Caderno especial para a Semana de Ação Global contra a Dívida

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As Instituições Financeiras Internacionais procurando um novo lugar para garantir a mesma dominação PÁGINA 4 DRU: Um caso de Internalização das políticas das Instituições Financeiras Internacionais PÁGINA 6 Banco Mundial e o Aquecimento Global: Solução ou mais problemas? PÁGINA 7 Os Agrocombustíveis como vetores de ampliação das subalternidades nacionais PÁGINA 9 BANCO DO SUL: Outra integração sul-americana ou novo instrumento de dominação? PÁGINA 11

Um início de transparência no BNDES PÁGINA 13 Governo do Equador cria comissão para auditar a dívida pública, com participação da sociedade PÁGINA 14

Caderno Especial

sobre a Semana de Ação Global

A Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais e a Rede Jubileu Sul Brasil publicam um Caderno Especial para subsidiar a Semana de Ação Global que mobiliza organizações e movimentos sociais de todo mundo entre os dias 14 e 21 de outubro de 2007 em campanha contra as Instituições Financeiras Internacionais (IFs) e a Dívida. Neste Caderno poderá ser encontrado textos de autoria de vários representantes dessas duas redes que abordam temas centrais sobre a arquitetura financeira atual. A primeira parte procura analisar a situação atual das Instituições Financeiras Multilaterais – o seu papel, a “crise” de propósito, financeira e de legitimidade que afeta estas Instituições. Crise esta que tem como principal causa o fato das IFIs não serem mais necessárias já que suas políticas foram internalizada pelos Estados. Nesse sentido, uma análise da Desvinculação de Receitas da União – DRU - não podia ficar de fora, um bom exemplo dessa internalização. Além disso, artigos contendo questionamentos com relação aos empréstimos das IFIs no que diz respeito ao aquecimento global e os agrocombustíveis são apresentados como exemplos de tentativas das IFIs saírem dessa “crise” mais fortalecidas, mantendo o status quo das suas políticas. A segunda parte aborda os processos de resistências: Banco do Sul, Plataforma BNDES e Auditoria da Dívida. O especial alerta sobre a importância da ação dos movimentos sociais para que o Banco do Sul seja de fato uma alternativa autônoma e soberana ao Banco Mundial, FMI e BID. O início do processo de transparência do BNDES como resultado de uma articulação de várias ONG, redes e movimentos sociais, também é tema deste Caderno. E por último encontra-se o texto sobre a Auditoria Cidadã da Dívida Externa brasileira – instrumento importante para demonstrar a ilegitimidade da dívida pública e responsabilizar as IFIs e seu papel no crescimento dessa dívida. Este texto também fala da atuação bem sucedida da Auditoria oficial da Dívida no Equador, que deve servir como exemplo para os outros países do Sul.


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Semana de Ação Global contra a Dívida e as IFIs de 14 a 21 de outubro de 2007 O problema da divida não acabou, apesar das promessas e planos dos governos credores e das Instituições Financeiras Internacionais (IFIs) e dos pagamentos adiantados de muitos governos do Sul. A divida continua exacerbando a pobreza e violando os direitos humanos dos povos da África, América Latina, Caribe, Ásia e Pacífico: • à saúde, educação, moradia, água e todos os outros bens essenciais e serviços básicos que deveriam estar disponíveis para todos e todas; • ao emprego, salários dignos e estabilidade trabalhista; • à um meio ambiente saudável e ao uso sustentável dos bens ecológicos; • à independência e autonomia política e financeira; • à autodeterminação em relação ao desenvolvimento econômico e todos os outros aspectos da vida nacional. É um escândalo que o mundo rico continue exigindo do Sul milhões de dólares todos os dias em pagamento de “dívidas” surgidas das injustas relações econômicas que empobrecem o Sul e enriquecem o Norte. Estas dívidas incluem aquelas: • contraídas fora dos processos democráticos; • acompanhadas de condicionalidades e obrigações injustas; • perpetuadas por meio de fraude e e falsas promessas; • cercadas de corrupção e projetos fracassados; • utilizadas para apoiar governos repressores; • utilizadas para aplicar políticas prejudiciais para os povos e o meio ambiente. A dívida continua sendo utilizada como instrumento de controle pelos governos e as instituições financeiras que fazem empréstimos. As condicionalidades ligadas aos créditos e as propostas de alívio da dívida exigem o cumprimento das políticas e projetos neoliberais: • facilitando o ingresso e as operações irresponsáveis das corporações transnacionais; • assegurando acordos comerciais que favoreçam as corporações transnacionais e os países enriquecidos à custa da economia, os meios de vida e o patrimônio dos povos do Sul; • promovendo políticas e estratégias estrangeiras intervencionistas e militarizadas; • permitindo a pilhagem e a extração dos recursos dos países do Sul, acelerando a destruição ambiental e as mudanças climáticas; • violando a tomada democrática de decisões. Participe da Semana de Ação Global contra a Dívida e as IFIS – Uma semana de múltiplas formas de ação e mobilização em todas as partes do mundo, de 14 a 21 de outubro de 2007. Juntos desafiaremos e confrontaremos os governos do Norte, os bancos internacionais, as corporações transnacionais e as instituições multilaterais como o FMI, o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e a Organização Mundial de Comércio (OMC) para que se responsabilizem pela exploração e a ilegitimidade da dívida. Exigimos também dos governos e funcionários dessas instituições no Sul – tanto atuais como os passados - que se responsabilizem pelo seu papel com relação ao problema da dívida. Declaramos nossa disposição e apoio solidário a todos/as que decidirem repudiar a dívida ilegítima. Construiremos relações, princípio e padrões financeiros alternativos e responsáveis para impedir a re-acumulação da divida ilegítima. Isto implicará em mudanças profundas nas estruturas, nos processos e nas políticas internacionais e nacionais, em direção ao estabelecimento de relações econômicas, financeiras e políticas eqüitativas e justas.


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Plataforma da Semana de Ação Global Exigimos dos governos do Norte e do Sul, assim como das Instituições Financeiras Internacionais: 1. A realização de auditorias parlamentares e/ou governamentais das Dívidas de forma aberta, transparente e participativa, tanto nos países do Norte como nos do Sul; cooperação plena com grupos da sociedade civil para a realização de Auditorias Cidadãs independentes das Dívidas, incluindo uma Auditoria Cidadã Global das operações de crédito e políticas do Banco Mundial e do FMI, dos bancos regionais de desenvolvimento e das agências de crédito à exportações. 2. Anulação imediata de 100% das dívidas multilaterais e de todas as dívidas ilegítimas como antecipação da anulação total da divida exigida dos países do Sul, sem impor condicionalidades externas; repúdio de toda dívida insustentável, injusta e ilegítima. 3. Transparência e responsabilidade plena perante os cidadãos e cidadãs com relação aos processos de repúdio ou anulação de dívidas; a tomada e execução democrática de decisões para assegurar que os recursos liberados como resultado do repúdio ou anulação de dívidas sejam utilizados na busca de um desenvolvimento genuíno, eqüitativo e sustentável. 4. Colocar fim imediatamente ao financiamento e a aplicação de políticas e projetos neoliberais por meio de condicionalidades relacionadas com a dívida: • deter a privatização dos serviços públicos e o uso dos recursos públicos para manter os lucros privados; • deixar de utilizar a dívida e a cooperação para o desenvolvimento como meios de obter acordos comerciais injustos; • deter a promoção de projetos que destroem o meio ambiente, tais como as grandes hidrelétricas, a extração nociva de petróleo, gás, carbono e outras energias sujas; e deter a escala das mudanças climáticas. 5. Geração regional de políticas e estruturas financeiras autônomas e soberanas, incluindo um Banco Solidário do Sul, que nos liberem da dominação da dívida e dos processos de endividamento desnecessários e ilegítimos.


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As Instituições Financeiras Internacionais procurando um novo lugar para garantir a mesma dominação *Fabrina Furtado Durante as últimas décadas, o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) vêm ditando “regras de bom comportamento” para os governos do Sul, violando a soberania e o direito à autodeterminação desses povos. São essas regras que têm sido responsáveis por muita destruição econômica, cultural e socioambiental. No entanto, atualmente, devido ao fracasso de suas políticas, à pressão da sociedade civil e às conseqüentes mudanças na conjuntura financeira da América Latina, estas instituições estão passando pelo que pode ser considerada uma de suas piores crises financeira, de legitimidade e de propósito. O FMI atravessa uma crise financeira porque tem contratos de empréstimos com com poucos países o que diminui o recebimento de pagamentos de juros, e de legitimidade por ter sido um dos grandes responsáveis pela crise financeira dos países Asiáticos (iniciada em 1997), da Rússia (1998), do Brasil (janeiro de 1999) e da Argentina (no mesmo ano). Os empréstimos do FMI, denominados de recuperação, na prática, não foram destinados à recuperação das economias impactadas, mas sim usados para possibilitar o pagamento de dívidas e salvar especuladores e credores da insolvência. E a crise de propósito deve-se ao fato de que a sua existência não é mais justificável. Com um ambiente de “estabilidade econômica” e inflação controlada pelos próprios países, o FMI vive uma crise de identidade. Essa “estabilidade” além de não ter sustentabilidade garantida, tem sido obtida a um custo bastante alto para a sociedade em geral e para o desenvolvimento dos mercados locais, gerando mais dependência e vulnerabilidade. A crise do Banco Mundial é antiga. Essa instituição é uma das grandes responsáveis por elaborar e, muitas vezes, implementar – através das condicionalidades e empréstimos de assistência técnica políticas que, além de aumentar a pobreza, a desigualdade e a exclusão, promoveram a privatização da vida. Um estudo realizado pelo próprio Banco Mundial – e posteriormente ignorado pelo mesmo -, com organizações da sociedade civil, revela os impactos negativos dos programas de ajuste estrutural; como cortes nos gastos com a saúde e a educação resultaram no aumento da miséria. O BID, que segue o mesmo receituário do Banco Mundial e do FMI, tem demonstrado incapacidade de lidar com os problemas gerados pelos seus próprios projetos, como é o caso das usinas que financia. A usina hidrelétrica de Cana Brava é um bom exemplo. Instalada em 1999, no estado de Goiás, ela é de propriedade da empresa Tractebel/Suez, e além dos sérios impactos ambientais que causou, expulsou 946 famílias da área de alagamento da barragem, indenizando somente 123 famílias. Para encontrar novas formas de atuação, o BID passa por uma reestruturação interna que preocupa organizações da sociedade civil por enfraquecer ainda mais suas salvaguardas socioambientais. O Banco vem priorizando o financiamento de megaprojetos de infra-estrutura e o agrocombustível – vinculados à Iniciativa de Integração da Infra-estrutura da América do Sul (IIRSA). No atual modelo de desenvolvimento, tais projetos geram impactos irrecuperáveis sobre o meio ambiente e as populações locais, privilegiando empresas multinacionais de exportação que exploram os recursos naturais e a mão de obra barata. As IFIs também estão perdendo espaço em termos financeiros para outras instituições, como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). No Brasil, em 2006, o Banco Mundial desembolsou R$ 4 bilhões; o BID R$ 3 bilhões1, e o BNDES R$ 52,3 bilhões2. Isso explica a necessidade de maior intervenção em relação ao BNDES no que diz respeito à sua falta de transparência, mecanismos de participação e modelo de desenvolvimento financiado, que vêm reproduzindo a lógica das IFIs. É importante ressaltar que essa crise é fruto da internalização nacional das políticas das IFIs por parte dos seus melhores alunos. O que entra em crise de fato é a identidade/estrutura destas

* Fabrina Furtado é secretária executiva da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais


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instituições e não seu receituário, que virou política de Estado e não mais apenas política de governo. Um bom exemplo é a Desvinculação da Receita da União (DRU) – condicionalidade imposta pelo FMI - que permite que o Governo Federal retire das rubricas originais até 20% das verbas arrecadadas por uma série de impostos. Na prática, isso representa a retirada de verbas para investimentos em políticas sociais e o seu uso para enriquecer a banca nacional e internacional, através do pagamento de juros da dívida pública. Embora o Brasil não tenha mais acordo com o FMI, setores do governo federal defendem a renovação da DRU que vence em dezembro de 2007. Cientes de que o FMI, o Banco Mundial e o BID podem não ser considerados indispensáveis, os países que controlam essas instituição estão vendo-se forçados a construir outros papéis para elas. Uma transformação para serem bancos do conhecimento sobre desenvolvimento, os principais agentes financeiros e elaboradores de políticas de “combate” às mudanças climáticas, incluindo a promoção irrestrita de agrocombustíveis, são algumas das ações sendo implementadas pelo Banco Mundial e o BID para manter o status quo. Foi a partir do monitoramento dessas instituições e do reconhecimento dos graves problemas relacionados à sua atuação - estrutura de governança, interesses e políticas receitadas – que surgiu a necessidade de construir estratégias de financiamento ao desenvolvimento da América Latina e demais continentes do Sul, de forma autônoma e soberana. Conseqüentemente, essas instituições enfrentam, atualmente, a possibilidade de serem substituídas por uma instituição criada e controlada pelos países da América do Sul – o Banco do Sul. No entanto, é importante reconhecer que nos últimos 60 anos, instituições como o Banco Mundial e o FMI têm sido muito eficientes em promover adaptações internas e externas para consolidar suas ações e o seu papel hegemônico na governança da economia política internacional. O que irá acontecer de agora em diante vai depender muito da capacidade de influência dessas instituições para manter seus status quo. Pagar as dívidas com as IFMs e expulsá-las do país não é garantia dessa transformação. É preciso expulsar suas políticas também, realizar auditoria das dívidas externas e internas e responsabilizar estas instituições pelos graves erros cometidos, suas contribuições para o crescimento dessas dívidas e os impactos históricos, econômicos, sociais e ecológicos de suas políticas.


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DRU: Um caso de Internalização das políticas das Instituições Financeiras Internacionais *Elizabete Ramos Está em pauta no Congresso Nacional a PEC nº50/2007, a PEC da DRU3- para a ampliação do prazo de vigência ou para sua gradual extinção. É, portanto uma oportunidade de se corrigir este erro histórico que tem contribuído com a crítica situação da educação e da saúde pública no Brasil. A DRU autoriza o Governo Federal a liberação de 20% do total de receitas da União, liberando sua aplicação em finalidades diversas das estabelecidas nas vinculações constitucionais e provocando grande impacto nas despesas públicas sociais. Foi criada inicialmente como Fundo Social de Emergência (FSE), no Governo Fernando Henrique Cardoso, em 1994, seguindo orientação do Acordo firmado com o FMI, prorrogada várias vezes até 1999, quando se constituiu em Desvinculação de Receitas da União (DRU). Teria vigência até 2003 quando foi prorrogada mais uma vez até 2007, já segundo o Acordo Stand-by com o FMI (2002 estendido para 2003) com o Governo Lula, que mantinha o foco na estabilidade da economia e restauração da confiança das relações exteriores, com objetivo principal de garantir o pagamento da dívida pública, independente dos impactos sociais que as medidas pudessem provocar. Tendo o impacto da DRU na Educação como exemplo, entre 1997 e 2006, levando-se em consideração o quanto deveria ter sido aplicado dos 18% vinculados constitucionalmente, e o que foi realizado após aplicação da DRU, observa-se que cerca de R$ 37,5 bilhões4 (em valores corrigidos) deixaram de ser aplicados em manutenção e desenvolvimento do ensino. “A continuidade da DRU significa a manutenção da política de arrocho dos programas sociais, significa a continuidade da crise na saúde e a impossibilidade de atingir as metas do Plano Nacional de Educação para 2011...O mesmo governo que propõe sua prorrogação aprovou recentemente sua Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2008, estabelecendo uma meta de 3,8% do PIB para o superávit primário das contas públicas. Ou seja, parece que só há rigidez orçamentária quando se trata de cumprir o que a Constituição estabelece como garantia em benefício da maioria do povo. Quando se trata de”fazer caixa” para o pagamento da dívida aos ricos, neste caso, curiosamente, não se fala em “flexibilizar o orçamento5”. A Campanha Nacional pelo Direito à Educação entende que a DRU também é inconstitucional pois ela restringe a aplicação de uma garantia constitucional de financiamento, significando verdadeiro retrocesso em matéria de direitos fundamentais e a derrubada da DRU no Congresso é uma oportunidade de se corrigir este erro histórico que tem prejudicado a situação do ensino no país!.

* Elizabete Ramos é educadora do Centro de Cultura Luiz Freire de Pernambuco, membro do comitê diretivo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e membro da coordenação nacional da Rede Brasil sobre Instituições Financerias Multilaterais.


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Banco Mundial e o Aquecimento Global: Solução ou mais problemas? * Fabrina Furtado O aquecimento global – e, conseqüentemente, a conservação das florestas - é hoje um dos temas centrais nas agendas da maioria dos governos do Norte e do Sul. Este tema também é prioridade para Instituições Financeiras Internacionais, como o Banco Mundial. Isso deveria ser um bom sinal. No entanto, ao mesmo tempo em que continua financiando grandes hidrelétricas, termoelétricas, a privatização do setor de energia - investindo entre US$ 2 a US$ 3 bilhões por ano em projetos de energia responsáveis por emissões de gás de efeito estufa6 – , além de projetos que potencializam o desmatamento de florestas, o Banco Mundial planeja liderar o processo de combate ao aquecimento global. E como sempre, seus novos planos para combater o desmatamento, bem como incluir a conservação das florestas na economia do carbono global, estão destinados ao fracasso, já que os direitos dos povos das florestas potencialmente atingidos por tais projetos - quando considerados são secundários ou até vistos como obstáculos. As emissões de gases de efeito estufa resultantes do desmatamento representam 20% das emissões globais e no Brasil este valor representa 75% das emissões nacionais7. Enquanto no Brasil a principal fonte do desmatamento é a pecuária extensiva, o Grupo Banco Mundial – através da Corporação Financeira Internacional (CFI), braço do Banco que financia o setor privado – aprovou um empréstimo de US$ 90 milhões, no início de 2007, para o frigorífico Bertim. O objetivo do projeto é dobrar (de 250 mil para 500 mil) a capacidade de abate anual em Marabá (PA) e expandir atividades em Rondônia e Mato Grosso! A CFI já cometeu erros de avaliação no passado, ao conceder empréstimo sem as devidas exigências socioambientais para a expansão da soja em Mato Grosso (US$ 30 milhões para Amaggi, em 2004) e do eucalipto no Espírito Santo (US$ 50 milhões para Aracruz Celulose S.A, em 2005)8. O Banco Mundial sempre tem sido ágil em liderar iniciativas globais capazes de garantir altos fluxos financeiros do Sul para o Norte. Desta forma, a instituição tem liderado – através das suas “soluções de mercado”- o financiamento internacional de carbono, administrando hoje nada menos que dez diferentes fundos globais de carbono, que valem US$ 2 bilhões, em nome de 16 governos e 64 empresas privadas9. Agora, o Banco está se esforçando para se tornar a principal agência internacional e encabeçar as iniciativas globais de Reduções de Emissões do Desmatamento (RED) Ou seja, de ações de prevenção ou redução de perda de floresta para reduzir as emissões globais de gases de efeito estufa. A proposta significa compensar os “países” por proteger os “depósitos de carbono” em florestas em pé, permitindo que a proteção florestal dos países do Sul gerem direitos de poluição que poderiam ser vendido para as indústrias no Norte continuarem atuando da forma que estão. Nesse sentido, o Banco criou, em julho deste ano, uma nova Facilidade de Parceria do Carbono Florestal (FCPF) para orientar projetos pilotos de redução de emissões de desmatamento em cinco países tropicais. Esta proposta, que até agora praticamente não tem sido discutida com a sociedade civil, muito menos com os povos das florestas, tem como objetivo incrementar as intervenções do Banco no setor florestal em países em desenvolvimento. Para começar, o Banco Mundial está convidando os governos de Papua Nova Guiné, Costa Rica e Indonésia, e órgãos regionais no Brasil e da República Democrático do Congo, para financiar a proteção de florestas através de desmatamento evitado. A escolha desses países não é gratuita. Os países da África e da Ásia já fazem concessões para a exploração florestal há algum tempo e o Brasil aprovou em 2006 sua Lei de Gestão de Florestas Públicas, que vai permitir que o País também sujeite a exploração de suas florestas às regras do mercado capitalista. De acordo com um informe produzido pelo Programa dos Povos da Floresta “Uma alerta sobre RED: as propostas de ‘desmatamento evitado’ e os direitos dos Povos Indígenas e comunidades locais“10, alguns dos riscos desses projetos são:

* Fabrina Furtado é secretária executiva da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais


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• Controle renovado e até incrementado das florestas por parte do Estado e de “especialistas”; • Apoio governamental exagerado aos modelos de conservação da floresta que são excludentes e que desrespeitam as comunidades (expulsões, desapropriação) para proteger lucrativos “reservatórios” florestais de carbono; • Considerar injustamente os povos indígenas e povos excluídos como os “impulsionadores” do desmatamento; • Violações de direitos territoriais e costumeiros; • Zoneamento estatal e por parte de grandes ONGs conservacionistas sem a participação qualificada dos habitantes da floresta e imposição desigual dos custos da proteção florestal sobre povos indígenas e comunidades locais; • Contratos com os povos da floresta desiguais e abusivos; • Especulação fundiária, grilagem e conflito de terras (resultantes da competição por reivindicações de compensação como resultado do desmatamento evitado); • Corrupção e desvio de verbas internacionais por elites nacionais; • Desigualdade crescente e conflitos potenciais entre aqueles que recebem e aqueles que não recebem fundos do desmatamento evitado; • Conflitos potenciais entre comunidades indígenas (em relação à aceitação ou rejeição de projetos de desmatamento evitado). Tais projetos têm implicações importantes para a forma como as florestas serão manejadas, quem será responsável pelo manejo, e o que será ou não permitido dentro delas. Considerando o histórico do Banco Mundial, deixar que esse processo de combate ao aquecimento global, e assim de conservação de florestas - imprescindível para o futuro do planeta e, conseqüentemente, da humanidade -, seja por ele controlado, é correr o risco de reproduzir um modelo que serve somente para beneficiar empresas - nesse caso de financiamento do carbono, que estão ávidas por lucrar com o comércio do carbono florestal - às custas dos povos da floresta e da justiça ambiental.


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Os Agrocombustíveis como vetores de ampliação das subalternidades nacionais *Magnólia Azevedo Said O governo brasileiro tem feito um enorme esforço para, no mercado global de agrocombustíveis, assumir uma liderança que o credencie para ter assento à mesa de negociações das grandes potências mundiais, seja no campo do comércio seja na política internacional. Dentro da visão de crescimento projetada pelo governo para os próximos 15 anos, o país reúne as condições para alçar esse patamar, por várias razões: É o segundo maior produtor de soja do mundo; Ainda tem muita terra agricultável; Incorporou o ajuste estrutural como política de governo, adaptando-se às mudanças nas IFIs e acolhendo esse novo papel; Retoma o crescimento com medidas que atraiam investidores externos, cuja expressão está configurada no Programa de Aceleração do Crescimento- PAC, onde é dada excessiva prioridade ao mercado externo; Dialoga com um setor dos movimentos sociais que convive bem com os espaços de participação consentidos ; E possui um banco estatal- o BNDES- com uma carteira de projetos bem maior do que a dos bancos internacionais, tradicionais parceiros (BM, BID), que amplia seus empréstimos para empresas controladas pelo capital estrangeiro no país. Muitas dessa razões cabem como uma luva na estratégia do governo estadosunidense de manter a América Latina espaço físico e político adequado à sua ampliação de poder. Mas para ter poder no mercado mundial de agrocombustíveis, segundo especialistas, o Brasil precisa estar produzindo até 2025, 102 bilhões de litros de álcool e isso demandaria: a construção de 600 novas usinas, a ampliação das áreas de plantio, de infra-estrutura de transporte e armazenamento e uma mão de obra carente e desqualificada. O fato é que foi dada a largada e o capital começa a se articular agressivamente, envolvendo consórcios entre grandes grupos econômicos e bancos privados, multinacionais de sesó mentes, Petrobrás, usinas, grandes empresas do agronegócio, bancos multilaterais (BM, BID, CFI, CII) e bancos estatais (BNDES e Banco do Nordeste).. São muitos os atores envolvidos no negócio dos agrocombustíveis tendo tanto nosso território na mira como o que ele tem de melhor: água, terra para plantio e uma população que precisa de trabalho. O que está oculto no discurso da “energia limpa, renovável, justa e com distribuição de renda”, segundo a retórica oficial do governo estadosunidense, do governo Lula e dos representantes do agronegócio é que o investimento em agrocombustíveis, dentro da estratégia do governo estadosunidense, é um ótimo argumento para incidir sobre países que estejam criando as condições internas de exercício da soberania e fortalecimento de suas populações. Ou seja, incentivando essa produção em países já bastante endividados e submetidos às regras do ajuste estrutural, as condições de exportação serão dadas pelos países credores. Para os representantes do agronegócio, é a garantia de maior acesso às nossas riquezas naturais e ao nosso território e para o governo brasileiro, é conquistar poder e liderança em base aos mesmos princípios que garantem a força do império estadosunidense, ou seja, dependência e subordinação política e econômica dos países que mantém relação com o Brasil em condições geopolíticas e econômicas desfavoráveis. Tudo combina com essa estratégia, basta ver os consórcios entre empresários que estão sendo criados. A característica dominante é que neles estão envolvidas pessoas com passagem por Instituições Financeiras Internacionais, por empresas públicas ou por Ministérios vinculados às elites rurais. Tome-se como exemplo o Fundo de Investimentos em álcool, criado em março de 2007, do qual fazem parte, dentre outros investidores, o ex-Presidente da

*Magnólia Azevedo Said é Diretora do Esplar- Centro de Pesquisa e Assessoria e membro da coordenação da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais


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Petrobrás, o ex-Presidente do Banco Mundial e o ex-diretor da Agência Nacional de petróleo. Na Comissão Interamericana do etanol, criada em dezembro de 2006, fazem parte de seus quadros, o Presidente do BID e o ex-Ministro Roberto Rodrigues. Esses são personagens com uma função importante nessa teia de interesses, que é serem avalistas dos fundos necessários aos megaempreendimentos. As Instituições Financeiras Internacionais, nas suas estratégias de recomposição, buscam outros lugares para se manterem como atores necessários à elaboração e execução de políticas de desenvolvimento social e de comércio, em países com baixo poder político e econômico e em países em processo de desenvolvimento. Destaque-se a forma como o BID vem atuando no fortalecimento desse mercado regional. Ele passa a investir numa outra frente, complementar à infra-estrutura, ou seja, a realização de empréstimos para o aumento da produção de álcool que, por sua vez demanda mais empréstimos também para ampliação da infra-estrutura. Para tanto, o BID já disponibilizou através da Corporação Internacional de Investimentos - CII, recursos da ordem de U$2 bilhões. O problema é que o Banco não pára por aí, em termos de diversificação, já tendo realizado estudos que demonstram as vantagens de alguns países latinoamericanos em termos de matéria-prima necessária à produção de agrocombustíveis e por disponibilizarem um arcabouço legal, já compatível com as necessidades de ampliação desse mercado, além de ter assegurados, recursos para pesquisas em agrocombustíveis no Brasil e para intercâmbio entre técnicos brasileiros e estrangeiros, no sentido da formação de reserva de valor em agrocombustíveis. Ocorre que o BID sempre teve uma intervenção muito mais direta na política do que no desenvolvimento econômico dos países. Mas nessa busca de um novo papel, o Banco se utiliza do lugar de uma Presidência supranacional que na prática, é representativa dos países que detém maior poder na estrutura organizativa do Banco, para dar mais fôlego a uma estratégia que pretende inibir o avanço de projetos de desenvolvimento a partir dos povos, por toda a América Latina. No caso do Brasil o BNDES surpreende. Sua carteira de projetos para o setor de agrocombustíveis esse ano é de R$7.021 bilhões. Esse crescimento acelerado, se comparado aos anos de 2006 (R$2.1 bilhões) e 2005 (R$1 bilhão)expõe a inversão do que é relevante para o Banco, ao definir o setor de agrocombustíveis como prioridade nas suas políticas de financiamento. Nessa perspectiva segue o BNDES, associado ao BM, BID CFI e CII, aprovando financiamentos para empresas indiscriminadamente, algumas já denunciadas pelos movimentos sociais por agressão ao meio ambiente e às populações locais, como o grupo Bertim, com a justificativa de mais empregos e mais cuidado com a natureza quando, na verdade, o modelo energético defendido por essas corporações, somente contribui para concentrar mais renda, degradar mais a terra e a água e violar mais ainda os direitos humanos de trabalhadores e trabalhadoras. Na verdade, a corrida rumo ao “ouro” energético, reproduz na agricultura familiar a mesma farsa dos transgênicos, com os mesmo atores envolvidos e sob as bênçãos de alguns organismos supranacionais. Mas dessa vez, os efeitos poderão ser bem maiores, tendo em vista que o que sobrar de alimento para a população virá com o rótulo de “biocombustível amigo da natureza”. Fica uma grande preocupação: o lado “ animal “ do empresariado que o Ministro assessor do Presidente Lula - o Delfim Neto- provocava para “liberar de vez”, já apresenta os efeitos dessa agressão. Será que as populações historicamente oprimidas se levantarão para neutralizar esse animal?


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Processos de Resistência: Banco do Sul, Plataforma BNDES e Auditoria da Dívida

BANCO DO SUL: Outra integração sul-americana ou novo instrumento de dominação? *Marcus Arruda e Gabriel Strautman Em reunião realizada no último dia 8 de outubro no Rio de Janeiro, os ministros da economia e finanças de Brasil, Argentina, Bolívia, Equador, Paraguai, Uruguai e Venezuela avançaram nas negociações para a criação do Banco do Sul. Ficou acertada a assinatura da ata de fundação da nova instituição financeira multilateral, que terá sede em Caracas, para 3 de novembro de 2007. Mas ainda não há acordo sobre o volume do aporte de cada país, nem sobre o sistema de tomadas de decisão. O Banco do Sul será um banco de desenvolvimento e começará com um capital de US$ 7 bilhões. Ele nasce como alternativa ao Banco Mundial e ao BID, por isso a importância política da iniciativa, que reforça a perspectiva da soberania da América do Sul. O número de membros ainda está em discussão. Especula-se que além dos sete países presentes nesta reunião, outros cinco poderão vir a integrar a instituição. A criação do banco deve ser entendida como um impulso à criação de um sistema financeiro regional autônomo consciente da necessidade de priorizar de maneira absoluta a superação da pobreza, a marginalidade e o subdesenvolvimento estrutural. Neste sentido, quanto maior a adesão ao banco, melhor para a América do Sul. Nos acordos já assinados estão incluídos três campos de negociação: (1) Banco do Sul como banco de desenvolvimento; (2) Funções de Banco Central Sul-Americano; e (3) Esquema Monetário. Mas na prática as negociações até agora focalizaram apenas o primeiro campo. Para os movimentos sociais e redes da sociedade civil organizada da região, o Banco do Sul deve formar parte de uma estratégia regional, junto com a criação de um fundo de estabilização do Sul, uma moeda comum regional, a realização de uma auditoria das dívidas internas e externas e o não pagamento das dívidas ilegítimas exigidas dos países. Essa estratégia deve ser uma resposta que contribua para romper a dependência em relação aos mercados de capitais globalizados, incertos e altamente especulativos, de forma que possa canalizar a própria capacidade de poupança para o atendimento dos direitos e das necessidades dos povos. Em carta aberta aos presidentes dos países que negociam a criação do Banco do Sul, intitulada “Por um Banco Do Sul de acordo com os direitos, necessidades, potencialidades e com a vocação democrática dos povos” (ver em http://www.rbrasil.org.br/content,0,0,2000,0,0.html) foram apresentadas algumas propostas dos movimentos sociais e das redes da sociedade civil organizada da região para a formulação do projeto do Banco do Sul: a) Que o Banco defina como objetivo central a promoção do desenvolvimento próprio, soberano e solidário dos países membros e de toda a região. Desenvolvimento definido como o desdobramento dos atributos, recursos e potencialidades das pessoas, das comunidades e dos povos, que não pode ser atingido sem que eles próprios sejam seus protagonistas. b) Que componha seu capital acionário e diretoria de forma igualitária entre os países membros. c) Que defina claramente que suas quotas de crédito serão para o fortalecimento do setor público e social, dando prioridade à redistribuição da riqueza e à proteção do meio ambiente, contribuindo para superar as assimetrias existentes e respeitando a vida e o bem-estar do povo, seus direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais e pelo direito à sua própria auto-determinação e desenvolvimento. Por isso, rechaçamos explicitamente que o Banco do Sul seja utilizado para financiar megaprojetos como os da IIRSA, ou investimentos extrativos, contaminantes ou socialmente excludentes que não contam com o consentimento das e nem beneficiam as populações impactadas. d) E que estabeleça explicitamente mecanismos e informação e de controle público abertos, definindo: que os funcionários do Banco do Sul não gozarão de imunidade, nem privilégio tributário pessoal algum, que a prestação de contas será levada ao conhecimento e consideração dos Parlamentos e

* Marcos Arruda e Gabriel Strautman são economistas do Instituto Politicas Alternativas para o Cone Sul - PACS


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da sociedade civil, e que toda informação será considerada pública. Tudo isso deve ser entendido de acordo com o destacado pela declaração ministerial de Quito, de 13 de maio passado, ao assinalar que: “Os povos deram a seus governos os mandatos para prover toda a região de novos instrumentos de integração para o desenvolvimento que devem basear-se em esquemas democráticos, transparentes, participativos e responsáveis perante seus mandantes”. O avanço das negociações, no entanto, dá sinais de que o Banco do Sul pode se tornar um instrumento de reprodução das assimetrias de poder regionais e de dominação econômica. Em duas reuniões anteriores, em Quito e Assunção, os Ministros já haviam assinado um acordo que adotava o sistema de cada país um voto, que é certamente o mais democrático porque não vincula o poder de decisão ao tamanho da economia ou ao aporte do país ao banco. Mas no Rio, o Ministro Mantega, do Brasil, e os argentinos desviaram do acordo anterior, propondo que o sistema de igualdade entre os sócios ficasse restrito ao Conselho de Direção do Banco, que só se reunirá uma vez por ano. As decisões relativas à gestão cotidiana do Banco do Sul estariam submetidas ao poder dos que tiverem maior volume de cotas no banco. Além disso, o Brasil insistiu em que só seriam beneficiários de créditos do Banco do Sul os países da América do Sul. Assim, a América Central e o Caribe ficarão excluídos. É preciso que os movimentos sociais pressionem seus governos para evitar que o Banco do Sul repita o mesmo, promovendo o desenvolvimentismo de tipo social-liberal. Ainda que os aspectos técnicos ligados à criação do Banco do Sul sejam muito importantes, o principal problema é político: tudo indica que Brasil e Argentina estão orientando as discussões no sentido da repetição dos modelos ‘desenvolvimentistas’ em vigor (CAF-BID-BNDES), que têm como focos o crescimento a qualquer custo, a IIRSA e outros projetos faraônicos. O único caminho para o Banco do Sul colocar-se a serviço de um desenvolvimento soberano, solidário, sustentável e democrático da América do Sul é a constante pressão articulada da sociedade dos nossos países; é fundamental pressionar os governos para que incluam representantes dos movimentos sociais no processo organizativo e também nos sistemas decisórios do Banco do Sul.


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Um início de transparência no BNDES *Carlos Tautz Dono de um orçamento superior ao do Banco Mundial, principal vetor do desenvolvimento brasileiro, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é uma caixa-preta. A falta de transparência nas suas operações é diretamente proporcional ao enorme volume de recursos que opera, quase 50% oriundos do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador). Em 2007, esses recursos chegam a 35 bilhões de dólares.O absoluto isolamento é uma das principais marcas dos 55 anos do Banco. Nesse período, o BNDES privilegiou uma visão meramente economicista do desenvolvimento e sempre encarou o Social de seu nome como um apêndice incômodo. Sempre sem consultar organizações da base da sociedade, caracterizou sua ação social pela liberação de ínfimos recursos de seu bilionário orçamento para ações compensatórias pontuais, desconectadas de qualquer estratégia de superação de injustiças. O Banco fingiu desconhecer que cada desembolso seu também precisa ter uma dimensão social. Na prática, o BNDES exime-se de perseguir metas de curto, médio e longo prazo para pagar dívidas históricas que o Estado brasileiro tem com seu próprio povo. Metas crescentes de melhoria de desempenho nos campos ambiental, social, de gênero, de raça, geracional e geográfica, e que expressam o avanço político e cultural que a sociedade brasileira vem alcançando, ainda são totalmente desconhecidas pela instituição. Em sentido oposto, o BNDES financiou o modelo primário-exportador que o Brasil adotou - e que agora chega ao ponto mesmo de inviabilizar o sistema democrático. Isso se dá da seguinte forma. Primeiro, o BNDES ajuda a formular estratégias que referendam o papel do Brasil no cenário internacional de provedor de insumos baratos para o centro do sistema global desperdiçar. Depois, o Banco coloca seu fabuloso orçamento a serviço da viabilização dessas estratégias, quase sempre através de agentes privados. Alias, isso se dá em tal escala que privatiza a lógica de operação do BNDES, independentemente de o controle formal da instituição pertencer ao Estado. Mas, ao que tudo indica, essa histórica falta de transparência e de isolamento em relação à maioria da sociedade brasileira podem ter começado a mudar de rumo, devido a dois importantes movimentos. O primeiro deles surgiu de parte de relevantes organizações da sociedade brasileira, que há cerca de dois anos e meio vêm se articulando para cobrar mais informações quanto aos critérios e operações do BNDES e uma reorientação das prioridades do Banco.Articuladas pelo Ibase - Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas - e pela Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, relevantes organizações populares da sociedade brasileira vêm, desde meados de 2004, mantendo um diálogo com o BNDES, na tentativa de fazer essa instituição enxergar a premência de reorientar seu modo de operação e seus objetivos estratégicos. Entre essas organizações estão o MST, CUT, Rede Alerta Contra o Deserto Verde, Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), o Fórum Brasileiro de Economia Solidária, e outras.Essa também parece ser a visão do presidente do BNDES, Luciano Coutinho, que tomou posse em 27 de abril. Coutinho já expressou concordância com a Plataforma BNDES, um documento que essa rede de organizações elaborou, com diagnósticos e demandas estratégicas para o Banco (ver em www.ibase.br/userimages/ Plataforma%20BNDES.pdf).Coutinho também concordou em começar o processo de transparência pela liberação das informações públicas relativas às maiores operações do Banco algo prometido para os últimos dias de outubro de 2007. Essas informações - apesar relativas a operações com dinheiro público, realizadas por este ente público e que respeitam o sigilo bancário - eram mantidas sob segredo pelo Banco.Nesse sentido, a gesto de Coutinho se inicia bem. Mas, como as organizações sociais sabem, apenas a mobilização e a pressão é ser capaz de tornar perene esse início de democratização do BNDES.

* Carlos Tautz é Jornalista e pesquisador do Ibase -Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas


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Governo do Equador cria comissão para auditar a dívida pública, com participação da sociedade * Rodrigo Vieira de Ávila A Auditoria da Dívida Externa está prevista na Constituição Federal do Brasil de 1988. Este dispositivo inspirou uma das perguntas do grande Plebiscito que a Rede Jubileu Sul Brasil promoveu no ano 2000, quando foram coletados 6.030.329 votos em 3.444 cidades brasileiras, graças ao trabalho intenso de voluntários. A pergunta era: “O Brasil deve continuar pagando a Dívida Externa sem realizar uma Auditoria Pública dessa dívida, como prevê a Constituição Federal de 1988?”. Mais de 95% dos cidadãos que participaram do Plebiscito responderam que NÃO. Respaldados no voto desses cidadãos que querem ver cumprida nossa Constituição Federal, iniciamos, em abril de 2001, uma “Auditoria Cidadã da Dívida”, que consiste no resgate de documentos, realização de estudos, levantamento de dados, mas visa, especialmente, pressionar a realização da auditoria oficial, prevista em nossa Constituição. Depois de seis anos lutando para que a dívida seja auditada, a Campanha “Auditoria Cidadã da Dívida” obteve sucesso, apesar de que em outro país: dia 23 de julho de 2007, o governo do Equador criou a “Comissão para a Auditoria Integral do Crédito Público”. Esta Comissão conta com quatro representantes do governo equatoriano, doze representantes de organizações sociais nacionais e seis representantes de organizações internacionais, dentre estas a Auditoria Cidadã da Dívida do Brasil. A Comissão buscará identificar as ilegitimidades do endividamento, para então justificar o não pagamento desta dívida e a devolução dos recursos pagos indevidamente. A auditoria também identificará os impactos perversos da dívida sobre as condições sociais e ambientais do Equador, uma vez que, assim como no Brasil, o endividamento provocou miséria, fome, desigualdades sociais e depredação ambiental. O Decreto de criação da Comissão dispõe que ela irá “auditar os convênios, contratos, e outras formas e modalidades para a aquisição de créditos por parte do setor público do Equador, provenientes de governos, instituições do sistema financeiro multilateral ou da banca e setor privado, nacionais ou estrangeiros, desde 1976 até o ano de 2006” A Comissão tem se reunido periodicamente, sendo que na última reunião, realizada nos dias 5 a 12 de outubro de 2007, foram apresentados diversos documentos acerca de contratos e bônus da dívida equatoriana, coletados junto aos órgãos oficiais. Estes documentos deverão ser analisados pelos membros da Comissão e também pelas entidades que compõem a Auditoria Cidadã da Dívida no Brasil. É fundamental que as entidades da sociedade civil brasileira se manifestem em apoio a esta importante iniciativa do Presidente Rafael Correa, que pode se tornar uma referência a ser seguida por todos os demais países “endividados”.

* Rodrigo Vieira de Ávila é Economista da Auditoria Cidadã da Dívida / Rede Jubileu Sul Brasil


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Auditoria Oficial no Equador: grande exemplo para o Brasil De janeiro até 20 de agosto de 2007, o Governo Federal do Brasil já gastou R$ 149 bilhões em juros e amortizações das dívidas externa e interna, enquanto apenas gastou R$ 23 bilhões com saúde, R$ 10 bilhões com educação e menos de R$ 1 bilhão com Reforma Agrária. Apesar disto, as dívidas interna e externa continuam explodindo. O caos na saúde, a falta de reforma agrária, a privatização dos direitos sociais básicos são apenas exemplos de como a dívida compromete os direitos humanos no país. Porém, ao invés de auditar esta questionável dívida, o governo brasileiro prefere continuar pagando religiosamente seus juros e amortizações. Auditando sua dívida, o Equador, um país muito menor que o Brasil, demonstra coragem e força muito superior à do governo brasileiro, ao ousar desafiar o capital internacional, ao invés de se manter submisso às imposições dos emprestadores. __________________________________ Íntegra do Decreto Presidencial de criação da Comissão de Auditoria do Equador se encontra disponível na página www.divida-auditoriacidada.org.br

1

MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, Brasília. Fluxo Financeiro Banco Mundial e BID. Disponível em http://www.planejamento.gov.br/ arquivos_down/seain/Fiscal.pdf. Acesso em 31 de maio de 2007.

2

BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL. Estatísticas Operacionais do Sistema BNDES. Disponível em http:/ /www.bndes.gov.br/estatisticas/apresentacao.asp. Acesso em 31 de maio de 2007.

3

Desvinculação das Receitas da União- BRASIL. Emenda Constitucional de Revisão n° 1/1994.

4

Ximenes, Salomão, in BOLETIM FIQUE POR DENTRO Ed. 123 - Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

5

Idem

6

How the World Bank[ Energy Framework Sells the Climate and Poor People Short. Disponível em http://www.seen.org/. Acesso em 3 de julho de 2007.

7

GULLISON et al. Tropical Forests, Climate Change and Climate Policy. Disponível em: http://www.sciencemag.org/cgi/content/abstract/ 1136163v1. Acesso em 4 de junho de 2007.

8

INTERNATIONAL FINANCIAL CORPORTATION. Latina America & the Caribbean: Project Information. Disponível em http://www.ifc.org/ifcext/ lac.nsf/Content/Project+Information. Acesso em 5 de julho de 2007.

9

Carbon Finance at the World Bank: List of Funds. Disponível em: http://carbonfinance.org/Router.cfm?Page=Funds&ItemID=24670. Acesso em 31 de maio d 2007.

10

GRIFFITHS, Tom. Seeing “RED” Avoided Deforestation and the Rights of Indigenous Peoples and Local Communities. Orignal e versão em português disponível em: http://www.forestpeoples.org/documents/ifi_igo/bases/climate_change.shtml. Acesso em julho de 2007.


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