Revista Renovação. 136 .Set/Out 2022
REAVIVANDO A
CHAMA
“IDE E FAZEI DISCÍPULOS”: A FORMAÇÃO COMO UM CAMINHO DE MISSÃO Um mergulho neste versículo do Evangelho de Mateus, frente ao processo formativo que colabora para nos tornarmos autênticas testemunhas de Cristo A atividade missionária na Igreja é encantadora: anunciar que Jesus vive e, portanto, podemos ter esperança de uma vida nova n’Ele, pelo Espírito, na renúncia do pecado, banhados pelo amor do Pai que nos faz irmãos é uma mensagem que por si só já nos desperta para a certeza da filiação divina independente do que nos aconteça nessa vida terrena. Não são poucos os testemunhos daqueles que
assumiram o mandato de Jesus e o incentivo do Papa Francisco a uma “Igreja em saída” e descrevem a alegria de anunciar, de compartilhar o dom do encontro com o irmão na perspectiva do encontro com Cristo que transforma as nossas vidas. Sem sombra de dúvidas, a beleza desse momento inicial é tamanha, pois uma vida transformada coloca a pessoa em um caminho de discipulado; porém, isso deve ser só o início...
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é preciso aprofundar! Entendemos esse “aprofundar” como um investimento humano e formativo naqueles que foram encontrados pela atividade missionária da Igreja, ou seja, formar discípulos não é só uma evangelização inicial, mas um caminho de profundidade que acontece por meio da oração, da vivência dos carismas e pela formação. Neste encarte, abordaremos especificamente a formação como um caminho inerente à missão. Para construirmos um percurso acerca da temática, tomaremos o trecho bíblico “Ide e fazei discípulos…” (Mt 28, 19) e analisaremos cada uma das palavras ligando-as ao contexto da missionariedade na Igreja. A palavra “Ide” é um verbo que indica uma ordem ou pedido. Nesta palavra está incluída a noção de movimento, de deslocamento, de ir ao encontro de algo e de alguém. Observe o uso que o Papa Francisco (2013, p. 11) faz da palavra “ide”: Naquele «ide» de Jesus, estão presentes os cenários e os desafios sempre novos da missão evangelizadora da Igreja, e hoje todos somos chamados a esta nova «saída» missionária. Cada cristão e cada comunidade há de discernir qual é o caminho que o Senhor lhe pede, mas todos somos convidados a aceitar esta chamada: sair da própria comodidade e ter a coragem de alcançar todas as periferias que precisam da luz do Evangelho. (FRANCISCO, 2013, p. 11)
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Nesse trecho da Evangelii Gaudium, o Papa faz uma relação da palavra “ide” com as palavras “cenários” e “desafios”. Trata-se de uma referência direta de que a Igreja em saída precisa ter conhecimento dos panoramas que serão encontrados. Ou seja, não basta ter somente a vontade e a parresia que impulsiona a deslocar-se, mas é necessária a formação capaz de ajudar a discernir os sinais dos tempos em cada cenário em que o missionário se encontrar. Nesse aspecto, “sem diminuir o valor do ideal evangélico, é preciso acompanhar, com misericórdia e paciência, as possíveis etapas de
crescimento das pessoas, que se vão construindo dia após dia.” (Francisco, 2013, p. 18). Portanto, é necessário que o evangelizador e o evangelizado se coloquem em constante processo de formação para que a evangelização não se traduza apenas no primeiro anúncio, mas em um caminho sistemático e progressivo no qual as possíveis limitações e as diversas circunstâncias não sejam um impedimento para “crescer na compreensão do Evangelho e no discernimento das sendas do Espírito, e assim não renuncia ao bem possível, ainda que corra o risco de sujar-se com a lama da estrada.” (Francisco, 2013, p. 18-19). O processo formativo, intimamente ligado ao Batismo no Espírito Santo e à prática dos carismas, nos leva a um duplo “ide”: o primeiro, para o nosso interior que potencializa o nosso discipulado e nos dá a consciência de que, a cada nova efusão, somos mergulhados na certeza da filiação divina e de um constante caminho – nunca acabado – de amadurecimento da nossa fé; o segundo, em direção ao outro no transbordamento de uma entrega missionária como Apóstolos da Efusão do Espírito Santo em busca da Civilização do Amor. Sem a formação, a missão para na evangelização inicial, pois faltam subsídios para prosseguir: o evangelizador se cansa e se frustra diante dos cenários e o evangelizado não mergulha na profundidade do encontro com Cristo. Ainda no nosso versículo motivador, temos a palavra “fazei” que indica o desenvolvimento de uma certa ação ou a construção. No primeiro momento, a utilização do verbo fazer pode parecer que está nas mãos do evangelizador a produção da missão e de um evangelizado. Isso é um engano! No contexto do trecho bíblico, a palavra “fazei” indica a atitude de anúncio que desperta o outro à sua condição de filho amado de Deus. Trata-se da indicação do “dever que incumbe sobre nós em toda e qualquer época e lugar, porque «não pode haver verdadeira evangelização sem o anúncio explícito de Jesus como Senhor» e sem existir uma «primazia do anúncio de Jesus Cristo em qualquer trabalho de evangelização»” (FRANCISCO, 2013, p. 38). Em outras palavras, o “fazei” indica uma
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metodologia missionária: é abrir-se ao Espírito Santo para “um renovado impulso missionário” (FRANCISCO, 2013, p. 82). Quando se fala em renovar, diz-se de tornar novo algo que já existe. Vamos pensar em algo concreto para depois voltarmos ao nosso tema. Imaginemos ter uma cadeira em nossa casa que não está tão bela, mas também não está a ponto de ser jogada fora. Para que essa cadeira se renove, é necessário rever se a madeira está boa, estudar técnicas de pintura, escolher os materiais necessários e “fazer” a renovação dela. A pessoa que se propôs a renovar essa cadeira procurou informação para que estivesse apta para realizar a ação, ela se formou (mesmo que em uma comparação bem singela) para a atividade que desenvolveria. Voltemos ao contexto da missão: só há um renovado impulso missionário se houver formação que ressignifique ou aprofunde a minha experiência anterior. O uso da imagem da cadeira foi proporcional para dizer que, em nossos Grupos de Oração, só haverá renovado impulso missionário se eu me levantar em oração e formação para ir e cumprir o mandato de Jesus e também para dizer que aquele lugar precisa ser ocupado por aquele que ouviu a primeira evangelização, mas que não parou nela, ocupou um lugar na comunidade para que seu direito a crescer na fé, pelo processo formativo, seja proporcionado. Nesse sentido a palavra “fazei” indica a ação necessária para que o evangelizado se torne um discípulo. Evangelizado é aquele que recebeu o primeiro anúncio. Discípulo é aquele que aprofundou o primeiro anúncio e se colocou no seguimento do Mestre, aos pés d’Ele e unido a Ele pela oração. A origem da palavra discípulo remete ao latim discere que significa aprender. Desse modo, ninguém nasce discípulo, a pessoa se torna um discípulo. Pensemos em um outro exemplo: quando nascemos somos bebês; mas, em estágios anteriores, somos um feto e, antes, um embrião. O primeiro anúncio recebido nos deixa exultantes por reconhecermos que somos amados por Deus e que o pecado é um impedimento para uma experiência maior com esse amor, mas isso ainda é um embrião... a
vida em Deus e com Deus é um dom destinado a crescer, é preciso avançar e permitir nascer um bebê que vai crescer. Se para o embrião, para o feto e para o bebê é necessário um útero saudável para que haja desenvolvimento, para o evangelizado a formação é um útero de onde nascerá um discípulo amoroso e ardoroso. Mais uma vez, a imagem do bebê é proposital: o bebê ainda crescerá, assim como o discípulo, se bem formado, crescerá e frutificará. Há uma música da Comunidade Católica Shalom muito cantada em nosso meio carismático que se chama “Estar em tuas mãos” e que nos ajuda a refletir sobre isso. Em um trecho se diz: “Estar em Tuas mãos, Senhor, e a vida entregar / A minha oblação em Ti se perderá / Frutificará, frutificará...”. Não podemos afirmar que o autor quis dar uma conotação missionária a essa estrofe, mas ela se encaixa perfeitamente no contexto que estamos trabalhando: a oblação (ato de fazer) frutifica, assim como a formação dada ao discípulo também frutifica. Nenhum ato de amor em forma de formação a quem foi evangelizado se perde, pelo contrário, se transforma e “faz” um discípulo que frutificará em um missionário ardoroso e maduro. A Evangelii Gaudium nos indica que um missionário cheio do Espírito Santo precisa “desenvolver o prazer espiritual de estar próximo da vida das pessoas, até chegar a descobrir que isto se torna fonte duma alegria superior. A missão é uma paixão por Jesus, e simultaneamente uma paixão pelo seu povo” (FRANCISCO, 2013, p. 84). A paixão exige relacionamento próximo e a formação é um ato amoroso de proximidade. Favorecer a formação é um sinal de profundo amor ao próximo, é fazerse discípulo com um discípulo, é uma atitude livre de comprometimento, é uma experiência de amor aos irmãos. Não se pode esquecer que “O amor às pessoas é uma força espiritual que favorece o encontro em plenitude com Deus” (FRANCISCO, 2013, p. 85). A formação na perspectiva carismática torna mais potente a importância do relacionamento, pois não se trata de uma formação teórica, mas sim, querigmática e extremamente vinculada ao nosso chamado.
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A formação carismática conjuga o saber, o conhecer e o aprender à vida comunitária, à prática dos carismas e à vivência do Batismo no Espírito, itens constitutivos da nossa essência e do nosso jeito de ser Igreja. Assim, a formação é um ato de amor, pois: Para partilhar a vida com a gente e dar-nos generosamente, precisamos de reconhecer também que cada pessoa é digna da nossa dedicação. E não pelo seu aspecto físico, suas capacidades, sua linguagem, sua mentalidade ou pelas satisfações que nos pode dar, mas porque é obra de Deus, criatura sua. Ele criou-a à sua imagem, e reflete algo da sua glória. Cada ser humano é objeto da ternura infinita do Senhor, e Ele mesmo habita na sua vida. Na cruz, Jesus Cristo deu o seu sangue precioso por essa pessoa. Independentemente da aparência, cada um é imensamente sagrado e merece o nosso afeto e a nossa dedicação. Por isso, se consigo ajudar uma só pessoa a viver melhor, isso já justifica o dom da minha vida. É maravilhoso ser povo fiel de Deus. E ganhamos plenitude, quando derrubamos os muros e o coração se enche de rostos e de nomes! (FRANCISCO, 2013, p. 86) Aquele que recebeu o primeiro anúncio é objeto da ternura divina e tem o direito de aprofundar-se formativamente para ser um discípulo. Então, o discipulado é destinado a todos os filhos de Deus. Ser discípulo não é privilégio de alguns, por isso que o “ide” de Jesus é para “até os confins da Terra”. Onde estiver um filho amado de Deus, ali poderá estar um discípulo.
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Na mensagem para o Dia Mundial das Missões, celebrado em 23 de outubro de 2022, o Papa Francisco usou como rhema o versículo “Sereis minhas testemunhas” (At 1, 8). Em suas palavras, o Papa diz que os discípulos “são enviados por Jesus ao mundo não só para fazer a missão, mas também e sobretudo para viver a missão que lhes foi confiada; não só para dar testemunho, mas também e sobretudo para ser testemunhas de Cristo.”. Nesse sentido, o
discípulo é a autêntica testemunha de Cristo! Nesse sentido, também, a formação colabora com essa autenticidade quando permite um aprofundamento nos conteúdos da fé, no exemplo de vida cristã e no anúncio adequado e renovado de Cristo – esses dois últimos tidos como os “pulmões com que deve respirar cada comunidade para ser missionária” (FRANCISCO, 2022, on-line). Portanto, se naquele “ide” de Jesus, os cenários e os desafios estavam presentes (conforme nos indicou o Papa Francisco), naquele “fazer” do mesmo versículo estão presentes todas as oportunidades, investimentos, orações e ações necessárias para que o evangelizado se torne discípulo, ou seja, está presente toda a formação necessária e de direito para que o primeiro anúncio não pare por ali, para que ele cresça e frutifique. Por fim, foi perceptível que todo o texto foi construído acerca do versículo “Ide e fazei discípulos...” (Mt 28, 19). Propositalmente, o versículo não foi colocado por completo e foram utilizadas as reticências para indicar que o “ide” e o “fazei” de Jesus, precisam encontrar continuidade em nossos Grupos de Oração que, a partir da valorização de uma sólida formação carismática, com a nossa identidade e tão somente com a nossa, possa colocar-nos em atitude de saída, mas também de acolhimento e aprofundamento na fé daqueles que foram evangelizados e serão os próximos discípulosmissionários de Jesus Cristo! Eis a nossa missão! Referências Bibliográficas BÍBLIA – Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002. FRANCISCO. Exortação Apostólica Evangelii Gaudium. Vaticano: 2013. Disponível em <https://www.puccampinas.edu.br/wp-content/uploads/2016/03/NFCExortacao-Apostolica-evangelii-gaudium.pdf>. Acesso: 20 setembro de 2022. FRANCISCO. Mensagem de sua Santidade Papa Francisco para o Dia Mundial das Missões de 2022. Vaticano: 2022. Disponível em < https://www.vatican.va/content/ francesco/pt/messages/missions/documents/20220106giornata-missionaria.html>. Acesso: 21 setembro de 2022.