n贸s
pra se amarrar na cultura e na arte n潞 01
Cultura e arte jovem de norte a sul Reportagem de Carolina Ruas
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mostra experiĂŞncias exitosas protagonizada por jovens capixabas
31 a 34
As linhas que unem imagens da rua, o som de uma velha bebida e perucas velozes Ensaios de uma jovem crítica capixaba Imagens em camadas A manipulação digital na seleção
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de Filipe Borba
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Max Dias escreve artigo sobre a produção cultural dos jovens e as políticas
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A festa e o território Em entrevista, as lutas
de um jovem quilombola
foto Vinícius Guimarães
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NÓS EDITORIAL
O Programa Rede Cultura Jovem completa seis meses de
Oi Leitor,
existência e lança o primeiro número da revista Nós destinada a abrir novos espaços de expressão e de comunicação para a juventude do Espírito Santo. Sabemos que ao lançar um programa voltado para a juventude estamos contribuindo para a construção de um caminho sólido em direção ao futuro de nosso Estado e de nosso país.
Você tem em mãos um verdadeiro “nó” que representa o emaranhado de idéias, linguagens, estilos, estéticas, experiências da produção artístico-cultural protagonizada pelas juventudes do Espírito Santo. No Guia de Colaboradores, saiba quem são os jovens profis-
Significa também contribuir para ampliar o sentido da existên-
sionais que produziram os conteúdos sobre a fervilhante criação
cia dessa parcela tão significativa da população, valorizar sua
dos jovens capixabas. No Observatório, dê uma espiadinha no
história e as suas heranças, a sua maneira de ser, de pensar e
que as redes sociais da internet oferecem. Fique por dentro da
de agir, sem ocultar obviamente as suas contradições, que são,
agenda e destaques da cena cultural do Estado no Circuito.
no fundo, a mola propulsora que a impulsiona a transformar e a recriar os seus valores e o seu universo simbólico. Uma das ferramentas fundamentais do programa é o Portal YAH! – www.portalyah.com.br –, uma rede virtual de relaciona-
Confira a fartura de jeitos de se fazer arte e cultura por jovens de diversos municípios do Estado acompanhando as matérias do Novelo. Veja como a criação literária reverbera numa ilustração na Costura a Dois.
mento com foco nas artes e na cultura que pretende dar visibili-
Faça suas próprias considerações sobre criações de jovens
dade às criações e às reflexões de seus usuários tornando-se um
artistas a partir da Crítica Emaranhada. Acompanhe trechos da
ambiente de troca de experiências e de difusão de manifestações
obra de um jovem crítico e literato no Crochê Literário. Entre na
artísticas e culturais dos jovens capixabas.
discussão sobre políticas culturais para juventude no Artigo. Na
O desenvolvimento tecnológico não acarreta somente mudanças nas esferas científicas e nos modos de produção. Ele atua diretamente sobre a maneira como nos relacionamos e em todo
Entrevista, conheça um jovem guerreiro da festa popular e da luta por território. Aprecie as reproduções de obras artísticas na Nossa Galeria.
e qualquer processo criativo. Influi sobre as formas como nos
E, por fim, veja o ensaio fotográfico do Arremate. Recoste-se,
organizamos e como utilizamos as linguagens artísticas para nos
relaxe e aproveite a viagem.
expressarmos e nos comunicarmos. Nesse sentido, o Portal YAH! visa a conectar jovens de todas as origens socioculturais que têm em comum o interesse pela arte e pela cultura. A revista Nós materializa e fortalece ainda mais a nossa rede. Uma boa leitura a todos! Dayse Maria Oslegher Lemos Secretária de Estado da Cultura do Espírito Santo
Esta é a revista Nós!
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6 8 9 a10 21 23
Guia de colaboradores Observatório Circuito Novelo PRCJ
24 Portal YAH! 27 Crochê Literário 28 Costura a dois a31 Crítica emaranhada 34 35 Artigo
36 Entrevista 39 Nossa galeria 46 Arremate
Max Dias Formado em Comunicação Social e mestre em história pela Ufes. É coordenador do Centro de Referência da Juventude da Prefeitura Municipal de Vitória onde desenvolve trabalhos voltados para a expressão, participação e autonomia juvenil.
maxldias@yahoo.com.br www.crjvitoria.com.br
Ivo Godoy Artista plástico, graduado em Artes Plásticas pela Ufes, desenvolve trabalhos na área de Poéticas Digitais. Participou de diversas exposições coletivas. É membro do grupo HNArte e webdesign do Programa Rede Cultura Jovem.
designer@redeculturajovem.com
Orlando Lopes Poeta, professor, ativista cultural e consultor em projetos de responsabilidade social e cultural. É doutor em Literatura Comparada pela Uerj e colaborador na implementação do Programa Rede Cultura Jovem.
orlandolopes.es@gmail.com occidentia.wordpress.com
Vinícius Guimarães Designer, artista, fotografo, marceneiro, pedreiro, encanador. Diagramador de revista, jogador de futebol, ciclista, ilustrador.
vinicius.di@gmail.com www.coletivoembira.com.br twitter/vinivinivini
Raphael Araújo
Cursa Artes Plásticas na Ufes, onde participou de diversas exposições. Em 2008, fez sua primeira exposição fora do ambiente acadêmico chamada Deslocamentos. Fotografou as obras da 8ª Bienal do Mar (2008) e fez o still do filme Olho de Gato Perdido (2009).
rapharaujo@gmail.com www.flickr.com/photos/kickinrats twitter.com/RaphaelG_araujo
Ítalo Galiza
Graduando em Comunicação Social pela Ufes e diretor dos vídeos Teoria do Ralo (2007) e Eu preferia um perfume (2008). É produtor e apresentador do Programa Vice Verso, na Rádio Universitária FM 104.7 - que experimenta a relação entre a poesia e a música popular brasileira.
italogaliza@programaviceverso.com.br www.programaviceverso.com.br
Joyce Castello
Estuda Comunicação Social na Ufes e faz parte do programa Bandejão 104.7, da Rádio Universitária FM. Foi diretora de fotografia do documentário Frames e venceu o Festival de Vídeos Universitários – Rec, em 2008, com o vídeoarte Angústia é fala entupida.
joycecastello@gmail.com twitter.com/joycecastello www.bandejao1047.wordpress.com
Maria Inês Dieuzeide Formada em Comunicação Social pela Ufes e mestranda em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos. Produziu os vídeos Auto-Vitrato e Cave Canem, e foi contemplada no Prêmio Incentivo à Produção de Crítica em Artes da Secult-ES/2009
maridieuzeide@gmail.com
Guido Imbroisi Estudante de Arquitetura e Urbanismo pela Univix - Faculdade Brasileira. É colaborador da Revista Prego e da Revista SOMA, de São Paulo. Também fez parte do grupo de desenvolvimento de projetos para a 8ª Bienal de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo.
gteixeiraimbroisi73@gmail.com www.flickr.com/photos/quadretifero
Filipe Alves Borba Artista plástico formando em Artes Plásticas pela Ufes, participou de diversas exposições coletivas, entre elas, a 1 + 7 Arte Contemporânea no Espírito Santo no Museu Vale. Atua no coletivo Bolor que busca aproximar o público dos processos de criação artística.
www.flickr.com/filipeborba bolorarts.blogspot.com
Syã Fonseca Cursou fotografia pelo Senac. Foi fotógrafo do Jornal Online Século Diário. Participou da cobertura fotográfica do Projeto Pixinguinha. Já expôs seus trabalhos em duas mostras coletivas, sendo uma em Boston, nos Estados Unidos.
syafonseca@gmail.com
Alex Vieira Artista plástico, participou de várias exposições coletivas e foi o autor da exposição individual Lote 64 na Galeria Homero Massena. Criador da Revista Prego, colabora com outros veículos impressos, inclusive com publicações estrangeiras.
revistaprego@gmail.com www.revistaprego.blogspot.com www.flickr.com/photos/smart_alex
Eduardo Ojú Jovem poeta e compositor. formado em jornalismo. Criou a trilha sonora para o documentário As Últimas Responsadeiras e colabora com site Jornal Barato.
eduardo.oju@hotmail.com
Carolina Ruas Repórter do Caderno Atrações do jornal on-line Século Diário e estudante de Comunicação Social na Ufes. Faz parte do Grupo de Estudos Audiovisuais (GRAV), no qual realiza pesquisas sobre cinema e trabalha na organização de eventos ligados ao audiovisual.
carolina.ufes@gmail.com
Sérgio Rodrigo Graduado em Comunicação Social e mestrando em Psicologia Social pela Ufes. O jovem é blogueiro, jornalista, contista e videoasta.
sergiorodrigosf@yahoo.com.br twitter.com/sergiorodrigo12 babadocerto.wordpress.com
Melina Almada Sarnaglia Mestranda em História e Crítica de Arte pela Ufes, busca novas abordagens no olhar para a crítica de arte e trabalha com as relações do espectador na contemporaneidade. Participou de exposições coletivas, destaque para a obra Marí[n]timo exposta na 8ª Bienal do Mar (2008).
melina@sarnaglia.com.br www.marintimomar.blogspot.com www.hnarte.wordpress.com
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Circuito Web TV CECAES O Centro Cultural Caieiras acaba de se lançar em mais uma empreitada. Está no ar desde março de 2010, a Web TV CECAES, que veicula os vídeos produzidos pelos jovens integrantes do Núcleo de Memória Audiovisual do Projeto Manguerê – Ponto de Cultura do Brasil. No site já estão disponíveis os vídeos Rodando na Feira, Entrevista com Seu Bá, MC. Will no Teatro Tom Jobim entre outros. Acesse:
Pelos muros da cidade Em homenagem ao Dia Nacional do Graffiti, comemorado no
tvcecaes.wordpress.com
Faça sua produção audiovisual acontecer
dia 27 de março, a arte de rua ganhou um evento especial em
Se você tem entre 16 e 26 anos, atua em projetos sociais au-
Vitória, a Semana do Graffiti. O evento aconteceu entre os dias 23
diovisuais e deseja realizar um vídeo, fique atento! O Instituto
e 28 de março de 2010 e dezenas de artistas locais marcaram pre-
Galpão lançou em abril as inscrições para a Oficina de Qualificação
sença. A programação contou com exposições, pinturas coletivas,
Audiovisual. Os 15 selecionados terão aulas de roteiro, direção,
mostra de vídeos e debates, levando o grafite para as ruas, escolas,
produção, fotografia, som, edição, mobilização, direitos autorais
shopping e comunidade. A abertura do evento aconteceu no Shop-
e assessoria de comunicação. Ao final do curso, com duração de
ping Jardins, em Jardim da Penha, com a exposição “+ Tinta”, dos
105 horas, cada selecionado realizará um vídeo digital de até 15
grafiteiros capixabas Fredone, Ficore, Iran, Ren e Somall. O último
minutos. Para participar, o jovem deverá escrever uma história real
dia do encontro foi marcado por apresentações de rappers, MCs e
ou de ficção que deseja transformar em obra audiovisual.
Bboys, além de intervenções no bairro Jaburu.
Mais informações:
(27) 3327-2751 e imprensa@imazul.org
6ª MoVA Caparaó A sexta edição da Mostra de Vídeo Ambiental do Caparaó
A animação da fé jovem
– MoVA, realizada em setembro de 2009, em Alegre, premiou o
No último dia 27 de março, aconteceu mais uma edição do
documentário Feliz Lembrança na categoria Mostra Competitiva
Bola Fest. Cerca de 150 pessoas participaram do evento na Igreja
Caparaoense. O vídeo foi produzido pelos alunos de Alegre que
Bola de Neve, em Vila Velha. Os presentes puderam conferir os
participaram das oficinas de roteiro, produção, gravação e edição
shows da banda D’K, de Curitiba, da capixaba Família Gam e do
oferecidas pela mostra. O vídeo apresenta um lugar onde os jovens
DJ Gegê, além de assistirem a vídeos de surf e darem uma volta
encontram um caminho para continuar vivendo no campo.
de skate pelo espaço do evento. O grafite e o break completaram a festa.
CIRCUITO
1ª Mostra Capixaba de Audiovisual Etnográfica Prevista para os dias 23 a 26 de junho de 2010, contará com oficinas, debates e shows. Jovens dos municípios de Colatina, Marilândia, Governador Lindemberg, São Domingos do Norte, São Gabriel da Palha, Águia Branca, Nova Venécia, Vila Pavão, Barra de São Francisco, Mantenópolis, Alto Rio Novo, Pancas e Baixo Guandu participam de oficinas de realização para a Mostra que acontecem de abril a junho.
Pensar e fazer comunicação A Escola Popular de Comunicação e Crítica (Espocc) já começou suas atividades. A iniciativa oferece oficinas e cursos, como produção audiovisual nos novos meios digitais. Nas aulas os jovens ainda aprendem as diferentes linguagens e conceitos na área da comunicação. A Escola fica na CEMUCA da Igreja Batista do Romão, em Vitória, e é um projeto da Prefeitura Municipal de Vitória e do Observatório de Favelas do Rio de Janeiro. Contatos:
27-3222-7306 e 3081-2507 espocc@yahoo.com.br e espoccvix@gmail.com
Nerds somos nozes Para quem curte games, HQ’s, livros, filmes, música, ou seja, arte e cultura pop. O blog, criado por quatro amigos para compartilhar suas ideias e críticas sobre o mundo nerd, recebe cerca de seis mil acessos diários e conta com nove autores fixos e cinco eventuais colaboradores. Nos posts, os mais diversos assuntos do universo nerd
www.nerdssomosnozes.com
Redatoras de Merda As publicitárias Elisa Quadros e Valeria Semeraro criaram o site em 2005 com o seguinte conceito: postar textos e crônicas livres para se desvencilhar da rotina de textos publicitários.
www.redatorasdemerda.blogspot.com
Pra anotar e ir! Se você curte artes plásticas confira a programação de exposições da galeria Homero Massena. A galeria fica na rua Pedro Palácios, na Cidade Alta, Centro de Vitória. A entrada das exposições é gratuita.
01 de junho a 02 de julho - Fotografia e desenho/espaços urbanos/não lugares, da artista Pamela Reis. 13 de julho a 13 de agosto - Sala 12, de Erlon Perez Wanderley, Michele Marques, Miriam Vazzoler.
Juventude rural na tela A primeira edição da Mostra Capixaba de Cinema Rural, que
24 de agosto a 24 de setembro - Recordações, de Juliana Bernabé Nunes. 05 de outubro a 05 de novembro - Acervo Vivo,
aconteceu em novembro de 2009, atendeu 16 municípios da região
do HnA - Molécula Multiplicadora de Arte.
serrana do Espírito Santo. Nas cidades, foram oferecidos três meses
16 de novembro a 31 de dezembro - Inapreciável, do
de oficinas que resultaram na produção de documentários que enfocaram o protagonismo dos jovens no desenvolvimento rural. Os vencedores da Mostra foram: Ous Land, de Laranja da Terra; Bulling, de Itaguaçu; Arrependido, de Afonso Cláudio; e Bonzim, Bonzim?, de Brejetuba.
Coletivo Mimosas Pudicas.
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CAROLINA RUAS
Que esburrem a arte e a cultura jovem capixaba! Carolina Ruas
Que esburrem a arte e a cultura jovem capixaba! Quando você nasce, as pessoas à sua volta comentam como é maravilhosa a vida, como os bebês são lindos e trazem felicidade ao mundo! Passados os anos, o bebê fofinho cresce e é visto ou como uma criança endiabrada, ou um símbolo da inocência e alegria divina. Mas é na adolescência que o processo gradativo de digressão da imagem pública de um ser humano começa. Por volta dos 15 anos nos dizem sempre que aquela é “pior idade” ou “a mais perigosa”, e que os pais devem “estar alertas” para nos proteger das tentações do mundo. É como se a juventude fosse um túnel sombrio cujo percurso necessita de extrema cautela a fim de chegarmos sãos e salvos até a suprema maturidade. Viver essa fase como um “bom menino” não é tarefa fácil. Mas as pessoas (e aí somos nós, os jovens!) são cravados de muitos detalhes que marcam a ondulação no gráfico de boas ou más qualidades. Há uma dificuldade para entender que “juventude” não é (só) um meio, mas uma mensagem. E ela é bem extensa. No auge dos meus 22 anos, enfrentei a decadência pré-estabelecida da minha imagem pública de jovem e, como muitos, adquiri a mesma mentalidade conservadora daqueles que deixam o avanço dos anos bloquear as manifestações do trabalho criativo típicas da juventude. É preciso exercitar o olhar para si próprio, o que inclui olhar para os jovens à minha volta, e tentar encontrar as mensagens soltas por aí. Muitos dizem “Vitória é tão pequena... nada acontece por aqui”. Isso é papo de quem não abre os olhos para enxergar qualquer coisa, principalmente o fato de que ser capixaba é algo muito mais amplo e de que a fome de criar e consumir cultura transborda para além dos limites da ilha. Várias outras cidades capixabas também merecem destaque pelas atividades artístico-culturais realizada por seus jovens. Também é preciso amplificar as vozes daqueles que atuam para tornar a cena cultural mais apetitosa. Basta a mente aberta para perceber a crescente produção artístico-cultural, concentrada em mãos de quem trabalha com afinco, coragem e criatividade. E eis o jovem capixaba!
12 NOVELO
CAROLINA RUAS
Michael Jackson
não morreu O rei do pop partiu antes de conferir essa: o estrelato da consciência sócio-política no premiado vídeo de um trio jovem O dia 29 de junho de 2009 é marcante para o mundo pop musical. Era tarde quando saíram as primeiras notícias de que o maior ídolo pop da história, Michael Jackson, sofreu um ataque cardíaco. Michael bateu as botas e nem fez tanta diferença assim na vida de Ramon Zagoto (21 anos), Natanael de Souza (25), e Carlos Abelhão (23). Na hora do acontecido, Ramon provavelmente desvendava os mistérios de algum programa de edição de vídeo em seu quarto em Campo Grande, Cariacica. Já em Vitória, Natanael devia estar com certeza vendo algum filme B com seu irmão mais novo em São Benedito enquanto no bairro de Jaburu, Abelhão se esparramava no sofá da sala contando os clipes de hip hop que passavam na TV um após o outro até... ops! Michael Jackson atropelar as histórias dos três! Até então, os três se conheciam pouco, de encontros e conversas eventuais pelos corredores do Centro de Referencia da Juventude de Vitória (CRJ) e dali partiam cada um para seus mundos. Eles se conheceram mais e quando menos esperavam estavam construindo um novo ídolo pop da periferia para as dimensões capixabas: o vídeo Máicou Diéquison (2009, 8 min. e 51 seg.). Mesmo sem terem uma grande relação com o falecido, Ramon, Natanael e Abelhão foram iluminados pela sua figura marcante e pela indiscutível repercussão que a sua morte teve na mídia internacional. E como num poema tropicalista, o M. Jackson teve que morrer para germinar no trio a idéia de fazer um vídeo que retratasse o avesso do glamuroso mundo da música pop. Máicou Diéquison, realizado por Ramon e Natanael e protagonizado por Abelhão, conta a saga de um jovem fã do astro pop batizado com o mesmo nome fonético do ídolo. Este Máicou é um jovem que, negro, pobre e da periferia, tem dificuldades para inserir-se no mercado de trabalho, enquanto assiste ao envolvimento de seus amigos com o tráfico de drogas. O vídeo participou de quase todos os festivais capixabas de audiovisual e é o que muitos chamam de “azarão”. Levou para casa o principal prêmio do Festival de Jovens Realizadores do Mercosul, ocorrido em outubro de 2009, da V Mostra Produção Independente Cinema em Negro & Negro da ABD Capixaba (foto à direita na página seguinte), em novembro do mesmo ano. E nem era para ser tudo isso. Sentados em uma sala do CRJ, os três rapazes que editaram o vídeo
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http://www.youtube.com/watch?v=SZmG6Vnc-o0 foto Lia Carreira
foto Katler Dettman
Da esquerda para direita: Ramon, Natanael e Abelhão.
se atropelaram na hora de montar todas as cenas que permearam a
grandes investimentos financeiros. Eles concordam que, apesar de
construção dessa história.
muitas ideias brilhantes aparecerem, apoio é uma coisa que não brota
“Era pra ser um vídeo de três minutos pra concorrer na mostra de vídeos da Conferencia Nacional de Segurança Pública”, explica Ramon. Nas palavras do protagonista Abelhão: “não tínhamos a
do nada e encontrar gente para apostar em quem está começando é praticamente um milagre. Fervilhando de criatividade, Abelhão, Natanael e Ramon são agora
intenção de ganhar prêmio. A gente pensou o vídeo para abrir dis-
um nicho de produção que germina no CRJ, lugar que para Abelhão
cussões como emprego, juventude, o mundo da música e da cultura”.
é quase uma segunda casa: “chego aqui e encontro gente cheia de
Despretensioso, Máicou Diéquison era uma forma para debater
ideias e todo o projeto que a gente propõe o Centro abraça”.
questões sociais e concentrar os meninos em um trabalho audiovisual.
A meta agora é filmar um novo roteiro, escrito por um dos me-
Quando foram aceitos para concorrer no Festival Internacional de
ninos que frequentam o Centro e que entrou em contato com o trio
Atibaia, em São Paulo, realizado entre 12 e 17 de janeiro de 2010, foi
para realizá-lo. Eles também andam envolvidos com a proposta de um
que a ficha finalmente caiu.
curta-metragem “maior” e com um roteiro que eles planejam escrever.
“Em Atibaia a gente tava concorrendo com uma porrada de produção massa, gente de Portugal, França e de todos os cantos
“A galera meio que já reconhece a gente por aí, sabe? Já ganhei uns convites aí pra fazer uns vídeos e tal”, diz o ator Abelhão.
do Brasil”, conta Natanael. E para eles essa foi uma grande vitória
A visibilidade conquistada faz com que eles se vejam como um
que lhes deu a chance de entrar num circuito antes desconhecido.
exemplo de que é possível desenvolver trabalhos de qualidade nas pe-
Natanael diz que valeu mesmo a experiência de estar no meio de
riferias de Vitória. Mas iniciativas que estimulem esse tipo de produção
produtores, diretores, artistas do audiovisual e isso lhes colocava em
ainda são poucas no Estado. “A molecada precisa de incentivo pra
um outro patamar.
fazer filme, mas às vezes tem que dividir o tempo com um emprego e
Melhor ainda foi concluir que três jovens da periferia, anônimos
aí não consegue levar as duas coisas. Então tem que remunerar o tra-
no eixo cultural capixaba conquistaram o reconhecimento do público e
balho desse cara”, defende Abelhão. O apoio é fundamental de todas
do circuito audiovisual capixaba. Depois de ser assistido por centenas
as formas. Muitas vezes, não somente financeiro, mas a orientação de
de pessoas nos festivais, Máicou Diéquison foi parar no Youtube e
alguém que direcione a criatividade do jovem, como alguém que seja
desde então, nas palavras do próprio Ramon, “o vídeo viaja por aí, pra
referência de produção.
lugares que a gente nem sabe”.
Antes de qualquer coisa, Ramon, Abelhão e Natanael cavaram
Abelhão já trabalhava com intercâmbio cultural em periferias,
seu espaço mostrando ter talento para contar histórias com imagens.
promovendo oficinas ligadas ao vídeo e à fotografia, além de ter par-
O trio acredita que é preciso levar o audiovisual para o morro e abrir
ticipado da produção de um documentário sobre São Benedito. Nesse
caminhos para quem está a fim de produzir cultura com seriedade.
mesmo bairro, Natanael também já vinha trabalhando no projeto
Natanael acha que é preciso olhar diferente para o moleque da
Viela Filmes, um grupo de produção audiovisual focado em geração
periferia e entender que às vezes ele realmente quer produzir arte
de renda para jovens. E Ramon desempenhava diversas funções em
sem grandes dramas sociais, talvez fazer filmes de terror, comédia, ro-
produções audiovisuais ligadas ao Grupo de Estudo e Produção Audio-
mance. Para Abelhão, a diferença é que, no morro, a arte é uma arma
visual da Ufes (Grav).
revolucionária e que qualquer obra feita na periferia carrega um rastro
Apesar dessa produtividade, foi só depois do sucesso de Máicou Diéquison que eles passaram a ter “crédito” para as outras pessoas. Até então trampavam diariamente para construir seus projetos sem
de crítica social. Ramon só quer produzir. Sem bloqueios ou preconceitos, arte para todos os públicos e todos os gostos.
14 NOVELO
www.myspace.com/vitrolade3 www.myspace.com/projetofeijoada www.encuca.ning.com
CAROLINA RUAS
Tudo junto e misturado em Cachoeiro
É pra ficar encucado O coletivismo da Capital Secreta irá conquistar o mundo Distante da Grande Vitória, Cachoeiro de Itapemirim, essa cidade
tornando-se empreendedores da música, Tózin explica: “a banda tem
meio capixaba meio fluminense, passou por processos históricos que a
que ser banda, pensar na música, mas também tem que ser como uma
fez despontar como capital cultural do Estado em outros tempos. Não
empresa moderna, digamos”.
é à toa que a cidade sempre se gabou de ter sido o berço de nomes expressivos da cena artístico-cultural do Espírito Santo. Atualmente, Cachoeiro abriga uma série de nomes que alcançam
Cachoeiro de Itapemirim tornou-se um celeiro para o empreendedorismo cultural juvenil. Os jovens artistas de lá têm se organizado para promover seus próprios shows, firmando parcerias entre os gru-
reconhecimento muitas vezes sem passar pela capital do Estado. “É
pos locais e trabalhando sob a forma de coletivos artísticos. Apoiados
bom que as coisas não se prendam só em Vitória”, afirma Zé Laurindo
pelas potencialidades da internet, criaram o Encuca, um projeto que
(25 anos), um dos integrantes do Vitrola de 3 (foto na página ao
reúne artistas e produtores culturais do sul do Estado por meio de um
lado), um projeto experimental de banda que se pauta pela não
site.
definição de um único estilo musical. Também fazem parte da formação inicial da banda Tózin (23) e Caetano Monteiro (24). “Começou com três mesmo em 2007, eram alguns amigos que
Flávio Marão (30 anos) do grupo Projeto Feijoada foi quem deu o pontapé inicial no grupo, motivado pela necessidade de conhecer trabalhos de outros artistas da cidade. Através do Orkut, ele começou
estavam sempre juntos, fazendo um sonzinho no bar, o negócio
juntando perfis de artistas locais, em seguida, mobilizou essas pessoas
começou a ficar mais sério e todo mundo resolveu levar pra frente”,
para enviarem seus portifólios e resolveu unir tudo numa só rede.
conta Zé Laurindo. Com o tempo, a diversão atraiu mais gente para o
Diferente do Vitrola de 3, o Projeto Feijoada segue uma linha
grupo e as composições bem elaboradas começaram a intrigar as pes-
musical mais homogênea, com influências do samba de botequim. Em
soas que passaram a defini-los como uma banda.
seus shows, o grupo respeita essa ideia: no palco são mantidas mesas
Os atuais sete integrantes do Vitrola de 3 são tão íntimos do
e cadeiras, como em uma roda de samba. Quanto a mudarem para
palco que parecem ter feito isso a vida toda. Isso resulta do trabalho
Vitória em busca de mais oportunidades, os dois grupos pensam da
feito por diversão e sem medo de arriscar, garante Tózin, ainda que o
mesma forma. “A cena cachoeirense está começando a voltar, mas se
projeto esteja sendo levado a sério.
falamos em viver da música, acredito que até em Vitória seja difícil”,
Para Caetano, o diferencial vem do “estrago”. “Nunca quisemos
conclui Marão. Portanto, os dois grupos acreditam que o trabalho
ser perfeitos e super ‘redondos’. O risco está presente em todos os
coletivo do Encuca e a parceria com outros produtores culturais locais
shows e isso fica muito claro. Logo, onde não se tem medo de errar,
seja a melhor solução para movimentar a região.
tudo pode acontecer”, diz. O estilo indefinível, as performances
O Encuca também foi criado para estimular o surgimento
circenses, o debochado jeito de executar as músicas fazem do Vitrola
de novos “atores” na cena cultural do sul capixaba. Foi graças à
de 3 uma experiência bem peculiar de banda, pautada pelo improviso
participação de outros articuladores culturais que o projeto ganhou
e pelos desdobramentos do “estrago” feito no palco.
força e agora as decisões são tomadas em grupo. “Hoje nós somos
Provocativos, gostam de mesclar tango com axé, samba com
um coletivo. No momento estamos organizando um evento de arte
rock, blues e frevo. Tudo é possível e “não há muros para a cria-
integrada”, diz Marão. Nas palavras de Caetano, do Vitrola de 3, o
ção”, nas palavras de Caetano que termina com um premonitório “a
coletivo Encuca funciona como um mutirão. “Um ajuda o outro e por
‘destribalização’ é o futuro da música”. Tanto faz se pra fazer samba
aí vai”. E a ideia é ter mobilização tanto no mundo da música, quanto
é preciso um pandeiro e um violão. Se der vontade de encaixar alguns
em outras áreas artísticas.
riffs de guitarra em cima de programação eletrônica, não há nada que os impeça.
O “primeiro filho” do Encuca, foi a publicação do livro Catar-se, da jovem escritora Milena Paixão (25 anos), vencedora do Prêmio
Esses intercâmbios acabam despertando o interesse de vários
Omelete Marginal 2009 na categoria Literatura. Milena começou a
públicos e pela internet fazem a musica viajar para bem longe de Ca-
usar o site para divulgar seus textos até ser convidada para publicar
choeiro de Itapemirim. Pessoas de vários países acessam ao MySpace
poemas em uma revista, e a partir daí foi um crescente de visibilidade
do grupo. Isso tudo apresentando-se no interior, com uma ou outra
que aumentou com a publicação do livro com recursos da Lei Rubem
vinda a Vitória. “Se for pra mudar pode se pensar em Rio de Janeiro,
Braga. Para Flávio Marão “esse foi um momento muito especial, como
Belo Horizonte ou São Paulo. Vitória é perto e podemos ir e voltar
um pontapé para o novo momento da cidade e uma certeza de que o
no mesmo dia quando tiver show”, considera Tózin. Mas para dar
Encuca tem seu grau de importância”.
certo esse modelo de descentralização artística, os meninos acabaram
foto Bรกrbara Bueno
16 NOVELO
www.preservarte.org
CAROLINA RUAS
Todo o podium para João Neiva
Não foi marmelada! Destaque em premiação nacional é resultado de disciplina para formar artesões tipo exportação O município capixaba de João Neiva, com cerca de 15 mil
testar nossas habilidades”, conta Estela. O aluno do Preservarte
habitantes, causou espanto ao entrar no mapa da música erudita
Marcus Vinícius Fachinetti Nascimento (24 anos) passou bem no
brasilei-ra. Em 2009, jovens do município ganharam os cinco
teste e levou o primeiro lugar da premiação. No ano seguinte, já
primeiros lugares do II Concurso Nacional de Lutheria “Enzo
na espera para a chegada do concurso, Estela resolveu inscrever
Bertelli” do Conservatório de Tatuí. O Conservatório, um dos
um número maior de alunos e, dessa vez, arremataram os cinco
mais conceituados do País, fica no interior de São Paulo.
primeiros lugares. “Nesse segundo ano, foi até polêmico e houve
Paulo Mouta (27 anos), Cesar Cometti (42), Júlio Cesar Vésper (22), Robson Vésper (19) e Ritney Gonçalves (20) foram os premiados pela habilidade com a técnica da lutheria, a delicada
questionamento, pois foram muitos alunos do Preservarte que ganharam”, explica ela. Porém, contra qualquer acusação de ‘marmelada’, conta o fato
arte de fabricação de instrumentos musicais, que desenvolveram
de o Instituto, criado em João Neiva há mais de quinze anos, ser
no Instituto Preservarte. A instituição trabalha com a educação
praticamente uma escola aberta que oferece cursos gratuitos de
musical dos jovens da região, e o bom resultado no Concurso é
iniciação musical em vários níveis. A lutheria tornou-se o carro
fruto desse trabalho aliado ao talento dos jovens que, desde cedo,
chefe da instituição por conta do bom desempenho no concurso,
buscaram aprimorar-se.
mas é apenas uma das atividades desenvolvidas. Além da capaci-
Para a presidente do Instituto, Estela Maris Casara, a vitória
tação para o artesanato de violinos, o Instituto oferece aulas de
dos alunos foi realmente inesperada, ainda que ela acreditasse
música e de formação de orquestra. A ideia é fazer a formação
na qualidade dos instrumentos produzidos por eles. “Em 2008, a
inicial para despertar no aluno a vontade de desenvolver uma
gente ficou sabendo que aconteceria esse concurso e resolvemos
carreira na área musical. O resultado depende da disposição em
fotos Vinicius Guimarães e Syã Fonseca
dar continuidade aos estudos, o que faz muitos dos ex-alunos do
Para viver da lutheria é preciso tornar o trabalho visível
Instituto ingressarem na Faculdade de Música do Espírito Santo
fora do País, o que é uma tendência perfeitamente natural no
(Fames).
meio. A Europa é o melhor destino para esses meninos e é uma
Hoje os luthiers são reconhecidos por um trabalho pouco
perspectiva completamente plausível desde que seja encarada
divulgado e restrito a um nicho de mercado que os fazem parecer
com disciplina. “A ideia de trabalho, remuneração e a existência
heróis devido à dedicação a essa arte erudita. As oportunidades,
de referências é fundamental para o projeto, por isso a gente traz
entretanto, estão fora, no mercado internacional o que chega a
sempre um professor do exterior que viaja o mundo todo e é bem
ser utópico para a realidade de muitos. Quando chega a idade
remunerado por esse tipo de trabalho”, explica Estela. Bastante
das responsabilidades e das cobranças da família, a tendência é
otimista sobre o assunto, ela não hesita em dizer que mesmo no
o aluno desviar o foco para algum outro tipo de trabalho remu-
Brasil há um mercado em franco desenvolvimento e que, ainda
nerado. Por isso, uma das maiores preocupações do Instituto é
que o Estado não tenha tradição na área, sente-se feliz por ter
sensibilizar os pais sobre a importância do trabalho de artesão. O
plantado essa semente. “Não se resolve isso em poucos anos,
número de desistências ainda é grande, mas aos poucos, com a
mas a gente levantou a bandeira, saiu na frente, com qualidade e
ajuda da visibilidade que o Preservarte conseguiu ultimamente, a
visibilidade no País inteiro”, afirma.
conscientização de que existe um mercado em expansão começa a se firmar.
18 NOVELO
CAROLINA RUAS
www.myspace.com/maryblueanna
Campus artisticus
A despretensão criativa do ninho acadêmico. Amigos universitários fazem muita arte entre a calourada e a formatura Se acreditamos que os jovens são barris de ideias e opiniões inconstantes,
vontade criativa. Nesse contexto surge o Expurgação
num esquema de coletivo artístico mesmo”, conta. Os Expurgadores, como eles se
a universidade parecer ser o local ideal
(foto na página ao lado), não uma banda,
denominam, saíram do apartamento em
para desenvolver a criatividade. E assim,
mas um “movimento” cultural tão diverso
Jardim da Penha, Vitória, e alugaram uma
no intervalo entre uma aula e outra, ou
quanto interessante para o cenário capixa-
casa em um bairro vizinho. Continuaram
mesmo durante a aula, os surtos artístico-
ba, justamente por agregar muitas cabeças
a dividir as contas e a reunir a galera para
culturais acontecem. Em Vitória, muito da
pensantes. Conversando com Fê Paschoal
fazer arte.
cena cultural jovem tem a Universidade
(25 anos) é possível entender como o
Federal do Espírito Santo (Ufes) como
trabalho coletivo é essencial para a esse
ção anárquica de diferentes talentos, os
palco, pelo simples fato de aquele lugar
tipo de produção cultural. “Dou muito
Expurgadores perceberam-se capazes de
agregar muitas cabeças fervilhantes dessa
valor às minhas relações humanas e vejo
produzir algo de qualidade. Fê Paschoal
O interessante é que, a partir da jun-
uma verdadeira Babilônia ao
explica: “o pessoal viu que aquilo era mais
nosso redor”, diz ele.
do que produções individuais isoladas,
Fê batalha uma carreira de
pois um já estava influenciando o outro”.
músico sem pretensões, assim
Hoje em dia, os Expurgadores são mais
“por amor”, é íntimo do violão
ou menos 16 – é que há uma constante
desde criança, teve varias ban-
oscilação no número de integrantes do
das e, desde 2007, faz parte
coletivo. Eles estudam em diversos cursos
desse “coletivo multiartístico”
da universidade e trabalham de forma
que é o Expurgação. “Eu
colaborativa em diversas áreas, como na
comecei a andar com esses
composição de músicas, na realização de
malucos, quando mudei para
vídeos e na produção fotográfica.
uma república de estudantes
Tanto o Expurgação quanto o músico
do Centro de Artes e conhe-
solo Fê Paschoal ganharam notoriedade
ci uma galera que fazia um
na cena capixaba por desenvolverem
som. Começamos de bobeira,
trabalhos identificados com uma certa
fazendo um som em casa
fluidez e, acima de tudo, por fazerem tudo
mesmo, deixando os vizinhos
simplesmente por prazer, por gostarem
enlouquecidos”, explica Fê.
do que fazem e por serem um grupo de
Até que o apartamento, ou melhor, os vizinhos, não
amigos que criam juntos. Em um outro campus da Ufes começa
suportavam mais tanta gente
a surgir uma experiência orientada por
fazendo música, desenhando
essa criação coletiva e descomprometida.
na parede, fazendo vídeo
Em São Mateus, no norte do Estado, uma
performático e muitas outras
história muito recente de movimentação
atividades. Eles começaram
cultural já começa a dar pequenos passos
a tocar nas festas do campus
como a banda Mary Blue Anna (foto desta
com um número grande de-
página) formada pelos estudantes univer-
mais de pessoas para serem
sitários Gisela Taufner (21 anos), Rodrigo
uma banda e com atividades
Araujo (23), Marcelo Vianna (20) e Jean
diversas demais para serem
Furtado (21), que fazem parte da primeira
só música. “A turma funciona
turma de calouros a estudar no mais novo
foto Vinicius Guimarães
19
www.myspace.com/expurga www.expurgacao.wordpress.com
campus da cidade. Após descobrirem
foto Tiago Rossmann
afinidades musicais mútuas, os quatro montaram a banda, cujo primeiro show oficial foi em 2007, nas dependências da própria universidade. Mais específicos que o Expurgação, Mary Blue Anna limita-se à atividade musical. O grupo é a primeira iniciativa desse tipo a surgir no ambiente universitário local. “Quando a gente começou só rolava uns ‘axézão’ nas festas, que aqui o pessoal gosta muito; na verdade, é relativamente pequeno o número de estudantes mesmo, principalmente os que curtem um estilo diferente”, explica a vocalista Gisela. O “estilo diferente” do Mary Blue Anna consiste em misturar samba, rock, reggae, blues e também samba-rock. “No início a gente tocava de bobeira em casa, só pra brincar, daí foram surgindo alguns lugares e a gente foi arriscando e ganhando espaço pouco a pouco”, conta Gisela. O repertório do grupo inclui muitas versões de música popular brasileira e, aos poucos, incorporou produções autorais. “Tem uma galera da faculdade que se amarra. Outra galera de Guriri também. E a gente tá tocando em bares, festas fechadas, na festa da cidade. Já tocamos em Itaúnas e até na Bahia”, conta a vocalista segurando o riso. Mesmo que o mercado musical de São Mateus esteja crescendo, não necessariamente essa será uma garantia de estabilidade artístico-profissional para a turma do Mary Blue Anna. Mudar para a capital também não é a melhor saída, pelo menos enquanto todo mundo ainda é estudante. “A banda é uma coisa que a gente faz sem muito propósito financeiro. É por gosto mesmo, satisfação pessoal, diversão. Quando rola uma graninha é bom também!”, explica. No campus da Ufes de São Mateus, a banda é pioneira e começa a abrir
da Mary Blue Anna, quanto o Expurgação,
mecanismos de financiamento para seus
caminhos para os próximos estudantes
este último produto de um cenário que
trabalhos. Já a Mary Blue Anna deve
que quiserem provar do protagonismo
existe há muitos anos na Ufes, campus de
continuar usufruindo da posição van-
artístico-universitário. A produção
Goiabeiras, em Vitória.
guardista de primeira banda universitária
artístico-cultural estudantil começa
Para os Expurgadores, chega o
de São Mateus e buscar ainda mais espaço
assim, na base do improviso e da diversão,
momento de aproveitarem a visibilidade
para a produção universitária que floresce
como fizeram e fazem tanto os mateenses
que conquistaram e correrem atrás de
no norte do Estado.
20 PRCJ
www. portalyah.com.br
Uma aposta no poder criativo dos jovens Ilustração Alex Vieira
Quando se pensa em políticas ou ações públicas voltadas para os jovens, há uma tendência muito forte de tratá-los como objetos que devem ser controlados ou terem o seu tempo ocupado a fim de minimizar ou por fim a uma determinada problemática sociocultural. Essa
Os primeiros passos Com cerca de seis meses de funciona-
é uma perspectiva que não leva em consideração o potencial criativo
mento, o PRCJ iniciou um contínuo trabalho
e mobilizador típico desse grupo etário. O Programa Rede Cultura
de mobilização das juventudes capixabas em
Jovem (PRCJ) acredita que não há “uma” juventude, mas diversas
sua interface com o campo artístico-cultural.
juventudes, e que todas elas podem estabelecer contatos criativos e
Nesse período, a equipe do PRCJ entrou em
emancipadores por meio da arte e da cultura.
contato com diferentes grupos juvenis do
Por pensar os jovens sob o viés de uma diversidade positiva, o
Estado e mensurou os desafios envolvidos
PRCJ traz a proposta inovadora de estabelecer a conexão entre comu-
no processo de constituição da Rede Cultura
nicação, tecnologia, arte, cultura e juventude, com ênfase nas redes
Jovem.
de relacionamento social e na produção colaborativa de conteúdos.
A partir de agora, será intensificado o
Isso já se encontra materializado no Portal YAH! (veja mais sobre o
estimulo à movimentação dos jovens para
Portal YAH! da página 22 à 25), que está em funcionamento desde o
que eles tornem seus próprios projetos
lançamento do Programa.
artístico-culturais viáveis e visíveis. O grande
O PRCJ quer, entre outros objetivos, dinamizar, promover e
diferencial do PRCJ é ser um gerador de
potencializar os trabalhos de artistas e produtores culturais jovens do
oportunidades, estimulando as iniciativas dos
Espírito Santo. O Programa é uma iniciativa da Secretaria de Estado da
próprios jovens, seja de forma individual ou
Cultura do Espírito Santo, em parceria com o Instituto Sincades e sob a
coletiva, e respeitando sua liberdade criativa
execução da ONG Universidade Para Todos.
e autonomia.
21
O PRCJ esteve presente e apoiou a realização de eventos que,
Um grande encontro das juventudes capixabas para pensar a
de alguma forma, dialogassem com o público jovem. Com essas
arte e a cultura, por meio de debates, interação e projeções para
participações foi possível conhecer a movimentação artístico-cul-
o futuro. Assim, foi o Seminário Rede Cultura Jovem – O Espírito
tural dos diferentes grupos juvenis do Estado e divulgar as ações
de Um Tempo, evento de lançamento do PRCJ ocorrido em
do Programa. As mostras audiovisuais 6ª Mova Caparó e Mostra
novembro de 2009 que contou com mais de 400 participantes.
Capixaba de Cinema Rural, o II Fórum de Mídia Livre e o Festi-
Durante o evento, artistas e especialistas das áreas da cultura,
val Omelete Marginal (foto) – todos realizados no final de 2009
tecnologia e juventude apresentaram temas relevantes e fizeram
– foram alguns dos eventos nos quais a equipe do PRCJ esteve
a contraposição de argumentos sobre as grandes questões ligadas
presente.
ao mundo dos jovens na contemporaneidade.
Ninguém melhor do que os próprios jovens para identificar
Uma ótima chance para os jovens viabilizarem a produção
e mobilizar as iniciativas artístico-culturais de outros jovens. Essa
de sua arte ou o desenvolvimento de seus projetos culturais,
perspectiva orienta a formação dos Agentes Cultura Jovem, cuja
os Editais Cultura Jovem fazem parte das ações de fomento do
primeira turma (foto) foi formada no final de 2009 com jovens
PRCJ e também foram lançados em novembro de 2009. Os
de diversos municípios capixabas. Os Agentes Cultura Jovem
modelos de projeto foram simplificados ao máximo para permitir
assistiram a um ciclo de palestras e executaram tarefas orientadas
que os jovens elaborassem mais facilmente as suas propostas.
como forma de preparação para atuarem na articulação cultural
Foram também realizadas oficinas em diversas regiões do Estado
das diversas regiões do Espírito Santo.
nos quais a equipe do PRCJ esteve presente a fim de auxiliar os interersados na preparação dos projetos para os Editais Cultura Jovem. Na foto, visita da equipe do PRCJ em Cachoeiro do Itapemirim.
22
PORTAL YAH!
IVO GODOY
www.portalyah.com.br www.secult.es.gov.br www.musicaes.org.br
Portal YAH! A interface da Rede Cultura Jovem Ivo Godoy
Juntar-ligar-conectar-relacionar nomes como Sérgio Sampaio-Roberto Carlos-Bill Gates-Steve Jobs. No Portal YAH!, esses e outros links-inputs-insights são reais e possíveis “Tanta gente se diz dona da luz Mas eu não tô nessa, não me seduz Fim do século da espera E da comunicação Eu me ligo é numa rede” (Coco verde – Sérgio Sampaio, 1971)
compartilhamento de informações de forma
bombardeava os ouvintes com meia dúzia de
positor capixaba Sérgio Sampaio já anunciava
Em meados dos anos 70, o cantor e com-
descentralizada. Aos poucos, o governo
sucessos enquanto o Brasil tava cheio de hip-
uma explosão que aconteceria cerca de 30
americano permitiu o acesso a esse ambiente
pies, caipiras, roqueiros, sambistas sedentos
anos depois. Essa premonição perde o seu
informacional para o meio acadêmico. Jovens
por um público que também estava sedento
caráter místico quando refletimos sobre o
da contracultura, ideologicamente engaja-
por novidades musicais.
contexto de Sérgio Sampaio, ligado ao início
dos ou não com uma utopia de difusão da
da era dos computadores. Na década de 70,
informação, contribuíram para a formação da
paio, Raul Seixas cantou um dia: “O proble-
Bill Gates e Steve Jobs ainda eram estudantes
internet como hoje é conhecida.
ma é muita estrela pra pouca constelação”. E
quando começavam sua disputa contra a
Agora vejamos o espelho turvo
Outro profeta e parceiro de Sérgio Sam-
o que fazer diante do problema? Criar mais
multinacional IBM, criando os primeiros
dessa situação no Brasil. Enquanto os jovens
constelações! Ou seja, criar outros espaços
personal computers e as primeiras interfaces
brasileiros da contracultura, como Sérgio,
midiáticos... Para a recém-nascida indústria
interativas para computadores. Nessa mesma
eram taxados de subversivos e persegui-
da informática vender mais computadores era
época, Sérgio Sampaio implorava para seu
dos pela ditadura militar, os compositores
preciso gerar mais dados, software, notícias,
conterrâneo cachoerense, Roberto Carlos,
mais gravados da década de 60 e 70, como
entretenimento, era preciso interatividade,
cantar a música Meu Pobre Blues.
Roberto Carlos, foram, de certa forma,
era preciso ser tv, rádio, jornal, agenda, bi-
“beneficiados” pela limitada circulação de
blioteca em um só lugar, ou seja, era preciso
Gates, Steve Jobs, Roberto Carlos e IBM com
informação cultural da época – fruto da cen-
haver convergência. A internet passou então
as redes sociais? Só tudo!
sura do governo militar. Não é que Roberto
a ser o lugar das novas constelações, a aber-
Mas o que têm a ver Sergio Sampaio, Bill
Carlos – um dos compositores brasileiros
tura para novas opiniões, ideias e expressões,
mente, das redes sociais surgiram na década
O ambiente da internet e, consequente-
mais famosos da década de 70 – não tivesse
ampliando-se a cada dia e fornecendo a
de 60, no contexto da Guerra Fria. O exército
méritos para tal, mas muitos artistas como
solução para a grande problemática proposta
americano, no intuito de proteger suas
Sérgio Sampaio quase caíram no esqueci-
por Raulzito.
informações sigilosas em caso de um ataque
mento devido aos interesses prioritariamente
A dinâmica da produção cultural vem se
soviético, idealiza um modelo de troca e
mercadológicos da indústria fonográfica, que
transformando radicalmente, apesar de ainda
ra
ei
ex
o
sofrer com massivas intervenções merca-
É a bordo dessa onda digital que o
dológicas e publicitárias. A internet, mais
Programa Rede Cultura Jovem aposta na
precisamente a atual web 2.0, é, sem dúvida,
efervescência das produções e idéias espa-
Al
r
st
Ilu
ã aç
Vi
qualidade das suas obras para caírem nas telas e na boca do povo. Além de ser uma rede de relacionamen-
um grande agente dessa virada cultural. A
lhadas pelas redes sociais do mundo virtual.
tos, o Portal YAH! também é um espaço para
criatividade nunca foi tão solúvel a um gosto
Parte considerável dos jovens está antenada
a veiculação de conteúdos os mais diversos,
coletivo como hoje, graças ao ambiente
com as novas mídias e é objeto de disputa
mediados e indexados de acordo com a
interativo da internet. Com uma boa com-
das redes de relacionamento. O Portal YAH!
lógica colaborativa. Essa interface constitui-se
binação de ferramentas de mídia, é possível
surge no meio desse fogo cruzado com o
enquanto um ambiente de compartilhamento
desenvolver trabalhos antes limitados àqueles
objetivo de potencializar e promover as ações
no qual os usuários postam seus conteúdos
que dispunham de meios técnicos e materiais
no campo da cultura e da arte desenvolvi-
artístico-culturais; trocam experiências e
considerados pouco acessíveis. Muitos são os
das pelas juventudes capixabas, para tornar
interagem com outros usuários; acessam
artistas e produtores culturais que utilizam
o mais acessível possível esse conteúdo e
conteúdos editoriais os mais diversos; além, é
esses novos meios para promover suas
permitir o reconhecimento mútuo entre
claro, de conhecerem as ações do Programa
expressões. Ao mesmo tempo, essas novas
essas experiências. O Portal YAH! quer dar
Rede Cultura Jovem. O YAH! é a principal
ferramentas se moldam ao perfil de cada
as mesmas condições para Sérgio Sampaio e
ferramenta para a constituir relacionamentos
usuário. E todas essas mudanças acontecem a
Roberto Carlos serem acessíveis ao público,
na Rede Cultura Jovem. Ao mesmo tempo, o
uma velocidade surpreendente!
dependendo apenas do engajamento e da
Portal funciona como a cara mais imediata-
24
PORTAL YAH!
IVO GODOY
Figura 1 - Home do Portal YAH!
www.portalyah.com.br www.secult.es.gov.br www.musicaes.org.br
Figura 3 – Página de comunidade no Portal YAH!
mente visível dessa Rede, funciona literal-
outros usuários que diariamente acessam os
mente como sua interface.
conteúdos do Portal, mas que optam por não
A home do Portal YAH! (fig 1) é abastecida com conteúdos postados pelos próprios
se cadastrar na Rede. Outra estratégia que não poderia ficar de
público específico. Não bastasse a interatividade, o dinamismo e a colaboratividade, o Portal YAH! também busca a integração com outras redes
membros da Rede. Se você quer anunciar um
fora dessa Rede é a da formação de comu-
de relacionamento e com repositórios de con-
evento cultural, publicar um artigo, divulgar
nidades. Por meio delas, é possível agrupar
teúdos na internet (como You Tube, Vimeo,
um áudio, uma foto ou um vídeo, basta
conteúdos e usuários com interesses em
Issuu, Sound Cloud etc) por meio de me-
adicionar esse conteúdo no Portal para que
comum. As comunidades também possuem
canismos de incorporação (dados em funções
o seu novo post ganhe destaque na home. É
seções para postagem de conteúdos como
como a “embed”, ou seja, a “incorporação”).
como se você tivesse duas páginas principais,
notícias, fotos, vídeos, agenda de eventos,
Você também pode declarar na edição do seu
uma página com os conteúdos mais recentes
playlists, provocações, entre outros (fig. 3).
perfil (Editar Perfil fig. 4), os links dos seus
de toda a Rede e outra com os conteúdos
Esses espaços do Portal YAH! podem ser
canais no Orkut, Facebook, You Tube, Flick,
mais recentes dos amigos que você consti-
usados para mobilizações culturais e para
Twitter e outras redes sociais. A integração
tui dentro da Rede (fig. 2). Além disso, há
direcionar conteúdos temáticos para um
também rola com o portal da Secretaria de
25
Figura 5.1 – Inclusão de playlist no perfil do usuário
Figura 2 – Perfil do usuário
Figura 5.2 – Inclusão de playlist no perfil do usuário
Figura 5.3 – Inclusão de playlist no perfil do usuário
Figura 4 – Informações do perfil do usuário
Estado da Cultura do Espírito Santo, por meio
menta de mobilização que articula a cultura
eles estão articulando a cada dia uma rede
do compartilhamento e veiculação recíproca
de dentro para fora e vice-versa a fim de
de relacionamento artístico-cultural identifi-
de conteúdos de notícia, e com o Portal de
fortalecer essa grande Rede de cultura jovem
cada com a juventude do Espírito Santo. E à
Musica Espírito Santo, por meio da disponibi-
capixaba. Já dizia Sergio Sampaio: “Um livro
medida que a Rede cresce e se consolida, o
lização de todo o acervo musical de obras de
de poesia na gaveta não adianta nada, lugar
Portal YAH! se transforma e se expande para
artistas capixabas, o que possibilita ao usuário
de poesia é na calçada...”. É preciso ter fluxo
abarcar todo esse caldeirão cultural.
do YAH! criar sua própria playlist (fig. 5).
e circulação!
Mas a real integração que o Portal YAH!
Com esse ambiente de troca, é possível
Por ser um ambiente em permanente construção, novas ferramentas são desen-
oferece é entre as diferentes expressões e
mobilizar ações virtuais e presenciais, organi-
volvidas e implementadas o tempo todo no
linguagens artísticas e culturais do Estado.
zar grupos de produção, realizar intercâmbios
Portal. Essas melhorias buscam ampliar a us-
Trata-se de um espaço onde criadores e
culturais pelo Estado. Uma galera muito
abilidade a partir das demandas dos próprios
público compartilham, discutem, refletem e
competente já está mostrando a cara no Por-
usuários, fazendo com que os membros do
colaboram. O Programa Rede Cultura Jovem
tal, críticos, ilustradores, vídeomakers, fotó-
YAH! sejam também seus criadores.
desenvolveu o YAH! para ser uma ferra-
grafos, jornalistas, poetas, designers, todos
26 OBSERVATÓRIO
ORLANDO LOPES
Redes sociais na internet Orlando Lopes
Não são poucas as vezes em que juven-
iTEIA
Live Mocha
O Portal iTEIA tem como missão ser o acervo
A LiveMocha é uma rede social que já conta
nos acostumando mais e mais com a ideia
da produção multimídia de centros culturais
com mais de 2 milhões de usuários, consi-
de que a juventude vive “naturalmente”
nacionais e internacionais, integrando e rela-
derada o Orkut para quem quer aprender um
em rede. E as redes, é claro, não estariam se
cionando conteúdos das redes atuais, como
novo idioma. Isso porque através dele você
tornando o que já são hoje se não tivessem
por exemplo, o projeto Pontos de Cultura e o
cria sua própria rede de amigos, faz novas
sido adotadas pelos jovens.
programa Casa Brasil.
amizades baseadas no interesse e propósito
www.iteia.org.br
de aprendizado da língua, tudo em prol de
tude e rede parecem se confundir em nossos dias. Vistos quase como sinônimos, vamos
Há redes feitas para jovens, há redes feitas com jovens, há redes feitas por jovens,
um interesse comum: por em prática aquela
cada tipo com um interesse, um alcance
Cultura Digital Brasileira
bendita aula que você teve no seu curso de
A rede social da Cultura Digital Brasileira é
www.livemocha.com
diferente. Há redes para divertir e entreter, há redes para informar, há redes para unir e conectar; e em praticamente todas há jovens descobrindo, provocando, refazendo os mo-
um espaço público e aberto voltado para
dos de comunicar, de relacionar, de interagir.
a formulação e a construção democrática
Em que redes você circula? Em que redes
inglês ou outro idioma qualquer e começar a deslanchar de vez.
de uma política pública de cultura digital,
deixa sua marca? Que redes deixam sua
Erasmusu.com
integrando cidadãos e insituições governa-
Nascida na Espanha, a rede Erasmusu.com
marca em você? Artista, ativista, estudante,
mentais, estatais, da sociedade civil e do
tem abrangência internacional orientada para
esportista, cidadão, pessoa – se você é
mercado.
estudantes de intercâmbio (Erasmus, ISEP,
jovem, já sabe que a vida em rede é uma
www.culturadigital.br
Leonardo da Vinci, Faro, Argo, entre outros).
dessas modas que nos mudam, transformam
Criada ainda em 2009, a Erasmusu tem como
a forma como vemos o mundo: transformam
Teia-MG
objetivo ser útil para os estudantes que fize-
A rede TEIA-MG é uma ferramenta para in-
de intercâmbio, permitindo, por exemplo,
serção dos jovens, micro, pequenos e médios
colocar em contato estudantes que vão para
Só é bom lembrar que plataforma (Or-
empresários na economia globalizada. Mas
a mesma cidade de destino e simultanea-
kut, Facebook, MySpace, Twitter...) não é,
além disso é uma ponte para o amadureci-
mente conhecer, antes de chegar, gente que
propriamente, rede: redes são as pessoas que
mento da Sociedade do Conhecimento junto
esteve, está ou estará em qualquer cidade do
se encontram e se relacionam, pessoas que
às comunidades locais, neste momento em
mundo. O estudante pode facilmente obter
ocupam as plataformas com seus desejos,
que a evolução das tecnologias de comu-
informações resultantes de experiências sobre
suas necessidade e suas vontades.
nicações e informação acelera de forma
qualquer cidade e universidade.
exponencial este processo.
www.erasmusu.com
a vida num imenso jogo de representações e de existências, criam novas formas de vivência.
Conheça algumas redes à nossa volta:
www.teia.mg.gov.br
ram, estão fazendo ou farão um programa
italogaliza@programaviceverso.com.br www.marcosaramos.blogspot.com
Ítalo Galiza Marcos ramos
CROCHÉ LITERÁRIO
Ítalo Galiza apresenta
Marcos Ramos
[música de sobrevivência] não mais o ouvido cerca o som polifônico da paisagem embranquecida. o tato anuncia o gozo antes da próxima nota. ante cada coma o fulgor de melodia se anuncia
[o corpo de uma linha]
[o pulso febril]
entre sílabas dispostas em silêncio
que quer dizer, no verso,
prostrado na apatia
num ávido paladar exasperado
poesia, desejo, poema?
o pulso febril se ausenta
a contenção dos dedos
o precipício reincidente
da cidade quase gasosa
oferece possível solução:
inseguro interrompe
se desespera em acordes de romper
ocupar um corpo vivo
a seqüência sutil
a fala ausente.
inexato,
a passos de evitar a língua
em cada respiração monocórdica
um ponto vélico que despedaça
mas não há margem
um movimento insiste
em fragmentos o pulso
a palavra. só insurge o instante
em tocar o indizível
sem contratempo.
da metáfora
sem nunca romper o poema contínuo:
o corpo de uma linha, em suma,
inseguro
música de sobrevivência
é pergunta. mas, em exercício,
o febril pulso
(para Egberto Gismonti)
repete sem possibilidades de não desejar
em nenhum instante é silêncio
de exatidão.
(mínimos)
Três poemas extraídos do livro O corpo de uma linha, de Marcos Ramos.
O silêncio fala. Linha. Rompê-lo é um mecanismo da poesia. Corpo.
o provoca. A superficialidade o inquieta. Música. A sensibilidade dele
Marcos Alexandre Ramos começa a experimentar a vida no dia
passa por uma paisagem sonora. Ramos é pianista e compositor.
15 de janeiro de 1988, em Vitória. Inquietação. A leitura foi seu
Sua poesia ouve Egberto Gismonti, Arvo Pärt e Milton Nascimento.
primeiro contato com a palavra. Paladar. Primeiro sentiu o gosto
Ritmo. O corpo de uma linha é o seu livro de estreia, com previsão
da prosa, um pouco depois, olhou mais de perto o que estava no
de lançamento para o primeiro semestre deste ano. Futuro. A
verso. Inspiração. De Caio Fernando Abreu a Hilda Hilst. De Sérgio
próxima obra de Marcos Ramos já está a caminho, ainda sem data de
Sant´Anna a Machado de Assis. Como vai, Dom Casmurro? Luz. Sua
finalização: Toda palavra é crueldade (título extraído de um poema de
mochila literária o leva à graduação em Letras-Português, pela Ufes.
Orides Fontela). Navalha. O jovem escritor quer causar desconforto.
Direção. Fez parte do grupo de pesquisa Literatura e outros sistemas
Manter o desconforto para fazer as pessoas sentirem. Língua. Há
de significação. Sabores lacanianos. Marcos Ramos também cursa
margem à palavra? O corpo transforma-se em poema e a linha em
Psicologia pela Faculdades Integradas Espírito-Santenses (FAESA).
verso.
Arte. Pretende fazer mestrado em teoria psicanalítica. Desejo. A apatia
Deguste.
27
28 COSTURA A DOIS
EDUARDO OJÚ GUIDO IMBROISI
eduardo.oju@hotmail.com gteixeiraimbroisi73@gmail.com
DIABO Outra pessoa ficava possessa e eram dois Diabos, dois palhaços, três pessoas tomadas pela alegria, nove meninos pulando nos jardins, cinco crentes intercedendo pela cidade, quatro casais de
comum, o velório e o casamento, bem como o nascimento e a
doidos dançando ciranda, sete janelas se fechando para preservar
alegria do encontro simples. Estava clara e nítida a presença
a família, um velho arrependido de viver para ver aquela vergonha,
dessas realidades.
outro com o pesar de ser velho para participar da bagunça, dois
Era como se o planeta e a carne fosse a razão de tudo, o fim de
garis suspendendo as vassouras. E algumas mulheres – bonitas
todas as coisas, um abismo sem fim. Por isso dançávamos a alegria
demais para demonstrar a vontade de um desejo menor: a alegria
do fim. A força que vence a História. História: uma força contrária
do palhaço.
ao fim.
Então, o segundo a ficar possesso continuou a brincadeira
Mais tarde encontrei o primeiro corpo do Exú. Bebia num
enquanto o primeiro, cabisbaixo, desvinculava-se da brincadeira,
barzinho, sentei perto e ele me explicou aquilo. Lá dentro do bar
saia pela lateral, andava como um qualquer um. Mas o Demônio
víamos o carnaval passar, entrava uma luz boa, não iluminava o
era o mesmo – em outro corpo, mas o mesmo. E o movimento
lugar, mas sentíamos iluminados pela contra luz. Até porque ela
continuou, partindo para outras ruas, outras pessoas, meninos,
passava pelos foliões antes de chegar a nós. As que entravam nos
crentes, doidos, famílias, velhos, garis – e mulheres bonitas para
copos de vidro eram engraçadas, desmerecendo as imagens que
ignorar o movimento das pessoas. Outras praças, jardins e santos.
reproduziam.
Outras risadas e medos. Acompanhei a procissão, não só de pessoas, mas também de
Ele me disse como havia começado aquilo – havia começado e desde então não parou nunca.
fantasmas. Porque naquela dança havia a presença de todos e, nas
“Aquele Diabo pertence a essas ruas e as pedras das gerações
músicas e arruaças, o carnaval, a festa da cidade, o aniversário
pertencem a ele. Não sabemos ao certo de quem se trata, sua identidade se perdeu gastada e esquecida nas pedras. Mas, pela força acumulada durante os séculos, a ignorância de mais um povo não o matou, porque existimos mesmo quando ninguém mais o sabe.”
Texto Eduardo Ojú Ilustração Guido Imbroisi
29
30 COSTURA A DOIS
EDUARDO OJÚ GUIDO IMBROISI
www.oyuoba.wordpress.com www.flickr.com/photos/quadretifero
fotos Raphael Araújo
Da esquerda para direita, Eduardo Ojú e Guido Imbroisi
Para o desenhista, o desafio de ilustrar a partir de um roteiro pré-definido – algo bem diferente da maioria dos seus trabalhos. Para o poeta, a experiência inédita de ver a sua produção como fonte direta de uma criação em outra mídia Jovem poeta e compositor de São Ma-
seu tempo à produção de desenhos. A ilustração da página 28 resulta da
na ilustração, como o diabo que também
interação entre esses dois jovens artistas
é o Exu, uma entidade observadora e que
capixabas. Sem conhecer Eduardo, Guido
faz a comunicação entre seres humanos e
recebeu o texto dele e, a partir de sua
orixás”, comenta Eduardo.
interpretação, produziu a ilustração. No
Para os dois artistas, a proposta de
último dia 19 de março, eles encontraram-
uma criação “provocada” foi algo inédito.
se para conhecerem melhor o trabalho um
“Apesar de pensar meu trabalho em várias
do outro. O processo de criação, as
linguagens artísticas eu nunca concre-
referências de cada artista e a interpreta-
tizei um trabalho assim”, afirma Edu-
ção do texto “O Diabo” foram os assuntos
ardo. “Para mim, a inovação foi fazer um
da conversa. “Chamou a minha atenção
trabalho a partir de um roteiro (o texto),
a forma como ele trabalha as palavras.
pois normalmente costumo ter uma ideia
A interpretação do texto dele não vem
e passar para o papel, dessa vez tive que
de graça, precisa de tempo para com-
me concentrar na interpretação”, conclui
preender o que ele escreveu”, diz Guido.
Guido.
teus, Eduardo Ojú é formado em jornalis-
Após conhecerem melhor um ao
mo. Em seus textos, tematiza o cotidiano e
outro, os jovens artistas puderam avaliar
a memória da cidade onde nasceu e mora
os possíveis sentidos estabelecidos entre
até hoje, a relação com a cultura negra e
as duas obras. O ponto em comum na in-
com o candomblé. Estudante de arquite-
terpretação dos dois artistas foi a questão
tura, Guido Imbroisi também é colabora-
dos números presentes no texto e o esote-
dor de publicações como a Revista Prego e
rismo na construção da ilustração.
a Revista SOMA, e dedica grande parte de
no desenho. O Guido utilizou muito isso
“Há uma abordagem bem esotérica
MELINA@SARNAGLIA.COM.BR
MELINA ALMADA SARNAGLIA
Das linhas que nos cruzam todos Melina Almada Sarnaglia
Contemporâneo. Aqueles que compartilham um mesmo tempo. Dita assim, essa definição coloca-se em caráter
de substantivo, contudo, a partir da década de 1960, o campo das artes passará a utilizá-la também como categoria artística. Deste modo, dizer que um trabalho de arte é contemporâneo é afirmar que ele faz parte de um conjunto de características e determinações estéticas, mas principalmente de elaborações conceituais tão diversas, que nos impede de tentar traçar limitações para dar conta de toda sua extensão, pois esta reinventa-se a todo instante. Trazer os questionamentos de outra palavra que se relaciona também com o tempo, Jovem me aparece conectado ao contemporâneo, ao novo e ao espírito de experimentação que o contemporâneo persegue. Assim, a linha da palavra é capaz de UNIR conceitos
antes
distantes.
Pensar a produção do jovem em arte contemporânea no Espírito Santo é uma tarefa que começa na década de 1960, quando, o ainda jovem, Attílio Gomes [ainda Nenna] se atracava com as espessas amarras que regiam a Escola de Belas Artes. Conhecedor das propostas que se faziam efetivas em terras longínquas – estrangeiras ou simplesmente em outra unidade da federação – Nenna via-se inconformado, mas de uma inconformidade fértil! Produziu na década de 1970 obras de impacto: Estilingue. E Inscrição I, Inscrição II e Amor [um tríptico] onde baseado nos preceitos dadaístas/conceituais inscreve a própria ficha de inscrição como o trabalho no I Salão de Alunos e Ex-alunos do Centro de Artes. A irreverência presente em Nenna é a linha que começa a ligar juventude e conhecimento em arte contemporânea no Espírito Santo. Assim, temos um início. O meio é assunto para outro texto e, de volta à última década, a mais jovem década, cruzam as linhas da arte contemporânea alguns novos nomes. Alguns outros trabalhos. Nos últimos anos, os raros espaços disponíveis aos jovens artistas receberam diversos tipos de propostas de residências e ocupações; trabalhos que puderam dialogar com a especificidade do lugar onde se colocaram, que puderam afirmar o lugar de onde falaram. Trabalhos que puderam garantir um discurso, outros que só o delinearam, alguns que nem mesmo o esboçaram. Contudo, transitam com propriedade diante das mais diversas mídias e conceitos, detalhe pertinente, mais um dos possíveis direcionamentos da tal ... arte contemporânea. Desde a pintura, passando pela fotografia e vídeo, objeto ou só pela imaterialidade do discurso essa nova geração não tem nada de nova. É filha de conceitos e postulados do início do Século XX, que só foram compreendidos décadas mais tarde. Teríamos um velho jovem conceito? Diante de que estamos então? De trabalhos que têm consigo a potência de também tornarem-se referência. Na Galeria Vírginia Tamanini uma tênue linha – um dreadlock – uniu dois pavimentos de um prédio histórico, uniu dois espaços, dois vazios. Gabriel Borém e Gabriel Sampaio cindiram o chão de um, o teto de outro. Uniram-se. Alinhavaram com grossas linhas a pureza do vazio e o pertencimento da presença. Alinhavaram-nos em 2007. Perseguidos pelo vazio do não, Victor Monteiro e Raphael Araújo despiram a Galeria Homero Massena. Desvelaram as linhas de suas vontades e afirmaram a força que pode ter a anulação. Dois jovens, por coincidência, amigos; por consciência, artistas. Conjugam, em conjunto, um verbo único: poder. Aprendem há duras penas os deslocamentos do Sistema, a dura-linha que o protege. Proteção salutar, afinal, é pelo esforço do embate intelectual que a arte se faz mais potente. É no construir pontos
abrir brechas para o encontro, para o desconhecido, para
além do vazio, para quem sabe, o sim. Afinal, quando apago a linha é que deixo sua marca mais visível. Quando abro um espaço raro ao convívio e experimentação de todos. Quando compartilho a ideia, a noção do que seja arte com o outro. Sim, o Outro é também uma linha. O Outro passa por nós, nos encara e aponta o dedo, mas é também a linha do laço. Assim a proposta do Atelier de Pintura em 2008-2009, contemplado pela Secult-ES para uma residência na Galeria Homero Massena. Neste caso, quem sabe já não é melhor unir as linhas e torná-las encontros. Encontros positivos e frutíferos. Novos moldes. Novas linhas diante de um horizonte. Ou de onde vai o mar? Ou da onde ia o mar? Da linha da história, de onde podemos ser tomados. Questionados. Posso ouvir a linha azul me sussurrando: - “Você vai atravessar, ou não?”. Perante a coragem que me falta para atravessar a já esgarçada linha azul de Piatan Lube – selecionado pelo Salão do Mar em 2008 e pelo Edital Arte e Patrimônio, organizado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Nacional (IPHAN) e Ministério da Cultura em 2009 – a juventude do tempo diz que há ainda muito que fazer. Espaços a construir e desconstruir. Aterros para descobrir. Fronteiras a erguer. Quem sabe já não se possa antever um futuro, nessa linha ainda disforme que é a arte contemporânea [jovem] capixaba | [jovem] arte contemporânea capixaba | arte contemporânea capixaba [jovem].
CRÍTICA EMARANHADA
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32 CRIÍTICA EMARANHADA
JOYCE CASTELLO
JOYCECASTELLO@GMAIL.COM
Do tédio ao toddy Joyce Castello
Há pouco mais de um ano, a banda Velho Scotch fazia seus primeiros ensaios na casa do baterista Kabelo, em Vila Velha. É aí que começa, mais uma vez, a história de um grupo de amigos que se reúne para, despretensiosamente, fazer música. Hoje, eles já participaram de festivais, têm um cd virtual lançado – e ainda ensaiam na casa do Kabelo. Mas não faz mal. Nesse caso, expectativas boas ventilam para todos os lados. No álbum de estreia, O Parto, a sonoridade rock lembra a das bandas nacionais do final dos anos oitenta/início dos noventa. Isso prova que a tendência vintage avança ligeira e bate à porta de um passado ainda bem recente. Na contramão dos modismos hype com ruídos eletrônicos e barulhinhos improváveis, a Velho Scotch firma território em um estilo que há pouco voltou a ter algum prestígio junto à crítica e aos consumidores de música. A faixa-título é a única despojada dos arranjos de baixo, guitarras e bateria. O duo de voz e piano abre alas para que progressivamente surjam as melodias mais metálicas, recheadas por momentos instrumentais. Na música seguinte, Filho Ingrato – um rock ainda suave, com som bem limpo – é possível flagrar as deixas para que cada instrumento ganhe seu lugar com muita facilidade. O vocalista Anderson Bardot, que também é o letrista da banda, se destaca com sua voz forte em uma das melhores faixas do disco. O som fica mais sujo diante da promessa cantada de fazer tudo que for “samba virar rock marginal”. A organização do álbum parece um pouco conservadora justamente por esse movimento muito claro das canções mais leves às mais pesadas. Uma seleção menos uniforme deixaria uma impressão mais orgânica, capaz de surpreender na sucessão de músicas. É o que acontece quando os primeiros acordes de Meus Vinte Anos começam a tocar, já no final do cd. Ao falar de [des]ilusões, a música leva o volume dos instrumentos para um tom mais baixo: eis que surge a balada do disco, com suas batidinhas características e as guitarras dedilhadas. O Parto – nome sugestivo para uma estreia – reúne dez faixas oficiais e uma bônus. Todas as músicas, disponíveis para download, foram gravadas de modo independente – leia-se: sem grana! –, quando Bardot, Kabelo, Tonhão (baixo), João “Panda” e Doug Bragio (guitarras) somavam pouquíssimos meses de banda. O cd físico, prometido para este ano, deve pontuar um ganho de maturidade musical evidente. Afinal, é no dia a dia de ensaios e shows que as eternas questões de arranjos, volume e repertório podem ser repensadas e aparadas. Mas falar da Velho Scotch sem lembrar suas apresentações ao vivo é cometer falta grave. Os shows são peculiares. Bardot, exibido e performático, assume sua posição de frontman com propriedade, atraindo para si todos os olhares. Há nele um quê de Cazuza e sua verve rockeira poética impregnando os mínimos gestos. A banda esbanja entrosamento e preparo. Cuida de ensaiar e passar todos os detalhes para realizar um show pra valer, não um grande ensaio aberto ao público – coisa que algumas bandas novas insistem em fazer por aí. Toda essa “rasgação de seda” não é gratuita: eu, autora do texto que supostamente me abstive até agora, conheci a banda por meio de um show. A possibilidade tão contemporânea de ouvir de tudo um pouco graças aos infinitos downloads pela internet é formidável, mas a experiência de ir a shows e a festivais de música é totalmente imprescindível. A universidade, por seu papel sociocultural, tem que voltar a receber bandas e festivais; os coletivos precisam se organizar e promover eventos; e os espaços públicos tem que ser contemplados com mais e mais apresentações. É dessa maneira que trabalhos como o da Velho Scotch conseguirão, cada vez mais, reverberar e dar sentido a uma cena musical forte e organizada, capaz de privilegiar a diversidade para além da velha teimosia nos ritmos genuinamente locais. Pouco importa se uma banda opta por samba, rock, eletrônica, calipso ou cha-cha-chá. A diversidade abre caminhos para que novas alternativas se tornem visíveis, e não faltam bandas a serem achadas por aí.
SERGIORODRIGOSF@YAHOO.COM.BR
SÉRGIO RODRIGO
A arte do bate-cabelo
Sérgio Rodrigo
Algumas ressalvas devem ser feitas para melhor definir o que vem a ser drag queens, já que muitos as confundem com travesti e transexuais. A “montagem” (ou seja, o ato de tornar-se como uma drag) é uma prática de caráter mais artístico-performático do que identitária, ou seja, enquanto travestis e transexuais se relacionam em seu cotidiano com o mundo como se fossem mulheres (moldando o corpo com formas femininas e socialmente exercendo esse papel), as drags são homens (gays ou não) donos de uma identidade masculina que em determinadas ocasiões caracterizam-se como mulher para fins artísticos. Vale ressaltar ainda que as drags reproduzem a figura feminina de maneira exagerada e, na maioria das vezes, cômica - expressa em suas perucas enormes, maquiagem carregadas, roupas extravagantes e glamurosas. A inspiração, quase sempre, não são as mulheres comuns, mas as grandes divas do cinema e da música. É difícil precisar o início da prática de se caracterizar de forma exagerada do gênero oposto, porém, possivelmente chegou à forma como conhecemos hoje com a popularidade do filme australiano Priscila, a Rainha do Deserto, que espalhou e estabeleceu a cultura drag pelo mundo ainda no início dos anos 1990. No Espírito Santo, o berço da prática da montagem começou provavelmente com o surgimento das primeiras boates gays nos anos 1980. Nesse período era comum que não só elas, como os donos das boates e membros da chamada comunidade LGBT (lésbica, gay, bissexual, travesti, transexual e transgênero) em geral fossem presos injustamente pela polícia por vadiagem e prostituição, sendo logo depois soltos numa visível demonstração de repressão gratuita e preconceito, como contam as heroínas que já se montavam na época. Uma delas – definitivamente a figura gay mais popular do Espírito Santo texto – é Chica Chiclete, que com certeza é a mãe de muitas drags do Estado. Incentivadora e entusiasta da montagem, segundo ela, a primeira boate LGBT do Espírito Santo, surgida em 1986, chamava-se Querelle e localizava-se no Centro da capital. Ainda nos anos de 1980, foram criadas também a Eros - que funcionou por mais de 20 anos, também no Centro de Vitória, e a Star Gueist, na Praia do Canto. O boom das drag queens capixabas aconteceu nos anos de 1990. Precisamente em 92, aconteciam nas boates Eros e Queens os primeiros shows do gênero. A euforia com a montagem estimulava que cada vez mais pessoas se dedicassem à prática, fazendo com que na referida década acontecessem muitas apresentações que prezavam pela surpresa e criatividade no uso de roupas feitas de materiais alternativos, efeitos especiais, coreografias incríveis e músicas exóticas. Era sempre um choque por show que, de maneira geral, apontava para o humor. Depois dessa febre, as apresentações decaíram. Na passagem para os anos 2000, as perfomances foram marginalizadas e, de certo modo, ignoradas pelo próprio público LGBT. Entrou em crise, mas não morreu. Em 2002, a drag paulista Verônika trouxe para o Estado uma nova proposta de show criado por ela que é hoje quase unanimidade entre as drags mais glamourosas: o bate-cabelo. O bate-cabelo consiste num movimento de dança que existe nos atuais shows de drag. Ocorre quando a música eletrônica (geralmente remixes dos estilos tribal ou house music) atinge seu auge de velocidade e o artista gira sua cabeça (e muitas vezes o corpo) em um movimento centrífugo – como se fosse uma hélice – fazendo com que a peruca gire rapidamente criando um efeito de transe-apoteótico. Entretanto, o sucesso da dança foi aos poucos pasteurizando os shows. É claro que há exceções. Uma delas é a caricata Angela Jackson que a cada show reinventa-se criando suas próprias músicas e seus figurinos. Angela já possui dois CDs lançados e foi ovacionada pela sua participação no Festival de Música Livre, ocorrido na Ufes, no ano passado. Outro trabalho que merece ser mencionado é o da drag Draken. Ela venceu o concurso Top Drag 2009 por realizar uma apresentação bem diferente da convencional, investindo numa estética mais andrógena. Há ainda o admirável trabalho de Elétrika, com seus shows quase acrobáticos. No estilo bate-cabelo há aquelas que transvaloraram os conceitos de drag e transformista, misturando-os. Nessa linha, vale destacar os trabalhos de Lara Face, Raysla Tempestade e Christinny Walker. Cada vez mais, as drags queens são reconhecidas pelos seus trabalhos e ganham espaço na mídia. As drags capixabas, especialmente as jovens, têm a seu favor uma tradição na arte performática graças ao empenho de veteranas que ainda estão em cena. Cabe a cada novo artista desse meio construir uma performance original, aqueles que se destacam apresentam trabalhos que prezam pela renovação e por criarem um efeito surpresa junto ao público. E que venham novas performances para mantermos viva a cultura drag queen capixaba. Abusem, bonitas!
CRÍTICA EMARANHADA
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34 CRIÍTICA EMARANHADA
Maria Inês Dieuzeide
maridieuzeide@gmail.com
A rua, o muro, a tela: os documentários e as possibilidades da imagem Maria Inês Dieuzeide
Sair de casa e ocupar os espaços da cidade – essa parece ser a vontade de muita gente. Mas não só para usar,
de maneira convencional, aquilo que ela já oferece como espaço de circulação ou convivência – calçadas, ruas, praças, muros, meio-fios. A ideia é, criativamente, transformar os espaços, atribuindo novos usos, novas “caras”, novas experiências àqueles que transitam pela cidade. Dois documentários capixabas recentes tratam, de maneiras diversas, dessa mesma inquietação. Airmetica Suprasubstancial (2009, 60 min.) é um vídeo de Dalmo Rogério e Gustavo Senna, que imerge no universo do skate. Já Ponto de Vista (2009, 14 min.) é uma produção dos alunos do Centro Estadual de Educação Técnica Vasco Coutinho, dirigido por Thiago Rocha, e faz um debate sobre o grafite, a arte das ruas. Em Airmetica Suprasubstancial, logo se nota a familiaridade e a paixão dos diretores pelo skate. Eles também fazem parte daquele mundo e o vídeo vai nascendo dali de dentro, num contato muito próximo. E logo se nota também o deslumbramento com as possibilidades de criação de imagens que um olhar sobre o skate é capaz de produzir e é isso que é explorado. Aliás, não há nenhuma preocupação em esconder os dispositivos de filmagem: a equipe e os equipamentos muitas vezes aparecem no quadro, o que vai desvendando as maneiras como as imagens foram captadas – muitas vezes com o próprio cinegrafista sobre o skate. Os planos são experimentações de composições, cores, grafismos, e o movimento dos skatistas é a matéria-prima para isso. Às vezes as relações quase se invertem, e não sabemos se o documentário é sobre o esporte ou sobre a própria imagem. O skate está ali só como objeto para a criação do cinegrafista, que usa lentes diferentes, vários movimentos e ângulos. Mas no final o que fica é essa troca bem dosada: forma e objeto tratados com o mesmo cuidado e a mesma paixão (paixão talvez seja a melhor palavra para descrever esse documentário). O apego pelos planos é tal que às vezes parece que nada foi descartado. Cada plano parece ter sido um desafio ao skatista – não apenas as grandes manobras, mas como se cada tentativa, cada tombo, cada repetição merecesse ser trabalhado e ficar registrado como parte do processo – o que torna o documentário muito longo. O cuidado e a experimentação com a imagem não se restringem ao momento da captação: o tratamento digital também foi muito explorado, e é bom ver que as possibilidades tecnológicas foram todas usadas a favor do documentário. A estética do vídeo contribui para a construção do discurso, que é totalmente calcado na imagem. Não há nenhum depoimento, apenas os skatistas em ação, os espaços que eles ocupam, as músicas e algumas animações intercalando as sequências. Na montagem, houve a preocupação de caracterizar os personagens, identificando-os e conectando-os aos seus ambientes, mas talvez isso nem fosse necessário. Só com a exploração dos recursos visuais, todo o discurso fica explícito: a relação do skate com a cidade, a experiência dos espaços, as formas de criação e apropriação dos ambientes. O resultado é uma feliz combinação do objeto sobre o qual se fala com as possibilidades de fala do documentário, forma e conteúdo bem casados, complementando-se, dialogando, pertencentes ao mesmo universo. Ponto de Vista toma como base, como o próprio nome já diz, as diferentes visões sobre o grafite. Visto como arte ou como sujeira, ele pode ser contraditório, mas não passa despercebido. Para levantar esse debate, o documentário é sustentado pelas entrevistas e depoimentos de grafiteiros, artistas plásticos e pessoas que transitam pela rua, escolhidas ao acaso. Se tecnicamente o vídeo não deixa a desejar, faltou ousadia na concepção – ousadia que se esboça em algumas tomadas, mas que não chega a se concretizar. A própria tentativa de mostrar as diferentes visões sobre o grafite não é de todo explorada nas entrevistas de rua, que acabam ficando superficiais e não se sustentam bem. Por outro lado, as falas dos grafiteiros e artistas são editadas de tal modo que o vídeo acaba ficando muito didático – uma aula sobre o grafite. Talvez o que pode ser interessante é ir esquecendo as visões tradicionais e padronizadas sobre o documentário, e se deixar contaminar pelo próprio objeto. Imergir de fato no universo caótico e barulhento da cidade, deixar que o mundo penetre na linguagem do documentário, construir relações entre sons, imagens, falas, pesquisar possibilidades que vão além daquele documentário que já caiu no lugar comum. Perceber a multiplicidade de modos do fazer audiovisual, especialmente no campo documental. E não deixar que um pensamento solidificado, um olhar viciado engessem as possibilidades que uma câmera na mão proporciona.
maxdias@yahoo.com.br
MAX DIAS
artigo
Arte e cultura: um direito juvenil, um dever do Estado Max Dias
A
figura do jovem como sujeito diferente da criança e do
nome, concorre como pessoa física, presta conta de seus gastos,
adulto é relativamente nova. Meus avós, por exemplo,
comercializa seu produto final e pronto. Sem burocracias e sem
casaram-se muito novos, quase adolescentes. Dos 15
muitos protocolos. Todavia, acreditar no jovem de maneira
aos 29 anos eles fizeram tudo que um adulto faz. O trabalho,
irrestrita não é das tarefas mais fáceis para o poder público. As
em especial, foi preponderante para demarcar uma mudança
perguntas nas repartições são sempre as mesmas: esses jovens não
significativa no modo de vida deles. Pode-se afirmar que eles
vão pegar o dinheiro? Não é muito arriscado? Isso vai dar certo?
não tiveram juventude. O papel social que eles passaram a
Quando se deposita credibilidade no jovem a certeza é uma só: vai
desempenhar impediu que suas vidas fossem outras. Nesse tempo
dar certo. Muitos projetos erram por não levar em consideração
o modelo disciplinar era aplicado de forma explícita e direta, a
a responsabilidade e a autonomia concernentes à juventude.
mulher estava totalmente submetida ao homem e a juventude à
Pensam o jovem apenas sob a perspectiva do problema, ou sob os
sociedade adulta.
conceitos caquéticos da sociedade adulta. E é nesse ponto que a
É nesse sentido que a produção cultural juvenil assume um
lei VAI inova.
caráter extremamente rico e audacioso nas décadas de 1960 e 1970.
O pleno desenvolvimento cultural e artístico da juventude
A produção do período assinala a insatisfação de uma parcela da
de periferia depende muito da ação do poder público, sendo
população que se cansa de esperar um futuro promissor e um
as políticas sócio-culturais garantidoras do crescimento das
mundo mais igual advindo da sociedade adulta. A juventude passa
expressões juvenis. É fato: se o Estado continuar omisso na
a fazer conforme os seus próprios desejos e conceitos. Do rock de
promoção da juventude, ela continuará fazendo parte das
protesto às bandas efêmeras de videoclipe, do rap de periferia ao
estatísticas mais horrendas da nossa sociedade, permanecerá um
“proibidão” dos bailes urbanos, os produtos dos jovens tornam-se
alvo de preconceitos e discriminações, continuará tendo cor, sexo
conceituais e lucrativos e, ao mesmo tempo, alvo de protestos e
e faixa etária para a justificativa das ações policiais.
preconceitos.
Enfim, alguns aspectos da lei VAI estão presentes também
O constante processo de redemocratização, aliado à intensa
no Programa Rede Cultura Jovem e logo será possível perceber
pressão exercida pelos muitos movimentos juvenis organizados
quão importante ele é para a promoção cultural e artística do
e “desorganizados” espalhados pelo país, abriu os olhos das
jovem capixaba. E que essa onda não pare por aí. Que avancemos
autoridades para uma ação mais positiva para a juventude, que
para ações ainda mais ousadas e benéficas para essa parcela da
não envolvesse apenas polícia e escola. Assim, passa a surgir uma
população. Que o jovem músico seja valorizado recebendo um
série de projetos a fim de potencializar ações juvenis. Os editais
cachê condizente com seu esforço e talento; que o jovem ator possa
de cultura tornam-se a grande vedete de boa parte da juventude
ter a mesma estrutura para suas apresentações que os artistas
que busca fazer sua ideia acontecer. Chama a atenção uma ação
globais que vêm à nossa terra; que casas de shows, teatros, cinemas,
específica promovida no município de São Paulo: o Programa de
TVs, rádios e estúdios públicos pipoquem por estas cidades de tal
Valorização de Iniciativas Culturais (VAI)*.
modo que a juventude se sinta partícipe e representada na figura
O VAI é um mecanismo de incentivo financeiro à juventude de baixa renda. O jovem apresenta um projeto e, se for selecionado,
de seus políticos. Isso seria um avanço e tanto para a solidificação da recente democracia brasileira.
sua iniciativa receberá um financiamento capaz de auxiliá-lo na execução da proposta. Isso parece simples, mas em se tratando de
* O VAI foi instituído no âmbito da Secretaria Municipal de
uma política pública de Estado, e não de governo, é um grande
Cultura de São Paulo por meio da Lei Municipal nº 13.540, de 24
avanço. E por quê? Porque o jovem não precisa de um tutor
de março de 2003. Para saber mais acesse: www.prefeitura.sp.gov.
nem de um intermediário. Ele abre uma conta corrente em seu
br/cidade/secretarias/cultura/vai
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36 entrevista
paulo gois bastos
Um jovem guerreiro de uma velha tradição Paulo Gois Bastos
“Ó Deus, dai-me confiança nas minhas armas e meus soldados, pra fazer desaparecer toda essa ignorância. Volta, diga a teu ousado rei que no campo de batalha, no punho de vossas armas, queremos ver quem sairá vitorioso. Retira-te grande ousado, com palavras impossíveis, da frente do meu exército.” Trecho da última resposta do Capitão Cristão ao Embaixador Mouro na festa do Alardo Ele foi a última criança a nascer pelas mãos de sua avó materna, que era parteira e foi responsável pelo parto de todas as filhas. “Foi como que o encerramento da carreira dela”, diz Terezino Trindade Alves (24 anos), o nosso entrevistado desta edição. A conversa aconteceu numa tarde de sábado, no quintal da casa de seus pais, em Angelim I, comunidade quilombola que fica a poucos quilômetros da vila de Itaúnas, em Conceição da Barra, no norte do Estado. A entrevista aconteceu debaixo de um pé de seriguela carregado de frutos, em frente à casa de farinha da família. É de lá que sai a matéria-prima para o beiju feito por sua mãe, Dona Claudentina, ou simplesmente Dentina, como é mais conhecida. Aliás, foi graças à especialidade culinária que, em 2009, Dona Dentina recebeu o título de “Mestre da Cultura Popular do Estado do Espírito Santo”, por meio do prêmio “Mestre Armojo do Folclore Capixaba”, concedido pela Secult-ES.
nização da festa do Alardo, que acontece
Atualmente, os protagonistas do
nos dias 19 e 20 de janeiro, em frente à
Alardo são jovens, e isso traz questiona-
Terezino é casado com Patricia Almeida,
igreja católica da vila de Itaúnas. Nessa
mentos por parte de pessoas mais velhas
com quem tem um filho recém-nascido.
festividade popular encena-se a épica
envolvidas com manifestações popula-
“Eu nasci em casa, aqui mesmo em An-
luta entre cristãos e mouros. Durante as
res da região. Em jogo, as concepções a
gelim, numa casa aqui dentro deste sítio.
comemorações, dois grupos separados por
respeito da cultura popular: para aqueles
E me criei, passei toda a minha infância
indumentárias nas cores azul (cristãos)
que possuem uma visão romanceada ou
aqui mesmo. Comendo as frutas, jogando
e vermelho (mouros) estabelecem seu
enxergam um “purismo” nesse tipo de
bola e tomando banho de rio”. Com ensino
fronte de guerra; seguem um rigoroso
manifestação, o Alardo encenado pelos
médio completo, desde cedo trabalhou
ritual de diplomacia onde cada exército
jovens liderados por Terezino é um exem-
no campo – atividade com a qual espera
busca mostrar sua superioridade militar e
plo de que a cultura popular se renova a
garantir seu sustento, hoje e amanhã. Mas
religiosa com fins de conversão; declaram
partir de elementos trazidos e incorpo-
para isso, é preciso ter terra. Angelim I,
guerra mútua e travam uma batalha
rados pelos sujeitos que a materializam.
a exemplo de várias outras comunidades
homem a homem; ao final, espoliam a
Tais expressões se recriam e se mantêm
quilombolas do Norte do Estado, não tem
imagem de São Sebastião e o inimigo (os
atuais, pois aqueles que as protagonizam
acesso ao seu próprio território.
mouros) é batizado na fé cristã.
estão estabelecidos no presente, mesmo
Caçula de uma família de sete irmãos,
Desde 2005, Terezino lidera a orga-
vinculados a uma tradição tão ancestral.
fotografias Syã Fonseca
você morar no campo com um lote desse
mensal da Comissão, que aconteceu em
tamanho, você vai fazer uma favela, vai
São Domingos, comunidade quilombola
virar uma favela na roça”.
próxima, situada às margens da BR 101.
Em 2004, Angelim I foi reconhe-
A luta pelo território Uma das lideranças políticas mais
Ele explicou que esses encontros servem
cida como comunidade remanescente
para “levar as demandas da comunidade,
de quilombo pela Fundação Cultural
debater e trazer as demandas das outras
Palmares, e, no ano seguinte, foi criada a
comunidades de forma que todos tenham
Comissão Quilombola do Sapê do Norte
conhecimento do que está acontecendo
- resutado da articulação e da mobiliza-
dentro do território”.
ção dos moradores das comunidades em torno da luta pelo território. “Tudo devido a essa grande questão que era também a da nossa sobrevivência: a disputa do ter-
A luta pela festa Além da luta pelo território, Terezino
atuantes na região, especialmente entre
ritório, a escassez do território. Sabíamos
tem outros engajamentos culturais. Ele
os jovens quilombolas, Terezino tem a
que já não tínhamos o domínio do ter-
é um dos protagonistas do Alardo e suas
clara consciência de que a conquista de
ritório que antigamente nos pertencia. Aí
memórias de infância são carregadas com
uma vida digna para a sua comunidade
as comunidades começaram a se organi-
as marcas da festividade: “Eu lembro que
depende de luta pelo território. “Uma
zar, para enfrentar o problema”.
minha mãe trabalhava, fazia beiju e todo
das grandes dificuldades hoje aqui é o
O mesmo ano é também significativo
mundo só falava nessa festa de janeiro,
acesso ao crédito, porque não tem título,
para a história pessoal de Terezino, pois
que acontece em Itaúnas. Todo o povo das
não tem escritura. Essa terra aqui, por
nessa data ele começou a frequentar a
comunidades rurais ia pra Itaúnas, uns
exemplo, tem escritura mas tá em nome
escola de formação política da recém-cri-
desciam de canoa pelo Rio de Itaúnas,
de sete irmãos. São 23 hectares divididos
ada Comissão. Cerca de três anos depois,
outros iam montados a cavalo e outros a
para sete irmãos e cada um já tem mais
a comunidade de Angelim I o indicou
pé. Todos para festejar São Benedito e São
de sete filhos. Você imagina o que dá aqui
como seu representante naquele fórum
Sebastião. Eu lembro dessa preparação
nessa comunidade pra cada um se for
político. Na manhã do dia da entrevista,
que minha mãe tinha para a gente ficar
dividir hoje. Dá um lote pra cada um. Se
Terezino havia participado da reunião
na casa de uns parentes, dormir por lá.
38 ENTREVISTA
paulo gois bastos
O Alardo era um dos destaques da festa
fins eleitoreiros, o que comprometeria o
é difícil. Às vezes, ao invés de termos o
e nós víamos a apresentação no meio da
seu caráter comunitário e sua representa-
repasse desse conhecimento, que ajudaria
rua, a luta de espadas, era a maior cor-
tividade.
o grupo a crescer e se organizar, a gente é
reria dos meninos. Eu ficava imaginando
Em 2005, Terezino e os outros jovens
criticado”.
de onde vinha tudo aquilo, as pessoas
assumiram a realização do Alardo, após
Terezino diz que o fato de um grupo
vestidas de vermelho e azul, dois times
o quase abandono por parte dos antigos
de jovens liderados por um outro jovem
lutando”.
organizadores. “A gente começou a se or-
protagonizar a festa é motivo de ques-
ganizar faltando uns três dias para a festa.
tionamento, mas para além das críticas
manifestações culturais deu-se primeiro
Foi muita correria, no dia da apresenta-
ele aponta a importância de investir nas
com o Ticumbi, aos 17 anos, para pagar
ção conseguimos um carro pra ir à Barra
gerações mais novas para que o Alardo
uma promessa da mãe. “Brinquei três
buscar todas as roupas e todo o material.
continue a ser encenado. “Tem um monte
anos com os congos velhos. Aí fui chama-
Aí a gente pegou e começou a organizar, a
de guri pedindo pra se apresentar no Alar-
do pra apresentar o Alardo. Eu tinha 19
tomar conta mesmo e a trazer os meninos
do. Infelizmente não estamos investindo
anos quando participei dos ensaios e
que estavam meio desanimados”.
nessa vontade, que é a de trabalhar com
Mas a participação de Terezino em
comecei a apresentar e brincar do Alardo.
Nos anos seguintes, o grupo buscou
as crianças, e, por exemplo, formar um
Entrei como soldado, o último soldadinho
parcerias e apoio para viabilizar a
grupo de Alardo mirim. Precisamos
da ponta. Depois disso, eu fui buscando
festa, foram recebidas algumas doações,
resolver outros problemas do grupo, para
participar da organização do grupo”. Hoje
especialmente para a montagem das
depois construir um projeto com as crian-
ele é Capitão, que é o chefe máximo na
indumentárias. “Ficamos um tempo bem
ças que seja permanente”.
hierarquia de cada um dos exércitos da
pendengando. Fomos nos apresentar
festa.
em um festival de folclore na Barra, uns
encontrar e reproduzir os textos com as
Entre as figuras do Alardo, o Embai-
tinham tênis, outros não ou tinham a meia
embaixadas do Alardo para os demais.
xador é uma das mais importantes. É ele
rasgada, mas fomos assim mesmo. Como o
Esse roteiro de falas, escrito num registro
quem faz as “Embaixadas”. Tratam-se de
Alardo ficou adormecido um tempo, o cui-
semi-culto, tem uma autoria coletiva que
visitas diplomáticas ao fronte inimigo, nas
dado com a indumentária da manifestação
atravessa a história do Alardo. Em épocas
quais os Embaixadores declamam versos
perdeu essa questão da tradição, de cada
diferentes, cada grupo desenvolve e
para persuadir o adversário à rendição
um cuidar da sua roupa”. Tradição que
adapta o seu texto. Assim, as embaixadas
militar e religiosa. Tal atuação exige que
foi recuperada por Terezino e sua turma:
podem sempre ser atualizadas. Terezino
o Embaixador tenha o texto prontamente
“Não temos cem por cento do vestuário
espera incorporar nas falas da festa ele-
decorado. O posto de Embaixador foi o
nosso novo, mas a gente tem uns noventa
mentos que remetam à questão territorial
único que Terezino ainda não ocupou. “É
por cento. E cada um toma conta de sua
das comunidades quilombolas. “Acho que
o mais difícil, pois faz todo esse ritual e se
roupa”.
a gente tem condições, tem capacidade
destaca mais. Mas eu não daria conta de
Um jovem mestre
de fazer isso. Colocar um pouco da nossa
decorar o texto”, admite. Nos últimos anos, Terezino e os demais jovens que brincam o Alardo
A faixa etária dos integrantes dos
de Itaúnas foram os responsáveis pelo
jovens envolvidos com o Alardo vai dos
seu resgate e manutenção. “Assim como
15 aos 26 anos. Era tradição que o filho
qualquer grupo folclórico, acho que o
sucedesse o pai na manifestação, o que
Alardo não tem dono. A gente empresta
não acontece mais. “A gente lamenta
um pouco do nosso tempo pelo compro-
muito essa tradição ter ficado um pouco
misso que temos com o santo, com a
esquecida na história. Os mais velhos são
comunidade”. Ele diz isso em resposta a
os que conhecem melhor os detalhes e a
uma tentativa de apropriação da festa para
tradição da festa. Mas o diálogo com eles
Terezino foi o responsável por
realidade de hoje, de todo o conflito pela terra, para as pessoas que assistirem a festa começarem a ligar uma coisa com a outra”.
* Contribuíram com concepção, produção e edição desta entrevista Fernanda de Castro, historiadora e integrante da equipe do PRCJ, e Sandro Silva, antropólogo e professor do Departamento de Ciências Sociais da Ufes.
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Viva! Existe o scanner, o computador, a máquina fotográfica digital. A manipulação de imagens bidimensionais por meio da tecnologia digital nunca foi tão fácil e acessível. Aliada à possibilidade de impressão e veiculação em massa deste material, a imagem ganha horizontes ainda mais amplos. Seja circulando na internet ou em uma revista. É a maximização daquilo que o pensador Walter Benjamin apontou no ensaio A Obra de Arte na Era de Sua Reprodutibilidade Técnica. Os artistas aqui selecionados lidam diretamente com o meio digital. Há os que preferem discutir a autoria do trabalho digital ao invés de apreciar o uso criativo dessas novas ferramentas tecnológicas. Por acaso, é possível estabelecer a originalidade dessas imagens? Talvez sim, mas enquanto a discussão não chega a um consenso, apreciemos essas criações. Nos trabalhos selecionados há a manipulação digital de imagens. Algumas produzidas pelos próprios artistas em processos manuais e depois digitalizadas, outras já totalmente produzidas por meios digitais, outras extraídas da internet, ou de um recorte de revista. Independente da fonte de inspiração, é impossível negar o toque pessoal de cada artista.
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HUEMERSON LEAL Rino
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MICA SUGUI sem título
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A cultura hip hop e funk dão o seu recado na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Santo Antônio, em São Mateus. Em cena, os grupos de dança Samba Break e Vulcão de Rua (página 47) e os MCs Guina (17 anos) e Morcegão (15) (página 46).
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