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Quem golpeia os golpistas?

Escoceses de Dundee costumam ter más lembranças face a qualquer menção à Roma. A mágoa remonta ao ano de 1984, quando o Dundee United viveu um legítimo sonho de conquistar a Copa dos Campeões. No entanto, dura como concreto, a realidade impediu que os escoceses alcançassem uma eventual final britânica contra o Liverpool. Até hoje, os jornais do país retratam a semifinal contra a equipe italiana como um ponto dramático, causador de profundo trauma na identidade do futebol local. “Roubo”, repercute o Independent, com aspas de jogadores que estiveram no confronto.

Roubo. Não porque tenha havido alguma marcação controversa da arbitragem. Entretanto, no que dependesse dos italianos, o francês Michel Vautrot só apitaria faltas a favor do time da casa no Olimpico. Pressionada, a Roma precisava reverter uma desvantagem de dois gols. Em Dundee, no Tannadice Park, os Tangerinas ofereceram à torcida uma das grandes atuações da história, com um triunfo inesperado por 2 a 0. Prevendo dificuldades na capital italiana, o presidente romanista Dino Viola tentou mover algumas cordas obscuras para facilitar a complicada missão.

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Era um fenômeno ter o Dundee como um dos quatro melhores europeus daquele ano, e há quem diga que eles não ficariam devendo em nada ao poderoso Liverpool. Por outro lado, apesar do histórico de clube médio/grande da Itália, a Roma representar a liga mais rica e com mais craques era um sintoma da imposição da Serie A perante as demais. Assim sendo, era normal ter um representante do Bel Paese brigando pela principal taça europeia. Para a Roma, que atravessava um momento especial, seria a joia da coroa de uma geração fantástica.

Segundo Dino Viola, o clube deveria fazer o impossível para perseguir o sonho continental. Para se juntar a Milan e Internazionale no grupo de campeões europeus, valeria tudo. Até mesmo pagar ao árbitro francês Michel Vautrot para ser mais leniente com a postura dos giallorossi em campo.

Graças a um contato de um cartola do Genoa, Spartaco Landini, que se dizia conhecido de Vautrot, Viola estava a apenas um telefonema de confirmar o suborno. Landini pediu 50 mil libras

Vautrot (centro), entre Gullit e Dasaev, antes de apitar a final da Euro 1988

para realizar a operação. Um jantar em um restaurante romano selaria a negociação. Tudo arquitetado por terceiros.

Apesar de buscar um atalho para a final, a Roma não precisou da arbitragem favorável como planejava no jogo de volta. O único lance controverso foi um pênalti cometido pelo goleiro Hamish McAlpine em Roberto Pruzzo. Minutos antes, Cerezo havia sido puxado pelo calção dentro da área, mas Vautrot mandou seguir. Além das justas acusações de que o jogo foi vendido, o clima no Olimpico estava tóxico. Pilhados por uma suspeita de que o Dundee jogou dopado na primeira partida, os romanistas entraram para matar. Após o apito final, com a missão cumprida (o placar sinalizando 3 a 0, preenchido duas vezes por Pruzzo e outra pelo capitão Agostino Di Bartolomei), houve cusparada, socos e xingamentos dos italianos direcionados à delegação do Dundee, que teve de ser escoltada para os vestiários. A Roma avançou. Sem ajudinha, diga-se.

Na final, contra os Reds de Liverpool, um empate em 1 a 1 levou a decisão para os pênaltis. A Roma, que teve a honra de jogar a decisão em casa, perdeu diante de sua torcida e também ganhou um trauma para chamar de seu, inclusive com a morte do capitão Di Bartolomei, exatos dez anos após a derrota. Coisas do futebol. Ou karma, para determinadas crenças. Riccardo Viola, filho de Dino, revelou em 2011 que a proposta de suborno era verdadeira, mas que a tentativa falhou. Vautrot jamais recebeu qualquer valor. O que se sabe é que os intermediários ficaram com o dinheiro e deram no pé. No fim, o Dundee ficou sem a final britânica e a Roma sem o título europeu. Cada um sabe da sua dor.

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