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adriana lara | alicia herrero | aline dias | cadu | cristina ribas democracia | deyson gilbert | daniel medina | el espectro rojo fernando scheibe | federico manuel peralta ramos | goldin & senneby georges bataille | hoffmann’s house | josé luis corazón | luis romero mario navarro | psjm | suwon lee | tamara stuby teresa riccardi | traplev



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sta publicação foi selecionada entre os projetos que se inscreveram no Programa Cultura e Pensamento – Seleção Pública e Distribuição de Revistas Culturais. Foram escolhidos quatro projetos, e desta forma contemplamos quatro revistas culturais bimestrais cujas tiragens, somadas, chegam a 240 mil exemplares. O objetivo desta iniciativa é estimular a criação de publicações culturais permanentes, e de alcance nacional – não apenas em sua distribuição, mas também em seu conteúdo. Ao patrocinar este projeto, a Petrobras reafirma, uma vez mais, seu profundo e sólido compromisso com as artes e a cultura em nosso país – confirmando, ao mesmo tempo, seu decisivo papel de maior patrocinadora cultural do Brasil. Desde a sua criação, há pouco mais de meio século, a Petrobras mantém uma trajetória de crescente importância para o país. Foi decisiva no aprimoramento da nossa indústria pesada, no desenvolvimento de tecnologia de ponta para prospecção, exploração e produção de petróleo em águas ultra-profundas, no esforço para alcançar a autosuficiência. Maior empresa brasileira e uma das líderes no setor em todo o mundo, a cada passo dado, a cada desafio superado, a Petrobras não fez mais do que reafirmar seu compromisso primordial, que é o de contribuir para o desenvolvimento do Brasil. Patrocinar as artes e a cultura, através de um programa sólido e transparente, é parte desse compromisso.

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ULTURA E PENSAMENTO é um programa nacional de estímulo à reflexão e à crítica cultural. Desde sua primeira edição em 2005, seleciona e apoia projetos de debates presenciais e publicações. O objetivo do programa é dar suporte institucional e financeiro a iniciativas que fortaleçam a esfera pública e proponham questões e alternativas para as dinâmicas culturais do país. Em 2009, o Programa abriu a terceira edição dos editais para financiamento de debates e de periódicos impressos de alcance nacional. Os editais são abertos a propostas de intelectuais, pensadores da cultura, artistas, instituições e grupos culturais, pesquisadores, organizações da sociedade civil e outros agentes, visando à promoção do diálogo sobre temas da agenda contemporânea. Para ampliar o alcance das ações viabilizadas pelo Programa e favorecer a circulação das idéias e a continuidade das reflexões propostas, todo conteúdo produzido – em vídeo, áudio ou texto – é disponibilizado gratuitamente no site do programa (www.culturaepensamento.net.br). O site é a plataforma digital de difusão e estímulo a interações entre os participantes da Rede CULTURA E PENSAMENTO, sejam os realizadores de projetos, seja o público interessado. A edição 2009-2010 do Edital de Revistas do PROGRAMA CULTURA E PENSAMENTO tem patrocínio da Petrobras e é realizada pela Associação dos Amigos da Casa de Rui Barbosa. Este projeto foi contemplado pela seleção pública de revistas culturais do programa CULTURA E PENSAMENTO 2009/2010.

EXPEDIENTE 88

MINISTÉRIO DA CULTURA - SECRETARIA DE POLÍTICAS CULTURAIS ASSOCIAÇÃO DOS AMIGOS DA CASA DE RUI BARBOSA : João Maurício de Araújo Pinho : Presidente REDE CULTURA E PENSAMENTO DE REVISTAS CULTURAIS: Sergio Cohn e Elisa Ventura: Coordenadores | Rita Ventura: Produtora Luana Villutis : Coordenadora de rede | Filipe Gonçalves, Elisa Ramone e Lilian Diehl: Assistentes de Produção

recibo 88 | sexto número | ano oito | periodicidade dos próximos cinco números: bimestral | produção: edições traplev orçamentos administração: Fundação Hassis | editor geral & projeto gráfico88: Traplev | co-editora convidada: Teresa Riccardi | conselho editorial88: Julia Amaral, Raquel Stolf, Cristina Ribas, Amilcar Packer | revisão: Thais Medeiros tradução: Fernando Scheibe | capa: Federico Manuel Peralta Ramos, marcador sobre tela, sd | contracapa interna: PSJM, projeto MARX ® Jeans, 2008 | créditos fotográficos: obras de Federico Manuel Peralta Ramos: Oscar Balducci e respectivos artistas quando não mencionado | tratamento de imagem: Amilcar Packer || agradecimentos: Diego Peralta Ramos, Laura Buccellato, Mónica Poggio, Arquivo FMPR, Agustin Filippo, Helmut Batista, Nicolás Varchausky, Aitor Mendez, Pablo España, Sara Ramo, Luis Romero, Roseline Rannoch, Camila Rocha, Ducha, Catalina Chlapowski, Vanessa Damasco, Roberto Moreira e Maria Augusta Nhoatto Moreira. - as matérias publicadas no recibo são de responsabilidade de seus autores e seus respectivos leitores -

impressão 4\4 | composto por várias tipografias | 64 páginas | tiragem de 10 mil exemplares distribuição nacional gratuita produzido entre setembro - dezembro 2010 | (impresso no Brasil em fevereiro de 2011) | impressão e distribuição nacional: Programa Cultura e Pensamento - MINC | contato: recibo0@gmail.com | http://issuu.com/recibo.



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Deyson Gilbert pp. 87\84 e 24 da série Black Indexation - nankin sobre cédula - 10 yuan, 10 reais, 10 rublos, 10 rúpias indianas e 10 dólares. - 2010


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oda vez que o sentido de um debate depende do valor fundamental da palavra útil, ou seja, toda vez que uma questão essencial tocante à existência social é abordada, quaisquer que sejam as pessoas que intervêm, quaisquer que sejam as opiniões ou os interesses de classe representados, é possível afirmar que o princípio está necessariamente falseado e que o problema fundamental é eludido. Não existe, com efeito, nenhum meio correto, dado o conjunto mais ou menos divergente das concepções atuais, que permita definir sem ambiguidade aquilo que é útil. Essa lacuna é suficientemente acusada pelo fato de que é constantemente necessário recorrer, da maneira mais injustificável, a princípios que buscam se situar além do útil e do prazer: a honra e o dever são hipocritamente empregados em combinações de interesse material e, sem falar de Deus, o Espírito serve ainda para dissimular, é verdade, ridiculamente, a bancarrota intelectual daqueles que não aceitam o sistema utilitário corrente. Entretanto, esse sistema é ele próprio de uma absurdez gritante. Assim, é impossível viver propondo-se o prazer como meta. Isso é tão verdadeiro que esta finalidade mesma, mal é colocada pelos utilitaristas e desaparece imediatamente, da maneira mais suspeita, das considerações ordinárias. À questão “para que isso serve?”, deve-se responder: ao sucesso de tal empreendimento útil para a comunidade. Mas não é decente levar longe demais a explicação da fórmula “útil para a comunidade” como se se tratasse de um princípio claro e indiscutível. Como se se tratasse, mais precisamente, de um princípio absoluto. A análise das concepções atuais vulgares culmina, com efeito, numa constatação desconcertante: afastando-se pouco a pouco, graças a uma confusão inconcebível, de seu sentido primitivo e mesmo de toda espécie de sentido, a palavra útil tomou um valor absoluto. De meio termo, a utilidade tornou-se um fim. Se uma tão ridícula enormidade pôde se tornar a base consciente da atividade moderna, é evidente que ela deve responder a certa necessidade. Verossimilmente, é impossível para a humanidade prescindir de meta absoluta: se a meta que as circunstâncias lhe impõem são apenas relativas, mesmo se esta se apresenta como uma incompatibilidade por definição, ela é transformada em absoluto, ao preço de não importam quais confusões. O trabalho de alteração e de decomposição necessário a tal metamorfose se reflete nas concepções logicamente elaboradas que devem manter, a princípio, pela forma, um caráter relativo, ligado à definição. Teoricamente, a utilidade é um meio termo subordinado ao prazer. Mas trata-se somente de prazer temperado e razoável. O prazer violento é excluído como nocivo, o que dá a entender que o princípio do prazer pode ser ele próprio submetido ao princípio do útil. Desde o princípio, o fim é parcialmente submetido ao meio: uma parte da natureza absoluta do fim é transferida, na prática, ao meio termo e uma disjunção clara se tornou impossível. Pode-se considerar essa limitação do fim como a conseqüência de seu desenvolvimento no tempo. O prazer violento destrói ou tende a destruir as possibilidades de reencontrar ulteriormente o prazer. O caráter terminal é salvaguardado quando se renuncia a uma satisfação por outra mais durável. Assim, tratar-se-ia exatamente da subordinação lógica de um prazer a outro maior na duração. Mas esta maneira de representar as coisas é um engodo, e um engodo a serviço do útil, pelo fato de que a diferença introduzida entre os dois elementos subordinados um ao outro não é uma diferença quantitativa. O segundo prazer não exclui o primeiro em razão de um cálculo das grandezas e das vantagens: ele o exclui em conseqüência de uma incompatibilidade de natureza entre um princípio negativo e um princípio positivo.


Georges Bataille

o paradoxo da utilidade absoluta “Textes se rattachant à ‘La notion de dépense’”, in: Oeuvres Complètes – Vol II. Paris: Gallimard, 1996.

A consideração do tempo substituiu a representação positiva do prazer desejável por um princípio de conservação de um estado agradável que é apenas um estado não penoso: não é mais questão da busca ingênua do prazer, mas de um método senil, de uma prudência inumana e perfeitamente degradante. As teorias psicológicas negativas (Fechner, Freud) que representam o prazer como a liberação de uma excitação incômoda – dada a impossibilidade de definir o prazer – exprimem essa substituição inconsciente sob uma forma pretensamente científica. A partir do prazer-conservação, a identificação prática do princípio da utilidade e do princípio do prazer é possível, uma vez que a própria conservação não é mais do que um meio, uma condição sem a qual evidentemente nada poderia se produzir de desejável. Resultados idênticos são assim obtidos nos domínios da ciência e do senso comum, e uma representação plausível se desenvolveu segundo a qual nada existe que possa ser situado além do útil. A comunidade julga com um desprezo soberano os jogos, as artes, os deboches juvenis: ela os tolera na medida em que cooperam em sua obra de conservação de um estado neutro, na medida em que liberam excitações tóxicas, com danos e custos mínimos. Por vezes, ela se acredita mesmo, por excesso de prudência, obrigada a justificar essa tolerância recorrendo a princípios absurdos, como quando pretende subordinar as corridas de cavalos a um aprimoramento da raça equina, ou os esportes em geral à boa saúde. Ela vive – ou ao menos pretende viver (pois entretém voluptuosamente uma classe destinada apenas ao gozo) – a serviço da conservação que, onerada regularmente pelo consumo e pela usura inevitáveis, se apresenta para a maioria sob forma de produção. Parece que a comunidade pode se dar como fim revolucionário, após a destruição dos exploradores, o serviço de si mesma – mas ela se choca com um obstáculo diante do qual é cega; é ela mesma que aspira a viver, não a serviço de seu prazer, mas a serviço do serviço, ao serviço paradoxal da utilidade absoluta.

Tradução: Fernando Scheibe



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El primer Informe Anual: Un año de mi vida en estadísticas fue compilado en 1999 y publicado como sitio web (mostrado, a su vez, en el Museo Nacional de Bellas Artes, Buenos Aires). También tomó la forma de un stand comercial (20 x 20, Galería Praxis, Buenos Aires, 2000) y una presentación de diapositivas en una Sala de Conferencias (EAST International, Norwich, Inglaterra, 2001). Cinco años después del lanzamiento del proyecto, para la muestra Contemporáneo 8 en 2004 en el Malba (Museo de Arte Latinoamericano de Buenos Aires), se decidió que ya era hora de realizar una auditoría. El resultado es el Informe Anual Revisado.


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Tamara Stuby


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Adriana Lara pp. 75\68 - De la serie Números (Desambiguación): 2,3,6,9,0 - madera, vidrio, impresión digital 40x50 cm - 2010 pp. 69 - De la serie Números (Desambiguación): 5 - proyección digital sobre pintura autoreflejante* Dimensiones variables - 2010 (Cortesía Gaga Fine Arts).


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m dos recursos mais determinantes do desempenho econômico das ditaduras latino-americanas dos anos de 1970 foi sempre, sem dúvida, o fato de ser marcadamente corrupto. A representação da família como núcleo do poder político reproduziu o estereótipo mundial de atualização ascendente de classe e o relacionamento com as oligarquias locais.

A raiva acumulada dos setores mais pobres da nossa sociedade, especialmente do cone sul, que viram passar diante de seus olhos os resíduos de seus opressores e a falta total de uma abordagem medianamente séria para incentivar a saída do subdesenvolvimento, terminou multiplicando-se em explosões sociais que exigiam a retirada imediata dos governantes e suas famílias do poder. O isolamento geográfico e, por fim simbólico do Chile, fez-nos pensar e fantasiar que essa bruta corrupção não nos tocaria. A referência constante à tradição republicana dos nossos líderes, incluindo assim os ditadores, embora em nenhum momento teria ligação econômica com a corrupção política e participação da família, menos ainda, decisões, mesmo perto do enriquecimento ilícito. Mas para a surpresa de muita gente que só pensava que a ditadura de Augusto Pinochet desenvolvia-se em um quadro de integridade, a descoberta de contas bancárias fora do Chile, as ligações ao tráfico de armas e a falsificação de documentos rapidamente permitiram borrar essa imagem e homologá-la com o resto das ditaduras latino-americanas. Daniel López corresponde a um dos pseudônimos usados por Augusto Pinochet para abrir contas bancárias no Riggs Bank, nos EUA desde o final dos anos oitenta, também usado como nome para a produção e uso de passaportes falsos. Mais de 125 contas bancárias de Pinochet evadiram todos os aparatos fiscais chilenos livremente, como também as ordens de congelamento de fundos internacionais, recebidas após a sua detenção em Londres, em 1998. Isto significou a suma de 27 milhões de dólares no entorno dos membros da família do ditador. Para Pinochet conseguir forjar passaportes falsos, inventando nomes para ele e sua família, foi necessário delegar poderes para gerenciar o seu dinheiro a pessoas que também funcionaram sob falsas identidades.


Mario Navarro

daniel lopez show No entanto, é neste fato em que um dos paradoxos mais interessantes dessa história e do período pós-ditadura chilena aparece: a confiança de quase a metade do país, depositados em Pinochet e sua família, se desmoronou imediatamente pela corrupção econômica que veio à luz. No canto oposto, todos os precedentes, a história, os juízos morais e punições relacionadas a violações de direitos humanos do governo de Pinochet, não parecia ser suficientemente graves ou fora da lei, para que se o despoja-se da confiança da classe política estreita com o poder durante a ditadura. Esta “cegueira” durou até 2004, quando começaram os julgamentos por corrupção ao ditador e sua família. Pinochet morreu em 2006 e com ele um longo histórico de envolvimento direto na repressão, durante seu governo, passou rapidamente no esquecimento. Para seu túmulo também foram os juízos do enriquecimento com dinheiro ilegal. Com tudo isso, Daniel López Show não é uma exposição que aborda unicamente a alegação legítima pelas catástrofes da ditadura, sobre as mortes e pessoas desaparecidas ou das demandas sociais das classes menos favorecidas; não expõe tão pouco uma visão romântica sobre a revisão dos combatentes clandestinos, nem sobre a guerrilha urbana ou resistência paramilitar dos partidos de esquerda. Daniel López Show é o retrato da decepção e do disfarce; da falsificação, simulação e justaposição. Definitivamente o desvio e o caminho difuso não é outra coisa senão, o comportamento que a mesma sociedade chilena tomou em sua totalidade. Cada um dos artistas que participam neste projeto dialogaram com seus trabalhos numa perspectiva que muda o curso ou toma desvios. Este projeto utiliza as ferramentas da linguagem (práticas artísticas) que sempre estiveram disponíveis nas artes visuais, ou seja, todos os envolvidos neste projeto têm manipulado a realidade de uma forma ou de outra e com um ou outro sistema, sabendo muito bem que o objetivo final de seus trabalhos é o de encontrar um caminho diferente daquele do documentário sobre os efeitos da corrupção. Portanto, mesmo que sejam as semelhanças em ambas as formas de “ziguezaguear”, e onde o universo de irregularidades simbólicos e representacionais tentam encontrar formas de convergência, os trabalhos apresentados em Daniel Lopez Show estão claramente fora do quadro testemunho, entendendo a palavra como a relação estreita entre a causa (como fonte) e efeito (como obras).


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As obras foram expostas em Nova York, precisamente porque ali se concentra o mainstream do mercado de arte e onde o mundo da arte contemporânea encontra-se com o seus pares de um modo pessoal (artistas e colecionadores), bem com a instituição (museus e galerias). Portanto, a mostra foi apresentada simultaneamente em White Box, espaço sem fins lucrativos e na galeria Roebling Hall. Ambos espaços localizados no coração do circuito do mercado de arte em Nova York, atraiu, primeiramente, os mais jovens artistas provenientes de Santiago a una dimensão absolutamente distante das relações culturais e de mercado que ocorrem na capital do Chile. Paralelamente, uma exposição dessas características também permite falar e apresentar trabalhos ao público de New York, obras que fogem do protótipo da denúncia vazia e o eterno lamento das condições de subdesenvolvimento, empunhadas pela grande maioria das exposições latino-americanas ou chilenas dos últimos tempos. Este esforço está profundamente enraizada no conceito da exposição e da escolha dos artistas, porque efetivamente esta é uma mostra a partir da perspectiva dos artistas. Somos nós aqueles que identificamos a oportunidade de redefinir e transformar um caminho, que por longo tempo não permitiu uma visão suficientemente ampla que poderia identificar a complexa trama de relações simbólicas que a arte chilena pode mostrar fora de suas fronteiras. É neste sentido que a aparente correção de operar e proceder; ou de procurar relações mais adequadas com o MUNDO DA ARTE, que Daniel Lopez Show decidiu adotar, é um confronto aberto e uma contradição consciente do que fez o Daniel Lopez “real”. Os problemas locais são expressos inevitavelmente de modo desajustado e irreconhecível em outros contextos. A possibilidade de que as obras de Daniel Lopez Show consigam fazer um relatório sobre a realidade chilena contemporânea é apenas uma miragem, porque a referência falsa, a distância geográfica ou os rodeios políticos das obras mostram claramente os véus e os rostos escondidos da história que com certeza, encontram pares certos em outras partes do mundo. Tradução: Teresa R. e Roberto MJ.

mais detalhes sobre a exposição e versão do texto em espanhol: http://danielopezshow.wordpress.com/




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Hoffmann’s House

Si lo puedo hacer aquĂ­, lo puedo hacer en qualquier parte - serie de 74 dibujos sobre hojas autocopiativas del Banco de Chile - 2007 (Jose Pablo Diaz, Instituto Divorciado - Ian Szydlowski, Pedro Pulido, Mario Soro, Rodrigo Vergara)


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Aline Dias tomates e maracujá, da coleção de fotografias mofos, 2006-10


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massa da humanidade que deu seu consentimento à obra industrial, e o que pretende subsistir junto a ela, tem o aspecto de um soberano deposto. É claro que a massa da humanidade tem razão: comparado com o desenvolvimento industrial, o resto é insignificante. Essa massa, sem dúvida, se deixou reduzir à ordem das coisas. Mas essa redução generalizada, essa perfeita realização da coisa, é a condição necessária para a colocação consciente e inteiramente desenvolvida do problema da redução do homem à coisa. Somente num mundo em que a coisa reduziu tudo em que o que outrora lhe foi oposto revela a miséria das posições equívocas – e dos inevitáveis deslizamentos – permitindo que a intimidade possa se afirmar sem maior compromisso que a coisa.1

‘coisa inanimada’ abandonasse seu caráter natural para aceder a seus apetites”3 Em cada uma de suas variadas materializações e teorizações, fetiche é o conceito objeto-conceito excessivo e o fragmento hiperbólico que caracteriza (na excepcionalidade constitutiva do “paradigmático”4) a epistemologia desejante do sujeito contemporâneo. Conseqüentemente, se a “arte” (ou o que ocupa seu lugar) apela ao fetiche como dispositivo crítico, é porque é factível ao sujeito cair possesso ante toda a gama de chamarizes e intervenções que André Breton designou como “desejos solidificados”.5

1. Conceito-reflexo Poucos conceitos espreitam tão incansavelmente o pensamento moderno quanto o do fetiche. E não sem motivo: talvez nenhum amarre tão apertado a relação entre pensamento crítico, as economias modernas do desejo e o emaranhado da condição pós-colonial, quanto este conceito-metáfora-relato traçado no espaço de transações e desejos que operam em relação aos objetos materiais e a partir de códigos heterogêneos e irredutíveis. Em boa medida, poderíamos afirmar que o fetiche é o lugar da cognição imperfeita e espúria, cifrada numa teologia subvertida, que acompanha a instabilidade dos conceitos de valor sexual, econômico e estético, que precipitou a violenta interação de economias e epistemologias desiguais que segue sendo decisiva em todas as fases da economia-mundo do capitalismo nos últimos cinco séculos.2

2. Quando o ídolo se torna obsoleto A naturalidade, vagueza e irrefreável abuso 6 que o conceito de fetiche tem, nos mais diversos âmbitos, possuem uma relação direta com a forma como a mitologia da racionalidade ocidental depende sempre, ainda que de maneira residual, escamoteada e inconsciente, de se reproduzir na representação da “irracionalidade” de todo o heterogêneo: o selvagem em primeiro lugar, o perverso sexual e consumista, e finalmente, o praticante e ativador do “poético”. Desde seu germe nas interações paradoxais entre mercadores, teólogos e filósofos “ilustrados” das metrópoles coloniais européias, com os traficantes e soberanos da África ocidental dos séculos XVI ao XVIII, o termo fetiche é a sombra que ao mesmo tempo aloja e afasta a auto-representação do “moderno”. Faz-se necessária certa arqueologia do fetiche como categoria neocolonial do capitalismo para tornar palpável sua condição de ficção teórica que abarca a zona de distúrbio onde se encontram as economias do heterogêneo, do perverso e do incomensurável. Somente mediante esse rodeio, torna-se possível ativar seu poder como escolha à ilusão de fixar as transações e apetites em necessidades naturais e racionalidades universais, uma vez que estes estão sempre habitados de sobreposições

Fetiche é um conceito gonzo que aparece cada vez que é preciso remeter a um só tempo à impossibilidade e à obrigatoriedade de estabilizar necessidade e produção, utilidade e demanda, racionalidade e valor, sentido e matéria. É o nome da suposta generalidade que estabelece a equivalência do objeto transvalorado que a subverte. Por isso, pretendemos aqui defender o fetiche, com toda sua opacidade, como um ponto cego necessário onde se joga o que com agudeza, já em 1842, Karl Marx designava como “a religião do apetite dos sentidos”; conceito que, embora originalmente projetado a partir da proto-etnologia do comércio colonial, desenvolve-se continuamente no culto cotidiano dos modernos e modernizados que (mais que o selvagem) são os que operam como se “uma

1. Georges Bataille, Teoría de la religión, texto estabelecido por Thadée Klossowski, trad. de Fernando Savater, Madrid: Taurus, 1991, pp. 97-98. 2. Neste sentido, é por demais notável o uso que Michael T. Taussig fez do conceito de fetichismo ao explorar a figura do diabólico nas reações do campesinato na América do Sul quando as comunidades indígenas se veem envoltas na aparição de relações salariais e, como “proletários neófitos”, necessitam elaborar as mudanças profundas de suas condições de vida, “com todo seu alvoroço dialético de verdade e de ser” produto de seu ingresso na lógica da economia mercantil. Então, no dizer de Taussig, as “interpretações místicas” e de fantasia dessas sociedades se exacerbam, pois “a magia da produção e a produção da magia são inseparáveis”. Veja-se: Michael T. Taussig, El diablo y el fetichismo de la mercancía en Sudamérica, trad. de Juan José Utrilla, México: Nueva Imagen, 1993, pp. 35, 36, 40. 3. Karl Marx, “El Editorial del número 179 de la ‘Gaceta de Colonia’” (1842), en: Carlos Marx, Escritos de juventud, trad. de Wenceslao Roces, México, Fondo de Cultura Económica, 1982, p. 224. Devemos a William Pietz, como em muitos outros pontos deste artigo e de nossa perspectiva, ter-nos chamado a atenção sobre esta passagem. Veja-se: William Pietz, “Fetishism and Materialism: The Limits of Theory in Marx”, en: Emily Apter y William Pietz, Fetishisms Cultural Discourse, Ithaca y Londres: Cornell University Press, 1993, pp. 133-134. 4. “Paradigma no sentido etimológico: o que ‘se mostra ao lado’…” (Giorgio Agamben, Homo Sacer, Valencia: PreTextos, 1998, p. 38). 5. Andre Bretón, “Crisis del objeto” (1936), en: Antología (1913-1966), sel. y pról. de Marguerite Bonnet, trad. de Tomás Segovia, México: Siglo XXI Editores, 1973, p. 116.


Cuauhtémoc Medina e Mariana Botey

EM DEFESA DO FETICHE

Os autores gostariam de assinalar que grande parte da elaboração deste trabalho se deu a partir do seminário “Zonas de disturbio”, um projeto conjunto da Pós-Graduação em História da Arte da Faculdade de Filosofia e Letras, e do programa “Campus expandido” do Museu Universitário de Arte Contemporânea (MUAC) da Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM), 2009.

6. Um exemplo recente do lodo de frouxidão que o termo adquiriu na cultura popular se encontra no uso que o apresentador de televisão e jornalista venezuelano Boris Izaguirre lhe deu na exploração de suas indulgências mediáticas e obsessões superficiais que vão dos bigodes do nadador olímpico Mark Spitz à simulação de nostalgia pelo inimigo comunista (veja-se: Boris Izaguirre, Fetiche, Madrid: Espasa, 2003). 7. William Pietz, “The Problem of the Fetish, I”, Res: Anthropology and Aesthetics, núm. 9, primavera de 1985, p. 10. O leitor da versão em espanhol de El Espectro Rojo encontrará neste número a primeira tradução deste texto ao castelhano no seguinte link http:// www.espectrorojo.com/1/es/86/ index.html. 8. Ibid., pp. 6-7. 9. Veja-se: Serge Gruzinski y Carmen Bernand, De la idolatría: Una arqueología de las ciencias religiosas, trad. de Diana Sánchez, México, Fondo de Cultura Económica, 1995. 10. Veja-se a coincidência a este respeito das palavras do viajante árabe Ibn Hawqual, do século X, e do capitão britânico Lok, no século XVI, descrevendo os africanos, citadas por William Pietz, “The Problem of the Fetish, ii. The origin of the fetish”, Res: Anthropology and Aesthetics, núm. 16, primavera de 1987, pp. 36 y 42. 11. Wiliam Pietz, “The Problem of the Fetish, iiia. Bosman’s Guinea and the Enlightenment theory of fetishism”, Res: Anthropology and Aesthetics, núm. 16, otoño de 1988, p. 120. 12. Para uma detalhada arqueologia do conceito de fetiche nas interações transculturais da África ocidental, desde os argumentos dos teólogos portugueses imbuídos das noções de idolatria e feitiçaria (facticio-feitiço) agostinianas do século XVIII, veja-se: William Pietz, “The Problem of the Fetish, ii”, art. cit., pp. 23-45. El Espectro Rojo planeja traduzir este texto ao espanhol em futuras edições. 13. Sigmund Freud, Tres ensayos de teoría sexual (1905), en: Obras completas. Volumen 7 (1901-1905), trad. de José

entre pólos incomensuráveis. Em primeira instância, deve-se considerar o conceito-metáfora de fetiche como um conceito transcultural, e não como uma categoria interna a alguma ordem institucional, cultural ou subjetiva autóctone7. De forma demasiado eloqüente, esta é uma das categorias do pensamento colonial que se inscrevem, com rasgos perfeitamente identificáveis, tanto no vocabulário cotidiano como no “científico” que constitui o ocidente, com palavras tais como zumbi, apartheid, tabu, oriental ou índio. Devemos aos múltiplos e fragmentários estudos críticos de William Pietz os temas básicos e recorrentes no extenso arco semântico do fetiche: aparecem sempre em relação a uma materialidade irredutível; designam um poder singular que fixa a repetição de um evento sintetizador e ordenador do desejo em uma coisa; institucionalizam o valor social dos objetos na consciência para além da obsessão por boas ou más “representações” do platonismo e do cristianismo; e, finalmente, permitem a noção da operação de um objeto material como o poder que estabelece as ações dos sujeitos como corpos personificados. Todo esse complexo do conceito-palavra fetiche depende de sua nomeação originária num interstício social extremamente complexo: o espaço mercantil de transvaloração e cruzamento cultural derivado do “encontro abrupto de mundos radicalmente heterogêneos”8 na África ocidental sob o constrangimento do comércio colonial. Como William Pietz demonstrou minuciosamente, a noção de fetiche aparece uma vez (e cada vez) que o pensamento ilustrado precisa rebaixar a temática do “ídolo” como perversão da “representação” e do “religioso” para elaborar uma psicologia da economia do selvagem. Se o conceito moderno do fetiche se diferencia do conceito da idolatria como religião deformada pelo demônio, tal como teve aplicação sobretudo na colonização do Novo Mundo9, é por ser uma categoria derivada dos relatos dos mercadores do século XVII e XVIII na África que entabularam transações econômicas e culturais com sociedades que

tinham resultado previamente ilegíveis tanto para os cristãos quanto para os árabes, a ponto de lhes parecerem carentes de instituições legais, religiosas e de governo.10 Quando, no início do século XVIII, alguns mercadores, como o holandês Willem Bosman, tentaram dar uma explicação para a falta de um princípio de equivalência em suas transações com as sociedades da Guiné equatorial, não obstante serem esse também um mercado caprichoso na origem de seus maiores lucros, estes recorreram à ideia do fetiche como objeto transacional. Buscavam o ouro que se encontravam nos objetos de poder africanos, e preocupados pela adulteração do metal com materiais que os europeus consideravam lixo, viajantes como Bosman atribuíram o comportamento “irracional” de suas contrapartes à superstição instigada por sacerdotes e reis cobiçosos e caprichosos, que supostamente exerciam um controle total sobre seus súditos, manipulando a credulidade naqueles objetos ornamentais divinizados.11 É por isso que, nos discursos do “iluminismo” europeu, a palavra portuguesa feitiço deixou de se referir ao facticius ou “artefato” de feitiçaria medieval, para construir uma nova teoria materialista da religião primitiva centrada na suposição de que os africanos eram afligidos por uma fixação caprichosa e sensual em objetos que praticamente divinizavam ao cruzar com eles no caminho12, de modo não de todo alheio à explicação de Sigmund Freud do fetichismo como “substituto inapropriado do objeto sexual” escolhido por uma “impressão sexual recebida


r 57 quase sempre na primeira infância”.13 No momento em que, por volta de 1760, o filósofo francês Charles De Brosses cunhou o termo “fetichismo”, a categoria aparece claramente formada para distinguir o culto dos “negros da África” por animais e coisas inanimadas, tais como amuletos, oráculos e talismãs, de qualquer outro dispositivo de culto ou doutrina que pudesse ter sido submetido a procedimentos de interpretação “universal” de ordem mitológica ou alegórica.14 De Brosses projetou a ideia de uma religião primitiva derivada da mera correlação entre matéria e desejo, objeto e capricho, que partia de experiências pessoais e singulares que derivavam numa ordem sagrada carente de toda lógica. O radical dessa interpretação foi sua matriz econômica e colonial: interpretava territórios de intercâmbios que conectavam com toda violência e despojo noções de valor e desejo e sistemas sociais incomparáveis em torno da transação de objetos. Os elementos heterogêneos envolvidos nesses intercâmbios não eram, entretanto, unicamente de ordem material: eram a construção de uma economia por cima de qualquer economia de contato. Daí que, não obstante sua origem etnograficamente bastarda, o fetiche tenha um significado crucial para a construção de um materialismo teórico. Designa (tanto no nível comercial, quanto no sexual e estético) o lugar de uma transação em que dois ou mais códigos de valor se enlaçam sem que haja entre eles um verdadeiro equivalente. É o ponto de entroncamento que sutura a ausência de um código geral e, não obstante, se refere a transações amplíssimas. É por isso que o fetiche postula, mesmo hoje, a norma paradoxal do processo de globalização que, contra a propaganda que a entende como a generalização de uma uniformidade social e cultural, exige vislumbrar o capitalismo como um sistema que detalha, com velocidade crescente, a sinergia de um desenvolvimento “desigual e combinado” em que pobreza, polarização e o chamado subdesenvolvimento “não são efeitos negativos produzidos por circunstâncias específicas ou políticas equivocadas”, mas o produto lógico, permanente e imanente do sistema da economia-mundo15, em que os choques, os paradoxos de sistemas de valor, e as economias incomparáveis articulam-se em torno de um dispositivo de necessidades e desejos falsamente compartilhados. 3. O “outro secreto” do fetichismo das mercadorias Em seu sentido clássico, a narrativa do fetichismo tem sua construção nodal no capítulo sobre a mercadoria d’O Capital de Marx (1867, 1872-73) e, a partir daí, na síntese de crítica kantiana e sociologia weberiana que Georg Lukács mobilizou na teoria da coisificação em História e consciência de classe (1919). Com exceção da disquisição de Hegel sobre a dialética do amo e do escravo que, recentemente, Susan BuckMorss também pôs em evidência como uma figura que se deve abordar em relação com o problema da emancipação dos escravos modernos de origem africana na revolução do Haiti de 180816, o texto de Marx sobre o “fetichismo da mercadoria e seu segre-

do” é o ponto de irradiação mais importante da teorização acerca das condições epistemológicas e estéticas do capitalismo. É o núcleo a partir do qual surgiram os debates centrais sobre a subjetividade derivada da progressiva mercantilização das relações sociais e do estatuto da mercadoria como objeto, já não só central para as transações econômicas, mas também tornado modelo cognitivo e base da sensibilidade. E, com efeito, esta coisa que Marx postula como metafísica cotidiana, aparece no texto d’O Capital sob a figura irônica e polêmica de uma espécie de experiência contemporânea a priori, numa linha que não oculta seu afã de atrair para si o conjunto da elaboração crítica kantiana:

O misterioso da forma mercantil consiste simplesmente, pois, em que esta reflete ante aos homens o caráter social de seu próprio trabalho como caracteres objetivos inerentes aos produtos do trabalho, como propriedades sociais naturais de ditas coisas e, conseqüentemente, reflete também a relação social que faz a mediação entre os produtores e o trabalho global, como uma relação social entre os objetos, existente à margem dos produtores. É por meio desse quid pro quo [tomar uma coisa por outra] que os produtos de trabalho se convertem em mercadorias, em coisas sensorialmente suprasensíveis ou sociais.17

Como se sabe, no intento de elaborar uma formulação a este efeito de projeção ideológica (que não é outro senão o terreno de projeção das transações econômicas na cultura vivida), Marx recorreu a formulação da noção de que tal atribuição às coisas merecia ser designada como um fetichismo dos modernos:

O que aqui adota, para os homens, a forma fantasmagórica de uma relação entre coisas, é só a relação social existente entre eles mesmos. Daí que para achar uma analogia pertinente devamos buscar amparo nas nebulosas comarcas do mundo religioso. Neste, os produtos da mente humana parecem figuras autônomas, dotadas de vida própria, em relação com outras e com os homens. A mesma coisa ocorre no mundo das mercadorias com os produtos da mão humana. A isso chamo o fetichismo que adere aos produtos do trabalho assim que se os produz como mercadorias e que é inseparável da produção mercantil.18

Não pretendemos proceder a um desdobramento excessivo sobre estas passagens, por demais conhecidas. Aqui bastará sugerir alguns pontos críticos: a) Sobretudo a partir da intervenção de Georg Lukács, a linhagem do fetichismo marxista tendeu a tomar esta “analogia” como uma descrição epistemológica. Tomando a ironia marxista sobre “a coisa supra-sensível” por moeda corrente, Lukács definiu todo um filão do pensamento crítico ocidental ao derivar desta análise o conceito de que a economia capitalista produz uma “consciência coisificada”, em que

Luis Etcheverry, Buenos Aires y Madrid: Amorrortu Editores, 1978, p. 141. 14. Charles de Brosses, Du culte des dieux fétiches ou parallèle de l’ancienne religion de l’Egypte avec la religion actuelle de la Nigritie, 1757, pp. 10-11. A edição fac-símile deste livro está disponível em linha no site “Gallica” da Biblioteca Nacional da França: http://gallica.bnf.fr/ ark:/12148/bpt6k106440f. 15. Veja-se: Samir Amin, Capitalism in the Age of Globalization. The Management of Contemporary Society, Londres y Nueva York: Zed Books, 1997, p. 16 [versão em espanhol: El capitalismo en la era de la globalización, trad. de Rafael Grasa, Barcelona: Paidós, 1998]. 16. Susan Buck-Morss, Hegel, Haiti, and Universal History, Pittsburgh: University of Pittsburgh Press, 2009. 17. Karl Marx, El Capital. Crítica de la economía política, 19ª. ed., ed. y trad. de Pedro Scaron, México, Siglo XXI Editores, 1983, tomo I, vol. 1, p. 88. 18. Ibid., p. 89. 19. Georg Lukács, “La cosificación y la conciencia del proletariado”, en: Historia y conciencia de clase, 2 vols., trad. de Manuel Sacristán, Madrid: Sarpe, 1984, tomo II, pp. 7-11. 20. Ibid., p. 64. 21. É decisivo notar, mesmo en passant, que o conjunto da crítica de Theodor Adorno ao “fetichismo” da “indústria cultural”, e seu resgate da obra de arte modernista como uma espécie de heterogeneidade pregueada no interior da sociedade industrial como uma “mônada sem janelas”, é o intento de albergar, por outro rodeio pós-colonial (em referência à mimese do objeto mágico), uma exterioridade crítica a esta totalidade opressiva da aparente transparência conceitual do capitalismo. A marca de que a estética de Adorno elabora um fetiche antifetichista está talvez na forma como a expressão da arte enquanto “coisas de segundo grau”, de artefatos que são, não obstante, inalcançáveis para a “intuição” sensível, é um eco da “coisa suprassensível” de Marx. Contra o esperado por aqueles que pretendem traçar uma linha de oposições simples no seio do pensamento da vanguarda, em lugar de um quadro de tensões, complementaridades e debates, a visão de Adorno se aproxima da de Bataille ao compreender a necessidade de defender a arte como coisa feita contra o reino das coisas “a revolta


perene da arte contra a arte tem seu fundamentum in re. Se é essencial para as obras de arte serem coisas, não menos essencial é para elas negar sua própria coisidade e, deste modo, a arte se dirige contra a arte. A obra de arte completamente objetivada se congelaria como uma mera coisa; a obra que se subtrai a sua objetivação retrocederia à impotente agitação subjetiva e se fundiria no mundo empírico” (Theodor W. Adorno, Teoría estética, ed. de Rolf Tiedemann, trad. de Jorge Navarro Pérez, Madrid: Akal, 2004, pp. 78, 125, 137-139, 234-235). v 22. De fato, é provável que apenas os leitores contemporâneos em língua espanhola, como nós, tenham podido reparar neste detalhe, pois a ambição dos editores de El Capital da editorial Siglo XXI de apontar para uma “edição crítica”, fe-los incluir em sua publicação as versões definitivas e originais do capítulo I do livro. 23. Referida não ao “fetichismo das mercadorias”, mas ao “fetichismo da economia clássica” (Marx, El Capital, op. cit., tomo I, vol. 3, p. 1015). Esta concepção vinha se arrastando no texto de Marx desde os chamados Grundrisse de 1857, onde se esclarece como um uso relacionado à teoria econômica clássica, e não como um operador da epistemologia prática do sistema social. Veja-se infra n. 25. 24. Ibid., tomo I, vol. 3, p. 1011. 25. Neste ponto, separamo-nos, num detalhe que nos parece decisivo, da leitura de Pietz que argumenta que Marx reintroduz plenamente a discussão do fetiche em sua leitura do capitalismo por volta de 1857 (Pietz, “Fetishism and Materialism”, art. cit., p. 143). No entanto, a ocorrência da palavra “fetichismo” nos Grundrisse se refere estritamente à crítica da obra de David Ricardo que a Marx parece um “tosco materialismo” e “idealismo grosseiro” que “fá-los considerar tanto as relações sociais da produção humana como as determinações que as coisas recebem na medida em que são subsumidas por estas relações, como se fossem propriedades naturais das coisas”. Ou seja, o uso do conceito de “fetichismo”, nesse estágio, está constrangido a afirmar que as doutrinas dos economistas clássicos padecem de uma mentalidade primitivista: “um fetichismo, sim, que atribui às coisas relações sociais como determinações imanentes a elas, e desta maneira as mistifica” (Karl Marx, Elementos fundamentales para la crítica de la economía política (Grundrisse), 1857-1858, ed. de José Aricó, Miguel Murmis y Pedro Scaron, trad. de Pedro Scaron, 9ª. ed., México: Siglo XXI Editores, 1982, tomo II, p. 211). Em síntese, a passagem em questão esclarece a mesma restrição em que Marx introduz a temática do fetichismo na primeira redação d´O Capital, sem desdobrar uma clara distinção entre este “fetichismo” dos teóricos

as categorias kantianas de tempo e espaço, ou seja, as condições de possibilidade da experiência, são progressivamente fragmentadas e submetidas a uma ordem racional que deriva na correlação de uma “objetividade” e numa série de “formas de subjetividade” da sociedade capitalista. A mercadoria, na análise de Lukács, se converte na “categoria universal de todo o ser social”, e o mundo se transforma num campo uniforme de domínio alienado das “coisas” sobre os seres humanos, cuja principal modalidade subjetiva é a “contemplação”19 de um mundo alheio à relação entre desejo, vontade, consciência e experiência. Submetido a uma estrutura da experiência coisificada, fragmentada e – seguindo Weber – progressivamente submetida a uma estrutura de cálculo e abstração, argumenta Lukács, “o comportamento do sujeito se faz cada vez mais contemplativo no sentido filosófico”.20 b) Sem denegar o modo como essa análise formulou o campo de operação da história inteira da crítica de esquerda da cultura (da totalidade da Escola de Frankfurt21 à Internacional Situacionista, e à crítica da vida cotidiana de filósofos como Henri Lefebvre), é interessante que, num aspecto muito específico, Lukács inconscientemente retrocedia no jogo metafórico da elaboração de Marx. Com efeito, ainda que isto seja freqüentemente omitido (em parte por sua inacessibilidade nas edições modernas de O Capital), a figura do fetichismo da mercadoria não foi a primeira elaboração marxista acerca da teologia da mercadoria, mas a fórmula que acabou de lapidar na segunda edição de seu livro publicada entre 1872 e 1873.22 Na primeira edição de O Capital, em 1867, Marx recorre sistematicamente, e com uma única exceção23, a outro corpo analógico: o do “misticismo” da contemplação católica:

Os produtores individuais não entram em contato social senão por intermédio de seus produtos privados, as coisas. As relações sociais entre seus trabalhos são e se manifestam, pois, não como relações diretamente sociais trabalhadas entre as pessoas em seus trabalhos, senão como condições próprias de coisas entre as pessoas, ou coerções sociais entre as coisas. A representação primeira e mais geral da coisa como coisa social, entretanto, é a transformação do produto do trabalho em mercadoria. O misticismo da mercadoria, pois, deriva de que ao produtor individual, as determinações sociais de seus trabalhos privados se manifestam como determinações do naturais e sociais dos produtos trabalho, de que as relações sociais de produção estabelecidas entre as pessoas se lhe manifestam como relações sociais das coisas entre si e com as pessoas.24

Pode-se perceber nesta passagem uma oscilação entre os resíduos de uma queixa

r 56 humanista contra a mediação (ou, deveríamos dizer, a intercessão) das coisas e dos indivíduos, e a tarefa de descrever um sistema social onde as interações de “coisas agentes” estabelecem o território de poder. Que a interação das coisas ocorra no texto como uma “representação”, aloja, com efeito, os resíduos da teologia cristã, ainda que no código opositor do projeto de “desalienação” do iluminismo hegeliano.25 c) Para além da problemática, erudita no final das contas, da evolução do livro,26 o deslizamento do misticismo ao fetichismo no texto de Marx envolve, precisamente, toda a problemática do lastro iluminista do projeto marxista e da tensão entre esse legado e a interferência da categoria pós-colonial do conceito fetiche. Como no projeto de Lukács, que aposta na liberação da “consciência coisificada” mediante a compreensão da dialética do “processo” histórico,27 no momento em que Marx postula, em sua primeira elaboração de 1867, como poderia se reverter a relação “mística” do sujeito com a mercadoria, sua argumentação reitera a temática da esquerda hegeliana da “reapropriação” na consciência do que antes aparecia como modos de atividade alienados em um objeto que, como a divindade do misticismo cristão, produz a afeição de uma permanente distância que promete, entretanto, a reunificação contemplativa: “o reflexo religioso do mundo real só poderá se desvanecer quando as circunstâncias da vida prática, cotidiana, representarem para os homens, dia a dia, relações diafanamente racionais, entre eles e com a natureza.”28 Nesse ponto, é possível detectar a aposta, que retrospectivamente se mostra falida, de profetizar o estatuto da sociedade e da epistemologia futura como se nela se tratasse de que o sujeito (proletário) adquirisse um domínio total sobre a natureza, instaurando o reino da administração total que passa a ser confundido com a emancipação. Essa linha de pensamento marxista conduz à famosa passagem de Friedrich Engels sobre a ideia comunista da abolição do Estado: “O governo sobre as pessoas é substituído pela administração das coisas e pela direção dos processos de produção.”29


Acaso é factível reduzir o diagrama da ativação do fetiche, ao interseccionar a formulação dupla da epistemologia ocidental/primitivista (é claro, com a exclusão do lugar irrepresentável do outro) à promessa de desmanchar a “falsa consciência” ou “ilusão coisificada” com a perspectiva de que a abolição da mercadoria abriria ao sujeito o gozo não-mediado de uma cognição e um controle da produção fundados na pura transparência? Este foi, com efeito, o projeto explícito do comunismo moderno: a postulação na ordem social e econômica da culminação do iluminismo como controle total da consciência científica sobre a matéria, a história e a natureza.30 O reino da ilustração total acabou com um pouco mais de sessenta milhões de mortos31 dedicados inutilmente a obter, mediante a coação, a solvência de um sistema econômico em que o “consumo produtivo” pretendia impulsionar o desenvolvimento com absoluta postergação do desfrute e do dispêndio gozoso.32 A opacidade da construção do “fetichismo” de Marx não abrigaria talvez o potencial de outra classe de operação crítica? 4. Para além da desalienação, para além da teoria33 Quando no início dos anos 1990, William Pietz chegou finalmente a explorar o problema do fetiche em sua versão marxista, postulou-o em termos de uma crítica generalizada da hegemonia semiótico-simbólica da era e, em particular, como uma chamada de atenção contra a concepção do campo social como o espaço infinito de homologias e analogias do pós-estruturalismo. Enfatizando o modo como, desde o próprio De Brosses, a categoria do fetichismo continha a originalidade de “oferecer uma explicação ateológica da origem da religião”34, alheia à lógica da representação e da linguagem, Pietz indicava que o uso do conceito de fetiche em Marx tinha a ambição de completar uma “crítica do terrenal” em que o caráter irredutivelmente material da religião do desejo sensual orientaria a crítica materialista da sociedade contemporânea. Em outras palavras, Pietz salientou que a aposta de Marx era virar a fórmula primitivista do fetichismo para o verdadeiro fetichista: o sujeito da modernidade capitalista. Nesse deslocamento, o fetiche teria – segundo Pietz – que alojar um limite para a teorização e a virada linguística, pois imporia a necessidade de regressar a uma noção das interações entre seres sensuais, corporais e vivos, para além da problemática da “ideologia” e da crítica do pensamento. O fetichismo de Marx, em seu afã de colocar em relevo os elementos não-transcedentais da história social do mundo, buscaria mostrar as categorias do capital, ou seja, “as formas universais emergentes como os “objetos de poder” dos sistemas sociais organizados”.35

um meio que se converteu em fim, é um objeto-poder socialmente construído e culturalmente real: é o poder de mando instrumentalizado sobre seres humanos concretos na forma de controle sobre sua atividade de trabalho mediante as decisões de investimento.36 A discussão, novamente, é muito mais do que um mero problema de nomes. Em suas investigações sobre a história da religião, em 1842, Marx havia citado uma passagem de De Brosses que se referia aos “indígenas cubanos” atribuindo ao ouro a função de “fetiche dos espanhóis”.37 Seguindo essa lógica, ao incorporar, por volta de 1840, o conceito do fetichismo como “religião sensual” em sua leitura do capitalismo, Marx adotou uma posição similar para o projeto de uma investigação proletária: a partir da estranheza de referir ao ocidental ilustrado suas categorias sobre o selvagem, o movimento do fetichismo de Marx encarnava a possibilidade de compreender a economia moderna como uma estrutura de dominação centrada na operação do capital-dinheiro como o objeto de poder contemporâneo:

[…] é a partir de sua perspectiva [a do fetichista primitivo e do proletário industrial] (tal como evocada na escritura de Marx) que o burguês capitalista é percebido como um fetichista cujo fetiche, o capital, é tomado por seus adoradores enganados como algo que encarna poderes (sobre) naturais de formação de valor, mas que é reconhecido pelo selvagem, expropriado através da “acumulação primitiva”, e o trabalhador, explorado pelo processo de acumulação capitalista propriamente dita, como carente de poder social real fora de seu poder social de comandar a atividade laboral de indivíduos reais.38

Na interpretação de Pietz se aloja um gesto subversivo que sublinha no texto de Marx a operatividade de certo primitivismo que não é em absoluto a afirmação da ilusão colonial, mas sua aplicação irônica como espelho da produção. Em outras palavras, William Pietz mostrou um Marx que operava como um surrealista ou baNeste sentido, William Pietz sugere que a investigação de tailliano avant la lettre: como o executor Marx da noção de capital e dinheiro deve ser compreendi- das primeiras etnografias invertidas,39 pois utilizou a representação do selvagem da como o estudo de uma coisa que serve de equivalente para iluminar a discussão do sujeito mogeral e que, portanto, temos que perceber que os “fetiderno ao aplicar-lhe suas próprias cateches” modernos não são uma metáfora ou um signo, mas existem como objetos materiais cujo poder é o de estabe- gorias eurocêntricas,40 buscando aninhar lecer o controle dos seres humanos. O capital-dinheiro não a exterioridade necessária a toda crítica, mediante o espelhamento da ficção do é, nesta leitura, uma representação ou ideia que coisifica a consciência, mas a própria coisa de poder que produz e fetichismo: A experiência de pobreza material e sustenta a ordem social:

O objeto que tinha sido um meio fortuito de obter um fim desejado se converte em uma necessidade fixa, a verdadeira incorporação do desejo e o poder efetivo e exclusivo para gratificá-la. A verdade humana do capital é que, como

opressão social é vista aqui como a fonte de uma autoridade moral espiritualmente poderosa que é o solo concreto objetivo de uma política de emancipação radical.

e o “misticismo” que, até 1867, serve ao próprio Marx como categoria metáfora de sua crítica à operação do dinheiro como equivalente geral da circulação capitalista. 26. De fato, a primeira formulação do “fetichismo das mercadorias” aparece em um apêndice elaborado por Marx à primeira edição, feito ante à percepção de que seu texto inicial não era facilmente compreensível, intitulado “A forma do valor” (El Capital, op. cit., tomo I, vol. 3, pp. 1030-1031). 27. Lukács, op. cit., p. 121. 28. Marx, El Capital, op. cit., tomo I, vol. 3, p. 1012. Marx de fato retém esse momento em sua redação de 1872-73: ibid., tomo I, vol. 1, p. 97. 29. Friedrich Engels, “Del socialismo utópico al socialismo científico”, en: Carlos Marx y Federico Engels, Obras escogidas en tres tomos, Moscú: Editorial Progreso, 1974, tomo 3, p. 155. 30. Convém assinalar que a figuração desta ideia está presente, talvez melhor que em qualquer outra imagem, no mural de Diego Rivera El hombre en la encrucijada, projetado para o Rockefeller Center em 1931, que, após sua destruição, foi reposto no Palacio de Bellas Artes de México em 1934. Que esse super-homem comunista utópico aparecesse na personificação de um técnico loiro e de olhos verdes soviético, colocado no centro do campo de operações da matéria e da história, é em verdade um labirinto da ilustração. Que esta imagem esteja descrita sob um modelo étnico e epistemológico eurocêntrico e branco, é uma ironia do saber pós-colonial. Constitui o ato falho do projeto artístico pós-colonial que revela, na margem e na oposição ao modernismo hegemônico, a infiltração do projeto de ilustração total visto (e, portanto, percorrido) em seus antípodas. 31. R. J. Rummel, Lethal Politics. Soviet Genocide and Mass Murder since 1917, New Brunswick y Londres: Transaction Publishers, 1990. 32. Como o articulou genialmente Asger Jorn em sua etapa situacionista, claramente informado pela Parte Maldita bataillana, arvorando o desenvolvimento artístico frontalmente contra “o desenvolvimento socialista” do projeto comunista: “O valor desta arte constitui assim um contra-valor em relação aos valores práticos, e se mede num sentido inverso ao destes últimos. A arte é um convite a um gasto de energia sem finalidade precisa, e independentemente daquela que o próprio espectador possa lhe atribuir. É a prodigalidade...” (Asger Jorn, “El fin de la economía y la realización del arte”, Internationale Situationniste, núm. 4, junio de 1960, p. 19, en: Internacional Situacionista. Textos completos en castellano de la revista Internationale Situationniste


(1958-1969), Madrid: Literatura Gris, 1999, vol. I, p. 111). 33. Um de nós explorou, num primeiro acercamento sucinto e específico, num código ameríndio, a temática desta seção em relação com a obra do artista Brian Jungen. Veja-se: Cuauhtémoc Medina, “High Curios”, en: Diana Augatis et al., Brian Jungen, Vancouver, Toronto y Berkeley: Vancouver Art Gallery, 2005, pp. 27-38. 34. Pietz, “Fetishism and Materialism”, art. cit., p. 138. 35. Ibid., pp. 143-145. 36. Ibid., p. 147. 37. “Os indígenas cubanos viam no ouro o fetiche dos espanhóis. Celebraram uma festa em sua honra, entonaram canções e depois as lançaram ao mar. Se tivessem assistido a estas sessões da Dieta renana, aqueles selvagens teriam visto a lenha do fetiche dos renanos. Mas em outras sessões da mesma Dieta teriam aprendido que o fetichismo leva consigo o culto do animal e teriam lançado ao mar as lebres para salvar os homens”. Karl Marx, “Los debates de la VI Dieta Renana. Por un Renano”, Rheinische Zeitung, núm. 307, 3 de noviembre de 1842, en: Escritos de Juventud, p. 283. Pietz refere a citação às notas de Marx tomadas do livro de De Brosses (Karl Marx, “Exzerpte sur Geschichte der Kunst und der Religion”, en: Marx-Engels Gesamtausgabe, 2:1, Berlín: Dietz, 1976, p. 322). Entretanto, Enrique Dussel identificou sagazmente que a fonte última da passagem aludida por Marx é a história da resistência do chefe taino Hatuey tal como contada por Bartolomé de Las Casas (Enrique Dussel, Praxis latinoamericana y filosofía de la liberación, Bogotá: Nueva América, 1983, p. 186, disponível em:http://www.ifil. org/Biblioteca/dussel/html/17.html). Apontamos, entretanto, que nossa investigação sobre o fetichismo de Marx difere em pontos importantes da de Dussel, constantemente balizada por uma reivindicação da contribuição cristã para a liberação latino-americana, em lugar de atentar para as condições da interferência das categorias coloniais nos próprios textos. 38. Pietz, “Fetishism and Materialism”, art. cit., p.141. 39. A figura de uma etnografia invertida se tornou central para a discussão e podemos argumentar que inclusive deu forma ao discurso acadêmico contemporâneo ao definir os protocolos de múltiplas investigações na área de Estudos Culturais. O exemplo emblemático da articulação desta perspectiva como operação chave para decifrar a produção de arte e literatura na modernidade é elaborado pontual e descritivamente por James Clifford (veja-se The Predicament of Culture: Twentieth Century Ethnography, Literature and Art, Harvard: Harvard University Press, 1988). 40. Talvez antecedida pelo ensaio de Michel de Montaigne “Dos canibais” e pela “Modesta proposição” de Johathan Swift,

O sujeito materialista desta base radicalmente humana é duplamente localizado por Marx: na perspectiva extremamente alheia do fetichista primitivo, uma ordem cultural para a qual as condições materiais são elas mesmas valores espirituais, que julga a sociedade civil de fora de toda civilização; e no ponto extremamente degradado do proletário, o outro interno da sociedade burguesa, forçado à margem física da subsistência, cujos juízos de valor expressam as necessidades mais fundamentais da vida humana. [...] Mas, após absorver as lições dos acontecimentos políticos de 1848-1850, Marx regressou ao discurso sobre o fetichismo em 1857 para articular uma posição que não era tanto aquela da consciência desiludida do proletariado (a auto-concepção de seus membros como trabalhadores dentro das categorias da sociedade civil) quanto a de um imaginário comunista que observa a anamorfose fantasticamente inumana da visão liberal da economia política da vida humana como sociedade civil. Marx evocou o sujeito “selvagem” do fetichismo religioso como um ponto de vista (potencialmente teórico) fora do capitalismo, capaz de reconhecer os proletários em sua identidade social objetiva como a classe econômica que não possui nenhuma propriedade privada vendável salvo seu próprio ser corporal [...]41

que permite toda uma gama de operações intransigentes que se situam em aberta oposição à expectativa da desmaterialização e transparência das relações sociais. Ou seja, o conceito de fetiche aparece também como um obstáculo contra a tentação de opor ao capitalismo o programa de uma ilustração total que guiou uma parte fundamental do automatismo pós-revolucionário que espreita fantasmagoricamente na arte e na cultura contemporâneas. Referimo-nos, claro, ao discurso eminentemente não-repensado em que a arte crítica chegou a conceber-se repetidamente sob a figura da “desfetichização”, sem importar que essas formulações “situadas” na pura “crítica institucional” de mínimos deslocamentos careçam já de força motora para envolver a contrasteação de outra economia que não aquela interna ao mercado de pálidos gestos desmaterializados de luxo que não estão sequer conscientes de seu estatuto de objetos e sujeitos da exploração. Estamos, certamente, num momento em que as categorias, para usar a feliz expressão de Gayatri Spivak, chegaram a se perverter numa omelete de teorias e práticas que, como em algumas das ações ou “situações construídas” de Tino Sehgal, tudo se desmaterializa, menos o preço, como exemplares cabais de uma pós-ilustração inócua, cabalmente arquitetônica e sem subsolo cultural. 43 Restabelecer a genealogia e a prática do fetiche consiste, quiçá, no fim das contas, em restabelecer alguma classe de relação em que a teoria se ancore na problemática de um ovo. 44

Daqui deriva, logicamente, que as possibilidades de escapar do dispositivo da magia da produção exigiriam alguma classe de operação no seio da interação material que desbordasse o marco dessa epistemologia – ainda mais na perspectiva de um projeto como El Espectro Rojo, também aderido à consideração marxista da experiência de uma temporalidade de reação que não admite cair na melancolia desiludida.42

Não é casual que tenha sido no campo da teorização paralela à ativação do objeto surrealista e da subversão sacrificial, no território lúgubre da investigação do “sagrado” de Bataille e seu círculo, que o fetiche recuperou explicitamente seu fio de primitivismo anti-ocidental. Foi nesse momento que o campo

5. A desmaterialização e seus limites

É esta dimensão que deriva do gesto de apontar para uma descrição “primitivista” do capital em sua imanência totalizadora – por mais opaca que seja nela a estrutura colonial -, que faz do fetiche uma montagem necessária de fragmentos em que códigos de valor não traduzíveis, e o resíduo de outra economia heterogênea, postulam-se como uma constante subversão da lógica de racionalização e da política ocidentais. A contínua sedução da noção de fetiche e a forma como a arte contemporânea parece apontar para uma mobilização da produção de instâncias particulares, localizadas e paradoxais de “irracionalidade” econômica, na forma de anamorfismos pós-industriais, é evidência da continuidade (subterrânea e majoritariamente inconsciente) desse projeto da categorização selvagem de uma crítica a partir da dobra da heterogeneidade. Reativar o fetiche, uma vez que fica restabelecido seu potencial crítico como categoria primitivista da e acerca da sociedade moderna, estabelece um diagrama


r 53 semântico do fetiche explodiu para derivar seu impulso crítico numa leitura anti-colonial e anti-modernista, ao postular a relação corporal, localizada, material e excessiva do fetichismo como um horizonte inalcançável (ao mesmo tempo que imprescindível) ao jogo artístico. Isso é o que se encerra no profusamente citado aforismo de Bataille: “desafio qualquer amante da pintura a amar um de seus quadros tanto quanto o fetichista ama seu sapato”.45 Quando Michel Leiris abordou, na revista Documents, a reflexão sobre as esculturas do período da etnografia invertida de Alberto Giacometti, postulou a busca de uma distinção entre o “verdadeiro fetichismo” que “jaz na base de toda existência humana desde os tempos mais antigos” e aquelas obras de arte que, pela via de uma intervenção material e corporal, são capazes de responder a ele em termos de um “móvel que podemos usar nesse estranho e vasto quarto chamado espaço.”46 É possível que, na zona de confusão e distúrbio da arte contemporânea, o fetiche sofra seu revés ao postular a exaltação e a celebração da não adequação entre objeto e desejo, assim como o jogo de pulsões de morte (destruição-negação) que são o itinerário lógico da consciência em seu devir como corpo alienado (corpo coisa, corpo animal) que se suspendem e/ou congelam no papel; com efeito, assim se persegue o complemento do projeto de inversão do jogo dialético hegeliano e da instauração de um efetivo baixo materialismo que busque explicações num “princípio horrível e completamente ilegítimo” em que “ser e razão não podem se submeter senão ao que é mais baixo, ao que não pode servir de modo algum para imitar qualquer tipo de autoridade”.47 Numa virada radical, a operação materialista-artística deveria querer devolver o fetiche ao seu poder de materialidade não dialetizada (não idealizada, não sublimada, não teologizada), capaz de violentar a racionalidade prática alojada na hegemonia do marginalismo em que desejo e consumo se regem pela excitação da utilidade ao capital. Como uma operação que, como Bataille postulou em sua radical ateologia, tem como marca central não ser uma emancipação da consciência, mas o excesso da coisa econômica:

É o retorno da situação do animal que come outro, é a negação da diferença entre o objeto e eu mesmo ou a destruição geral dos objetos como tais no campo da consciência. Na medida em que a destruo no campo da consciência clara, esta mesa deixa de formar uma tela distinta e opaca entre o mundo e eu. Mas esta mesa não poderia ser destruída no campo de minha consciência se eu não desse a minha destruição consequências na ordem real. A redução real da redução da ordem real introduz na ordem econômica uma inversão fundamental. Trata-se, se é preciso preservar o movimento da economia, de determinar o ponto em que a produção excedente fluirá como um rio para fora. Trata-se de consumir – ou de destruir – infinitamente os objetos produzidos.48

Sair hoje em defesa do fetiche consiste em levar até seu limite a resistência a toda crítica franciscana do sistema econômico que reitere a forma como o socialismo aprofundou, mimeticamente com respeito ao capitalismo, a ideia da restrição e do cálculo. Significa resgatar o momento “primitivista” do modernismo como o desbordamento que permite intensificar a noção de prática artística como uma crítica imanente da obra de arte enquanto fetiche – ou seja, como materialidade irredutível em que o sujeito assume o eixo dos desejos sensuais sem cobertura racionalista, até descobrir o desejo de um sujeito perverso ou desengonçado. Este re-inscrever o momento primitivista da teoria e da vanguarda exige ativar a circulação da quase-carnalidade da obra de arte como prótese do desejo. A escavação que desdobramos (a abertura da cripta do fetiche) conduz a uma operação múltiple de territorialização em que o campo histórico é imaginado como experiência, falta, transação, engano, dobra opaca, e não como memória de um iluminismo incompleto ou manco. É, de um modo que pode se transferir também ao campo político efetivo, uma instância dessa catástrofe iluminadora da modernidade falida que Ryszard Kapus´cin´ski denominou “a tremenda resistência da matéria”.49 A operação fetichista, como a entendemos, é a retificação levada ao limite, e não sua contenção. Pois só ao chegar ao limite do processo de coisificação é que a crítica ideológica se desloca e aparece a verdade do dicionário das ideias feitas do colonialismo. O lugar onde toda referência ao “outro”, para além de ser a linguagem aderida ao genocídio, é o dicionário tergiversado do resíduo crítico.

Tradução: Fernando Scheibe versão inglês e espanhol: http://www.espectrorojo.com/1/es/index.html

que projetavam o terror do canibalismo sobre o sujeto occidental (veja-se: Michel de Montaigne, Ensayos, capítulo 30 [edición en línea: http://www.cervantesvirtual.com/servlet/Sirveras/01372719700248615644802/p0000002. htm#I_36], e Johathan Swift, “A Modest Proposal For Preventing The Children Of Poor People From Being A Burthen To Their Parents Or Country, And For Making Them Beneficial To The Public”, en: The Portable Swift, ed. de Carl Van Doren, Londres: Penguin, 1986, pp. 549-559). 41. Pietz, “Fetishism and Materialism”, art. cit., p. 143. 42. Veja-se o fragmento de Marx do Dezoito Brumário que dá origem à imagem de El Espectro Rojo, en http://www.espectrorojo.com/1/es/index. html. 43. “Este excedente de abstração é também inerente à natureza e ao status do objeto artístico moderno – mas não a um fetiche, pois este está desprovido de qualquer poder intrínseco, ou seja, da capacidade de assustar, apesar de todas as vanguardas e suas façanhas épatantes (puros fiascos, não importa quão enérgicos e esclarecedores sejam), à diferença daquelas máscaras de dança extravagantemente monstruosas, assombrosamente transcendentes, cuja inocuidade era apenas descoberta, aprendida e conquistada suportando a prova do medo” (veja-se Francesco Pellizzi, “Pastizales del inframundo”, http://www. espectrorojo.com/1/es/04/index.html). 44. A citação de Gayatri Spivak se refere a um de seus muitos momentos de lucidez e claridade irônica em aula. No seminário “Teoria da traducção”, da primavera de 2005 na Universidade de Califórnia, em Irvine, Spivak provocou uma memorável explosão de gargalhadas ao responder a pergunta de um dos estudantes com relação à noção de “multidão” elaborada por Hardt e Negri em seu famoso volume Império, com a broma/ metáfora do modo como a teoria da esquerda contemporânea tinha chegado a ser uma omelete em que já não se recordavam os ovos quebrados. Esta descrição da fascinação pelas políticas “nãohegemônicas”, “horizontais” e puramente messiânicas da expectativa religiosa-ativista, é crucial para El Espectro Rojo, pois localiza a chamada de atenção, constantemente postulada por Spivak, de não assumir inocentemente o legado pósestruturalista sem entender seu entroncamento com a tradição marxista. 45. Georges Bataille,”L’Esprit moderne et le jeu des transpositions”, Documents, 1930, núm. 8, pp. 50-51. Veja-se o relevante comentário de Denis Hollier sobre esta passagem em Against Architecture. The Writings of Georges Bataille, trad. de Betsy Wing, Cambridge y Londres: The MIT Press, 1989, pp. 112-113 46. Michel Leiris, “Alberto Giacometti”, Documents, vol. 1, núm. 4, 1929, p. 209. Citado por Pietz, “The Problem of the Fetish, I”, art. cit., p. 11. 47. Georges Bataille, “Le bas matérialisme et la gnose”, en: Documents, año 2, 1930, núm. 1, pp. 1-8 (trad. al español: Georges Bataille, “El bajo materialismo y la gnosis”, en: La conjuración sagrada. Ensayos 1929-1939, ed. de Fabián Lebenglik, sel. y trad. de Silvio Mattoni, Buenos Aires: Adriana Hidalgo Editora, 2003, pp. 5663). v48. Bataille, Teoría de la religión, op. cit., p. 106. 49. Ryszard Kapus´cin´ski, La guerra del fútbol y otros reportajes, trad. de Agata Orzeszek, Barcelona: Anagrama, 2008, p. 157. A passagem em questão é, de fato, uma das mais brilhantes teorizações da dialética diabólica do poder no chamado terceiro mundo, onde a violência e o fracasso da modernização estatal nada têm a ver com qualquer critério de moralidade dos líderes e dos políticos.


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oeta e artista argentino, psico-diferente. Performer aristocrático, decididamente extemporâneo e místico, embora tardio de alguma forma, e com interesses próximos a uma economia, moral, atemporal, sem passado nem presente, mas compartilhada com a vida e o corpo. Paradoxalmente, vívido como aquele sarcasmo poético a lá Bataille, que seus cúmplices compreendiam como um princípio a ser instalado na base da economia política. Pois, naquele desejo de adivinhar o futuro (da sua partida a outro planeta) em seu presente performativo, Peralta Ramos também traçava um balanço entre o excedente e o dispêndio de sua energia criadora. Um criptográfico de atitude sensível às formas de agir anestesiadas e ao comportamento automático da subjetividade que opera tanto na economia cotidiana como nas mecânicas de intercâmbio desconectadas entre si pela especialização. Neste sentido, alguém que faz de cada atividade gestual uma arte e cria uma comunhão que torna visível o sagrado, e o pequeno, simultaneamente se torna invisível no olhar dos tortos e dos zombis consumistas. É assim que essas subjetividades desumanizadas vivem numa cartografia da necessidade que justifica os gastos com eficiência e utilidade, onde sempre, quase sempre, os meios e recursos inventivos como a vida são sacrificados, e porém, esse gesto/gasto energético circulante deixa de tornar-se um valordesejo, ou aquele valioso combustível. Federico Manuel Peralta Ramos (FMPR) se inseria neste secreto círculo econômico dissolvido na vida social com uma atividade específica: criar pequenos rituais cotidianos de ganância inútil como filosofia de vida.

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aqueles anos sessenta, a ‘manzana loca’, o quarteirão artístico da cidade portenha, que reunia o circuito das galerias, bares de intelectuais e o Instituto Di Tella, era aonde se apresentavam os happenings, performances e micro-sucessos, que naquela época eram compreendidos como gestos incômodos de uma vanguarda ‘institucionalizada’ apesar de serem, na verdade, efêmeros e não competirem com o mesmo valor que tinham as pinturas no mercado de arte. O valor poético da criação nasceu com uma violência efetiva que levava aos artistas a destruírem suas próprias obras. Esses rituais formavam parte do repertório de ações de Peralta Ramos, e em certas ocasiões, foram visíveis quando, por exemplo, ele destruiu com um martelo um ovo de gesso gigante no Di Tella, quando ele dividiu a sua pintura em dois para fazê-la entrar pelo portão de uma galeria ou, ainda, na época em que, sugerido por seu pai, foi admitido no hospital psiquiátrico como pessoa insana para impedir a

avaliação da compra do touro que tinha feito ‘espontaneamente’ na Sociedade Rural. Mas ele também pintava, e isso o motivou a se aplicar para a Fundação Guggenheim, que lhe concedeu o prêmio na categoria de pintura em 1968, por um valor de US$ 6000 dólares. Peralta Ramos, como nós sabemos, não era só um pintor, ele compreendia a vida de jeito performativo, ou seja, a vida era equivalente a apreciar o gesto da despesa, dissolvê-la na vida cotidiana: dar dinheiro, beber café, comer, vestir, dar, pagar suas dívidas, investir dinheiro em uma financeira, comprar obras de amigos pintores, além de fazer televisão, cantar músicas, fazer de tudo até ficar sem nada. Dois anos depois de ter recebido a bolsa, a Fundação solicitou uma avaliação detalhada das formas em que Peralta Ramos tinha usado os seus recursos. Ele descreveu que se dedicou a viver. Esse motivo foi insuficiente para a instituição que não entendeu Peralta Ramos, e pediu o reembolso da metade do dinheiro concedido. A resposta de Federico para esse fato foi o seguinte: A minha carta de 14 de junho de 1971, é um tributo à liberdade. Uma organização (Guggenheim) de um país que alcançou a lua, que possui a limitação de não compreender e apreciar a invenção e a grande criação que tem sido a maneira que eu gastei o dinheiro da bolsa, me mergulha num mundo de confusão e espanto. Retornar os 3000 dólares que vocês me solicitam, seria a mesma coisa que não acreditar em minha atitude, por isso decidi não devolvê-los. Esperando que estas linhas sejam interpretadas como temperamento artístico, os saúdo atenciosamente1.

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s anos setenta foram anos de sinistros segredos, mortes, fraudes econômicas e convicções de especulação extrema na América Latina. Peralta Ramos não era um artista engajado, nem tinha o convencimento de um militante, mas, ao mesmo tempo, suas ações pareciam escutar e traduzir as formas desumanizadas da economia. Peralta interpretava a oscilação e desvalorização de uma moeda depreciada na economia doméstica que se pretendia global, uma moeda que de manhã comprava o mundo e de noite não alcançava nem um café. `As vezes, ele próprio carregava seu corpo imenso numa gangorra, emulando o preço instável dos ‘pesos ley’2 em relação ao dólar no mercado de câmbio, ou ele era visto circulando, pedalando e recitando poemas em uma bicicleta, referindo-se a metáfora popular da ‘bicicleta financeira’ que os argentinos chamavam comumente de uma prática associada com “misteriosas políticas emergentes” para manter o capital. Esta era uma forma de interpretar a realidade. Não era a única, mas a sua forma de interpretá-la, assinalava a falsa crença do estado de financiar e promover a riqueza, acrescentando, na realidade, a dívida. Peralta tinha interesse na relatividade instável da economia e da vida e não das coisas, preocupando-se com os humores afetuosos que provocava o dinheiro. Em 1983, recuperada a democracia, lia-se uma mensagem de Peralta, num semanal de Buenos Aires: Recentemente eu estava falando de quando uma pessoa “anda mal de


Teresa Riccardi

regalar dinero y perder el tiempo...

gestos/gastos de FMPR

dinheiro...” Por ocasião desse “passar mau”, um mês atrás eu fundei uma cidade chamada ‘Mal de Plata’. Como Don Patricio Peralta Ramos fundou um balneário chamado Mar del Plata, eu, seu neto, para atualizar a família fundei uma cidade chamada ‘Mal de Plata’3. Acho que vai ter sucesso porque é muito oportuna4.

Carteira de FMPR do Club Mau-Mau.

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o final de sua vida, Peralta passou a se exibir como animador em clubes de Buenos Aires tais como a África, Mau Mau, Jamaica e Can-Can. Peralta comenta esses rituais de exorcismo: Cantar em um clube noturno queria dizer penetrar nos lugares mais materialistas, os lugares mais banais. Minha ação ali tinha outro sentido. Alguém me disse uma vez que as boates estão desabrigadas. Pessoalmente, eu concebo esses lugares como templos pagãos. O público representa os fiéis que vêm a sentir, querem sentir. O caixa deve ser o sacristão, e os garçons os servidores, mas os performers são sacerdotes5.

I

maginar a FMPR na geopolítica atual seria complexo, e deveria pensar-se de forma mais extensa que estes breves parágrafos, mas se de alguma coisa não temos duvida é a contemporaneidade subjetiva da pratica de Peralta Ramos na consideração das formas que adquire a economia nas nossas vidas. Neste sentido, sua ‘poética’ da economia ainda possibilita sonhar, não só com a dispersão do rumor onde a criatividade sempre se encontra por cima da eficiência, daquela sua filosofia do lucro inútil, mas também com a probabilidade de nos converter cúmplices para disseminar um segredo que atraia tanto a ele como a nós conhecido como “mistério da economia”.

Federico cantando no club Can-Can.

Trecho da carta que FMPR, 12 de julho de 1971. (Arquivo FMPR)

1Federico Manuel Peralta Ramos. Una retrospectiva, Mamba, Buenos Aires, 2003, pp. 54-55. 2Peso Ley 18.188 (símbolo: $, ISO 4217: ARL) era a moeda argentina no período 1970-1983 popularmente conhecida como “pesos ley” e se manteve em vigor durante o período da ditadura militar. Todo peso ley ascendia a 100 m $ n (moeda peso nacional). Para familiarizar o público com a conversão, foi decidido que, enquanto as novas notas foram produzidas com o novo design, se continuara a emitir os valores existentes, mas selados com novos valores. Assim, por exemplo, 100, 500 e 1.000 (m $ n) foram convertidos para 1, 5 e 10 pesos ley, respectivamente. A mudança foi escolhida porque a quantidade usual de dinheiro envolvido não era possível de ser contado nas máquinas de calcular daquele tempo. O peso ley, que entrou em serviço, como tal, em 1970, sofria de uma inflação elevada, especialmente depois de 1975 e 1982. Nesse ano, foi emitido um bilhete para $ 1.000.000. A partir de 1983, com a democracia, ele foi substituído por uma nova unidade, o Peso Argentino que ainda encontra-se em vigor. Wikipedia. 3 Federico Manuel Peralta Ramos, op.cit, pp. 84. 4 FMPR, “Del Infinito al bife”, Análisis, nº 520, Buenos Aires, 2-8/3/1971. 5Peralta Ramos oferece uma obra poética e fonética com as palavras ‘Mal’ (Ruim) e ‘Mar’ (Mar, Oceano), referindo-se à praia costeira de preferência da classe média porteña: Mar del Plata. Esta obra, da qual unicamente conhece-se, um cartaz pintado à mão, de gesto puramente performativo. talvez sugira uma reflexão íntima da perda. E se “rebela” desde um ponto de vista subjetivo deslocado, onde simultaneamente, registra, por um lado, a realidade cotidiana da Argentina pós-ditatorial, desmoralizada no meio da hiper-inflação e sem poder de compra, e do outro, contrariada por expor a sua herança do passado aristocrático que levou a fundação, na costa, do estado de Buenos Aires.




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Democracia pp. 45\46 - Welfare State logo-(Estado de bem-estar) C-print, 100 x 150 cm. - 2007. (3D Model credits: Sergio García, Miguel González Viñé) pp. 47 - Sin Estado - proyecto que parte de la colaboración entre Todo Por la Praxis, Santiago Cirugeda y Democracia - 2009. (www.democracia.com.es)


Fernando Scheibe

O PARADOXO DA INUTILIDADE ABSOLUTA

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Paradoxo da utilidade absoluta formula, em registro negativo, o princípio geral do pensamento de Georges Bataille. O raciocínio é simples: o útil é sempre útil para, logo não pode ser valor, um fim em si mesmo. O valor só pode estar no inútil. No gasto, não no investimento. Decorrem daí tanto a noção de despesa quanto, mais tarde, aquela de soberania. Decorre daí também toda uma crítica da produção, material ou simbólica. A sociedade, enquanto organização da produção, do domínio do útil, é sempre negação do valor, do caráter soberano – acéfalo – da existência. Mesmo o comunismo, na medida em que mantém – e exacerba – o primado da produção, trai essa verdade. Em política, em filosofia, em arte, na vida1 , o que vale é o que não vale para. Daí outro paradoxo, este sim recorrentemente afirmado por Bataille: o que mais vale, o que vale tudo, o soberano, não vale nada, não é nada: “O principal é sempre o mesmo: a soberania não é NADA”. Em filosofia, isso se traduz pela rasura, nietzschiana, do sistema: A vida humana, distinta da existência jurídica e tal como tem lugar de fato sobre um globo isolado no espaço celeste, do dia à noite, de uma região à outra, a vida humana não pode em caso algum ser limitada aos sistemas fechados que lhe são assinalados em concepções razoáveis. O imenso trabalho de abandono, de escoamento e de tempestade que a constitui poderia ser expresso dizendo-se que ela não começa senão com o déficit desses sistemas: ao menos, o que ela admite de ordem e de reserva não tem sentido senão a partir do momento em que as forças ordenadas e reservadas se liberam e se perdem para fins que não podem ser subordinados a nada de que seja possível prestar contas. É somente por uma tal insubordinação, mesmo miserável, que a espécie humana cessa de estar isolada no esplendor sem condição das coisas materiais2. Gesto retomado pela desconstrução derridiana, justamente a partir de Bataille: O que é risível é a submissão à evidência do sentido, à força deste imperativo: que haja sentido, que nada seja definitivamente perdido pela morte, que esta receba a significação ainda de ‘negatividade abstrata’, que seja sempre possível o trabalho que, diferindo o gozo, confere sentido, seriedade e verdade à colocação em jogo. Esta submissão é a essência e o elemento da filosofia, da onto-lógica hegeliana. O cômico absoluto é a angústia diante da despesa a fundos perdidos, diante do sacrifício absoluto do sentido: sem retorno e sem reserva. A noção de Aufhebung (o conceito especulativo por excelência, nos diz Hegel, aquele de que a língua alemã detém o privilégio intraduzível) é risível nisso que ele significa o afã de um discurso se esfalfando para se reapropriar toda negatividade, para elaborar a colocação em jogo em investimento, para amortecer a despesa absoluta, para dar um sentido à morte, para se tornar, no mesmo lance, cego ao sem fundo do não-sentido do qual se saca e no qual se esgota o fundo do sentido3. Em arte, são as noções de engajamento e de uma História evolutiva, em que o passado se vê teleologicamente subordinado à ideia de uma progresso linear, que caem por terra. A obra de arte não pode ser engajada, ou seja, não pode servir para o despertar da consciência, a construção de um mundo mais justo, etc. Ela tem que se confundir inteiramente com o próprio exercício, inútil, soberano, da liberdade. Quanto à rasura da linearidade histórica, podemos ler nesta chave o trecho final destes “Aforismos metódicos”: É justamente a significação concreta de cada obra de arte, seu lado arbitrário e alucinatório, que nos salva do mecanismo de uma realidade convencional e da fraude de uma continuidade monótona4. Em política, após as tentativas insanas – e por isso tão interessantes – da comunidade secreta Acéphale e do grupo de luta Contre-attaque, Bataille acabará reconhecendo a necessidade de uma “comunidade fundada na ausência de comunidade” A essa primeira supressão da particularidade [a ausência de mito] pode-se acrescentar ou deve-se acrescentar a necessidade de uma ausência de comunidade. Que significa, com efeito, um grupo, senão a oposição da al-

guns homens ao conjunto dos outros homens? Que significa por exemplo uma Igreja como a Igreja cristã senão a negação do que não é ela? Há no fato de que toda religião no passado estivesse ligada à necessidade de se colocar como Igreja, como comunidade fechada, uma sorte de obstáculo fundamental; toda sorte de atividade religiosa, na medida em que era desencadeamento de paixão, tendia a suprimir os elementos que separam as pessoas umas das outras. Mas ao mesmo tempo a fusão que a festa antiga operava não tinha por fim mais que criar um novo indivíduo que se poderia chamar indivíduo coletivo. Não pretendo com isso dizer que os indivíduos não são mais chamados a se agruparem como sempre o foram, mas para além dessa necessidade imediata, o pertencimento de toda comunidade possível àquilo que chamo, em termos que são para mim voluntariamente estranhos, ausência de comunidade, deve ser o fundamento de toda comunidade possível, vale dizer, que o estado de paixão, o estado de desencadeamento que era inconsciente no espírito do primitivo pode passar a uma tal lucidez que o limite que era dado pelo contrário do primeiro movimento na comunidade que o encerrava sobre si mesmo deve ser transgredido pela consciência. Não pode haver limite entre os homens na consciência, e o que é mais, a consciência, a lucidez da consciência restabelece necessariamente a impossibilidade de um limite entre a humanidade e o resto do mundo5. Ler Bataille é partilhar essa lucidez que coloca a própria razão em questão. É entrar nesse jogo maior da transgressão. Um interessante leitor de Bataille, o argentino Oscar Del Barco, chamava a atenção para esse risco, em 1970, num artigo que buscava romper “El silencio sobre Bataille”: O mundo só é habitável à condição de que nada seja respeitado, Bataille. Uma pesada lápide cobre, entre nós, as obras de Bataille. Como resposta ao silêncio (silêncio, digamo-lo, parecido com aquele que cobria a praça pública quando a guilhotina caía sobre o pescoço do réu) Bataille lançaria uma redonda gargalhada. A palavra (de) Bataille é, precisamente, retração do que apreende o negócio literário. Retração de qualidades morais. Perversão ativa da ideia (ideologias) do Sistema. A primeira retração: a impossibilidade de classificá-lo e entregá-lo ao leitor como um produto de consumo do qual se conhece de antemão sua “possibilidade” e que não ameaça o mundo (do) leitor. A consciência de Bataille, que sempre está situada na nascente de seu “pensamento”, é a primeira a ser surpreendida, aterrada, por isso que nasce. Mas o terror, a perturbação, a consumação, é comum. Ele é apenas o primeiro leitor, outro leitor. Desconstrução da posse do sentido, o que significa o fim da crença de que o “autor”, à margem do “escrito”, tem uma ideia clara, translúcida, uma presença em si do que em seguida “expressará” (a escritura seria, assim, uma mediação entre a ideia, presente na cabeça do autor, e o leitor: degrada-se até a oclusão o espaço próprio da obra). Segunda retração: impossibilidade de ser “leitor” de Bataille. Obrigação, pelo contrário, de assumir esse sopro agônico, esse texto que pontua um grito, que desarticula um mundo (o nosso) e nos leva sem contemplação até o cadafalso, mais ainda, que ri e nos faz rir olhando o inolhável. Não é apenas a sua gargalhada, mas a nossa também, que explode ao aceitar a imolação, vendonos degolar como porcos e deixando passar, nos espasmos do grande estertor, o para além do riso. Quero dizer que não há possibilidade de separação (como seria a leitura de um objeto) senão precisamente a interiorização de uma experiência que não se desenvolve à margem ou para além do escrito, mas no escrito. O espaço literário não nos remete a outro espaço (ao menos em sua especificidade): é em si mesmo que amarra sua força de perversão6. É nesse espaço – nesse jogo - que recibo se insere. 1 É claro que esta distinção é tosca e inaceitável. Como ele mesmo dizia, o interesse do pensamento de Bataille está justamente em misturar as cartas, borrar as fronteiras. 2 BATAILLE, Georges. “La Part maudite”, précédé de La Notion de dépense, introduction de Jean Piel, Les éditions de Minuit, collection “Critique”, 1967, p. 43. 3 DERRIDA, Jacques. « De l’économie restreinte à l’économie générale – Un hégélianisme sans réserve » In: L’écriture et la différence. Paris, 1967, p.374. 4 EINSTEIN, Carl. “Aphorismes méthodiques” In Documents 1, 1929, p. 34. O crítico de arte e anarquista alemão Carl Einstein foi um dos principais colaboradores da revista Documents. Suas contribuições para esta muitas vezes antecipam ou aprofundam os aperçus de Bataille sobre a arte 5 BATAILLE, Georges. “La religion surréaliste”. O.C. VII, p. 394. Quanto à questão da exigência comunitária em Bataille seria preciso remeter pelo menos a dois textos fundamentais: NANCY, Jean-Luc. La communauté désoeuvrée. Paris, Christian Bourgois, 1990. e BLANCHOT, Maurice. La communauté inavouable. Paris, Minuit, 1983. 6 BARCO, Oscar Del. “El silencio sobre Bataille”, Los Libros, nº9, Julio 1970.


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Título: Dois mares Ação: recolher, caminhar, carimbar, trocar, desenhar. Período: um ano, terças e quintas pela manhã. Premissa 1 : o trabalho informal e o trabalho artístico tem muito em comum. Premissa 2 : mulheres e homens encontram-se presos às mesmas condições de trabalho na atualidade, contudo, salários para mulheres ainda são inferiores; por outro lado, sua entrada no mercado de trabalho parece propor uma reversão. Premissa 3 : artistas geralmente não são remunerados por seu trabalho. Leitura poética: ameaça da subida dos mares, desaparecimento das cidades, lento e gradual, imagem que não aparece definitivamente a não ser nas projeções científicas / primado masculino-feminino em diálogo.


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Tarefa: calcular o pró-labore recebido por conta da participação na exposição “Banda d’Além” e dividir em horas/trabalho com a mesma contagem da hora/trabalho dos trabalhadores informais do centro do Rio de Janeiro, que recebem R$ 2,30 por hora de trabalho. nesta contagem de “horas pagas” caminhar pelo centro da cidade, recolher folhetos promocionais de “dinheiro”, carimbar, promover uma troca e uma devolução desses folhetos para os mesmos trabalhadores, informar de sua condição de trabalho aproximada da minha “condição artística”. Realização: exposição “Banda d’Além”, curadoria de Beatriz Lemos, Sesc Niterói, Niterói, RJ, 2008.

Cristina Ribas


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Daniel Medina valores - medidas variables - monedas y arandelas de metal -2004


José Luis Corazón Ardura

Bataille: la tortura y el gasto Silencio ni un aliento mismo gris alrededor tierra cielo cuerpos ruinas falsa laboriosidad de los ricos”. Podríamos señalar que esa noción Sin, Samuel Beckett de Bataille acerca del desgaste y el gasto no pertenece únicamente a lo económico o a lo erótico. Existe esa pulsión cruel que Bataille De paso no niega, pues sin ella no sería posible el sacrificio ni la tortura. uizás entre la bagatela y la inspiración buscada en el desobraComo señaló Salvador Elizondo, la obra de Bataille constituye una miento de Georges Bataille podamos encontrar algún valor de profundización y actualización del romanticismo atravesado por una cambio. La conocida noción de desgaste, la inoperancia de la razonable geometría cartesiana. Una penetración en el pensamiento comunidad o su espaciamiento neutro es propiamente lo que de lo erótico vinculado a la violencia y a la violación, a la crueldad conduce al deterioro y a la devastación. En ese sentido, conviene repetir y a la profanación, a la presencia del desgaste y al sufrimiento: una que la noción de gasto está inevitablemente ligada a aquello que está de tortura. El suplicio como forma de escritura. sobra. Es el lujo literario, la espera ante la losa o el mismo sacrificio. Es cuestión de lectura y cansancio ya que bajo ese desgaste no habita más que Ideal del gasto un cansancio de profunda querencia antigua. Esa busca del pasado que La muerte de Dios es para Bataille consecuencia de un alejamiento condujo a Bataille a encontrar en lo mágico la correspondencia humana, místico. Precisamente el hecho de acariciar la idea de vigilancia, no conviene demasiado a una antropología adocenada y materialista en el acompañando los vaivenes de una lenta tortura, es una señal ejempeor sentido de la palabra. El desgaste como envejecimiento es prueba de plar de que no hay tanta distancia entre el desgaste físico, el psíquique la presencia de lo cruel es señal de mala conciencia y sucios secretitos. co, el económico y el social. Una sociedad de acéfalos paseantes de Al hablar de desgaste hay que señalar que no se trata de algo cuyo origen sí mismos, aún dependientes de nociones equívocas del vacío actual, fuera una determinada perfección, no es algo que se vaya desplazando cuyo lugar está presente entre las ruinas y las escaramuzas del penhasta desaparecer, como si del gato de Cheshire se tratara. Es más bien samiento. Esa es la división precisa del cuerpo durante la tortura la conciencia de saber que nos constituye un aspecto desastroso. Crecellamada Leng Tch’e (“cien pedazos”) –más que un linchamiento-, mos y disminuimos paulatinamente, sin conocer una esencia invariable. La donde se sometía al reo atado a un poste a una serie de incisiones, operación de desgaste, ligada por Bataille al orgasmo y a la muerte, es desde la parte más grasienta del cuerpo, hasta alcanzar un verdacuestión erótica y alquímica. Es la di-solutio alquímica configurada por dero vaciado de la crueldad. Es el gasto de energía en sus límites dos elementos en destrucción mutua. Ser disoluto para disolverse. Y del con el mal, o el peligro presenciado desde la desnudez, lo que desgaste sólo debe provenir una excelsa basura que dota al hombre su conduce a que Bataille invente su manera cansada, desde el burdel especificidad definitiva. hasta la aurora, sabiendo que la literatura es la ruina de la riqueza. Es la experiencia del desgaste de tanta pasión destinada a satisfaEscritura, soledad cer la muerte del deseo y la existencia de Dios. Un Dios muerto La cuestión del desgaste proviene de las pérdidas. Una devastación cuyo y cancelado sólo presente a través de una neutralidad sólo dable mejor ejemplo corresponde a la práctica de una cierta escritura de distan- como muerte. Como señala en El culpable: “La tumba no es menos cia. Bien con la vida o hacia la muerte, Bataille nos presenta un espacio inevitable que el desnudamiento”. La ausencia de un Dios muerto. humano donde la muerte y el erotismo están entrelazados en la propia escritura. Esa decadencia que corresponde a la evanescencia del decir es La pobreza y la ruina: literatura la trama de sus propios libros. La conciencia de lo imposible desierto. Mas Elizondo describió en Farabeuf esa cercanía del desastre hogaesta vivencia de lo muerto o de lo oscuro es otra alegoría del desgaste. reño, mostrando, en el desgaste del paso del tiempo, un instante Porque dirigir la cuestión de la pérdida hacia la muerte y la escritura es lo de muerte y ruinosa ausencia. Una anatomía del miedo inspirada propio de alguien fascinado por el cansancio de los días. Las noches son directamente en el reconocimiento a Bataille: “Nosotros, inmóviles, patrimonio del dispendio, unidas seguramente a un hedonismo casi siempre suspendidos en la contemplación de esa carroña bellísima, de ese voluntario. En Sobre Nietzsche, Bataille afirma: “En otros términos, rostro maravillado y cruel, paralizados en ese paroxismo intermipuesto que toda puesta en juego, todo ascenso, todo sacrificio es, nable de grito contenido”. A pesar de que ese desgarramiento sea como el exceso sensual, una pérdida de fuerzas, un derroche, debemos para Bataille lo poético, ¿vale la pena atreverse a pensar en una motivar en cada caso nuestros derroches por una promesa de gananestetización del dolor? Realmente, la cercanía de la pobreza y la cia, engañosa o no”. Lo que suele ganarse es la tristeza orgásmica, sin ruina, como efecto del gasto, está relacionado con el desprecio de dejar de conservar un gesto propiamente de muerto. La lectura de losas lo que está de sobra. Una literatura que Bataille compartiría con conduce a que interpretemos el desgaste casi siempre en un sentido ecoSade y Blanchot a través de una escritura de desgaste, como si se nómico o sexual, pero en Bataille puede apreciarse la importancia de una produjeran también excesos en el pensamiento. Esa espacialidad comunicación extraña. Pero, como reconoce al final de Historia del ojo, donde el alejamiento y la distancia quedan vinculados a la con“se basa en la soledad y la ausencia de sentido”. ducta temeraria del sacrificio, es la propia muerte, el peligro de estar en la transgresión. Porque si el desgaste de Dios conduce a El gasto acaba en tortura su muerte, estamos ante un paso cercano a nuestra desaparición. La muerte de la palabra queda como escritura desgastada. Si concebir el Como escribiera Maurice Blanchot en El paso (no) más allá, “a lo gasto como gesto productivo es un aprovechamiento de ciertas artimañas neutro respondería la fragilidad de lo que ya se hace añicos: pasión del capitalismo, el negocio de la cultura conlleva su desgaste temporal. En más pasiva que todo lo que hubiera de pasivo, sí que ha dicho sí La parte maldita, Bataille considera la importancia de convertir la literatu- antes de la afirmación, como si el tránsito de morir hubiera pasado ra en una deslumbrante visión peculiar, propia de lo lujoso y brillante: “El ya siempre por ahí, precediendo al consentimiento”. El asentimiento auténtico lujo exige el desprecio completo de la riqueza, la sombría indife- de saberse inagotable y cansado de tanto sacrificio mágico, llevó a rencia de quien rechaza el trabajo y convierte su vida por un lado en un Bataille a trazar, en el peligro de la transgresión, la realidad de una esplendor infinitamente arruinado, y por otro en un insulto silencioso de la visión oscura. La literatura como ruina del pensamiento.

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Art Discovery Ltd ‘Paris - Concorder’ 4, rue Saint Florentin 75001 Paris France Caro Dr. Cameron, Escrevemos-lhe a respeito do projeto Headless* dos artistas goldin+senneby. Estamos cientes de que você contribuiu de diversas formas para o trabalho de goldin+senneby e de que você já se agendou para fazer outra palestra sobre eles, em breve, no zoológico de Londres, um típico floreio teatral dos senhores Senneby e Goldin. O que você talvez não saiba é que o escritor John Barlow recentemente declinou o projeto deles, deixando um romance inacabado sobre companhias offshore, soberania e surrealismo francês. Os próprios artistas não estão em posse dos fundos necessários para completar o trabalho. Nossa organização tem um profundo e irresistível interesse em Headless, e à luz disso decidimos integrar e incorporar o projeto em nossas próprias atividades. Gostaríamos de convidá-lo a assumir a tarefa de trabalhar conosco para terminar Headless de maneira aceitável para nós, seus novos proprietários. Fundos consideráveis lhe serão disponibilizados para este propósito. Estou ansioso para discutir seu envolvimento conosco o mais cedo possível e para explicar nossas necessidades em relação a esse projeto. Talvez sua palestra no zoológico de Londres seja um bom momento para nos encontrarmos? Estarei, de qualquer jeito, assistindo à palestra e espero encontrá-lo lá. Segue anexo um rascunho do romance em seu estado atual. Por favor, não hesite em escrever-me com qualquer questão que lhe ocorra. Com meus melhores votos, Vincent Worms Art Discovery Limited ___________________________________

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ngus Cameron assiste à verdejante colagem da Inglaterra oriental passar por ele e pensa em macacos. A janela de seu vagão de primeira classe deve estar tingida pois os campos parecem quase desnaturadamente verdes. Colocando açúcar em seu chá de hortelã, volta sua atenção para o pequeno e fino notebook Macintosh a sua frente. Está bastante satisfeito com o texto na tela, embora o trem já tenha saído há quase 45 minutos de Leicester e não tenha conseguido passar da primeira página, fazendo correções em cada linha. Escrever ficção, descobriu-o rapidamente, jamais realmente acaba; o ponto final do autor significa simplesmente tédio, desespero, ou um prazo final eminente. Duas semanas se passaram desde a oferta inicial da Art Discovery Ltd. Não esperou encontrar Mr. Worms e receber suas instruções oficiais. Ao saber dos fundos que estariam disponíveis para ele, imediatamente solicitou uma licença de um ano do trabalho; seu Departamento recebeu a promessa de um belo pacote de compensação pela perda dos serviços do Dr. Cameron, e sua licença sabática foi rapidamente aprovada. A sua frente agora se estende um ano livre de encontros universitários, da luta diária por uma vaga no estacionamento, de estudantes entediados e colegas irritantes. Sua única tarefa será levar as orquestradas divagações narrativas e os investigativos tiros no escuro de Headless a um fim satisfatório. Lançou-se ao trabalho com seu costumeiro entusiasmo e energia, percorrendo os capítulos existentes à cata de possíveis maneiras de proceder. Os caracteres da vida real do docu-romance, entretanto, mostraram-se estranhamente indispostos a oferecer sua ajuda. O * Sem cabeça, acéfalo. Como o próprio texto deixará claro, referência explícita à comunidade secreta Acéphale, encabeçada por Georges Bataille pouco antes da irrupção da Segunda Guerra mundial.

agente teatral Jorge Mendes, em resposta a uma polida questão sobre o paradeiro de seu cliente, enviou um email dizendo: ela não está em boa saúde, mas falará se intimada pela justiça brasileira. Outros membros do elenco se mostraram ainda menos receptivos. As pessoas ou não retornam as chamadas, ou deixam a cargo de secretárias fazerem vagas promessas de falar numa data posterior. Da mesma forma, entre os vários especialistas com quem Cameron se encontrou na reunião na Torre 42, sequer um respondeu às suas polidas abordagens. Sempre havia os macacos, é claro, tanto aqueles no zôo de Londres, esta manhã, quanto aqueles de Gibraltar. Os macacos não dirão não. Ele toma um gole de chá de hortelã e olha para a tela. Um momento depois deleta um ponto-e-vírgula, e então, com um suspiro de exasperação, o reinsere. Serão os romances escritos assim? Ele considera o quão pouco escreveu até ali e pensa nos grandes calhamaços de ficção que gosta de devorar em vôos de longa duração. Romances inteiros são escritos desse jeito? Sua licença sabática é de apenas um ano... Enquanto isso, seu trem é levado à capital como um provincial ioiô, para ser solto novamente em direção ao norte, todo o caminho para Leicester, apenas para retornar mais tarde, para trás e para frente, para cima e para baixo do país, o dia todo. Enquanto a hiper-verde Inglaterra passa por ele, Dr. Angus Cameron fecha seu fino e novo notebook, desliza-o para dentro de uma volumosa e velha pasta de couro e tira uma pilha de papéis, as anotações para sua palestra esta manhã. É a quarta ou quinta destas performances que ele fez para goldin+senneby, e deve ser encenada diante de um cercado de macacos no zôo de Londres. ‘Cada coisa vista é a paródia de outra, ou a mesma coisa de forma falaz’: sobre macacos, tocadores de realejo e soberania. O título fora sugerido pelos suecos, que não insistiram nisso, mas incitaram, cutucaram-no até que tivesse simplesmente aceito. É a última coisa que fará para eles antes de oficialmente tomar-lhes a pesquisa para Headless, e o pensamento nesta virada de autoridade torna-lhe mais fácil aceitar uma comissão final. Sente-se como um dos servos de confiança de Luis XVI bem no finalzinho, na prisão, aceitando ordens do rei condenado, a fachada da monarquia reduzida a alguns poucos trapos rotos de poder, não obstante ainda mantida. Art Discovery Limited, Google o informou, praticamente não existe. Uma organização de fachada, sem dúvida, mas com fundos impressionantes. Goldin+Senneby, de sua parte, não a mencionaram, e os preparativos para a palestra continuaram normalmente, como se eles não soubessem que um novo autor tinha sido contratado. Após ler sobre sua relação de trabalho com John Barlow, isso pouco surpreendeu Cameron, e ele postulou como uma questão de honra não mencionar sua licença sabática a eles; descobrirão no devido momento. Tampouco mencionará a viagem de primeira classe que está desfrutando neste momento. A oferta da ADL inclui “despesas incidentais”, a liberdade de gastar o que quiser em grandes ou pequenas extravagâncias, pelas quais será reembolsado mensalmente, sem precisar responder a questão alguma. Estas incluíram até então o novo notebook Macintosh, que jaz dentro de seu estojo. O Mac contém todo seu trabalho sobre Headless, ali secretado, longe de seu velho laptop e de seu PC no trabalho, sem nenhuma cópia em qualquer outro lugar. É como se apenas no novo e imaculado Mac o projeto pudesse estar a salvo, isolado e imunizado num único hardware, o próprio notebook, apesar de seu nome, nunca tendo sido plugado à internet nem ligado a outra máquina. Cameron leu o rascunho atual do Headless cuidadosamente, e suas próprias medidas de segurança são simples mas absolutas: ninguém vai pôr as mãos em seus dados, ponto final. Do bolso de sua jaqueta ouve o bip familiar de uma mensagem no celular. Saca-o. Alguma coisa do Departamento: Sabático! Eles podem esperar. Fecha o telefone. Então, num capricho, abre-o de novo e compõe uma mensagem: Oi Pia, Você gosta de zôos...? Com o convite a Pia Sarma enviado, volta para as notas na sua frente. Informação demais sobre Gibraltar, Tratado de Utrecht, e o pa-


K.D

ATO TRÊS Capítulo Doze - Autoridade pel dos macacos macaca em manter a Rocha britânica. Examina a página a sua frente. Mito: a Rocha de Gibraltar será revertida à soberania espanhola se a pequena colônia de macacos e macacas que vivem lá desaparecer. Quantos existem, pergunta-se, curioso quanto à que tipo de doença infecciosa um pequeno grupo confinado de macacas deve ser suscetível. Um país moderno como a Espanha se curvaria a tão infundada superstição? Quem sabe. Em 1940, Winston Churchill ficou tão alarmado com a diminuição do número de macacos em Gibraltar, que ordenou que um novo clã fosse trazido para a Rocha da África e instalado lá. Não haveria tempo para discutir tudo isso hoje. Seria necessário simplificar, dar uma editada. Mas em algum momento voltaria ao assunto de Gibraltar. Kate estava lá. O Soberano estava lá. O Headless também, na Rocha. Seu telefone toca. “Angus”, escuta, uma voz de mulher, séria, inamistosa, “É Pia. Onde você está?” “Oh, oi, Pia, não reconheci sua...” “Onde você está?” “No trem das 09.55 para Londres. Você está...” Ela desligou. Vinte e cinco minutos depois, Dr. Angus Cameron caminha na Plataforma de St Pancras, ainda confuso com o telefonema de Pia, ainda tentando focar na fala de hoje. Ele retornou sua chamada repetidas vezes, mas ela não atendeu. Pára, procurando uma sinalização para o metrô em meio à vidraçaria deslumbrantemente moderna da estação. Bem na frente dele está Pia Sarma. “Angus,” ela diz, não zangada demais, mas quase. Seu terninho cinza é brando mas esperto. Parece cumprimentar a quasecarranca. Nada há de amistoso nela, e não parece prestes a visitar um zoológico. “Oi, Pia. O que está fazendo aqui?” “Vem,” diz ela, “leve-me ao ponto de táxi.” Caminham. “Você falou com mais alguém da reunião na Torre 42 recentemente?” ela pergunta. “Não, nenhum de vocês responde aos meus emails, nenhunzinho.” “Duas semanas atrás minha empresa recebeu uma mensagem exigindo que não tenhamos mais nenhum contato com qualquer pessoa envolvida no projeto Headless. Soa familiar?” Ele para abruptamente, confuso. “Não, não... Digo, isso não, não. O que...?” “Assinado ADL. Já ouviu falar?” ela pergunta, sem parar. “Verdade? Bom, sim, de fato ouvi. Art Discovery Limited.” “Bem, há uma surpresa. O e-mail, não assinado, era endereçado aos sócios da empresa. Uma secretária o abriu. Havia um hyperlink. Ela clicou nele. Levamos dez dias para fazer nosso sistema funcionar novamente.” “O que? Um vírus?” Ela pára de caminhar. “Um worm* .” Não é brincadeira. “Um worm especialmente elaborado, * Nota do revisor: “worm” em português é verme.

eles pensam. Que come os arquivos e os estraga. Todos os arquivos da empresa.” “Jesus.” “Temos sistemas de back-up. Mas causou um monte de atrasos e de despesas. E foi minha culpa. Eu era a conexão, a razão para o ataque.” “Tem certeza de que foi da ADL?” ele diz, tentando ignorar a crescente raiva na voz dela. “Era o que dizia o email.” Ela começa a andar novamente. “E isso não é tudo.” Isso não pode ser coisa de G+S, ele está dizendo para si mesmo, eles não fariam isso... Emergem na brilhante luz do sol de uma manhã quente de setembro. “Gavin MacFadyen, você conhece, o jornalista?” “Merda. Sim.” “Ele recebeu isso. De fato muitos dos que estavam na reunião da Torre 42 parecem ter sido alvejados. O mesmo email, o mesmo worm. Você sabe, pessoas ocupadas, fazendo três coisas ao mesmo tempo, abrindo emails, é muito fácil clicar sem pensar...” Chegam ao ponto de táxi. “E,” ele diz, “o email pedia para vocês não terem...” “Foda-se o que a mensagem dizia. Isso é sério. Não entre em contato comigo ou com minha empresa novamente. Tenha seus jogos intelectuais com outra pessoa. Sinto muito, de verdade, Angus. Mas é isso.” A porta do táxi preto fecha com um baque. Isso não pode ser coisa de G+S. * Ou isso não pode ser coisa de Vincent Worms. Cameron está zanzando na frente de um grande cercado piramidiforme de macacos macaca de crista de Sulauesi, o ponto de encontro da palestra ao ar livre de hoje. Ele decidiu levar a palestra adiante e depois inquirir Worms sobre os worms. Que tipo de nome é esse? Ele não se identificou como o palestrante, mas aqueles que estão ali à volta olham para ele e ocasionalmente sorriem. Enquanto isso, uma dos macacas mais elegantes caminhou até a tela de arame na parte da frente do cercado e parece estar observando-o, ocasionalmente mostrando seus dentes, enquanto Cameron tenta sem muito sucesso percorrer as seções de abertura de sua fala. Consulta seu relógio. A palestra já deveria ter começado. Vinte pessoas estão ali, jovens na sua maioria. Mas não são estudantes. Parecem menos hesitantes e parecem também ter a capacidade de antecipação silenciosa. Muitos voltaram sua atenção para o chamativo macaco a sua frente. Parece um solitário, é lustroso e sutilmente musculoso, com uma pose particularmente elegante. Há vários outros macacos na parte de trás do cercado, mas apenas este se aventurou em ir até a frente, balançando a cabeça de vez em quando, ou examinando um dedo, esperando o show começar. Parece não haver ninguém ali para apresentar Cameron. Ele decide começar antes de perder sua audiência para um macaco tão bonito. Após um exame final de suas notas, enfia-as na pasta no chão a seu lado. Enquanto fazia isso, nota dois macacos sentados lá em cima no topo do cercado numa caótica armação de velhos galhos. Estão na sombra formada por árvores pendentes e permanecem a maior parte do tempo imóveis, olhando para o ajuntamento lá embaixo. Vamos chamar


vocês dois Goldin and Senneby, resmunga consigo mesmo, então limpa a garganta e, com a bazófia autoritária de um experiente performer acadêmico, espera a atenção de todos. Acho melhor começarmos. Meu nome é Angus Cameron e estamos aqui no cenário ligeiramente incongruente do zoológico de Londres para uma conversa sobre ficção e soberania. Digo incongruente, mas de fato veremos que há boas razões para estarmos aqui em vez de, digamos, num abafado auditório. O título de minha palestra hoje vem da primeira linha de O ânus solar, do sociólogo e escritor francês Georges Bataille. Foram de fato os artistas goldin+senneby que generosamente me forneceram a primeira parte do título. Eles gostam de me chamar de seu porta-voz, mas prefiro pensar em mim como um emissário: falo em meu próprio nome, no lugar de goldin+senneby. No entanto, desta vez, estou feliz em usar este título. A versão algo obscura de Bataille da soberania pessoal é de central importância para o projeto Headless, como acredito que qualquer um que venha seguindo o trabalho de goldin+senneby saberá. Acontece também que foi justamente aqui no zoológico de Londres, observando os macacos, que Bataille desenvolveu estas ideias. Eu mesmo venho colaborando com goldin+senneby há alguns anos. Sei que alguns de vocês devem ter lido o romance em seu estado atual, mas para aqueles que não o fizeram, eu “entrei” na narrativa no capítulo três, um relato ficcionalizado de um colóquio de especialistas que teve lugar na Torre 42, bem no coração da cidade de Londres, bem ali. Ele gesticula em direção a algum lugar vagamente sobre seu ombro. Havia uma descrição fictícia de eu me interessando particularmente por uma jovem advogada, depois um bocado de material real da discussão que tivemos naquela tarde. Um worm que come seus arquivos e os estraga. E o que me chamou atenção, quando li o capítulo depois, foi a ideia de que ser um autor de um multitexto no qual é-se também um personagem, seria uma posição intrigante. Worms? Três outros macacas se aventuraram agora até a frente, atraídos pelo ajuntamento que está no outro lado da jaula. São menos elegantes do que o primeiro, mais turbulentos em seus movimentos, sua pele despenteada e trazendo manchas de sujeira. O ajuntamento, ao que parece, não está interessado em macacos, mas num homem que está de pé, virado de costas para o cercado, falando; e isso começou a confundir alguns dos macacos macaca de crista Sulauesi do zoológico de Londres, acostumados a um pouco mais de atenção... A razão pela qual estou aqui hoje, falando de macacos, tocadores de realejo e soberania, é um pouco mais complexa. Bataille notou, vendo macacos nesse mesmo zoológico há mais de oitenta anos atrás, que cada coisa vista é a paródia de outra, ou a mesma coisa em forma falaz. Paródia, e em particular, a paródia da soberania, que é o que eu gostaria de discutir hoje. Diferentemente de um mapa, de uma planta, ou de um blue-print, uma paródia é uma imitação, ou reflexão, ou a descrição de alguma coisa, que cai (normalmente com humor) bem longe da coisa real. O problema que temos ao pensar sobre paródias de soberania é que a ‘coisa real’ não existe. Indiscutivelmente, nunca existiu. Os tipos de paródias de soberania a que somos confrontados cotidianamente – uma mistura confusa de soberanias estatais, supra-estatais, multi-estatais, corporativas e pessoais – todas se relacionam, em última análise, entre si, como pálidas imitações de um poder soberano ideal-típico que não existe em lugar nenhum. A paródia de um nome? Worms? A soberania nacional, em particular, continua sendo formulada em termos tradicionais absolutistas, uma nação sob Deus, um nacional indivisível, meu país certo ou errado, e assim por diante. Mesmo se rejeitássemos as implicações nacionalistas e racistas mais sórdidas desta retórica, a necessidade prática de acreditar em algum tipo de soberania é muito importante para nós. Gostamos de acreditar, por exemplo, que o governo tem algum tipo de controle soberano sobre a economia ‘nacional’; se não o fizéssemos, provavelmente não nos daríamos ao

trabalho de votar. A revelação de que a soberania é uma paródia vaga e sem raiz não faz com que desapareça o problema. Antes, faz o problema ainda mais urgente. Deixem-nos voltarmo-nos por um momento para a soberania no contexto do Headless, que é um texto sem uma cabeça, com seu estranho e complicado tipo de soberania. Headless é um romance, uma ficção. E qualquer ficção é sobre como as disparatadas partes de uma estória são conduzidas a uma narrativa legível; o escritor faz malabarismos com tantos filamentos de estória e a intriga até que a coisa toda seja contada. A arte ficcional, então, tem haver com manipulação. O escritor controla a informação, ocultando ou revelando conforme necessário, tomando todas as decisões. Dentro de sua narrativa ele detém o poder absoluto; de fato, ele é o poder soberano de seu próprio reino ficcional. Headless inverte esta noção de controle autoral. Seus autores, pelo menos até agora, não estiveram no controle. Pessoas como eu, por exemplo, aqueles dentre nós que em outros projetos podem oferecer uma opinião especializada na obscuridade, são escritos no Headless, temos que ficar aqui e falar, e fazendo isso tornamo-nos uma parte integral da performance, ‘autores’ do texto que emerge. Assim, a questão de controle autoral, de soberania narrativa, foi sempre nebulosa. Esta mesma fala, significativamente, não está exatamente sob meu controle. Apesar de ser o autor das palavras que vocês estão ouvindo agora, eu não estava realmente no controle de como elas sobrevieram. goldin+senneby escolheram o tópico e o título. Então, quem está no comando aqui? Quem é a autoridade soberana? Bem, até onde esta fala é concernida, provavelmente são goldin+senneby. Ele faz uma pausa, resistindo à tentação de acrescentar, mas não por muito tempo. Headless é uma obra de ficção sobre offshore. A paródia da soberania é um tema central nela, e até onde goldin+senneby estão concernidos, isso inclui a mimetização da estratégia de ocultamento de offshore, utilizando agentes (como eu, e possivelmente vocês) para agir em nome dos artistas. Eles descrevem isso diversas vezes como um ato de retirada, uma presença ausente. Lá em cima, os dois macacos que Cameron nomeou Goldin e Senneby continuam pacientemente sentados em seus galhos, olhando com benigno interesse e ocasionalmente catando piolhos de seus pêlos. Offshore precisa de soberania para ser paródia e ‘realidade’ ao mesmo tempo – só funciona por causa da institucionalização desta profunda ambigüidade. Geralmente gostamos que nossos conceitos sociopolíticos e econômicos fundamentais sejam simples, e a soberania está longe de ser simples quando começamos a descosturá-la. A maneira como quero abordar esse processo de descostura é explorando uma das partes componentes de offshore. Vira-se e encontra um dos mais sujos e despenteados macacos olhando para ele. Este passou bem perto da tela de arame do cercado. Resistindo à vontade de saltar para trás, Cameron se move apenas um pouquinho mais para longe da tela, que é tudo o que o separa do animal. Eu não tinha realmente me dado conta de que eles estavam tão perto! O que eu ia dizer é que estes macacos também têm estórias. E neste exato momento suas estórias estão interferindo na minha... Ele se abaixa e tira de sua pasta a brilhante impressão de uma imagem: Esta é uma imagem de Sir John Mandeville. Em 1367, surgiu um livro chamado As Viagens de Sir John Mandeville, escrito em francês, sobre um cavaleiro inglês de St


Albans. É um livro de viagem. Mandeville viaja a Jerusalém, que naquela época era o centro do mundo conhecido, antes de se aventurar mais longe, geográfica e conceitualmente. As terras que ele descreve tornam-se mais fantásticas à medida em que ele se distancia. Viaja, por exemplo, para a terra do Preste João, um mítico rei-sacerdote cristão que teria vivido em algum lugar no oriente, embora ninguém saiba muito bem onde. Mandeville, na verdade, fica preso na terra do Preste João em seu caminho para o Paraíso. Vincent = arte? Vincent Worms, o hacker? Merda, merda... A importância disso para nós é que as viagens de Mandeville eram ficcionais. Estes lugares não existiam. O próprio Mandeville não

r 38 planeta são as cidades de Londres, Hong Kong, Nova Iorque e assim por diante. A maioria dos centros offshore do mundo não estão fisicamente fora de nossas costas (off our shores). Toda a topologia offshore é um mito, uma ficção. Mas o que de fato é offshore? Bem, trata-se de ocultar riqueza, identidade e propriedade. Há toda uma multiplicidade de tipos de companhias offshore, mas o que elas têm em comum é esta noção de ocultamento, esta função de agenciamento a distância. E isso implica também que elas desenvolvam uma espacialidade ficcional. Offshore, então, é uma ficção. Uma ficção real, legal, se você quiser colocar sua cabeça em torno disso. A reunião na Torre 42, Por quê? A questão quanto ao projeto Headless, então, não é tanto sobre se uma companhia chamada Headless existe, mas a de como você pode olhar para ela. A estória, neste sentido, é explorar as possibilidades deste estranho lugar, este reino fictício, onde as coisas existem mas também não existem...

existiu, até onde sabemos. O livro foi compilado de pelo menos vinte sete fontes diferentes. Mesmo assim, em 1450 havia traduções em oito línguas, tendo se tornado um relato incrivelmente importante do mundo, e assim permaneceu por várias centenas de anos. O cartógrafo holandês Ortelius produziu um mapa da terra do Preste João cerca de 250 anos após a publicação do texto de Mandeville. Ele solta a imagem de Mandeville, encostando-a contra a tela de arame da jaula, pegando então uma segunda imagem de sua pasta, e a segura. A importância deste mapa para mim é que se trata de um mapa topográfico bastante acurado da África do Norte, sobre o qual foi imposto um domínio completamente mítico. O Preste João nunca existiu, mas a terra do Preste João foi um fato geográfico muito importante. Ele olha nervosamente por sobre os ombros. O macaco ainda está ali, observador, paciente e aparentemente interessado em Sir John Mandeville. Mais adiante, estão vários outros, inclusive o bonitinho, que parece estar acenando com a cabeça em sinal de apreciação, com os braços cruzados. Isso tem alguns paralelos interessantes com offshore, um espaço similarmente mítico que esteve com a gente desde os anos 1950 e em que acreditamos tacitamente. E isso, em parte, é porque somos muito crédulos quando ele vem à espacialidade; acreditamos que Mandeville era real por centenas de anos, assim como hoje acreditamos em offshore como um lugar. Assim, offshore se mascara como um lugar real, geograficamente situado da mesma forma que o mapa de Ortelius, da terra do Preste João. Offshore é, também, freqüentemente tratado como um lugar distinto, um espaço inteiramente legível, especialmente por aqueles que gozam de seus frutos. Na verdade não é. Ele é muito ilegível, ou antes, só é legível de maneiras particulares. Estamos familiarizados com a concepção popular de paraísos fiscais: ilhas Cayman, Bahamas, offshore. Mas, na verdade, os maiores centros offshore do

Ele sente que perdeu sua audiência. Percebe que estão olhando através dele. O macaco que está perto, no outro lado, colocou seus dedos através da tela e está tentando puxar a imagem de Sir John Mandeville para a jaula. Seus dedos são surpreendentemente parecidos com dedos humanos, escuros e ágeis, mas incapazes de pegar a impressão. Cameron sabe que deveria recuperar a imagem, mas não consegue encarar o risco de ser arranhado por aquelas garras. O animal agora usa sua outra mão para segurar a borda inferior da imagem, que logo rasga, e um pedaço do papel é puxado através do arame. Com ambos os conjuntos de dedos o macaco dá um jeito de fazer mais tiras, a cada vez depositando o novo fragmento da pintura a seus pés, dentro da jaula. Logo, apenas um pedaço do tamanho de um cartão postal é deixado, o qual, amassado, ele facilmente puxa. Vamos fazer uma pausa rápida. O grupo adeja por alguns segundos, então se espalha, enquanto as pessoas se viram para conversar, ou para tirar telefones e amoras de seus bolsos. Cameron examina suas faces, a parte de trás de suas cabeças, perguntando-se se Mr. Worms está entre eles. “Hello,” um jovem diz, estendendo uma mão. “Vincent?” Cameron diz. O jovem é franzino e talvez de estatura mediana. De compleição pálida, está sorrindo. Seu paletó pende de seus ombros. “Não. Sou um emissário! Ele manda suas desculpas. Trabalho para ele.” “Ah,” é tudo que Cameron consegue pensar ou dizer, decepcionado mas aliviado. Não está com pique para confrontação. “Mr. Worms entrará em contato com você mais tarde hoje. Aconteceu um imprevisto no último minuto. Mas”, ele vira-se para olhar dentro do cercado dos macacos, “Estou realmente gostando do papo. Muito interessante mesmo. E olhe esses caras!” Ele se agacha e perscruta pela tela de arame. Cinco macacas de crista estão agora sentadas educadamente no chão perto deles, como na hora da estória no jardim de infância. O lustroso e elegante está atrás deles, olhando por sobre suas cabeças. Enquanto isso, o porcalhão recuou com seus fragmentos da imagem de John Mandeville e está sentado embaixo da árvore sobre a qual Goldin e Senneby estão empoleirados. Guarda seu espólio com um braço, enquanto tenta remontar a impressão. Os fragmentos jazem no chão poeirento e fazem pouco sentido. Por um momento, Cameron observa. Pode estar errado, mas o macaco esguio e elegante parece estar controlando tudo isto, os animais sentados em círculo e aquele sob a árvore tentando em vão arranjar os pedaços de papel. É uma cena de contentamento, calma, curiosidade inocente. Ainda assim, não parece natural... O jovem permanece ali, ajeitando os vincos de suas calças. “De qualquer forma, prazer em conhecê-lo. Acho que vou nessa.” Os dois apertam as mãos novamente e Cameron se volta para sua audiência (humana) que está agora se reagrupando, juntamente com um bando de turistas japoneses que também pararam para olhar e não fazem a mínima ideia do que está se passando. A sociedade secreta de Bataille, Acéphale, que pode ou não ter


r 37 relação com Headless Ltd., pretendia, entre outras coisas, demonstrar e praticar seu particular entendimento da soberania. A soberania de Bataille não tinha nada a ver com o poder político ou corporativo, mas concerne na capacidade das pessoas de agirem além da utilidade. A extensão em que um indivíduo consegue articular sua ‘soberania’ deriva, de acordo com Bataille, de sua capacidade de consumir aquilo que é ‘miraculoso’. O indivíduo soberano vive inteiramente no presente, abstendo-se da consciência de sua inevitável morte e vivendo em excesso o tempo todo. O homem soberano em certo sentido escapa à morte na medida em que vive no momento. Vive e morre como um animal. Mas é um homem, apesar disso. O que Bataille tenta articular é sua inveja pela capacidade dos animais - especificamente os macacos do zoológico de Londres que inspiraram este insight – de viver sem o incapacitante medo da morte. Para Bataille, viver e morrer como um animal não era uma questão de ser bestial, mas de libertar-se da restrição à autonomia pessoal produzida pelo constante medo da morte, da decadência, do excremento e do corpo. O título desta palestra vem da primeira linha de O Ânus Solar, em que ele esboça uma cosmologia do excesso, com o sexo, a morte, a decomposição e a interpenetração aparecendo gloriosamente e inevitavelmente em toda a escala da vida, da planetária e geológica à pessoal, acidental e efêmera. Inspirada por macacos, como os que aqui estão hoje, a mensagem de Bataille é viver livre das restrições produzidas por um medo socializado e institucionalizado de tais aspectos do mundo. Se isso parece de mau gosto ou exagerado, consideremos o grau em que o Estado soberano contemporâneo busca instilar em nós o medo da morte e da doença a fim de refrear nossos prazeres insalubres. Não é apenas por nós mesmos que devemos parar de fumar, beber, comer demais ou negligenciar nosso exercício diário, se fazemos essas coisas tornamo-nos um fardo para o Estado. Nos termos de Bataille, somos forçados a subordinar as liberdades de nossos eus soberanos em nome do todo soberano. A soberania de Bataille teve, e ainda tem, seus adeptos. Penso nos diversos movimentos de resistência às normas culturais do Estado e da sociedade nos anos 1960, 1970 e além. Bataille foi, neste sentido, pai dos hippies, dos marginais, dos anarquistas e, possivelmente, mesmo das feministas e ecologistas radicais. Entretanto, tampouco há como escapar do reverso da superação do medo da morte e da destruição – algo que o próprio Estado soberano se provou demasiado capaz de orquestrar quando precisou reduzir a vida de outros ao status do animal. Mas o que isso tem a ver com o outro tema maior que atravessa o Headless, aquele das finanças offshore? Num certo nível, uma questão central colocada por Headless é se, além de qualquer herança organizacional entre Acéphale e Headless Ltd., há também uma filosófica – se bem que uma que expressa o princípio marxista: ‘primeiro como tragédia, então como farsa’. Será Headless Ltd., como empresa representativa do peculiar domínio do offshore, o herdeiro farsesco da noção de Bataille sobre soberania? Em certo nível, claramente não. Organizações offshore gostam de se pensar como profissionais, limpas, secas, eficientes e dificilmente se reconheceriam na filosofia um tanto quanto repulsiva de Bataille. Além do mais, elas tendem a ser representar como o exato oposto de suas fantasias negras. Companhias offshore tendem a usar imagens de corpos saudáveis, jovens e bem torneados, cabriolando em praias beijadas pelo sol. Claro, ao fazê-lo, invocam também um erotismo e um excesso amoral que Bataille talvez reconhecesse como uma paródia de aspectos de sua própria versão da soberania. Offshore não rejeita diretamente o medo pessoal da morte, mas indubitavelmente utiliza, ironicamente, os princípios da soberania estatal para superar qualquer restrição aos excessos de riqueza. Colocando o dinheiro além do espaço soberano, criando um espaço soberano planejado exclusivamente para o consumo excessivo de dinheiro e de todas as coisas milagrosas que ele pode comprar, offshore criou uma paródia da liberdade pessoal soberana universal de Bataille. A natureza desta paródia é especialmente extraordinária, uma vez que offshore está

disponível apenas para poucos eleitos. No romance in-progress Headless, vimos também algumas representações de luxúria e riqueza, especificamente nas Bahamas, e calculo que teremos ainda muito mais excessos conspícuos e pores do sol tropicais antes de chegarmos ao fim! Outro centro de interesse offshore na busca por Headless é Gibraltar. Como vocês provavelmente sabem, Gibraltar é um território soberano britânico, mas também reivindicado pela Espanha. Diversos temas se entretecem para nós aqui. A companhia Headless foi de fato registrada nas Bahamas, via Gibraltar, através de uma companhia bastante adequadamente chamada Sovereign. Diz-se que a soberania britânica em Gibraltar depende da sobrevivência de dois clãs de macacos macaca que vivem na rocha. São na verdade macacos da Barbária, menores do que estes macacos de crista aqui. Ele vira sua cabeça e percebe que o grupo cresceu. Nove ou dez macacos se juntaram agora, alguns deitados no chão com os membros soltos e ociosos; outros engajam-se em lentos e lúdicos ataques de puxar e abraçar, envoltos uns nos outros como grandes lenços peludos. Mas tudo isso se passa muito calmamente e com a implícita aprovação de seu líder bem arrumado, que permanece atrás deles fixando Cameron e, ocasionalmente, olhando para o macaco maltrapilho sob a árvore que não fez progresso algum com os fragmentos da imagem, embora mantenha uma determinação lenta e dócil. É por isso que estamos aqui, diz Cameron. Pelo menos eu acho que é. Tentando retomar o fio de sua fala, ele encara sua audiência humana uma vez mais, apenas para se dar conta de que ela também esteve crescendo. Há talvez quarenta pessoas agora olhando-o, ou olhando os macacos o olhando, ou não sabendo muito bem o que estão olhando, apenas que se trata de algo que não se vê todos os dias num zoológico. Uma vez mais, ele olha por sobre seus ombros. Goldin e Senneby ainda estão lá no alto da árvore, dois Budas simiescos olhando adiante pacificamente. Uma gritaria irrompe de repente lá embaixo. Diversos animais atacaram aquele que estava embaixo da árvore. Rolam na poeira, um amontoado de braços batendo e mãos arranhando, seus gritos viscerais e enervantes, enquanto em desespero ele tenta proteger seus fragmentos de papel. Ali perto, permanece o lustroso e elegante. Ele não participa, mas observa com algo que só pode ser descrito como satisfação. A luta pára abruptamente, os atacantes retornam a seu lugar perto da cerca, e voltam a se sentar. Enquanto esperam, Cameron começar a falar de novo, mastigam, suas bocas movendo-se lenta e deliberadamente. De quando em quando põem o dedo nos dentes. Estão comendo a imagem de John Mandeville. Atrás deles, um macaco permanece solitário, lustroso, bonito, seus dentes semi desnudados num sorriso. Há agora pessoas bem na frente dele. A multidão continua a crescer. Os membros iniciais da audiência amplamente superados pelos espectadores casuais que parecem estar esperando pacientemente o recomeço de sua fala e levando também muito a sério a performance dos macacos. Ele se prepara para continuar falando, mas com certo pavor, pois muitos destes espectadores sem dúvida pensam que a fala deve ser de natureza zoológica, algum tipo de palestra programada pelo zôo. Haverá alguns turistas muito confusos nos hotéis de Londres esta noite... Quero agora considerar a longa relação histórica e metafórica entre o poder soberano e o macaco. O macaco ou o gorila não é nem a única, nem necessariamente a melhor metáfora para soberania, reinado ou monarquia. Soberanos são mais normalmente metaforizados como leões, tigres, águias, criaturas de poder e maestria absoluta, senhores de seus domínios naturais. O macaco é uma criatura muito mais ambivalente, o que não quer dizer que não possa e não seja usada a respeito da soberania, mas que tende a ser usada para comunicar aspectos diferentes do poder soberano. Dito isso, os macacos desempenham um papel vital em muitas cosmologias de poder soberano, do macaco general Hanuman no Ramayana e do Macaco Rei chinês Sun Wukong, ao King Kong escalando o Empire State Building, aquele ponto focal icônico do poder comercial moderno do ocidente. À menção de King Kong há murmúrios de reconhecimento na multidão, como se só agora o verdadeiro tema da fala tivesse sido tocado. Cameron suspira para si mesmo e olha para sua audiência que está desconfortavelmente próxima; ele está quase prensado contra o arame


do cercado, pessoas de ambos os lados, com outras empurrando-se atrás delas, esforçando-se para ouvir. Uma palestra na Universidade de Leicester similarmente lotada de estudantes ávidos para ouvir suas teorias sobre geo-economia seria, ele reflete, bastante estimulante. E também pura fantasia. Continua. Talvez a característica mais notável do macaco, como uma metáfora, seja sua posição de criatura no limiar. O macaco é o trickster, um marco de fronteira e transgressor com um pé preênsil no domínio do humano e outro no do animal. Reconhecemo-nos no macaco, particularmente nos gorilas “mais altos”, parcialmente pelo que são (subdesenvolvidas, primitivas, pré-humanas versões de nós mesmos) e pelo que não são (comunicam-se, mas são não- ou pré- lingüísticos, são altamente inteligentes, mas pré-instrumentais, têm estruturas societais mais simples do que complexas). Apresentar a monarquia em termos do macaco é, portanto, um negócio de alto risco, mesmo que apenas para a pessoa que oferece a metáfora. No que a figura do macaco difere de outras metáforas animais do poder absoluto é que ela é raramente aplicada a um monarca vivo. Antes, o macaco metafórico funciona como uma soberania metafórica, uma reflexão sobre os limites do homem como monarca, a incapacidade do homem de transcender cabalmente sua encarnação física mesmo (ou possivelmente exceto) na forma do monarca divino. Assim, o papel do macaco nos panteões orientais é o de deus da desordem, do caos, do movimento, da transgressão, mas é também sagrado. Esta sacralidade não é ‘santidade’ no sisudo sentido ocidental, mas mais afim com a figura do “homo sacer” no direito romano, a pessoa (ou quase-pessoa, neste caso) sagrada em virtude de estar completamente fora da ordem social. Enquanto o “homo sacer” é excluído da ordem sociolegal por força da própria lei – um estado de exceção individualizado – o macaco já está fora da ordem social do homem, embora reconhecível como uma relação estreita. Apesar disso, é o que falta ao macaco que atrai `a Bataille, e que faz dele uma figura desejável para representar sua noção do soberano. É precisamente a falta de uma sociedade reflexiva complexa, e particularmente a falta de linguagem digital, que faz do macaco para Bataille o símbolo de uma auto-possessão soberana irreflexiva e “insocializada”. Além disso, o macaco exibe uma soberania que não pode ser representada por ele mesmo na forma de linguagem. Ou seja, a soberania símia não pode ser ficcionalizada. A soberania humana, particularmente aquela do Estado, é sempre um produto de ficção – narrativa, performance, espetáculo, lei, instituições. Talvez o aspecto mais explicitamente ficcional da concepção ocidental de soberania (hoje essencialmente globalizada, mas européia na origem) é a figura do próprio soberano (ou soberana). Dos dois corpos do rei, um dos quais, a ficção legalmente constituída da encarnação divina da monarquia, é consideravelmente mais importante do que o outro, o monarca humano, físico. Talvez a evidência mais impressionante disso esteja no fato de que o rei fictício sobrevive ao físico, mesmo se não houver nenhum herdeiro imediato aparente. A grande vantagem de a monarquia ser fundamentalmente fictícia é, então, que ela excede mesmo a morte. Ele profere estas palavras finais lentamente. Cerca de cem pessoas olham para ele, mas a maior parte se mostra indiferente ao fato de que sua fala agora terminou. O barulho dos macacos aumenta de repente. Cameron se move, tentando se afastar da jaula. Mas está cercado. Olha para baixo. Sua pasta se foi. O barulho se intensifica, mas, em vez de recuar, a multidão se aproxima ainda mais, empurrando-o para a cerca, ávida por não perder a ação dentro da jaula. Então ele vê. O foco da batalha é agora pela posse da velha pasta de couro de Cameron. Dois dos maiores macacos a estão disputando até que ela começa a rasgar. Mas isso é impossível, Cameron diz para si mesmo, enquanto atrás dele sente ombros e braços da aglomeração humana que está lentamente empurrando-o para a cerca. Não há como sua pasta ter passado pelos buraquinhos da tela. Ele olha enquanto papéis, canetas e seu cartão da Biblioteca da Universidade de Leicester caem no chão para serem avidamente pegos e carregados por macacos histéricos. Deve haver vinte animais agora, correndo para lá e para cá

dentro do cercado. Papéis e canetas cobrem o chão em pedaços e fragmentos estilhaçados do que haviam sido, enquanto vários animais recuaram, ciosamente apertando seus espólios contra seus peitos. Então aquilo o atinge. Aquilo o atinge (metaforicamente) no exato momento em que o próprio objeto atinge o chão com um (nem um pouco metafórico) baque: seu notebook, delgado e elegante. Apesar do fato de que todo seu trabalho sobre Headless está armazenado apenas ali, ele respira com um pequeno suspiro de alívio, sabendo que um funcionário do zoológico, atraído pelo caos, logo entrará em cena para recuperar o notebook e que não importa o quão danificado ele estiver, o disco rígido permanecerá intacto, dentro de seu robusto casing de alumínio selado. O jovem franzino, nota, desapareceu. Quando se foi? Não há tempo para pensar. O maior dos altamente inteligentes mas pré-instrumentais mamíferos no cercado levanta uma grande pedra sobre sua cabeça, seus braços arqueados tremendo com o esforço, e com um gesto que parece muito com o de alguém de uma sociedade que plenamente utiliza instrumentos, joga a pedra com força em cima do Mac, espatifando seu fino casing de plástico que se destaca e voa para ser agarrado e disputado por vários outros dos sociais mas não complexamente societais macacos, alguns dos quais estão agora ao redor apontando e aparentemente fornecendo instruções para seu companheiro com a pedra, que a levanta e joga de novo. E de novo. A cada vez ela malha o centro morto do computador que logo começa a tomar a forma de um grande e disforme waffle. Desesperado para chamar um funcionário do zoológico, mas incapaz de escapar à cada vez mais excitada multidão, Cameron não pode fazer nada. Ele saca seu celular e liga para Pia, como se apenas a fria lógica da lei pudesse salvá-lo da loucura surreal e nauseabunda que sente estar subsumindo-o. Chamar um advogado: a ação é instintiva. Mas sua chamada a Pia Sarma fica sem resposta. Assim como outras três tentativas para o mesmo número, uma logo após a outra, enquanto dentro do cercado seu notebook começou a parecer um waffle que um elefante mastigou e cuspiu. Ele observa, celular na mão, enquanto peças do Mac se espalham cada vez que a pedra cai, para serem rapidamente carregadas para os inumeráveis esconderijos dos macacos, em cima das árvores e dentro de velhos cepos e pneus nos fundos do cercado. O casing do disco rígido rachou agora em dois, e o próprio disco, sua brilhante superfície negra apanhando o sol e enviando um milhão de flashes luminosos de arco-íris, jaz no solo bem embaixo da pedra, sendo esmurrado sem descanso, como em punição por suas hipnóticas e sempre cambiantes cores. O suor começou a escorrer pelo seu rosto, fazendo cócegas em suas têmporas e ao lado de seu nariz. Ele passa a mão na testa, então, após uma pausa um tanto dramática, parecendo ter uma mudança súbita. Do que vocês estão rindo tanto! Grita para os macacos. Esforça-se por pensar: as fotografias de Rob Shipman eram falsas. Ou eram de outro corpo. Ninguém havia morrido por Headless. Nada havia acontecido certamente. Nada é alguma coisa com Headless. Acéphale não tinha sido reconvocado. Nada. Headless não tinha produzido nada, nada mais do que seu poder de marginalizar e isolar. John Barlow foi tragado pelo vórtex de sua confidencialidade quase até a destruição… E agora? Worms! Ele começa a rir, uma gargalhada gutural que cresce exponencialmente até que cada grito se torna danador e extático. Dentro do cercado, os macacos se juntam a esse riso, lançando-se a um novo frenesi, arrojando-se para todos os lados como artistas de circo, Rolando e cabriolando até que a poeira do chão levanta lentamente como uma cortina ao seu redor. Cameron olha, seu corpo inteiro sacudindo com hilaridade, sua respiração tendo degenerado numa série de arquejos catarrosos que pontuam o riso. À medida que a cortina sobe, ele vê a lustrosa e bonitinha, sua expressão inalterada, seus olhos ainda bem em cima dele, orgulhosa e satisfeita. Então ela se vira, ergue seu traseiro no ar, e se afasta. Ele não agüenta mais. Cai no chão e segura a cabeça com as mãos. Finalmente, quando sua respiração já se acalmou um pouco, olha para cima, e vê, no alto das sombras do cercado, que Goldin e Senneby desapareceram.

Tradução: Fernando Scheibe


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Fe de Erratas Auction Market & Money Alicia Herrero en curso desde 1998 El trabajo propone un nuevo sistema de catalogación de las obras de arte vendidas en dos de las principales casas de subastas de arte: Sotheby´s y Christie´s.

pondencias entre arte, mercado y negocio. Ejercicios que indagan el impacto que estas producen sobre el potencial subversivo y la percepción que tenemos del arte.

Se trata de Nuevas Páginas de Catálogo, Láminas, Fichas, Gráficos y Posters que crean nuevas visiones interpretativas de los vínculos y corres-

Dsarrolla un instrumental y crea un CANON, un nuevo código de representación basado en indicadores que las variables de los precios vendidos ofrecen. Es así que el precio de cada pieza, es el que provoca el nuevo acontecimiento visual.


Alicia Herrero

Catálogo Post-War and Contemporary Art - Christie´s Auction - Sale 1997- 13 May 2008

Segunda Versión Catálogo Post-War and Contemporary Art Christie´s - Sale 1997- 13 May 2008

El Canon surge de una simple operación, la suma de todos los precios de venta resultantes durante el mismo año de una categoría de arte (en este caso Contemporary Art) dividida por el número de obras vendidas. Esta cifra (denominada promedio de venta o pattern) es correspondida en coordenada horizontal a un valor en centímetros (100), dando por resultado una unidad o Canon. Los cambios se evidencian por la aplicación de esta unidad, en procesos de dilatación o contracción según sobrepase o deprecie el precio-promedio de venta o pattern, arrastrando centímetros y obras.


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La Isla de Hidrógeno es un proyecto en proceso que toma forma en muy variados medios. Se trata de la creación de un monumento utópico y relacional sujeto a las leyes de la entropía. Una miniplanta energética, de fuente solar y almacenamiento en hidrógeno, con jardín macaronésico, estanque y una serie de servicios de los que el usuario puede disfrutar acomodado en las tumbonas ubicadas en su base: el consumo de música, el consumo de información sobre el consumo y el consumo de rayos UVA. Estos servicios, que actúan como signo, están directamente relacionados con los estilos de vida y responden a la idea de “utopía entrópica”, timón conceptual de todo el proyecto. Nuestra paradójica sociedad necesita de un gran dispositivo energético para satisfacer los deseos contemporáneos y mantener los estándares de confort consumista. Nuestro life-style requiere de una amplia superficie de células fotovoltaicas que nos permita broncearnos con rayos artificiales; y es aquí donde, por medio del absurdo y la ironía, PSJM despliega su crítica estético-social. La presentación de la La Isla de Hidrógeno consta, hasta el momento, de un escultura realizada con impresora 3D, un vídeo, también realizado en 3D, y una novela, de la cual se publica aquí un extracto. La novela sigue la tradición iniciada por William Morris y su News from Nowhere, pero incorpora además aspectos de la nueva novela negra sueca que, a ojos de PSJM, suponen auténticas distopías escandinavas donde conviven la literatura de entretenimiento y la más aguda crítica social. ( http://www.psjm.es/ )


PSJM

La Isla de Hidrógeno (Trecho do romance homônimo, capítulo X, pp. 126 a 128)

A

inda restavam algumas horas antes de embarcar no SpeedSunRail das 21:30h e Celia More aproveitou a oportunidade para riscar da lista o último preparativo. Foi para o pavilhão do Espelho 0, no centro da comunidade e se misturou com a multidão. Naquelas horas da tarde, grupos de pedestres bem alimentados fluíam daqui pra lá ao ritmo de um silêncio ruidoso, em uma atmosfera tranqüila. Celia cruzou as portas do NoShop, pronta para escolher no meio de um enorme mostruário, um biquíni ao seu gosto. A inspiradora arquitetura interior do estabelecimento quebrava o desenho da planta para concluir em forma de “L”. Às vezes, as paredes se projetavam para encontrar o corredor, sob a forma de grandes pedaços irregulares de poliédros revestidos com o mesmo material das outras paredes, uma espécie brilhante de bioplástico acetinado que mudava de cor em um ritmo tão lento que gerava resultados inesperados. Nesses volumes suspensos, cabides penduravam peças de banho e as outras roupas se distribuíam no espaço central, suspensas em trilhos ou vestindo manequins holográficos em movimento. Perto da entrada, havia um balcão de cantos mutilados sem um único ângulo reto sequer em suas formas. Atrás desse balcão, um painel eletrônico na parede mostrava uma lista que era atualizada continuamente. Celia More olhou para ele atentamente. Era uma dessas brechas do passado, uma daquelas tradições funcionais que só serviam para reafirmar a política de comportamento. Era algo assim como um painel com informações sobre ações, só que aqui os dados expressavam a conveniência da “compra”; uma lista de fatores como os efeitos da fabricação sobre o meio ambiente, a densidade de produção, a taxa de riqueza da comunidade produtora de cada peça, e os limites razoáveis de consumo. Nesse contexto, tão sedutor, cheio de signos queixosos, este painel representava uma chamada à racionalização do ambiente emocional. More dedicou um minuto para dar uma olhada no painel. Sem dúvida ela poderia se permitir a consumir o uso estético e funcional de um biquíni novo. Na verdade todos os comunitários podiam se permitir. O desempenho das suas funções, as atividades de controle, a produção cognitiva e de manutenção, que tanto ela quanto o resto da comunidade levavam em forma responsável, bem como um consumo igualmente responsável, faziam com que estes painéis informativos, na prática, não tivessem outro propósito senão a confirmação de um estado de equilíbrio econômico natural. Celia foi escutando os produtos em exposição até pegar três ganchos. Ela entrou no provador e colocou o primeiro biquíni que tinha escolhido. Ficou perfeito. “Essas corridas pela manhã valeram a pena”, disse ela. Mesmo assim, entrou a barriga e levantou os calcanhares, tentando encontrar no espelho a figura mais esguia que pudesse. “Estou branca!”. Após testar os três modelos, optou pela primeira opção e saiu no hall diretamente para o “caixa”, juntando-se a uma discreta fila de duas pessoas. À sua frente, um par de meninas comentou sobre

a beleza dos produtos selecionados. Uma delas colocou sobre o mesa do contador um biquíni transparente. More lançou um olhar furtivo. Ela lembrou que anos atrás, tinha usado esse tipo de “roupa” de praia, mas sempre sob a suspeita de que este era um comportamento bastante estúpido. Na verdade, foi Jackie, uma grande amante destes pequenos pedaços de tecido invisíveis, que a convenceu a comprar aquele biquíni absurdo. Mas no fim ..., eram outros tempos, outras motivações. Nostálgica, olhou para cima e viu a mulher que atendia atrás do balcão. Ela a observou com interesse, cabelos dourados, olhos castanhos, cílios longos, um rosto gentilmente quadrado. De repente percebeu que eram muito semelhantes. Elas tinham um rosto e um corpo muito parecido, com exceção do bronzeado que a moça de atendimento exibia com orgulho. “Raios UVA”, pensou; a primavera acabou de começar e a menina não podia ter chegado a tostar até aquele ponto a sua pele sob o sol tímido do Norte, ainda não. Contemplou aquela gêmea bronzeada artificial que se divertia com a consideração de uma sociedade virada em um incessante jogo semiótico. O posicionamento físico e intelectual nivelado da comunidade gerava uma reação compensatória de diferenciação individual, exercício de um jogo social de signos, onde a comunidade desenvolvia a sua identidade, sua imagem pessoal, através da uma notável escolha de estilos de vida, Tal como aquele biquíni transparente, ou os bronzeados artificiais. More refletia então no paradoxo deste fato, e de como uma grande quantidade de energia era utilizada para manter os padrões de conforto que cobriam necessidades estéticas supérfluas. Ou não seriam elas tão supérfluas? Comer, beber, resguardar-se, eram necessidades básicas, sem dúvida, mas seriam as outras necessidades supérfluas? Luxos ao invés de necessidades? Celia pensou que na realidade as necessidades fisiológicas, não se diferenciavam das do resto dos animais, e talvez o ser humano tenha percebido que as necessidades culturais eram algo básico para as pessoas. Ela estava chegando a algum lugar e voltou a sublinhar no seu cérebro aquele leme conceitual: utopia entrópica. Pegou Yoko e anotou mais algumas palavra em suas notas na pequena tela. - Você vai levar este? Perguntou, gentilmente, a sua dupla bronzeada. -Oh ... sim, desculpa! Estava distraída, disse Celia, com um sorriso, enquanto apagava a Yoko e pegava um cartão da sua bolsa. A balconista foi buscar uma sacola enquanto Celia passava o cartão de pontos por uma leitora. Quando a moça voltou, a informação já tinha sido processada. Sem olhar nenhum instante para uma verificação imediata dos pontos trocados, entregou-lhe a pequena sacola e Celia saiu com pressa do NoShop. Já era tarde. Em uma hora, ela sairia para Wewe Island, ficando novamente excitada.

Tradução Teresa R. e Roberto MJ.


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Doze meses “O espaço homogêneo não é em absoluto um espaço liso, ao contrário, é a forma do espaço estriado. O espaço dos pilares. Ele é estriado pela queda dos corpos, as verticais de gravidade, a distribuição da matéria em fatias paralelas, o escoamento lemelar ou laminar do que é fluxo. Essas verticais paralelas formaram uma dimensão independente, capaz de se transformar a toda a parte, de formalizar todas as dimensões, de estriar o espaço em todas as direções, e dessa forma torná-lo homogêneo.” Deleuze – Tratado de Nomadologia: A Máquina de Guerra. A conta mensal de luz fornecida pela prestadora deste serviço no Rio de Janeiro possui um gráfico de consumo. Ele demonstra em KW/h (kilowatts hora) a quantidade de energia utilizada pelo cliente ao longo de 12 meses. Aproveitando esta estrutura, manipulei meu consumo de luz, consumindo mais ou menos energia elétrica ao longo dos meses, com intenção de criar conscientemente um arco que gerasse a sensação de perspectiva. O processo iniciouse em abril de 2004 e terminou em abril de 2005. O irônico e delicado resultado final deste trabalho é a representação prosaica de um enorme esforço que durou um ano. Doze meses, 2005

Cadu


r 30

El Ralego*. 1992 2000 monedas/ 100 metros líneales. El artista Luis Romero uso el monto total dado para su participación en la Bienal de Guayana 1992 (Bs 10.000), colocando las 2000 monedas en forma lineal paralela al rio Orinoco en el malecón de San Félix, dispuestas en la misma dirección en la cual había ingresado a la Provincia de Guayana, Walter Raleigh en su búsqueda de El Dorado en 1594. La obra trabajaba como una metáfora de quien encuentra un tesoro, su propio sueño de El Dorado. Y se activaba una vez instaladas todas las monedas. El público de manera espontánea intentaba recoger la mayor cantidad de monedas posibles, generando caos, pequeñas trifulcas y bolsillos rotos por el peso de las monedas. La acción de colocar el dinero duro alrededor de 25 minutos, y se consumió en menos de 30 segundos. *El Ralego es el nombre que le daban los españoles al aristócrata, escritor, poeta, soldado, espía,cortesano, explorador y pirata inglés Walter Raleigh (1552 –1618)

Luis Romero


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ecibo surgiu em 2002 com a proposta de ser uma publicação no meio impresso que experimentasse a prática artística partindo de uma estrutura móvel de distribuição (a-regional). Os primeiros números de recibo foram produzidos na ansiedade de se fazer circular projetos que tratassem e evidenciassem a produção artística que estava ao redor. Dessa forma, recibo começou como uma proposta coletiva (o primeiro número foi lançado com dois mil exemplares auto-financiados por um grupo de artistas em Florianópolis – SC) e depois seguiu seu caminho tentando financiamento para ser distribuído minimamente ou, desenvolvido em projetos específicos (como o caso do segundo número realizado na residência El Basilisco em Buenos Aires com 60 exemplares em 2006) ou mesmo como desdobramentos de vivências e projetos coletivos (como foi os casos do terceiro número chamado recibo10, com dois mil exemplares em 2007, o quarto número, recibo07+9 em 2009, com 130 exemplares e o quinto número, recibo057, com três mil exemplares, este último editado em 2010 entre Brasil e Colômbia com uma abrangência maior, bilíngüe e com apoio para impressão e distribuição do Centro Cultural Espanha em SP e AECID, tendo sido distribuída em alguns países da América Latina e da Europa. Hoje, com este novo formato do Programa Cultura e Pensamento, e passados oito anos do seu primeiro número, recibo continua se reinventando e se vê como uma “plataforma curatorial-gráfica”, que tem como princípio agenciar projetos e ações relacionadas às práticas artísticas de análise crítica, circulação e dispersão de idéias. O que se destaca na proposta de recibo, são as possibilidades abertas sobre o foco de cada edição, para que diversos artistas, pensadores, escritores, arquitetos, críticos e curadores, pesquisadores e etc., desenvolvam experimentalmente suas propostas. Cada edição pode variar como um “livro de artista”, um “manual de instruções”, um “catálogo de imagens”, um “dicionário conceitual”. O que importa, é que atuem como plataformas para o pensamento, “engendrando” diversos formatos a partir de sub-temas do editorial pré-concebido. Coordenado pelo artista Traplev (Roberto Moreira Junior), cada um dos seis novos números editados de recibo, terá um novo co-editor, e um novo designer para pensar os “subtemas” e as formas gráficas para a distribuição dos dez mil exemplares impressos (bimestral), e mais a visualização online infinita.

Neste sentido, como explica a citação, há nessa emanação de energia um excedente e, por conseqüência uma perda, um desperdício natural dessa riqueza que é, por sua vez, incorporada pelas civilizações. Partindo desse pressuposto, Bataille faz uma análise sobre a Economia Geral e a noção de gasto, resultando esse excedente de energia na própria Natureza. Recibo88 – sobre a noção de despesa, (sexto número do ano oito da publicação), tem como co-editora a investigadora e crítica argentina Teresa Riccardi, com quem venho trocando colaborações e dialogando nos últimos anos. Neste sentido, a correspondência de pensamentos e conceitos que abarcavam este projeto foi perfeita para mais essa colaboração, pois Teresa vem acompanhando e participando ativamente no desenvolvimento das ações de Traplev Orçamentos1 . Os projetos e escritos de Teresa Riccardi, no campo das práticas artísticas contemporâneas, e sua pesquisa sobre as práticas performativas da arte argentina contemporânea (a partir dos anos 1960) me influenciaram muito no processo de trabalho como artista. Para este projeto de recibo, já vínhamos flertando com algumas das idéias que Bataille coloca em questão, como: DESEJO, INTERESSE e UTILIDADE 2 , que nos instigava a seguir desenvolvendo em conjunto como um projeto colaborativo. Foi a partir dessa vontade que nossa parceria selou esse editorial. Nesse sentido, pensamos a economia (dentro do contexto da prática de artista), como uma forma abstrata para tratar a realidade (valores e sub-valores), condensados por uma ficção ‘impossível’ do real. Projetamos a impossibilidade, transformando-a em disponibilidade concreta a fim de publicar idéias e projetos conceituais no contexto da arte. Deste modo, analisamos alguns palavras e conceitos-chaves como: calcular interesses, planificar a economia geral, potencializar estratégias, excesso de energia, perda, desperdício, utilidade, números, palavras, crise conceitual e econômica, dentre outras, para pensar a noção de despesa. Este repertório de idéias propulsoras (que se compartem e multiplicam), é administrado na mesa de negociação para esta publicação que trata deste contexto estritamente formal que é a economia geral. A especialização da economia, admite por sua vez, um tipo de partilha que paradoxalmente é percebido de maneira indivisível entre as práticas cotidianas de trabalho, sexo, negociação de espaços de consumo, de valor atribuído a algo, ou, ainda, nas maneiras de observar as práticas estéticas 3 . A pergunta aqui é como tornar visível a reunião do dissolvido sem totalizá-lo. Como fazer presente a constelação de imagens, desejos, pensamentos, gastos e consumo de energia solar (citando alguns elementos comuns) que dão vida às práticas de arte e economia. III.

As primeiras intervenções de recibo88, abordam uma certa “decapitação do dinheiro” 4 , começando com uma sequência sinistra e obscura de um “futuro do pretérito” da história recente. As duas primeiras imagens estampas são da moeda iraquiana DINAR da época de Saddan Hussein de 1994, colecionadas por Traplev, que retratam não só a perda num sentido real, mas o excesso conjugado com certo desperdício necessário de um campo simbólico do poder que certas economias exercem umas sobre as outras. II. Nas páginas seguintes, o trabalho do artista pernambucano naturalizado em São Paulo, Partirei de um fato elementar: o organismo vivo, na Deyson Gilbert que, num gesto simples e potente, pinta de nanquim preto as quatro situação determinada pelos jogos da energia na superfície moedas do mais novo bloco econômico de países em desenvolvimento – Brasil, do globo, recebe em princípio mais energia do que é ne- Rússia, Índia, China (BRIC 5 ) + a moeda dos Estados Unidos da América (EUA). Nessa cessário para a manutenção da vida: a energia (a riqueza) intervenção, o artista evita a celebração e refere-se à moeda brasileira (Real) de forma excedente pode ser utilizada para o crescimento de um espectral como uma subjetividade compartida no pensamento sobre essa projeção futura, sistema (de um organismo por exemplo); se o sistema não contrariando e ao mesmo tempo justificando simbólicamente a Goldman Sachs 6 , que pode mais crescer, ou se o excedente não pode ser inteira- argumenta que o rápido desenvolvimento desses países, e o conjunto das economias mente absorvido em seu crescimento, há necessariamente BRICs em 2050, poderia “eclipsar o conjunto das economias dos países mais ricos do que perdê-lo sem lucro, despendê-lo, de boa vontade ou mundo atual”. Precisamente este eclipse do conjunto das economias do mundo inserenão, gloriosamente ou de modo catastrófico. se no recibo88 como uma “metáfora (solar)” para pensar as relações que Bataille instala GEORGES BATAILLE sobre o poder da comunidade e da soberania. Nessa primeira constelação narrativa, encontramos um correlato final justamente na capa do livro em ponta cabeça (também O projeto editorial de recibo88 é baseado no livro escrito colecionada por Traplev) onde se superpõe uma conversa ‘ilustrada’ sobre o desenvolvimento econômico. entre os anos de 1930 e 1940 do escritor francês Georges Bataille chamado A Parte Maldita, precedida sobre a noção de despesa. Neste “Le paradoxe de l´utilité absolue”, que traduzimos do autor francês George Bataille, é o livro, que trata da “Economia Geral”, Bataille parte do princípio que a ensaio (inédito em português) que apresenta algumas das referências conceituais que circulam neste sexto número de recibo. Colocamos o texto no ‘início padrão da revista’, fonte e a essência de nossa riqueza são fornecidas pela irradiação do sol, para que sirva, praticamente, como um índice, disponibilizando um paradigma para se que dispensa energia sem contrapartida. O sol dá sem nunca receber (...).


Traplev e Teresa Riccardi

editorial 88 pensar a própria prática artística num contexto de enfrentamento com os princípios conceituais da utilidade em si. Bataille faz uma reflexão sobre o paradoxo absoluto desse valor (utilidade) e quando coloca em choque palavras como: UTILIDADE, PRAZER e VALOR, reverte todo o princípio da certeza e ao invés de afirmar a “verdade absoluta” da sociedade, deixa pistas para se pensar sobre esse paradigma que muda a perspectiva do ponto de vista das coisas. No texto de Fernando Scheibe 7, há uma citação interessante que também pode contribuir para um entendimento geral de algumas questões colocadas neste 88: “A obra de arte não pode ser engajada, ou seja não pode servir para o despertar da consciência, a construção de um mundo mais justo, etc. Ela tem que se confundir inteiramente com o próprio exercício, inútil, soberano, da liberdade”. Ou, como compreende o espanhol José Luis Corazón Ardura 8, na esfera da literatura: “A morte da palavra permanece como escritura desgastada. Se conceber o gasto como gesto produtivo é aproveitar de certas artimanhas do capitalismo, o negócio da cultura leva ao seu próprio desgaste temporal. Na Parte Maldita, Bataille considera a importância de transformar a literatura numa visão peculiar, propriamente deslumbrante do luxuoso e do brilhante”, em outras palavras, pôr em jogo não só as contradições inerentes e dialéticas do termo utilidade, mas compreender o terrorismo violento e a tortura hedonista que encripta a própria autonomia estética e a literatura no pensamento de Bataille. Outro conjunto de articulações escolhidas para recibo88 refere-se às formas estatísticas da economia em sua própria linguagem: a visualização de dados, gráficos e projeções. Neste sentido, a artista americana/argentina Tamara Stuby aborda a burocratização do tempo vivido como pretexto para simular seus fracassos e desejos, como se fosse um gráfico econômico de variações de altas e quedas de valores dos produtos. Nesta seleção referente ao seu trabalho “Informe Anual”, evidenciamos (além do conteúdo subversivo da forma gráfica), a quantificação do tempo num sentido real e específico da vida e do acontecer artístico em que: passamos “falando com alguém que nunca entendeu o que estávamos dizendo”, ou “falando com alguém que entendeu o que falávamos, mas não estava de acordo com estes princípios”, ou simplesmente “não acreditava no que estava ouvindo....” . Ou como também observamos nas páginas de “Fe de Erratas”, da argentina Alicia Herrero, o valor da obra se camufla com o sistema a partir de suas condições de visibilidade, exibição e circulação. A obra de arte se converte numa ontologia definida pelo sistema circulante que consagra e estica ‘graficamente’ seu valor a partir das operações no mercado de leilões. Em seu projeto “Auction Market & Money”, dentre os quais se encontra “Fe de Erratas”, a artista mimetiza suas obras e interfere sobre as crenças ‘ocidentais’ que sustentam o campo através de um “canon” subjetivo que reinventa seu valor como réplicas no mercado de produção simbólica. Finalmente, dialogando com estas formas de cálculo e porcentagens, o artista carioca Cadu sugere uma abstração-tabulada no trabalho “Doze Meses”, a partir de uma leitura métrica dos corpos com o qual o estado administra e detalha o gasto de consumo da energia.

Cadu, a partir da performatividade invisível que criou em sua casa ao longo de 365 dias, orquestrou seu consumo de energia, gastando ou economizando sua energia elétrica conforme seu plano final de ter um desenho realizado pelo sistema de leitura do gasto de energia elétrica da prestadora de serviço de sua cidade. Essa ação que talvez alguns leitores chamariam de “irrisória” ou mesmo “anti-ecológica”, reflexiona sobre o comportamento esquizofrênico do capital que organiza a subjetividade, modelando a experiência e imaginando os corpos como sustâncias que existem por razão desse fluxo molecular, uma química que transforma os limites da matéria (e do pensamento), pois o “desperdício” aqui, toma uma forma muito interessante. Sem dúvida, em relação a experiência subjetiva do real coisificada em matéria e seu contrário imaterial e indiscernível, tomamos a citação43 do texto “Em defesa do Fetiche” e a transformamos em uma pergunta: “Como extrair o excedente da abstração?” Na intenção de diferenciarmos e narrarmos o excedente como uma certa noção residual ou resultante da economia geral do sistema, ou mesmo pelo desperdício de energia da natureza, como sugere Bataille, o fato paradoxal que fica exposto é que a abstração não só não desconecta a subjetividade da coisa, como multiplica as suas relações, exponencialmente criando novos vínculos que afetam as suas condições de existência. Neste sentido, o trabalho da artista mexicana de D.F Adriana Lara evidencia nas suas páginas de seqüência (com sua série de números - desambiguação 9) as possibilidades infinitas de combinações entre os números elegidos pela artista (2, 3, 6, 9, 0) que são hibridizados em suas molduras-números, e onde a imagem que se evidencia se contrapõe com o próprio múltiplo em si. Ainda, a eleição do número 5, neste trabalho, é colocado pela artista numa projeção de imagens que cria uma abstração sobre qualquer intenção de explicar e ou fundamentar alguma ação criativa 10, como bem afirmou Adriana na performance apresentada no Museu de Arte Contemporânea de Castilla e León (MUSAC), na Espanha em outubro de 2010. Nesta ocasião, um performer falava uma língua abstrata, mostrando e “comentando” imagens de seus trabalhos, com um texto totalmente incompreensível para qualquer um dos presentes na sala de auditório do referido museu. Se existe uma relação que faz do dinheiro um diagrama entre as formas ditatoriais e a corrupção, esse desenho macabro é exposto em diversos trabalhos de artistas latino-americanos nesta revista 11,como por exemplo, no trabalho do artista chileno Mario Navarro, e nas intervenções de Hoffmann’s House 12 no Dossiê de Daniel Lopez Show (com desenhos dos artistas: Jose Pablo Diaz, Instituto Divorciado - Ian Szydlowski, Pedro Pulido, Mario Soro, Rodrigo Vergara), que assinalam “formas autoritárias de poder” ligados ao enriquecimento ilícito do genocida Augusto Pinochet com a conivência de setores corruptos da sociedade chilena. Os trabalhos apresentados na cidade de Nova York, com curadoria de Mario Navarro, assinalam um tema extremamente delicado que reflete e questiona um ideal interposto entre os americanos do norte e os americanos do sul. Nota-se aí o ‘delay’ da perda ou mesmo um excesso do poder sobre os relatos da História que nos dá ferramentas para refletir mais densamente e regionalmente sobre os símbolos gerais e particulares das utopias. Desde a perspectiva pós-colonialista, talvez como crítica ao imaginário etnográfico batailliano do ‘civilizatório’, como na ação “El Ralego” do artista venezuelano Luis Romero, a moeda recompõe metaforicamente a figura do pirata na América e a lenda do “Eldorado”, onde a exploração da riqueza se articula com a dominação e a corrupção administrativa das colônias espanholas em solo americano. O trabalho de Daniel Medina, também venezuelano (selecionado por Luis Romero), faz um comentário analítico muito interessante a respeito dos valores da moeda venezuelana (Bolívar) comparando o preço de uma peça com a própria “multi-inutilidade” da moeda em si. Finalmente prestamos uma homenagem ao artista argentino Federico Manuel Peralta Ramos (1939-1992), referência conceitual e poética desta edição. Nas máximas


r 27 religiosas “Dar dinheiro e perder o tempo...”, um dos princípios de Peralta Ramos, reconhecemos e contextualizamos suas práticas performativas na vanguarda portenha dos anos 1960, como nos anos de ditadura até a chegada da democracia em 1983 na Argentina, mas também evidenciamos as fortíssimas diretrizes de seu trabalho que nos inspirou para pensar este projeto editorial. Justamente quatro anos atrás, quando Traplev se deparava pela primeira vez com a pintura ‘Mistério de Economia’, de FMPR (capa de recibo88), se selava a idéia inicial que finaliza com este projeto editorial. Esse “mistério”, que Federico aborda, talvez permaneça para sempre e acreditamos que continue causando uma certa potência de pensamento para “pensarmos em satélites” (conceito de Traplev), ou em “constelações planetárias” como imaginava FMPR. As palavras de Corazón Ardura, parafraseando Bataille, “donde el auténtico lujo, exige el desprecio completo de la riqueza, la sombria indiferencia de quien rechaza el trabajo y convierte su vida por un lado en un esplendor infinitamente arruinado, y por otro en un insulto silencioso de la falsa laboriosidad de los ricos”, evidenciam a riqueza do capital que transveste formas precárias em força de trabalho, desperdício, tão negativo que detém sua força se tornando fértil para o pensamento de Georges Bataille, que justamente tenta compreender a civilização e os princípios que motorizam o desejo fetichista das sociedades primitivas até chegar nos primórdios do capitalismo do período pós-feudal. A reflexão sobre o fetiche como conceito elaborado no pensamento marxista, que traduzimos para o português a partir do texto do coletivo curatorial mexicano El Espectro Rojo 13 – ‘Em Defesa do Fetiche’ 14, resulta interessante para estudarmos de fato as indagações deste conceito nas práticas artísticas não só condensadas na sociedade, como também inseridas nas reflexões críticas mexicanas sobre a economia política de Karl Marx no campo artístico atual. Nos primeiros intercâmbios da produção editorial, encontramos em uma de nossas pesquisas online diárias, a exposição chamada Fetiches Críticos – resíduos de la economia general 15, organizada pelo El Espectro Rojo, que tinha como foco o mesmo texto de Georges Bataille (A Parte Maldita), que se desdobrou na publicação de mesmo nome da exposição (disponível online no já citado site espectrorojo.com). No mesmo momento, negociamos com os curadores uma colaboração para esta edição de recibo88, que foi aceita com muito interesse. Assim, oferecemos ao público leitor a tradução do texto muito denso que também aborda questões essenciais sobre o desenvolvimento deste projeto editorial. Com a troca e o trabalho como conceitos que explicam as relações de valor na sociedade hoje, o projeto da artista gaúcha que vive no Rio de Janeiro Cristina Ribas, aborda a relação do trabalho informal com o trabalho artístico que a artista comenta num processo onde registra e aciona nas ruas de Niterói e Rio de Janeiro, carimbando uma frase atrás dos folhetos de empréstimos de dinheiro recolhidos e devolvidos ao circuito com a inserção de palavras como TRABALHO – INFORMAL – PRECÁRIO – ARTÍSTICO – PRECÁRIO, produzindo, como ela mesma registra, “o excedente (incomensurável)”. Mas se existe uma “sociedade sem cabeça”, como imaginava Bataille, uma comunidade organizada secretamente cuja soberania se instala em uma utopia sem fronteira, é no projeto SIN ESTADO do grupo madrilenho Democracia ,16 onde se estampa a marca de uma coletividade que colabora entre si (como demonstram os créditos abaixo na imagem da página 47), ofere-

cendo serviços em uma região na periferia de Madrid como uma oficina de assessoria jurídica, a construção de arquibancadas e uniformes para o time de futebol da região entre outras ações. Nesta menção é interessante pensar as “distopias” marginais que a prática artística coloca em ação nesta política onde além de comentar criticamente um lugar específico na Espanha, traz ou leva múltiplos pensamentos e superposições de territórios a respeito desta “comunidade sem soberania”. Fica claro também, na logo tridimensional de Welfare State 17,a oferta irônica de subjetividades sexualmente marginais a partir do fetiche gótico, sádico e irresistível que são mostrados em seus objetos. Outra ficção herdada de Bataille, que retrata como uma farsa os aspectos da soberania, é incorporada neste recibo88. Planejada como uma narrativa parodística surrealista, os artistas suecos Goldin & Senneby projetam por meio da fantasia e de certos tabus sexuais contemporâneos, uma interseção obscura entre o capital off-shore, a zoofilia e a autoridade. G+S, cuja ambigüidade permanece secreta, apresentam nesta publicação o romance inédito em português do último capítulo do romance “Em busca de Headless”, “capítulo 12, ato 3 – autoridade”, do seu escritor fantasma K.D. 18 este último capítulo inspirado no texto “O ano solar” de Bataille. O cenário é quase circense, entre escritórios corporativos e o zoológico de Londres que se convertem em pano de fundo (da trama de G+S) para uma performance de Agnus Cameron, junto a macacas que reclamam da soberania símia na jaula “civilizada” que representa sua espécie. Da dupla de artistas espanhóis residentes em Berlim, PSJM 19, apresentamos um fragmento inédito do romance que eles irão lançar em 2011, “La isla de Hidrógeno”, traduzido para o português especialmente para publicação na recibo88, que aborda o desejo como forma de sedução para o consumo. Projetado em forma de “ilha de hidrogênio”, que detém uma série de estímulos de conforto e bem estar, a personagem feminina Célia More, questiona a racionalidade do consumo entre a banalidade e a necessidade. Além desta passagem, publicamos também a marca de MARX Jeans, que PSJM mostrou em 2008 no espaço Laboral, Centro de Arte y Creación Industrial em Gijón, na Espanha. PSJM apresentou uma instalação que consistia na confecção de saias femininas, calças jeans e também camisas masculinas em quantidade limitada que poderiam ser levadas pelo público visitante da exposição. Para a ocasião, foi desenvolvida, simultaneamente uma campanha publicitária nas ruas da cidade de Gijón, dentre as quais elegemos a “imagem publicitária” de “MARX JEANS®” para colocar na contracapa interna de recibo, simulando assim um espaço de anúncio. A diferença da erótica de consumo hidrogenado de PSJM para a de Aline Dias e Suwon Lee, refere-se ao consumo natural da energia, onde o tempo ou a combustão, apodrece ou destrói a matéria. Desperdício que, como define Bataille, compreende teoricamente a utilidade como um meio termo subordinado ao prazer. Assim, mesmo os processos de oxidação violenta, reações químicas, microorganismos ou fungos que comem e consomem, nos reinos animais, vegetais e industriais, enviam os restos de matéria e microorganismos a uma nova ordem no ciclo da vida e morte. Da vasta coleção de mofos, traças e acúmulos de poeiras da artista que vive em Florianópolis Aline Dias, escolhemos a seqüência de fotografias de tomates vermelhos e de um interior de maracujá, pela explícita sexualidade das imagens dos frutos em processo de putrefação, uma versão contemporânea da vanitas 20. Na sequência, as espécies passam por mutações, de um estado a outro, transitando por processos exotérmicos como na fotografia de Suwon Lee (Caracas, Venezuela), onde um automóvel incendiado expõe a epifania do fogo e um ritual de sacrifício do último símbolo do mercado capitalista na era fordista. A imagem de Suwon Lee, do carro queimando nesse momento e sentido, parece combinar perfeitamente com uma “pausa abstrata” do pensamento sobre a perda, talvez uma lembrança do desejo de querer esclarecer pensamentos sobre morte, destruição ou mesmo, fetiche. Mas também é possível que o pensamento queira justamente este espaço de “tempo queimado”, para subjetivamente tentar construir por si só, sem esse jogo de palavras de descrição in-direta. Este resumo, apresenta em parte a constelação proposta no recibo88, sobre a qual aqui estão somente alguns comentários, não acabados, e abertos ao diálogo. Descrevem-se assim mitologias que queríamos assinalar – ao menos desde esta colaboração pontual entre Traplev e Teresa Riccardi – sobre as relações entre arte e economia. Gostaríamos também de assinalar que estes términos nunca se mantêm neutros, pois em sua estrutura de fundo está um mapa latino-americano que se comporta como um inconsciente insubordinado. Aquele que projeta o desejo de unir o impossível, uma energia psíquica de difícil medida.


(As referências de uma abordagem sobre economia na arte são múltiplas e o tema é infinito: entre algumas referências para nossa pesquisa poderíamos citar os artistas: Cildo Meirelles com a nota de zero cruzeiro de 1978, Jac Leiner com a série fase Azul de1992, Marcel Broodthaers com seu múltiplo “Section Financière. Musée d’Art Moderne. Département des Aigles. 1970 - 1971. A Vendre pour Cause de Faillite.”, alguns dos trabalhos do coletivo parisiense Claire Fontaine, Marie Eichhorn com o trabalho “The artist’ s contract”, que é centrado no Contrato que Seth Siegelaub produziu em 1971 com o advogado Bob Projansky, Wim Delvoye com o seu projeto Cloaca, entre outros... )

IV. Portanto, imaginar uma revista no formato de um recibo foi, sem dúvida, se projetar novamente para o público leitor, e desta vez não só como um grupo de referentes, mas sim como uma comunidade anônima. Seguros de que nelas “há cabeças”, membros, corpos e afecções, sabemos que os vínculos que manteremos com ela serão inconfessáveis, secretos e que aqui, talvez, nossa única tarefa evidente foi dar pistas das constelações visuais que apareceriam na medida em que o processo de trabalho avançou no ritual de edição. Sabemos que a comunidade de adeptos fará o que falta, os sacrifícios e as celebrações. Estamos atentos ao feito de que alguns sabem da existência prévia deste projeto, mostrando-se agora atentos às modificações. Lerão de trás para frente e vice-versa, serão rápidos para detectar a passagem e a transformação desta plataforma. O salto ao abismo, desde o desgaste daquele que circula de forma errante, imprevisível e sem medida, fazia o cálculo do desenho como dispositivo perfeito, sensível e sensual. Ou em sua melhor forma imaginada, a partir das projeções gráficas, de uma forma curatorial presa na probabilidade futura, ou, ainda do acaso, em sua efetiva visibilidade fetichista: seu consumo. Assim fantasiamos este recibo 88 no número que foi dedicado a economia. Essa parte maldita que envolve a arte e as práticas artísticas subjetivas na performatividade da vida cotidiana, feito com o propósito de insinuar, ou somente sugerir, mediante o trabalho de artistas e outros colaboradores, o desejo oculto das contradições de seus membros leitores seduzidos pela ficção da mercadoria, do valor, do trabalho, do fetiche, da sexualidade erótica, do gasto, do ganho e da perda de energia.

T&T Rio, São Paulo, Buenos Aires, Seattle, setembro - dezembro de 2010. (este editorial está disponível em inglês na plataforma online de recibo)

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1Traplev Orçamentos é uma plataforma híbrida do artista entre projetos colaborativos e individuais. Dentre as últimas colaborações de Teresa Riccardi com Traplev, está o diálogo para desenvolver a exposição “A Extensão como Efeito”, realizada em 2009 no espaço Montgomery, na qual Teresa assina o texto da exposição em Berlim e, a proposta ENDOCE UMA CRÍTICA, escrita em 2006, e que foi publicada em 2010 como uma das intervenções de recibo, no número especial da Revista PULGAR editada em parceria com o Museu de Arte Contemporânea de Castilla e León (MUSAC), que reuniu diversas publicações independentes sobre arte da América Latina. Mais informações estes e outros projetos: http://traplev.multiply.com/ 2 Menção direta ao capítulo II Leis da Economia Geral, A Pressão, em que Bataille fala sobre “Calcular interesses”, e onde ele contrapõe os três conceitos aqui citados. A Parte Maldita, Precedida de A Noção de Despesa. Bataille, Georges. Imago Editora, Rio de Janeiro, 1975. 3 Jacques Ranciére, A Partilha do Sensível, – Estética e Política, Tradução de Mônica Costa Netto – Editora 34 Ltda, SP, 2005.

r 26 4 Menção ao projeto de Goldin + Senneby chamado “The Decapitation of Money”, realizado em 2010 na Fundação Kadist em Paris. Mais informações: http://www. goldinsenneby.com, http://www.kadist.org/ 5 O termo BRIC foi cunhado e usado pelo economista Jim O’Neill, chefe de pesquisa em economia global do grupo financeiro Goldman Sachs, em 2001. 6 Goldman Sachs é um dos maiores bancos de investimento do mundo, e um dos protagonistas da crise financeira mundial de 2008. Fundado em 1869 por Marcus Goldman, a companhia está sediada atualmente em Nova York e mantém escritórios em muitos dos principais centros financeiros do mundo, incluindo Brasil (São Paulo), onde atua a mais de 17 anos. 7 Fenando Scheibe é Pesquisador do Programa de Pós-graduação em Literatura da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e concentrou sua pesquisa em Bataille, no Mestrado (“Acéphale e a hora presente”) e em sua tese de Doutorado (“Coisa nenhuma: ensaio sobre literatura e soberania (na obra de Georges Bataille)” 8 José Luis Corazon Ardura é espanhol, critico e curador de arte, é co-director da revista Sublime e colaborador da Cura Magazine. 9 Desambiguação: Nome feminino – ato ou efeito de tornar claro; eliminação da ambigüidade. (De desambiguar+ação). 10 Aqui neste ponto talvez o texto “O Paradoxo da Utilidade Absoluta”, publicado neste recibo88, também pode nos dar pistas para nos perguntarmos: qual a utilidade da definição de algo (?). Ou mesmo não sendo possível ter um índice das imagens e signos correspondentes entre si que nos levam não a uma definição direta do objeto questionado que, pelo menos, eles nos dêem margens para pensar suas relações. 11 Estes diagramas ‘visuais’ incorporados pelo recibo88, ligados aos anos setenta e as ditaduras latino-americanas, ensaiam de forma retórica e desviada - como menciona Navarro - as tensões passadas que ainda hoje configuram e articulam respectivamente diversas práticas discursivas no Chile, Argentina, Brasil e Venezuela. Uma explicação sobre a resistência política poderia tranqüilizar aqueles leitores cuja expectativa e continuidade com o passado lhe permitem recolocar contextos nas obras, mas acreditamos que esta operação não traz um resultado tão eficaz quanto o tratamento que os artistas fazem da economia como matriz que desnuda a corrupção e a desumanização exercida pela política em estado de exceção ‘democrática’. É sobre eles que as obras não falam diretamente, a não ser como satélites onde se revelam signos e aspectos contraditórios, e são observados, seja como formas de poder soberano que implanta e suspende a liberdade e os direitos civis, em um regime organizado a partir do terror, assim como a beleza ambígua e indicial de um tiro em um formulário bancário. Neste sentido, pensamos que a recente discussão sobre a abertura dos arquivos da época da Ditadura Militar (1964/1985) no Brasil pode ser um avanço social e cultural para rompermos com esse “esquecimento histórico”. 12 Coletivo chileno de Valparaíso formado por Rodrigo Vergara e José Pablo Díaz. 13 Cuauhtémoc Medina y Mariana Botey são membros fundadores de El Espectro Rojo: organização de carácter e fantasmal orientada a sedición e agitação cultural. Com base na Cidade do México, El Espectro Rojo trabalha intervenções localizadas no entrecruzamento da arte e da teoria desde múltiplas colaborações com uma rede internacional de críticos, desenhadores, artistas e curadores. 14 Este texto está disponível para leitura em espanhol e inglês na página http://www. espectrorojo.com. 15 A referida exposição aconteceu entre os meses de maio e agosto de 2010, no Centro de Arte dos de Mayo, Madrid, com curadoria de Helena Chávez em colaboração com El Espectro Rojo (http://www.ca2m.org/ ) 16 Formado pelos artistas Pablo España e Ivan López. 17 Estado do Bem–estar. Para maiores informações sobre este trabalho e o outro que selecionamos para recibo88, entrar na página web: http://www.democracia.com.es/ 18 O referido romance “escrito por” K.D. é o último capítulo do livro “Looking for Headless”, que deve ser lançado pelos artistas na íntegra em 2011. K.D. é um escritor fantasma e tem sua formação em finanças offshore, tendo trabalhado por muitos anos como gerente de atendimento ao cliente para uma importante trust-financeira internacional . Este trabalho levou-a para várias partes do mundo, e alguns gloriosamente “ensolarados” paraísos fiscais.Além de seu bronzeado, uma das grandes virtudes de K.D. é a capacidade de dizer a verdade e contá-la de forma desapaixonada. Ela possui uma mentalidade organizada, aliviada pelo fascínio auto-centrista do escritor independente. Ela é uma verdadeira relatora de histórias, e como a melhor entre os seus, ela é de alguma maneira um pouco mais do que apenas uma conexão para a história. Dada a informação privilegiada de trabalhar anos na indústria, dificilmente se poderia imaginar uma melhor autora para Em busca de Headless. - John Barlow (tradução Teresa Riccardi). 19 É formado pelos artistas Pablo San José e Cynthia Viera. 20 A alegoria de Vanitas (do latim), nos sécul séculos XVI, XVII, era representada em certas “naturezas mortas” onde apareciam espelhos, frutas podres e caveras que assinalavam a passagem do tempo, da beleza, e dos prazeres mundanos frente à morte.


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teresa riccardi and traplev editorial 88 (online english version)

I. Recibo was created in 2002 with the aim of creating a print publication that allows the reader to experience artistic practice with a mobile distribution structure (non-regional). The first editions of recibo were produced with the anxiety to circulate projects that treat and give evidence of artistic production. Thus, recibo began as a collective proposal (the first issue was released with two thousand copies, self-financed by a group of artists from Florianópolis - SC, Brazil) with intensions to distribute and develop specific projects. As is the case of the second edition, realized in an artistic residency in El Basilisco in Buenos Aires released with 60 copies in 2006, or even as a development of experiences and collective projects (the case of the third edition called recibo10, with 2000 copies in 2007, the fourth edition, recibo07+9 in 2009 with 130 copies). The fifth edition, recibo057 with 3000 copies, was released in 2010 between Brazil and Colombia with a broader scope and bilingual support for printing and distribution in various countries of Latin America and Europe from the Centro Cultural da Espanha em São Paulo and AECID (Agencia Española de Cooperación Internacional para el Desarrollo). Currently, through the Programa Cultura e Pensamento (a program of the Brazilian Ministery of Culture), and eight years after its first issue, recibo continues to reinvent itself and sees itself as a “graphic curatorial platform”, where the principle agency is collaborative projects and actions related to artistic practices of critical analysis, circulation, and dispersion of ideas. A key aspect of recibo is the opening of possibilities that the particular focus of each issue provides, so that the many artists, thinkers, writers, architects, critics, curators, researchers and so on, experiment with and develop their proposals. Each issue can vary as an “artist’s book,” an “instruction manual”, an “image catalog”, or a “conceptual dictionary.” It is important that they act as platforms for thought, engendering various formats stemming from pre-conceived editorial “sub-themes”. Conceived and coordinated by the artist Traplev (Roberto Moreira Júnior), each of the next five new editions (from April 2011) published by recibo will have a new co-editor and a new designer to collaboratively develop the “subthemes” and graphic forms for a distribution of ten thousand copies in print (bimonthly), as well as an online version. II. I Will Begin with a basic fact: the living organism, in a situation determined by the play of energy on the surface of the globe, ordinarily receives more energy than is a necessary for maintaining life; the excess energy (wealth) can be used for the growth of a system (e.g an organism); if the system can no longer grow, or if the excess cannot be completely absorbed in its growth, it must necessarily be lost without profit; it must be spent, willingly or not, gloriously or catastrophically. GEORGES BATAILLE The editorial project recibo88 is based on French writer Georges Bataille’s The Accursed Share1, written between 1930 and 1940, which is derived from the notion of spending. In this book, which deals with “General Economy”, Bataille assumes that the source and substance of our wealth is provided by radiation from the sun, releasing energy without consideration. The sun gives without ever receiving (...). In this sense, as explained by the citation, there is an emanation of energy surplus and consequently a loss, a waste of natural wealth, which is consequently incorporated by civilizations. Based on this assumption, Bataille’s analysis on the “General Economy” and the notion of spending, results in an excess of energy from nature. Recibo88 - on the notion of spending, (sixth edition, year nine of the publication), has as co-editor the Argentinian researcher and critic Teresa Riccardi, with whom I have been in dialogue and collaborating with in recent years. The correspondence of thoughts and concepts that had already emerged was perfect for more collaboration, as Riccardi has been following and participating actively in the development of the actions of Traplev Orçamentos2 . The projects and texts of Riccardi, in the field of contemporary artistic practice, and her research on the performance practice of contemporary Argentinian art (from 1960) has had great influence on me as an artist. For this edition of recibo, we flirted with some ideas that Bataille calls into question such as: DESIRE, INTEREST, and UTILITY3, which pushed us to further develop a collaborative project. It was from this desire that our partnership sealed this editorial.


In this sense, we think of the economy, (within the context of artistic practice), as an abstract means to deal with reality (values and sub-values), condensed by an ‘impossible’ fiction of the real. We project an impossibility, transforming it into concrete availability in order to publish ideas and conceptual designs within the context of art. We analyze some key words and concepts, such as: calculating interest, planning of the overall economy, strengthening strategies, excessive energy loss, waste, utility, numbers, words, conceptual and economic crises, among others, to consider the notion of expenditure. This repertoire of driving ideas (which are shared and multiply) was administered at the negotiating table for this publication, which deals with the strictly formal context of general economy. The specialization of the economy, in turn, admits a type of sharing that paradoxically is perceived as indivisible from the daily practices of work, sex, negotiation of spaces of consumption, the value assigned to something, or even ways to look at aesthetic practices4 . The question here is how to make visible what is dissolved without totalizing it. How to present a constellation of images, desires, thoughts, spending and consumption of solar energy (citing some common elements) that give life to the practice of art and economics? III. The first interventions of recibo88, approach a certain “decapitation of money”5 , starting with a sequence of a sinister and dark “future perfect” in recent history. In this first narrative constellation, we find an upside-down cover image of the book El Desarrollo Economico (collected by Traplev) which overlaps an “illustrated” conversation on economic development. In the following pages, in a simple and powerful gesture of the four currencies of the newest trade bloc of developing countries - Brazil, Russia, India, China ( BRIC6) and the currency of the United States of America (USA) painted with indian ink, the work of artist Deyson Gilbert, Pernambuco-born and naturalized in São Paulo, creates a critical comment of very current historical fact (debate). Here, the artist avoids conclusions and refers to the Brazilian currency (Real) in spectral form as a shared subjectivity concerning a future projection, contradiction, and at the same time, symbolic justification of Goldman Sachs7 who argued that the rapid development and the combined economies of BRICs in 2050, “could eclipse the combined economies of richer countries in the world today. “ It is precisely this eclipse of the combined economies of the world that features in recibo88 as a “(solar) metaphor” to think of the relationships that Bataille situates on the power of community and sovereignty. Concluding the sequence are two images of the Iraqi dinar currency from the era of Saddam Hussein in 1994, collected by Traplev, which depict not only the loss in a real sense, but the excess of power in conjunction with certain necessary waste of a symbolic field of power that some economies exert on each other. “Le paradoxe de l´utilité absolue” is an essay by Bataille (unpublished in Portuguese) that presents some of the conceptual references that circulate in this sixth edition of recibo. We published the text as the default start of the journal, to serve practically as an index, providing a paradigm for thinking about artistic practice in a context of confrontation with the conceptual principles of utility itself. Bataille makes a reflection on the paradox of absolute value (utility) and puts into conflict words such as utility, pleasure, and value in order to reverse the principle of certainty; instead of affirming the “absolute truth” of society, he leaves clues to think about this paradigm that changes the perspective of things. In the text of Fernando Scheibe8, there is an interesting quote that may also contribute to a general understanding of some issues raised in this recibo88: “The work of art can not be engaged, or may not be used for awareness raising, building a fairer world, etc... It has to be confused entirely with the actual exercise of, useless, sovereign, freedom.” Or, as the Spanish José Luis Ardura9 understands it, in the universe of literature: “The death of the word remains as scripture worn. Conceiving the expense as a production gesture is to take advantage of certain tricks of capitalism, the business of their own culture leads to wear over time. In The Accursed Share, Bataille considers the importance of transforming literature into a singular vision, properly gorgeous, plush, and shiny,” in other words, it brings into play not only the inherent contradictions and dialectical usefulness of the term, but understands violent terrorism and hedonistic torture that encrypts its own autonomy of aesthetics and literature. Another set of articulations selected for recibo88 refers to economic statistics in its own language: the visualization of data, charts, and projections. In this sense, the American/ Argentinian artist Tamara Stuby addresses the bureaucratization of time lived as a pretext to simulate its failures and desires, like a graph of changes in the economic rise and fall of value of products. In this section, relating to her work “Informe Anual / Annual Report”, there is evidence of (beyond the subversive content of the graphic form) the quantification of time in a specific and real sense of life in which we are “talking to someone who never understood what we were saying, or talking to someone who understood what we were talking about, but did not agree with these principles, or simply did not believe in what they were hearing...”. Or, as we also see in the pages of Fe de Erratas by the Argentinian Alicia Herrero, where the value of the work is camouflaged by the system from its visibility, display, and circulation. The artwork becomes a system-defined ontology which enshrines and graphically stretches value from transactions in auctions. Her project Money Market & Auction,among which is Fe de Errata, the artist mimics and interferes with ‘western’ beliefs in supporting the field through a canon that reinvents its subjective value as replicas on the market of symbolic production.


Finally, in dialogue with these types of calculations and percentages, the Rio de Janeiro artist Cadu suggests a ‘tabulated-abstraction’ with the work Twelve Months, a metric reading from the bodies with which the state administers and details energy consumption. Cadu, created an invisible performance in his home over 365 days, orchestrating his energy consumption, spending or saving energy as as a means to create a drawing executed by the energy service provider. This action that perhaps some readers would call “ridiculous” or even “anti-ecological,”reflects the schizophrenic behavior of capital which hosts the subjectivity, modeling experience, and imagining of bodies as substances that exist by reason of molecular flow that transforms the limits of matter (and thought), because the “waste” here takes a very interesting form. In relation to the subjective experience of reality turned into matter and its immaterial and indiscernible opposite, we make reference to citation 43 from the text In Defense of Fetish and turn it into a question: “How do we extract the surplus of abstraction?” The intent to differentiate and narrate the surplus as a certain concept results from the residual or general scheme of the system, or even through wasting the energy of nature, as suggested by Bataille. The paradox exposed is that the abstraction not only disconnects the subjectivity of the thing, but that the relationship multiplies exponentially creating new bonds that affect their living conditions. In this sense, the work of Mexican artist Adriana Lara, illustrated on the pages in sequence (with a disambiguated series of numbers10) as endless possibilities of combinations between the numbers selected by the artist (2, 3, 6, 9, 0) that are hybridized in their physical form as modified picture-frames/numbers.Yet, the number 5 selected in this series is a work painted in the gallery space on which a projection of images creates an abstraction over any attempt to explain and justify creative action, as affirmed by her performance presented at the Museum of Contemporary Art of Castilla and León (MUSAC), Spain in October 2010. On this occasion, a performer, using a non-existant language showed and “commented” on her work through a completely incomprehensible narrative for anyone present in the auditorium of the museum. If there is a relationship that money can diagram between the forms of dictatorship and corruption, then it is a macabre design created through the works of several of Latin American artists in this magazine11. For example, the work of Chilean artist Mario Navarro and the interventions of Hoffmann’s House12 in the Dossier of Daniel Lopez Show (with artists drawings: Jose Pablo Diaz, Divorced Institute - Ian Szydlowski, Pedro Pulido, Mario Soro, Rodrigo Vergara) points out “authoritarian forms of power” linked to the illicit financial enrichment of the genocidal Augusto Pinochet in connivance with corrupt sectors of Chilean society. These works presented in New York City and curated by Navarro, indicate a very delicate issue that reflects and questions an ideal interposed between North Americans and South Americans. It highlights the ‘delay’ of the loss, or even an excess of power, through history, which gives us tools to deeply reflect on regional implications of the general and specific symbols of utopia. From a post-colonial perspective, perhaps as a critique of the ethnographic Bataillean imagination of ‘civilization’, the action El Ralego, of Venezuelan artist Luis Romero, the coins used metaphorically reassemble of the figure of the pirate in America and the legend of Eldorado, where the exploitation of wealth is linked to government corruption and the domination of the Spanish colonies in America. The work of Daniel Medina, also Venezuelan (selected by Luis Romero) makes a very interesting and analytical commentary about the values of the Venezuelan currency (Bolivar) comparing the price of a piece with its own “multi-in-utility” from the coin itself. Finally we pay a tribute to the Argentinean artist Federico Manuel Peralta Ramos (1939-1992) with a conceptual and poetic reference from this edition. The religious maxims “Giving money and wasting time ...”, one of the principles of Peralta Ramos, recognize and contextualize his performance practices in the 1960s in Buenos Aires (the years of dictatorship until the arrival of democracy in Argentina in 1983), but was also inspiration for this editorial project and elaborated the guidelines used. Four years ago, Traplev was confronted for the first time with the painting Mystery of Economics, by Peralta Ramos (cover of recibo88), setting off the initial idea that ends with this editorial project. This “mystery” to which Peralta Ramos makes reference, may remain forever and we believe will to continue to give some power of thought for us to meditate on “satellites” or “planetary constellations” as imagined by Peralta Ramos. In the words of Corazon Ardura paraphrasing Bataille, “where the real luxury requires the complete disregard of wealth, the indifference of those who reject the work and convert life to a side of infinitely ruined splendor, and the other a silent insult to the false industry of the rich”, highlight the wealth of capital that transverse a precarious workforce wasted, so negative that it holds its strength becoming fertile ground for the thought of Bataille, who tries to understand civilization and the principles that motorize the fetishistic desires of primitive societies until the dawn of capitalism in the post-feudal age. The reflection on the fetish as a concept elaborated in Marxist thought, which we translated into Portuguese from the text of Mexican curatorial collective El Espectro Rojo13 - “In Defense of Fetish”14 , is interesting to study through the questions of this concept in art practice not only condensed into society, but also inserted into critical reflections of Karl Marx on the Mexican political economy currently discussed in the artistic field. In the early exchanges of the editorial process, we found in one of our daily online researches an exhibition called Critics Fetishes - residual from general economy15, organized by El Espectro Rojo, which focused on the same text by


Bataille (The Accursed Share) (available online at espectrorojo.com). As soon as we discovered this, we negotiated a collaboration with the curators for this edition of recibo88, which was accepted with great interest. Thus, we can offer the readers a dense text about the key questions for this editorial project. With the exchange of concepts that describe the relationships of value in society today, the project of the artist Cristina Ribas addresses the relationship between informal work and the artwork that the artist makes in the streets of Rio de Janeiro and Niterói. In her work, she stamps sentences and words such as: WORK - INFORMAL - PRECARIOUS - ARTISTIC on the backside of leaflets from money lenders which are then returned into circulation. This insertion produces, as she marks, “the surplus (immeasurable)”. But if there is a “society without a head” as Bataille imagined, a secret community organization whose sovereignty installs itself into a borderless utopia, it can be found in the project SIN STATE by the Madrid-based group Democracia16. Their coat of arms represents a collaborative community that (as shown in the credits below the picture on page 47) offers services in an area on the outskirts of Madrid as a workshop for legal advice and the construction of bleachers and uniforms for the local football team, among other actions. This project is interesting to think about through the marginal “dystopias” that artistic practice puts into action as a consequence of this policy where in addition to critically commenting on a specific place in Spain, it brings up multiple and overlapping territories of thought about this “community without sovereignty.” It is also clear that the three-dimensional logo Welfare State17 offers ironic, sexually-marginal, gothic, sadistic, and irresistible subjectivities that are embodied within the object. Another legacy of Bataille’s fiction, which portrays aspects of sovereignty as a farce, is incorporated in this recibo88. Planned as a surreal narrative parody, the Swedish artists Goldin & Senneby create, through fantasy and the sexual taboos of certain contemporaries, an obscure intersection between offshore capital, bestiality, and authority. G + S, whose ambiguity remains, presents in this publication the, previously unpublished in Portuguese, last chapter of the novel Looking for Headless, (Chapter 12, Act 3 - authority), from their ghost writer KD18. Inspired by the latest chapter from the text “The Solar Year” of Bataille. The scenario depicted is almost a circus between corporate offices and the London Zoo who converge (the plot of G + S) for a performance of Agnus Cameron, meanwhile, monkeys claim sovereignty in the “civilized” monkey cage that represents its species. From the pair of Spanish artists living in Berlin, PSJM19, we present a fragment of the novel that they will launch in 2011, La isla de Hidrógeno, translated into Portuguese specially for publication in recibo88, which addresses desire as a form of seduction for consumption. Designed in a “hydrogen island”, which holds a series of stimuli of comfort and well-being, the female character, Celia Moore, questions the rationality of consumption between banality and necessity. Besides this passage, we are also publishing an ad for the brand MARX Jeans, that PSJM showed at Laboral space - Centro de Arte y Creacion Industrial, in Gijon, Spain in 2008. PSJM presented an installation which consisted of making women’s skirts, jeans and also men’s shirts in limited quantities that could be taken by the public visiting the exhibition. For the occasion, an advertising campaign on the streets of the city of Gijón was developed, among which we chose the “advertising image” from “Marx’s ® Jeans” to put inside the front cover, simulating an add space. The work of Aline Dias and Suwon Lee refers to the natural consumption of energy, whether time or combustion, rot or destroy. Waste, as defined by Bataille, theoretically understands usefulness as a term subordinate to pleasure. From the vast collection of molds, mites,, and dust accumulation Aline Dias selected the sequence of photographs of red tomatoes and passionfruit for the explicit sexuality of the images of fruit in the process of putrefaction, a contemporary version of the allegory of Vanity20. Suwon Lee’s photograph of a burning car exposes the epiphany of fire and a ritual sacrifice of a symbol of the capitalist market in the Fordist era. This image seems to fit perfectly as an “abstract pause” to think about loss, and also as a reminder of the desire to clarify thoughts about death, destruction, or even fetishes. But it is also possible that the “abstract pause” just wants this space to “burn time”, subjectively trying to build itself, without the game of words of “indirect” description. This summary, presents in part, the constellation of the recibo88 proposal, on which only a few comments here are not finished and open to dialogue. It describes mythologies that we want to point out - at least within this collaboration between Traplev and Teresa Riccardi - on the relationship between art and economy. We would also like to point out that these terms never remain neutral because their structure is a background map of Latin America that behaves like an unruly unconscious. (References to a discussion of economics in art are varied and the theme is endless. For our research, we could point to a few references: the Brazilian artist Cildo Meireles with the work Zero Cruzeiro, 1978; Jac Leiner Blue with the Blue series of 1992; Marcel Broodthaers with its multiple “Section Financière. Musée d’Art Moderne. Département


des Aigles. 1970 - 1971. A Vendre pour Cause de Faillite”; the exhibition “Economie,” from the Parisian collective Claire Fontaine 2010 (among other works); Marie Eichhorn with the work “The artist’s contract”, which is centered in the contract that Seth Siegelaub produced in 1971 with the lawyer Bob Projansky; Wim Delvoye with your Project Cloaca, among others ...) IV. To imagine a magazine in the format of a recibo (receipt, in English) was, undoubtedly, to project ourselves to the reading public, not only as a related group, but as an anonymous community. Convinced that in them “there are heads”, limbs, and bodies; we know the links remain unspeakable, and that the secret here might have been to give visual clues of the constellations that appear in the work process of the editing ritual. We know that the community of readers will do the rest, the sacrifices and celebrations. We are aware that some people know about the existence of this project, showing that they are attentive to the current changes. They will read from front to back and vice versa, and will be quick to detect the passage and the transformation of this platform. The leap into the abyss circulates, wandering, unpredictable, and without measure; which was the calculation of the design as perfect device, sensitive and sensual. This is how we imagined recibo88 which was dedicated to the economy. Thispart involves art and artistic practice in subjective performance of everyday life, done in order to imply or suggest, only through the work of artists and other collaborators, the hidden desire of the contradictions of its members seduced by readers of fiction of commodity, value, labor, fetish, erotic sexuality, the expense, gain and loss of energy. T&T September to December 2010. ___________________________ Notas: 1 La Part Maudite is the original title of this book by Georges Bataille, written between 1946 and 1949, when it was published by Les Éditions de Minuit. It was translated into English and published in 1991 with the title The Accursed Share. 2 Traplev Orçamentos (budget) is a hybrid platform between the artist’s individual and collaborative projects. Among recent collaborations between Traplev e Riccardi was the dialogue to develop the exhibition The Extent and Effect, held in 2009 in the alternative art space Montgomery in Berlin. Here, Riccardi composed the text of the exhibition and ENDORSE A CRITICISM, a proposal written in 2006, which was published in 2010 as an intervention by recibo in a special issue of PULGAR Magazine edited in partnership with the Museum of Contemporary Art of Castilla and León (MUSAC), which included several independent publications on Latin American art. More details of these and other projects: http://traplev.multiply.com/ 3 Direct mention to the Chapter II Laws of General Economy, The Press, in which Bataille speaks on “Measuring interest” and where he contrasts the three concepts mentioned here. Bataille, Georges. Imago Editora, Rio de Janeiro, 1975. 4 Jacques Ranciére, A Partilha do Sensível, – Estética e Política, Tradução de Mônica Costa Netto – Editora 34 Ltda, SP, 2005. 5 Mention to the Goldin + Senneby Project : “The Decapitation of Money”, Kadist Foundation, Paris, 2010. More information: http://www.goldinsenneby.com, http://www.kadist.org/ 6 The term BRIC was created and used by the economist Jim O’Neill, chief of research in global economy from the financial group Goldman Sachs, in 2001. 7 Goldman Sachs is one of the largest investment banks in the world, and the protagonists of the global financial crisis of 2008. Founded in 1869 by Marcus Goldman, the company is currently headquartered in New York and maintains offices in many major financial centers worldwide, including Brazil (Sao Paulo), which operates more than 17 years.


8 Fenando Scheibe is researcher from the post-graduation in literature program from Santa Catarina Federal University (UFSC) and concentrated his research in Bataille in the master program (“Acéphale e a hora presente”) and doctorate (“Coisa nenhuma: ensaio sobre literatura e soberania (na obra de Georges Bataille)” 9 José Luis Corazon Ardura, art critic and curator, co-director of the magazine Sublime and collaborator of Cura Magazine. 10 Disambiguation: to establish a single grammatical or semantic interpretation for. 11 These ‘ visual’ diagrams incorporated by recibo88 linked to the seventies and to the Latin American dictatorships, attempt, rhetorically and through diversion, (as mentioned by Navarro) to the past tensions that still shape and articulate, respectively, various discursive practices in Chile, Argentina, Brazil, and Venezuela. An explanation about political resistance could reassure those readers whose expectations and continuity with the past allow them to replace contexts in the works, but we believe that this transaction doesn’t bring effective result as the treatment that the artists make with the economy as a matrix lays bare the corruption and dehumanization exerted by the political state of ‘democratic’ exception. It’s about them that the works do not speak directly, other than as satellites where they show signs and contradictory aspects, and they are observed either as forms of sovereign power to suspend freedom and civil rights in a scheme organized from terror, like beauty and ambiguity from a shot in a bank form. In this sense, we think that the recent discussion about opening the archives of the era of military dictatorship (1964/1985) in Brazil can be a social and cultural advance to break with this “lack of historical memory”. 12 Chilean art collective from Valparaíso integrated by Rodrigo Vergara and José Pablo Díaz. 13 Cuauhtemoc Medina and Mariana Botey are founders of The Red Specter: ghostly character organization and cultural turmoil. Based in Mexico City, El Rojo Spectrum works with interventions situated in the intersection of art and theory from multiple collaborations with a network of international critics, designers, artists, and curators. 14 For more information about this text, in english and spanish, visit: http://www.espectrorojo.com. 15 This exhibition was held between the months of May and August 2010, at the Centro de Arte dos de Mayo, Madrid, curated by Helen Chavez Spectrum in collaboration with El Espectro Rojo (http://www.ca2m.org/). 16 Formed by the artists Pablo España and Ivan Lopez. 17 Welfare State. For more information on this and other work we have selected for recibo88, enter the web page:http://www.democracia.com.es/ 18 K.D. has an unusual pedigree for a novelist. Her background is in offshore finance, having worked for many years as a client service manager for a major international trust-management company. This work has taken her to various parts of the world, some of them gloriously sun-kissed, fiscal paradises. This, again, is somewhat unusual for a novelist, but who better to write a murder-mystery set in the heady yet dark world of international finance? Apart from a sun tan, then, one of K.D.’s great virtues is the ability to tell the truth and to tell it dispassionately. She possesses an uncluttered mindset, unburdened by a writer’s self-fascination and that author-centricity from which so many of us suffer. She’s a true storyteller, and as with the best of them, she is in some ways little more than a conduit for that story. Given the insider info that years in the industry have given her, one could hardly imagine a better author of Looking for Headless. -John Barlow 19 Formed by the artists Pablo San José and Cynthia Viera. 20 The allegory of Vanitas (Latin), in the sixteenth and seventeenth centuries, was represented as certain “dead nature” which appeared as mirrors, rotten fruit, and skulls which marked the passage of time, beauty, worldly pleasures, and death.

translate: thais medeiros revision: rebecca nadjowski


apresenta:

parceria | apoio | realização |

Esta publicação foi contemplada pela seleção pública de revistas culturais do Programa Cultura e Pensamento 2009/2010


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