Revista Redemoinho - Em nome da autonomia

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REVISTA DO CURSO DE JORNALISMO DO IESB

Brasília

Junho 2016

www.iesb.br

REDEMOINHO IESB – Instituto de Educação Superior de Brasília

ANO 07 . NÚMERO 10

EM NOME DA AUTONOMIA É cada vez mais comum mulheres assumirem aborto e reivindicarem legalização

COMÉRCIO EM ÔNIBUS GERA DESCONFIANÇA

SUICÍDIO: DEPRESSÃO ENTRE JOVENS CRESCE E PREOCUPA


OPÇÃO PELO

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ABORTO

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Pauta feminista interrupção da gravide vez mais assumida abe não ter amparo na le dos métodos cland


DIRETORA DO movimento Coturno de Vênus, Luana Ferreira defende direito ao aborto legal como forma de respeito às liberdades. “Que a justiça consiga interpretar as mulheres como cidadãs plenas, independente das vontades e entendimentos de homens, igrejas e dogmatizações”, opina.

a há mais de 50 anos, ez indesejada é cada ertamente, apesar de egislação brasileira e destinos e inseguros REBECA LIGABUE

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A

legalização do abor- ano a métodos inseguros para provoto no Brasil é pauta do car aborto no Brasil. No mundo, são movimento feminis- 20 milhões realizados de forma clanta desde a década de destina por ano. Entretanto, 88% dos 1970. A questão, con- abortos inseguros ocorrem em países siderada prioritária de em desenvolvimento, a maioria com direitos humanos das leis restritivas. A Organização entende mulheres, gera até hoje uma resistência como aborto inseguro uma gestação ferrenha de grupos religiosos e a opção interrompida por um indivíduo sem ainda choca. No país, a prática só é per- habilidade, prática e conhecimentos mitida em caso de risco de morte da necessários ou em ambiente sem congestante, de gravidez resultante de es- dições de higiene. tupro e de anencefalia do feto. ContuNo caso de Beatriz, 23 anos, o do, a ilegalidade não é barreira. Segun- aborto foi em fevereiro deste ano. Sem do pesquisa do Instituto Brasileiro de dinheiro para comprar comprimidos Geografia e Estatística (IBGE) de 2015, abortivos ilegalmente, a manicure reum milhão de brasileiras entre 18 e 49 solveu tomar um remédio fitoterápico, anos passou por aborto provocado. A indicado para desintoxicar o organisOrganização Mundial da Saúde (OMS) mo de hormônios sintéticos. Depois estima que, no mesmo ano, 10% das de ingerir a substância, ela usou um mortes maternas foram objeto perfurante para decorrentes de abortos. provocar o aborto. “Na“Naquele Apesar de ainda quele momento, não momento, não liguei se ia pegar uma ser marcado por tabu, é cada vez mais comum o desespero liguei se ia pegar infecção, encontrar mulheres que, tinha chegado em um sim, optaram pelo aboruma infecção, o nível absurdo”, recordato. A autonomia do cor-se. As três semanas desespero tinha seguintes foram de capo feminino é uma das principais bandeiras lesangramento, chegado em um lafrios, vantadas por elas. “Não enjoos, dor de cabeça e acho que eu tenha que nível absurdo” muita cólica. “Eu sei que seguir com uma gravitive muita sorte, poderia Beatriz, dez porque a sociedade ter morrido”, reconhece. me impõe isso”, afirma Como medida de manicure Elizângela Araújo. “Não redução de abortos me via com um filho ilegais, a OMS também naquele momento, foi recomenda uma política melhor assim”, complementa Carla que instrua o sistema de saúde a acoBezerra. “Se eu não puder dar uma vida lher mulheres que decidem pela prátidigna a uma criança, não tenho moti- ca clandestina e dê a elas informação vos para colocar no mundo”, pondera sobre riscos à saúde e outras alternaBeatriz Dias. tivas. O Conselho Federal de Medicina Escolhas à parte, no Brasil o aborto defende a legalização nos casos em ainda é considerado crime previsto no que ele seja realizado por vontade da Código Penal com pena de até qua- gestante até a 12ª semana de gestação. tro anos. Enquanto o Estado ignora “Quanto menor a idade gestacional, o problema e a polêmica prossegue, maior a chance de o aborto ser commilhares de mulheres seguem morren- pleto e menor o risco de complicações do nesta que é uma questão de saúde como hemorragia e infecção”, explipública. A própria OMS reconhece que ca a ginecologista e obstetra Melania a prática é tão velada que um quarto Amorim. das gestações no mundo já terminou Depois de descobrir a gestação em aborto. Mais do que leis, a solu- quando estava indo para a quinta seção passaria pela oferta adequada de mana, em 2015, a universitária Carla, 22 contraceptivos e de educação sexual anos, escolheu findar a gravidez com adequada. comprimidos abortivos, sozinha, no Um outro dado relevante apon- banheiro de casa. “Fui a uma médica tado pela OMS é que cerca de 1,4 mi- que eu sabia que conversava abertalhão de mulheres se submetem por mente sobre isso para ela me explicar


LEGISLAÇÃO SOBRE ABORTO NO MUNDO como funcionava e o que eu deveria fazer”, lembra. Ela passou dias sangrando e sentindo dores. Depois de dez dias, Carla foi ao hospital e passou por curetagem. Complicações Segundo o Ministério da Saúde, o Sistema Único de Saúde faz, no mínimo, 200 mil atendimentos anuais por complicações pós aborto no país. De acordo com Melania, para cada morte materna são pelo menos 30 mulheres com complicações decorrentes de abortos mal feitos e inseguros. “São abortos com métodos obsoletos e perigosíssimos, e que só existem porque os abortos são praticados de forma clandestina; que incluem, além de perfuração uterina, hemorragias, infecção, choque séptico, perfuração de vísceras, traumatismos genitais. E as mulheres podem sobreviver com sequelas que vão acompanhá-las pelo resto da vida, inclusive dor pélvica e infertilidade”, explica. A cuidadora de idosos Márcia, 33 anos, que pediu para ter o sobrenome preservado, recorreu, há 12 anos, ao aborto. Aos 21, ingeriu comprimidos para interromper a gravidez de 11 semanas. Depois do procedimento, ela se isolou porque se arrependeu e não se sentia bem. “Engordei 25 quilos em um ano, só assistia televisão e comia”, lembra. Atualmente, Márcia é casada e tem o sonho de ser mãe, mas não consegue engravidar. “Minha médica fala que sou infértil e que isso pode ter sido por ter abortado”. Para ela, talvez um acompanhamento médico na época em que optou pelo aborto teria impedido a decisão. Aos 17 anos, Jéssica descobriu

Brasil: Aborto provocado é crime. Não pune o aborto em casos de gravidez resultante de estupro, risco de vida da gestante e anencefalia do feto. Uruguai: Legalizado em 2012. No primeiro ano após a legalização não houve morte nos quase 7 mil abortos legais realizados e cerca de 50 casos de complicações leves decorrentes de aborto. Chile: A prática é proibida em todos casos, mesmo em gravidez resultante de estupro ou risco à vida da mulher. Argentina: Permitido em casos de estupro ou risco de vida da gestante. Aborto provocado é crime. México: Cada estado mexicano tem um código penal. Todos os 31 permitem em casos de estupro. Na Cidade do México, o aborto é liberado, sem justificativa, até a 12ª semana. França: Legalizado há 41 anos. São cerca de 220 mil interrupções da gravidez por ano, mas as estatísticas levam ao número de menos de uma morte em consequência da prática do aborto por ano. Espanha: Permitido até as 14 semanas de gestação e, em caso de má-formação do feto, até as 22 semanas Estados Unidos: O aborto é legal em todos os estados do país desde 1973. Fonte: ONU e OMS

que estava grávida em março de 2014. Achou, então, um lugar clandestino para fazer um aborto: uma casa pequena onde uma mulher desconhecida atendia. “Ela juntou R$ 400. Na época, eu ajudei com R$ 50”, lembra a professora Iolanda, que era vizinha de Jéssica. Quando ela voltou do procedimento, uma amiga a levou contra a vontade à emergência de um hospital público. Após dois dias internada, a estudante teve alta. Em casa, o sangramento e a febre permaneciam. “Ela estava definhando. Os avós chamaram uma ambulância, ela voltou para o hospital, mas foi liberada no mesmo dia e mandaram ficar de repouso”. Depois de duas semanas seguindo as orientações e sem melho-

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Fonte: Pesquisa Nacional de Aborto. UnB, 2010.

O ABORTO NO BRASIL

ras, Jéssica foi encontrada morta no quarto. Na certidão de óbito, consta uma infecção generalizada. Atendimento Segundo a Pesquisa Nacional de Aborto de 2010, feita pela Universidade de Brasília e considerada referência pela OMS, uma a cada cinco mulheres de 40 anos já fez, pelo menos, um aborto na vida. O estudo também mostra que 55% das brasileiras que já abortaram declararam ter necessitado de hospitalização. “O número indica não só que há riscos para a saúde, mas também que já existe um ônus para o serviço de saúde pública. E mostra que o SUS já está atendendo essas mulheres”, afirma Melania. De acordo com o


ASPIRAÇÃO A VÁCUO E CURETAGEM Aspiração elétrica e a vácuo: É bastante usada na atenção pós-abortamento em países desenvolvidos, porém quase não é utilizada no Brasil. É o procedimento recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pela Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (Figo). Ele permite a substituição da anestesia geral por analgésicos ou anestésicos locais e dá maior agilidade no atendimento e na recuperação.

estudo, o método mais comum é que a mulher comece o aborto em casa e depois vá para a rede pública. Contudo, a experiência das mulheres na internação por abortamento se relaciona intimamente com a atenção recebida nas maternidades, sendo significada pela interação com os profissionais que participam desse momento. A epidemiologista e médica em saúde coletiva Greice Menezes, pesquisadora da Universidade Federal da Bahia, observa que as mulheres que abortam criam uma expectativa negativa da atenção que vão receber. “Elas sabem que há negligência, distanciamento, silêncio e falta de interação, e chegam extremamente fragilizadas nos hospitais com expectativas de que vão ser maltratadas. Muitas vezes, prevalece o que o médico acha. E o que ele acha pode ser a repetição de um senso comum, que é extremamente perverso com as mulheres”, comenta. A especialista ressalta, ainda, que uma mulher que procura um hospital, depois de ter realizado um aborto, deve ser examinada imediatamente. Não foi o que ocorreu com Elizângela Araújo, 41 anos A espera pela curetagem durou uma tarde inteira em um hospital público. Foram horas seguidas de intensa hemorragia e muita dor. “Acho que é praxe no hospital, são só olhares de julgamento. Se você chega lá com um aborto e eles veem que foi provocado, simplesmente te desprezam, não te orientam e não

fazem muita coisa para aliviar a dor”, relata. Ela classifica o aborto, realizado em uma clínica clandestina há dez anos, e os dois dias que passou no hospital, como uma experiência ruim que superou. Embora tenha corrido riscos, Elizângela se sentia aliviada por ter interrompido a gravidez não desejada. “Eu era casada e já tinha um filho. Decidi que não queria mais ter filhos e estava me sentindo muito leve e feliz em ter resolvido aquele ‘problema’”. Criminalização O artigo 126 do Código Penal Brasileiro prevê pena de reclusão de um a quatro anos para quando a mulher permite que outra pessoa pratique o aborto nela. Quando ela é a autora da prática, o artigo 124 determina a detenção de um a três anos. “As mulheres vão presas. E nos casos em que essa mulher não fica muito tempo em cárcere e paga uma fiança, ela vai responder a um processo penal em liberdade”, explica a advogada Gabriela Ferraz, coordenadora do Comitê Latino Americano para a Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem) no Brasil. A advogada esclarece que essas mulheres, em liberdade, vão passar por uma série de restrições, como, por exemplo, não podem fazer uma viagem internacional, contrair empréstimo bancário ou assumir um cargo público. Ela observa, ainda, que a descriminalização é quando a prática deixa de ser crime, o que seria a primeira eta-

Curetagem: É uma raspagem das paredes do útero por meio da introdução de um instrumento cirúrgico. Ela é feita com anestesia geral ou raquianestesia. É um método mais agressivo e usado na maioria dos hospitais públicos do Brasil. No Brasil, a despeito do treinamento dos profissionais e mesmo da existência de kits para aspiração manual a vácuo nas unidades da rede SUS, na grande maioria dos casos, é feita a curetagem. Manual Abortamento Seguro/Segunda edição, OMS, 2013

pa. Ao deixar de ser crime, é necessário que haja uma regulamentação e outros instrumentos legais. Legalização No Congresso Nacional, tramitam várias tentativas de regulamentação do aborto no país, como o Projeto de Lei 882/15, que visa permitir a interrupção voluntária da gravidez pelo SUS dentro das doze primeiras semanas de gestação. Uma outra iniciativa, que está no Senado, foi apresentada por meio de sugestão popular à Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa. Em abril, durante audiência pública sobre o tema, na qual compareceram simpatizantes e contrários à proposta, a advogada Leila Linhares, membro do Comitê da Organização dos Estados Americanos, defendeu que a criminalização do aborto é uma limitação inconstitucional dos direitos das mulheres. Para ela, o Artigo V da Constituição elenca os direitos à auto-

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EM AUDIÊNCIA pública no Senado que discutiu a legalização do aborto, defensores da proposta protestam contra a resistência ferrenha de grupos religiosos


ONG DISTRIBUI ABORTIVOS DIRETO A MULHERES Fundada em 2014, a ONG Women Help Women (HWW) surgiu como uma ação de apoio ao Dia Mundial Pela Descriminalização do Aborto, em 28 de setembro. Hoje, funciona com uma rede de 30 organizações espalhadas pelo mundo em projetos que podem ser descritos como ativismo para a informação e acesso a direitos sexuais e de reprodução. Pelo site, oferece a possibilidade de a mulher receber gratuitamente, em casa, contraceptivos de emergência e pílulas abortivas. “Há milhões de mulheres que precisam de informação, bem como de acesso a contraceptivos e abortos seguros”, opina a representante da WHW, que só responde às perguntas por e-mail e pede para não revelar o nome. Como a entrega dos comprimidos é feita?

É necessário pagar?

Qualquer mulher que precise de acesso a contracepção de emergência (pílula do dia seguinte), contraceptivos orais, preservativos femininos e outros métodos contraceptivos, bem como comprimidos abortivos, pode visitar nosso website e escrever para nosso e-mail de forma a obter mais informações sobre como aceder a esses materiais.

A Women Help Women é uma organização sem fins lucrativos que pede que as pessoas façam uma doação. Pedir às mulheres que façam uma doação cria uma verdadeira cadeia de solidariedade – a contribuição de uma mulher ajuda a próxima mulher a conseguir contraceptivos e fazer o aborto, ao mesmo tempo que suporta o ativismo na área dos direitos de saúde reprodutiva em todo o mundo.

Para conseguir os comprimidos, a mulher tem que preencher algum formulário ou explicar o motivo? A Women Help Women oferece uma consulta online que permite que pessoas de todo o mundo possam pedir através da internet contracepção de emergência (pílula do dia seguinte), contraceptivos orais, preservativos femininos e outros métodos contraceptivos, bem como comprimidos abortivos – mifepristone e misoprostol – que podem ser utilizados em casa até as 9 semanas de gestação. Os produtos chegam por correio. A mulher tem liberdade para decidir se quer ou não partilhar seus motivos conosco. Qualquer mulher pode solicitar comprimidos abortivos?

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A motivação da Women Help Women vai ao encontro de uma necessidade não satisfeita - há milhões de mulheres que precisam de informação, bem como de acesso a contraceptivos e abortos seguros. No entanto, há geralmente uma grande restrição tanto no acesso a medicamentos como à informação. O corpo das mulheres, bem como as suas escolhas e necessidades em termos de reprodução são, em muitos países, decididas por políticos. Os comprimidos abortivos podem ser utilizados em casa até as 9 semanas de gestação. Durante o segundo trimestre, continua a ser seguro usar os comprimidos para abortar. A partir das 10 semanas, a forma de uso dos medicamentos é diferente, bem como as quantidades necessárias.

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Se a mulher tiver algum tipo de complicação pós aborto, vocês dão orientações? Quais? É um direito humano receber e dar informações. O nosso website e serviço online promovem informação publicamente disponibilizada pela Organização Mundial da Saúde e por estudos científicos públicos sobre saúde sexual e reprodutiva. O aborto medicinal é o método mais seguro? Por quê? Faz parte da prática médica comum de vários países as mulheres tomarem comprimidos abortivos em casa até as 9 semanas de gestação, sendo que são também vendidos contraceptivos orais e de emergência sem receita médica. Isto significa que milhões de mulheres no mundo já estão a fazer isto. Desde que as mulheres estejam bem informadas é muito seguro tomar em casa comprimidos abortivos no início da gestação. A sra. acredita que a legalização do aborto no país diminuiria os casos de morte e complicações pós aborto? Há 215 milhões de pessoas que têm pouco ou nenhum acesso a métodos contraceptivos bem como a educação sexual e reprodutiva, coincidentemente as regiões onde isso acontece são também aquelas onde o aborto é criminalizado. As restrições legais não reduzem a incidência de abortos, mas alteram as circunstâncias nas quais eles ocorrem.


APOIO PRA QUEM DESISTE DO ABORTO No Distrito Federal, uma casa de apoio localizada em Samambaia Norte abriga mães que desistiram de praticar aborto. Segundo Areolino Dias, responsável pelo local, muitas mulheres pensam em abortar porque se sentem abandonadas e desamparadas pelos parceiros ou pela família. “Nós conversamos com essas mulheres e falamos sobre o valor da vida humana. Explicamos que aborto é pecado e crime, e que traz grandes consequências”, comenta. Em 2015, foram 77 casos acompanhados, dos quais 60 desistiram do aborto, de acordo com Dias. Foi assim com Larissa, 20 anos, que chegou ao local quando estava com dois meses e meio de gravidez e queria fazer um aborto. Ela se achava muito nova para ser mãe e estava desempregada. Depois da assistência, Larissa mudou de ideia. “Quero ter minha filha e, por ela, tento ser outra pessoa. Um dia vou trazê-la na casa e dizer que passei por aqui”, diz. Inaugurada há cinco anos, a Casa de Missão dos Santos Inocentes sobrevive por meio de doações e conta com a ajuda de sete missionários, 12 voluntários e 14 funcionários. A mulher pode ficar no lar até cinco meses depois do parto. A casa abriga até 50 bebês, até os 3 anos, que recebem gratuitamente assistência pedagógica, cuidados especiais e alimentação. Atualmente, há 30 na fila.

ESCOLHA Com 11 semanas de gestação, a consultora de cosméticos Bianca Peleteiro, 28 anos, descobriu uma má formação no feto chamada acrania, que seria incompatível com a vida. “Mesmo tendo ficado desempregada no mesmo ano, eu não quis desistir, era minha filha”, conta. A confirmação veio com 24 semanas de gravidez: o feto era anencéfalo. Apesar de, pela lei, Bianca poder optar por fazer um aborto, ela escolheu seguir com a gravidez. A recé m-nascida Emanuelly morreu cinco horas depois do parto. “Eu acreditava em um milagre até o último momento. Apesar do grande vazio que ficou, eu faria tudo novamente”, diz. Bianca acredita que tudo ocorreu para que ela aprendesse a ver o mundo de outra forma.

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nomia, a intimidade e a privacidade. “Os abortos clandestinos só ocorrem porque existe uma divisão repressora, calcada em valores morais, religiosos, que devem ser seguidos por todos que compartilham desses valores, mas não podem obrigar aqueles ou aquelas que deles não compartilham”, afirma Leila. Porém, a força da bancada mais conservadora desde 1964 tem sido cada vez mais presente e impeditiva. O presidente da Câmara, atualmente afastado do cargo, Eduardo Cunha, por exemplo, já declarou que não aceita levar o tema ao plenário. Outro exemplo é o Estatuto do Nascituro (PL 478/2007), que pretende proibir o aborto em qualquer situação e transforma a prática ilegal em crime hediondo. O próprio Cunha é autor do PL 5069/13, que criminaliza o anúncio de métodos abortivos e a prestação de auxílio ao aborto. Embora encontrem dificuldade para obter mudanças nas leis, os movimentos feministas defendem que a legalização seria um passo em direção a um Estado efetivamente laico. “Existe um problema de saúde pública relacionado aos abortos inseguros e ilegais no Brasil. E também existe um problema político que vê a questão a partir de dogmas e crenças. São agentes públicos que usam regras religiosas para legislar sobre o corpo das mulheres, mas nunca essa atitude parou de matá-las nas clínicas clandestinas”, diz Masra de Abreu, do Centro Feminista de Estudos e Assessoria. Para a diretora colegiada e executiva do movimento Coturno de Vênus, Luana Ferreira, o direito ao aborto legal é uma busca de respeito às liberdades. “Consiste no alcance por melhor realidade de acessos à justiça, e que esta consiga interpretar as mulheres, como cidadãs plenas, independente das vontades e entendimentos de homens, igrejas e dogmas”, opina. A médica Greice Menezes acredita que, a médio e longo prazo, a regulamentação da prática geraria uma estabilização e até diminuição no número de abortos. Ela explica que, na maioria dos países, a legalização do aborto vem acompanhada de políticas públicas de prevenção. “Também prevê a oferta de recursos para diagnóstico precoce da gravidez. E garante que de uma demanda de aborto, os profissionais de saúde possam fazer aquilo que compete a eles de forma adequada”, conclui.

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