Província La Salle Brasil-Chile ANO 7 Nº 11 DEZEMBRO DE 2018
Lassalistas sem fronteiras: um um
Coração, Compromisso e umaVida
ANO JUBILAR LASSALISTA
Oração Um coração, um compromisso, uma vida Deus Pai e Mãe, Vós nos amais com infinita misericórdia. Vós nos chamais a sermos vossos filhos e filhas. Vós nos convidais a cuidar a Terra, casa comum de todos. Dai-nos um coração grande. Um coração de carne que pulse. Um coração sempre disposto a amar. Um coração compassivo para com quem sofre. Um coração no qual haja espaço para os Lassalistas do mundo inteiro. Senhor Jesus, Vós nos amais e nos fazeis todos irmãos. Vós nos chamais a seguir-vos como cristãos leigos engajados. Vós nos convidais a anunciar a Boa Nova do vosso Evangelho. Dai-nos coragem para viver nosso compromisso. Ensinai-nos a ir além de nossas fronteiras. Ensinai-nos a vos descobrir nos mais pequenos. Ensinai-nos a olhar com os olhos da fé. Ensinai-nos a partilhar nossa missão com os Lassalistas do mundo inteiro. Espírito Santo, Vós nos amais e nos ofereceis o dom da fraternidade. Vós nos chamais a viver com alegria. Vós nos convidais a sermos pessoas de interioridade criativa.
Dai-nos força para uma vida plena, com sentido. Infundi-nos vossa graça para viver os valores do Evangelho. Infundi-nos vossa graça para sentir-nos parte ativa da Igreja. Infundi-nos vossa graça para crescermos também por dentro. Infundi-nos vossa graça para sermos testemunhas credíveis, Junto com toda a Família Lassalista, no meio do mundo em que vivemos. Santíssima Trindade, Deus comunhão, Queremos ser fiéis ao nosso carisma, Coerentes em nossa vida de fé E comprometidos na missão educativa lassalista. Juntos e por associação, Desejamos renovar nosso compromisso lassalista, E celebrar, em atitude de ação de graças, estes 300 anos de vida. Isso vos pedimos por meio de Maria, Rainha e Mãe das Escolas Cristãs. E por intercessão de São João Batista de La Salle, Padroeiro universal dos educadores cristãos. Amém.
VIDA RELIGIOSA APOSTÓLICA
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Lassalistas sem fronteiras: um Coração Lassalistas sem fronteiras: um Compromisso Lassalistas sem fronteiras: uma Vida
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MATÉRIA CENTRAL Lassalistas sem fronteiras: um Coração, um Compromisso e uma Vida
ESPECIAL Província La Salle Brasil-Chile: novo Provincial é nomeado
ACONTECEU NA PROVÍNCIA 2º Capítulo Provincial da Província La Salle Brasil-Chile
ENTREVISTA ESPECIAL Voluntariado: uma ação que ultrapassa fronteiras
SUGESTÕES CULTURAIS Confira as dicas culturais da Revista Fraternitas
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REFLEXÃO E PARTILHA Itinerários Formativos: Caminho para o seguimento de Jesus
ENTREVISTA Ir. Nestor Anaya, em visita à Província La Salle Brasil-Chile
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VISITAS Irmão Superior Geral em visita à Província La Salle Brasil-Chile
SAUDADE Falecimentos de Irmãos da Província
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Estimados leitores:
Capa: Setor de Comunicação e Marketing Imagem: shutterstock.com
Em celebração aos 300 anos da passagem de João Batista de La Salle à vida eterna, o Instituto dos Irmãos das Escolas Cristãs convida a viver a missão e a levar o carisma de La Salle com um coração, um compromisso e uma vida – lema do Ano Jubilar Lassalista.
Fala-se ainda do 2º Capítulo Provincial e suas proposições, das visitas dos Irmãos Robert Schieler, Superior Geral, e Nestor Anaya, Secretário da Missão Educativa Lassalista do Instituto, à Província La Salle Brasil-Chile, de Ação Voluntária e de Itinerários Formativos.
Assim, esta edição da Revista Fraternitas, traz artigos que remetem ao lema dos 300 anos e acrescentam o desafio de colocá-lo em prática rompendo barreiras pessoais e sociais, indo além das fronteiras, sejam elas reais ou imaginárias.
Uma boa leitura a todos! Viva Jesus em nossos corações!
Irmão Marcelo Cesar Salami Diretor de Formação
Além disso, a Fraternitas lembra o importante momento de transição da Direção da Província La Salle Brasil-Chile e compartilha uma entrevista com os Irmãos Edgar Nicodem e Olavo José Dalvit.
Revista Fraternitas – Nº 11 – Ano 7– Dezembro de 2018 Provincial: Ir. Edgar Nicodem Diretor de Missão: Ir. José Kolling Diretor de Formação: Ir. Marcelo Cesar Salami Diretor de Gestão e Ecônomo: Ir. Olavo José Dalvit Secretário Provincial: Ir. Marcos Corbellini
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REVISTA FRATERNITAS
Realização: Direção de Formação e Setor de Comunicação e Marketing da Rede La Salle Edição e Reportagens: Setor de Comunicação e Marketing da Rede La Salle Revisão: Ir. Marcelo Misturini Diagramação: Setor de Comunicação e Marketing da Rede La Salle *Os artigos assinados são de responsabilidade dos autores.
Lassalistas sem fronteiras: um Coração Ir. Arno F. Lunkes Diretor da Comunidade La Salle Noviciado - Porto Alegre/RS “Tende todos um só coração e uma só alma, sentimentos de amor fraterno, de misericórdia, de humildade” (1Pe 3,8).
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esde a infância ouvimos de nossos professores que são as batidas do coração que bombeiam o sangue pelas veias e o fazem chegar a todos os recantos do nosso organismo. Ao longo do percurso escolar, descobrimos também que o sangue contém o oxigênio e inúmeros ingredientes necessários ao nosso bem-estar, crescimento, saúde, energia... E o alerta: “Se o coração para, a vida morre”. Não é por nada que o coração está diretamente ligado às atitudes e sentimentos humanos resumidos em expressões como “Ele tem um bom coração”, “coração duro”, “sem coração”... É nesses termos que muitas vezes indicamos o estado de ânimo, um modo de ser, de fazer...
Além dos sentimentos, também o modo de os cristãos viverem as relações humanas é desafiado pela Palavra de Deus, como faz o Apóstolo Pedro, que pede aos seguidores de Jesus: “Tende um só coração e uma só alma” (1Pe 3,8). Também na literatura lassalista o personagem “coração” aparece em muitas cenas. Aqui convidamos o leitor a atualizar (trazer à mente e ao coração) somente aquelas que constam na Regra dos Irmãos das Escolas Cristãs, as quais cabe-nos a responsabilidade de perpetuá-las dentro do nosso itinerário pessoal e institucional. A nossa missão educativa é solicitada a ser eficiente e eficaz, vale dizer: impulsionada pelo coração e pela mente. Isso contempla e reforça a exigência de ser de boa qualidade e gerar frutos de crescimento humano e espiritual. Traduzindo na linguagem da Regra: Como “ministros de Deus e da Igreja”, solícitos em “tocar os corações”, os Irmãos desincumbem-se
Na meditação, os Irmãos unem-se à pessoa de Jesus Cristo em seus mistérios, virtudes, ensinamentos e coração
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de sua missão com o “zelo ardente” requerido pela obra do Senhor (21). Tal objetivo sem dúvida exige, por parte do Irmão, empenho pessoal para que coração e mente conquistem energia e consistência interior capaz de animá-los e sustentá-los: Hoje, os Irmãos, pessoas de esperança, se comprometem nesse mesmo itinerário, para adquirir um coração de pobre e converter-se a Deus, sua verdadeira riqueza (40) O caminho e recursos para tal são bem indicados por nossa Regra de vida: Os Irmãos... Na meditação, unem-se à pessoa de Jesus Cristo em seus mistérios, virtudes e
ensinamentos. São, dessa forma, continuamente chamados a fazerem seus o espírito e o coração de Jesus Cristo e a viverem em sua presença ao longo do dia (69). No coração da Família Lassalista, os Irmãos continuam sendo fonte de inspiração para todos os lassalistas. São chamados a serem, entre eles, para eles e com eles, coração, memória e garantia do carisma lassalista. Sejam também os mediadores da luz pela qual o próprio Deus iluminou os corações daqueles que destinou a anunciarem sua Palavra às crianças (cf 154;157). Cabe a cada Irmão a ousadia de projetar esse conjunto de apelos e propósitos para o desafiador núcleo da fidelidade ao que Deus nos pede, como resposta ao seu chamado: “em
A Missão Educativa é solicitada a ser eficiente e eficaz, devendo ser impulsionada pelo coração e pela mente
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qualquer lugar a que eu for enviado”... para perto, para longe; para o habitual e para o desafiador “novo”.
Certamente, pelo mundo afora, há muitas “Esperanças a espera”...
Ousadia e fidelidade nos remetem à primeira frase de nossa Regra. Com força de desafio ela nos lembra hoje que João Batista de La Salle e os primeiros Irmãos “sensibilizados com o abandono humano e espiritual dos filhos dos artesãos e dos pobres”, voltam-se para os necessitados de seu tempo, aos de perto e aos de longe. E o Instituto se consolida ao ritmo da fidelidade aos apelos de Deus em prol desse serviço.
Por isso dedicamos:
Assim, hoje os Irmãos, unidos por um só coração, tornam possíveis a associação entre eles, a disponibilidade a seus colaboradores e aos apelos da Igreja, a solidariedade e a proximidade com os pobres a quem desejam servir (cf R 40), em qualquer lugar a que forem enviados. Em síntese a fazerem seus o espírito e o coração de Jesus Cristo (Cf R 69). Diante dos inúmeros desafios de nossa missão sem fronteiras, fazemos nossa a oração de Paulo à Comunidade de Éfeso: Deus ilumine os olhos dos vossos corações para saberdes qual é a esperança que o seu chamado encerra (Ef 1,18). Voltemos à ideia do primeiro parágrafo: O coração impulsiona, para o organismo todo, os ingredientes vitais necessários à sua sustentação. O Organismo, com nome próprio de “Instituto dos Irmãos das Escolas Cristãs” aspira e anseia que seu “coração” - os Irmãos Lassalistas (leiase cada Irmão) - esteja repleto do espírito de fé e zelo ardente, que lhe dá energia para cumprir sua missão em qualquer lugar do Organismo a que seja enviado, fiel ao sagrado voto proclamado. Ele sem dúvida nos impulsiona e anima a ultrapassar fronteiras emocionais, intelectuais, afetivas, geográficas e até profissionais... Com efeito, quanto de bem poderia cada um dos Irmãos ainda fazer, alhures, para além das suas “ocupações” atuais!!! O Superior Geral, Ir. Robert Schieler, em sua carta pastoral 2016, nos indica que nosso compromisso lassalista com o bem comum, com foco preferencial e prático nos vulneráveis e pobres, é um movimento impulsionado pelo Evangelho de ir para “além- fronteiras”. E nos incentiva: “questões como essas, consideradas pelos olhos da fé, podem acordar-nos para iniciativas emocionantes, por trazerem esperança cristã aos jovens abandonados e desesperados” (cf. p 11-14).
Nossa homenagem a quem, a partir do seu coração, em todas as circunstâncias e como “Coração do Instituto” conduz a vida Tecendo a missão, conhecimentos e emoções No pulsar do Coração tecendo, fios multicores passam e perpassam as telas. Na arte da mão e da mente, e no pulsar do coração criam e recriam, tecendo imagens... palavras sem fala... olhares... e silêncios. É o saber, com o amor, tecendo emoções, Cumprindo sua missão. Como fios na tela, as palavras se espalham iluminam..., se unem à rotina do dia-a-dia, sem sentido e com sentido... ao ritmo de um coração encantado pela vida... e sofrido pela morte de quem não teve chance nem guarida Fios de vida se combinam... e se entendem... e se reúnem... E tecem o texto e o contexto, e o verso e a poesia, e a prosa... o discurso... o serviço e a missão... E a mensagem que prende o pensamento e amarra o coração ... que emociona e move a paixão... e a oração. E tece a harmonia, e o entendimento... e o amor que toca... e toca,... e toca uma vida, e uma vida na outra vida e... conhecidos e amados tecem outra vida e outras vidas. É a emoção... força do coração tecendo o saber... e a sabedoria... e a vida em plenitude... sem fronteiras e sem quietude. Amém.
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Lassalistas sem fronteiras: um Compromisso Ir. Edgar Nicodem Provincial da Província La Salle Brasil-Chile
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Reflexão Lassalista Nº 3 (2017-2018) tem como tema “Lassalistas Sem Fronteiras”. O subtítulo destaca as mudanças demográficas e ambientais em curso e a importância de comunidades sustentáveis. O documento descreve uma série de mudanças significativas, tanto sociais quanto ambientais, que afetam significativamente o presente e o futuro da comunidade humana e da mãe terra. O que está em jogo é a viabilidade da comunidade humana a curto, médio e longo prazos. “Lassalistas de Coração” é o tema da Reflexão Lassalista Nº 4 (2018/2019). No âmbito da celebração dos 300 anos de falecimento do Santo Fundador, o Ir. Robert Schieler - Superior Geral - afirma que “estamos dispostos a compartilhar ‘um coração, um compromisso, uma vida’ da mesma maneira como La Salle e que possibilitou estes 300 anos de história viva”. O documento destaca que o processo de fidelidade que animou La Salle, continua vivo entre nós e chama, por meio de muitas vozes, a responder às necessidades educativas das crianças, jovens e adultos de hoje. Associados, a exemplo de La Salle e dos primeiros Irmãos, somos convocados a promover o diálogo, a humildade e o respeito à diversidade para fortalecer a paz, a integridade, a solidariedade ativa com os empobrecidos e o futuro do planeta.
em oposição. No imaginário popular, fronteira permaneceu associada a limites, divisões, separações, tensões e conflitos. São linhas reais ou imaginárias que distinguem, demarcam e separam. Por exemplo, as fronteiras entre países, a valorização de uma cultura em detrimento de outra. As noções de fronteira e compromisso são importantes para imaginar e projetar um mundo sem-fronteiras ou lassalistas sem-fronteiras. A palavra compromisso vem do Latim “compromissus”, particípio passado de compromittere, fazer uma promessa mútua, formada por COM, junto, e PROMITTERE, prometer, garantir. É uma forma pública ou privada de assumir uma obrigação ou vínculo com alguém, com um objetivo ou projeto. Pode-se falar de compromissos religiosos, matrimoniais, familiares, de negócios e outros. É uma responsabilidade adquirida em virtude de uma afirmação verbal ou escrita. É importante observar em qualquer compromisso quais são as obrigações e os possíveis direitos gerados.
Ao abordar o tema proposto, vamos ter presente dois elementos importantes das Reflexões Lassalistas 3 e 4. Ou seja, as fronteiras e o compromisso. Incialmente, vamos analisar a etimologia das duas palavras. Em seguida, inspirados no artigo 13 da Regra, va-mos apresentar uma série de considerações sobre o tema lassalistas sem fronteira – um compromisso, particularmente considerando as implicações para a nossa vida e missão. Etimologia das Palavras Fronteira e Compromisso A palavra fronteira vem latim “frons”, “frontis” que também dá origem a palavra francesa “frontière”. Na sua versão moderna, fronteira, como também fronte, tem uma forte conotação militar. Está associada a espaços, estratégicas e táticas do campo de batalha. Em sentido figurado, podese identificar com dois ou mais domínios separados ou
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Os Lassalistas assumiram compromissos para superar constantemente as fronteiras e responder às necessidades do Reino de Deus
Lassalistas sem fronteiras A atual Regra revisada há uma característica que não era tão evidente nas edições anteriores. No início de cada capítulo, há uma referência explícita ao Santo Fundador e aos primeiros Irmãos, destacando o compromisso que eles assumiram perante Deus e os filhos dos artesãos e dos pobres. São por exemplo, os artigos 1º, 13, 22, 45, 63, 78, 110 e 152 da Regra. A partir dessa experiência fundacional, cada capítulo propõe aos Irmãos um conjunto de elementos atualizados para serem vividos segundo o projeto que a Igreja recebeu de Deus, por meio de São João Batista de La Salle. Como já mencionamos anteriormente, vamos desenvolver o tema dos lassalistas sem fronteiras - um compromisso - a partir do artigo 13 da Regra. “Impressionados pela situação de abandono dos ‘filhos dos artesãos e dos pobres’, e em resposta à sua contemplação do desígnio salvífico de Deus, João Batista de La Salle e os primeiros Irmãos associaramse para estabelecer escolas cristãs gratuitas. Conjugando formação cristã e ensino de qualidade, e fazendo-o de modo fraterno, eles prestaram à Igreja e à sociedade um serviço importante e necessário. Hoje, os Irmãos continuam a missão lassalista, partilhando-a com homens e mulheres que reconhecem a relevância do carisma lassalista. Vivem sua missão como testemunho, serviço e comunhão. O Instituto está atento, em primeiro lugar, às necessidades educativas daqueles cuja dignidade e direitos fundamentais não são reconhecidos. Em sua missão, procura proporcionar-lhes a possibilidade de viverem dignamente como filhos e filhas de Deus. O Instituto cria, renova e diversifica suas obras segundo as necessidades do Reino de Deus”. Ao analisar o artigo 13 da Regra, vamos dividi-lo em três partes. A primeira parte vai tratar da resposta educativa de São João Batista de La Salle e dos primeiros Irmãos às necessidades educativas dos filhos dos artesãos e dos pobres. A segunda será sobre a relevância do carisma lassalista para Irmãos e colaboradores lassalistas. E a terceira vai abordar a criação e diversificação das obras educativas para atender as necessidades educativas, assumindo compromissos alémfronteiras. Tanto na primeira quanto na segunda e na terceira parte podemos identificar como, desde a fundação até o momento atual, os lassalistas assumiram compromissos para superar constantemente as fronteiras e responder as necessidades do Reino de Deus. Na parte inicial do artigo 13, destaca-se a situação dos “filhos dos artesãos e dos pobres” que tão profundamente impressionou a La Salle e os primeiros Irmãos. O Ir. Léon Lauraire descreve, com maestria, no Cahiers Lasalliens Nº 61, essa situação, destacando os dominados (assalariados, domésticos, agricultores e diaristas), os excluídos (mendicantes e errantes) e os inclassificáveis (soldados desmobilizados e prostituídos(as). Foi essa realidade que
impressionou profundamente a La Salle e os primeiros Irmãos. Responder a essas necessidades educativas implicava inevitavelmente romper fronteiras culturais, eclesiais, sociais e educativas. Segundo Michel Sauvage, “projeto fundador tal como pode entender-se quando João Batista de La Salle tomou a decisão de responder à chamada de Paris: uma comunidade sem fronteiras (diocesanas), nem garantias (eclesiásticas); uma comunidade para manter a sua unidade, precisava defender a sua autonomia interna (Cf. Memorial sobre o Hábito, 1689, que emprega 40 vezes o termo ‘comunidade , às vezes, para designar a pequena comunidade local, mas também, em diversas ocasiões, para referir-se aos grupos de Irmãos de Paris e de Reims” (Sauvage, 1988, 3-4). A perspectiva de ir além-fronteiras transparece claramente na decisão estratégica de La Salle de sair de Reims e iniciar uma nova comunidade em Paris. Uma decisão arriscada, repleta de incertezas e que acarretou muitas dificuldades, como demonstram os biógrafos do Fundador, especialmente Blain. Contudo, foi uma decisão fundamental para dar ao Instituto um novo horizonte e novas perspectivas. Felizmente, La Salle soube sair da segurança e das garantias eclesiásticas de Reims para assumir as incertezas de Paris, dando ao Instituto nascente um novo rosto. Naquela época, as fragilidades internas eram tão relevantes quanto as ameaças externas. A crise do final dos anos 80 (1680) era intensa. A presença lassalista em Reims estava em crise. O início em Paris foi muito difícil, inclusive com ameaça de expulsão de La Salle e dos Irmãos. A crise comunitária era profunda e complexa. Em Reims, metade dos Irmãos havia abandonado o Instituto. Havia cansaço físico, moral e espiritual. La Salle estava enfermo, em perigo de morte. O Ir. Henry L’Heureux havia recentemente falecido. Em Paris, a autonomia da comunidade está ameaçada pelo pároco de São Sulpício. As respostas da comunidade lassalista nascente foram profundamente inovadores, rompendo diversas barreiras ou limitações. La Salle estende a área de atuação da sociedade, promove as assembleias do Irmãos, organiza retiros de renovação, estrutura o Noviciado, defende a autonomia dos Irmãos, por meio do Memorial do Hábito, e particularmente em 1691 e 1694 configura com os Irmãos o voto de associação para o serviço educativo aos pobres. Essa nova dinâmica será fundamental para superar as crises seguintes e avançar na estruturação do Instituto. Diante de novas perguntas, novas respostas. O contexto atual requer novas respostas educativas e evangelizadoras. O Instituto não deixou de crescer nas últimas décadas. Contudo, o número de Irmãos continua a diminuir de forma acentuada. Em termos muitos simples, não há reposição dos Irmãos que estão anualmente falecendo. Felizmente tem
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crescido o número de “homens e mulheres que reconhecem a relevância do carisma lassalista” (Regra 13). Aqui há uma importante fronteira a ser ultrapassada. Com facilidade poderíamos ser tentados a pensar que a valorização dos leigos decorre da diminuição do número de Irmãos. Grande engano. É inegável que sem a valiosa contribuição de leigos lassalistas, a missão do Instituto não é viável. No entanto, a participação dos leigos lassalistas no carisma e na missão não decorre de motivos meramente práticos, mas teológicos. Ao falar em vocação lassalista, necessitamos hoje falar de vocações, ou seja, no plural. A vocação do leigo lassalista precisa ser reconhecida e valorizada pelos Irmãos e pela própria Igreja. Ela é uma manifestação de Deus que continua guiando todas as coisas com suavidade e sabedoria. A Regra no artigo em tela afirma que “o carisma lassalista é um do Espírito Santo dado à Igreja, em vista da educação humana e cristã. Os Irmãos partilham, alegremente, a mesma missão com leigos que se identificam com o carisma lassalista e que o vivem. Juntos, garantem a vitalidade do carisma, suscitando ou desenvolvendo estruturas de animação, de formação e de investigação, nas quais cada um pode aprofundar a compreensão de sua própria vocação e da missão lassalista”. A tenda lassalista não deixou de se estender nas últimas décadas. Os leigos lassalistas, segundo o artigo 19, participam com pleno direito do carisma lassalista. Juntos, Irmãos e colaboradores lassalistas, são responsáveis pela vitalidade do carisma e da missão educativa. Esse novo cenário requer novas formas de animação, de organização e itinerários formativos para aprofundar a própria vocação e a missão partilhada. A terceira parte do artigo 13 afirma que “o Instituto está atento, em primeiro lugar, às necessidades educativas daqueles cuja dignidade e direitos fundamentais não são reconhecidos. Em sua missão, procura proporcionar-lhes a possibilidade de viverem dignamente como filhos e filhas de Deus. O Instituto cria, renova e diversifica suas obras segundo as necessidades do Reino de Deus”. O apelo fundamental que a parte final do artigo 13 faz aos lassalistas é de abertura incondicional às necessidades educativas, particularmente aos direitos fundamentais. E por isso, convida a criar, renovar e diversificar as obras educativas. Como no tempo de La Salle, precisamos romper fronteiras para poder atender às necessidades educativas dos jovens de hoje. Esse é um dos nossos compromissos fundamentais. Não podemos frustrar os sonhos das novas gerações. Estamos vivendo, segundo o 45º Capítulo Geral, “um tempo de graça, um tempo de transição, um tempo de voltar ao coração de nossa história carismática e evangélica”. Por isso, podemos assumir alguns compromissos para sermos lassalistas sem fronteiras:
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Os Irmãos vivem em missão como testemunho, serviço e comunhão
1. O Evangelho como primeira e principal Regra. A obra lassalista é uma obra de Deus, por isso, assumimos os valores e os princípios do Evangelho. 2. A Eclesiologia Igreja Povo de Deus. Reiteradamente o Papa Francisco afirma a importância de superar o clericalismo. Também no Insituto e na Província precisamos superar preconceitos e perspectivas históricas que não valorizam adequadamente a contribuição dos colaboradores leigos. 3. As necessidades educativas das crianças, dos jovens e adultos de hoje. Há efetivamente novos cenários na Educação. É próprio da identidade lassalista escutar os clamores e as necessidades do mundo da educação. Precisamos escutar com abertura e disponibilidade os sinais dos tempos. 4. A Associação como a dinâmica própria para viver o carisma lassalista. Juntos, Irmãos e colaboradores lassalistas, somos responsáveis pela vitalidade da Missão Educativa. 5. Itinerários Formativos existenciais, progressivos e integradores da vida e da missão. 6. O nosso compromisso de lassalistas sem fronteiras precisa ser reforçado. Somos um Instituto internacional. Precisamos romper barreiras dentro do nosso país e em relação aos demais países onde atuamos. Considerando os 300 anos do falecimento do Santo Fundador, temos uma bela história para celebrar. Contudo, também temos uma bela história a construir. Por isso, o nosso compromisso de lassalistas sem fronteiras é fundamental para continuar esta obra de Deus.
Lassalistas sem fronteiras: uma vida Ir. Hugo Bruno Mombach Integrante da Comunidade La Salle Sede ABEL, São Paulo/SP Pra começo de conversa...
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om grande entusiasmo e alegria, estamos vivendo – desde meados de novembro até o final de 2019 – o Ano Jubilar Lassalista. Uma graça especial concedida a nosso Instituto no final de outubro pelo grande líder mundial em que se transformou o Papa Francisco, devido ao Tricentenário da morte de nosso Fundador, São João Batista de La Salle (1719-2019). “Um coração, um compromisso, uma vida” é o sugestivo lema escolhido para celebrarmos tão importante e aguardado evento nas cinco regiões do mundo lassalista. Lema que orienta e sintetiza igualmente muito bem a importância e o sentido do Ano Vocacional Lassalista para nós Irmãos e nossos Colaboradores leigos, que sempre em maior número se juntam à nossa missão educativa, para continuarmos levando em frente “essa Obra, que é de Deus e também nossa”.
Esse processo de mudanças externas e internas constantes nos convoca a desenvolver em nós e ao redor de nós a capacidade de discernir com maior precisão o que deve passar e o que precisa permanecer. O aprofundamento e a ampliação qualificada é sinônimo de expansão para alguns, e para outros é sinônimo de rapidez, de vencer tempo; para nós educadores, é reinventar a vida. Caminhando numa instituição constante restauração
tricentenária
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Nossa Regra de Vida, revisada no 45º Capítulo Geral em 2014, aprovada pela Santa Sé e traduzida e publicada no ano seguinte, ao tratar da nossa Vida Consagrada, inicia
Nossa vida, dom maior a ser partilhado e transformado A vida é o dom maior que recebemos gratuitamente do nosso Criador. Uma dádiva não apenas para nosso bem ou usufruto particular. Sendo dom, precisamos saber ou aprender a partilhar esse imenso dom em benefício das pessoas com quem convivemos ou “nos são confiadas”. Para isso, precisamos “sair da nossa zona de conforto”, ser “Igreja em saída”, “ir para as periferias existenciais”, como seguidamente apela o Papa Francisco. E para tal não importam mais as distâncias, que nos dias atuais são cada vez menores, graças às novas e rápidas formas que as modernas tecnologias de comunicação colocam à nossa disposição. Viver é atuar em constante processo de mortes e ressurreições. Sendo dinâmica por natureza, a vida exige constantes mudanças para melhor. Cada contexto e momento exigem e criam seu próprio corpo, já não servindo para o momento e contexto seguintes. A realidade física que nos rodeia também ensina a entender a dinâmica de outras realidades, dinâmica essa que pode ser psicoafetiva, socio-comunitária e filosófico-espiritual.
Cada um de nós possui a memória particular do seu momento fundante, do encontro misterioso de Jesus Cristo no seu coração
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A vida é o dom maior que recebemos gratuitamente do nosso Criador e exige constantes mudanças para melhor
nos remetendo às origens do nosso Instituto. Refere textualmente: “João Batista de La Salle e os primeiros Irmãos comprometeram sua vida no progressivo estabelecimento de uma comunidade que respondesse às necessidades das crianças pobres e abandonadas. Chamados por Deus para procurar sua glória, associaramse entre si por toda a vida para ‘manter juntos e por associação as escolas cristãs’ e gratuitas; assim realizaram a Obra de Deus e viveram sua consagração à Santíssima Trindade. Esse itinerário continua inspirando e orientado hoje a consagração dos Irmãos” (R, 22). No restante desse capítulo, a nova edição da Regra explica cada um dos cinco votos pelos quais expressamos de forma pública, no mundo e na Igreja, a nossa consagração, a serviço da missão e do carisma educativo próprio de nosso Instituto. Quem já leu e estudou atentamente esse capítulo também percebe a nova ordem dos votos e sua expressão na nova fórmula de votos, já aprovada no Capítulo Geral de 2007. Entre muitos percalços e alguns êxitos No roteiro elaborado pelo Ir. Diego Muñoz para nosso Retiro anual 2018/2019, ele relata de forma suscinta, mas viva e incisiva as múltiplas dificuldades que La Salle e os primeiros Irmãos enfrentaram até alcançar o “estabelecimento das escolas cristãs e gratuitas” no seu
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tempo. E também a sua continuidade e expansão para fora da França nos anos sucessivos, ao longo dos vários períodos da história do Instituto Lassalista. Alguns deles mais calmos, e outros até bem mais complicados do que na época da fundação do Instituto por La Salle e seus companheiros. Deixo o convite para cada Lassalista, Irmão ou Leigo, repassar e reviver esses momentos de “percalços e êxitos” em outros artigos e textos que aos poucos vão sendo divulgados em nossas publicações digitais e/ou impressas. No entanto, gostaria de citar alguns dos Irmãos que empenharam sua vida no “aggiornamento” (atualização) do Instituto nos últimos 50 anos, após o Capítulo de renovação (1966-1967) solicitado às congregações religiosas pelo Concílio Vaticano II (1962-1965). Talvez em futuras edições da nossa revista Fraternitas, eu e outros Irmãos poderíamos falar dos Irmãos brasileiros que marcaram a trajetória pessoal de vida lassalista de cada qual, os quais continuaram comprometendo sua vida nessa “Obra de Deus” a nós confiada pela Igreja, que nossa Regra chama de “ministério apostólico da educação” (R, 2). Vários Irmãos contribuíram grandemente no estudo mais aprofundado e na divulgação do imenso legado deixado pelo nosso Fundador por meio de seu exemplo de vida, de
suas muitas obras escritas e da grandiosa obra educativa que iniciou e já ultrapassa três séculos de existência e atuação nos cinco continentes. Cito aqui apenas três: Ir. Maurice-Auguste Hermanns, que coordenou o estudo e a publicação dos valiosos “Cahiers Lasalliens”, e a dupla formada pelos Irmãos Michel Sauvage e Miguel Campos com sua obra de pesquisa, elaboração e publicação do livro “Anunciar o Evangelho aos Pobres”, traduzido para vários idiomas. Dos Irmãos brasileiros eu poderia falar de algumas dezenas deles, mas destaco também apenas três que empenharam sua vida pelo crescimento da chamada “Rede La Salle de Educação” em nosso país: a) Francisco Alberto (José Pedro Frantz): foi Provincial da Província Lassalista de Porto Alegre de 1959 a 1966 e Assistente do Superior Geral para o cone sul da América Latina de 1967 a 1977; de volta ao Brasil, atuou na missão lassalista do Chaco Paraguaio e anos depois em Uruará, no km 180 da Transamazônica, onde orientou a construção do então Centro de Formação La Salle; de volta ao sul, estava projetando a organização do Memorial La Salle, quando faleceu a 28/05/1985, em consequência dum acidente de carro, aos 71 anos de vida doada e empenhada; b) Arno Bonfleuer (Emílio Athanasio): foi Provincial da Província Lassalista de São Paulo por três mandatos após a renúncia do 1º Provincial, Irmão Agostinho Simão (Deolindo Valiatti); depois atuou como escritor e mestre de noviços em Curitiba/PR; faleceu no domingo 06/05/1990, uma hora antes da celebração do seu jubileu de ouro de vida religiosa em sua terra natal, Santa Maria do Herval/RS, aos 67 anos de vida comprometida pela educação lassalista; c) Pedro Ruedell (Florentino Martinho): estava no seu 2º mandato de Provincial da Província Lassalista de Porto Alegre ao ser eleito Assistente do Superior Geral Irmão José Pablo Basterrechea, no 40º Capítulo Geral, em junho de 1977; ao voltar de Roma dessa missão, ficou conhecido em nosso meio por sua atuação junto ao Regional Sul 3 da CNBB como estudioso do Ensino Religioso, tendo escrito e publicado vários livros sobre suas pesquisas para sua tese de doutorado; nos primeiros anos do século 21 ainda colaborou na tradução das Obras Completas de La Salle em português, publicadas em 2012 pela Editora UniLaSalle de Canoas; passou seus últimos anos recolhido na Casa de Saúde Nª. Srª. da Estrela, junto à Sede Provincial, em Porto Alegre, onde veio a falecer dia 11 de setembro de 2018, aos 90 anos de vida comprometida em favor da causa lassalista.
coração. Certamente foi um momento místico, íntimo, impossível de ser expresso em palavras. Esse episódio fundante é o que nos tem sustentado ao longo de nossas existências como Irmãos das Escolas Cristãs. Em meio à tormenta, à secura, certamente voltamos à fonte para perguntar-nos pelo valor desse tesouro. Ele está ainda ali? Continua sendo valioso para nós? Valeu a pena vender tudo?” Estas perguntas fundamentais que Irmão Diego propôs podemos retomar mais vezes ao longo deste Ano do Tricentenário da páscoa definitiva de La Salle, nosso Fundador, voltando a fazer memória do momento no qual Jesus Cristo cruzou pelo nosso caminho e nos transformou. E “associar o sentido de nossa vida com o carisma que recebemos como dom e responsabilidade eclesial, para ser vivido e compartilhado desde o seio da Igreja para o mundo”.
Pra terminar e pensar... Valho-me da introdução do roteiro que Irmão Diego Muñoz preparou para nosso Retiro anual 2018-2019: “Cada um de nós possui a memória particular do seu momento fundante, do encontro misterioso de Jesus Cristo no seu
A realidade física que nos rodeia também ensina a entender a dinâmica de outras realidades, dinâmica essa que pode ser psicoafetiva, sociocomunitária e filosófico-espiritual
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Lassalistas sem fronteiras: um Coração, um Compromisso e uma Vida Ir. Paulo Petry Conselheiro Geral para a RELAL
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eguramente todos conhecemos fronteiras pessoais, comunitárias e sociais que somos convidados a ultrapassar. As fronteiras podem ser uma limitação para o nosso ser, agir e estar. Podem também tornarse ocasião e instrumento para superar, avançar e abrir-nos a novas possibilidades. Inclusive a vocação de cada pessoa poderia ser narrada nessa perspectiva, ou seja, poderia ser contada como uma história que vai rompendo barreiras, ultrapassando limites e superando fronteiras. Ao nos apresentar a metáfora da fronteira, o Instituto reconhece a própria história de avanços e releituras feitas no decorrer de mais de 300 anos, para continuar sendo atual e adaptado à realidade de cada época. Ao nos apresentar esta metáfora, o Instituto nos convida a seguir em frente e ir superando fronteiras reais e/ou imaginárias. Convida-nos a fazê-lo pessoal e comunitariamente, com um coração ardente, assumindo um compromisso em favor da vida, e da vida plena segundo Jesus. São João Batista de La Salle assumiu o chamado que Deus lhe fez para trabalhar pelo seu Reino, cuidando de crianças distantes da verdade, da fé e do conhecimento. Tais crianças corriam o risco de enveredar por caminhos de perdição, limitadas a um mundo de miséria, com parcas possibilidades de se realizarem plenamente como pessoas. Muitas delas estavam descuidadas, desrespeitadas e sem acesso à educação. Mesmo aspirando à vida plena, como todo ser humano, essas crianças careciam de adultos que estendessem seus braços acolhedores para educá-las, evangelizá-las e amá-las como o fez Jesus. Por outro lado, La Salle com sua família vivia num grupo social diferente, com grandes possibilidades, oportunidades e conforto. Ele, apesar da morte prematura dos pais, foi acolhido e acolheu seus irmãos num lugar que podia chamar “lar”. Teve a graça de poder crescer com dignidade, estudar e formar-se. Aparentemente, os dois mundos, o de nosso Santo Fundador e o das crianças de Reims não se tocavam, não tinham nada em comum e não tinham porque se encontrar. Eram duas realidades opostas. Existia como ¹Henri Barbusse - https://akifrases.com/frase/187267
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que uma sombra, uma barreira, uma fronteira invisível que impedia o contato entre ambos. No entanto, La Salle soube derrubar essa barreira, cruzou a fronteira e, onde tudo parecia sombra, com o seu coração ardente, soube levar a luz. Aqui, concordo com Henri Barbusse quando afirma que “A sombra não existe; o que tu chamas de sombra é a luz que não vês.”¹ La Salle, atento aos apelos de Deus, soube ver e acolher a luz que vem da Palavra, a luz da Educação, a luz da Fraternidade como meios para resgatar a dignidade das crianças e abrir-lhes perspectivas de vida e vida em abundância. Para isso, teve que chamar, convocar, reunir e formar adultos dispostos a assumir a vontade e a obra de Deus. Adultos capazes de deixar-se iluminar, e com um coração ardente assumir um compromisso em favor da vida. Juntos, La Salle e seus primeiros colaboradores, em comunidade foram pouco a pouco constituindo e assumindo um coração que ardia por uma missão. Juntos e por associação discerniram e assumiram o compromisso de ser Ministros e Embaixadores de Jesus Cristo. Consagraram suas vidas e dessa consagração nasce uma nova maneira de viver. É a vida em comunidade, uma vida que testemunha a força da unidade, a transparência de um coração comprometido e a alegria da fraternidade. Creio que foi por isso que a obra de Deus, assumida por La Salle e os primeiros Irmãos prosperou. Eles se superaram, superaram barreiras, limites e fronteiras. Abriram coração e mente, buscaram conhecer a vontade de Deus em suas vidas, deixaram-se iluminar para poder ser iluminadores. Pelo discernimento comunitário, assumiram a missão e a consagração com um coração ardente, um compromisso definitivo e uma vida dedicada a favor das crianças desfavorecidas. Ao celebrar os 300 anos da Páscoa do Fundador, somos hoje herdeiros de uma rica tradição no mundo da educação. Juntos e por associação, Irmãos e Leigos, somos hoje chamados a levar adiante o carisma de La Salle, com um Coração, um Compromisso e uma Vida. Tal como fez o Fundador, somos chamados a descobrir e ultrapassar fronteiras. Isso exige empenho, vontade e coragem para encontrar o outro, o diferente, o que está fora de nosso mundo limitado. De uma ou outra forma, vivemos todos um tanto reclusos. Se não tomamos cuidado, a vida
MATÉRIA CENTRAL “Muitas vezes, os limites e fronteiras de nossas escolhas e decisões derivam mais de nossos medos e nosso egoísmo do que de restrições externas. A construção egoísta de nosso próprio espaço confortável pode ser superada pelo nosso compromisso, dedicação e radicalidade em assumir o risco daquilo que ainda não exploramos e não conhecemos. Mas isto somente será possível com um coração ardente, que sabe discernir e dialogar com outros, capaz de sentir o chamado a se envolver na construção de um mundo mais justo, fraterno e humano. Podemos chamar isso de vocação e, portanto, implica uma resposta aberta, sem restrições e, de certa forma, absoluta.” (Ir. Paco Chivas, Espanha – Secretariado de Associação).
A vocação de cada pessoa são histórias que rompem barreiras, ultrapassam limites e superam fronteiras
nos vai colocando barreiras, limites e fronteiras que podem isolar-nos, separar-nos e até destruir o que temos de tão precioso: nossa vida comunitária. Recordo que as pessoas que vemos como “além fronteiras”, no Plano de Deus fazem parte do “nós”, ou melhor, somos parte delas. Criados à imagem e semelhança de Deus, irmãos e irmãs em Jesus Cristo, o desafio para nós é ter um só coração, tal como o tinham os primeiros cristãos. Um só coração compassivo e misericordioso, que sabe acolher e perdoar, amar e sorrir, capaz de alegrar-se com os que vivem fora de nossas fronteiras. Contudo, um coração alegre, acolhedor e amoroso só não basta. É necessário que todas essas características se manifestem pelas obras e ações a favor daqueles que necessitam de alguém para seguir em frente, daqueles que não têm acesso à educação, os distantes do Evangelho e excluídos da sociedade atual. É um compromisso que exige um coração misericordioso, capaz de incluir, de superar fronteiras, de trazer a luz ao mundo e deixar-se iluminar por dentro. Acredito que com um coração ardente, podemos assumir um compromisso que transformará muitas vidas. Esse compromisso não é algo passageiro, é perene, exigente e evolve uma vida. Afinal, transformar estruturas injustas, excludentes e que não favorecem o Reino de Deus, leva tempo, é desafiante e somente se pode conseguir com criatividade, em uma comunidade de vida, de fé, profética e aberta à ação do Espírito. Saindo agora um pouco das fronteiras de nossa Província, em diálogo com lassalistas de diferentes nacionalidades e vocações, eu perguntava o que o tema em questão significava para eles. Aqui partilho algumas das respostas, e que podem iluminar nossas reflexões pessoais e comunitárias:
“Ir além fronteiras é uma característica que admiro na comunidade lassalista. O dom de fazer parte de uma rede global possibilita a partilha de recursos, experiências e conhecimentos entre países e regiões. Para mim, o mais importante, a força dos lassalistas indo além das fronteiras, é o fato de compartilharmos alegremente a missão de educar os jovens em várias capacidades de maneiras muito originais. Um coração, um compromisso, uma vida! Este tema para o Tricentenário, para mim, realmente capta o que significa ser e viver como lassalista. Fala de uma identidade comum realizada através de nossas diferentes paixões; um compromisso inabalável com a educação, mas com maneiras diferentes de expressá-la; vivendo uma vida de fé, serviço e fraternidade; e assegurando que incluamos todos aqueles que desejam fazer parte deste modo de vida e aqueles que encontramos ao longo do caminho”. (Keane Palatino, Filipinas - Coordenador do Conselho Internacional de Jovens Lassalistas) “Na Região Lassalista Pacífico-Ásia (PARC), em 16 países, os lassalistas, educam a jovens e crianças em lugares onde o catolicismo é a minoria, com exceção das Filipinas. Em mais de duzentas obras servem a católicos, hindus, budistas, muçulmanos, outras denominações cristãs e aqueles sem nenhuma afiliação religiosa específica. Assim, os lassalistas estão ali, juntos e por associação, oferecendo uma educação humana e cristã sem fronteiras de religião, etnia, cultura, língua ou países. Seguem acreditando nos ideais e no carisma de S. João Batista de La Salle. Expressam isso em seus próprios projetos de vida, como Irmãos, associados, voluntários, educadores, jovens lassalistas. Eles têm um coração, um compromisso e uma vida dedicada à construção do Reino de Deus, a exemplo de La Salle que buscou a salvação para todos”. (Ir. Ricky Laguda, Filipinas – Conselheiro Geral para a PARC). “Das três iniciativas além fronteiras da Região Lassalista da América do Norte (RELAN), comento aqui somente uma, a da Escola De La Salle Blackfeet. Localizada na reserva indígena de Blackfeet em Browning, Montana, ela está no coração do carisma lassalista e educa 72 alunos do ensino
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MATÉRIA CENTRAL fundamental. Esta pequena escola, com uma comunidade educativa composta por 4 jovens voluntários e 2 Irmãos, faz o melhor que pode para «salvar» essas crianças de tudo o que as levaria a extraviar-se e procura equipá-las com as ferramentas necessárias para o sucesso, à medida que vão para o ensino médio e além. Ninguém em nosso país está mais «nas fronteiras» do que os nativos norte-americanos. As crianças Blackfeet, como aquelas em qualquer outra reserva rural nos EUA, são vulneráveis aos efeitos da pobreza e do desemprego, doença e morte da família, abuso de álcool e drogas”. (Ir. Timothi Coldwell, EUA – Conselheiro Geral para a RELAN). “Partilhar o que se sente por dentro quando se tem a experiência de algo forte e emocionante não é fácil para mim. Assim mesmo conto um pouco da minha experiência pessoal como Lassalista Sem Fronteiras, através da qual conheci Irmãos, Irmãs, jovens e adultos, voluntários e professores, pais e ex-alunos trabalhando em contextos de marginalização e violência, atendendo crianças, jovens e adultos. Lembro do Irmão Awate sentado ao ar livre, no pátio externo da escola San José de Keren, Eritréia, ouvindo as preocupações dos ex-alunos que agora se preparam para a vida adulta, muitas vezes tendo que fugir ou migrar de suas terras por não terem uma perspectiva de paz, trabalho e dignidade. Recordo os Irmãos e voluntários que, em um bairro marginal de San Salvador de Jujuy, na Argentina, se reúnem todos os sábados com idosos que moram sozinhos, sem família e com recursos escassos, para compartilhar uma refeição e uma tarde juntos em um ambiente alegre e acolhedor.
As fronteiras podem tornar-se ocasião e instrumento para superar, avançar e abrir-nos a novas possibilidades
Tenho a imagem de Paco, um homem aposentado, que por muitos anos atua como voluntário no escritório de Proyde², em Madri. Ele tem uma família, e isso não é obstáculo para o seu compromisso diário com os projetos lassalistas que sustentam as obras em setores mais frágeis e vulneráveis do Instituto. Seu serviço e dedicação são preciosos para a organização e sua atitude acolhedora para com todos que passam pelo Proyde marca a vida de muitas pessoas. Muitas vezes, o serviço de tantas pessoas, das quais aqui só mencionei alguns, não aparece em publicações ou na internet. Mas nós, os que tivemos a oportunidade de conhecê-las, temos o dever de dar visibilidade e testemunhar o profundo compromisso dessas pessoas que, com um coração ardente dedicam seu tempo ao próximo, que vive além das próprias fronteiras, para que este possa ter uma vida plena, uma vida digna”. (Angela Matulli, Itália De La Salle Solidarietà Internazionale). “Jesus está à porta do nosso coração e bate. Ele quer sair, percorrer conosco o mundo. Ele quer ensinar a todas as nações e a todos os povos o amor do Pai. Mas o medo do outro traça as fronteiras entre os seres humanos e os mantêm prisioneiros. Se somos educadores lassalistas, é porque o nosso coração arde de esperança. Levamos aos jovens a esperança de um mundo mais fraterno através da educação que lhes damos. A Declaração dos Direitos Humanos afirma que «todos os homens nascem livres e iguais perante a lei». Ela diz claramente que todo ser humano nasce com o direito de ser livre. Constitui uma declaração de fé em nossa capacidade de liberdade. Maurice Zundel localiza a fonte dessa fé em Deus. Segundo ele, «Se eu realmente acreditar no homem, acreditar em Deus é auto-evidente, pois a grandeza humana é sempre uma transparência para Deus». Em outras palavras, fé em Deus implica a coragem da fé, da abertura e do compromisso de servir o outro, especialmente o mais pobre. Nós, como educadores, não temos outra paixão a não ser servir a humanidade, especialmente nos mais pobres. Mas não há verdadeira paixão pelo ser humano sem paixão por Deus”. (Ir. Pierre Ouatara, Burkina Faso – Conselheiro Geral para a RELAF). Concluindo, o Instituto, ao celebrar os 300 anos da Páscoa do Fundador, nos convida a uma atitude de abertura. Abertura pessoal e comunitária, para que com um só coração, assumamos um mesmo compromisso em favor da vida.
²PROYDE é uma associação que apoia projetos em favor do desenvolvimento e da dignidade humana em países do Terceiro Mundo. Tem como lema: “Muita gente pequena, fazendo muitas coisas pequenas, em muitos lugares pequenos, pode transformar o mundo”.
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Província La Salle Brasil-Chile: novo Provincial é nomeado
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m setembro, foi divulgada pelo Instituto dos Irmãos das Escolas Cristãs, em Roma, a nomeação do Ir. Olavo José Dalvit para a função de Provincial da Província La Salle Brasil-Chile e Presidente da Rede La Salle, no período de 1º de janeiro de 2019 a 31 de dezembro de 2022. Ecônomo há 9 anos da Rede La Salle no Brasil, o Ir. Olavo assumirá a Direção da Província, ocupada hoje pelo Ir. Edgar Nicodem que viveu, nos últimos quatro anos, essa desafiadora tarefa de ser responsável pelos avanços da Missão Lassalista no Brasil, no Chile e em Moçambique. Com a chegada desse importante momento de transição, e para entendermos os avanços que tivemos e quais perspectivas podemos vislumbrar para o próximo quadriênio, entrevistamos o atual e o futuro Irmão Provincial. R.F – Que avanços o senhor pode ressaltar em relação a promoção da Cultura Vocacional nos últimos quatro anos? Ir. Edgar – Hoje, há maior consciência da importância da Cultura Vocacional na Província. Diversas iniciativas da Comissão de Pastoral Vocacional foram importantes para o crescimento dessa consciência. Por exemplo, a expedição vocacional. Outro aspecto importante é olhar a vocação como um itinerário que cada pessoa assume pessoalmente em diálogo com a comunidade. Crescemos na capacidade de valorizar as diferentes vocações na Igreja e do carisma lassalista. Houve um trabalho de maior sistematização dos itinerários vocacionais. Precisamos continuar avançando na Cultura Vocacional, traduzida em iniciativas concretas, particularmente no Sul e Sudeste do Brasil e no Chile. Vamos continuar avançando na Cultura Vocacional na medida em que ela for efetivamente prioritária para cada Irmão, Comunidade Religiosa e partilhada com os Colaboradores Lassalistas. R.F – Em que sentido o Projeto Provincial contribuiu para fortalecer o senso de pertença dos Irmãos e dos Colaboradores Lassalistas, comprometendo-os na Missão Educativa da Província? Ir. Edgar – Ter um projeto orientador e unificador das iniciativas da Província é importante. O Projeto Provincial estabeleceu políticas, prioridades, áreas estratégicas, projetos, programas, iniciativas formativas e diversos instrumentos de animação. Unidade na diversidade. Em cada uma das iniciativas propiciadas pelo Projeto Provincial, os Irmãos e Colaboradores Lassalistas puderam identificarse e contribuir. Há muito dinamismo na Missão Educativa.
Irmão Olavo José Dalvit e Irmão Edgar Nicodem em evento com os Alunos Líderes de Turma
Essa vitalidade somente é possível devido ao compromisso e dedicação de Irmãos e Colaboradores Lassalistas. Crescemos na consciência de ser coração, memória e garantia do carisma lassalista. Uma das insistências do período foi o trabalho em equipe. Assumir a Missão Educativa “juntos e por associação” faz parte da nossa identidade e tradição. O trabalho em equipe, na medida em que se partilham responsabilidades, favorece o sentido de pertença. A vitalidade da Rede La Salle depende em grande parte do compromisso de Irmãos e Colaboradores Lassalistas, do trabalho em equipe e do sentido de pertença. R.F – Como o senhor avalia os avanços realizados pela Província La Salle Brasil-Chile em direção às novas fronteiras, periferias e desertos? Ir. Edgar – Temos diversas iniciativas relacionadas às novas fronteiras, periferias e desertos. Como exemplo, podemos citar Tabatinga e São Vicente Ferrer. São comunidades onde a missão é um recriar constante na fidelidade. Tabatinga é uma iniciativa da RELAL, portanto, assumida pelas Províncias Lassalistas da América Latina e do Caribe. São Vicente Ferrer é uma região de quilombolas, onde as necessidades educativas e evangelizadoras são prementes. A comunidade religiosa efetivamente consegue olhar a missão desde a periferia, perspectiva tantas vezes reiterada pelo Papa Francisco. Tanto em Tabatinga quanto em São Vicente, procuramos
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responder com fidelidade criativa às necessidades educativas e evangelizadoras das comunidades. Há inúmeras outras iniciativas que revelam o compromisso da Província de atuar sem fronteiras e desde as periferias. Particularmente relevantes são as iniciativas com as juventudes, a cultura do conhecimento e na área da assistência social. Concretamente podemos mencionar os diversos projetos da Fundação La Salle e da Fundação “O Pão dos Pobres de Santo Antônio”. R.F – Quais melhorias o senhor pode destacar quanto ao trabalho realizado para qualificar os processos educativos e de gestão da Província nos últimos quatro anos? Ir. Edgar – As Direções de Gestão e de Missão, as Assessorias Educativas, tanto da Educação Básica quanto da Superior, estiveram profundamente empenhadas em qualificar os processos educativos e de gestão da Província. É importante mencionar as reuniões sistemáticas dos gestores da Educação Básica e Superior promovidas durante o período. Também precisamos destacar o Planejamento Estratégico e a Matriz Curricular. As metas e indicadores foram importantes para alcançar os objetivos estratégicos estabelecidos. Os resultados de todos esses esforços são a vitalidade e o dinamismo da Missão Educativa. R.F – Como o senhor percebe os progressos realizados na implementação de processos sistemáticos de formação e de acompanhamento no decorrer da sua gestão? Ir. Edgar – A Comissão de Formação e Vida consagrada realizou um importante trabalho de reconfiguração dos processos formativos da Província. Passar dos modelos tradicionais para os itinerários formativos foi um passo importante. Configurar os processos formativos para favorecer a formação de habilidades e competências, dentro da perspectiva dos itinerários, possibilitou vislumbrar novos horizontes. Os Programas de Formação dos Colaboradores Lassalistas foram atualizados dentro das novas perspectivas dos itinerários formativos propostos pelo Instituto. Essa reformulação vai favorecer a partilha do carisma e da Missão Educativa. R.F – Quanto aos esforços dedicados à revitalização do sentido de ser Irmão, como o senhor avalia o trabalho realizado e a resposta dos Irmãos nestes últimos quatro anos? Ir. Edgar – Foi uma preocupação constante. O contexto atual apresenta inúmeros desafios. Precisamos continuar reconfigurando o nosso modo de ser Irmão, segundo as orientações do Instituto e do Magistério do Papa Francisco. Diversos Irmãos participaram de programas formativos organizados pela Província e pela Vida Religiosa Consagrada.
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Há Irmãos que assumiram a revitalização do sentido de ser Irmão com empenho e dedicação, aproveitando as oportunidades formativas. Outros ficaram um tanto indiferentes. E finalmente um grupo que tem muita dificuldade para revitalizar o espírito de fé e zelo, próprios da identidade do Irmão lassalista. Contudo, oportunidades não faltam. Precisamos continuar cultivando, como Irmãos: a simplicidade e o amor sem limites; o silêncio e a sabedoria; a entrega alegre; o compromisso com os pobres, excluídos e vulneráveis; a experiência de Deus; o cuidado e a misericórdia; a abertura e a disponibilidade às vozes do Espírito Santo. R.F – Passado o quadriênio da sua gestão, que mensagem o senhor gostaria de deixar para os Irmãos, Formandos e Colaboradores Lassalistas? Ir. Edgar – A situação atual permite olhar o presente e o futuro com esperança. A presença lassalista no Chile, Brasil e Moçambique continua sendo importante para muitos jovens, famílias e educadores. Os nossos países passam por dificuldades. Internamente, também temos as fragilidades. Contudo, olhando a nossa vida e missão com “espirito de fé”, podemos estar confiantes de que Deus está conosco e nos ilumina. Ele nunca abandona a sua obra. O nosso futuro depende, além da graça de Deus, de Irmãos e Colaboradores Lassalistas, bem formados e comprometidos com a Missão Educativa. Precisamos continuar renovando a Província segundo a dinâmica da associação. R.F – Depois de nove anos como Ecônomo, o que o senhor considera como seus maiores desafios para os próximos quatro anos como Irmão Provincial? Ir. Olavo – Penso que os desafios da missão de Provincial são os mesmos que a Província e os Irmãos sentimos no dia a dia. Nesse sentido, os desafios da Vida Religiosa e da Missão serão os desafios do Provincial, da Direção Provincial, das Comunidades Religiosas e Educativas, e de cada Irmão e Colaborador. Amiúde, poderia dizer que são os desafios que o Capítulo Provincial apontou, de forma explícita ou não. Nestes quatro anos, precisamos continuar e reforçar as propostas de Pastoral Vocacional; precisamos avançar com um itinerário de formação de Irmãos e Colaboradores, de forma integrada, e em vista da missão; é urgente que se possibilite formas concretas para a missão partilhada; e, principalmente, que cada Irmão e cada Comunidade seja testemunho do seguimento de Cristo. R.F – Sendo prioridade do Irmão Provincial, quais suas perspectivas quanto ao trabalho de acompanhamento e animação dos Irmãos e das Comunidades Religiosas, e o fomento da “cultura de acompanhamento” para os próximos anos?
Ir. Olavo – Não vejo como prioridade do Irmão Provincial, mas como necessidade da Província esse acompanhamento e animação. Cada Irmão, na idade e condição em que se encontra, sabe o que é próprio da vida religiosa e o que se espera da missão, de modo que à Província, com as instâncias que a constituem, cabe estar atenta para que os Irmãos e as Comunidades tenham as condições de bem viver e se desenvolver, para melhor desempenhar a missão. A cultura de acompanhamento tem duas mãos e farei o possível para estar junto com os Irmãos e Comunidades, favorecendo o que for preciso e contando com cada Irmão e com as Comunidades para que façam sua parte. R.F – Entre as prioridades do próximo quadriênio, definidas na AMEL, está o aperfeiçoamento da gestão na Rede La Salle, juntos e por associação, para que seja eficiente e eficaz nos processos que impactam na missão, com inovação e empreendedorismo. Como o senhor percebe esse desafio? Ir. Olavo – Esse é um desafio permanente e reflete uma necessidade nossa e da sociedade. Vivemos tempos em que as verdades de hoje não respondem mais amanhã e isso é mais real quando se trata de gestão. Se quisermos optar por um modelo de gestão, aos moldes que o mercado apresenta, é bem possível que quando estivermos finalizando a implantação já estejamos questionando se este modelo é o melhor. Assim, creio que a própria pergunta se responde, pois é juntos e por associação que devemos aperfeiçoar a gestão, buscando ser eficientes e eficazes nos processos, impactando na missão, com inovação e empreendedorismo. R.F – De que forma o senhor acredita que podemos proporcionar uma formação continuada com foco na gestão, no lassalista, na pastoral, e no pedagógico, buscando a qualidade e a excelência na Educação Básica, na Educação Superior e na Assistência Social à luz do Evangelho? Ir. Olavo – Nossos documentos são claros quanto à nossa proposta educativa, e a formação continuada, a Irmãos e Colaboradores, precisa responder às demandas que hoje se apresentam. Creio que será fundamental construirmos um processo formativo continuado, com etapas integradas, envolvendo a formação e a prática educativa pastoral, e integrando Irmãos e Leigos. Nesse sentido, é importante que tenhamos propostas para os diferentes agentes da missão lassalista, com tempos e experiências suficientes, para responder às necessidades da missão. R.F – Qual desafio mais eminente o senhor destacaria quanto à qualificação do Serviço Educativo aos e com os empobrecidos? Ir. Olavo – Vejo duas frentes onde podemos avançar, na qualificação desse serviço. Por um lado, continuar melhorando
o que estamos fazendo, ou seja, investindo e acreditando que os mais de 10 mil bolsistas anuais de nossas comunidades educativas do Brasil e Chile são os preferidos da missão e merecem um atendimento e condições iguais a todos os estudantes. E, por outro lado, buscando novas formas de atender as demandas educativas do Norte e Nordeste do Brasil, com serviços de qualidade e contínuos. E não podemos esquecer que temos duas Fundações que estão focadas nesse serviço e que precisam ser conhecidas e apoiadas por todos nós. R.F – Vivemos uma crise econômica em diversos países que afeta, entre outras áreas, a educação. Tendo-a como missão, quais os caminhos possíveis a serem percorridos pela Rede La Salle dentro desse cenário? Ir. Olavo – A história da Província, de 141 anos de presença no Chile e 111 no Brasil, enfrentou situações iguais ou piores do que vivenciamos hoje, e sempre foram encontrados os caminhos adequados. Hoje, é a nossa vez de buscar os caminhos para continuar a missão, apesar das dificuldades. Nosso fundador começou as obras buscando sempre a garantia de continuidade, buscando alternativas e parcerias que garantissem o funcionamento. Não é diferente hoje, pois, se algumas portas se fecham, outras se abrem. Temos perspectivas de manutenção de obras por meio de parceria com os governos; estamos buscando fontes de recurso para a manutenção da missão; nossas obras estão sendo geridas com o objetivo de serem autossustentáveis; e tantos outros exemplos que mostram que podemos acreditar que a missão continuará, mesmo que advenham intempéries de ordem política ou econômica. R.F – Visando o próximo quadriênio, que mensagem o senhor gostaria de compartilhar com os Irmãos, Formandos e Colaboradores Lassalistas? Ir. Olavo – A Província La Salle Brasil-Chile somos todos nós, cada um dos Lassalistas que a compõem, e a tarefa de levar adiante precisa ser assumida por cada um e a cada dia. Acreditemos uns nos outros, apoiemo-nos e tenhamos fé que, por sermos necessários, seremos iluminados a acertar no que ser e fazer. Os tempos não são fáceis, quando se olha em termos de perspectivas para a Vida Religiosa, mas tenho confiança que cada um de nós, Irmão, Formando ou Lassalista, acredita que nossa vida e missão valem a pena e não mediremos esforços para tornar visível esse jeito de ser. É muito importante que todos nos organizemos, pessoal e comunitariamente e tenhamos fé que a missão é necessária e que fomos chamados para atender os “preferidos do Senhor”.
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ACONTECEU NA PROVÍNCIA
2º Capítulo Provincial da Província La Salle Brasil-Chile
Irmãos reunidos no 2º Capítulo Provincial
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conteceu, em novembro de 2018, o 2º Capítulo Provincial, principal instância de decisão da Província La Salle Brasil-Chile. O Capítulo Provincial é uma instância canônica, unicamente integrada por Irmãos. Contudo, o Carisma Lassalista, dom de Deus à Igreja, por meio da pessoa de São João Batista de La Salle e dos Primeiros Irmãos, é atualmente partilhado com os Colaboradores, segundo os documentos da Igreja das últimas décadas. Na Assembleia Capitular, foram definidas proposições para o próximo quadriênio nas seguintes áreas: Ser Irmãos em Comunidade; Cultura Vocacional; Gestão Estratégica e Animação da Província; Formação de Irmãos e Colaboradores (Itinerário Formativo do Irmão e do Educador Lassalista); Missão Educativa Lassalista e Associação - novas perspectivas para o Carisma Lassalista. Cada uma dessas áreas atende frentes específicas da
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Província. No que se refere a Ser Irmãos em Comunidade, as proposições estão orientadas em torno da valorização dos Irmãos, da vida em comunidade marcada por relações fraternas, humanizadoras que favoreçam o seguimento de Jesus Cristo. Na área de Cultura Vocacional, a Assembleia definiu algumas ações para torná-la uma realidade concreta nas Comunidades Educativas e na Província como um todo. Uma das propostas é criar uma equipe de animação vocacional em cada uma das Comunidades Educativas com o objetivo de despertar e acompanhar as Vocações Lassalistas. No que tange à Gestão Estratégica e Animação da Província, a Assembleia Capitular determinou propostas vinculadas ao planejamento de médio e longo prazo, a constituição da organização religiosa relacionada a manutenção dos Irmãos e vocacionados a vida de Irmão, o trabalho em Rede, dentre outras.
ACONTECEU NA PROVÍNCIA
Missa de abertura do Ano Jubiliar Lassalista, celebrada durante o encontro
As propostas referentes à Formação de Irmãos e Colaboradores atendem à Prioridade 2 da Assembleia da Missão Educativa Lassalista 2018 (AMEL): “Proporcionar formação permanente centrada na gestão, nos Lassalistas, na Pastoral e no Pedagógico, buscando a qualidade e a excelência na Educação Básica, na Educação Superior e na Assistência Social, à luz do Evangelho”; promovem ativamente o espírito de Associação nas Comunidades Educativas; incentivam que os Irmãos acompanhem e sejam acompanhados pelos Colaboradores; e estejam alinhados com as decisões da Assembleia dos Irmãos, ocorrida em janeiro de 2017. Na área da Missão Educativa, foram assumidas as proposições definidas pela AMEL, que ocorreu em setembro de 2018, e contou com a participação de representantes das Comunidades
Educativas do Brasil, Chile e Moçambique. Essas propostas se dão em torno da necessidade de intensificar, qualificar e inovar constantemente o serviço educativo às crianças, jovens e adultos. Outra área que abrange proposições do Capítulo Provincial é a Associação de Irmãos, Colaboradores, na perspectiva da partilha do carisma. O Irmão Superior Geral, Robert Schieler, em sua visita, insistiu que a Associação deve ser uma prioridade da Província. O Carisma Lassalista é o lugar teológico do encontro entre todos aqueles que estão envolvidos na educação humana e cristã. Todas as proposições definidas no 2º Capítulo estarão disponíveis na edição de 2019 da Organização Provincial, que será enviada às Comunidades Religiosas no primeiro trimestre do ano.
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ENTREVISTA ESPECIAL
Voluntariado: uma ação que ultrapassa fronteiras
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o dia 29 de março, embarcaram para Moçambique o casal Eider Luis Oliveira e Beatriz Helena Elert Oliveira, de Pelotas/RS, para realizar uma missão de voluntariado em três obras lassalistas na cidade de Beira: Colégio La Salle Beira, Centro Educacional Assistencial La Salle (CEALS) e Escola João XXIII. Tendo sua trajetória na Rede iniciada em 1986, no extinto Colégio La Salle Gonzaga/ RS, Beatriz totalizou 34 anos de história e dedicação à Educação Lassalista. Em uma missão que durou sete meses, Eider e Beatriz puderam ultrapassar fronteiras e serem construtores da paz, vivenciando o voluntariado na prática e auxiliando na formação humana e cristã de crianças e jovens de uma cultura diferente da deles. Em entrevista concedida à Revista Fraternitas, em seu retorno à cidade de Pelotas, o casal contou um pouco sobre o período de voluntariado, aprendizados, desafios e vivência passadas em Moçambique.
R.F - O que os motivou a aceitar o convite para o voluntariado em Moçambique? Casal - Primeiramente, a vontade de atender ao chamado de Deus, de La Salle e do coração; em segundo, estarmos aposentados, porém, ainda em condições de contribuir, de alguma forma, com os nossos semelhantes e, conosco, no que diz respeito a partilha de experiências e de culturas; em terceiro lugar, o espírito lassalista que sempre esteve presente em nossa família. Apesar de apenas um de nós ter sido colaborador na Rede La Salle, ambos fomos seduzidos por esse projeto de educação humana e cristã que foi, também, o alicerce na educação de nossos filhos. E, finalmente, o sentimento de gratidão por nossa família ter sido agraciada por este convívio de 34 anos, com os Irmãos Lassalistas. A Instituição e os Irmãos sempre investiram na construção profissional de um de nós, logo, aceitar esse convite foi a possibilidade de externar nossa eterna gratidão.
Beatriz acompanhada dos lassalistas da Beira
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ENTREVISTA ESPECIAL e convívio (de nossa experiência e cultura) e trouxemos o melhor que encontramos. Isso, porque sabemos, com certeza, que não existe um melhor para mim, e sim, um melhor para todos nós, porque não podemos ser sem o outro, somos juntos. R.F - Quais os desafios encontrados por vocês junto à comunidade local e quais sinais de esperança vocês puderam perceber?
Eider junto dos alunos do Colégio La Salle Beira
R.F - Ao fim desse período de voluntariado, quais aprendizados ficam e quais mudanças ocorreram na vida de vocês? Casal - Com toda a certeza, as pessoas que foram não são as mesmas que voltaram. Deixamos um pouco de nós e trouxemos muito do que lá vivemos. Estamos no Brasil há, precisamente, duas semanas e estamos tentando chegar de corpo, mente e coração. O que chegou aqui foi apenas o nosso corpo. O que queremos dizer é que, neste momento, o que trazemos é tão vasto, rico e forte que não saberíamos dizer, efetivamente, quais serão as mudanças reais, a não ser o que podemos elencar porque está marcado em nós com muita clareza: se antes não valorizávamos muito o ter, agora muito menos. Lá obtivemos a certeza de que nosso maior valor e ganho estão no ser e no estar. No ser melhor todos os dias. Não melhor que os outros, mas melhor para conviver, viver com os outros. Estar de corpo e mente presente como fizemos. Em Moçambique, não fomos brasileiros e nem moçambicanos; lá nós fomos lassalistas sem fronteiras, trabalhando na construção da paz. Para lá, nós levamos o que de melhor poderíamos em termos de humanidade
Casal - Nossa experiência teve vários focos de atuação: A Comunidade dos Irmãos, a Escola João XXIII, o Colégio La Salle e o Centro Educacional Assistencial La Salle (CEALS). Os maiores desafios, com certeza, foram os relacionais. A coisa mais fácil que existe são as pessoas se relacionarem, porém, elas tornam isso a coisa mais difícil. Precisamos estar abertos para o novo. Seja ele da nossa mesma nacionalidade ou de outra. Em especial, em Comunidades Lassalistas que possuem um mesmo foco, um mesmo projeto, uma mesma filosofia. Precisamos aprender e ensinar com e ao(s) outro(s). E, ainda, nos conhecermos e nos revistarmos a fim de que possamos estar abertos a conhecer e compreender o(s) outro(s), já que somos seres humanos repletos de qualidades e limites. Sermos humildes para reconhecermos que crescemos na medida em que nos encontramos, nos conflitamos e buscamos o crescimento pessoal e de equipe. Na Comunidade em que estivemos, muitas sementes foram plantadas por todos. Nossa esperança é que estas sejam cuidadas para que possam, num futuro breve, frutificar. R.F - Como foi viver em comunidade e partilhar o dia a dia com os Irmãos? Casal - Uma convivência desafiadora, mas emocionante. Pudemos (com)partilhar do dia a dia (momentos de oração, fazeres da casa, trabalhos, lazer, entre outros). Como uma família, planejamos rotinas, compartilhamos deveres, vivenciamos conflitos, porém, perseveramos (todos, Irmãos e Leigos) apesar das diversidades. Hoje, teríamos a coragem de compartilhar mais os “nossos” espaços, pois vimos que é possível. Essa experiência foi, sem sombra de dúvidas, de extrema valia pra nós todos. R.F - Como vocês visualizam essa experiência de Irmãos e Leigos compartilhando a fé, a fraternidade e a missão? Casal - Uma experiência possível e necessária diante dos desafios de hoje (entre eles o número reduzido de Irmãos). Além do mais, muitos leigos como nós, gostariam de compartilhar a missão com maior comprometimento e doação. Gostariam porque é uma missão que desenvolve um belo trabalho em prol da educação humana e cristã, o que sabemos ser tão necessário e urgente nos dias de hoje. Muitos estão aposentados como nós e dispostos a contribuir com essa missão que é, com certeza, sedutora e apaixonante.
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Confira as dicas culturais da Revista Fraternitas La fuerza de la vocación: La vida consagrada hoy. Una entrevista con Fernando Prado (Publicaciones Claretianas, 2018) - Un libro-entrevista en el que aparece Francisco como Pedro que confirma a sus hermanos (en este caso, a sus hermanos consagrados, religiosos y religiosas). Lectura imprescindible para la vida consagrada en estos tiempos. El libro aborda múltiples temáticas referidas a la vida consagrada que también tienen repercusiones en toda la Iglesia. Por ello, no es un libro solamente para la vida religiosa, sino que puede ser de interés general para todos los creyentes.
E seguiram Jesus... caminhos bíblicos de iniciação (Edições CNBB, 2018) - É próprio do catecumenato alargar o coração e os ouvidos à Palavra de Deus. Os primeiros cristãos ouviam atentamente o que se narrava do seu Senhor: os fatos, os gestos, as reações, as emoções e as palavras de Jesus não eram mera “notícia informada”. Assim, o objetivo dessa obra é resgatar aquilo de catecumenal que os textos e personagens bíblicos permitem vislumbrar. O livro é fruto do trabalho do Grupo de Reflexão Bíblico-Catequética e de teólogos convidados. A obra foi organizada por Therezinha Motta Lima da Cruz e padre Antonio Marcos Depizzoli, assessor da Comissão Episcopal Pastoral para a Animação Bíblico-Catequética da CNBB.
Pedagogia do Compromisso: América Latina e Educação Popular (Paz & Terra, 2018) - A viúva de Paulo Freire, Ana Maria Araújo Freire, lançou o livro pela editora Paz & Terra. A obra reúne transcrições de entrevistas, conferências e discursos feitos pelo patrono da educação não só no Brasil, mas também na Argentina, Chile e Uruguai, além de um manifesto em homenagem ao povo da Nicarágua. A coletânea carrega toda a eloquência dos sonhos e da utopia de Paulo Freire, expressos por meio de textos simples, coloquiais, mas ao mesmo tempo com profundas reflexões. Há ainda conferências, entrevistas e discursos que têm como tema a Educação Popular – assunto que tornou o educador reconhecido no mundo todo.
Quatro décadas de gestão educacional no Brasil: políticas públicas do MEC em depoimentos de ex-ministros (Fundação Santillana, 2018) - Esse livro, de Antônio Gois, traça um panorama das políticas educacionais das últimas quatro décadas na perspectiva de 14 ex-ministros da Educação. Além de resgatar parte da memória da gestão do Ministério da Educação (MEC) e a racionalidade de distintas intervenções, os depoimentos ajudam a entender como os contextos socioeconômicos influenciaram o rumo das políticas públicas educacionais.
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Itinerários Formativos: Caminho para o seguimento de Jesus Ir. Clóvis Trezzi Comunidade e Postulantado La Salle Esteio
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á alguns anos, em 2013, a Província La Salle Brasil-Chile começou a discutir mudanças na formação inicial. Naquela ocasião, foram elaborados conjuntamente os programas para cada uma das casas de formação. A ideia evoluiu com a construção dos referenciais conceituais da formação e, em 2017, começou-se a elaborar a Matriz de Competências, que detalha cada etapa da vida do Irmão, desde a Pastoral Vocacional, coerente com o que diz a Regra, no Capítulo 6: “Tornar-se Irmão, um itinerário para toda a vida”. Hoje não faz sentido pensar a formação como etapas que vão sendo vencidas, como se fosse uma escola na qual, após a formatura (emissão dos Votos), o Irmão está preparado para enfrentar os desafios inerentes à vida de Irmão. Na atualidade olha-se a formação como um processo que abarca todas as dimensões da vida do Irmão. Isso porque a dinâmica do seguimento de Jesus exige que a pessoa se coloque por inteiro a serviço do Evangelho. No Evangelho, quando Jesus chama é a pessoa inteira (Lc 18,18-30). Não é possível separar uma dimensão das demais. A elaboração dos itinerários formativos referentes a cada trajeto da vida do Irmão é antecedida por estudos que ajudam a levar em consideração as necessidades específicas deste trajeto. Trabalha-se na perspectiva de, em cada documento, pensar a pessoa da forma mais completa possível. Vida Religiosa Consagrada: um itinerário evangélico O núcleo da Vida Religiosa Consagrada é o seguimento de Jesus ou, na bela linguagem do documento Partir de Cristo, fazer com “que o próprio Senhor se faça nosso companheiro de viagem” (PC 2). Sem essa perspectiva, a Vida Consagrada esvazia-se completamente de sentido. Ter Jesus Cristo como companheiro de viagem significa colocar-se completamente a serviço do Reino de Deus, não mais doando-se a outras causas que não o Reino. La Salle mesmo deu-se conta disso aos poucos, dentro do seu itinerário de fé: “Eu me imaginava que a direção que assumia das escolas e dos mestres não passaria de
orientação exterior”, diz o Santo Fundador na Memória dos Começos (MC 1). Prossegue o Santo: “Inclusive, se tivesse sabido que a solicitude de pura caridade que tinha com os mestres-escola me levaria até obrigar-me a viver com eles, teria desistido dela” (MC 4). Contudo, a leitura de fé que o Santo Fundador fez levou-o a afirmar: “Pelo que parece, esse foi o motivo por que Deus, que tudo governa com sabedoria e suavidade, e que não costuma forçar a inclinação dos homens, querendo levar-me a assumir o inteiro cuidado das escolas, o fez de modo bem imperceptível e ao longo de muito tempo, de maneira que um compromisso me levou a outro, sem que o tivesse previsto desde o começo” (MC 6). Estes trechos da Memória dos Começos mostram claramente como foi sendo construído o itinerário de fé de La Salle. A eles deve ser acrescida aquela que é considerada a última fala de La Salle, de acordo com os biógrafos: “Sim, adoro em tudo a vontade de Deus a meu respeito”. Ocorre neste itinerário a passagem de uma aceitação passiva para uma aceitação plena, incondicional, da vontade de Deus na sua vida. La Salle assume a vocação como um mandamento. Formação: um processo de refiguração de si Esta perspectiva vocacional é apresentada por Paul Ricoeur dentro do contexto de Identidade Narrativa: é o que ele chama de “refigurar o si” a partir da perspectiva bíblica do chamamento. A refiguração é fazer a passagem de um processo inicial vago, até mesmo confuso, para um processo final (que nunca é final, na verdade) de clareza, compreensão e aceitação da vontade de Deus. Durante o processo de refiguração, a vontade de Deus pode ser vista como um imperativo moral, e a resposta só passa a ser uma aceitação plena desta vontade quando o amadurecimento na fé é completo. Em La Salle, isso aconteceu depois da crise que o levou a isolar-se na Parmênia e só foi exprimido na sua plenitude na hora da morte. Todo itinerário vocacional requer um contínuo processo de refiguração de si. Ela acontece de maneira mais ampla, no amadurecer da resposta vocacional, como aconteceu com La Salle e tantos outros, mas também nas diversas respostas que são dadas ao longo da vida de Irmão. O seguimento de Cristo é feito de pequenas e grandes decisões, que serão mais ou menos difíceis, mas que também precisam passar pelo processo de amadurecimento. O crescimento na vocação caminha passo a passo com o crescimento na
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fé, e este é imprescindível para que demos uma resposta madura aos apelos que nos são feitos diariamente: “até o negativo poderá ser ocasião para um novo início, se nele se reconhecer o rosto de Cristo” (PC 11). O seguimento de Cristo a partir dos Itinerários Formativos O Plano de Formação dos Irmãos, na sua última edição (2013), afirma ser um documento “que realiza itinerários formativos nas diversas dimensões da pessoa humana e que favorece a configuração ou reconfiguração da identidade narrativa do Irmão em vista da fidelidade ao apelo de Deus para ser Irmão de La Salle em qualquer lugar a que for enviado” (p. 12). O Plano de Formação dá, portanto, o pontapé inicial para a elaboração dos Itinerários Formativos. Considera-se que para que haja um crescimento na fé e na decisão vocacional é preciso que a pessoa como um todo se desenvolva. Quando uma área fica fragilizada, não se pode considerar que tenha havido um desenvolvimento pleno da pessoa. O seguimento de Jesus não permite “penduricalhos” (Mt 8,18-22), mas exige uma caminhada que tem como horizonte o Reino de Deus. E o Reino está em cada um, “não se pode dizer: ele está aqui, ou ele está ali” (Lc 17,21). Os Itinerários Formativos da Província La Salle Brasil-Chile levam em consideração que o verdadeiro seguimento de Jesus exige uma resposta livre e desinteressada, mas ao mesmo tempo uma decisão firme de assumir a missão, e assumi-la com qualidade. O Evangelho não admite meio termo (Mt 5,37). Toda decisão de seguir a Cristo deve ser pautada pela firme vontade de entregar-se nas mãos de Deus mas, ao mesmo tempo, assumir as rédeas do próprio processo formativo de forma a dedicar-se com excelência à missão (cf. R 80). A partir daí, pensa-se nos itinerários como um caminho de crescimento integral do Irmão que o levará a amadurecer a sua decisão vocacional ao longo de toda a vida. Para isso, os itinerários preveem, desde a formação inicial, programas gradativos de estudos que compreendem as diversas áreas, com destaque, de maneira especial nos primeiros anos de formação, para a área teológica e pedagógica. Estes programas são permeados por projetos que abarcam as demais áreas do ser humano e por atividades de acompanhamento vocacional que permitem que a resposta seja dada com maturidade. Ao assumir a formação como um caminho a ser percorrido por toda a vida do Irmão (cf. Regra, cap. 6), os Itinerários Formativos da Província La Salle Brasil-Chile consideram que o processo de decisão vocacional precisa ser alimentado também a vida inteira. Dividindo a caminhada
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do Irmão por trajetos (Acompanhamento Vocacional, Aspirantado/Pré-Postulantado, Postulantado, Noviciado, Votos Temporários, até 25 anos de Consagração, até 50 anos de Consagração, 50 anos ou mais de Consagração), o documento visa oferecer para cada etapa da vida ferramentas que ajudem o Irmão no seu processo formativo. A Matriz de Competências, que faz parte dos Itinerários Formativos, estabelece para cada um dos trajetos acima elencados, um conjunto de competências, habilidades, valores e atitudes. Eles são pensados de maneira sequencial e gradativa, sempre respeitando o processo de crescimento individual. Os trajetos são didáticos, pois ajudam a pensar um crescimento de forma gradual, mas o que está implícito é a vida do Irmão como um todo, e não cada uma das etapas. O horizonte é o Reino de Deus, que permeia todo o processo formativo, da Pastoral Vocacional até o fim da vida. A Matriz de Competências olha para a vida do Irmão buscando ajudá-lo a fazer o processo de refiguração da sua vida, como fez La Salle. Este é um processo de conversão constante ao Reino de Deus. O seguimento de Jesus não permite outra forma de vida: ele “vai se fazendo na escuta de suas palavras, na confrontação com suas ações e na dor pelos sofrimentos que Ele padeceu” (LUCIANI, 2017, p. 64). Ajudando cada um a situar-se no caminho e a fazer o processo de crescimento, ela busca favorecer o processo pessoal de seguimento de Jesus Cristo através de uma resposta sólida, consciente e madura. Embora o processo seja individual e o Irmão seja “o primeiro responsável pela sua formação” (R 80.2), os Itinerários Formativos da Província La Salle Brasil-Chile são um instrumental importante na formação da pessoa e das comunidades. Considera-se, assim, que o processo de “refiguração de si”, favorecido pelos Itinerários Formativos, é fundamental para uma resposta vocacional positiva e um seguimento maduro de Jesus Cristo.
Referências CONGREGAÇÃO para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica. Partir de Cristo. São Paulo: Paulinas, 2002. LUCIANI, Rafael. Retornar a Jesus de Nazaré. Petrópolis: Vozes, 2017. PROVÍNCIA LA SALLE BRASIL-CHILE. Plano de Formação dos Irmãos. Porto Alegre, 2013. RICOEUR, Paul. Amor e Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2012.
ENTREVISTA
Ir. Nestor Anaya, em visita à Província La Salle Brasil-Chile
Irmão Nestor Anaya em visita à Fundação La Salle, em Canoas/RS
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ntre os meses de agosto e setembro, a Província La Salle Brasil-Chile recebeu a visita do Secretário da Missão Educativa Lassalista do Instituto dos Irmãos das Escolas Cristãs, Irmão Nestor Anaya Marin. Além de visitas em Comunidades Educativas da Rede La Salle, o Ir. Nestor participou de encontros e reuniões (esteve presente na Assembleia da Missão Educativa Lassalista – AMEL) para compreender alguns encaminhamentos de contextos propostos no 45º Capítulo Geral, como: a familiarização com as estruturas e as pessoas que incentivam o crescimento da Rede no mundo; conhecimento de obras, principalmente naquelas em que convivem pessoas de diferentes religiões, entre outros assuntos. Durante o seu período de visitação, a Revista Fraternitas aproveitou para conversar com o Irmão. Em entrevista, ele comentou sobre a sua visão quanto à presença dos Irmãos nos novos cenários da Missão Educativa Lassalista no mundo, sobre o protagonismo dos Irmãos no compartilhamento do carisma e no fortalecimento da
associação para o serviço educativo dos e com os pobres e sobre as impressões que teve das Comunidades Educativas da Província. R.F - Como o senhor visualiza a presença do Irmão nos novos cenários da Missão Educativa Lassalista? Ir. Nestor – Tenho a impressão de que cada um dos Irmãos desenvolve suas qualidades e potencialidades, cumprindo a enorme responsabilidade de fazer crescer os dons recebidos, partilhando-os com os demais. Não obstante, parece-me que temos que nos preparar para desempenhar nossas funções de acordo com as circunstâncias pessoais. Dessa forma, no futuro os Irmãos que tenham alguma experiência mais ampla na gestão e liderança educativa terão a responsabilidade de serem mentores e treinadores dos lassalistas mais jovens. E os Irmãos mais jovens estão sendo chamados a desenvolver sua criatividade na missão, assim como repassar o seu entusiasmo para todos os lassalistas, as crianças e os jovens.
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ENTREVISTA
Ir. Nestor junto de Irmãos e Colaboradores Lassalistas na AMEL 2018
Em síntese, acompanhar pessoas e entusiasmar jovens serão tarefas indispensáveis no futuro. R.F - Qual o protagonismo dos Irmãos na partilha do carisma e no fortalecimento da associação para o serviço educativo dos e com os pobres? Ir. Nestor – Parece-me que minha fala anterior já responde um pouco esta pergunta. No entanto, gostaria de acrescentar dois elementos muito importantes. Desde sua infância, o ser humano aprende muitas coisas por imitação, quer esteja consciente disso ou não. É por isso que se torna tão importante cada pessoa cultivar o que deseja transmitir aos demais, pois o exemplo será o canal natural de transmissão cultural. Em segundo lugar, a formação sistemática no carisma lassalista, sobretudo a partir de variadas experiências. Apresentar a todos os lassalistas a espiritualidade herdada pelo Santo de Reims e pelos primeiros Irmãos, assim como convidar os demais a conhecê-la é essencial para fortalecer a Associação para a Missão. No entanto, isso somente se conseguirá se existir liberdade para acolher a espiritualidade e se houver as condições necessárias para vivê-la na prática. R.F - Você visitou, nos últimos dias, várias Comunidades Religiosas e Educativas da Província La Salle Brasil-Chile. Quais foram suas impressões? O que você recomenda aos Irmãos, Formandos e Colaboradores?
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Ir. Nestor – Efetivamente, visitei várias obras lassalistas nesta minha passagem pelo Brasil. Mas antes de comentar algumas impressões, quero aproveitar esta instância para reiterar o meu agradecimento a todas elas por suas atenções para comigo. Vários aspectos me chamaram grandemente a atenção; no entanto, gostaria de destacar apenas três: a) A qualidade das relações interpessoais entre todos os integrantes das comunidades educativas; b) A atenção às demandas sociais, governamentais e pessoais, como são a adaptação dos espaços físicos, a atenção profissional à educação inclusiva, os programas em favor da justiça, o uso da tecnologia como apoio às matérias curriculares e o ensino da língua inglesa, entre outros; c) A liderança e o profissionalismo de todo o pessoal. Diante disso, um grande desafio será preservar essas mesmas características e, na medida do possível, não se cansar de observar atentamente a realidade que nos rodeia, a fim de nos perguntar continuamente: o que podemos fazer e como fazê-lo, no campo da educação, diante do fenômeno da migração, da exploração dos recursos naturais, da perda dos valores éticos e religiosos, da política que não vê nem se interessa pelo bem comum, da desigualdade socioeconômica...?
VISITAS
Irmão Superior Geral em visita à Província La Salle Brasil-Chile
Encontro do Superior Geral com os Irmãos na Universidade La Salle, em Canoas/RS
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o segundo semestre de 2018, o Irmão Robert Schieler, Superior Geral do Instituto dos Irmãos das Escolas Cristãs, acompanhado do Conselheiro Geral para a Região Latino-Americana Lassalista (RELAL), Irmão Paulo Petry, esteve no Brasil e no Chile, visitando a Província La Salle Brasil-Chile. No Chile, nos dias 29 e 30 de agosto, o Ir. Robert e o Ir. Paulo estiveram presentes em algumas Comunidades Educativas e Religiosas situadas na cidade de Santiago. Além disso, os Irmãos realizaram conversas, por meio de videoconferência, com as Comunidades da cidade de Talca e Temuco.
do Chile e de Moçambique que ouviram atentamente a palavra do Superior Geral sobre o Ano da Vocação Lassalista, a Comunidade como lugar de evangelização e as perspectivas para o futuro do Instituto. “Deus e o mundo ainda precisam de nós. Convido-os a reavivar o fogo dos nossos corações para que o Ano da Vocação Lassalista seja um tempo pessoal e comunitário de conversão e de transformação, uma oportunidade para convidar jovens a juntar-se a nós, em nosso itinerário evangélico”, destacou o Ir. Robert Schieler. Na ocasião, os Irmãos tiveram a oportunidade de fazer perguntas ao Superior Geral. Confira abaixo.
Já no Brasil, entre os dias 28 de outubro e 03 de novembro, os Irmãos realizaram momentos de partilha em diferentes Comunidades Religiosas, dividindo experiências a respeito da Vida Religiosa Consagrada e da importante missão de ser um Irmão Lassalista.
Ir. Edgard Hengemüle – Em suas palavras, o senhor se refere à conversão dos Irmãos e à conversão do Instituto. Conhecendo o Instituto, em que aspectos pensa, particularmente, que ele, hoje, deveria se converter?
No Norte do país, o Irmão Robert compartilhou momentos com os Irmãos de Altamira/PA, Ananindeua/PA, Uruará/ PA, São Vicente Ferrer/MA e Zé Doca/MA. Já em Porto alegre/RS, a visita foi à Casa de Saúde Nossa Senhora da Estrela, onde pôde agradecer aos Irmãos da Comunidade pela fidelidade e pelo testemunho de Vocação Lassalista que ainda expressam, por meio de suas orações.
Ir. Robert - Minha resposta não deveria surpreendê-los, pois pelo menos nos quatro últimos Capítulos Gerais, sugeriram como fazê-lo. O nosso compromisso de servir os pobres, de promover a associação lassalista e de ter uma vida de oração vibrante e comunitária. É para isso que nós somos chamados como Instituto e é o que eu vejo em diferentes partes do Instituto.
Em Canoas/RS, o encontro foi com Irmãos vindos de Comunidades Religiosas de diferentes estados brasileiros,
As diferentes experiências que vocês têm, justamente, atendem os mais vulneráveis, pobres e necessitados.
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VISITAS A fundação que está agora trabalhando em parceria com as Nações Unidas para atender as mais de 300 famílias venezuelanas com formação para o trabalho é uma iniciativa. E temos tantas outras por aí. Temos que trazer essa mesma energia, esse mesmo empenho, para a nossa vida em comunidade. Temos que ter uma vida de oração vibrante pela qual nós possamos partilhar a nossa experiência de Deus uns com os outros. Se nós fizermos isso juntos, globalmente em todo o Instituto, nós teremos um futuro brilhante. Ir. Ignácio Lúcio Weschenfelder - O senhor poderia nos passar alguma mensagem a respeito das conclusões do Sínodo da Juventude? Ir. Robert - Primeiro, eu gostaria de dizer que a parte mais inspiradora e vibrante do Sínodo foi justamente a intervenção dos jovens. Eram cerca de 35 jovens que participaram com voz ativa e realmente desafiaram os bispos. Segundo, eu gostaria de dizer que temos de ter consciência que o Sínodo não é o ponto final. Ele tem que continuar regionalmente e localmente. E esse era um dos pedidos mais fortes dos jovens e de muitos bispos. Não podemos pensar que ele terminou. É por isso que nós educadores temos que adaptar o documento à realidade que nós vivemos, a uma linguagem que o jovem possa compreender. E, finalmente, não tanto o documento é importante, mas o que preparamos para seguir trabalhando. O que quero
dizer com isso é que o Papa Francisco está convencido de que o que a Igreja precisa é de um processo sinodal em que o diálogo entre o Papa, os bispos, os sacerdotes, os religiosos e os jovens possa acontecer. E eu digo isso porque esse modo de pensar também tem muita oposição dentro da Igreja. Se vocês olharem para o documento como está postado no site do Vaticano, estão listados os votos para 167 proposições e a que recebeu mais votos contra foi, justamente, a de que atuássemos como Sínodo. Acho que foram 57 bispos que votaram contra essa proposição. Afortunadamente, havia quórum suficiente para que essa proposição passasse. Também gostaria de dizer que, em respeito aos nossos bispos, muitos falaram a favor das instituições como a nossa, que trabalham com a educação. Eles reconhecem o nosso trabalho educativo, apreciam e nos incentivam a continuá-lo com os jovens. Ir. Israel José Nery – Gostaria de uma palavra do Superior Geral sobre o testemunho e o ensinamento do Papa Francisco referente ao nosso Instituto. Seria útil aproveitar também sua presença para uma mensagem referente aos 300 anos do falecimento do nosso fundador. Ir. Robert – Não sei se há uma relação entre as duas questões, mas me deixe destacar alguns pensamentos. Quando me pediram para ser Superior Geral, fui convidado a participar de uma missa com o Papa em Santa Marta. Naquela oportunidade eu o convidei para que viesse à
Encontro do Superior Geral com os Irmãos na Casa Nossa Senhora da Estrela, em Canoas/RS
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VISITAS nossa Casa Generalícia por ocasião do ano de 2019. Então, o Vaticano declarou 2019 como o Ano Jubilar Lassalista e o Papa concordou em fazer uma audiência conosco no dia 16 de maio. Em geral, eu poderia dizer que ele está ciente de quem somos e o que fazemos, mas não tenho certeza o quanto especificamente ele sabe isso. Eu queria dizer só mais uma coisa a respeito do Papa Francisco, não relacionada à sua pergunta. Em uma das reuniões em que esteve conosco na União dos Superiores Gerais, perguntaram-lhe sobre sua saúde e ele disse: “No momento em que eu fui eleito, senti uma grande paz que me cobriu. E essa paz nunca me deixou. Eu durmo 6 horas toda a noite e não tomo medicamentos”. Com tudo que pesa sobre seus ombros ele é capaz de ter essa paz e dormir todas as noites. Ir. Jardelino Menegat – As palavras que o senhor nos traz hoje nos apresentam algumas insistências e alguns questionamentos. Gostaria de destacar duas das que o senhor fez e que podem significar as nossas debilidades: quanto à nossa vida comunitária e quanto à dimensão da vida espiritual do seguimento a Jesus Cristo. Se nós consideramos que elas são debilidades nossas, que orientações ou que desafios nos propõe para que possamos superá-las e que possam se tornar fortalezas e não debilidades? Ir. Robert – Quando eu mencionei o desafio de viver em comunidade e em oração, é algo que todos nós Irmãos já reconhecemos. Vocês devem lembrar que no 44º Capítulo Geral, em 2007, o tema era justamente a nossa vida comunitária e nossa vida de oração. Nós, como Instituto, reconhecemos que esse é um desafio para nós. Como eu disse no início, a missão está indo muito bem. A nossa experiência de atender os mais pobres e marginalizados está se expandindo. O que vocês estão fazendo aqui, outras Províncias também estão fazendo. Como sabem, nós temos uma iniciativa chamada Projeto Fratelli que começou há 7 anos para atender refugiados no Iraque e na Síria. Em março passado, abrimos uma nova escola no Sudão do Sul e muitas Províncias têm novas iniciativas acontecendo. Mas, nós somos Irmãos, somos homens consagrados. Portanto, a questão não é apenas o que fazemos, mas o que somos. Eu lembro a todos que, em 1690, tudo aquilo que La Salle havia começado estava para ruir. Os jovens que ele estava formando se retiraram em sua maioria. Assim, ele fez o Voto Heroico com outros dois Irmãos e disse que não era o suficiente formá-los profissionalmente, não era suficiente assegurar que fossem bons professores. Se é só isso que será feito, a empreitada não terá êxito. É preciso formar homens de espírito. Essas são palavras de La Salle e o resto de sua vida foi dedicada a isso, a formar jovens não apenas profissionalmente, mas também na dimensão espiritual.
Há alguns anos uma leiga lassalista da minha Província veio a mim, eu era Provincial naquele tempo, e disse: “Irmão, nós leigos podemos fazer o que vocês fazem e, de fato, alguns de nós fazemos melhor do que alguns de vossos Irmãos. Mas, nós não podemos ser as pessoas que vocês dizem que são. E é isso o que nós necessitamos, o que os jovens necessitam, o que a Igreja precisa. Nós temos que ver em vocês os homens que dizem que são. Homens que vivem em comunidade e uma vida em sadio celibato. Por favor, sejam isso para nós”. Ir. Blásio Donato Hillebrand – Em uma frase, o que é realmente ser Irmão hoje? O que devemos mudar em nossas vidas para sermos Irmãos como o Instituto nos pede e deixar de lado, como diz o Papa Francisco, as coisas velhas? Ir. Robert – Como você limitou minha resposta a uma frase, eu lhe digo: Ser homens de oração. Ir. Paulo Fossati – Em continuidade a esse espírito de oração, o senhor nos coloca grandes desafios ao final de sua fala: que de fato Jesus Cristo faça sentido existencial para nós Irmãos enquanto pessoas e comunidades. Teoricamente, nós bem o sabemos, temos muitos documentos e definições, resta-nos agora, de fato, rezarmos, sermos homens de oração. Minha questão é: para nos ajudarmos a viver a experiência de Jesus Cristo, o que o mundo lassalista nos traz de experiências de novas formas de viver Jesus Cristo, saindo do plano racional para viver no plano existencial? Ir. Robert – Em nossos corações todos sabemos a resposta. É um desafio para todos, é um desafio para mim também. Quando vejo quais são os fatores envolvidos nisso, podemos dizer que deveríamos sair da nossa zona de conforto. Sabemos que não é fácil, mas se nos colocamos no lugar do pobre, alguma coisa acontece em nós. E, novamente, sei que isso não é fácil para nós. Inclusive, voltando à vida de La Salle, nós todos sabemos que ele teve que mudar sua realidade e não foi fácil. Ele sentia essa diferença social através da qual ele teve que se mover. Ele, inclusive, dizia que ficava doente comendo a mesma comida que os pobres. Eu sei, não é fácil. Colocar-nos no lugar que não é nosso é uma forma de experimentar Deus. Na Regra, dizemos que somos comunidades e que compartilhamos a nossa fé. Mas, sabemos que não fazemos o suficiente. É por isso que é muito importante a liderança na Província assumir essa animação. Os líderes da Província têm que nos ajudar a fazer isso, preparando bons diretores que nos possam acompanhar nesses processos. Deixem-me fazer uma sugestão bem prática para vocês: em algum momento no próximo mês, cada uma das comunidades faça uma seção em que vocês leiam uma
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VISITAS
Encontro do Superior Geral no Norte do Brasil
passagem da escritura e façam uma reflexão. Comecem com pequenas coisas. Outra vez, não é fácil. Vamos assumir um compromisso de começar. Sejamos homens de espírito. Ajudem-me também a ser um homem de espírito. Todos temos que nos ajudar mutuamente. Luiz Silvestre Vian – Dada a idade avançada dos Irmãos, quais novas iniciativas vêm sendo feitas, no mundo, pela Pastoral Vocacional para que o Instituto permaneça vivo? Ir. Robert – Uma reflexão que muitas vezes faço: o Espírito atua em todo o mundo, não apenas na Igreja Católica. Se nessas últimas décadas o Espírito não está enviando muitos jovens para serem Irmãos e, ao mesmo tempo, a missão está se expandindo, o que será que o Espírito está querendo nos dizer?
que melhor advogam em favor da vocação de Irmão. O que está acontecendo na Europa e nos Estados Unidos é que estamos reconhecendo que, no mundo ocidental, os jovens não fazem mais suas escolhas de vida muito cedo, incluindo o casamento. Então, as equipes de Pastoral estão olhando formas de como fazer a proposta vocacional para homens entre 24 e 30 anos. Eles preparam programas para essa nova realidade como, por exemplo, a chamada Teologia do Brinde, na qual reúnem jovens para a oração da tarde em bares e, assim, continuam conversando no local. Ir. Valdir Leonardo Da Silva – Sobre a agenda 2030, como o Instituto está empenhado em responder às grandes questões da ONU, como, por exemplo, a questão da fome e a questão da paz? Ir. Robert – Nossa conexão principal é com o BICE. Como vocês sabem, nós fomos um dos membros fundadores do BICE, em 1948. Hoje, o nosso Irmão Secretário da Missão, é o vice-presidente do BICE. Então, essa é uma das conexões que temos com o objetivo da ONU.
Eu acredito que algumas das melhores pessoas para nos ajudar a promover a vocação para Irmão são os leigos e leigas das nossas escolas. Eles não querem que nós desapareçamos, eles querem uma missão partilhada. Eu olho ao redor do mundo e vejo que em algumas Províncias os coordenadores de Pastoral são leigos e leigas e são eles os
Nosso Secretário de Solidariedade e Desenvolvimento em Roma está conectado com várias ONGs no mundo que estão respondendo a esses objetivos. Também a Associação Internacional das Universidades Lassalistas identificou alguns desafios que podem ser atendidos por nossas Instituições como, por exemplo, a nutrição e a água potável.
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Em 1965, nós éramos 16 mil Irmãos que atendiam em torno de 700 mil jovens em todo o mundo. Hoje, somos 3.600 Irmãos atendendo um milhão de estudantes. De que será que está querendo convencer-nos o Espírito Santo? A missão continua crescendo.
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SAUDADE
Chamados Lassalistas à Casa do Pai No dia 21 de maio, faleceu o Ir. João Batista Alves dos Santos. Nascido no dia 22 de outubro de 1959, natural da cidade de Olho d’Água das Cunhãs/MA, o Irmão fez seus primeiros votos em 31 de janeiro de 1993 e a profissão perpétua no dia 28 de janeiro de 2001. Com formação em Pastoral Catequética e História pela Universidade La Salle, em Canoas/RS, o Ir. João exerceu a sua missão em diversas Comunidades Educativas, particularmente no Norte e Nordeste do Brasil. No Maranhão, exerceu o seu ministério educativo em Cândido Mendes, Presidente Médici e Zé Doca. No Pará, passou pelas comunidades de Ananindeua e Uruará. Nas Comunidades do Sul do país, esteve no La Salle Sapucaia, La Salle Niterói, entre outros. Como Irmão, exerceu sua missão prioritariamente entre os pobres, excluídos e vulneráveis.
Em 03 de agosto, faleceu o Ir. Norberto Luiz Nesello. Natural do município de Marcelino Ramos/RS, o Irmão tinha 89 anos e dedicou 58 anos de sua história à Missão Educativa Lassalista, no Colégio La Salle Canoas e no Centro Universitário La Salle Canoas/RS, hoje Universidade La Salle. Devido a sua longa e significativa trajetória como Educador Lassalista, o Irmão recebeu, em 2008, a medalha “Educador Emérito” do Governo do Estado do Rio Grande do Sul. Já em 2017, recebeu a medalha “Pinto Bandeira”, honraria máxima concedida pelo município de Canoas às personalidades que contribuíram, significativamente, com o desenvolvimento local. Nos últimos anos, não estando mais lecionando, fazia questão de participar das reflexões matinais junto dos Educadores do Colégio La Salle Canoas. Um Irmão simples e atuante, viveu intensamente a espiritualidade lassalista.
Já no dia 05 de setembro, o Ir. João Achiles Giacomini partiu para o seu encontro definitivo com Deus. O Irmão, que tinha 88 anos, sempre se destacou pela presença alegre e amável nas Comunidades Religiosas e Educativas onde viveu e atuou. Natural do município de Alfredo Chaves/RS, o Irmão foi Professor, Secretário, Animador Vocacional, Diretor de Comunidade Religiosa e Vice-Diretor de Comunidade Educativa. Em sua trajetória como Irmão, passou por diversas escolas lassalistas, como La Salle Dores, La Salle Carmo, La Salle Santo Antônio, La Salle Xanxerê, La Salle Peperi, La Salle Esmeralda, entre outras. Com simplicidade, disponibilidade e dedicação, soube contribuir significativamente para a vitalidade da Missão Educativa Lassalista.
Em 11 de setembro, faleceu o Ir. Pedro Ruedell. O Irmão nasceu em Santo Cristo/RS, no dia 28 de dezembro de 1927. Fez a sua primeira Profissão Religiosa no dia 19 de março de 1945 e a Profissão Perpétua em 17 de janeiro de 1951. Foi Professor, Formador, Pesquisador, Escritor, Diretor de Comunidade Religiosa e Educativa, Provincial da antiga Província Lassalista de Porto Alegre, de 1972 a 1976 e Conselheiro Geral em Roma, de 1976 a 1986. Incansável na formação continuada e no constante aperfeiçoamento profissional, era muito sistemático e consciencioso em seu modo de trabalhar. Como religioso, o Irmão soube integrar de forma admirável as dimensões constitutivas da vida de Irmão: consagração, missão e vida comunitária.
No dia 22 de novembro, a Província La Salle Brasil-Chile despediu-se do Ir. Germano Rebellatto. Natural do município de Garibaldi/RS, o Irmão, que tinha 94 anos, sempre se destacou pelos diversos livros publicados e pelas diversas invenções, pelas quais ficou conhecido e reconhecido. É um dos poucos Irmãos brasileiros com uma invenção patenteada. Foi um testemunho de Irmão Consagrado, homem de oração, educador e comprometido com a Missão Educativa Lassalista.
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Santos Lassalistas História O Santo Irmão Muciano Maria (Louis Joseph Wiaux) nasceu em Mellet, na Bélgica, no dia 20 de março de 1841. Durante mais de cinquenta anos, dedicou-se à educação da infância e da juventude, dando a todos – alunos, pais e, sobretudo, aos Irmãos - exemplo de todas as virtudes, especialmente da paciência, obediência e heroica fidelidade à vontade de Deus, manifestada na Regra do Instituto. Faleceu em Malonne, na Bélgica, no dia 30 de janeiro de 1917. Paulo VI beatificou-o a 30 de outubro de 1977 e João Paulo II canonizou-o a 10 de dezembro de 1980.
Oração ao Santo Irmão Muciano
SANTO IRMÃO
Muciano Maria
Ó Deus, que tornastes o Santo Irmão Muciano Maria admirável por sua piedade e mansidão na educação cristã dos jovens, fazei que, por sua intercessão e exemplo, nos esforcemos em conquistar pelo amor nossos irmãos para vós. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso filho, na unidade de Espírito Santo. Amém.
História Pedro Romançon nasceu na vila de Huret, perto de Clermont, sul da França, a 14 de junho de 1805. No seu ingresso na Congregação, foi lhe dado o nome de Irmão Benildo. Dedicou toda a vida à educação de meninos. Era exímio catequista e notável pelo espírito de oração e caridade. Com grande zelo, dirigiu os Irmãos e orientou os alunos e seus pais no caminho da salvação. Suscitou cerca de 300 vocações. Morreu no Senhor a 13 de agosto de 1862, em Saugues, na França, onde vivera mais de vinte anos. Foi canonizado por Paulo VI, a 29 de outubro de 1967. Na França, é o padroeiro dos acordeonistas.
Oração ao Santo Irmão Benildo Ó Deus, que fizeste do Santo Irmão Benildo excelente educador da juventude e modelo perfeito do dever cotidiano: concedei-nos que, a seu exemplo, sejamos fiéis nas pequenas coisas e, por meio delas, alcancemos a eterna recompensa. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo. Amém.
SANTO IRMÃO
Benildo
CONFIRA A REFLEXÃO QUE MOTIVA OS LASSALISTAS DO MUNDO Tema: “Lassalistas de Coração – Nossos Corações ardem dentro de nós.”
O documento do Ins�tuto dos Irmãos das Escolas Cristãs fala sobre o contexto da celebração do tricentenário da morte de São João Ba�sta de La Salle e do Ano das Vocações Lassalistas, duas celebrações importantes para toda a Comunidade.
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