Encarte Grupo de Oração - Revista Renovação | Edição 132

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Revista Renovação. 132 . Jan/Fev 2022

REAVIVANDO A

CHAMA

A AÇÃO DOS CARISMAS NA VIDA DO SERVO

Durante uma cerimônia de canonização no Vaticano, um jornalista fez uma pergunta crucial para o Cardeal Suenens e que iria extrair dele uma das respostas mais impactantes que já escutei. A princípio, o Cardeal não queria conceder a entrevista por estar atrasado para outros compromissos, mas com a insistência do jornalista ele anuiu: “Apenas uma pergunta”. O jornalista aproveitou aquela oportunidade e (lembremo-nos do contexto da entrevista: uma canonização) disparou: “Cardeal Suenens, o que é um santo?”. Aquela pergunta intrigante gerou uma resposta muito interessante. Disse o Cardeal: “Um santo é um cristão normal”.

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Sempre que falamos sobre santidade, dons e carismas na vida da Igreja e dos fiéis, podemos ter a tendência a pensar que eles são para um pequeno grupo

de pessoas privilegiadas, especiais, VIPs. Nada mais longe da verdade e do plano de Deus para seu povo. Por isso, a resposta do Cardeal Suenens é tão forte e mordaz. A santidade é o normal da vida do cristão. Uma vida carismática é o normal da vida do cristão. O anormal é não sermos santos. O anormal é não experimentarmos da vida no Espírito à qual todos os filhos de Deus somos chamados. Vida essa embelezada com seus dons e carismas, como nos recorda a Constituição Lumen Gentium. A este propósito, o Papa João Paulo II afirmou que uma das mais significantes contribuições do Concílio Vaticano II – do qual a Lumen Gentium é fruto – foi a “redescoberta” da “dimensão carismática” da Igreja. Durante seu histórico encontro com os movimentos eclesiais e as novas comunidades, no famoso maio de 98, São

João Paulo II disse que “a autoconsciência da Igreja, fundada sobre a certeza de que Jesus Cristo está vivo, atua no presente e transforma a vida” e que “o Consolador deu recentemente com o Concílio Ecumênico Vaticano II um renovado Pentecostes, suscitando um dinamismo novo e imprevisto”. Portanto, os carismas não pertencem somente a um grupo particular de fiéis, como também não é algo opcional. Eles são derramados para toda a Igreja e para todos nós, povo de Deus. Neste sentido, não existe nenhum cristão “descarismatizado”, ou seja, sem dons e carismas do Espírito Santo que age e os distribui como, quando, onde e para quem Ele quer, pois diversos são os carismas e este deve ser o normal da vida da Igreja e cada filho e filha de Deus.


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Há um episódio muito interessante na vida do grande e querido Pe. Emiliano Tardif. Certa vez perguntaram ao padre Emiliano quantos eram os carismas, pois naquele momento alguns pensavam que eram somente os da lista enumerada por São Paulo (I Cor 12). Com seu conhecido bom humor e sabedoria, Pe. Emiliano Tardif responde no seu bom espanhol: “Los carismas son sin cuenta”. Quem o escutou pensou que ele havia falado o numeral “cinquenta” (cincuenta, em espanhol). Na realidade, Pe. Tardif quis dizer que os carismas são sem conta, incontáveis, diversos, inumeráveis, infinitos. Retomando Cardeal Suenens: os carismas são “a vida transbordante do Espírito na alma dos cristãos”. Os carismas são como a vida espelhada dos cristãos. Aquilo que vivemos transbordamos na manifestação multiforme do Espírito. Os carismas conferem brilho à vida dos fiéis, dos servos do Senhor e auxiliam no cotidiano de serviço, evangelização, crescimento na graça, virtudes, serviço, santificação do outro. Mais do que teorizar apenas sobre esta realidade, é preciso torná-la cada vez mais vívida, real, atual. Eis aqui uma bela e grave responsabilidade dos formadores e evangelizadores: explicar, viver e difundir os carismas, a fim de que não sejam somente uma teoria, um “ouvir falar” ou um artigo de formação, mas uma realidade vivida em nosso cotidiano de servos, como auxílio na evangelização e nossa vida diária, mesmo no mais simples e ordinário do nosso dia.

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Como nas belas palavras do teólogo suíço Eduard Schweizer: “Muito tempo antes que o Espírito Santo se tornasse um artigo do Credo, Ele era uma realidade vivida na experiência da Igreja primitiva”. Embora o teólogo trate da vivência na era dos primeiros cristãos, isto pode muito bem ser aplicado a cada um de nós no hoje da nossa história. Para

além do Espírito Santo, com seus dons e carismas, ser apenas uma realidade teórica, especulativa, material de estudo e formação, que seja uma realidade vivida na experiência de nossos dias. Essa é uma das grandes belezas que a Renovação Carismática trouxe para a Igreja: lembrar que Pentecostes é hoje, todos os dias, em cada lugar, em cada casa, em cada família, em cada pessoa, em cada Grupo de Oração, comunidade. Pentecostes e suas consequências se atualizam no hoje da nossa história.

“Os carismas não são fenômenos periféricos ou acidentais, mas constituem a vida da Igreja”.

Por fazerem parte da vida da Igreja e de cada servo, os carismas são ainda uma poderosa ferramenta na evangelização. São da Igreja, para a Igreja, com a Igreja, pela Igreja. Assim, em nosso dia a dia, podemos pedir os dons e sua manifestação, por exemplo, para socorrer outra pessoa: ao orar por alguém, dar um conselho, uma palavra de ânimo, exortação, correção, dar uma direção, ou mesmo para desenvolvermos a coragem para agir com virtudes heroicas, ato e fala profética. Ou também quando vamos fazer um ato de caridade para com alguém: agir com misericórdia, na promoção humana e justiça social e assim por diante. Evidente que devemos sempre usar os carismas percebendo que eles são um ato de amor do Senhor para com seu povo. Por isso, ao exercermos os carismas, que também seja como um ato de amor para com o outro. Não podemos guardar os dons somente para nós e não nos abrir à doação ao outro. Pedir a cura, a libertação, uma palavra, conhecimento, milagre... Ainda que isso cause alguma estranheza, incompreensão,

quer seja num supermercado, no banco, ônibus, voo, enfim. Sempre é tempo do Espírito Santo agir em nossas vidas e na vida daqueles que estão precisando de sua ação por meio de nós, meros “irresponsáveis ungidos”. Afinal, não é pela medida de nosso merecimento que os carismas atuam. É sempre uma graça. Uma graça imerecida, dada de graça (gratis datae, para lembrar São Tomás de Aquino) em benefício da conversão e santificação do outro. Como toda graça, os carismas nos ultrapassam e excedem os méritos pessoais, porque Deus quer usar o ser humano como instrumento em suas mãos. Portanto, não é a medida de nossa santidade que produz mais ou menos carismas, como se quem manifesta diversos dons fosse uma espécie de “super santo”. Não é recompensa, é graça, é amor, é misericórdia do Senhor agindo em nós, dia a dia, pois sabe que somos necessitados dos auxílios do Espírito Santo. Não tem a ver conosco, mas com as pessoas que precisam da graça para sua conversão e santificação e, por isso, o Senhor opera através de nós. De modo que os carismas também agem como cooperadores na justificação do outro. E isso é muito belo. Quanto mais nos abrirmos à ação do Espírito Santo e à manifestação dos seus carismas, mais cooperamos na conversão daqueles que passam por nossas vidas e por cujas vidas nós também passamos. O fim do carisma não é ele em si, mas produzir frutos de conversão e santificação.’ Neste sentido, temos um lindo ensinamento de São Tomás Becket: “Se o fim da cura consiste somente em dar ao paciente uma nova condição de saúde, mantendo inalterada a sua falta de esperança, o fato não será carismático, mas apenas terapêutico”. Um outro ponto que merece destaque ao falarmos de carisma na vida


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da Igreja, do povo de Deus e em cada servo, é que os carismas são uma expressão tangível da graça de Deus que conferem uma capacidade para agir de uma forma que jamais conseguiríamos por nós mesmos. E, mesmo que não se trate de uma habilidade humana, os carismas podem também trabalhar em nossas habilidades e personalidade. Os carismas animam também nossa vida comunitária, litúrgica e, naturalmente, a oração. Como Deus é bom! Querido irmão, querida irmã. Estamos chegando ao final desta breve reflexão. Precisamos mais e mais usar os carismas e deixarmo-nos usar pelo Espírito, na oração e na vida. Temos uma responsabilidade histórica com o uso, prática e promoção dos carismas, pois, ainda que eles nunca tenham ficado ausentes na Igreja, sendo nela uma realidade permanente, foi neste tempo que Deus quis derramar de maneira renovada, não somente à esfera privada de alguns institutos, congregações, mas a toda constituição mesma da comunidade de fiéis. Recebamos os carismas que o Senhor quiser dar a nós sempre com espírito de humildade e gratidão. Encerro com um trecho de uma pregação de Emmir Nogueira que ainda hoje ecoa ao coração e creio muito apropriado para nossa reflexão: “Se Deus nos deu os carismas é porque o mundo precisa deles, de uma evangelização com poder e não com teoria e palavras. Não temos o direito, diante de Deus, de calá-los. Deus não nos daria os carismas, nesta época, se o mundo, se a evangelização de hoje, não precisasse. Ai de nós se não usarmos os carismas para evangelizar”.

Em Jesus e Maria, Francisco Elvis Rodrigues Oliveira Núcleo Nacional Ministério de Pregação Coord. Conselho Editorial RCCBRASIL

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