ser um banco público, destinado a financiar o desenvolvimento nacional de forma democrática. A sociedade civil não abre mão do Banco e exatamente por se opor àqueles que desejam privatizar seus fundos, quer que essa instituição passe a considerar as opiniões de legítimas organizações da sociedade brasileira ao definir seus critérios de financiamento. Outra questão que ficou clara durante o seminário foi a disposição e capacidade das organizações e dos movimentos em favor de um diálogo propositivo com o Banco. Para as organizações e movimentos presentes é fundamental que o Banco se oriente para além de um desempenho meramente financeiro, levando em conta efetivamente seu poder de indução de um outro desenvolvimento que contribua para diminuir disparidades e injustiças regionais, de renda, de acesso à terra, de gênero, de geração e de raça e etnia. As falas dos representantes da sociedade civil, ao mesmo tempo críticas e propositivas, também apontaram que o BNDES precisa, urgentemente, corrigir seus rumos para evitar inviabilizar-se politicamente enquanto banco público. Em verdade, ele se privatiza quando, entre outras ações, mantém o critério do desembolso como único indicador de desempenho. Assim, ele busca desfazer-se de seu crescente orçamento e dá pouca atenção ao fato de que , exatamente por adotar critérios insuficientes de avaliação socioambiental de seus desembolsos, beneficia sempre os mesmos megagrupos, favorecendo um padrão concentrador e predatório de desenvolvimento. Não é demasiado destacar que o Banco tem-se orientado por uma lógica prioritariamente financeira, que destoa das razões que justificaram a sua fundação. As organizações e movimentos presentes ao seminário se dispõem a colaborar para reverter esse quadro. A presença do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e da Rede Alerta Contra o Deserto Verde demonstrou, sem espaço para dúvida, que há um claro sentido de responsabilidade pública daqueles que lutam por um Brasil justo. O formato escolhido para esta publicação foi o de transcrever e editar as falas e debates das quatro mesas realizadas durante o seminário. A primeira mesa, de aber-

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tura (capítulo 1), procurou contextualizar a proposta do seminário e a expectativa das principais entidades envolvidas – Ibase, Rede Brasil e BNDES. A mesa 2 (capítulo 2) apresentou a perspectiva dos movimentos sociais em relação ao atual modelo de desenvolvimento e o papel do BNDES. Participaram dessa mesa o MAB, MST e o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), membros da coordenação da Rede Alerta contra o Deserto Verde. Essa mesa buscou ainda apontar para uma outra atuação do Banco na promoção de outras estratégias de desenvolvimento. A mesa 3 (capítulo 3) discutiu o processo de democratização do BNDES, contando com a participação de uma representante da Rede Brasil, integrante do grupo de diálogo com o Banco, a assessora do diretor da área de inclusão social e crédito – principal interlocutor por parte do Banco – e o presidente da Associação de Funcionários do BNDES. Para terminar, a última mesa (capítulo 4) discutiu estratégias de desenvolvimento na área energética e na agroindústria e a política de meio ambiente do Banco com representantes da sociedade civil (academia e ONG) e BNDES. Esperamos que os debates que surgiram durante o seminário possam ter estimulado uma maior compreensão dos funcionários do Banco em relação à importância do controle social e da transparência como também ter despertado, nas organizações da sociedade civil e movimentos sociais, a necessidade de construir estratégias coletivas de intervenção nas políticas do BNDES. Esperamos também que o seminário tenha contribuído para conclamar o corpo diretivo e funcional do BNDES que assumam conosco a responsabilidade pela construção de outros projetos de desenvolvimento para um país baseado na justiça socioambiental, na garantia dos direitos humanos e no fortalecimento das instituições democráticas, a fim de que tenhamos um país melhor para esta e para as gerações futuras de brasileiros e brasileiras. Este é o nosso compromisso e temos a certeza de que é também de muitos dos que integram o BNDES. Agradecemos muito a todos e a todas os/as palestrantes que participaram dos debates que contribuíram para fortalecer esse processo de diálogo sociedade civil BNDES.

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Capítulo 1 O BNDES que temos e o BNDES que queremos

Magnólia Said – Coordenadora da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais/Esplar João Sucupira – Diretor do Ibase Elvio Gaspar – Diretor da Área de Inclusão Social e Crédito do BNDES

João Sucupira – Ibase

Quero dar as boas vindas em nome do Ibase e da Rede Brasil e falar da satisfação que temos de estar aqui nesse evento. Minha fala será breve. Inicialmente farei alguns comentários sobre o significado desse seminário, contarei um pouco da história de como chegamos até aqui e também vou dizer o que este evento pretende já que o nome do seminário é: o BNDES que nós temos e o BNDES que nós queremos. Este evento é muito importante; é o primeiro seminário em que a sociedade civil e o Banco sentam juntos para discutir, para iniciar um diálogo. Portanto, esse não é um evento qualquer. O objetivo maior é discutir políticas de financiamento, questionar critérios utilizados pelo Banco para a liberação de empréstimos. Claro que o objetivo é ter um Brasil mais justo, um país com desenvolvimento para todos e isto somente será possível quando pudermos aprofundar o diálogo entre sociedade civil e órgãos governamentais como o BNDES. É nesse sentido que podemos dizer que este seminário é estratégico. O presente seminário se insere em um momento muito importante para todos nós. Estamos aqui consolidando mais uma etapa de um processo. Na verdade a Rede Brasil começou a discutir o papel do Banco em 2004. Em 2005, o Ibase iniciou um projeto, apoiado pela Fundação Ford, visando exatamente à transparência das ações do Banco, procurando criar as condições para esse diálogo entre sociedade civil e o BNDES. Nessa trajetória, já conseguimos dar alguns passos importantes, relevantes até para termos uma idéia do que se pode esperar para o futuro. Depois de vários meses mantendo conversas com representantes do BNDES, conseguimos – no final do ano passado, sensibilizar a direção do Banco que assinou uma portaria da maior

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relevância. Esta portaria cria um grupo de trabalho composto por funcionários do Banco para debater com a sociedade. Faço até questão de ler dois pontos que compõem as justificativas da criação do grupo de trabalho, que são realmente a essência do que estamos pensando com este diálogo. O presidente do Banco, na época, o Guido Mantega, resolve criar essa comissão, esse grupo de trabalho, fazendo os seguintes considerandos: “o BNDES, como instituição pública, ao aprimorar os mecanismos de acompanhamento de suas ações pela sociedade, fortalece também a democracia, na medida em que favorece o controle social e a participação da sociedade”. Quer dizer, considera o controle social, a participação, como essencial para a democracia. E o segundo, tão importante também, diz que “considerando que a boa prática gerencial ensina que a preparação e a disponibilização para o acesso de informações racionaliza o trabalho do Banco, trabalha a favor da melhoria do seu desempenho operacional, aumenta a confiabilidade e a presteza dos serviços prestados”. Ora, está no “DNA” deste grupo de trabalho, criado pelo próprio Banco, o controle social. E é justamente isso que nós queremos. Agora, sabemos que isso não se dá de uma hora para outra. Não temos essa pretensão de que isso venha a acontecer a curtíssimo prazo. Uma decisão do presidente e tudo está resolvido. Trata-se de decisão política sim, mas também de uma mudança de cultura organizacional, de uma mudança de postura. Passa claro, por uma decisão política, uma portaria assinada pelo presidente, mas é preciso vários outros passos. Um deles é esse evento que estamos promovendo. Nós vamos discutir a política de desenvolvimento que queremos e, para isso, trouxemos aqui os movimentos sociais, profissionais do BNDES, pessoas capacitadas em campos específicos para discutir um novo modelo de desenvolvimento. Quero salientar que isso é um processo, uma história de diálogo a ser construído, estratégico para alcançar um futuro melhor. Tive a oportunidade de trabalhar em uma associação de bancos de desenvolvimento que existe até hoje, a ABDE (Associação Brasileira de Bancos de Desenvolvimento). Naquela época, no final dos anos de 1970 e início dos anos de 1980, tínhamos no Brasil cerca de 20 bancos de desenvolvimento. Havia bancos de desenvolvimento em todos os Estados, além dos regionais. E a maioria deles já não existe mais. Desapareceram por um motivo muito simples: inexistência de controle social. É claro que havia a consciência da importância dos bancos de desenvolvimento, mas a falta de participação da sociedade no controle desses instrumentos fez com que eles se prestassem para a corrupção. Foram mal utilizados. Ao invés de dar conta de fazer bom uso deles preferiu-se elimina-los. Nós tínhamos uma estrutura de bancos de desenvolvimento que poderia ter sido preservada caso houvesse controle social sobre suas atividades. Esse banco do qual estamos tratando nesse seminário, o BNDES, não é um banco qualquer. Estamos falando do principal indutor do desenvolvimento de nossa história. E que desenvolvimento alcança? É óbvio que o BNDES não é o culpado da

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nossa realidade injusta e nem se trata de “jogar pedra” ou lamentar o desempenho do Banco nessas décadas. Mas, chamar atenção de que este banco é fundamental na construção de um outro país mais justo. Para terminar, quero destacar que estamos discutindo a questão do desenvolvimento e qual BNDES nos interessa efetivamente. Nesse sentido, alguns pontos devem ser explorados. Primeiro, a questão da transparência das políticas desse banco. Ora, se o Banco tem políticas é preciso que sejam percebidas pela sociedade para que se possa atuar em prol da melhoria dessas políticas e com isso obter maior efetividade. O controle social não é uma mera questão de restrição, de colocar dificuldades para o financiamento, mas de fazer dos financiamentos algo realmente importante em termos de desenvolvimento do país. Um outro ponto importante são os critérios. É preciso discutir que critérios a gente quer para dar suporte aos financiamentos que o Banco faz. Finalmente, deixo uma mensagem muito clara de otimismo. Precisamos apostar no BNDES, nesse diálogo que estamos construindo com a sociedade, pois certamente será a saída para um desenvolvimento mais justo. Apesar de todos os avanços e recuos que a gente vem observando, temos claro que cidadania e desenvolvimento não são coisas separáveis, são faces da mesma moeda. Só vamos conseguir transformar esse país se tivermos um banco desse porte, de 47 bilhões de reais em financiamentos, sendo controlado, não no sentido de coloca-lo sobre rédeas curtas, mas de ser passível de controle social, para que sua atuação seja realmente efetiva.

Magnólia Saíd – Rede Brasil

Em nome da Rede Brasil, faço meus os agradecimentos ao Élvio por estar aqui conosco e às pessoas presentes, que devem estar curiosas para saber o que o BNDES anda fazendo por aí, não é? Estou representando uma Rede que existe desde 1995 – a Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais que articula movimentos, sindicatos, ONGs e outras Redes com o objetivo de monitorar os bancos multilaterais como o Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o FMI. Desde o ano de 2003 começamos a monitorar o BNDES em função de sua atuação transnacional. Assim, gostaria de iniciar, nos situando nesse contexto: Existe o mundo do mercado onde instituições como o BNDES atua e existe o mundo real onde as conseqüências da atuação dessas instituições se dão. Nesse mundo real existe gente morrendo a todo instante; basta um estalar de dedos e já morreu uma pessoa. Nesse mundo real a indigência está recrudescendo, as relações estáveis de trabalho estão precarizadas, a violência já está se transformando em barbárie. Mas em meio a essa situação, existem pessoas que estão se organizando, estão produzindo, estão pressionando e dialogando que é o que estamos dando seqüência hoje aqui. Temos uma intenção com esse diálogo: acabar com o mito de que nós, organizações da sociedade civil somos avessos ao diálogo. Queremos romper com isso, porque estamos acreditando que existe uma abertura do Banco, não ape-

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nas para nos ouvir, mas também para operar modificações na sua política. É o que esperamos a partir do seguimento desse diálogo. Estamos querendo discutir questões ligadas à informação, questões ligadas à transparência, questões ligadas às diretrizes, aos critérios que o Banco estabelece para o financiamento. Questões ligadas à aprovação de projetos e ao controle social Queremos também confrontar dados como, por exemplo, o que é que está acontecendo ou o que pode acontecer a partir dos projetos financiados pelo Banco hoje. Saber, por exemplo, o significado que tem para as populações, o Banco destinar em 2004, 53,4% para projetos no Sudeste e 4,9% para projetos no Norte e, no mesmo ano, destinar 15,78 bilhões para a indústria num total desembolsado de 40 bilhões e apenas 0,29 bilhões para educação e saúde. Em 2005 o BNDES desembolsou 23,10 bilhões para a indústria, 4,5 bilhões para a agropecuária e apenas 141 milhões para a saúde. Esse ano o Banco disponibilizou uma carteira de projetos de 60 bilhões de reais e já se pode ver claramente no que está sendo investido. A perspectiva econômica é flagrantemente dissociada da perspectiva social, a partir dos projetos que o Banco vem financiando. Na semana passada foi aprovada na Comissão Mista de Orçamento uma Emenda à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2007 que estabelece que as agências financeiras oficiais de fomento devem observar a diretriz de redução das desigualdades de gênero, de raça, geracionais, regionais e de pessoas com deficiência, na definição da política de aplicação de seus recursos. Isso é fundamental. Ela diz também, que essas agências de fomento deverão publicar anualmente o impacto das suas operações de crédito no combate a essas desigualdades. Então a pergunta é: o que o BNDES fará para cumprir a lei, se até então, esses direitos que acabei de indicar não foram considerados nos projetos aprovados pelo Banco? É aí que entra a necessidade do diálogo. Queremos um diálogo sobre o significado que tem, por exemplo, para uma proposta de integração latino-americana que pretende fomentar o desenvolvimento interno dos países, o fato do BNDES subordinar o apoio a projetos de infra-estrutura nos países, à utilização de bens e serviços de empresas brasileiras. Nós queremos, portanto, um diálogo sincero onde essa política seja exposta, onde se possa discutir os financiamentos do Banco para as transnacionais de sementes, como por exemplo, a Cargill, a Maggi, a Aracruz que se beneficiam da monocultura da soja, da celulose e da transgenia. Onde possa ser discutido por que os desembolsos vão sempre para as mesmas empresas, como a Odebrecht, a Queiroz Galvão e a Camargo Correia, em projetos de infra-estrutura no continente, tendo em vista que sobre essas empresas, em especial, pesam várias denúncias de má conduta de toda ordem que não nos cabe agora enumerar. Os movimentos aqui presentes irão tratar melhor disso. Queremos discutir também os desembolsos para a carcinicultura no Nordeste cujas empresas beneficiadas estão destruindo o ecossistema mais complexo desse planeta que é o manguezal. Queremos discutir que condições de sustentabilidade o Banco tem estabelecido para os projetos

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que apóia. Que códigos de conduta o Banco firma com essas empresas tomadoras de empréstimos, principalmente quando se trata da sua ação internacional. Pois o que temos visto e ouvido de pessoas de outros países são denúncias de impactos negativos sobre populações e territórios atingidos por projetos na área de energia, na área de infra-estrutura, na área de turismo financiados pelo BNDES. Recentemente, foi denunciado um vazamento enorme na estrutura da barragem de Campos Novos em Santa Catarina, divulgado nos jornais inclusive. O Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB e a Rede Brasil vinham, desde outubro de 2005, exigindo das empresas e das autoridades sem sucesso, informações sobre o grave vazamento existente nas comportas. No dia 19 de junho, o túnel de desvio do rio rompeu, esvaziando toda a barragem e colocando a população da região em risco. O consórcio Enercan (do qual fazem parte a Companhia Paulista de Força e Luz, que tem como acionistas o grupo VBC, Votorantim, Banco Bradesco, Camargo Correa e a Companhia Brasileira de Alumínio) que é responsável pela construção da usina, além de ser responsável por esse problema, continua negando os direitos dos atingidos, direitos esses reconhecidos pelo órgão ambiental local – Fatma. Vocês não têm idéia do desespero das pessoas que habitam a região nesse processo todo. E a Enercan, desde o princípio da construção dessa obra foi pródiga em atitudes contrárias às populações. Maus tratos, intimidação das famílias que moram na região e irresponsabilidade principalmente com o meio ambiente. Ela inclusive, iniciou o enchimento do reservatório, antes da concessão da Licença Ambiental de Operação. E essa barragem foi construída com o dinheiro do BNDES. Onde fica então a responsabilidade social e ambiental do Banco frente aos impactos que já têm sido gerados pela construção dessa usina? Que exigências o Banco fez quando apoiou o consórcio Enercan? Se formos averiguar as outras obras que o Banco tem financiado tanto no Brasil como em outros países, muitas delas têm provocado, em função dos seus impactos, reações da sociedade civil, por ferirem direitos sociais e direitos ambientais, principalmente. Um outro exemplo do descaso no campo dos direitos é o Complexo do rio Madeira – pela dimensão que ele tem, por ser uma obra de grande porte que envolve mais de um país (além do Brasil envolve Bolívia e Peru). O projeto tem um custo estimado de 20 bilhões, que não é o custo real, pois tende a se ampliar durante a implementação do projeto. Isso é confirmado por outras experiências que o país já tem vivido. Existe a proposta de construção desse complexo, existe toda uma mobilização nacional na região e internacionalmente com relação aos problemas que podem decorrer dessa obra. Existem pesquisas, análises sobre o projeto mostrando impactos ambientais, sociais e econômicos que poderiam inviabilizar a obra. Quer dizer, se existem todos esses problemas, é porque tem alguma coisa errada aí! Então o Banco não pode fechar os olhos a isso. E aí a pergunta é: pode ser diferente? Nós achamos que sim. Uma iniciativa muito simples que o Banco poderia ter, como primeiro passo, era cumprir o que determina o seu documento de política. Seu documento de política e diretrizes, que considera fundamental a observância de princípios ético-ambientais na concessão de crédito.

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E o segundo passo também é bem fácil: atender à demanda que estamos explicitando em uma carta a ser entregue pessoalmente ao Banco, após esta sessão. Para finalizar, tendo em vista a dimensão de todos os problemas, tendo em vista a necessidade de um diálogo que interessa a todos e todas aqui presentes e às populações que são impactadas por esse projeto, acho que o Banco deve considerar que, pela primeira vez existe um rol de questões melhor objetivadas a serem discutidas. Essa é a nossa disposição. Espero que seja também a do Banco.

Élvio Gaspar – BNDES

Em primeiro lugar, queria dizer que é uma alegria receber todos vocês aqui no BNDES. O Banco tem-se aberto cada vez mais a essa discussão por causa da sua riqueza e porque acreditamos que a transparência é uma questão importante na democracia! Acredito que estamos fazendo um diálogo entre pessoas que querem um desenvolvimento igualitário, produzido por boas políticas. Um crescimento produzido por boas políticas, se contrapõe àquele dos liberais, que querem que os recursos transferidos para o BNDES pela sociedade, sejam transferidos para os bancos privados! Se isso ocorrer esses bancos privados irão utilizar os recursos para outros fins. Assim, a principal questão desse processo é que esse diálogo ocorre entre pessoas, organizações, entre uma parcela da sociedade que quer construir um determinado tipo de país e, por conta disso, é um diálogo que certamente é profícuo. Por mais que divirjamos em alguns momentos, por mais que haja uma dificuldade cultural da instituição, existem alguns avanços que poderíamos dar com mais facilidade. Por tudo isso, ainda acredito que os obstáculos serão superados em função dessa unicidade de propósitos, dessa identidade de projeto. O BNDES é um banco de desenvolvimento econômico e social e posto que promove o desenvolvimento, as grandes empresas são os principais clientes por serem capazes de fazer grandes projetos. Não há preconceito no Banco. Por outro lado, temos construído políticas para que este desenvolvimento não seja de crescimento somente, mas que produza distribuição de renda, que produza uma apropriação maior por parte da sociedade dos frutos desse desenvolvimento. Esse é nosso grande desafio. O desafio também é fazer isso de forma permanente e sustentável do ponto de vista ambiental. Tenho certeza que os ouvidos que me ouvem concordam com este conceito e concordando existe a possibilidade do diálogo, a possibilidade de construir essa política. Por isso é importante ouvir o Sucupira dizer que por parte dos movimentos sociais também há uma percepção muito positiva do que o Banco tem feito. Isso significa que os movimentos sociais conseguem se aproximar do BNDES, conseguem ouvilo e também influenciá-lo. Na verdade o que foi feito neste último ano em termos de diálogo já vem influenciando o Banco. As informações do Banco disponibilizadas na internet se ampliaram enormemente, a constituição do grupo de trabalho que faz essa interlocução é um espaço real de recebimento pelo Banco de contribuições e

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essas contribuições têm sido transmitidas para dentro do Banco, ou seja, até esse momento estamos ganhando. Trata-se de processos; até esse momento conseguimos conquistar espaço e voz. Às vezes ficamos frustrados com o tom de algumas intervenções, mas no modo geral o desejo da sociedade de participar é bem recebido. O que estamos construindo não é para o curto prazo, percebível por esta ou a próxima eleição. O que estamos tentando construir é a possibilidade de uma instituição pública dessa dimensão, dessa magnitude, conseguir produzir transparência, abertura para a sociedade, e que ela de fato, opere no sentido e no desejo dessa mesma sociedade. Isso não se refere apenas aos Conselhos do Banco – no Conselho de Administração, por exemplo, já participam o empresariado, sindicatos, a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT) e o próprio governo – mas muito mais que isso. Queremos construir uma democratização do Banco muito mais ampla e muito mais aberta. Esse avanço que estamos produzindo juntos não se faz de uma hora para outra, é de longo prazo, é um avanço que a sociedade brasileira como um todo vai ver. No entanto, é muito difícil imaginar que o BNDES sozinho construa essa interlocução, transparência e democracia, de forma isolada do governo federal, estaduais e municipais. O Banco pode ser a ponta de lança, mas possivelmente vai esbarrar no limite do crescimento dessa democracia, dessa forma de participação da sociedade junto aos seus órgãos públicos, por causa do traço cultural da sociedade brasileira. Ou seja, o avanço precisa ser construído de forma coletiva. A sociedade toda tem que avançar para que o Banco possa construir um ambiente mais democrático possível. Entendo que o papel do BNDES nesse seminário é ouvir o que a sociedade quer discutir e processar isso internamente para podermos avançar juntos. Na verdade minha fala teria o foco nos temas que já mencionei, mas instigado pelos dois discursos prévios gostaria de complementar com mais alguns pontos. O BNDES opera em duas grandes áreas: no desenvolvimento econômico através da infra-estrutura, bens de capital e inserção internacional e também no desenvolvimento social e ambiental. Vou me ater a essa segunda parte para dizer, principalmente, que o Banco tem feito um esforço grande para ampliar sua ação social. No entanto, o BNDES não é substituto do Ministério da Saúde e do Ministério da Educação. Educação se faz com dinheiro público na veia, não por empréstimos, que é o que o BNDES faz. Não é possível comparar os investimentos em saúde do Banco com os do Ministério, até porque os empréstimos são feitos para agentes privados. Por exemplo, a sociedade precisa de hospitais; esses hospitais têm que ser financiados com dinheiro público, com investimentos orçamentários não reembolsados, com recursos distribuí­ dos diretamente na sociedade através de um serviço público e não através de um empréstimo a um agente privado. Assim sendo, o que o BNDES faz em saúde e educação certamente será marginal em relação à necessidade da sociedade. O papel que o poder público tem em relação à saúde e educação, tem que ser feito através dos seus ministérios, da sua ação governamental. Essa é a principal questão.

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O BNDES tem uma presença fortíssima na economia brasileira; os empréstimos do Banco representam quase 20% de todo o crédito do país. Os liberais estão sempre criticando o BNDES e os créditos direcionados, como o FGTS para habitação, porque querem esse recurso – que não é desprezível sendo 32% de todo o crédito do país – para somar ao crédito livre que já operam. Usam os mais diversos argumentos, como por exemplo, que isso atrapalha a diminuição da taxa de juros. Fazem um discurso grande porque de fato é um poder real extraordinário. No caso de desenvolvimento regional, queria destacar que de fato o Sudeste recebe o maior número de investimentos. Isso decorre da existência dos grandes conglomerados, das micro e pequenas empresas naquela região – 44% das micro e pequenas empresas industriais do país estão em São Paulo. Não tem jeito! Se a intenção for emprestar para todas as micro, pequenas e médias empresas do país, 44% estão em São Paulo. Desta forma, como fazer para distribuir esse crescimento no território? Tem que fazer uma ação coordenada para que as outras empresas sejam incentivadas a investir e a se instalarem. Uma outra ação importante realizada pelo BNDES se dá na área de inovação que representa um caminho estratégico. Essa área envolve recursos não reembolsáveis do Banco na construção de soluções dos grandes problemas relacionados à inovação. O Banco está focando em três setores que já recebem recursos; setores através dos quais, o país pode avançar e conseguir construir seu futuro baseado em uma posição autônoma e ativa. O primeiro setor é o de energia renovável. O potencial deste setor no Brasil é extraordinariamente positivo, podendo nos posicionar muito bem em relação ao mundo todo, principalmente no caso do etanol. 800 milhões de litros por ano: este será o tamanho do novo mercado de combustível do Brasil – o biodiesel. A legislação estabelece a adição de 2% de biodiesel no diesel o que cria um mercado certo de, pelo menos, 800 milhões de litros do combustível em 2008. O BNDES acabou de aprovar um projeto de biodiesel de produção de 500 milhões de litros, o que significa que o Banco sozinho já está financiando a produção de 500 milhões de litros, ou seja, vamos rapidamente chegar aos 800 milhões por ano necessário para atingir os 2% de biodiesel no diesel. Um segundo foco de atuação na área de inovação é na construção de soluções biotecnológicas voltadas para o desenvolvimento da agropecuária brasileira. O terceiro setor é de construção de soluções tecnológicas para medicamentos e insumos para a cura de doenças negligenciadas e fármacos obtidos por biotecnologias avançadas. Esses são setores onde há um grande deficit brasileiro vergonhoso e o BNDES está construindo a possibilidade de melhorar essa atuação superando as dificuldades. Essa inovação é fundamental e nos leva na direção do questionamento em relação ao papel do BNDES. O BNDES serve para construir um crescimento que seja distribuído, que seja apropriado pelas pessoas. Para isso, a questão do emprego é crucial. O Banco fez uma pesquisa a partir dos dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) e percebeu que as empresas apoiadas pelo

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BNDES apresentam crescimento do emprego formal muito maior (26%) do que as não apoiadas. Com a mesma mostra observamos que as empresas não apoiadas perderam três empregos – essa é média brasileira – durante o período analisado considerando as crises econômicas. As apoiadas, no entanto, produziram 23 empregos. Isso mostra que a nossa ação como banco, como instituição de desenvolvimento tem sido eficaz na geração de emprego que é o objetivo dos recursos vindos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Para concluir, é importante mencionar que o Banco está aqui para ouvir as informações, críticas e sugestões que são bem vindas! Digo e reafirmo isso no sentido de que estamos dialogando com pessoas e setores da sociedade que querem construir uma sociedade mais justa. Desta forma, esse é um ambiente culturalmente positivo para a construção de uma política conjunta. O Banco já tem feito bastante, embora reconhecendo que ainda é insuficiente. Por isso toda contribuição será bem recebida e produzirá melhores políticas do BNDES. Certamente esse diálogo fará com que o BNDES se torne cada vez mais um banco que atenda os interesses legítimos da sociedade brasileira.

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Capítulo 2 O olhar dos movimentos sociais sobre o modelo de desenvolvimento e o papel do BNDES Valmir José – Movimento dos Pequenos Agricultores/Rede Alerta contra o Deserto Verde Ricardo Montagner – Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) João Paulo Rodrigues – Movimento dos Sem Terra (MST)

Valmir José – MPA/Rede Alerta contra o Deserto Verde

Consideramos a criação desse espaço muito importante para ampliar o debate no sentido de caminharmos de fato rumo à construção de uma sociedade, de um Brasil livre que há mais de 500 anos é o sonho de todos os brasileiros e brasileiras. Esse momento que vivemos no Brasil, é um momento importante de abertura de espaços de diálogo e queremos continuar construindo isso. Quero começar dizendo também que sou um camponês, vivo e moro na roça, é da terra que tiro meu sustento, meu trabalho. Estou aqui, mas a minha companheira está lá na roça exercendo a atividade de camponesa. Orgulho-me muito de pertencer a uma classe social que ainda tem entre 8 milhões a 8,5 milhões de famílias morando na roça. No Brasil, nós camponeses e camponesas somamos mais de 40 milhões de pessoas e produzimos 67% da comida brasileira, a produção que alimenta o povo no seu dia a dia. 47% dessa população camponesa mora no Nordeste brasileiro e nunca foi atendida por nenhum tipo de investimento na questão da agricultura. Esse povo está trabalhando, está produzindo e precisa ser visto com melhor atenção. Se analisarmos os investimentos até hoje, onde foram canalizados e o resultado que isso trouxe, podemos perceber uma situação que no mínimo merece uma grande reflexão. Hoje, com R$ 8.000 a R$ 10.000 é possível gerar um emprego direto na agricultura camponesa. Enquanto isso, na grande empresa de celulose, a Bahia Sul Celulose S.A. construída recentemente e inaugurada em 2005, foi necessário um investimento de R$ 3,75 milhões para gerar um emprego naquela unidade. Então, no mínimo há uma grande diferença. Se parte desses recursos fosse investida na

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agricultura familiar, na pequena empresa, na reforma agrária, com certeza íamos melhorar muito o equilíbrio social no Brasil. Mesmo com todos os investimentos que o BNDES tem feito, o Brasil não conseguiu reduzir as desigualdades sociais. A prova disso é que justamente nas regiões­ onde investiram em grandes projetos que se concentram os grandes bolsões de pobreza. Esse é o caso no Norte de Minas, Sul da Bahia, Norte do Espírito Santo e outras regiões importantes do país. Esses investimentos foram canalizados para setores que de fato não empregam ou empregam muito pouco – principalmente o setor de celulose. Isso, sem considerar os grandes danos ambientais, sociais e culturais que esses grandes investimentos têm provocado na região. Falo isso porque conheço a região e algumas comunidades impactadas por esses grandes projetos. Isso se dá principalmente com os projetos de celulose, cana, extração de mármore e granito que abrangem grande parte do Brasil e que trazem enormes prejuízos. O Brasil precisa refletir sobre esses investimentos. Afinal de contas são recursos públicos pagos com impostos da classe trabalhadora que estão sendo canalizados para um setor que não emprega. Na agricultura camponesa, um hectare de café tem capacidade de gerar um emprego direto. Se for na horticultura, esse número sobe para até três ou quatro empregos. Enquanto que no monocultivo do eucalipto precisamos de 37 hectares para gerar um emprego. Assim, um investimento da indústria de celulose, além de concentrar renda e riqueza vai concentrar, principalmente, a terra. Para que a fábrica de celulose construída no Sul da Bahia – com investimento de mais de um bilhão de reais só por parte do BNDES – entre em operação, ela necessita comprar pelo menos mais de 85 hectares de terra. A empresa vai comprar essa terra de quem? Vai ocupar que terras? São terras quilombolas, terras indígenas, terras passíveis de reforma agrária. São terras especiais para produzir alimentos que estão sendo ocupadas com o monocultivo, que além de não gerar riquezas para o país do ponto de vista do equilíbrio social, serve para atender um mercado externo, o luxo da burguesia internacional. Desta forma qual é a prioridade do Brasil, de fato? É produzir alimento para o povo brasileiro ou para exportar? Percebemos também que onde tem investimento desses grandes projetos há um grande problema ambiental. Isso ocorre principalmente na plantação de eucalipto, na extração de mármore e nas empresas canavieiras. No Espírito Santo, a Aracruz Celulose desviou o canal do rio Doce com 6 m de largura e 4 m de profundidade para abastecer suas três fábricas. Imagine o problema ambiental que isso gera. Isso sem contar que temos relatos de que em alguns municípios no ES, no município de São Mateus, por exemplo, que é um município de maior extensão territorial do Estado, mais de 50 pequenos córregos desapareceram em virtude do plantio em larga escala de eucalipto. No município de Conceição da Barra, no ES, 70 a 75% do município é ocupado por eucalipto – esse é um município onde moravam dezenas de comunidades quilombolas. Na década de 1960, 1970, nessa região havia cerca de 13 mil a

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13,5 mil famílias quilombolas que hoje estão reduzidas a mil e cem famílias. E para onde foram essas famílias? Foram para as favelas das cidades, gerando problemas sociais de todas as naturezas. Então, esses investimentos que foram aplicados neste grande setor, na verdade contribuíram muito pouco ou praticamente nada para melhorar a qualidade de vida dos brasileiros e das brasileiras. Chamamos atenção para isso e acreditamos que, como o Banco está abrindo um diálogo, vai estar sensível a esta questão. Se isso não ocorrer, vamos levar esse Brasil ao caos. Se olharmos para o cerrado brasileiro e a região amazônica, vamos perceber que o monocultivo do eucalipto está entrando a todo vapor. A princípio vem a soja e a pastagem – que são passageiros – e depois vem o grande projeto de fato que é implantar o monocultivo do eucalipto. No início do governo Lula, os movimentos sociais tentaram dialogar com o governo sobre isso, mas muitas vezes foi em vão. As empresas do setor de celulose, no entanto, conseguiram espaço no governo com muita facilidade inclusive aprovando um projeto de ampliação da área plantada de eucalipto no Brasil de seis para onze milhões de hectares em cinco anos. De quem vão ser essas terras? Como é que fica o cerrado brasileiro? Como é que fica a região da mata atlântica? E a região amazônica? Percebemos que isso vai chegar a um nível insuportável e precisamos tomar providências. Quem está falando isso é um camponês, trabalho no cabo da enxada no dia a dia. Mas essa tem que ser uma preocupação de toda a sociedade, principalmente de que tem a responsabilidade de dirigir o Brasil, de dizer para onde vão e para onde não vão os recursos. Precisamos acordar para essa situação. Uma outra questão gravíssima que depois o companheiro João pode abordar melhor, é que nas regiões onde estão esses grandes projetos, grandes investimentos, o Incra tem muita dificuldade de fazer reforma agrária. No Sul da Bahia, no Norte de Minas, no ES e em outras regiões do país o hectare de terra nos últimos três anos supervalorizou. Um hectare de terra que valia de R$ 2.500 a R$ 4.000, passou a valer 7, 8, 10 até R$ 12.000. Isso é porque as empresas, responsáveis pelos grandes projetos, estão pagando. A Aracruz paga isso. Então como é que o Incra vai fazer reforma agrária? Os fazendeiros não são obrigados a vender a terra para o Incra, ele vende para quem oferecer o maior preço. Se a Aracruz tem os recursos, muitas vezes financiados pelo próprio governo, ela vai comprar terra. Isso é preocupante. Assim, temos famílias que estão esperando a posse da terra através da reforma agrária há mais de três anos e é justamente nesse período que a Aracruz Celulose e outras empresas do setor de celulose conseguiram quase dobrar a sua área de plantio de eucalipto. Percebem a grande contradição? E essas são regiões importantes para a produção de alimentos. Enquanto a exportação de soja, rochas, e celulose cresce, começamos a ter uma deficiência interna de produção de alimentos. O Brasil hoje não tem soberania alimentar, não tem estoque de alimento. Qual é de fato o nosso projeto e para onde é que queremos caminhar? Percebemos o que as grandes empresas estão fazendo. Tenho que me referir à Aracruz

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Celulose, pois é uma empresa que controla 375 mil hectares de terra no Brasil, está indo para a região Sul e para o Mato Grosso a todo vapor, está se expandindo e gasta fortunas em propagandas. Quem vê até acha que ela faz um bonito papel mesmo. Mas existem documentários, fotos, filmes, provando que na semana retrasada no município de Linhares, por exemplo, a empresa colocou, durante a noite, dezenas de máquinas para destruir essa região de mata atlântica para ampliar ainda mais alguns hectares do seu plantio de eucalipto. O pior é que a empresa faz isso com recursos muitas vezes do BNDES. A empresa utiliza recursos para destruir e não para gerar emprego. A promessa é gerar emprego, quando compra mais terra, quando constrói mais uma fábrica, mas é exatamente o contrário. Por quê? Para se construir uma nova fábrica precisa comprar mais 80 mil hectares de terra, então vai desalojar mais tantas mil famílias. Há uma grande diferença entre o dito e o feito. Se olharmos o município de onde venho, como está a concentração fundiária e onde a terra está mais distribuída, é possível ver que onde a terra não está tão concentrada nas mãos de algumas empresas e latifúndios, há muito mais qualidade de vida, em todos os aspectos. Isso vale para a área de educação, saúde e principalmente a violência. Nos municípios onde a agricultura é forte, as famílias moram na roça, a cidade está equilibrada, não existem tantos problemas de violência. Por outro lado, nos municípios com grandes projetos, existem problemas sociais de toda a natureza. Há prefeitos no Norte do Espírito Santo e no Norte de Minas Gerais que já falaram que onde vocês jogam um caminhão de lixo, no outro minuto vira uma favela. Em que sociedade estamos vivendo?! Essas pessoas que vivem nas favelas vieram do campo. Em 1964, de cada dez brasileiros e brasileiras, oito moravam na roça. Hoje, de cada dez, apenas dois moram na roça! E o que acontecer daqui a 40 anos? Esse é um problema que não é só dos movimentos sociais. Esse é um problema da sociedade brasileira e do governo que precisa ser resolvido. É importante também chamar atenção para uma outra questão que estamos vivenciando nesse momento que é essa questão do biodiesel. A questão da energia, e do biodiesel mais especificamente, vai estar em todos os debates de agora em diante. Consideramos importante fazer esse debate, mas é fundamental também avaliar e direcionar os recursos para esse setor nacionalmente porque já encontramos empresas vindas de diversas regiões do mundo – da Alemanha e do Japão, por exemplo – indo principalmente para essa região do Sul da Bahia, Minas, ES e Mato Grosso para comprar terra com esse objetivo. Na semana retrasada, chegou um empresário do Japão no município próximo ao município onde moro que se reuniu com um grupo de prefeitos e disse que precisava comprar 27 mil hectares de terra. Para quê? Para plantar mamona, para fazer biodiesel. Vai ser com dinheiro deles ou com dinheiro nosso? E a reforma agrária? E o investimento na produção de alimentos, na agricultura camponesa? A questão do biodiesel é importante se houver controle social, se estiver na mão dos pequenos agricultores porque vai gerar renda, vai gerar riqueza.

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Se estiver na mão da indústria de celulose ou da canavieira, o resultado vai ser outro. Essa é uma situação com a qual precisamos nos preocupar cada vez mais. Assim sendo, precisamos de fato discutir com o BNDES – e acreditamos que o Banco está aberto para isso já que estamos aqui realizando esse debate – algumas questões importantes que precisamos aprofundar e acelerar. Não podemos só ficar aqui na conversa! As coisas precisam ser colocadas em prática. Entendemos que o investimento na agricultura camponesa é fundamental se queremos gerar renda, riqueza e a produção de alimentos de fato. Quando falamos em produção de alimento, estamos falando em produção de alimento que a gente possa comer e não a produção de veneno! Alimento é para comer, não é para matar. O grande latifúndio também produz alimento, mas na maioria das vezes não serve para comer porque está envenenado. Então, temos que discutir que tipo de alimento vamos ter na mesa. Que agricultura vamos fazer. Temos uma responsabilidade de ajudar nisso. A cada dia que passa, mesmo com todas as lutas dos movimentos sociais do Brasil, a concentração fundiária está aumentando. Mesmo com alguns assentamentos que vêm sendo implementados, a concentração fundiária aumenta porque os pequenos agricultores não conseguem sobreviver no campo e de certa forma acabam sendo expulsos por falta de investimentos. Além disso, as grandes empresas, como as do setor de celulose, estão “rendendo” as terras dos pequenos agricultores, que depois vão morar na cidade. Que equilíbrio vamos ter nesses municípios? De fato essa questão de que o Banco precisa se abrir mais, ser mais transparente é importante. Precisamos saber onde e em que o Banco está investindo? Qual é a política de investimento do Banco?

Ricardo Luiz Montagner – MAB

Tentarei, enquanto representante do Movimento de Atingidos por Barragens, colocar a visão do movimento em relação ao atual modelo de desenvolvimento. Esse é um debate que o MAB tem construído com outras organizações da Via Campesina, no sentido de realizar uma avaliação crítica do modelo de desenvolvimento atual e também, nós especificamente do MAB, uma visão crítica do modelo elétrico brasileiro e do modelo de financiamento desse setor. Não é em 20 minutos ou um dia que vamos ter a oportunidade de fazer um debate mais aprofundado sobre a história dos modelos econômicos, mas posso citar alguns tópicos com base na visão do MAB em relação a determinadas ações dos órgãos governamentais e do próprio BNDES. Estamos aqui nessa oportunidade, abertos para o debate esperando que possamos construir propostas e concretizar, de fato, algumas atividades que possam trazer de volta o “S” do BNDES. Isso porque acredito que nos últimos períodos, dentro do atual modelo de desenvolvimento, grande parte ou quase todo o “S” do BNDES vem se perdendo. O Brasil tem passado por vários modelos de desenvolvimento durante sua história de 500 anos. Tivemos um modelo agroexportador baseado na exportação de rique-

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zas do Brasil, principalmente vindos da agropecuária. Tivemos, na década de 1930, o modelo da industrialização que durou até a década de 1980. Durante a década de 1980 o país entrou em um processo de crise de modelo e a partir de 1990 até 2002 tivemos o modelo de desenvolvimento neoliberal. E o que aconteceu nesse modelo de 12 anos que foi de subordinação ao capital financeiro? O Estado se retirou da economia e entregou as melhores e mais lucrativas empresas estatais do país – como, por exemplo, a Companhia Vale do Rio Doce – ao capital privado. O setor elétrico brasileiro, que seria em torno de 15% da riqueza nacional no inicio dos anos de 1990, mudou de dono. E o que aconteceu com o Estado? O Estado passou a ser seqüestrado pelo capital financeiro, nacional e internacional. Dessa forma, desde 1990, além da privatização dessas empresas estatais, o Estado passou a transferir parte dos seus recursos arrecadados na receita federal, dos impostos pagos pela população, para pagar juros aos bancos privados nacionais e internacionais. Esses 12 anos de modelo econômico neoliberal foram um desastre para os brasileiros. Ele representou desemprego, violência, concentração de terra, renda da água e da geração e consumo de energia. Por que da geração? Porque o setor de geração passa a ser privatizado. Concentração do consumo por quê? Porque essa energia gerada serve para industrializar o alumínio, o papel, a celulose, e para quê? Para exportar. E o lucro dessas empresas vai para onde? São remetidos para os seus países de origem. Assim, o lucro não fica aqui no Brasil. Esse é o contexto causado pelos 12 anos do modelo neoliberal. Aí vem o governo Lula, que representava uma esperança de mudança no modelo econômico e no modelo elétrico; mas nada se concretizou! A nossa avaliação do modelo de desenvolvimento e do modelo elétrico brasileiro durante o governo Lula é bem crítica porque se mantiveram os mesmos modelos. Apesar das políticas sociais compensatórias, dentro da estrutura do modelo econômico e elétrico brasileiro, nada mudou. Por quê? Porque o modelo elétrico brasileiro está voltado para a construção de grandes barragens. É isso que está acontecendo no setor elétrico brasileiro que passou a ser privatizado. E o que acontece com a construção dessas grandes barragens? São dois impactos: o impacto social e o ambiental. Na verdade não dá para desvincular o social do ambiental, os dois estão juntos. Mas para tentar explicar, o social mexe com o povo e o ambiental com todos os seres. Qualquer projeto de infra-estrutura que mude o ambiente local, mesmo que haja compensações econômicas, é impossível repor ambiental e socialmente todo o estrago feito com obras dessa envergadura. E os impactos sociais? Quando falo de atingidos por barragem, quem são esses atingidos? Quem é essa população? São comunidades formadas por camponeses, a grande maioria pequeno proprietário. Muitos deles nem proprietários são. É o pescador, o garimpeiro, a comunidade indígena, os quilombolas que são atingidos diretamente com a construção das grandes barragens. Os indiretamente atingidos são os pescadores, os pequenos comerciantes, os professores, aqueles que trabalham com a rota do leite, os que têm sua economia baseada na localização da barragem, que

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com a construção da obra é desmontada. Essas populações ribeirinhas são pessoas pobres, analfabetas, que muitas vezes não têm, nem nunca tiveram acesso à educação formal. Assim, o que acontece em termos de impacto social? A destruição da comunidade, da cultura, do laço familiar, do laço comunitário, porque não há como você repor isso depois da formação de um lago enorme resultante da construção de uma grande barragem. Isso é rompido, é destruído, pois não tem valor econômico. Além disso, quando se vai discutir o reassentamento ou a indenização dessas famílias, muitos desses direitos são negados por esses grandes grupos como Votorantim, Bradesco, Camargo Correia, Alcoa, e CPFL. São essas empresas nacionais aliadas ao capital internacional que estão envolvidas na construção de grandes barragens. São as grandes corporações da indústria das barragens, a empreiteira que constrói, o banco que financia e também as grandes empresas que vendem os equipamentos, que são responsáveis por esses impactos. Para destacar os grandes impactos ambientais, gostaria de citar aqui dois exemplos importantes: as barragens de Campos Novos e de Barra Grande. Essas são duas hidrelétricas que contaram com financiamento do BNDES. Antes de entrar especificamente nessas duas obras, é importante mencionar que tivemos dezenas ou centenas de obras aqui no Brasil com impactos sociais e ambientais irreparáveis. Só para mencionar algumas, temos Tucuruí no Sul de Belém, Balbina no Estado do Amazonas, Aimorése e Cana Brava aqui no Centro-Oeste do país, e a barragem de Manso no Mato Grosso. No caso específico da barragem de Campos Novos, aproximadamente 300 famílias foram expulsas sem nenhum direito reconhecido. Estudo realizado pela Fundação do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina (Fatma), órgão licenciador da barragem, reconhece o direito de mais de 90% dessas famílias. Apesar do estudo comprovando a legitimidade das famílias, o consórcio continua negando os direitos de 250 famílias. O impacto ambiental é a destruição de milhares de florestas nativas de mata atlântica com a formação desses lagos. A hidrelétrica de Barra Grande fica na divisa entre os municípios de Anita Garibaldi em Santa Catarina e Pinhal da Serra no Rio Grande do Sul no rio Pelotas, foi construída pelo consórcio formado pelo grupo VBC, Votorantim, Bradesco e Alcoa. Em relação à questão social, os direitos de 500 famílias foram negados. Em relação à questão ambiental, o Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto Ambiental – EIA/RIMA – foram fraudados! Isso ocorreu porque a empresa Engevix, que fez o estudo dessa obra, não declarou a existência de 5.636 hectares de mata atlântica e os órgãos ambientais seguiram somente o que estava escrito no papel. Não foi feito um estudo de campo concreto, e essa mesma empresa que fez o estudo – o que acontece muito no setor elétrico brasileiro – faz parte do consórcio que construiu a obra. Esse é um exemplo concreto de fraude ambiental na construção das hidrelétricas. Se analisarmos todas as hidrelétricas, descobriremos que isso acontece na maioria dos casos; não é feito um relatório técnico qualificado como deveria ser feito.

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Quando o projeto é enviado ao Banco para financiamento, chega à mão de um técnico que olha o relatório de impacto e não a realidade local. Essas fraudes ocorrem não só com a construção das hidrelétricas, mas sim com todas as grandes obras executadas no país. Isso porque as decisões são políticas, não sociais, não ambientais, e não são do interesse da maioria da população. O desenvolvimento com a construção de uma grande barragem não é local. Dentro do modelo econômico e elétrico do Brasil, não somos beneficiados, enquanto que somos conclamados a pagar a conta social, ambiental e econômica também. Em 2003 o MAB participou de uma audiência com o presidente do BNDES da época, Carlos Lessa, com agricultores já atingidos pela barragem de Campos Novos e um grupo de atingidos de outras regiões do Brasil trazendo denúncias relacionadas aos financiamentos das barragens. É importante mencionar isso porque desde o início da construção, alertamos, não só o BNDES, mas também o Ministério de Minas e Energia (MME) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), sobre os problemas relacionados à construção da barragem de Campos Novos e a prática do consórcio formado pelo Bradesco, Votorantim, Camargo Correia e outras empresas associadas. Algumas dessas outras empresas são estatais embora com o mínimo de capital acionário. Às vezes são sócias também, mas nesse caso não têm o poder de decisão. É assim que os consórcios são compostos. Observa-se que não aparece o nome do Bradesco, da Votorantim ou da Camargo Correia; aparece o nome da Enercan. No entanto, desde o início, o MME e o BNDES ignoraram as denúncias apresentadas pelo MAB. Conseqüentemente, 250 famílias tiveram seus direitos negados. O BNDES financiou Campos Novos com R$ 619 milhões e o BID com R$ 300 milhões. Além do impacto social ou ambiental houve uma grande falha técnica na construção da barragem de Campos Novos. O MAB denunciou as irregularidades na construção da usina como o fechamento das comportas sem autorização da Fatma, o início de enchimento do lago durante a noite, sem aviso à população – o que é proibido por lei – e o fechamento da barragem até a resolução dos problemas socioambientais em outubro de 2005. Nesse período houve uma grande precipitação de chuva no Sul, na região da bacia do rio Canoas o que resultou no enchimento do reservatório em poucos dias e a formação do lago da barragem de Campos Novos. A obra depois foi fechada com a ocupação dos atingidos pela barragem. Como resultado dessa ocupação, mais de 10 agricultores foram presos e 30 estão respondendo a um processo porque pararam a obra que estava sendo construída quando estavam apenas reivindicando seus direitos. Na região da bacia do rio Uruguai no geral, 107 pessoas estão sendo processadas. Em outubro de 2005, começou um vazamento na hidrelétrica porque estouraram os túneis de desvio do rio que foram feitos depois do lago cheio. No entanto, só no mês de julho o problema se tornou público por causa do agravamento da situação – em poucos dias a barragem ficou vazia. A barragem encheu em outubro de 2005

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e agora está vazia. Quem é que está pagando essa conta econômica? Quem é que vai pagar a conta social das 250 famílias que estão tendo seus direitos negados pela empresa? Quem é que vai pagar esse desequilíbrio social e ambiental? Como o lago foi formado às pressas nem toda a vegetação foi retirada do local. Essa é a realidade da construção das grandes barragens. Precisamos construir um projeto de nação que seja sustentável. Precisamos construir um modelo elétrico à serviço deste projeto de desenvolvimento socialmente justo com distribuição de renda, terra e da riqueza para todos, com acesso ao trabalho. Entendemos que a água e a energia são bens públicos, são patrimônios do povo. Entendemos também que o BNDES deve cumprir o seu papel na construção desse projeto de desenvolvimento que queremos porque hoje, o Banco está mantendo o modelo de desenvolvimento que tanto criticamos. Esse é um modelo de exclusão social, de concentração da terra, de renda e de riqueza que gera um aumento da violência. Assim, entendemos que o papel do BNDES é financiar o projeto de desenvolvimento que queremos e que deve ser construído por todos nós. A decisão é política e a nossa participação nesse processo é fundamental para fazer com que o BNDES volte a cumprir a sua função social. A vida das pessoas deve estar acima de tudo. Que o respeito ao ser humano e o acesso ao trabalho – mínimas condições de sobrevivência da população – sejam colocados em primeiro lugar. No momento, as empresas estão dominando os rios, a água, e a geração e consumo de energia elétrica no Brasil. Nosso grande questionamento é que dentro desse modelo econômico e elétrico, não há alternativa suficiente para atender a demanda de energia elétrica no país. Isso não é só uma questão de discutir as outras energias como o biodiesel, porque como a energia elétrica nossos recursos em geral estão sendo apropriados pelos grandes países consumidores de alumínio, ferro, aço; os grandes países industrializados. Os movimentos sociais que lutam contra isso estão sendo criminalizados. Nós que somos do RS passamos por uma tortura com as reações à ação das companheiras da Via Campesina contra a Aracruz Celulose que tem um financiamento de quase R$ 300 milhões do BNDES para se instalar na região. Sofremos uma tortura da mídia, da justiça e da polícia no sentido de que não podíamos sair pela cidade, ou ser vistos como Via Campesina ou movimento social. Ainda estamos pagando o preço dessa situação porque há uma visão de que somos os grandes baderneiros enquanto somos os que lutamos em defesa do direito à vida e o acesso ao trabalho. Hoje quem faz isso no Brasil é criminalizado. Os movimentos sociais estão enfrentando uma grande onda de criminalização, principalmente os atingidos por barragem quando enfrentam essas grandes empresas. Entendemos que a energia é uma estratégia para qualquer modelo de desenvolvimento. Hoje ela está a serviço do capital e o BNDES tem um papel nisso quando financia quase todas as barragens no Brasil – entre 350 a 400 hidrelétricas. O novo plano do setor elétrico vem para arrasar todos os rios e todas as regiões do Brasil que

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tem potencial de gerar energia elétrica porque, por trás disso também está o interesse do primeiro mundo, das empresas transnacionais que nos seus países de origem não podem mais construir hidrelétricas por falta de espaço. O Brasil está sendo a grande menina dos olhos de ouro para gerar energia elétrica através da construção das barragens. Assim, do Norte ao Sul, em todas as regiões do Brasil, é isso que teremos pela frente, muito enfrentamento com esses consórcios. Precisamos dar as mãos para poder contrapor o atual modelo econômico que está criando cada vez mais exclusão social do povo brasileiro.

João Paulo Rodrigues – MST

Este evento é muito importante por dar oportunidade ao movimento social debater dentro do espaço do BNDES, considerando que a maioria das vezes ele fica na frente do prédio fazendo debates, manifestações contra a privatização ou por algum outro motivo. Está claro que há uma preocupação com o atual momento político e em especial esse período antes das eleições. Nesse momento entra, sem dúvida nenhuma, a discussão sobre qual modelo de desenvolvimento queremos para o Brasil e qual o papel do BNDES. A avaliação do MST em relação ao BNDES é que oficialmente ele cumpre uma política de governo. O Banco não é uma instituição que tem orientações por conta própria, ao contrário, suas ações – e volume de recursos – são determinadas por políticas de governo, dentro de um determinando projeto. Consequentemente é preciso partir da preocupação de como discutir um conjunto de medidas dentro da perspectiva da macroeconomia, de um projeto de desenvolvimento do qual o BNDES possa fazer parte. Queria partir da seguinte questão: no início do governo Lula havia 60 mil famílias acampadas em todo o Brasil, hoje esse número já chega a 200 mil famílias. O governo Lula fez uma promessa que ia assentar 400 mil famílias. Das famílias do MST, foram assentadas em torno de 35 a 40 mil, ou seja, 10% do número prometido. Com o governo Fernando Henrique Cardoso, chegamos a mais ou menos 500 mil famílias assentadas. Dessas famílias assentadas, durante o governo Lula, somente 48 mil tiveram acesso aos créditos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) – uma linha de crédito pra financiamento da pequena agricultura –, ou seja, menos de 10%. Além disso, podemos contar nos dedos de uma mão quais foram os projetos financiados pelo BNDES na área de agroindústria em assentamento de reforma agrária. Portanto, não temos nenhum motivo para festejar a política e o modelo econômico para o desenvolvimento de assentamentos. No entanto, não é por isso que vamos ficar se lamentando, porque nossa preocupação, enquanto movimento social é definir, a partir desse diagnóstico, nossas propostas para sair dessa conjuntura diversa que estamos vivenciando. É diante disso que temos o diagnóstico de que o inimigo principal do Movimento dos Sem Terra não é mais o latifúndio improdutivo, aquele que anda com chapeuzão

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na cabeça e uma espingarda atirando para cima e para baixo. Nosso inimigo não é mais esse latifúndio atrasado pois ele já está condenado pelo conjunto da sociedade. O inimigo principal para os povos do campo, para nós dos movimentos sociais, é exatamente esse modelo econômico que infelizmente o governo Lula insiste em manter e em dar continuidade ao que vinha sendo feito pelo governo Fernando Henrique Cardoso. Na nossa visão, esse modelo econômico tem como pilar central a tentativa explícita de trazer recursos internacionais a todo custo para o país, seja pelo capital financeiro que usa dos seus mecanismos de especulação, seja por meio do seu outro mecanismo – as parcerias público-privadas onde entram os financiamentos do BNDES. A outra perna é através do agronegócio que, nos últimos 10 anos, tem sido a principal locomotiva desse modelo. O agronegócio usa como principal base de financiamento, justamente, as piores parcerias possíveis com transnacionais como a Monsanto e a Aracruz. Agora até o Bill Gates quer financiar as indústrias de álcool na região de Ribeirão Preto. Portanto, esse modelo que Lula e os nossos companheiros insistem em manter, é justamente o que tem sido o principal inimigo do campo, que traz todas essas conseqüências já mencionadas. Na avaliação do MST, o BNDES acabou cumprindo o papel de ser o principal instrumento de consolidação dessa política de desenvolvimento que está atrelada ao capital financeiro internacional. Assim, o Brasil continua, 500 anos depois, cumprindo a mesma função de antes, de ser um país agroexportador, que manda toda a nossa matéria prima para fora, deixando as conseqüências ao meio ambiente e ao povo. Uma outra questão para ser discutida por esse coletivo, em relação a qual temos uma ausência muito grande principalmente na sociedade, é a necessidade de construirmos um projeto de desenvolvimento para o país. Quando se fala em projeto de desenvolvimento, ainda é um projeto sem aprofundamento e sem levar em consideração os acúmulos já existentes do povo brasileiro, das organizações e dos movimentos sociais. Nós do Movimento Sem Terra temos feito um esforço significativo para fazer um debate mais aprofundado sobre qual o projeto de desenvolvimento que queremos. Na nossa avaliação, esse não pode ser um projeto de desenvolvimento como foi a proposta da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) que envolvia uma grande aliança com o capital nacional. Dentro dessa proposta seria possível fazer uma aliança capital-trabalho e fazer esse desenvolvimento nacional. Como Sem Terra, nós acreditamos que essa proposta ficou para trás com o Celso Furtado e outros economistas desenvolvimentistas. Nos dias de hoje ela está quase ou completamente superada porque o capital financeiro nacional virou capital internacional e está atrelado às grandes transnacionais. Conseqüentemente, fazer um investimento ou parceria com a Votorantim e Antônio Ermirio de Moraes, significa fazer parceria com a Aracruz e com outras transnacionais. Assim, a possibilidade de desenvolvimento com essas grandes potências nacionais que possivelmente existiram nas décadas passadas, não é mais possível, porque elas não existem mais. Todas se tornaram capital internacional.

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Na área de alimento e de minério, praticamente todas as empresas nacionais foram vendidas para o capital financeiro internacional. Um projeto de desenvolvimento nos dias de hoje tem que ser pensado em outros moldes. Não pode ser com base na proposta do Celso Furtado, da década de 1960 e 1970, no sentido de fazer esse desenvolvimento levando em consideração a nossa indústria nacional, o capital nacional, porque parte dele já não existe mais, já foi cooptado, levado para fora, restando apenas o nome nacional. É diante desse contexto que nós, do Movimento Sem Terra – e outros movimentos sociais como a Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS), a CUT, a União Nacional dos Estudantes (UNE), Via Campesina e outras forças políticas – temos feito um esforço de tentar esboçar e fazer um debate mais aprofundado sobre qual seria um projeto de desenvolvimento que pudesse ser nacional e ao mesmo tempo popular e democrático. Não podemos perder de vista o elemento popular. É importante fazer o debate sobre um projeto nacional de desenvolvimento popular e democrático porque é a partir daí que podemos decidir o papel do BNDES. Se esse projeto não estiver claro, vamos ficar discutindo o Banco e não vamos discutir quem manda no Banco e qual a política que orienta o Banco. É isso que precisamos aprofundar. Por isso um debate dessa natureza, realizado dentro do BNDES, puxado por organizações da sociedade civil envolvendo os movimentos sociais é muito importante. De fato nesse momento, as eleições não nos animam a fazer esses debates com mais ênfase, mas com certeza, no próximo período vamos ter que nos debruçar para fazer esse debate com o conjunto das forças políticas. O projeto nacional tem que levar em consideração questões de valores, de ética. Temos também que debater o nosso sistema político, a questão da representatividade e da soberania nacional e popular. Precisamos discutir a questão do desenvolvimento econômico justo, o trabalho, a organização da cidade, a reforma agrária, educação e cultura, comunicação social e saúde. São temas que precisamos aprofundar e dentro disso entra o papel, não só do BNDES, mas do próprio Banco do Brasil e de outras instituições financeiras. Todos os dias o MST precisa ocupar o Banco do Brasil por causa da linha de crédito – 10 bilhões de reais destinados pelo governo Lula – do Pronaf. Quando o assentado chega ao banco ele escuta dos funcionários “ah você não pode acessar porque não tem esse documento ou por isso e aquilo”. Ou seja, temos as mesmas críticas que estão sendo feitas ao BNDES, ao Banco do Brasil e ao Banco do Nordeste. Esses bancos acabam sendo uns obstáculos ao desenvolvimento, ao repasse de recursos para os trabalhadores na ponta, até de uma linha de crédito já criada. A nossa avaliação é de que temos que discutir com seriedade o papel dos nossos agentes financeiros dentro dessa perspectiva do desenvolvimento popular, de forma que possam de fato resolver parte dos problemas da sociedade. Por último, nós do Movimento Sem Terra estamos convencidos de que para avançar o desenvolvimento, em especial no campo, três coisas são fundamentais. Primeiro é a terra. Não

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existe reforma agrária sem terra. Além da terra, precisamos de uma boa política de financiamento público. Nenhuma agricultura no mundo sobrevive sem que haja financiamento público. É tarefa do Estado garantir a produção de alimento na perspectiva de conquistar soberania alimentar para a nação. Diante disso, temos a clareza de que os agentes financeiros do Estado têm que cumprir esse papel. Apresentamos essa demanda ao presidente Lula, e ao Carlos Lessa e Guido Mantega, além de outros. Tivemos a oportunidade de dizer ao BNDES que nos assentamentos de reforma agrária há uma ausência muito grande do Banco em termos de apoio financeiro. O financiamento público é uma questão imprescindível. Dentro da questão do financiamento público está o financiamento de agroindústrias. É importante ressaltar que não somos contra nenhuma perspectiva de desenvolvimento nem contra a tecnologia. Não acreditamos que, para praticar a agricultura, vai ser somente pelo uso do arado. A tecnologia é importante, mas precisamos dar um salto de qualidade. Podemos dar esse salto trazendo a agroindústria para o campo, desde que seja através de cooperativas e que agregue valores em sua produção. Um exemplo da conseqüência da falta desse investimento é o fato de que vendemos um litro de leite produzido em nossos assentamentos a R$ 0,25. Ninguém consegue comprar um litro de leite a R$ 0,25 no supermercado. Isso ocorre nos assentamentos porque não existe nenhuma política de investimento na industrialização da produção de leite. Existem vários outros exemplos parecidos nos assentamentos de reforma agrária, como a forma em que a produção é entregue a um atravessador. Diante disso, os bancos têm que cumprir esse papel de apoio ao campo no que diz respeito à agroindústria. Para finalizar, além dessa nova matriz tecnológica, é extremamente importante que o debate da reforma agrária também seja inserido no debate sobre o meio ambiente, sobre o novo modelo energético – onde se discute a questão da água, o biodiesel – e nessas várias outras frentes de debate. No entanto, estamos convencidos de que não existe alternativa se não houver participação popular. Não basta estarmos aqui no Banco, fazermos boas reuniões com os companheiros aqui presentes ou conversarmos com o ministro da fazenda, Guido Mantega, que sempre ajudou o MST. A mudança não depende disso porque o que move essas instituições é resultante de uma correlação de forças onde o empresariado, em especial o internacional, tem mais poder que os pobres da rua. Enquanto não conseguirmos fazer com que os pobres – que de fato precisam desses financiamentos públicos – venham para as ruas, participem de manifestações tendo a consciência da importância desses instrumentos de Estado no campo do financiamento, dificilmente vamos mudar. Portanto, coloco nosso movimento à disposição para contribuir nessa parceria pela democratização dos nossos recursos públicos, em especial desse nosso banco BNDES­. Então, pode contar desde já com a nossa quantidade de sem-terra acampados e assentados por esse Brasil afora para avançar nesse debate político e se precisar das nossas foices, como sempre estão afiadas para ajudar nesse debate público.

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Perguntas do Plenário Luis Fernando Novoa Garzon – Attac/Rede Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip)/Rede Brasil/Universidade Federal de Rondônia

Olhando o BNDES de forma mais sistêmica, precisamos avaliar o quanto ele tenciona o “equilíbrio” liberal na medida em que pode ter políticas de financiamento seletivas. O mercado considera isso uma intromissão indevida. Ou seja, aquilo que é público, aquilo que pode romper os pactos oligopolistas, pode ser visto como uma intromissão indevida, que cria mais imperfeições. Esse poder do BNDES – de desequilibrar o jogo dos mercados – é visto com muita desconfiança pelos mercados e conseqüentemente há um cerco em torno do BNDES especificamente e de outros bancos de fomento no geral. Há propostas inclusive de acabar com o BNDES. Assim sendo, o Banco fica em uma posição de que só sobrevive se seguir a risca as determinações que os outros bancos privados seguem. Esse parece ser o pano de fundo que ficou muito claro nesse governo. Parece que esse governo pelo menos tenta deter, paralisar o processo de cooporativização do Banco, mas não consegue avançar. A forma como e os motivos pelo qual o Carlos Lessa foi destituído evidenciam essa tentativa de uma retomada da corporativização. Conseqüentemente, o BNDES não deveria, no mínimo, reforçar esse modelo que nos destrói. O que significa uma “pactação” no momento de crise econômica e social profunda? Esse governo é um governo de “pactação”. Nesse contexto o Banco também tem que ser de “pactação”. Não é admissível que o Banco faça pré-opções para o país inteiro, que reforce a opção pelas commodities, pela transnacionalização do território e que financie justamente os atores protagonistas dessa transnacionalização, ou seja, o mínimo que o BNDES poderia fazer é ter o papel magistral de permitir que as opções de desenvolvimento possam amadurecer de forma mais plural e democrática ao longo desses anos. O mínimo que se pode esperar do Banco que tem essa responsabilidade, com o potencial que tem, é contribuir para desenvolvimentos distintos. O Banco deve, em um momento de discussão, de “pactação”, permitir que as opções possam fluir e não determinar opções como tem feito. Um exemplo disso é quando o Élvio diz que alguns temas precisam de recursos provenientes do orçamento federal, como saúde e educação, e podemos incluir saneamento e água também. Assim, não tem sentido o BNDES investir nas Parcerias Público–Privada (PPPs) tirando a responsabilidade exclusiva do governo em sustentar esses setores essenciais como água e saneamento. Setores essenciais não podem fazer parte de PPPs e portanto, o BNDES não tem que sustentar as PPPs.

Márcio Macedo da Costa – Gerente do Departamento de Meio Ambiente do BNDES Tenho uma pergunta para o Valmir José e outra para o Ricardo Montagner. Recentemente a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva declarou na Organização

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Mundial do Comércio (OMC) que o agronegócio – como pecuária extensiva – poderia se expandir sem degradar a floresta, ocupando áreas já degradadas. Valmir, você acha que a expansão do setor de celulose pode ser realizada dessa forma, ocupando áreas degradadas, ou você acha que a expansão de celulose em si é problemática? E Ricardo, qual a posição do MAB quanto às hidrelétricas – vocês consideram que é possível ter um aproveitamento hidrelétrico considerando todas as condicionantes sociais e ambientais, um projeto bem feito, ou o MAB é contra hidrelétricas em si?

José Eduardo – Técnico do BNDES

Queria fazer uma reflexão junto com a mesa, porque trouxeram uma agenda muito grande de discussão. Estamos passando por uma conjuntura muito complexa; não adianta querer impedir barragens, barrar empresas estrangeiras. Temos uma agenda complexa então precisamos aprofundar determinados temas e ter um pouco de humildade e respeitar as opiniões divergentes procurando construir uma agenda comum de desenvolvimento. Como o João Paulo mencionou, em princípio todos aqui têm uma preocupação com o desenvolvimento, não estamos seguindo uma agenda neoliberal de concentração, de exclusão da população, de acumulação de recurso etc.

Beatriz – Empresária

Havia desistido do BNDES, mas não posso deixar de aproveitar essa oportunidade porque represento 200 famílias de seringueiros da Amazônia que têm uma parceria com a minha empresa. Em 1994 pegamos um financiamento do BNDES que ao longo desses anos tentamos renegociar. Em 1998 fizemos uma renegociação importante, mas ainda não conseguimos pagar. O nosso negócio ainda não foi suficientemente bem sucedido ao longo desses anos para que pudéssemos pagar esse investimento. Em 2004 o Banco entrou com um processo de execução da nossa dívida apesar da ministra Marina Silva e do Frei Betto terem pessoalmente solicitado uma audiência para nós aqui no Banco. Três dias depois da nossa solicitação de audiência, o Banco entrou com esse pedido de execução da dívida. Foi aí que desisti do BNDES e estamos lutando com esse processo de execução. Acho importante chamar atenção a isso porque fazemos parte de todos esses movimentos sociais que levaram o Lula à presidência e a forma como nosso caso foi tratado pelo Banco nos causou enorme decepção. Além de ser uma pequena empresária no Brasil, falo isso em nome de 200 famílias de seringueiros da Amazônia onde criamos um projeto que embora não seja grande, é emblemático do desenvolvimento sustentável na região. Um dado mais relevante desse processo todo é que, quando os nossos advogados responderam ao processo de execução da dívida, em nossas pesquisas detectamos que éramos a única empresa executada pelo Banco até aquela data no governo Lula! No entanto, fiquei entusiasmada com a fala do Élvio e espero que tudo que foi falado se dê na prática e que se dê atenção ao nosso caso. Somos uma empresa exportadora. Exportamos quase 80% da nossa produção, e continuamos existindo apesar do BNDES,

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apesar da execução, lutando sem crédito. Novamente faço um apelo público, que o caso da Empresa Couro Vegetal da Amazônia seja tratado de uma maneira justa diante do que é a proposta de desenvolvimento econômico e social do BNDES.

Graciela Rodrigues – Instituto Equit/Rebrip

A Rebrip trabalha com o tema do comércio internacional, acompanhando as negociações na OMC. Cada vez mais é possível perceber que o comércio determina muito a lógica do desenvolvimento no país, hoje um modelo de desenvolvimento agroexportador. Nesse contexto, apostamos em um processo que possa contestar esse modelo de alguma maneira; pretendemos trabalhar o tema da integração regional. Essa é uma proposta que o governo Lula também tem trabalhado, através do Mercosul, da Comunidade sul-americana de Nações (Casa), e uma série de outras iniciativas. Diante disso, queremos saber qual é o papel do BNDES com relação a essa questão. Sabemos que tem se trabalhado o tema dos fundos estruturais do Mercosul, embora de uma forma muito limitada ainda se o objetivo é ter um papel de liderança nesse processo de integração. Esses fundos têm relação não só com o próprio desenvolvimento e a integração regional, mas também com as próprias assimetrias no Mercosul. Essas assimetrias não são somente entre países, se não também entre regiões, e no interior de cada país. Outra forma de trabalhar nesse processo de integração seria trabalhar as próprias diferenças internas. Assim sendo, é preciso pensar também em um processo que aproxime e integre povos e nações e não só um processo que permita o avanço do modelo agroexportador de recursos naturais. Qual o papel do Banco neste sentido?

Respostas da Mesa: Valmir José – MPA/Rede Alerta contra o Deserto Verde

Primeiramente, vou responder a pergunta do Marcio do BNDES sobre a possibilidade de usar as áreas degradadas, áreas de pastagem principalmente, para a expansão da plantação de eucalipto. Primeiro temos que perguntar o seguinte: para o que se planta eucalipto no Brasil? 95% da celulose plantada é exportada para países onde ela é utilizada para papel descartável e para o mercado de embalagens. Nesse contexto não tem mais necessidade de se plantar mais um pé de eucalipto, muito ao contrário. Precisamos discutir que modo de vida vamos adotar, por que vamos plantar eucalipto e até quando? Outra questão é, não precisamos recuperar as áreas degradas com eucalipto, ao contrário, o eucalipto não recupera. Podemos recuperar essas áreas plantando espécies nativas da região seja no Cerrado, seja na Mata Atlântica. Empresas como a Aracruz argumentam que através da plantação de eucalipto estão recuperando o meio ambiente. Não é verdade, muito ao contrário, onde tem monocultivo do eucalipto não tem vida! Dentro destas plantações não se acha uma lagartixa ou uma formiga. Como não tem vida, não está recuperando nada.

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Além disso, acreditamos que a família camponesa que precisa de madeira para o seu consumo próprio, para o curral, a cerca, a lenha pode sim plantar alguns pés de eucalipto sendo em uma área longe do córrego, uma área mais acidentada. No entanto, o eucalipto não precisa ser plantado em toda a propriedade. O que está sendo colocado é que devemos deixar de plantar alimentos e plantar somente eucalipto, pois assim vamos ficar rico?! Temos certeza que isso é um barco furado. O camponês tem que plantar somente o eucalipto? Porque não pode ser outra espécie?

Ricardo Montagner – MAB

Também respondendo ao Márcio, o MAB é contra a construção de barragens e ponto final. Justifico isso primeiro por uma questão pessoal. Sou um pequeno camponês que no início dos anos de 1980 foi ameaçado de ser atingido pela barragem de Machadinho, na divisa do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Só estou aqui hoje porque fui ameaçado por essa barragem, caso contrário talvez não fizesse parte do movimento. Era a minha terra, a minha comunidade e minha família que estavam sendo ameaçados. Naquele momento travamos todo um processo de luta, ainda mais porque Machadinho era a primeira UHE a ser construída no rio Uruguai. Havia em torno de 6 mil famílias ameaçadas pela barragem, 27 mil hectares de terra a ser inundada. Tivemos uma conquista, conseguimos mudar o projeto. Assim, minha comunidade, minha família, minha propriedade, continuam no mesmo local e continuo vivendo como um pequeno camponês. Do ponto de vista do debate econômico, social e ambiental, todos deveriam ser contra esses grandes projetos. Essa energia é para que e para quem? Não somos contra energia, mas somos contra as barragens! Precisamos aprofundar esse debate, discutir que modelo elétrico queremos. Questionar para que queremos essa energia e para onde ela vai? Como já mencionei, essa energia vai para as grandes empresas eletrointensivas como a de alumínio que concentra grande parte do consumo de energia no país. Entendo que é muito difícil ser técnico do Banco dentro do atual modelo de desenvolvimento porque às vezes as decisões precisam ser tomadas com base em questões políticas e nenhum parecer técnico é imparcial! Dentro do modelo elétrico brasileiro, enquanto que as grandes empresas chegam a pagar em torno de 50 reais o megawatt, como é o caso de Minas Gerais, o consumidor urbano está pagando 500 reais por essa mesma energia. Como é que uma grande empresa transnacional tem contratos de energia subsidiada e os consumidores das favelas estão pagando 500 reais? Quando a energia sai da usina recém construída, ela custa em torno de 100 reais o megawatt enquanto que o consumidor paga até 500 reais. O modelo econômico atual é um modelo de exploração que se dá através das tarifas de energia, telefone e outras, pois tudo isso é associado. Nesse contexto, o MAB tem uma posição crítica que envolve não só a discussão sobre a produção de energia ou a construção de barragens, mas também para quem é essa energia. E não é só o MAB que precisa discutir isso, temos que envolver toda

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a sociedade civil, todos que têm esse compromisso de construir um novo desenvolvimento e alternativas energéticas. Como o João Paulo mencionava, temos que produzir cinco litros de leite para comprar meio litro de água. Essa água está na mão de quem? Está na mão da Tractebel/Suez, empresa belga/francesa que é dona de várias barragens, que comprou a Eletrosul por R$ 700 milhões! A energia elétrica e o controle do nosso território hoje estão nas mãos de transnacionais e temos que travar uma luta contra isso, como por exemplo, recuperar a Vale do Rio Doce. Por isso que também somos contra a construção das barragens, não contra a energia, mas contra o atual modelo de desenvolvimento. Esse é um debate que precisamos assumir juntos para construir novas alternativas porque não há alternativa que ofereça energia suficiente no atual modelo! Isso porque esse é um modelo consumista. Claro que a discussão é complexa por isso não há uma receita pronta. Temos que construí-la porque se fosse fácil já teríamos feito. No entanto, isso só vai acontecer se o povo estiver junto na luta contra o atual modelo de desenvolvimento e der sustentação à nova proposta. Quando vamos fazer uma mobilização para enfrentar a Alcoa, a Aracruz ou a Nestlé, por exemplo, temos que enfrentar os grandes interesses econômicos. E aí, infelizmente o atual papel do judiciário, da segurança e muitas vezes do executivo local, estadual e nacional é de estar à serviço desses grandes grupos. E esse debate não se resume à eleição. Um presidente sozinho não vai conseguir fazer as mudanças. A mudança vai depender da sustentação do povo e se o povo estiver disposto a fazer essa mudança. Temos o papel de fomentar isso com o povo. Porque não temos nenhum financiamento específico para os ribeirinhos atingidos por barragens, nenhum meio de financiamento para recuperar o desenvolvimento?

João Paulo Rodrigues – MST

Para terminar queria deixar algumas propostas para a continuidade desse debate. Primeiramente, é importante que haja a continuação de um seminário como esse, outras oportunidades para discutir o papel dos agentes financeiros, do Estado como um todo e discutir qual a idéia de desenvolvimento que temos. Sugiro também que haja uma participação mais ampla do conjunto dos demais movimentos sociais, não só para trazer comentários, mas para ao mesmo tempo aprender, ter essa oportunidade de discutir esse tema tão importante para o rumo do nosso país. A segunda sugestão é provocar os companheiros do BNDES para fazerem esse debate ou seminários mais aprofundados sobre o tema de desenvolvimento ou projeto nacional. Acho que é um debate que está na ordem do dia, todas as organizações estão tentando aprofundar esse assunto, inclusive dentro da academia. Como o Ricardo mencionou, há muita complexidade. Precisamos ter um pouco de elementos que case com elementos teóricos, juntar o acúmulo do tempo do Celso Furtado na Cepal casado com o Brasil que estamos vivendo hoje. Precisamos juntar as diferentes forças, juntar quem está aqui no Banco, os técnicos, os movimentos sociais, os dirigentes políticos e

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intelectuais para que possamos fazer as coisas em conjunto. Assim, queria propor a elaboração de um calendário de seminários como esse que pode ser aqui no BNDES mesmo, para aprofundarmos o tema de qual é o desenvolvimento que queremos. Fica muito difícil darmos opiniões sobre o papel do BNDES se não tivermos claro para qual desenvolvimento este Banco está a serviço. Por último é importante reforçar nos movimentos sociais e nas demais forças a defesa pública do BNDES. Caso contrário vamos ter um BNDES virando Vale do Rio Doce ou as autonomias do Banco Central. O BNDES é um banco nosso, um banco do povo. Por isso queremos discutir o Banco, fazer a defesa pública dele e não ter dúvida nenhuma que esse banco deve estar a serviço da classe trabalhadora para o desenvolvimento desse país. Não podemos de forma alguma perder esse elemento de vista para evitar que daqui uns dias encontremos um sinal na frente do Banco: “o BNDES está fechado”, evitar que ele seja privatizado que é justamente o discurso dos neoliberais. Já estamos fazendo uma grande briga em relação à reestatização da Vale do Rio Doce, inclusive com apoio de alguns juizes. Então é importante lembrar que o BNDES é um banco nosso, dos trabalhadores. Agora, precisamos discutir entre nós para quem mesmo esse banco está a serviço.

Ricardo Montagner – MAB

Penso que futuramente podemos, além de ampliar esse debate, trabalhar com temas específicos, como hidrelétricas e celulose. Uma outra questão a ser discutida de forma mais aprofundada, e que depende de uma decisão política de governo também, é como o BNDES pode contribuir com essas populações afetadas por esses projetos, tanto na área social como ambiental, pensar, em como repor esse passivo socioambiental e como construir alternativas pela frente. Existe outra questão preocupante relacionada ao lobby por parte de construtores de barragens. Há poucos dias foi realizado um seminário em Manaus envolvendo juizes locais para que deixem de atrapalhar o processo de licenciamento da construção das barragens na região amazônica e que comece a facilitar o processo. Vai haver outro seminário sobre a redução da burocracia e demandas judiciais e administrativas no processo de licenciamento ambiental dos grandes projetos. É importante que os técnicos, inclusive do Banco, deixem de olhar somente o que está documentado e que não se tape os olhos e comece a licenciar tudo. O MAB tem posições críticas, mas estamos abertos ao debate, para construirmos algo que de fato seja de todos nós e que acabe com a dominação da água, da energia e da concentração da terra que vem causando disputas de território. Podemos ter divergências, mas precisamos colocar nossas visões para construirmos um Brasil novo.

Élvio Gaspar – BNDES

Ouvi como música as discussões até agora, principalmente a intervenção do João Paulo que expressou preocupações que são nossas também em relação ao

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fato de que o BNDES é mesmo um banco público com enorme capacidade de intervir em um determinado modelo de desenvolvimento que obviamente é definido pelo governo federal. O BNDES tem um poder extraordinário de intervir nisso e obviamente também é objeto de cobiça de interesses menos públicos, interesses privados. Portanto essa disputa existe! Parte do nosso esforço é no sentido de construir um BNDES cada vez mais público, mais afinado com os interesses da sociedade. Por outro lado, existem espaços públicos onde são feitas algumas discussões, e o BNDES não é um desses espaços. Por exemplo, o processo de licenciamento ambiental segue uma legislação onde existe um órgão especifico determinante nisso. Uma vez que o licenciamento ambiental é determinado não cabe ao BNDES permitir ou não a construção de uma barragem. Obviamente temos que ter o cuidado de exigir o licenciamento ambiental adequado, pertinente, da autoridade competente para fazer isso. E isso fazemos. Não podemos atuar para além disso. Eventuais derrotas políticas em alguns fóruns não podem ser corrigidas nesse novo espaço de debate que estamos tendo aqui senão estaríamos perdendo essa grande oportunidade de fazer coisas muito melhores. A discussão sobre o licenciamento do rio Madeira não é aqui que tem que ser feita. Esse licenciamento é aprovado em outro lugar, as empresas solicitam financiamento do BNDES e vamos fazer porque esse é o nosso papel. Em relação ao posicionamento da Graciela sobre a questão internacional, o BNDES tem uma preocupação muito grande atualmente, que partiu de uma definição do presidente Lula, de que a integração sul-americana é uma estratégia para o Brasil. Para que possamos alcançar o nível de desenvolvimento de longo prazo desejado, que seja distribuidor de renda, precisamos fazer com que nossos vizinhos nos acompanhem também. A integração regional é uma condição sine qua non. A distância social gera distância política, gera tencionamentos e gera o enfraquecimento da capacidade dos países de se desenvolverem. Isso os europeus estão fazendo através dos fundos de coesão desde 1993 e com a união, agora com uma única moeda a partir de 2001, estão conseguindo diminuir as diferenças entre os países e entre regiões no mesmo país. Implementam medidas para países com o PIB abaixo de 0,7 da média do PIB da União Européia, como ter direito ao fundo subsidiado que chega a ser até 65% a fundo perdido! Isso demonstra que entenderam que um desenvolvimento regionalmente equilibrado é bom para todas as regiões e obviamente isso é bom para o Brasil também, é bom para o Piauí e é bom para o Paraguai. Como fazer isso? O dinheiro do FAT é dinheiro dos trabalhadores, das Federações e das indústrias. Queremos financiar empresas de outros países, mas como fazer isso? O Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat) e a CUT têm uma resistência enorme ao financiamento de empresas argentinas. Como construir uma metodologia que faça uma discussão política com esses atores, com os membros do Codefat, para que possamos financiar efetivamente os outros países

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da região? Temos que ajudar nossos parceiros porque temos um papel no desenvolvimento da região. Somos a maior economia da região e por conta disso temos que fazer um processo de integração de outro tipo. Não podemos ter um processo imperialista de relacionamento com esses países, senão vamos repetir o modelo estadunidense. Nossas empresas já estão indo para esses países, mas não podemos admitir isso, pois é algo que combatemos a vida inteira. Uma das propostas para solucionar esses problemas é a construção de um banco sul-americano, onde poderíamos fazer um aporte de recursos. Há um ano essa idéia vem sendo amadurecida, ainda não foi possível deslanchar, mas também não é fácil. Sobre a questão da Beatriz, por acaso sou o diretor responsável pela área social e de crédito também. Os devedores são tratados dentro do meu departamento. Terei o maior prazer de lhe receber para conversarmos sobre a situação. No entanto, é importante mencionar que a sua não foi a única empresa! Os funcionários da área de contencioso têm uma obrigação temporal para solucionar pendências judiciais, pendências em relação aos pagamentos de empréstimos. Caso contrário, o Ministério Público aciona a pessoa física. Inclusive, para defendermos o discurso explicando por que certo caso não entrou na justiça, é difícil. O que precisamos discutir, como já foi mencionado, é o “S” do social do BNDES. O “S” do social não pode significar recursos não reembolsáveis, perdão de dívidas. Se contrair dívidas tem que pagar. O “S” tem que ser percebido como uma política de distribuição de renda dos projetos industriais ou do modelo de desenvolvimento, e é ativa. Não é o seu caso, mas em casos onde o empresário não conseguiu gerir bem a empresa ou simplesmente fez uma má operação ou pegou o empréstimo e desapareceu deixando seus trabalhadores sem retorno não tem sentido manter a empresa e perdoar a dívida.

Valmir José – MPA/Rede Alerta contra o Deserto Verde

Nesse país foi se acostumando com dois Brasis: um para os brasileiros e um para os estrangeiros. O Brasil dos brasileiros vai mal das pernas. O Brasil para fora vai muito bem! As grandes transnacionais vêm cada vez mais aumentando seus lucros. Precisamos focalizar em quem é nosso grande inimigo. O nosso grande inimigo é o imperialismo internacional que vem de fora mandar e, inclusive, determinar a forma de exploração dos recursos naturais e das nossas leis. Hoje as comunidades camponesas estão proibidas de ir para a feira vender rapadura, farinha ou carne de porco em virtude de leis que dificultam o acesso dessas comunidades ao mercado. Essas são questões que precisamos discutir agora! Cada discussão tem seu espaço, isso é verdade. A luta ambiental, por exemplo, está sendo feita pela Rede Brasil, pelo Ibase, pelos movimentos sociais da Via Campesina, a Rede Alerta no seu local adequado, no Ministério do Meio Ambiente, nos órgãos de fiscalização ambiental. Então essa luta não é só aqui. Mas aqui não deixa de ser um espaço! Estamos construindo vários espaços.

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Para concluir, está claro que a luta é de classes. É da classe trabalhadora contra a classe dominante. A luta não é desse grupo que está aqui, não é de organizações contra o BNDES! Essa luta tem que ser intensificada ainda mais e vamos conti­nuar fazendo isso, mesmo que digam que somos baderneiros, bagunceiros. Podem dizer! A nossa luta vai continuar sendo feita porque é em defesa do Brasil, dos brasileiros e das brasileiras.

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Capítulo 3 A Democratização do BNDES

Cibele Correia – Assessora do diretor da Área Social e de Crédito do BNDES. Estela Scandola – Ibiss/Rede Brasil Antônio Saraiva Rocha – Presidente da Associação de Funcionários do BNDES.

Cibele Correia – BNDES

Farei um breve relato do processo de interlocução do BNDES com as organizações da sociedade civil que vem sendo desenvolvido ao longo do último ano e meio através da realização de reuniões periódicas. Apresentarei os resultados desse grupo, do que conseguimos colocar na nossa página da internet para dar publicidade às ações do BNDES e aumentar a transparência. A primeira reunião das organizações solicitando um estreitamento do diálogo foi com o presidente da época, Guido Mantega. Em seguida, convocamos todas as áreas do Banco para o primeiro encontro que ocorreu no Ibase. A partir de maio de 2005, foi formado um grupo informal com alguns representantes de cada área do Banco e com representantes das organizações da sociedade civil. Com o tempo este grupo de trabalho do Banco foi formalizado através de uma portaria interna (de 17 de fevereiro de 2006). Quero deixar claro o compromisso do Banco com relação a esse canal de comunicação. Esse trabalho não é fácil, e não dependemos somente da decisão da diretoria ou da presidência. Temos que sensibilizar as pessoas de determinadas áreas que consideramos estratégicas para construir de fato esse canal. Não adianta um grupo elaborar um documento, ele ser aprovado pela diretoria, se não está de uma determinada forma, enraizado na estrutura da casa. É um trabalho bastante vagaroso, e temos que ir aos poucos, construindo essa nova consciência da importância de fortalecer a transparência de um banco que é público. A criação, ao longo de 2005 e 2006, desse grupo de trabalho de mais ou menos 10 pessoas, foi muito importante, ainda mais por causa da participação de técnicos de áreas estratégicas do Banco como do planejamento, inclusão social, controle – que

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trabalha com os sistemas – o gabinete da presidência e também a ouvidoria. A idéia é avançar mais e constituir e manter o diálogo com outras áreas também. O grupo de representantes de organizações da sociedade civil é de mais ou menos sete ou oito pessoas, mas que na verdade representam uma rede de mais de 80 instituições. Isso é outra coisa que nos perguntam muito: “quem são esses grupos? Eles estão representando quem?”. Tentamos deixar claro que embora só alguns membros participem efetivamente do grupo, no seu conjunto estão representando uma rede de mais de 80 instituições que estão implantadas e que têm trabalho no Brasil inteiro, e que assim, é uma rede bastante representativa. Reforçamos sempre dentro do Banco que estamos tendo uma interlocução com um grupo representativo de organizações da sociedade civil; não estamos fazendo isso com uma ou outra entidade. Em algumas vezes, o grupo de interlocução foi mais estendido, tendo reuniões com até mais de 20 representantes. Outro movimento que fizemos ao longo desse ano foi realizar pequenos seminários para apresentar estudos, linhas de atuação e metodologias de avaliação, tais como: impactos das operações sobre renda e emprego; séries estatísticas operacionais; a nova política ambiental do Banco; e novos critérios para investimento social de empresas. Em alguns casos conseguimos fazer isso até mesmo antes dos resultados serem divulgados. O estudo sobre os impactos das operações sobre renda e emprego e as séries estatísticas já vinha sendo feitos pela área de planejamento. Essas séries agregam as operações do Banco por diferentes setores desde 1995. A nova política ambiental do BNDES será apresentada pelo Eduardo Bandeira e os novos regulamentos para investimentos sociais de empresas já foram apresentados pelo Élvio Gaspar. A idéia era que esses seminários fossem mais amplos, que tivéssemos condições de discutir essas regulamentações e políticas até mesmo antes de serem aprovadas. A intenção era ter as contribuições das organizações da sociedade civil. No entanto, até para discutir essas propostas internamente envolvendo as diferentes áreas é um processo às vezes demorado. Esse processo de investimento social de empresas, por exemplo, foi discutido internamente, com outras áreas operacionais, durante praticamente um ano. Dito isso, elaboramos medidas que possam ser apresentadas para as organizações da sociedade civil no sentido de fortalecer a transparência que consideramos ser fundamental. O grupo de trabalho foi criado para elaborar uma política de informação e assim aumentar cada vez mais a transparência do Banco. Essa transparência tem que ser para todos! Não é para determinados grupos ou segmentos ou para “os clientes do Banco”. Queremos que a informação do Banco seja acessível a todos, que qualquer usuário possa acessar a página do Banco e ter informações sobre as operações. Isso considerando que nem tudo pode ser divulgado. As operações com empresas privadas são protegidas pela legislação do sigilo bancário, o que significa que nos estágios de análise, de enquadramento, até a fase de contratação, as informações não podem ser divulgadas. As informações só passam a ser divulgadas a partir do momento que o contrato é registrado em cartório. Todas as informações do setor pú-

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blico, no entanto, podem ser publicizadas e estamos caminhando para que todos os produtos e operações possam conter informações claras para que a sociedade tenha acesso. Não é um trabalho de quantidade, mas sim de qualidade. A primeira iniciativa que tomamos em função desse processo foi um contrato – já em vigência – para elaborar uma nova programação visual. Iniciamos a reformulação do site de modo a dar uma maior transparência, ser mais acessível ao usuário comum facilitando a compreensão do conteúdo além de garantir o acesso por parte de pessoas com necessidades especiais. Ainda não conseguimos esse resultado pleno, mas estamos no processo de licitação. A idéia é aprimorar, pois estamos com uma página que não atende a nossa expectativa. Também estamos trabalhando na divulgação das operações realizadas com Estados e municípios. Temos condição de apresentar a listagem do conjunto de operações realizadas com instituições da administração pública direta, tanto os projetos contratados quanto os em andamento. Divulgamos informações sobre o programa, a modalidade operacional, a data dos projetos, o nível atual, o valor da operação, o valor já desembolsado e o objetivo do projeto. Estamos também inserindo no site a apresentação das planilhas das estatísticas operacionais com informações que demonstram o desempenho operacional do Banco, a partir de 1995. Os dados relativos aos desembolsos, aprovações, enquadramentos e consultas, foram agregados por setor, região e porte da empresa. Lembro que isso foi apresentado à sociedade civil, recebemos sugestões, discutimos e chegamos a um consenso de como apresentar essas planilhas. Até essas informações de Estados e municípios que já eram disponíveis, precisam ser trabalhadas para que sejam acessíveis, utilizando uma linguagem de fácil compreensão para todos. Esse é um trabalho de elaboração e depois de sistema, que passa por várias áreas e várias discussões. O último esforço que estamos realizando – que hoje recebeu críticas por ainda não ter sido implementado, com fundamento porque foi um compromisso assumido – é a divulgação na página da internet do relatório com as maiores operações contratadas pelo BNDES, por departamento das diferentes áreas operacionais. A informação ainda não está no site, estamos em fase de conclusão. A proposta envolve vincular cada operação ao programa em que está inserida e se é um programa regional com subsídio diferenciado então queremos preparar um sumário e conectar cada linha dessas operações. O processo está demorando mais do que planejado, por isso ainda não está vinculado na página. Se for só para colocar essa listagem, isso já teria sido feito, mas a idéia é dar uma informação mais qualificada. Em uns 15 dias esta informação deve estar disponibilizada na nossa página.

Estela Scandola – Ibiss/Rede Brasil

Queria inicialmente dizer que o que aprendi na Rede Brasil serviu para fortalecer minha intervenção local. Sou do Mato Grosso do Sul, moro em Campo Grande e trabalho com temáticas como tráfico de pessoas, exploração sexual de criança e traba-

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lho escravo. Acabei me envolvendo com a Rede Brasil porque no trabalho com essas temáticas percebemos que o aumento ou a diminuição de situações muito concretas como exploração sexual de criança ou turismo sexual, tinha relação com grandes empreendimentos e grandes financiamentos realizados por bancos, especialmente o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). E qual não foi a surpresa quando nesse processo descobrimos um outro financiador de grandes projetos na região – o BNDES. Assim sendo, a Rede considerou importante que os grupos na ponta começassem a discutir o papel do BNDES. Isso porque quando estamos no movimento social diretamente vinculado à população começamos a ter um olhar um pouco mais abrangente sobre a relação disso tudo com o mundo em que vivemos e o papel dessas instituições financeiras neste mundo. É nessa perspectiva que me proponho a fazer a discussão de hoje. Acho que podemos fazer a discussão sobre controle social dos bancos a partir de dois aspectos. Poderíamos, por exemplo, falar de controle social sobre bancos a partir da perspectiva liberal. Por que ter controle social? Porque se gasta menos já que a sociedade civil faz esse controle de graça, voluntariamente, porque vai resultar em projetos mais eficazes, porque vai ter menos corrupção – esse é um pensamento liberal, uma forma usurária de pensar a sociedade civil organizada e seu potencial de atuação. Fico pensando se não seria esse o primeiro discurso a fazer com os próprios trabalhadores do Banco. Não estamos nem discutindo direitos humanos ainda, estamos discutindo o papel da sociedade na participação e no controle dos gastos públicos sobre a ótica liberal. Seria uma forma de transformar os gastos mais eficientes, mais eficazes para o desenvolvimento – seja qual desenvolvimento for. No entanto, não estou me propondo a falar sobre essa perspectiva. Vou tentar trabalhar um pouco sob a ótica do controle social com base em uma visão de direitos humanos. A história do Brasil demonstra que quando os movimentos sociais avançam, alguma coisa acontece para abafá-los, mas depois eles renascem e novamente avançam. Todas as revoltas pelas quais o Brasil passou, pequenas e grandes, ocorreram desta forma. Assim foi na história do regime militar quando os movimentos sociais, sob o manto de diversas organizações, fizeram o seu levante, conquistaram uma democracia e impuseram uma nova ordem social para o Brasil. Foi nesse bojo dos movimentos sociais que conquistamos direitos fundamentais, não só o direito de votar nos nossos representantes, mas de efetivamente constituir a democracia participativa, que é onde se insere a nossa discussão de hoje. Não é mais uma discussão só da eleição, do voto e do processo político e partidário, é sobre como construir, por dentro do Estado, uma forma de viver democraticamente que propicia não só as falas daqueles que foram eleitos, mas a fala das organizações dos movimentos sociais. É nesse conjunto de pensamento e de situações que construímos os nossos direitos e que inserimos a discussão do BNDES e do controle social. Por que – legalmente falando – construímos e conquistamos controle social sobre políticas sociais? É a partir do artigo 193 da Constituição que o controle social

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em todas as políticas aparece, seja saúde, educação, assistência, criança, idoso, deficiente ou meio ambiente. Antes deste artigo, existem outros dois que chamam atenção. O primeiro é o parágrafo único da nossa carta, direcionado ao presidente do BNDES hoje – “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. (CF, Art. 1º, parágrafo único) – e o segundo é o artigo 10 que diz que o trabalhador deve participar de tudo aquilo que lhe diz respeito. Assim sendo, a idéia de que é possível construir uma forma de controle social com a participação da sociedade civil dentro de um banco, não está fora da legislação e muito menos da legitimidade que o movimento social conquistou no Brasil. O BNDES não é só um banco. O BNDES é um banco de desenvolvimento. Isso nos remete ao que hoje foi mencionado várias vezes: que o “S” do BNDES caiu, onde ficou o “S” do BNDES? Historicamente as políticas econômicas e sociais pareciam antagônicas, como se não fosse possível fazer um desenvolvimento a partir do encontro de políticas econômicas e sociais. Não é a política econômica a mentora do desenvolvimento. A política econômica proporciona um desenvolvimento onde na verdade a grande questão que está colocada é o exercício da cidadania, os direitos da população. É nesse sentido que quando sentamos com representantes do BNDES questionamos aonde vai estar localizado o processo decisório de controle social com a participação da sociedade, qual a instância do Banco que vai dizer “é aqui que a gente ouviu a sociedade”. Essa é uma pergunta que é fundamental para caminharmos. Não basta, mas é fantástico que depois de 11 meses vamos ter a divulgação dos 10 maiores projetos das cinco linhas de ação do Banco. Levamos um ano para conhecer os 10 maiores financiamentos do Banco de Desenvolvimento Econômico e Social! Na verdade a política de informação é um instrumento do trabalho. É um instrumento para construir uma cidadania onde a sociedade possa, a partir da informação, exercer o controle social. Tendo acesso à informação podemos nos sentir com capacidade de discutir com maior qualidade aquilo que o Banco está fazendo. A política de informação não é o nosso fim, é o meio e até um meio pequenininho já que por si só não constrói cidadania. Assim, para a discussão do controle social, a informação é fundamental, mas queremos que isso avance no sentido de construir outro financiamento ao desenvolvimento. O BNDES, junto com outros bancos, tem muita força no processo de desenvolvimento desse país. Outros bancos, no entanto, têm ou estão assinando compromissos para promover o desenvolvimento sustentável. O BNDES deveria ser o propulsor disso, deveria chamar os outros bancos para assumirem maiores compromisso nesse sentido. É o papel do BNDES fazer esse trabalho de sensibilizar os demais bancos em relação ao processo de desenvolvimento; ele não deveria assumir compromisso só depois que os outros já fizeram. É dentro desse contexto que precisamos discutir o lugar da sociedade no controle social do Banco e a localização desse controle social na estrutura desse processo de participação que estamos criando dentro do Banco.

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Uma segunda questão, que nos toca profundamente, é referente aos processos do ciclo de projetos dentro do Banco. De que forma a sociedade local tem informações sobre onde os projetos serão desenvolvidos e terão impacto? Como é que o Banco vai ouvir a comunidade local impactada por esses projetos? Hoje, o Élvio Gaspar mencionou que o Banco vai investir fortemente no desenvolvimento tecnológico do etanol. Isso se traduz no desenvolvimento da indústria de álcool. De acordo com o Banco, o meu Estado vai ter em torno de R$ 700 milhões investidos na indústria de álcool, só do BNDES. As destilarias e usinas de álcool do meu Estado são os maiores empregadores de mão-de-obra indígena que desestrutura todas as comunidades indígenas. O Mato Grosso do Sul tem a 4o maior renda per capita do país, mas o maior índice de suicídio e mortalidade infantil indígena. E nesse contexto vamos ter R$ 700 milhões investidos na construção de mais destilarias e mais usinas, inclusive em todos os municípios que estão na borda do Pantanal. Qual é o papel de um banco que objetiva o desenvolvimento, ao investir nesse tipo de projeto? Como é que a nossa comunidade vai poder participar e dizer qual o desenvolvimento que queremos? E como é que vamos construir processos de participação local, temática e nacional? Esses são desafios que o BNDES poderia superar e assim servir de modelo para o conjunto dos bancos de desenvolvimento de toda a América Latina, já que o Brasil tem um papel de espelho na América Latina. O Brasil tem um papel de construtor, às vezes de coisas muito boas, às vezes de coisas muito ruins, na região, servindo de exemplo para muitos países e movimentos da América Latina. Neste sentido quero resgatar uma parte da fala do Élvio Gaspar quando ele disse que o Banco não pode financiar saúde e educação porque isso tem que receber financiamento público, e que vai então financiar o setor privado. No entanto, não podemos financiar um setor privado que em vez de implementar ações para melhorar o desenvolvimento, pioram de forma assustadora as condições de saúde daquela localidade onde atua. Financiar o setor privado não pode ser sinônimo de piorar as condições locais. Foi neste sentido que ao longo desse ano de diálogo com o BNDES, elaboramos alguns parâmetros de financiamento que deveriam ser levados em conta no processo de aprovação, dentro do ciclo de projetos, do BNDES. Não significaria – como várias vezes durante quatro ou cinco meses debatemos exaustivamente – quebra de sigilo bancário, pois depois de aprovado e registrado em cartório, o projeto é público. Dentro do ciclo de projetos, na avaliação dos projetos, algumas questões precisam ser levadas em consideração para que não piorem as condições locais. Uma delas, diz respeito à empregabilidade do projeto. O projeto vai aumentar o nível de emprego daquela localidade ou vai proporcionar uma migração involuntária, uma evasão de famílias? Uma segunda questão importante se refere aos impactos dos projetos financiados pelo Banco nas desigualdades entre homens e mulheres, de raça e etnia, de geração e região. A empresa financiada emprega de forma eqüitativa negros e não negros, índios e não índios, homens e mulheres? Isso agora não é mais só uma

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questão que a sociedade civil tenta conquistar; a própria Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) exige, e o BNDES vai ter que analisar como cumpri-la. E por fim, é a promoção da preservação ambiental, mais do que isso, a promoção da consciência de que o meio ambiente não é só para nós, mas também para futuras gerações. É nessa junção de parâmetros de financiamento que precisamos questionar como o BNDES vai trabalhar internamente com os seus trabalhadores para que essa visão de futuro, essa visão de que é possível criar um Brasil menos desigual, possa efetivamente ser construída. É nessa perspectiva que a Rede Brasil vem participando e está muito aberta ao diálogo que esperamos que seja aprofundado! Que esse seminário seja apenas mais um momento desse aprofundamento.

Antônio Saraiva – Presidente da Associação dos Funcionários do BNDES

Queria começar esclarecendo que a partir da década de 1980, a nossa associação abarcou um conjunto enorme de atividades. Saímos daquela conceituação tradicional de associações voltadas apenas para o interior ou para funções essenciais demandadas dos seus associados. Hoje temos uma visão de que a função de toda entidade associativa não é só discutir as suas questões entre muros, mas também olhar o macroambiente em que ela atua. Particularmente, a minha concepção de vida me levou ao entendimento de que somos uma concessão da natureza e nesta concessão, a mãe natureza tem que ser vista como um espaço que devemos preservar e melhorar. Então, quando falamos na questão da democratização, temos que lembrar que a informação só faz sentido se usada no sentido de transformar. Quem transforma são sempre os seres humanos. Na nossa visão, o BNDES é uma instituição de Estado, e enquanto instituição de Estado está presente há 54 anos na vida econômica e social desse país com um papel cada vez mais relevante. Quem viveu aqui nos últimos 29 anos, atravessou diversos períodos de governo e de administração do Banco. Como resultado dessa visão que a associação vem desenvolvendo a partir dos anos de 1980, ela agora quer discutir programas de governo. Tivemos um período em que o Banco também participava das formulações das políticas econômicas e sociais do país. A partir da década de 1990 o poder passou a ser muito concentrado no Distrito Federal. Estamos atuando de uma forma capenga em relação à visão que temos do papel do BNDES, como temos do Banco do Brasil, da Petrobrás, da Caixa Econômica. Acho que deveriam ser instituições com uma ação mais integrada pensando nesse Brasil como um todo. A realidade não demonstra isso. E é aí que está a importância das entidades organizadas da sociedade. Quando falamos em democratizar, não vamos ter a ilusão de que a população toda vai participar. De toda forma, acho que avançamos bastante. Acho que as ONGs, as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscips) e outras entidades da sociedade civil, têm avançado muito nesse papel. Voltamos a assumir a direção da associação na semana passada, e já tivemos conversando com o Ibase. O Ibase já foi nosso parceiro e acho que continua sendo. Agora vamos voltar

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a conversar no sentido de que a nossa associação também esteja incluída entre as instituições que vão fazer parte do acompanhamento desse trabalho. Para terminar, quero deixar a mensagem em nome da associação dos funcionários, que temos a nossa preocupação “entre muros”, mas temos uma preocupação muito maior com o Brasil, com a sociedade brasileira e com essa natureza que agredimos em nome do que chamam de progresso. A associação também quer ser parceira nessa trajetória nova de diálogo entre o BNDES e a sociedade civil, que está sendo discutida há quase um ano.

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Capítulo 4 Estratégias de Desenvolvimento

Matriz energética: Célio Berman – USP/FBOMS Nelson Siffert – Chefe do Departamento de Energia Elétrica do BNDES Agroindústria: Jan Marc Von Der Weid – ASPTA Meio Ambiente: Eduardo Bandeira de Melo – Chefe do Departamento de Meio Ambiente do BNDES

Célio Bermann – IEE-USP/FBOMS

Sou professor do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo e meu trabalho, considerando que ele é desenvolvido dentro de uma universidade pública, é fazer a ponte entre as questões de ordem técnica e a sociedade civil. Nesse sentido também participo do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (FBOMS), particularmente no Grupo de Trabalho de Energia. Sempre chamo atenção para a necessidade de atuar junto aos movimentos sociais, e assim, a possibilidade deste diálogo com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social é extremamente importante. Espero poder contribuir com elementos relacionados à necessidade de uma reorientação do papel do Banco como indutor do processo de planejamento e desenvolvimento. A matriz energética é central na discussão do atual modelo de desenvolvimento, e nela é crucial questionar para que e para quem é essa energia. Trabalhando dessa forma é possível superar a restrição imposta pela visão ofertista da energia elétrica. Essa visão trabalha a necessidade de atender a demanda de energia elétrica sem questioná-la, e a partir daí restringe a discussão para questões como se é melhor ter grandes hidrelétricas, gás natural ou energias alternativas. A discussão da oferta precisa ser balizada pela discussão do destino da energia. A minha apresentação procura situar o papel do BNDES na definição da política industrial do país e no financiamento da expansão da oferta de energia. Trago como elemento para discussão, um material que sistematizei com base em um projeto de pesquisa que desenvolvo para o Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (CNPq) – a agência de fomento do Ministério de Ciência e Tecnologia. Esses dados ainda não

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foram devidamente entregues ao CNPq – isso será feito em agosto de 2006 – mas já estou deixando esse material aqui no BNDES. A citação ao material pode ser feita a partir desta minha palestra. Os dados consolidados são de 2004. Em 2004, o Brasil foi o: • 6º maior produtor mundial de alumínio primário – 1,46 milhões de ton. • 8º maior produtor mundial de aço bruto – 32,9 milhões de ton. • 7º maior produtor mundial de celulose – 9,6 milhões de ton. • 11º maior produtor mundial de papel – 8,5 milhões de ton. • 6º maior produtor mundial de ferroligas – 1,2 milhões de ton. Refiro-me a esses quatro setores – alumínio primário, siderurgia, papel e celulose e ferroligas, mas estes não são os únicos setores industriais eletrointensivos. Diferentemente dos outros que também poderia mencionar, como o cimento e a petroquímica, esses setores dedicam uma parte expressiva da sua produção para a exportação. Desde os anos de 1960, o BNDES participa diretamente no financiamento para o aumento da capacidade de produção desses setores eletrointensivos. O Banco não se restringiu apenas ao papel de agente financiador, mas foi também durante esse período, planejador e indutor de investimentos. Assim sendo, ao longo da história, o BNDES teve uma participação ativa no processo que nos anos de 1960 recebeu o nome de substituição de importações. Esse não foi o papel só do Banco; isso ocorreu junto com outros órgãos do governo federal. Os vários governos na época permitiram que a produção rapidamente atendesse o consumo doméstico, e mais do que isso, que fosse incentivado o aumento da produção para a exportação. O excedente tinha como destino a exportação, e com isso, foi se definindo o papel do país como exportador de produtos primários. Outro dado importante faz referência à participação desses quatro setores no consumo energético conforme quadro 1 abaixo: Quadro 1: Consumo Energético dos Setores Produtivos Energo–Intensivos Selecionados - 2004 Fontes Alumínio

Eletricidade (em mil MWh) 24.075,2

Siderurgia

16.889

Ferroligas

7.659

Papel e Celulose

14.098

Total

62.721,2

Fonte: SNE/MME – Balanço Energético Nacional: 2004, 2005; SSM/MME – Anuário Estatístico: 2004, 2005; Abal – Anuário Estatístico: 2004, 2005; IBS – Anuário Estatístico: 2004,2005; Abrafe – Anuário Estatístico: 2004, 2005; Bracelpa – Estatísticas do Setor: 2004, 2005.

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De acordo com o quadro acima, o alumínio consumiu 24 milhões de megawatts/ hora, a siderurgia 17 milhões, ferroligas 7,6 milhões e o papel e celulose 14 milhões. No total, os quatro setores consumiram quase 63 milhões de megawatts/hora em 2004, o que correspondeu a 36,5% do consumo industrial do país – mais de 1/3 do consumo industrial total. Isso representa 17,4% do consumo total de eletricidade no país. Assim, esses quatro setores têm uma participação significativa na previsão da demanda, que pode determinar a necessidade de um aumento na capacidade de energia instalada. Isso se torna uma referência para que o governo e, particularmente o BNDES, procurem, através da ação de investimento, garantir o suprimento de energia elétrica. Em relação à distribuição por setor industrial da produção para o mercado externo e interno, conforme Quadro 2 que se segue, verificamos que 71,3% do alumínio é destinado à exportação, 45,3% no caso de ferroliga, a siderurgia 63,6 %, celulose 51% e o papel 22%. Quadro 2: Distribuição por Setor Industrial da produção para o mercado interno e para exportação - 2004 Produção para o Mercado Interno (%)

Produção para o Mercado Externo (%)

Alumínio

28,7

71,3

Ferroligas

54,7

45,3

Siderurgia

36,4

63,6

Celulose

49,2

50,8

Papel

78,1

21,9

Setores Selecionados

Fonte: SMM/MME – Balanço Energético Nacional: 2004, 2005; Abal – Anuário Estatístico: 2004, 2005; IBS – Anuário Estatístico: 2004,2005; Abrafe – Anuário Estatístico: 2004, 2005; Bracelpa – Estatísticas do Setor: 2004, 2005.

Além disso, o Quadro 3 que se segue, demonstra que no conjunto, os produtos energo-intensivos exportados desses setores incorporaram 31 milhões de megawatts­/hora­ de energia elétrica. Existe também o consumo de derivados de petróleo, mas não vou citar porque o foco da nossa discussão é a energia elétrica. Nesse sentido, a energia elétrica incorporada nesses produtos representa 8,7% do consumo total de eletricidade do país, com base nos dados de 2004. Considerando a energia total, essa parcela representa mais de 7%. Ainda, essa exportação consumiu 49,8% da eletricidade e 44,7% da energia total contida nos produtos produzidos pelos quatro setores aqui considerados. Metade da energia elétrica consumida por esses setores é destinada, no seu conjunto, à exportação. Então, cabe perguntar se essa política de desenvolvimento econômico e social é realmente a forma mais apropriada de utilização da energia.

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Quadro 3: Energia incorporada nos produtos energo-intensivos exportados - 2004 Energia Elétrica (em mil MWh)

Energia Total (em mil tep)

Alumínio

17.166

3.777

Ferroligas

3.470

708

Siderurgia

6.148

6.532

Celulose

2.836

1.483*

Papel

1.612

959*

Total

31.232

13.459

Setores Selecionados

* Cálculo estimado pelo autor

Outro dado importante está relacionado ao emprego e a geração de renda no país, a partir de vários setores – incluindo alimentos e bebidas, alumínio, cimento, ferroligas, papel e celulose, produtos químicos, siderurgia e têxtil conforme os Quadros 4 e 5 que se seguem: Quadro 4: Empregos, consumo energético, peso da massa salarial e participação dos gastos com energia segundo setores industriais selecionados: Brasil - 2004 Setor

Empregos (1)

Eletricidade (Gwh)

Energia Total (mil tep)

Salário/ Receita total

Gastos com energia/ receita total

Alimentos e Bebidas

1.148.563

19.851

17.552

5,46%

1,90%

Alumínio primário (2)

15.571

22.077

3.282

5,63%

9,03%

Cimento

15.770

3.754

2.648

3,64%

7,42%

Ferroligas (3)

9.796

7.659

1.563

4,14%

8,52

Papel e celulose

44.676

14.098

7.299

4,75%

3,87%

Produtos químicos

320.769

21.612

7.115

5,76%

2,33%

Siderurgia

56.827

16.889

17.945

5,25%

5,10%

Téxtil

280.296

7.776

1.186

10,55%

5,12%

1. Para os setores alimentos e bebidas, cimento, produtos químicos e têxtil, os dados de emprego referem-se a 2003. 2. Dados de salário e receita total correspondem ao subsetor Metalurgia de metais não ferrosos (CNAE–27,4) 3. Dados de salário e receita total correspondem ao subsetor Produção de ferro-gusa e de ferroligas (CNAE–27,1). Os dados de emprego estão estimados tendo como referência a taxa de emprego observada para o alumínio primário (ano-base: 2000)

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Fonte: IBGE – PIA – Pesquisa Industrial Anual: 2003, 2005; Bracelpa – Estatísticas do Setor: 2004, 2005; ABAL – Anuário Estatístico: 2004, 2005; SMM/MME – Balanço Energético Nacional: 2004, 2005; IBS – Anuário Estatístico: 2004,2005; Abrafe – Anuário Estatístico: 2004, 2005; SNE/MME – Balanço Energético Nacional: 2004, 2005.

Em função desses dados podemos fazer uma avaliação do número de empregos que é assegurado pelo consumo de energia elétrica em cada um dos setores. Quadro 5: Número de empregos por consumo energético segundo setores industriais selecionados: Brasil - 2004 No. Empregos/consumo de energia elétrica (no. empregos/GWh)

No. Empregos/consumo de energia (no. empregos/tep)

Alimentos e bebidas

57,9

65,4

Têxtil

36,1

236,3

Produtos Químicos

14,8

45,1

Cimento

4,2

5,9

Siderurgia

3,4

3,2

Papel e Celulose

3,2

6,2

Ferroligas

1,3

6,3

Alumínio primário

0,7

4,7

Setor

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do Quadro 4.

Observando os dados, é possível perceber que o alumínio primário tem uma geração de emprego extremamente reduzida em relação ao consumo de eletricidade. A geração de emprego nos setores siderurgia, papel e celulose, ferroligas e alumínio primário, se dá numa proporção muito menor, relativamente a outros setores da economia. O balanço dos valores agregados com as exportações e importações de diferentes ramos industriais em 2004, conforme o Quadro 6 que se segue, nos leva a questionar se vale a pena exportar. Quando 6: Balanço dos valores agregados com as exportações e importações de diferentes ramos industriais - 2004 Valores Exportações (mil ton.) Receita (US$ milhões)

Alumínio (1) Ferroligas (2) Siderurgia (3) Papel e Celulose (4) 818,4

351,1

11.982

4.889

1.373,2

598,2

5.287,4

1.722

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Valores Receita Agregada (US$/tonelada) Importação (mil ton) Custo (US$ milhões) Custo agregado (US$/tonelada)

Alumínio (1) Ferroligas (2) Siderurgia (3) Papel e Celulose (4) 1.678

1.704

442

430

62,6

7,3

222,4

540

256,3

59,4

211,4

540

4.092

8.082

951

740

1. Os dados de exportação referem-se ao alumínio primário, e os de importação, aos semi-acabados. 2.Os dados de exportação referem-se a todos os tipos de ferroligas e os de importação, apenas aos ferroligas especiais. 3. Os dados de exportação referem-se a todos os tipos de aço e os de importação, aos aços longos. 4. Os dados de exportação referem-se à celulose, e os de importação, ao papel. Fonte: SGM/MME – Anuário estatístico do setor metalúrgico: 2004, 2005; Bracelpa – Anuário Estatístico: 2004, 2005; ABAL – Anuário Estatístico: 2004–2005; ABRAFE, Anuário: 2004,2005; IBS,2005; SECEX/ DTIC–MICT, 2005.

Os dados do Quadro 6 mostram que a receita agregada – o que se recebe monetariamente para exportar – de uma tonelada de alumínio primário é de US$ 1.678/tonelada. O ferroligas teve uma receita agregada de US$ 1.704/tonelada, a siderurgia US$ 442/tonelada, e a celulose US$ 430/tonelada. Enquanto isso, o custo agregado das importações dos semi-acabados do alumínio é de US$ 4.092/tonelada, ferroligas especiais US$ 8.092/tonelada, e o papel importado U$ 740/tonelada. Estes dados confirmam a forma pela qual a produção industrial brasileira está se inserindo no processo de globalização da economia internacional, limitando-se ao papel de mero exportador de produtos básicos de baixo valor agregado e elevado conteúdo energético. Para assegurar este modelo de desenvolvimento, a expansão da oferta de hidroeletricidade joga um papel fundamental. Dados da matriz de geração de energia elétrica no Brasil revelam que praticamente 76% da energia é baseada na fonte hidráulica. A segunda fonte é a térmica com 19,46%, e as menos utilizadas são as fontes renováveis como biomassa, eólica e solar produzindo 3,54% da energia no Brasil, conforme o Quadro 7 que se segue: Quadro 7: Matriz de geração de energia elétrica no Brasil Tipo

Quantidade

Hidráulica

Potência Instalada (KW)

%

71.390.105

76,30

UHE

151

69.946.298

74,75

PCH

261

1.345.031

1,44

MCH

187

98.776

0,11

58

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Tipo

Quantidade

Térmica

Potência Instalada (KW)

%

18.210.206

19,46

UTE

603

16.203.206

17,32

UTN

2

2.007.000

2,14

3.327.639

3,56

Outras renováveis BIO

263

3.299.069

3,53

EOL

10

28.550

0,03

SOL

1

20

0,00

Total

1.478

92.319.221

100,00

Fonte: Boletim Informativo da Geração – Aneel, março/2006. Legenda: UHE – Usina Hidrelétrica de Energia (> 30.000 KW) PCH – Pequena Central Hidrelétrica (1.000 KW – 30.000 KW) MCH – Micro Central Hidrelétrica (< 1.000 KW) UTE – Usina Termelétrica de Energia (Óleo Combustível, Óleo Diesel, Gás Natural) UTN – Usina Termonuclear BIO – Biomassa EOL – Central Geradora Eolielétrica SOL – Central Geradora Solar Fotovoltaica Obs: Neste quadro não estão considerados os dados referentes aos painéis solares instalados em comunidades isoladas pelo PRODEEM, da ordem de 15.000 kWp e o setor sucro–alcooleiro corresponde a cerca de 70% da geração com biomassa.

Considerando os dados de março de 2006, a potência hidrelétrica instalada era de 71.390 MW, representando 27,45% do potencial hidrelétrico total. Nesse caso, teríamos mais de 72% a ser explorado. O problema é que desse potencial hidrelétrico, 29% está localizado nas bacias do rio Paraná e Uruguai, na região Sul–Sudeste, onde a ocupação de pequenos proprietários e de posseiros é extremamente significativa. Qualquer aproveitamento hidrelétrico nessa região, nos rios dessas bacias, determina um processo de deslocamento involuntário das populações ribeirinhas. Já metade do “potencial” brasileiro (50,2%) se encontra na região Amazônica, nas bacias do rio Madeira, Tocantins, Araguaia, Xingu e Tapajós, conforme mostra o Quadro 8 que se segue:

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60

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1.804

Projeto Básico

24.576 26.595

40.893

104.061

1

8.494

3.106

276

8.321

4.379

2.019

128

1.891

Tocantins

Fonte: Eletrobrás/SIPOT, julho de 2005.

Subtotal Inventariado Total por Bacia

2

25.356

Viabilidade

Desativado

12.961

Inventário

699

63.168

Subtotal Estimado

Operação

44.133

Individualizado

69

19.035

Remanescente

Construção

Amazonas

Bacia Hidrográfica

2.992

1.921

0

301

0

28

619

973

1.071

546

525

Atlântico Leste

26.641

24.724

0

10.395

0

124

6.782

7.424

1.917

1.109

808

São Francisco

14.705

12.803

2

2.959

930

1.521

1.398

5.994

1.902

724

1.178

Atlântico Sudeste

Quadro 8: Pontencial Hidrelétrico brasileiro por Bacia Hidrográfica – MW

61.624

54.549

3

39.467

1.835

2.922

3.486

6.835

7.075

3.327

3.748

Paraná

13.818

12.666

0

2.981

1.599

1.065

3.473

3.548

1.152

1.140

12

Uruguai

9.656

7.487

0

2.604

387

664

2.218

1.614

2.169

1.124

1.045

Atlântico Sul

260.092

179.619

8

67.901

7.927

8.403

51.653

43.728

80.473

52.231

28.242

Total por Estágio


Para finalizar, a atual política energética baseada no aumento da oferta de energia através das grandes usinas hidrelétricas e da prioridade no uso do gás natural, é uma política socialmente injusta e ambientalmente insustentável. Das grandes usinas hidrelétricas na região Amazônica, dois projetos atuais são bastante preocupantes – Belo Monte no rio Xingu, e Santo Antônio e Jirau no rio Madeira. Considerando que a perspectiva de participação da iniciativa privada no desenvolvimento desses projetos tem se manifestado bastante restrita, tudo leva a crer que o governo vai solicitar do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social uma participação maciça, efetiva na implantação desses projetos. De certa forma, isso significa reeditar o papel do governo, através do BNDES, para assegurar o suprimento de energia elétrica utilizando o dinheiro público para interesses privados. Assim, apresento algumas recomendações para o BNDES: Uma reorientação da atual política de fomento à atividade industrial de forma a restringir o aporte financeiro para o aumento da escala de produção dos processos produtivos de alto conteúdo energético e baixo valor agregado; A criação de linhas de crédito para o incentivo à geração distribuída que precisa ser dinamizada; A criação de linhas de crédito à população para aquisição de equipamentos e eletrodomésticos eficientes o que reflete a necessidade de abandonar a visão “ofertista” da energia e chamar a atenção para investimentos no aumento da eficiência e da conservação de energia, referência esta ainda pouco presente nas atividades do Banco; Condicionar o processo de concessão/liberação de financiamentos a concessionárias de geração de energia elétrica para novas usinas, à conformidade no tratamento das questões sociais e ambientais. Isso significa que o BNDES precisa ter critérios para poder disciplinar a liberação de financiamento em função da existência ou não de passivo social e ambiental das empresas que solicitam recursos. De uma forma clara, se as empresas possuem passivos ambientais e sociais, elas não devem ser consideradas como habilitadas para receber financiamento do Banco.

Nelson Siffert – BNDES

Em primeiro lugar, esse diálogo do Banco com as instituições da sociedade civil é muito positivo, estamos de acordo no atacado, nas idéias. Vou procurar falar principalmente sobre o setor elétrico, trazer informações sobre como entendemos este setor e como estamos atuando. Assim, vou falar sobre o setor elétrico, o modelo institucional e a atuação do BNDES neste setor. Em relação às recomendações do professor Célio, duas das quatro já foram atendidas. A primeira (reorientação da atual política de fomento à atividade industrial) e a quarta (condicionar o processo de concessão/liberação de financiamentos à conformidade no tratamento das questões sociais e ambientais) talvez precisem

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de mais discussão. As outras duas (linhas de crédito para o incentivo à geração distribuída que precisa ser dinamizada e linhas de crédito à população para aquisição de equipamentos e eletrodomésticos eficientes) já estão atendidas. Só temos que ganhar com isso. Primeiramente temos que entender o setor elétrico brasileiro, as suas características e especificidades. O Brasil é diferente do resto do mundo e tem suas especificidades em relação ao setor elétrico. Isso é uma grande vantagem porque somos um país de planalto e podemos utilizar a hidroeletricidade em uma escala bem ampla. Isso é muito favorável, é uma possibilidade de dispor dessa fonte de energia renovável, limpa que não emite poluição. O sistema elétrico brasileiro também é um sistema interligado condominial hidrotérmico. No Brasil existem cerca de cento e poucas usinas em diversas localidades do país que respondem por mais de 70% do consumo. Existe uma rede básica de transmissão de mais de 84 mil quilômetros. A nossa rede é uma das maiores do mundo, seria capaz de ligar Moscou a Lisboa em termos de extensão. Talvez nenhum país tenha uma rede básica tão grande quanto a nossa. Qual a vantagem disso? A vantagem é que podemos transpor energia de uma região para outra. Essa transposição de energia nos permite otimizar a operação das usinas hidrelétricas, dos regimes pluviométricos, que são diferentes em cada região do Brasil. Assim, de acordo com a disponibilidade, é permitido intercambiar energia entre a região Norte e a região Sul. A operação desse sistema é centralizado pelo Operador Nacional de Sistema (ONS) e representa uma economia de 20% da potência instalada. O ONS identifica qual usina deve despachar tanto de energia. Essa energia é colocada na rede básica que atende praticamente 70% da demanda de energia do país, tanto industrial, quanto comercial e residencial. Não importa se a energia é produzida no Norte ou no Sul do país porque quando entra na rede básica a velocidade da luz é mais de 84 mil quilômetros por segundos e na medida em que a energia é colocada na rede ela é distribuída pelas distribuidoras. O sistema elétrico brasileiro tem três segmentos: geração, transmissão e distribuição. Os reservatórios são importantes para estocar energia de um ano para o outro. É interessante observar que quase 70% dos reservatórios estão localizados na região Sudeste, abrangendo também parte de Goiás, em um quadrilátero de 600 km2. 69,5% dos reservatórios localizam-se no quadrilátero que compreende parte dos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Goiás, com concentração nas bacias dos rios Grande e Paranaíba. A existência desses reservatórios é muito positiva porque permite a otimização do sistema. Se o sistema brasileiro não fosse operado de forma centralizada, a capacidade instalada teria que ser 20% maior. O ONS otimiza o sistema e utiliza os reservatórios de uma forma integrada. Desta forma, há uma sinergia que é aproveitada pelo ONS. No entanto, o potencial inventariado brasileiro precisa ser mais bem analisado e incorporar a variável ambiental desde o início do processo de planejamento, para depois não dizerem que o licenciamento ambiental é o problema, o estrangulamento.

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É um problema de estrangulamento porque não foi incorporado no início do planejamento. Defendemos que a variável ambiental tem que ser incluída no momento de inventariar o potencial hídrico. Estima-se que menos de 50% do potencial hidrelétrico brasileiro esteja inventariado. Existem também os sistemas isolados da região Norte e Centro-Oeste, supridos majoritariamente por termelétricas a diesel, que estão sendo trocadas por termelétricas a gás, e que vão ser interligados ao sistema nacional. Está previsto no Plano Decenal que a partir de 2008, Rondônia e Acre estarão interligados ao sistema nacional, independente do projeto do Madeira. O setor elétrico é organizado. Existe um Plano Decenal elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) que apresenta como vai ser a expansão do setor no período de 2006 a 2015. Dadas as previsões de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 4,2%, o parque gerador tem que crescer em 40 mil megawatts até 2015. Não quero discutir a natureza do crescimento desse PIB, se vai ser baseado em uma indústria mais ou menos eletro-intensiva. Essa discussão está fora do setor elétrico. O setor elétrico tem que suprir a demanda apresentada pela sociedade brasileira, independente de qual seja essa demanda. É relevante discutir essa demanda, mas o desafio do setor elétrico é garantir que não haja escassez, que a energia elétrica não seja um estrangulamento ao desenvolvimento. No Brasil, 41% da oferta interna de energia provêm de fontes renováveis, enquanto a média mundial é de 14% e a média dos países desenvolvidos apenas 6%. A energia hoje é uma questão central e geopolítica, está na imprensa e na agenda internacional já que poucos países do mundo têm 41% de energia renovável. Nós brasileiros temos que nos orgulhar dessa matriz energética porque contribui relativamente muito pouco para os danos ambientais que a produção de energia de um modo geral causa. É importante deixar claro que uma coisa é a matriz energética e outra é a matriz elétrica. Na matriz energética brasileira está incluído o petróleo – atingimos a autosuficiência – que representa quase 44% da oferta de energia interna. As outras fontes são: hidroeletricidade (14%), biomassa (27%) como cana de açúcar, lenha, carvão vegetal e outras fontes como energia nuclear, carvão e o gás natural (7,5%) que está crescendo. Estamos vivendo uma crise energética brasileira, e acho que é sobre isso que a sociedade deve discutir e pensar a longo prazo. Uma vez que estiver pensando nisso, podemos discutir como a solução vai ser implementada. A discussão central é projetar a matriz energética para daqui a 20 anos, saber que essa matriz vai ter que crescer 40 mil megawatts e discutir o perfil de crescimento desejável para a sociedade. O perfil hoje é muito melhor do que na ampla maioria dos países do mundo que se baseiam em grande parte no petróleo, termoelétricas, carvão, e na importação. A matriz elétrica brasileira é praticamente auto-suficiente. O Brasil não possui um problema energético, possui diversas oportunidades na área, diferentemente de outros

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países do mundo que têm sérios problemas energéticos que impedem o seu desenvolvimento e que geram sérios problemas sociais e políticos. Em relação à matriz elétrica, 70% do parque gerador é hídrico. No ano passado a geração foi mais que 90% hídrica, o que é positivo porque o parque térmico é complementar ao parque hídrico. Na medida em que se tem um parque térmico, se pode operar outro parque hídrico no maior nível hidrológico porque a oferta de energia no Brasil é etocástica, é probabilística, depende do regime pluviométrico. O ONS procura otimizar a utilização do parque atual gerador hídrico de acordo com a disponibilidade de água e não despacha as termoelétricas. Como as termoelétricas vão queimar óleo combustível e gás, é melhor utilizar hidroeletricidade. Há uma complementaridade entre essas fontes até para não ter um uso tão intensivo das fontes hídricas que deplecionam os reservatórios e colocam em risco o abastecimento de energia dos anos subseqüentes. A integração nacional em relação à operação desse sistema apresenta um equilíbrio entre a segurança e o abastecimento. Em relação à carga de energia por região no Brasil e o intercâmbio energético, no momento a região Sul está com problema de escassez de oferta de energia em decorrência da seca e está sendo abastecida pela região Sudeste! Na época do racionamento, a região Sul estava com excesso de energia, mas o sistema de transmissão não permitia que esta suprisse a demanda do resto do país. Desde então, o sistema de transmissão foi reforçado. Na época do racionamento só tinha uma linha de 800 megawatts na região Norte e na região centroSul. Hoje a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) já está licitando a 3ª linha. O BNDES está financiando isso e já financiou a 2ª linha Norte-Sul. Temos financiado cerca de 2.000 km de linhas de transmissão ao ano, o que é uma expansão significativa e desejável do sistema elétrico brasileiro, porque permite esse intercâmbio de energia e uma segurança no abastecimento com maior eficiência. O Brasil é o 3º parque gerador do mundo, equivalente ao parque gerador dos EUA. Como temos um PIB cerca de oito a dez vezes menor que o PIB dos EUA, podemos concluir que, no Brasil, a hidroeletricidade tem uma importância relativamente muito maior que nos EUA. A nossa dependência no petróleo, a nossa emissão de CO2 na atmosfera é muito menor. Nosso perfil de desenvolvimento é muito melhor sobre o ponto de vista da sustentabilidade ambiental já que temos uma matriz energética muito positiva. O Canadá é um pouco maior que o Brasil em termos de parque gerador. O Brasil é totalmente diferente da Inglaterra em termos de matriz energética. Então quando se procurou transpor o modelo energético inglês no Brasil, resultou no racionamento porque se abandonou o planejamento, achando que as livres forças de mercado iriam garantir o suprimento de energia. No entanto, mesmo o Brasil sendo o 3º parque gerador hidrelétrico em potência instalada no mundo, apenas 24% do potencial hidrelétrico brasileiro inventariado está aproveitado. Consequentemente podemos triplicar a nossa capacidade de geração de energia hídrica, o que poucos países do mundo podem fazer. Observem que a

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França e a Alemanha que hoje são os maiores defensores da energia renovável esgotaram praticamente todos os seus recursos hídricos. Claro que não queremos esgotar os nossos recursos hídricos, queremos utilizá-los de forma ambientalmente sustentável, mas não podemos abrir mão dos nossos recursos que são necessários ao desenvolvimento. Uma outra dimensão do setor energético é a integração sul-americana. O setor energético constitui um agente concreto de integração dos povos sul-americanos e isso é algo extremamente desejável sobre o ponto de vista da eficiência econômica. Pode ser também desejável sobre o ponto de vista político, mas essa não é a discussão que me cabe fazer. Em relação ao modelo institucional, em 1994 o governo reformulou o marco regulatório, resgatando a dimensão do planejamento, que busca a modicidade tarifária, tarifas de baixo custo para a população, transparência, concorrência e a realização de leilões. A energia só é comprada e vendida através do leilão e assim deixa de ser uma commodity transnacional sem lastro físico. Todos os contratos de energia passam a ter lastro físico. Esses foram grandes avanços constituídos com esse marco regulatório. O que se tem é uma contratação de a-5 (“a” menos cinco) porque se faz o leilão pensando na energia daqui a cinco anos, o prazo para construir uma usina hidrelétrica. Existe um leilão a-3 (“a” menos três) como o que ocorreu no mês passado, mais competitivo para Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH) e termoelétricas e o leilão a-2 (“a” menos dois) e a-1 (“a” menos um) que são os ajustes que o setor elétrico vai fazendo para que a oferta cresça pari passu ao crescimento da demanda. Vamos à atuação do Banco no setor elétrico. Entre 2003 e 2005, o BNDES aprovou 62 projetos de geração de energia, representando um acréscimo de capacidade de 10,4 gigawatts, 10.400 megawatts. Se o Brasil cresce 4,2%, a demanda estimada de crescimento da oferta é em torno de 3.500 megawatts. Então o BNDES tem conseguido através dos 62 projetos, atender esse crescimento da demanda o que nos coloca em uma perspectiva favorável em termos de oferta de energia até 2010. A partir de 2010 temos que aprofundar o debate. Esses 62 projetos representaram o apoio financeiro da ordem de R$ 7,6 bilhões e investimentos de R$ 13,2 bilhões. Em termos de energia alternativa, renovável, desses 62 projetos, 15 são de hidrelétricas que não foram concluídas pelo governo passado como, por exemplo, Barra Grande, Campos Novos, Tucuruí II, Capim Branco I e II, Corumbá IV e Picada, que somam 7,5 gigawatts, 7.500 megawatts. Essas 15 hidrelétricas responderam por quase 75% da oferta. Não obstante, R$ 1,7 bilhões foram investidos pelo Banco em 29 PCHs. Assim sendo, o BNDES já atende a energia distribuída que é fornecida pelas centrais hidrelétricas. Uma das recomendações colocadas pelo professor Célio. O Banco apoiou também 12 projetos de biomassa e 3 projetos de energia eólica. Desta forma, o BNDES está investindo pesado em energia alternativa. Não há nenhum projeto de energia alternativa que tenha condições de financiabilidade que o Banco não financia. Essa é a nossa prioridade. No entanto, não podemos financiar

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apenas energia alternativa, porque não há um volume de projetos que seja capaz de suprir as demandas. Essa demanda é suprida pelas hidrelétricas e as pequenas centrais de energia renovável. Claro que é desejável que seja a energia renovável, na verdade considero a hidrelétrica energia renovável. É necessário ter todas ao mesmo tempo, a energia renovável, a hidrelétrica e a termoelétrica também. Todas essas fontes são desejáveis. Em termos de linhas de transmissão, apoiamos 3.265 quilômetros em 12 projetos representando o apoio financeiro de R$ 2 bilhões. Em termos de distribuição, apoiamos 19 projetos, no valor de R$ 1,7 bilhões, tendo um total de R$ 11,3 bilhões no setor elétrico. Esses são projetos que aumentam a capacidade produtiva. O BNDES tem se voltado para o aumento da capacidade produtiva. No período anterior trabalhou-se na privatização, na compra e venda de ativos. Agora se busca resgatar a tradição desenvolvimentista do Banco procurando incorporar as dimensões sociais e ambientais. Vou apresentar alguns dados do Plano Decenal porque é bom deixar claro que não é o BNDES que formula a política energética do país, quem formula a política energética do país é o Ministério de Minas e Energia, através da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). O BNDES apenas financia os projetos que são viáveis sob o ponto de vista econômico e social. O BNDES responde às demandas que são colocadas pela sociedade e está alinhado ao governo federal apoiando assim a política energética do governo. Dentro da política energética do governo federal, a síntese é o Plano Decenal elaborado pela EPE decorrente desse novo marco regulatório onde se resgata o planejamento do setor elétrico. Nesse trabalho da EPE, identifica-se a necessidade de aumentar a capacidade de energia em 40 mil megawatts até 2015. Aponta a necessidade de crescer em 31 mil megawatts a capacidade de geração hidrelétrica. Desses 31 mil megawatts, o BNDES financiou ou está analisando um total de 13 projetos. Não pode financiar Irapê até agora por ser um projeto de empresa pública e há um contingenciamento ao financiamento. Isso representa praticamente 15% da oferta prevista no Plano Decenal. Estreito, que é um projeto do rio Tocantins de 1.087 megawatts, ainda não tem a licença ambiental. Não encaminhamos nenhuma operação da diretoria do Banco sem ter a licença ambiental. Chapecó é um projeto que tem o licenciamento ambiental já obtido e assim estamos discutindo seu financiamento; assim como São Salvador. Estão em análise na parte hídrica 2.185 projetos. Considerando os projetos já financiados e os em análise, chegamos a quase 7 mil megawatts daqueles 30 mil previstos no Plano Decenal. Então chegamos a quase 20% do Plano Decenal no 1o e 2o ano de partida do plano. A participação do BNDES nos empreendimentos de geração é de até 80% dos itens financiáveis, mantendo-se uma participação de recursos próprios não-exigíveis de pelo menos 30% do investimento total. Para terminar, alguns pontos do Plano Decenal podem ser destacados: a participação de projetos na região Norte responde por cerca de 30% (12.000 megawatts) da expansão hidrelétrica prevista no Plano Decenal; o potencial expressivo da bio-

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massa e PCHs; incorporação da variável socioambiental no processo de planejamento; o plano proporciona maior previsibilidade para formulação das estratégias de investimento das empresas geradoras; e sinaliza vultuosos investimentos e demanda de funding para o seu financiamento.

Jan Marc Von Der Weid – ASPTA

Irei tratar de três temas de natureza muito diferente. Em primeiro lugar, uma crítica ao modelo de desenvolvimento dominante no Brasil, conhecido como o agronegócio; segundo, uma avaliação do potencial de um outro modelo de desenvolvimento conhecido como agroecologia; e terceiro uma avaliação dos instrumentos de política pública que podem servir para apoiar o desenvolvimento agroecológico do Brasil. A ASPTA – Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa – é uma ONG que fundei há 23 anos. Inicialmente, tratava de agricultura alternativa hoje chamamos isso de agroecologia. Essa organização gerou uma rede nacional de entidades de referência na área de agroecologia que por sua vez, junto com outras organizações dos movimentos sociais, sobretudo, gerou a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA). A crítica ao modelo de desenvolvimento com base no agronegócio, infelizmente não é senso comum. Percebemos vendo televisão ou lendo jornal que hoje o agronegócio é considerado um grande sucesso, algo espetacular, com resultados fantásticos, e é o que garante a balança comercial do país. A montagem desse modelo começou durante o regime militar, com uma política de Estado fortemente indutora através do processo de modernização. Nesse período, recursos públicos maciços foram colocados à disposição das empresas privadas e dos grandes latifúndios que foram se transformando no que são hoje essas grandes empresas rurais. Esse processo que dura mais ou menos 40 anos – relativamente curto considerando a história de desenvolvimento do país – já deixou marcas muito pesadas sobre a sociedade brasileira, sobre o meio ambiente e sobre a economia. No entanto, mais recentemente – desde a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento de 1992 realizada no Rio (Eco 92) – começa a aparecer um movimento mais forte com percepção desses impactos. Considerando somente a questão social, por exemplo, o processo de modernização da agricultura brasileira teve e tem um impacto monstruoso na transferência de população em curtíssimo espaço de tempo. Como conseqüência, deixamos de ser um país com 80% de população rural para um com entre 20% e 35%, dependendo do conceito de rural utilizado. De qualquer forma é uma inversão do quadro com um deslocamento de população na ordem de 40 milhões de pessoas no espaço de 2530 anos. Esse movimento de população não ocorre como em outros lugares, sendo resultado de atração mais do que expulsão, ele é fundamentalmente um processo expulsório. Embora existam alguns fatores de desenvolvimento econômico que atraíram (e atraem) mão de obra rural para as zonas urbanas, o que ocorreu (e continua

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ocorrendo) de fato foi um processo de exclusão e expulsão, transferindo pobreza e miséria das zonas rurais para as zonas urbanas. Uma boa parte dos nossos problemas urbanos tem origem nesse período de brutal deslocamento da população como conseqüência da modernização da agricultura. Os impactos ambientais são muito difíceis de medir, embora muitas vezes sejam facilmente visíveis. Em muitas regiões do Brasil, é possível ver áreas abandonadas, sem cultivo, porque não tem mais mata. Isso é o que se chama de pasto ralo, pasto sujo, macega. São áreas de tanta degradação que não têm utilidade econômica nenhuma. Não são áreas de preservação, o processo de recuperação é lentíssimo e em alguns lugares impossível. Isso pode ser encontrado no Centro-Oeste, na Amazônia, no Nordeste, e em regiões inclusive de ocupação mais antiga no Sul e no Sudeste. O quanto isso significou de perda mensurável, ainda não foi feito nenhum exercício nesse país para avaliar. Há indicadores da região do Cerrado provando que 40 a 60 milhões de hectares são de áreas degradadas. Isso ocorreu durante um espaço de tempo ainda mais curto porque a ocupação do Cerrado é mais recente do que 40 anos. Desse processo de modernização existem outros impactos além da erosão e do desmatamento, como a poluição de fontes hídricas das mais variadas, que resulta em desequilíbrios ambientais, inclusive afetando o próprio funcionamento da agricultura. Esse é o preço que se pagou para ter uma produção maciça, em grande escala de certo número de produtos. Alguns produtos foram extremamente beneficiados por esse processo enquanto outros não. Na verdade são os produtos que hoje são marcas importantes de exportação que mais se beneficiaram desse processo de modernização. As possibilidades de esse modelo continuar existindo estão mais do que limitadas. Por um lado esse custo ambiental torna-se cada vez mais grave à medida que áreas mais vulneráveis são ocupadas. Os ecossistemas brasileiros que ainda estão em processo de ocupação são particularmente frágeis, portanto qualquer incorporação mais brutal tem efeitos em prazos muito curtos. Isso é o caso da Amazônia claramente, do Cerrado e das áreas de caatinga no Nordeste que também são bastante frágeis. O país tem ainda uma síndrome que talvez tenha sido herdada do primeiro português que botou o pé no Brasil e começou a plantar. A oferta de terra é considerada ilimitada. Assim, vamos destroçando o que tem pela frente, ocupando novas terras com base na percepção de que sempre tem mais terra para ocupar. Essa sempre foi a lógica! O problema é que estamos chegando ao fim, atingindo nossos limites físicos. Embora ainda existam alguns milhões de hectares que possam ser ocupados pela produção, essas são áreas onde a fragilidade ambiental é maior. Por outro lado, o que também representa um limitante extremamente pesado para a evolução desse modelo de desenvolvimento, é o fato de que ele também está chegando ao limite do seu potencial de crescimento do ponto de vista do aumento da produtividade, ou seja, a utilização de fertilizantes químicos, o processo de melhoramento genético das plantas para melhor absorver esses fertilizantes químicos e crescer mais, chegou a um limite. Isso está ocorrendo – não só no Brasil, mas no mundo inteiro – de

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tal forma que por mais que se aumentem quantidades de uso de fertilizantes, a resposta começa a ser marginal e chega ao limite de se tornar antieconômico. Além disso, o modelo é extremamente caro do ponto de vista energético. O modelo tem uma produção energética pequena em relação à quantidade que é consumida. A proporção entre a entrada e a saída de energia dos mais complexos e mais avançados sistemas nessa área é de nove para um. Essa energia fundamentalmente é petróleo. Foi o petróleo que serviu de base para que o sistema da chamada “Revolução Verde” se estabelecesse pelo mundo afora. Atualmente, estamos chegando a um momento em que os custos do petróleo tendem a inviabilizar esse sistema. Segundo a avaliação de alguns especialistas no plano internacional, chegamos ao pico de exploração do petróleo em 2005. Daqui para frente tudo que é acrescentado de novas descobertas de petróleo não chega a cobrir aquilo que já está sendo explorado, ou seja, as reservas conhecidas. Então, inicia-se um desbalanço que em um prazo não muito longo – calcula-se até 2025, 2030 – tende a tornar qualquer sistema baseado no uso energético de petróleo inviável. Um outro fator que também pesa nesse setor é a água. Embora no Brasil se use relativamente pouca irrigação, comparado com outros países, algo perto de 25% da nossa produção de grãos depende de irrigação, e o uso de água se dá de uma forma muito ineficiente. Para produzir um quilo de grãos hoje em dia, se gasta uns mil litros de água. Outro problema está relacionado ao paradigma de tentar controlar fatores naturais que interferem na agricultura. O modelo é caracterizado por uma busca por controlar todos os elementos que interferem na produção agrícola, ou seja, a oferta hídrica, oferta de nutrientes, os ataques de pragas e a competição de outras plantas. Essa tentativa de controle se dá através de processos químicos e processos de grande densidade energética. Como são processos de grande economia, mecanizados em grandes escalas de monoculturas, estão em contradição com que o meio ambiente demanda. O meio ambiente tende para a diversificação, para a biodiversidade. As situações naturais são de diversidade de plantas e de espécies. As monoculturas são exatamente o oposto disso. Assim, à medida que se promove cada vez mais a monocultura, se trava uma luta direta contra o ambiente. Isso é permanente. Do ponto de vista da agricultura, esta luta está sendo perdida porque a quantidade de pragas que escapam à capacidade de controle químico que foi sendo gerada nesse período é cada vez maior. Atualmente existem “pragas duras” que há umas quatro décadas não se ouvia falar. Hoje são mais de 400 tipos de insetos, sendo 50 tipos de fungos e outros tipos de artrópodes variados que têm capacidade de resistir aos principais agentes químicos de controle. A agroecologia responde positivamente uma série dos problemas colocados pelo sistema agroquímico. É um modelo que busca se aproximar dos processos naturais sem perder de vista que não existe nenhum modelo de agricultura que possa ser perfeitamente assimilável ao sistema natural. Quando se faz agricultura, se está privilegiando algumas plantas em relação a outras. Isso é absolutamente inevitável,

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portanto, não é um sistema natural. Pode-se fazer com maior ou menor aproximação com os sistemas naturais. É isso que a agricultura agroecológica procura fazer de forma que o choque não seja tão grande. É um sistema que procura trabalhar com o manejo dos recursos naturais renováveis; utiliza um mínimo de recursos não renováveis externos, idealmente nenhum. O resultado, do ponto de vista da produtividade – algo que é pouco conhecido – é muito bom ou melhor que qualquer sistema convencional que hoje é descrito como uma maravilha do ponto de vista da eficiência. Sistemas agroecológicos desenvolvidos para a produção de arroz em Madagascar, por exemplo, e que estão sendo reproduzidos no Rio Grande do Sul recentemente, estão tirando até 21 toneladas de arroz por hectare. Isso sem usar insumo químico ou sementes melhoradas em laboratórios. 21 toneladas é muito arroz! É superior ao sistema de produção de milho e feijão dos EUA de ponta. No Paraná existem sistemas de produção com um aumento de produtividade de 300% e 500% respectivamente, sendo competitivos com qualquer sistema convencional aplicado na região. Isto é possível com algumas restrições. Normalmente é difícil implementar sistemas agroecológicos em grande escala. Dependendo do ecossistema, utilizando o máximo do potencial agroecológico, até é possível operar em grande escala. Propriedades agroecológicas na Pensilvânia nos Estados Unidos – um ambiente de baixa diversidade ambiental – com algo em torno de 200 a 400 hectares operam muito bem com uma ótima produtividade. No entanto, não seria possível fazer um sistema agroecológico com alta produtividade em 200 ou 400 hectares no Sul da Bahia em Zona de Mata Atlântica de altíssima diversidade ambiental. Para utilizar e aproveitar bem esse potencial dentro dos princípios da agroecologia não é possível operar na escala de 200 ou 500 hectares, mas sim em 30 a 40 hectares. Esse é um excelente resultado do ponto de vista de produção, do meio ambiente, da qualidade do produto, do ponto de vista de uma série de coisas, mas não dá para operar em escala de grande propriedade. Por um lado isso pode ser muito positivo porque é um ocupador de mão de obra que vai estar na frente dos sistemas reforçando assim, os processos de reforma agrária e de descentralização do capital no Brasil. O sistema agroecológico é capaz de produzir os excedentes necessários para alimentar essa população agrícola e a população do país como um todo. No entanto, certamente tem uma série de adaptações que teriam que ser feitas em sistemas agroecológicos tanto do ponto de vista da distribuição de propriedade, do acesso à terra, como do ponto de vista das estruturas de beneficiamento. Não se pode mais ter uma estrutura de beneficiamento de grandíssimo porte, pois são concentradoras de insumos agrícolas a serem transformados, que acaba gerando uma grande monocultura à sua vizinhança. É necessário trabalhar com estruturas menos concentradas, mais polivalentes e capazes de operar com diversidade de cultivos que a agroecologia colocaria no cenário agrícola no Brasil como vem colocando em certas regiões do mundo. A principal dificuldade para operar sistemas de agroecologia não é recurso do ponto de vista de financiamento. A agroecologia – por usar poucos insumos externos

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à propriedade – não precisa de muito dinheiro ao contrário do sistema convencional que é caro precisando de investimentos recorrentes. Há necessidade de um investimento inicial para estruturar o sistema, mas não precisa voltar sistematicamente a comprar insumos ano a ano como é no sistema convencional. Por outro lado, esse sistema tem uma limitação do ponto de vista de acesso à informação. Inclusive se diz que o sistema convencional da agricultura é capital intensivo enquanto que o sistema agroecológico é intensivo em conhecimento. Não é tão simples fazer agroecologia como de certa forma o sistema convencional é. O sistema convencional funciona por cartilha; existem manuais com informações sobre o que colocar, aonde, qual quantidade e de que maneira. O sistema convencional envolve atividades razoavelmente simplificadas que até um agricultor com pouca experiência é capaz de operar sem muito problema. A agroecologia não, pois lida com diversidades de sistemas, questões de desenho do próprio manejo de operações dos recursos naturais, gestão do tempo de trabalho, gestão da área de operação – tudo muito complexo. Portanto, tem uma questão centrada no acesso ao conhecimento. Isso foi um dos fatores que nos levou a concentrar esforços ao longo desses 23 anos de trabalho, no desenvolvimento de uma metodologia de geração participativa de conhecimento agroecológico que permitisse que os agricultores mesmos assumissem o trabalho. Claro que com o apoio de setores científicos, mas fundamentalmente, o objetivo é que os agricultores sejam capazes de identificar as soluções específicas para sua situação concreta. Na agroecologia não se lida com pacotes técnicos, se lida com as especificidades de cada situação. A diversidade ambiental exige soluções muito diversificadas para diferentes situações. Isso coloca uma problemática no que diz respeito à política pública de apoio ao desenvolvimento da agroecologia. O Estado funciona com processos que tendem a dar resultados em curto prazo. De acordo com essa lógica, se investe em um saco de arroz ou tantos sacos de milho para ter “x” a mais de produção de um ano para outro. A agroecologia não opera dessa forma; os processos são mais longos que começam muito lentamente e depois disparam até virar uma curva extremamente acelerada. Assim, depois de certo tempo, é possível ganhar uma densidade maior de resultados em um processo participativo com a comunidade. Isso vale inclusive para os custos de assistência técnica e de pesquisa. Comparando os custos da assistência técnica da ASPTA com os da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater), os do serviço público são maiores, pois temos um trabalho continuado com os agricultores ao longo de 10 a 15 anos, com a participação intensiva destes. O financiamento do governo não opera assim, ao contrário, mata esse tipo de possibilidade. Desde o governo Fernando Henrique, a ASPTA está em discussão com o governo sobre políticas públicas de apoio à agroecologia. Avançou-se na discussão com o governo Lula. Há um reconhecimento forte da agroecologia no Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) em setores da Embrapa, mas mexer na cultura institucional

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do governo, de como ele lida com esses processos de desenvolvimento, ainda não foi possível. A nossa proposta atualmente é criar um fundo de financiamento para o desenvolvimento sustentável agroecológico. Um fundo que possa operar sob prazos que não são de um ano, dois ou três anos – o prazo de um governo – mas de 15 anos, que possa ter certa flexibilidade e a capacidade de acompanhar as dinâmicas sociais que estão implicadas nesse processo de desenvolvimento. Essa é uma proposta interessante para ser discutida com o próprio BNDES. A criação de um fundo dessa natureza é fundamental para permitir que o desenvolvimento seja pensando e programado nos prazos talvez tão longos como o da energia elétrica – 10 a 15 anos – para atingir os efeitos e a eficiência que pode ter um sistema desses.

Eduardo Bandeira de Melo – BNDES

A política ambiental do BNDES foi aprovada em reunião de diretoria no dia 18 de maio desse ano. Isso não quer dizer que o BNDES não tivesse uma política ambiental anterior. Os bancos e as empresas sempre têm políticas ambientais, às vezes até sem saber, e pode inclusive ser uma política ambiental predatória. O fato é que o BNDES­ tinha e tem uma política ambiental, tem uma ação reconhecida na área ambiental que vem da década de 1970, desde quando ainda não existia o Ministério do Meio Ambiente. O BNDES na década de 1980, por exemplo, negou o financiamento de duas usinas mais emblemáticas por seus impactos na Amazônia – Samuel e Balbino. Isso ocorreu em torno de 1984/1985 quando a legislação ambiental brasileira ainda não estava consolidada. Infelizmente as usinas – duas excrescências ambientais – foram construídas, mas não com o nosso financiamento. Nessa época, o BNDES nem tinha um departamento de meio ambiente. Se já havia uma política ambiental, porque é importante o BNDES explicitar essa política? A última política ambiental que tinha sido referendada pela diretoria do BNDES­ era de 1999. Com o tempo, essa política foi sendo consolidada, embora não apresentada com clareza ao público externo. A falta de apresentação desta política gerou interpretações equivocadas que muitas vezes eram lesivas à imagem do Banco. Por exemplo, a ONG Fast Track elaborou um “famigerado” relatório classificando a responsabilidade social e ambiental e a transparência de 39 instituições financeiras que segundo eles, eram instituições privadas, embora duas estatais fossem incluídas no processo. O BNDES e um banco coreano tiraram nota zero em todos os quesitos – direitos humanos, relações de trabalho, clima e energia, e em todos os outros! Isso é um absurdo porque lemos todo o relatório e concluímos que era um estudo absolutamente sem sentido que usava uma metodologia ruim e mal aplicada. Quem vê televisão todo dia sabe que os bancos estão cada vez mais preocupados com o meio ambiente. Assim como nós consumidores conscientes, quando vamos comprar um ar condicionado procuramos pelo selo “Procel”, quando compramos madeira para fazer o telhado da casa queremos saber se a madeira é certificada, queremos saber qual é a origem daquela madeira, quando vamos procurar um ban-

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co que vai nos prover o serviço bancário queremos saber se é responsável. Assim, essa atitude responsável dos bancos, inclusive de adotar os princípios do Equador, é extremamente positiva. Isso está relacionado não só à questão do risco ambiental, como também à imagem que é cada vez mais cobrada por depositantes, acionistas, fornecedores, investidores etc. Ter uma política ambiental é central hoje nos bancos, inclusive nos bancos privados. A estratégia de marketing desses bancos passa por explicitar sua conformidade com as questões sociais e ambientais. Ligamos a televisão e vemos o Ronaldinho Gaúcho falando do Banco Santander, a Fernanda Montenegro falando da responsabilidade socioambiental do Banco do Brasil, e o Bradesco aparecendo como banco completo por se preocupar com tais questões. O que o BNDES tem de diferente desses bancos? O BNDES é um banco público, é um banco de desenvolvimento. O respeito às questões sociais e ambientais para o BNDES não é simplesmente uma questão de responsabilidade corporativa, não temos depositantes e nem investidores. O BNDES é um banco para quem essas questões não são simplesmente responsabilidades, são obrigações. O produto final de um banco de desenvolvimento é o desenvolvimento sustentável. É isso que o banco tem, nesses 54 anos de vida, procurado prover para a sociedade brasileira. Claro que erramos aqui e ali e assumimos os erros. Essa interlocução com vocês é extremamente positiva para estabelecer um canal de diálogo para que possamos sempre receber esse feedback. O fato é que o produto final do Banco é o desenvolvimento sustentável. A Unep – Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas – tem uma iniciativa para bancos da qual o BNDES participa, por exemplo. Até agora o BNDES não participa dos princípios do Equador. Os princípios do Equador, são um conjunto de normas criadas pela Corporação Financeira Internacional do Grupo Banco Mundial que explicita seu compromisso com o meio ambiente, estabelece uma série de salvaguardas, procedimentos e regras a serem seguidas no apoio a projetos acima de US$10 milhões. Esse valor foi recentemente modificado de US$50 milhões em um encontro de avaliação dos princípios. Quarenta e um bancos já aderiram aos princípios, dos quais alguns são brasileiros – Bradesco, Itaú, ABN, Banco do Brasil e Unibanco. O BNDES não aderiu ainda, estamos discutindo isso internamente. A reunião de diretoria de 18 de maio definiu a criação de um grupo de trabalho que vai, entre outras coisas, analisar a adesão (ou não) do BNDES. Independente do BNDES aderir ou não aos princípios do Equador, o Banco já vai além de muito daquilo contemplado pelos princípios. No nosso caso é uma questão de missão. Assim, o respeito ao meio ambiente, às questões sociais, está presente nas atividades do BNDES desde muito antes de existir um departamento de meio ambiente, os princípios do Equador, o Protocolo Verde e outros acordos. Analisando a relação dos bancos signatários dos princípios do Equador, não vamos encontrar nenhum banco de desenvolvimento exatamente porque estes já têm essa preocupação. O BID não adotou os princípios do Equador, como também não adotaram o Banco Europeu para Reconstrução e Desenvolvimento e os bancos de desenvolvi-

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mento da Ásia e da África, mas todos têm suas políticas próprias de meio ambiente assim como o BNDES tem. Não estou excluindo os princípios do Equador que é uma iniciativa extremamente positiva. Dá-nos segurança saber que estamos lidando com agentes financeiros que adotam os princípios do Equador, que são signatários do Protocolo Verde, mas o fato do BNDES aderir ou não – o que ainda vai ser decidido – não interfere na nossa política ambiental. O BNDES não considera o meio ambiente como limitador do desenvolvimento como muitas vezes é colocado. O meio ambiente para o Banco é um indutor, é um qualificador do processo de desenvolvimento. A biodiversidade, biotecnologia, ecoeficiência, produção mais limpa, desenvolvimento regional sustentável, energias renováveis, eficiência energética, o comércio exterior, qualidade de vida nos meios urbanos e rurais, política externa e entrada de recursos internacionais – créditos de carbono e serviços ambientais – são oportunidades de investimento e de desenvolvimento para o país que surge através de setores que têm uma ligação com a questão ambiental. A política ambiental do Banco é um conjunto de princípios, diretrizes e instrumentos. Enquanto princípios, os da política anterior foram mantidos, que é uma declaração de intenções, de fundamentos que confirmam nosso compromisso com a questão ambiental: 5. O BNDES considera a preservação, conservação e recuperação do meio ambiente, condições essenciais para a humanidade; 6. Assume ser de fundamental importância a observância de princípios ético-ambientais na concessão de crédito, tendo em vista o compromisso com a presente geração e as gerações futuras. 7. O BNDES entende que investimentos na melhoria do desempenho ambiental de atividades produtivas e de infra-estrutura são indutores de desenvolvimento econômico e social. E assume o compromisso de disponibilizar recursos adequados para a promoção da qualidade ambiental e de atividades ambientalmente sustentáveis. As diretrizes da política envolvem: • Promoção da ecoeficiência – a utilização racional dos materiais, das águas e a eficiência energética; • Desenvolvimento de instrumentos de avaliação do risco ambiental de crédito e de análise ambiental de projetos. Isso já é feito, mas estamos aperfeiçoando o processo, tanto da questão do risco ambiental quanto da análise ambiental de projeto, inclusive com treinamento permanente para o pessoal do Banco; • Atuação em ações preventivas a danos ambientais, apoiando e incentivando projetos e programas que equacionem os passivos ambientais; • Incentivo à implementação de produtos e processos ambientalmente mais adequados e à adoção de sistemas de gestão ambiental por toda a cadeia produtiva, incluindo grandes empresas e seus fornecedores; • Promoção do desenvolvimento da consciência ambiental no BNDES;

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• Fortalecimento do conjunto de informações sobre o perfil energético e ambiental dos setores econômicos e a evolução das rotas tecnológicas, com especial atenção nas inovações em curso e em perspectiva; • Ampliação do conhecimento sobre meio ambiente em geral e aspectos ambientais relevantes dos setores que apóiam, através da realização de eventos, programas de treinamento e capacitação para o corpo técnico e contratação de estudos. Tentamos identificar essas diretrizes e princípios nos projetos que são apresentados ao Banco e estimulamos a apresentação de outros também para que possamos financiar. O Departamento de Meio Ambiente não é um departamento operacional, é transversal. A idéia é disseminar o conhecimento e a consciência ambiental em todos os departamentos do Banco para que todos possam lidar com a questão ambiental. Claro que o Departamento de Meio Ambiente dá todo o apoio que os outros setores precisam, mas queremos que todos tenham consciência ambiental. Os instrumentos da política são: linhas de suporte financeiro, mecanismos de divulgação da ação ambiental do BNDES, procedimentos internos de análise ambiental de projetos e avaliação de risco, a unidade organizacional responsável pelo meio ambiente, o GT Meio Ambiente e ações internas. O BNDES financia a maioria dos grandes projetos industriais de infra-estrutura que existem no país. Assim sendo, as salvaguardas que colocamos para o apoio aos projetos são fundamentais. Participamos do processo de enquadramento das operações e apoiamos quando necessário os departamentos operacionais, estabelecemos recomendações que são seguidas, e se for preciso financiamos também. Além disso, existe uma linha para os projetos exclusivamente ambientais (Proesco – Programa de Eficiência Energética). s) Além da página da internet, a imprensa e a publicidade institucional, os mecanismos de divulgação envolvem a publicação de relatórios anuais como o balanço social e o balanço de sustentabilidade que vamos fazer de agora em diante. A unidade organizacional responsável é o Departamento de Meio Ambiente. Além disso, foi criado um grupo de trabalho de operação permanente com representantes de várias áreas do Banco para discutir e ser o grande formulador da questão ambiental no BNDES. Isso faz parte da idéia de descentralizar a questão, não deixar que a questão ambiental fique restrita a um departamento pequeno como o nosso. E as ações internas? O BNDES se sente na obrigação de dar o exemplo também, de fazer com que esse edifício aqui, por exemplo, seja um edifício ambientalmente correto. Nesse sentido, estamos trabalhando em dois projetos – projeto Edifício Verde e o projeto BNDES – “Carbon Neutral” sobre compensação de emissões de carbono derivadas das atividades do Banco. Os procedimentos operacionais envolvem enquadramento, análise, provação e contratação e acompanhamento. Como já mencionado, o papel dos departamentos operacionais é fundamental. Queremos que a responsabilidade sobre a questão ambiental seja dividida por todos os departamentos operacionais do Banco e que o papel

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do Departamento de Meio Ambiente seja apoiar esses departamentos operacionais. A nossa missão é disseminar esse conhecimento, essa responsabilidade, internalizar a variável por meio de treinamento e capacitação, administração do “site” interno de meio ambiente, divulgação e atualização dos Guias de Procedimentos Ambientais, estudos, acompanhamento e divulgação da legislação ambiental. Ainda sobre o papel do nosso departamento, procuramos fomentar projetos ambientais e identificar novas formas de atuação. O programa de eficiência energética, por exemplo, é um programa que estamos desenvolvendo junto com o Departamento de Energia para tentar aproveitar o potencial de conservação de energia do país. Isso se dá através de estudos sobre tecnologias limpas e estratégias de desenvolvimento de setores econômicos que envolvem questões ambientais e representação institucional – participar de seminários, grupos de trabalho etc. Resumindo, a decisão da diretoria envolveu a: aprovação do documento da Política Ambiental; constituição do GT Meio Ambiente; elaboração de proposta sobre a adoção pelo BNDES dos “Princípios do Equador”; elaboração de proposta sobre projeto de eficiência energética a ser implantado no Edserj (Edifício de Serviços do BNDES) no âmbito do Projeto “Edifício Verde”; elaboração de proposta sobre projeto de compensação de emissões de carbono decorrentes das atividades do BNDES; estudos sobre a edição do “Relatório de Sustentabilidade” do BNDES. A mesma decisão de diretoria criou novas regras para a aplicação da Linha de Meio Ambiente. Os projetos ambientais apresentados ao BNDES, a partir de agora, vão ter condições melhores do que os outros. Vamos poder trabalhar com TJLP de 1% mais os créditos de risco e com participação de 90%, além de não exigir o percentual de cesta de moedas que normalmente se exige. Essa decisão definiu o que consideramos ambiental. Agora vou falar rapidamente sobre o Proesco. A eficiência energética é importante para o BNDES porque aumenta a produtividade, a competitividade das empresas, ajuda a postergar o investimento em geração, reduz os impactos ambientais etc. Sempre tentamos trabalhar com projetos de eficiência energética, mas dificilmente conseguimos por uma série de razões como a pequena expressão das despesas com energia em relação aos custos totais nas empresas, a precária avaliação técnica e financeira das economias potenciais, a falta de informação sobre tecnologias mais eficientes e a indisponibilidade de linhas de crédito adequadas. Até tentamos, lançamos um programa no passado, na década de 1980 que foi um fracasso total. Foi uma época de inflação muito alta e os preços da energia eram muito baixos, usados para reduzir a inflação. Assim, nunca conseguimos apoiar projetos de eficiência energética como realmente deveríamos. Outro motivo é o fato de que boa parte dos projetos de eficiência energética no mundo hoje é feito através de Empresas de Serviços de Conservação de Energia (Escos) que trabalham com projetos de economia de energia na planta de terceiros se remunerando de parte dessas economias. Essas empresas são extremamente eficientes do ponto de vista técnico, mas são empresas

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pequenas, que não têm acesso ao crédito por uma série de razões, principalmente porque não têm como dar garantias, já que investem na planta de terceiros. Não existe nenhuma restrição interna ao financiamento de projeto de eficiência energética. O financiamento pode ser através do cartão BNDES, do BNDES automático, do financiamento tradicional Finame (financiamentos para aquisição isolada de máquinas e equipamentos novos, de fabricação nacional e capital de giro associado para micro, pequenas e médias empresas) do Finem (financiamento a empreendimentos) ou do PMAT (programa de modernização da administração tributária) onde financiamos projetos de eficiência da iluminação pública em prédios públicos de municípios. Nesses casos, estamos simplesmente financiando o usuário final, ou seja, o cliente da Esco. Para financiar a Esco existe toda essa dificuldade – pequeno porte dos projetos, desconhecimento e pouco interesse de agentes financeiros, pequeno número e porte das Escos, e estrutura de garantias. Esse programa vai ser operado pelo departamento de energia que lida com gás, petróleo e fontes alternativas. Vamos trabalhar com agentes financeiros através de operações pequenas. A idéia é fazer muitas operações pequenas para poder aproveitar esse potencial de economia de energia que já foi citado aqui pelo representante do MAB e pelo professor Célio Bermann. Inclusive, esse programa responde a uma das recomendações do professor Célio. Algumas características do programa incluem: parceria com bancos comprometidos com o meio ambiente, compartilhamento do risco (80%-20%), garantias pessoais e caução do contrato de desempenho, comissão por assunção de risco, agilidade nos procedimentos operacionais e a certificação do Projeto.

Perguntas do Plenário Elisangela Paim – Coordenação da Rede Brasil

Gostaria de fazer algumas reflexões e por fim uma solicitação que já foi feita de maneira formal ao Banco, e principalmente ao Departamento de Meio Ambiente. Um dos assuntos levantados na mesa foi a questão da hidrelétrica de Campos Novos e os impactos causados por essa hidrelétrica desde o momento da sua construção, e agora esses problemas apresentados no vazamento dos túneis de desvio do rio Canoas. Há mais de 15 dias quando aconteceu o problema na hidrelétrica, a Rede Brasil e o MAB enviaram uma solicitação formal ao BNDES para que o Banco se posicionasse a respeito deste financiamento e os impactos ocorridos nesses barramentos. Até hoje não foi recebido nenhum comunicado do Banco. Será que esse fato de não responder aos questionamentos da sociedade civil não vem comprovar porque o Banco tirou nota zero na avaliação do Bank Track? Até o BID respondeu essa carta, apesar de ter deixado muito a desejar apontando que não houve nenhum impacto negativo para a sociedade atingida e nem ao meio ambiente. É importante ressaltar que das 700 famílias atingidas pela hidrelétrica de Campos Novos, 250

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não são reconhecidas pelo consórcio Enercan enquanto que o órgão ambiental de Santa Catarina já fez esse reconhecimento. Essas famílias merecem e são legitimas para receber as indenizações. Inclusive, em dezembro de 2005, representantes das Nações Unidas estiveram na região de Campos Novos para averiguar a violação de direitos humanos. Por último o Eduardo colocou que o Banco busca parcerias com bancos que têm comprometimento com o meio ambiente, um desses bancos sendo o Bradesco. Nesse sentido é importante ressaltar que o Bradesco está envolvido no financiamento das hidrelétricas de Campos Novos e Barra Grande na bacia do rio Uruguai e em outros tantos empreendimentos traumáticos no que diz respeito aos impactos socioambientais pelo Brasil afora.

Gilda Cabral – CFEMEA

O dispositivo da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que foi aprovado na Comissão Mista de Orçamento e deve ser aprovado em plenário no inicio de março foi uma grande vitória do movimento feminista e negro. A LDO de 2007 traz avanços na legislação financeira do país, muito simbólico para nós mulheres, que defendemos um desenvolvimento sustentável e o combate às desigualdades. Além desses artigos que definem que as agências de fomento públicas têm que pautar e definir suas prioridades com base nas diretrizes de combate às desigualdades, existe um outro dispositivo importante ainda não mencionado aqui. No artigo 101 dessa lei, parágrafo 1o: é vedada a concessão ou renovação de qualquer empréstimo ou financiamento pelas agências financeiras oficiais de fomento às instituições cujos dirigentes sejam condenados por assédio moral, racismo ou trabalho escravo. A inclusão destas questões em lei de finanças é muito importante, principalmente quando se participa efetivamente na defesa desse tipo de dispositivo. Para esse tipo de dispositivo sair do papel imediatamente tem que ser operacionalizado por algumas instituições de fomento como o BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica. Os grupos de trabalho e toda essa experiência do último ano vivida pelo Banco é muito importante para ajudar na operacionalização e definição de suas diretrizes e empréstimos com base no combate à discriminação de raça, gênero, geração e regional de acordo com o dispositivo da LDO. Tenho esperança de que o BNDES seja um exemplo nesse sentido e disponibilize com transparência as informações demandadas pela sociedade.

Sebastião Soares – funcionário aposentado do BNDES

Queria dar um depoimento e depois fazer uma proposta para o Antonio Saraiva. Estamos vivendo um momento histórico com a realização deste seminário. Na realidade, percebo que este evento, para o BNDES, está sendo uma lufada de oxigênio. O que a Estela Scandola falou sobre o etanol no Mato Grosso do Sul é fundamental. O que o Eduardo Bandeira de Melo falou sobre meio ambiente é uma belíssima novidade. Este seminário é histórico porque estamos juntos para dizer “a fome tem vontade de comer”. Estamos juntando a necessidade do BNDES, de se articular e

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interagir com a sociedade civil e a necessidade da sociedade civil de se articular e interagir com o BNDES. Ambos – e o país como um todo – têm que ganhar com isso. Vejo que, por exemplo, quando o professor Célio coloca a questão das empresas eletro-intensivas, está colocando uma excelente pauta pra discussão dentro do Banco, para o setor elétrico e em relação ao modelo de desenvolvimento brasileiro. A proposta que queria fazer é a seguinte: acho que essa interação da Rede Brasil e Ibase com a administração do BNDES é muito boa, mas podemos intensificar isso usando a proposta que o companheiro do MST fez hoje pela manhã – fazer outros seminários mais freqüentes, seminários setoriais. Podemos trabalhar com a associação de funcionários do BNDES que poderia organizar esses seminários setoriais ou temáticos.

Carlos Tautz – Ibase e Coordenação da Rede Brasil

A pergunta é para o Jan Marc. Sobre a proposta que fez de viabilização de outro modelo de agricultura baseado nos princípios da agroecologia, questiono a proposta da criação do fundo. A história dos fundos no Brasil, mostra que o acesso tem sido muito restrito a quem tem articulação suficiente para acessa-los. Basta tomar o exemplo do setor elétrico, que depois das mudanças institucionais empreendidas durante o governo Fernando Henrique, quase todos os dirigentes do setor foram trabalhar nas empresas privatizadas, ou seja, participaram das duas pontas do processo. Certamente esses novos dirigentes dessas novas instituições têm muito mais acesso, conhecem os caminhos das pedras para acessarem fundos e outros recursos da administração pública. Outro exemplo, aqui mesmo no BNDES onde uma ex-executiva da área de meio ambiente que já foi executiva da empresa de setor de celulose, certamente tem acesso a determinados setores de administração pública com uma facilidade muito grande, principalmente em relação a fundos. Com esses exemplos, quero mostrar que a criação de fundos não é, a princípio, uma idéia simpática. Talvez sejam necessários maiores investimentos na elaboração de uma política pública, de instrumentos de financiamento, levando em consideração essas características da necessidade de romper com o imediatismo. Isso é muito pouco para um determinado modelo de agricultura, mas é compatível com o modelo sustentável, que agregue conhecimento, que recupere as tradições da cultura e da agricultura brasileira.

Luis Fernando Novoa Garzon (Attac/Rede Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip)/Rede Brasil/Universidade Federal de Rondônia)

Em primeiro lugar gostaria de perguntar ao professor Célio e também ao Nelson Siffert sobre a questão do foco da política de energia, dela ser ofertista ou de atender uma demanda. Acho que existe uma contradição na fala dos dois, e percebo essa contradição especificamente no caso do rio Madeira onde se planeja uma disponibilidade energética que não tem como base a demanda da região. No máximo, o que se pode fazer é justificar as hidrelétricas pela “demanda nacional”. Regionalmente não se justifica. O tamanho e disponibilidade de potencial energético não justificam a imple-

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mentação do projeto, a não ser de uma forma enviesada de oferecer incentivos infraestruturais para grandes negócios, como é o caso das empresas eletro-intensivas, ou seja, se está predispondo a região ou reconstruindo a vocação da região em função de uma grande obra. Isso é muito diferente de espelhar necessidades complexas de uma coletividade e de traduzir isso no planejamento público! Essas grandes obras, na maior parte das vezes, as hidrelétricas, especificamente essas duas do Madeira, acabam reforçando as assimetrias de poder, reforçam os atores que protagonizam o modelo de concentração de renda. Parece que o sistema energético predispõe a economia a ter um determinado perfil. Por isso tem-se que ter grandeza nacional ao pensar a política energética e não ter uma visão pragmática de que há uma demanda e que é preciso supri-la, ou seja, o Ministério de Minas e Energia, BNDES, Ministério do Planejamento, o governo como um todo tem que dar ao setor energético o caráter estratégico que ele tem para pensar em desenvolvimento. Especificamente para o professor Célio, você disse que o poder público tende a concentrar as operações dessas hidrelétricas na Amazônia. O setor privado até agora não se prontificou a participar do complexo do rio Madeira e outros projetos na região e há então uma posição majoritária das empresas públicas nesses empreendimentos, especificamente de Furnas e da Eletrobrás. Por que mesmo tendo a necessidade de priorização pública desses investimentos, na hora de oferecer a gestão desses empreendimentos, se oferece ao setor privado? Ou seja, que tipo de política é essa que aumenta o corpo do público, mas acefalamente entrega o comando ao setor privado?

Maria Aparecida

Primeiro gostaria de saber mais sobre as hidrelétricas virtuais. Segundo, como a população tem acesso às informações sobre os financiamentos do Banco? Terceiro, o BNDES está financiando a Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA) que está querendo se instalar na área pesqueira na Bahia? Caso esteja, qual é o valor do financiamento e o BNDES avaliou os riscos da implementação deste projeto para os pescadores?

Estela Scandola – Ibiss/Rede Brasil

Estamos fazendo essas perguntas que a Maria Aparecida acabou de fazer ao Banco há um bom tempo. Temos esperança que as respostas irão para o site do BNDES logo, conforme prometeu a Cibele. A população tem dificuldade de ter acessos elementares, informações básicas sobre os financiamentos do BNDES. Mas existe também uma necessidade do Banco fazer um trabalho interno para pensar como pegar uma política conquistada no Estado brasileiro – participação e transparência – e transformar isso em uma ação de uma instituição pública. Parece que a coisa mais difícil do mundo é fazer com que as conquistas da sociedade sejam incorporadas pelo Estado. Em relação ao questionamento sobre se o BNDES deveria ou não adotar os princípios do Equador, o Banco pode consultar a sociedade, perguntar o que a sociedade acha. O BNDES não é um banco privado, o dono dele é o povo. Fico pensando como

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o BNDES pode começar a incorporar as pequenas demandas que são muito importantes para o processo de participação da sociedade civil. Por exemplo, como é que o Banco pode pegar um estudo como do professor Célio Berman que é financiada pelo CNPq, pelo Ministério de Ciências e Tecnologia e assim pelo próprio governo brasileiro, e incorporar os resultados no seu discurso? Não é possível tratar o Banco como se fosse um ente a parte; ele é intrinsecamente parte do Estado brasileiro e assim precisa incorporar aquilo que já foi incorporado por outros setores. É preciso que isso venha para dentro do Banco; incorporar as pesquisas e pensamentos existentes, e mais do que isso, travar na sua forma de vida, as contradições presentes na sociedade. Não uma contradição majoritariamente apregoada por aqueles que detêm o poder financeiro, mas as contradições efetivamente vividas pela sociedade brasileira. Não se trata na verdade de só falar “não vamos mais exportar alumínio”, é preciso que as outras contradições do território brasileiro sejam colocadas na pauta e no conhecimento, mas mais do que isso, nos corações e na mente de quem trabalha aqui.

César – BNDES

Gostaria de fazer uma observação para a Elisangela Paim a respeito da nota zero que o banco tirou no estudo do Bank Track. Ela sugeriu que talvez pelo fato do Banco não ter respondido uma carta que talvez esse tenha sido um dos motivos pelos quais o Banco tenha tirado nota zero. Acho que a sua observação corroborou o que o professor Bandeira de Melo falou em relação ao fato de que a metodologia usada no estudo é muito ruim. Você falou do Bradesco – um dos bancos que não tirou nota zero – como um dos financiadores dessas hidrelétricas. O Bradesco não tirou nota zero e foi um dos financiadores. Isso mostra que as notas são muito complicadas. Em relação à fala do Jan Marc, foi colocada a questão da pouca geração de conhecimento a respeito da ecoagricultura. Os órgãos do governo, como a Embrapa, têm uma geração de conhecimento científico muito grande, mas tem um custo maior e aparentemente não atende às demandas ou especificidades dessa nova disciplina que surgiu. Então pergunto qual é a sua formação científica e a dos que trabalham com ecoagricultura para que se possa sugerir que a Emater e Embrapa incorporem isso no seu quadro. Qual é o tipo de formação científica e técnica que se demanda para esse tipo de desenvolvimento tão complexo.

Abby Rubison – Estudante

Queria pedir mais explicações sobre a implementação da nova política ambiental e, em vista dessa política, minha pergunta é ligada aos impactos ambientais do megaprojeto do Madeira. Gostaria de saber como essas instituições que financiam essas obras fazem para fiscalizar os impactos negativos. Considero estas instituições também responsáveis por estes impactos. Então, se o BNDES vai dar recursos para essa obra, entendo que é responsabilidade do Banco responder pelos impactos negativos ao meio ambiente e às populações atingidas. O Ibama já disse que

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os estudos de impactos existentes não são suficientes, e por esse motivo solicitou mais informações. Se o Ibama decidir dar a licença ambiental, o que o BNDES pode fazer? Todo mundo sabe que os estudos de avaliação de impacto ambiental não são suficientes. No caso do Madeira, por exemplo, existem impactos na Bolívia que não estão sendo considerados.

Rudzenes Saturnino – Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab)

Apesar dos 50 anos da existência do BNDES, fico surpreso em conhecer o Banco, pois a comunidade indígena nunca ouve falar dele ou do desenvolvimento dele. Gostaria de saber mais sobre os financiamentos do BNDES com relação à questão indígena. O Banco tem alguma preocupação em relação à questão indígena? Organizações indígenas podem ter acesso aos financiamentos do Banco? E a comunidade atingida pelas hidrelétricas financiadas pelo BNDES, em especial o povo indígena, como ficam? Sou de Mato Grosso, povo Xavante que hoje é ameaçado por um projeto de hidrelétrica no Araguaia, rio das Mortes. Espero que este projeto não seja financiado pelo BNDES. Se descobrirmos que o BNDES é o financiador, já sei que a sede é aqui, no Rio de Janeiro! Como o nosso companheiro do MST falou, seu movimento está com as ferramentas afiadas, nós indígenas temos nossas flechas e se nada mudar estaremos aqui no Rio.

Resposta da Mesa Eduardo Bandeira de Mello – BNDES

Queria começar pela colocação da Elisangela Paim sobre Campos Novos. Talvez parte da sua resposta fique com o Nelson que está vindo da região do projeto. Em primeiro lugar, a Rede Brasil mandou uma carta sobre o caso para mim, para o Nelson e para algumas outras pessoas do Banco. Quando algo é enviado para várias pessoas do BNDES, precisamos combinar a resposta e isso pode ser um pouco demorado ainda mais em relação a esse assunto que diz respeito ao Departamento de Energia, mas que também é um assunto ambiental e existe um canal de interlocução através do gabinete da presidência. Ainda que a sua resposta demore um pouco, vamos responder. O Nelson vai lhe explicar os detalhes técnicos já que é um problema de engenharia. A respeito da sua intervenção sobre a avaliação do Bank Track, você associou a nossa demora em responder os questionamentos sobre Campos Novos à nota zero porque possivelmente não teríamos prestado as informações à rede de pesquisa, não é? Como o Márcio já tinha colocado aqui, respondemos o questionário em setembro de 2005, mas o relatório final não consta nem uma vírgula do que respondemos. Queria reafirmar que o relatório do Bank Track partiu de uma metodologia ruim, mal aplicada e mal intencionada. Sinto-me insultado com os resultados; tenho 29 anos de BNDES e muitas pessoas que trabalham comigo. Aquele é um relatório em

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inglês de 70 páginas que possivelmente ninguém leu. Tem um resumo em português de três páginas que poucas pessoas leram. As pessoas leram a tabela de notas que é onde o BNDES aparece com nota zero em tudo, inclusive direitos humanos. O que significa isso? Significa que temos um porão de tortura aqui no 5o subsolo? É isso que quer dizer quando o Banco tira zero em direitos humanos? Acho absolutamente insultante receber uma pesquisa daquela e ela ter tido a repercussão que teve. Quem tiver interesse em discutir os detalhes, temos o relatório, todas as 70 páginas em inglês. O relatório foi lido e discutido pelo Banco que vai refutar essa metodologia e a nota a qualquer momento. O desafio está colocado. Com relação à proposta da Estela de realizar uma consulta à sociedade sobre se o BNDES deve ou não adotar os Princípios do Equador, primeiro faremos um estudo interno sobre o assunto. Reafirmo que consideramos positivo para os bancos que já adotaram os princípios. Os bancos de desenvolvimento nacionais e multilaterais não adotaram ainda. Não sei exatamente como seria uma consulta então não posso afirmar se faremos isso. Faríamos uma consulta na internet para ver se a população acha que o Banco deve adotar ou não? Acho que não existe informação suficiente para isso. O Banco, você citou bem, é um banco público e é controlado pelo público. A diretoria do BNDES é nomeada pelo presidente da República que é eleito em eleição direta e o conselho do Banco tem representantes das centrais sindicais, e das centrais empresariais. Para finalizar, Aparecida, hidrelétrica virtual é uma maneira de colocar a potência instalada que se deixa de instalar por economizar energia. Quando falamos que o nosso programa de eficiência energética conseguiu economizar energia equivalente a uma usina de 10 megawatts, por exemplo, significa que financiamos uma usina virtual de 10 megawatts que sai muito mais barato do que as usinas de verdade. Não tem investimento em transmissão, em distribuição, não tem população atingida, não tem área inundada, não teria problema nenhum. Então é a energia mais limpa e mais barata. A melhor usina que tem é a usina virtual. Sobre a Companhia Siderúrgica do Atlântico, não sei se é uma empresa mutuária do BNDES. Se ninguém no auditório puder esclarecer, sugiro que você me dê o seu contato para que possamos lhe responder depois.

Jan Marc Von Der Weid – ASPTA

Respondendo a pergunta do César sobre o tipo de formação necessária para trabalhar com agroecologia, tem certo grau de complexidade que vai envolver diferentes componentes da área de conhecimento das ciências agrárias, como ecologia, biologia, dinâmica de populações. No entanto, nada impede que a formação clássica dos pesquisadores da Embrapa se adapte a essa nova formação. A dificuldade é que existem hábitos e processos antigos, um direcionamento de formação e de pesquisa que não são facilmente trocáveis. Por isso existe um processo de transição. A Embrapa tem absorvido essa proposta pouco a pouco. Inclusive, recentemente, a Embrapa formulou um documento extremamente interessante sobre

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o paradigma da agroecologia e o seu papel enquanto instituição, como promotora de um conhecimento nessa direção. Esse documento baliza a visão da instituição. A ASPTA vem participando desse processo, foi membro do conselho consultor da Embrapa durante algum tempo, continua tendo colegas atualmente neste conselho, tem um diálogo muito bom com a empresa, mas sabemos que essa mudança não se dá do dia para a noite. Por outro lado, há, na geração do conhecimento sobre agroecologia, certo nível de informação e de detalhamento que não é feito pela ciên­cia. Em última análise o agricultor tem que participar da pesquisa aplicada, pois ele vai captar diferentes formas e fontes de conhecimento e ajusta-las à sua situação específica. Esses são procedimentos metodológicos mais complicados para os profissionais da área científica aceitar já que estão mais habituados a outro tipo de procedimento e de pesquisa. Há um problema de formação que pode ser e vem sendo tratado crescentemente no Brasil através de cursos de agroecologia na universidade. No entanto, a formação depende também da prática que o cientista pode desenvolver. Quando comecei a tratar desse tema era necessário ser agrônomo. Minha formação é de engenheiro químico e depois de economista. Dizem até que por não ter uma formação de agrônomo conseguia olhar para coisas que os agrônomos não olhavam, porque na prática se aprende muito! Não deixa de existir lacunas de informação que não consigo resolver, que ou um agrônomo me dá uma “muleta” ou a coisa não avança, mas a prática tem me formado muito. Sobre a questão colocada pelo Carlos Tautz, da proposta de criação de um fundo, pode até ser verdade que não seja uma solução. Estamos discutindo muito isso com o governo, sobre como seria este fundo, que tipo de participação teria, qual seria o processo de decisão, questões de marco legal etc. Fazendo uma comparação objetiva, organizações não governamentais como a ASPTA, têm fontes de financiamento externas desde que foram criadas. Desde a criação da ASPTA somos financiados por organizações do exterior, igrejas, fundações como a Ford, cooperação francesa e européia em geral. Fomos conseguindo um conjunto de recursos que nos deram segurança e flexibilidade por prazos longos. No caso da agroecologia, não se pode simplesmente traçar um programa rígido que possa prever com absoluta precisão o que vai acontecer daqui a dois, três, quatro, cinco anos porque o agricultor de repente pensa uma outra coisa, ou passa por uma outra realidade e tudo muda. Qualquer proposta tem que contemplar essa dinâmica. Isso significa segurança de recurso e flexibilidade. O problema que se coloca em relação aos recursos públicos, é que quando se lida com o desenvolvimento agroecológico, desenvolvimento com a agricultura familiar, se lida com pesquisa, assistência técnica e extensão rural, capacitação, formação, crédito, agroindustrialização e mercado. Cada um desses temas tem uma política diferenciada, uma fonte pagadora diferenciada. Desta forma, para que o programa/ projeto seja encaminhado, tem que acessar cada uma das fontes separadamente.

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Isso é um processo complicado porque o prazo é de um ano. A cada ano tem que fazer outro projeto e acessar novamente as fontes de financiamento. Além disso, o governo atrasa e de repente um dia o recurso é contingenciado e não liberado. A agricultura não pode ficar esperando, porque sem o dinheiro o agricultor não planta, não colhe, não opera. Conseqüentemente, é preciso primeiro ter uma articulação entre as políticas e entre as diferentes fontes de recursos que possam ser investidos no processo de desenvolvimento rural. A centralização desses recursos através de um fundo permite trabalhar essa dinâmica com coerência. O sucesso do fundo vai depender do seu marco legal e da garantia de que as organizações dos agricultores tenham um papel importante dentro da estrutura de gestão do recurso.

Nelson Siffert – BNDES

Vou começar com a colocação do companheiro indígena Xavante dizendo que o Banco tem preocupação sim com a comunidade indígena e já apoiou diversas comunidades. Citaria o exemplo do Estado do Acre onde o BNDES tem uma longa tradição de atuação desde a época de Chico Mendes e no período mais recente também. Apoiamos diversas comunidades indígenas como também seringueiros e povos da floresta, procurando desenvolver o movimento, a agricultura agroflorestal adaptável àquela região e às especificidades da cultura e projetos de resgate dos elementos da cultura desses povos. Isso para o Banco é muito importante e achamos que devemos fazer mais. É importante que a comunidade indígena apresente projetos ao Banco, apresente o que a comunidade precisa, e como podemos atender. Temos um caminho a ampliar nessa relação. Indo para questões do setor elétrico, primeiro sobre o Madeira que foi colocado aqui, essa realmente não é uma questão regional, tem um impacto regional, mas também nacional. Itaipú, por exemplo, uma energia renovável importante, é motivo de orgulho de todos os brasileiros. É inimaginável esse país hoje, sem Itaipú que responde por mais de 20% da oferta da energia nacional. As regiões do país têm que contribuir cada qual com a sua possibilidade para o desenvolvimento nacional, respeitando a cultura e o meio ambiente local. Vivemos em um país federativo onde todos devem colaborar para o desenvolvimento nacional embora os impactos muitas vezes se dêem localmente. Isso ocorre em qualquer processo de desenvolvimento, ainda que de forma sustentável. O Madeira responde por 1/3 da oferta de energia prevista pra 2011/2012; é um projeto importante para a oferta de energia do país que precisa ser construído. Poucos países do mundo dispõem de um aproveitamento hidrelétrico igual ao do rio Madeira. Como abrir mão desse aproveitamento hidrelétrico – uma energia limpa, renovável onde o impacto ambiental é mitigado bastante pelas técnicas de engenharia – para suprir as necessidades de energia? O Brasil tem uma institucionalidade e cabe ao Ibama fazer a avaliação ambiental do projeto. Claro que o BNDES também vai analisar a variável ambiental, mas o responsável institucional pela análise ambiental é o Ibama. Inclusive, o Ibama está soli-

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citando novas informações sobre o projeto o que é muito desejável, mas é um projeto importante. Não podemos prescindir do Madeira, não temos muitas alternativas. A respeito da colocação da Maria Aparecida, como o Eduardo já expressou, o conceito de hidrelétrica virtual se refere à idéia de que, se é possível realizar 100 projetos que economizam dois megawatts cada, deixa de ser necessário construir uma usina de 200 megawatts. Assim, o programa de eficiência energética que o Departamento do Meio Ambiente desenvolveu, ao qual o Departamento de Energia dá uma ênfase muito grande é no sentido de tentar fazer 100, 200, mil operações de eficiência energética. Mudando a rede de iluminação de uma rede de supermercados, por exemplo, é possível economizar 28 megawatts como se fosse uma pequena central hidrelétrica. Na hora de somar esse conjunto de projetos de eficiência energética, cria-se como se fosse uma usina virtual que não precisa ser construída. Sobre os princípios do Equador, gostaria de colocar uma reflexão curta. Tenho uma preocupação enquanto cidadão dessa visão das instituições que adotaram os princípios que vêm de fora. Acho que devemos ter uma carta de princípios ambientais de Belém, por exemplo! Não precisa ser algo que tenha uma chancela internacional. Atrás dessa chancela internacional sobre o meio ambiente, existem questões que buscam restringir o nosso grau de liberdade nas possibilidades de utilizar os nossos recursos. Tenho certa preocupação enquanto brasileiro, porque devemos criar nós mesmos os nossos princípios a partir das discussões que venhamos a fazer e que temos feito. A respeito de Campos Novos, essa questão da resposta e não resposta da carta enviada pela Rede Brasil acabou se transformando em uma questão burocrática. Acho que não cabe reduzir o problema a uma questão burocrática – a Rede mandou uma carta e o BNDES não respondeu! O BNDES mandou uma equipe formada por advogados, engenheiros e economistas essa semana a Campos Novos para analisar as várias dimensões do ocorrido. O que de fato ocorreu em Campos Novos que está dando essa celeuma, foi um problema técnico de engenharia. A usina está praticamente pronta, as máquinas já estão instaladas, já se iniciou o processo de testar as máquinas, e nesse momento quando o reservatório estava praticamente cheio, faltando poucos metros para completar o nível do reservatório, foi quando ocorreu o vazamento. Campos Novos é uma barragem que tem características próprias – ela fica ao lado de um vale e de uma ribanceira em uma área bem íngreme. Ela é uma barragem de ombreira, de entroncamento, que são pedras sob pedras como se fosse uma pirâmide. Essa é uma grande barragem de quase 200 m de altura com capacidade de gerar 800 megawatts o que é muito importante para o desenvolvimento nacional. Houve um problema de engenharia; uma comporta metálica que fica submersa – porque para poder construir uma barragem é preciso construir um túnel para desviar o rio e fazer em secadeira – arrebentou, não suportou a carga da água. Esse é um problema estritamente de engenharia.

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De quem é esse problema? Claro que afeta a comunidade porque o reservatório teve que ser esvaziado. Isso vai ter custo para quem? Vai custar aos acionistas, à construtora, à seguradora. Não vai custar nada ao BNDES. O caso não causou nenhum dano socioambiental porque estes já foram constituídos pela própria construção da barragem. Daqui a pouco o reservatório estará cheio novamente então não vai alterar o dano ambiental que já foi causado pela implantação da usina. Vale ressaltar que esses danos ambientais são inevitáveis com a implantação de um projeto de energia daquela envergadura. Assim, houve um problema sim e esse problema está sendo solucionado. A barragem interliga as duas comunidades e já é permitido o tráfego de trânsito em cima da barragem. Não há nenhum risco da barragem sofrer qualquer problema técnico que venha causar qualquer problema à comunidade. Logo abaixo da barragem, tem o reservatório de Machadinho o que permitiu que toda a água de Campos Novos fosse para lá. O reservatório de Machadinho foi para 85% do nível de ocupação do reservatório. A fissura da barragem mostrada em foto que foi divulgada para o Brasil inteiro e que causou espanto a todos inclusive a mim, obviamente, é um problema. Mas é um problema da camada de revestimento, no concreto que faz o revestimento, tipo uma manta para tentar impermeabilizar. As fissuras estão sendo reparadas e não causam nenhum impacto estrutural. Foram consultados a defesa civil, o Ibama, a Aneel, e consultores internacionais que estão examinando o ocorrido, investigando as causas técnicas. Os impactos financeiros também serão tratados da forma adequada. Existem vários eventos culturais em Campos Novos, a história e arqueologia do município e uma série de identidades culturais da comunidade foram resgatadas. A casa histórica foi restaurada e atrás tem um anfiteatro com escola de música etc. Em relação às 250 famílias afetadas pela barragem como mencionadas aqui, o Ministério Público está fazendo um acordo junto ao MAB e a empresa, procurando solucionar esse problema. Considero que o MAB é desejável, é importante que as pessoas se organizem, se preparem, tenham a capacidade de interlocução com a empresa, procurem resolver e mitigar os impactos ambientais. O problema técnico de engenharia vai ser resolvido de uma forma técnica já que não causou nenhum dano socioambiental, a não ser informações não corretas que possam ter causado algum mal-estar na população. A empresa está também desenvolvendo uma política de comunicação junto à população. Atrás dessa questão de Campos Novos percebo que no fundo há um sentimento na sociedade contra as hidrelétricas. As hidrelétricas são algo positivo para o Brasil, não ruim! No entanto, hidrelétricas causam impactos socioambientais, então temos que tratar disso, mitigar esse processo. Existem técnicas de engenharia, de turbinas que mitigam esse processo. A área que será alagada pelo projeto do Madeira não é expressiva. Se hidrelétricas não forem construídas, qual é a alternativa? Fazer uma térmica a carvão como se fazia no Sul? Emitir CO2? Fazer energia nuclear? Queimar óleo diesel? É importante também que se apresentem as alternativas.

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Célio Bermann – IEE–USP/FBOMS

Para contemplar as questões que foram levantadas durante o debate vou partir das formas pelas quais o governo vem tentado responder às demandas e preocupações relacionadas com a matriz energética do país. O próprio Nelson Siffert é um exemplo – no bom sentido claro – da dificuldade que o governo tem de tratar com as questões que são recorrentes na história do setor elétrico. Isso não é desse governo, vem acontecendo há bastante tempo. A maior dificuldade que o governo tem é de tratar daquilo que chamo da ditadura da oferta. Quando o BNDES se manifesta – isso aconteceu nas posições apresentadas pelo Nelson e pelo Eduardo – no sentido de que vai discutir para quem e para que a energia serve, isso é algo marcante. No governo, o pensamento dominante se refere sempre à necessidade de assegurar o suprimento da energia elétrica sem questionar a natureza da demanda, e considera a hidroeletricidade como boa e renovável. O problema não é dos técnicos do BNDES, que encaram a questão dessa forma. Isso é histórico. É preciso entender o suprimento de energia elétrica como algo que necessariamente deve ser tratado junto com a demanda. Como levantou o Sebastião Soares, ao pensar o circuito da produção do alumínio a partir da bauxita, é preciso buscar entender que esta demanda realmente define a política de suprimento, hoje e no futuro próximo do Brasil. É importante que esse seminário se constitua num momento de reflexão sobre isso, sobre como reorientar a condução da política energética, e a forma como essa política acaba sendo definida pelos mecanismos de financiamento. Não se trata de ter apenas uma visão pragmática em relação ao aumento do suprimento. Eu diria que, se o Brasil não procurasse atender às cegas essa demanda para a qual chamei atenção, teríamos a médio e longo prazo poucos problemas a serem colocados na oferta. Ainda, temos um problema sério da demanda social, que o governo bem ou mal está tentando resolver, com o Programa Luz para Todos. No entanto, temos problemas relacionados com a forma através da qual o setor produtivo procura garantir o seu próprio suprimento. Dessa forma, projetos como o Madeira e o Xingu – este último não foi tocado aqui, mas necessariamente o BNDES vai ser chamado para discutir seu financiamento – representam a dificuldade que o governo tem para refletir sobre o planejamento do suprimento de energia, e entender que necessariamente vamos precisar redefinir o papel do setor energético brasileiro como condutor de mudanças. Essa é a oportunidade oferecida por esse seminário – de buscar reorientar a reflexão com respeito à estratégia de desenvolvimento que busque superar as dificuldades determinadas pela ditadura da oferta. Essa não é uma questão apenas dos técnicos envolvidos no setor, mas é um problema relacionado com a própria forma como o conjunto de órgãos que estão envolvidos – Ministério de Minas e Energia, EPE, o BNDES – define o modelo. Estes órgãos de governo tratam de forma inadequada a questão do suprimento de energia. É fundamental que esse espaço de diálogo possa ser um processo de continuidade, de forma a fazer com que todas essas instituições possam, junto com a sociedade, buscar resolver, superar e apontar maneiras mais adequadas de condução da política energética.

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Encerramento João Roberto Lopes Pinto – Ibase

Este seminário e o ineditismo deste processo colocam sem dúvida a necessidade de continuidade e aprofundamento desse debate. Isso é evidente. Este seminário, também traz uma contribuição do ponto de vista do método, ou seja, de combinar a presença de movimentos sociais, o aspecto político com o aspecto técnico. As contribuições demonstraram muita qualidade. Foi importante também pelo caráter propositivo do encontro, o movimento social aderindo à discussão e o Banco percebendo que o movimento social “não morde”. Isso é importante porque existem setores do Banco que têm resistência com relação ao movimento social e ao diálogo com o movimento. Obviamente não são as pessoas que estão aqui. A possibilidade de que através de eventos como esse, possamos ampliar a participação de departamentos e diretorias do Banco que hoje está muito concentrada na Diretoria da Área de Inclusão Social e Credito, é muito importante para a construção dessa interlocução e a adoção das perspectivas de controle social e sustentabilidade socioambiental dentro do Banco. Agradecemos essa oportunidade dada pelo Banco, a abertura desse espaço, o Departamento de Meio Ambiente, o Departamento de Energia e em particular a Diretoria da Área de Inclusão Social e Crédito por ser parceiro desse processo, como também a Associação de Funcionários que sem dúvida é um canal importante para aprofundarmos e avançar nesse debate. Esperamos que daqui a 15 dias possamos ter acesso a todos os 10 maiores projetos privados por área financiados pelo Banco, conforme prometido pela Cibele. Esperamos ter outras oportunidades como esta, construindo a proposta do João Paulo de realizar outros seminários inclusive temáticos dentro do próprio BNDES novamente.

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Anexo 1 Carta ao Presidente do BNDES, Demian Fiocca

Ao Senhor Demian Fiocca Presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social Rio de Janeiro - RJ “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. (CF, Art. 1º, parágrafo único).

Rio de Janeiro, 13 de julho de 2006. Sr. presidente, Por mais óbvio que pareça, é sempre necessário repetir esse dispositivo da Constituição Federal, aprovada em 1988, que expressa o avanço político conquistado pela sociedade brasileira nas últimas décadas. É nesse dispositivo constitucional e na seqüência de conquistas de brasileiras e brasileiros, que as organizações não governamentais e movimentos sociais, articulados pela Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, baseiam-se para construir o diálogo com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Há quase um ano, essas organizações e a Rede Brasil – criada em 1995 para monitorar as ações do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional – vêm dialogando com o BNDES, a fim de, em um

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primeiro momento, conseguir do Banco informações sobre projetos financiados e participar na elaboração dos critérios de avaliação dos pedidos de desembolso. Objetivamos também exercer o controle social desta instituição pública, indo além dos controles formais que ora se realizam. É necessário observar que os controles aos quais nos referimos não se limitam à área social, mas têm a ver com toda a dimensão social a que cada empréstimo do BNDES induz. Esse não tem sido um diálogo fácil. Da parte das organizações, temos insistido, desde a gestão do ex-presidente do Banco, Carlos Lessa, passando pela gestão do ex-presidente Guido Mantega, atual Ministro da Fazenda, em algumas pautas mínimas que representantes dessas organizações acordaram com representantes do Banco, liderados pelo atual diretor da Área Social, Élvio Gaspar. Assim, por ordem legal expressa do presidente do Banco, consignada na Portaria nº 15/2006, conseguimos a criação de um grupo de trabalho de funcionários do Banco que deveriam, até meados de junho do corrente ano, ter elaborado, em consulta às organizações da sociedade civil, uma política pública de informação. O prazo inicial de dois meses foi adiado uma vez por igual período, sem que a comissão nos tivesse apresentado qualquer resultado. O compromisso de divulgar no sítio do Banco a lista dos dez maiores projetos em cada uma das cinco áreas do BNDES (agropecuária, indústria, infra-estrutura, comércio/serviços e educação/saúde) financiados à iniciativa privada também não foi cumprido, embora tivesse sido apresentada em reunião no dia 7 de junho de 2006. Porém, o Banco suspendeu a sua divulgação e não indicou qualquer data para a sua publicação, mesmo estando suficientemente claro que a exibição pública daquelas informações não contrariava qualquer dispositivo legal. Ao contrário, este ato marcaria um primeiro, embora tímido, passo na direção de uma política de informação pública. Até instituições reconhecidamente conservadoras, como BID e o Banco Mundial têm há quase 30 anos políticas de informação, mesmo com muitas restrições. Assim, vimos, através dessa carta, solicitar: • a realização de uma reunião entre a presidência do BNDES e sua diretoria da área social com as organizações articuladas pela Rede Brasil, com pauta a ser antecipadamente encaminhada; e • o cumprimento por parte do presidente Demian Fiocca, dos compromissos políticos assumidos pelo BNDES. Atenciosamente, Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais

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Anexo 2 Portaria de criação de grupo de trabalho do BNDES

Portaria nº 15/2006 O Presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES­), no uso das atribuições que lhe confere o Art. 17, inciso VI, do Estatuto Social do BNDES, aprovado pelo Decreto nº 4.418, de 11.10.2002, alterado pelos Decretos nº 4.833 de 05.09.2003, nº 5.148, de 21.07.2004, nº 5.212, de 22.09.2004, nº 5.522, de 25.08.2005, e nº 5.607, de 06.12.2005, RESOLVE: 1. Considerando que: a) A sociedade civil, através das organizações não-governamentais (ONGs) ou instituições de pesquisa, vem demandando crescentemente informações sobre a atua­ção do BNDES; b) É elevado o número de pedidos de informações provenientes do Congresso Nacional do Ministério Público Federal, do Tribunal de Contas da União e de outros órgãos da Administração Pública; c) O BNDES, como instituição pública ao aprimorar os mecanismos de acompanhamento de suas ações pela sociedade, fortalece também a democracia, na medida em que favorece o controle social e a participação da sociedade;

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d) O BNDES, enquanto pessoa jurídica da Administração Pública Indireta, deve estrita obediência aos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência; e) A boa prática gerencial ensina a preparação e disponibilização para acesso de informações racionaliza o trabalho do banco, trabalha a favor da melhoria de seu desempenho operacional, aumenta a confiabilidade e a presteza dos serviços prestados. Instituir um grupo de trabalho para formular uma proposta de Política de Informações para o Sistema BNDES, a ser submetida à Diretoria no prazo de até 60 dias, e atuar como interlocutor com grupo de representantes das organizações da sociedade civil. 2. O Grupo de Trabalho terá a seguinte composição; • • • • • • • •

Cibele Gonçalves Azevedo (GP) - Coordenador Luís Henrique Rosati Rocha (GP) Carla Schlude Marins (GP/DECCO) Andréa Campos Gomes Fernandes (AP) Mariza Giannini (AP) Samy Kopit Moscovitch (DIR3) Mauro Arnaud de Queiros Mattos (AS) Cristina Ayoud Riche (Ouvidoria)

3. Esta Portaria entra em vigor nesta data.

Rio de Janeiro, 17 de fevereiro de 2006.

Guido Mantega Presidente

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Anexo 3 Carta de Protesto contra financiamento do Complexo do rio Madeira

Porto Alegre, 26 de junho de 2006. A Sua Excelência o Senhor Luís Inácio da Silva Presidente da República Brasília - DF Senhor Presidente, Vimos por meio deste manifestar nossa extrema preocupação com a decisão de seu governo de construir duas grandes hidrelétricas no rio Madeira, o qual, como é de vosso conhecimento, é o segundo maior rio da bacia amazônica, sendo uma área de grande diversidade biológica e relevância para a conservação da biodiversidade mundial. O barramento promoverá danos irreversíveis sobre esta diversidade, particularmente sobre os peixes, afetando a pesca, um dos suportes da economia da região e, portanto, a sobrevivência de milhares de famílias. Os impactos sociais, ambientais e econômicos serão observados desde o alto Madeira até sua foz e também no rio Amazonas. A experiência da hidrelétrica de Tucuruí, no Pará, mostra que os impactos à jusante das grandes barragens amazônicas são tão sérios quanto os da área inundada. A retenção de sedimentos prejudica a fertilidade da várzea, afetando famílias de agricultores. A inviabilidade econômica do empreendimento é evidenciada pela previsão de gastos superiores a 18 bilhões de reais na construção e outros 10 nas linhas de transmissão. A insistência no modelo de construção de mega-hidrelétri-

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cas na Amazônia condena o país à insegurança energética, pois se prevê que mais da metade da nova capacidade de geração venha das obras do Madeira e de Belo Monte, no rio Xingu – também esta uma obra sem comprovada viabilidade. Aqui vale recordar parte de uma carta enviada ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES, 2004) por centenas de organizações nacionais e de outros países: “Uma política energética correta, de acordo com os interesses do país, deve privilegiar a eficiência (...) Tecnicamente está comprovado que é possível produzir mais com a mesma quantidade de energia elétrica gerada atualmente (...) É necessário redirecionar parte dos investimentos previstos em geração para o desenvolvimento tecnológico; para o suporte a sistemas de produção adequados; para a substituição de motores elétricos antigos por motores eficientes; para novos sistemas de iluminação e para a diminuição de perdas na transmissão, considerando que, neste caso, os índices brasileiros estão muito acima dos aceitáveis internacionalmente. Deve também fazer parte desta nova política que propomos a ‘repotenciação’ das hidrelétricas mais antigas. Estudos indicam que estas medidas permitiriam o aumento de pelo menos 20% na quantidade de energia disponível”. O Banco Mundial, recentemente, apontou que potencialmente é possível economizar 25% da energia elétrica consumida no país, uma cifra que muitos especialistas consideram conservadora. Existem alternativas disponíveis, dentre elas o aporte de “novas” energias através da produção por fontes renováveis e de menor impacto, particularmente a eólica, biomassa e a solar; sendo que no caso desta última é fundamental sua disseminação no aquecimento de água nos domicílios, responsáveis por até 8% do consumo nacional de energia elétrica. Em razão dos fatos e considerações expostos acima, solicitamos que Vossa Excelência reconsidere os planos para as hidrelétricas no rio Madeira, pois a construção, como dissemos inicialmente, trará custos ambientais, econômicos e sociais muito altos para a Amazônia e o país. Atenciosamente. Alcides Faria, Ecoa - MS Glenn Switkes, IRN - SP Elisangela Soldatelli Paim, Núcleo Amigos da Terra / Brasil - RS Lucia Ortiz, Grupo de Trabalho Energia do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento Temistocles Marcelo, Secretário Executivo do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento Luciana Badin Pereira Lima, Ibase - RJ Issac Gerardo Rojas Ramirez, Coecoceiba - Amigos da Terra / Costa Rica Alípio Valdez, Cerdet - Amigos da Terra / Bolívia Edmilson Pinheiro, Fórum Carajás - MA Alessandro Menezes, Rios Vivos Brasil

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Manoel Paiva, Sindicato dos Trabalhadores nas Industrias Quimicas de Barcarena - PA Magnolia Said, Esplar - Centro de Pesquisa e Assessoria - CE Oscar Rivas, Sobrevivência - Amigos da Terra / Paraguai Antonio Soler, Centro de Estudos Ambientais - RS Renato Cunha, Gamba - BA Maurício Galinkin, Fundação Centro Brasileiro de Referência e Apoio Cultural Fundação CEBRAC - DF Luis Fernando Novoa, Attac Telma D. Monteiro, Atla - Associação Terra Laranjeiras - SP Cleber Rodrigues de Paula, Associação Caeté - Cultura e Natureza - SC Jorge Oscar Daneri, Fundación M´Biguá, Ciudadanía y Justicia Ambiental - Entre Ríos - Argentina Margarita Flórez, Ilsa - Colômbia Rubens Harry Born, Vitae Civilis Instituto para o Desenvolvimento, Meio Ambiente e Paz - SP Carlos Durigan, FVA - Fundação Vitória Amazônica Alessandro Menezes, Rede Pantanal Paula Johns, Redeh - Rede de Desenvolvimento Humano Zuleica Nycz, Apromac - Associação de Proteção ao Meio Ambiente de Cianorte - PR Fabrina Furtado, Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais Paula Johns, Rede Tabaco Zero Maria Ivonete Barbosa Tamboril, Professora-pesquisadora da Universidade Federal de Rondônia - RO Sérgio Guimarães, Instituto Centro Vida - MT Rosane Bastos, Centro de Produção, Pesquisa e Capacitação do Cerrado; Nioaque - MS Paulo Brack, Professor-pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - RS Sergio Leitão, Greenpeace Brasil Ricardo Verdum, Instituto de Estudos Socioeconômicos Inesc - DF Rubens Born, Vitae Civilis Instituto para o Desenvolvimento, Meio Ambiente e Paz - SP Adriana Ramos, Instituto Socioambiental (ISA) - DF Rafael Filippin, Liga Ambiental - PR Guilherme Carvalho, Fórum da Amazônia Oriental Wesley Ferreira, Movimento dos Atingidos por Barragens - RO Marco Antônio Trieveiler, Movimento dos Atingidos por Barragens

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Anexo 4 Carta sobre Campos Novos

Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB HIGS - Asa Sul - Quadra 705 - Bloco K - Casa 11 Brasília - DF/ CEP: 70331-763 Fone/Fax: (0xx61) 244-5735 / 242-8535 mab@mabnacional.org.br www.mabnacional.org.br Brasília, 20 de junho de 2006. Sr. Waldemar Wirsig Representante, Banco Inter-Americano de Desenvolvimento Brasília, D.F Fax: 61 3321-3112 Sr. Carlos N. Guimarães Coordenador, Setor Privado, BID Washington, D.C. EUA Fax: +1-202-312-4122 Sr. Eduardo Bandeira de Mello Chefe do departamento de Meio Ambiente do BNDES Rio de Janeiro, RJ emello@bndes.gov.br

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Sr. Élvio Gaspar Diretor da área Inclusão Social e Crédito do BNDES Rio de Janeiro, RJ elvio@bndes.gov.br Sr. Nelson Siffert Chefe de departamento de energia elétrica do BNDES Rio de Janeiro, RJ siffert@bndes.gov.br Sr. Sérgio José Grando Presidente, Fundação do Meio Ambiente Florianópolis, SC Fax: 48 3216-1797 grando@fatma.sc.gov.br Sr. Silas Rondeau Ministro, Minas e Energia Brasília, DF Fax: 61 319-5627 gabinete@mme.gov.br Dr. Marcus Luiz Barroso Barros Presidente, Ibama Brasília - DF Fax: (61) 322-1058 marcus.barros@ibama.gov.br Prezados Senhores: Subscrevemos-lhes para manifestar as preocupações das populações da região da hidrelétrica Campos Novos, no Estado de Santa Catarina, frente ao vazamento acontecendo nos túneis da barragem. Sabemos que o reservatório que já atingiu diretamente mais de mil famílias está cheio, mas segundo informação de pessoas no local que conhecem os aspectos técnicos da obra, os túneis não conseguem segurar a vazão do rio, mesmo depois de várias tentativas pela empresa, Camargo Correa, de tampar o vazamento. Achamos muito estranho o embargo total em informação sobre este problema ao público, sendo que temos certeza que todos os órgãos públicos competentes já devem ter conhecimento do problema. Há suspeita de mortes de trabalhadores na barragem por causa do vazamento, também.

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As populações morando a jusante temem o pior se houver um colapso da barragem, já que sofrem muito como conseqüência da construção de Campos Novos. A obra foi levada num ambiente de violações dos direitos da população local e líderes do Movimento achamos a falta de transparência sobre este problema mais um sinal da falta de honestidade e boa vontade do setor elétrico e dos órgãos ambientais de incluir as populações da região como beneficiários destas grandes obras chamadas de “desenvolvimento”. Exigimos informação confiável e completa sobre as implicações deste problema, para poder alertar a população imediatamente sobre como evitar um desastre maior se a barragem falhar. Atenciosamente, Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB International Rivers Network – IRN Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais

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Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais

A Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais (Rede Brasil) é uma rede de organizações da sociedade civil e movimentos sociais, sem fins lucrativos, não partidária e com finalidade pública. Fundada em 1995, reúne atualmente 80 organizações filiadas com o objetivo comum de acompanhar e intervir em questões relativas às ações de Instituições Financeiras Multilaterais (IFMs) no Brasil, tais como o Grupo Banco Mundial, O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Fundo Monetário Internacional (FMI). Além disso, monitora as ações de agentes financeiros nacionais com atuação internacional como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Coordenação Nacional • André Nepomuceno – Confederação Nacional dos Bancários da Central Única dos Trabalhadores (CNB/CUT) • Carlos Tautz – Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE) • Clemência Bitancourt Donatti – Instituto Brasileiro de Inovações em Saúde Social (IBISS) • Edinaldo Severiano de Oliveira Filho – Fórum Brasileiro de Organizações Não Governamentais e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (FBOMS) • Elisangela Soldatelli Paim – Amigos da Terra Núcleo Brasil (NAT) • Iara Pietricovsky – Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC) • Magnólia Saìd – ESPLAR Centro de Pesquisa e Assessoria • Maria Trindade G. Ferreira – Fórum da Amazônia Oriental (FAOR) Secretaria Executiva: Fabrina Furtado – Secretária Executiva Daniela Lima – Assessora de Comunicação David Paiva – Assistente



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