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Troca de Coração
from Relvado #9
AEscócia estreava em Copas do Mundo e queria ir além da primeira fase. A Argentina, que somara seu primeiro ponto na história contra o Japão, na primeira rodada, ainda tinha alguma chance. Em 19 de junho de 2019, na cidade de Paris, ambas precisavam vencer para sobreviver. O último trem para as oitavas de final estava passando. Quem iria embarcar? A Escócia, com muitas representantes na forte liga inglesa, levava alguma experiência para o confronto. E vontade. Tanta que abriu 3 a 0 no placar, gols de Kim Little, Jenny Beattie e Erin Cuthbert. Cruel, implacável, determinada a arrancar a vaga na base da força. O relógio era inimigo declarado das argentinas.
Cinco minutos depois do gol de Cuthbert, aos 74, a Argentina reagiu. Milagros Menéndez apareceu na área e marcou o primeiro. Aos gritos, desabafou. Cumpriu o papel da atleta que substituíra sua capitã, Estefanía Banini, líder técnica da seleção, que teve de acompanhar o fim do drama do banco de reservas. Às que continuavam em campo só restava lutar.
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Aos 79, o nosso duelo-chave teve seu primeiro ato. Audaciosa, Florencia Bonsegundo arriscou de longe. O desespero falava mais alto. E a goleira Lee Alexander, heroína da Escócia, falhou, espalmando para dentro. Já não era loucura apostar no empate. Sobretudo quando, aos 85, Caroline Weir fez o impensável: um pênalti infantil em um carrinho. A Escócia, então classificada, estava por um fio.
Após uma longa espera pela resolução da árbitra Hyang Ok Ri, Bonsegundo foi para a bola. Correu devagar, bateu fraco, Alexander se esticou e salvou. No rebote, a escocesa foi muralha outra vez e afastou para escanteio a chance de Florencia. A Escócia escapava da degola e Lee voltava a ocupar uma posição gloriosa em campo. Ufa. Bonsegundo, que teve nos pés a chance de aproximar a Argentina de uma classificação inesperada, acabou sugada pelo buraco negro da frustração.
Regras foram feitas para ser seguidas. Mas ninguém disse que seria impossível contestá-las. Quis a arbitragem que o pênalti fosse invalidado, por um movimento irregular de Alexander ao saltar sobre a linha. A regra, que praticamente incapacita goleiros de se
movimentarem para a frente, culminou com uma nova cobrança de Bonsegundo. Desta vez, Alexander se limitou a ficar parada, completamente resignada com a injustiça que sofrera. Bonsegundo empatou, respirou com alívio e ficou por isso mesmo: nem tanto um conto de fadas, mas uma demonstração de orgulho às suas cores, em uma despedida que custou 120% do que elas eram capazes de oferecer. As britânicas, que experimentaram por 50 minutos a classificação, naufragaram de uma maneira tipicamente escocesa.
A redenção não está ao alcance de todos. Para ser vilão, basta entrar em campo. Quem decide o destino, ao fim do dia, é ela, a bola. Ou, de uns tempos para cá, alguém na sala do VAR interpretando à risca a regra e observando o limite da área permitida para os goleiros nos pênaltis.