O Programa Minha Casa Minha Vida e o Sistema de Espaços Livres em São Carlos

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Luciana Bongiovanni M Schenk . Renan Santos Gomez

O Programa Minha Casa Minha Vida e o Sistema de Espaรงos Livres em Sรฃo Carlos



UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO INSTITUTO DE ARQUITETURA E URBANISMO DE SÃO CARLOS PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO Programa Unificado de Bolsas EDIÇÃO 2015/2016 Relatório Final

O Programa Minha Casa Minha Vida e o Sistema de Espaços Livres em São Carlos Aluno bolsista: Renan Santos Gomez Professora orientadora: Luciana Bongiovanni Martins Schenk



Introdução e objetivo . p. 6 Metodologia e processo . p. 8 Desenvolvimento . p.16 Conclusão . p.54 Anexos . p.56 Bibliografia . p.79

Índice


Introdução e Objetivo


Segundo os dados do IBGE, a população urbana brasileira em relação à população total saltou de 31,24%, em 1940, para 84,36% em 2010, ou seja, quase triplicou neste espaço de tempo. O período remonta ao momento de industrialização brasileira e, junto a ela, a diversificação de consumo, elevação dos níveis de renda, difusão dos transportes modernos e uma divisão do trabalho mais acentuada, aspectos que passam a exigir uma maior concentração demográfica nos meios urbanos (SANTOS, 2005). Tal leitura associada ao atual - e histórico - contexto caótico das cidades, inspirou a fala de que o Brasil passará por um processo abrupto de urbanização no qual o poder público teria sido ineficiente no desenvolvimento das infraestruturas necessárias para receber o inchaço populacional. O trabalho procura de investigar o desenvolvimento urbano brasileiro mais especificamente o caso de São Carlos - tentado mostrar também o quanto a afirmação acima, apesar de não estar incorreta, não consegue dar conta de toda a complexidade da questão. Para além disso, neste contexto urbano desigual e contraditório, existe o desejo de estudar de que forma estão sendo tratados os espaços públicos da cidade em questão. O recorte escolhido, tanto para compreender a realidade urbana em seu âmbito político, social e econômico, quanto para a análise crítica da qualidade dos espaços públicos e livres produzidos, são os assentamentos do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) localizado em São Carlos.

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Metodologia e Processo


Para compor o processo inicial de produção desse trabalho, a proposta metodológica foi dividida em duas frentes principais, com suas subdivisões próprias e desenvolvidas em um processo entrelaçado de aquisição de conhecimento e discussão. São elas: Fotografia documental e questão habitacional no Brasil. Comecemos pela fotografia. Estudar a fotografia, seu desenvolvimento e sua história foi uma tarefa importante como coleta de informação sobre métodos de representação fotográfica e de geração, ou não, de discurso. O aprendizado prévio sobre como proceder na captura de atmosferas, sensações, e de formular narrativas a partir dos enquadramentos e organização de imagens foi parte fundamental da pesquisa. Um grupo, então, formado por 6 alunos, sendo eles 4 bolsistas e 2 voluntários, orientados pelos professores e embasados por uma sucessão de referências de autores, trabalhos e movimentos documentais fotográficos espalhados pela história da fotografia, fizeram sucessivas visitas a dois conjuntos habitacionais, para buscar um entendimento livre, pelo menos inicial, da realidade presente naqueles lugares. Os conjuntos habitacionais visitados, Eduardo Abdelnur e Residencial Deputado Jardim Zavaglia, os quais nos referiremos por vezes como ‘Abdelnur’ e ‘Zavaglia’, respectivamente, são dois empreendimentos imobiliários impulsionados pelo Programa Minha Casa, Minha Vida. A disposição de ambos se dá de maneira muito parecida, com vários quarteirões compridos enfileirados, todos iguais, preenchidos por renques de pequeníssimas casas, espaçadas umas das outras e com um recuo padrão que serve de garagem. Nos dois casos, as casas foram entregues idênticas umas às outras aos novos moradores – os beneficiados. Sua localização geográfica também é semelhante. Ambos encontram-se afastados da cidade, na zona rural a sudoeste da mancha urbana de São Carlos, dispostos lado a lado, afastados da periferia urbana e acessíveis apenas por uma estrada. A diferença fundamental entre os dois reside na sua idade. Zavaglia, o irmão mais velho, ao iniciar a pesquisa estava entregue já há 5 anos, e, portanto, em processo avançado de consolidação. Abdelnur nos foi apresentado em sua fase de finalização das obras, antes das casas serem entregues. A partir daqui, é importante fazer um apanhado do desenvolvimento da fotografia documental e suas questões formadoras são necessárias para expor de maneira clara, no capítulo do desenvolvimento, as inquietações que comandaram o processo de descoberta e das discussões em torno das relações internas e externas diversas que compõem os conjuntos habitacionais e sua tradução através das fotografias tiradas pelo grupo.

Revisão bibliográfica – a fotografia documental

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O preparo dos alunos envolvidos passou por uma construção, conduzida pelos professores, de um repertório histórico dos diferentes rumos e gêneros da fotografia documental, utilizando-se de autores, obras, movimentos e escolas que guiaram tendências estéticas e obtiveram destaque em seus objetivos e sua trajetória. O início desse processo se dá na fotografia do séc. XIX, tida como instrumento de representação imagética da realidade absoluta e desatrelada de valores subjetivos e de qualquer formulação artística intrínseca. A relação inicial do fotógrafo é de portar o ponto-de-vista que aponta e captura, demonstrando uma experiência concreta e nada mais, em uma relação afastada e não-participativa da realidade fotografada. A utilização da fotografia, nesse caso, era intimamente


ligada a uma documentação visual pura, uma ferramenta científica. A partir da segunda década do séc. XX, somente, durante o período do romantismo, a possibilidade e utilização de uma dimensão artística da fotografia começa a se delinear, fundindo o cunho técnico ao artístico da fotografia. O resultado disso é a abertura para experimentações que consolidariam a fotografia documental também como forma de discurso. Isso modificaria o referente e daria espaço para, com o passar dos anos, a fotografia documental adotar cada vez maior subjetividade intrínseca, produzindo realidades próprias, observações e discursos próprios de cada imagem ou série fotográfica.

“desenvolvem mais comentários visuais sobre o mundo do que geram notícias visuais sobre esse mesmo mundo, […] perseguindo mais o simbólico que o analógico, a subjetividade do que a objetividade, perseguindo mesmo, por vezes, a invenção, a ficção construída sobre o real, a encenação interpretativa”. (SOUSA apud BARBALHO apud MAIA, 2013, p.12-13).

O pictorialismo inicial da fotografia, no contexto moderno que entra no século XX, se transforma em uma ‘antifotografia’: sua falta de personalidade e qualquer objetivo outro que não a simples demonstração de uma vista a enquadram como algo decorativo e burguês. O fotógrafo, agora, tal como John Thomson ou Eugene Atget, se embrenha pela cidade e dela faz parte:

“A paisagem da natureza ou amplas vistas, a partir de um “ponto de vista”, dá espaço a uma paisagem das ruas das cidades tomadas por uma visão pessoal de um fotógrafo-viajante, que se integra ao fluxo urbano, apreende visualmente sua potência e se torna a própria metáfora da mobilidade moderna.” (MAIA, 2013, p. 61)

Essa nova tendência, aliada aos contextos de crise pelas quais passavam os EUA e o mundo, desenvolveu aos poucos uma inclinação de associar a aspectos sociais e humanistas da fotografia, transferindo a atenção da fotografia da paisagem até o homem e seu cotidiano. Os artifícios de manipulação estética da imagem, cada vez mais, passaram a buscar a intensificação de um sentimento ou sensação para retratar a experiência do fotógrafo na situação, em detrimento da imagem. No pós-Segunda Guerra, a veracidade da prática fotográfica e suas regras formais entram em cheque: “Não somente o assunto das imagens, os sujeitos das fotografias, que se modificam, mas igualmente o estilo estético passa a ter uma importância ainda maior na significação do que apenas auxiliar na identificação e objetividade do conteúdo”. (MAIA, 2013, p. 77 – 78). Isso quer dizer absorção de acontecimentos incorporais e consequente subjetificação da nossa própria realidade. Na fotografia, o documento se torna expressão. “(...)Não prevê que a realidade da representação seja extraída diretamente das coisas, mas que seja produzida através de valorizações estéticas e da escolha de uma ‘escrita’ específica que afirme a subjetividade do fotógrafo na criação da realidade.” (MAIA, 2013, p. 13-14), ou ainda: “De um lado, o sentido seria apenas desalojado e registrado; do outro, ele é produto de um trabalho formal no cruzamento da imagem com o real” (ROUILLÉ apud MAIA, 2013, p. 14) Essa forma de expressão, definidora da relação subjetiva do fotógrafo que pondera e age sobre a paisagem com sua fotografia, retira, muitas vezes, a realidade de seu ponto geográfico, fragmenta-a, e modifica o referente ao ponto de ele não mais ser tratado como preexistência, mas como um evento, que tem potencial de relação na presença e ação do fotógrafo para a formulação da imagem. Um dos desdobramentos da fotografia contemporânea, representado bril11


hantemente no Brasil, no tempo presente, pelo recente livro ‘paisagem submersa’, de João Castilho, Pedro Motta e Pedro David, é o denominado ‘documental imaginário’, irrestrito do ponto de vista da expressão subjetiva, com narrativas e cenas ‘montadas’ de forma a abordar o sentimentos e angústias diante da realidade na qual eles, por 5 anos, se inseriram, tornando a obra uma experiência muito mais próxima da subjetividade com a situação vivida e retratada por eles, coisas não concretas mas, ainda assim, componentes do que se chama ‘realidade’ e, ao se utilizarem de sentimentos como objeto a ser fotografado, a obra se enquadra na categoria de documental imaginária. Por fim, como já mencionado, acompanhou o desenvolvimento do trabalho a busca de autores referenciais de diversos estilos documentais de fotografia e suas obras, com propósito de servir de criação de base referencial para a produção própria nas visitas aos conjuntos habitacionais.

Revisão Bibliográfica – a questão da habitação no Brasil Seguindo a construção de conhecimento para fundamentar as análises da pesquisa, há também o embasamento teórico apoiado na leitura e elaboração de resenhas de parte dessa leitura (encontradas nos anexos), sobre a qual faremos uma reflexão. O panorama geral do Brasil e, em geral, da América Latina, quando se fala sobre a formação de cidade e das questões de habitação, apresentado por Raquel Rolnik através do recorte de São Paulo, é um sistema visceralizado que se renova sem, no entanto, mudar desde o século XIX, relacionado à herança enraizada do Brasil escravista do plantation e do coronelismo. Usaremos os exemplos dados por Raquel Rolnik e Ermínia Maricato para demonstrar os processos de urbanização que configuraram o desenho geral das cidades brasileiras dos dias de hoje. Desde a Lei de Terras, do meio do séc. XIX, o traçado urbano passa a sofrer alguma regulação governamental. Esse é o momento de uma guinada política e econômica, em que a riqueza, medida em escravos, passa a ser medida a partir da posse de terras. A monetarização da terra exige medidas reguladoras que delimitem com alguma precisão os traçados urbanos e os limites dos lotes. As aglomerações urbanas, sempre crescentes, passaram a gerar crises de saúde pública pelas condições inadequadas de moradia e adensamento sem critérios dos meios urbanos. Os cômodos internos das casas, por muitas vezes, não possuíam janelas, e a inexistência de sistemas de esgoto transformavam as ruas em, ao mesmo tempo, espaços de passagem, conexão direta com as casas e latrinas a céu aberto. Práticas higienistas entraram em vigor como resposta para essa crise, modelando o traçado das ruas com ampliações e aberturas de novas vias, demolindo muitas moradias e impondo as primeiras regulações de construção, como recuos mínimos, por exemplo. Essas intervenções iniciaram o processo de afastamento das populações empobrecidas e da costura entre pobreza, imoralidade e insalubridade, afastando da vida da elite a presença de construções populares coletivas, tais como cortiços, e definindo na cidade a área de centralidade rica rodeada por assentamentos irregulares e empobrecidos, num processo gradual de determinações que cada vez mais reforçaram essa dinâmica. O déficit habitacional que se estabelecia no Brasil do século XIX forçava a inaplicabilidade das novas leis fora das áreas de interesse daqueles que as aplicavam, como forma de evitar uma crise séria de habitação. A desigualdade 12


já presente na quantidade de casos de retificação de construções já atesta uma preocupação seletiva do poder público nos termos de importância da aplicação dessas leis, mantendo o centro das elites dentro da concepção urbana vigente, simultaneamente ao descaso com a formação das áreas periféricas de acordo com seu próprio modelo, áreas essas em que os cortiços e habitações coletivas prevaleciam para atender às classes empobrecidas – em geral, os pretos livres – sendo essa espécie de habitação um modo de morar rejeitado em relação à concepção ‘ideal’ de casa unifamiliar isolada dentro de seu lote.

“As formas espaciais tiveram diferentes significados e fizeram parte de distintas estratégias de inserção no mercado de diferentes grupos sociais que habitavam na cidade, estabelecendo diferentes territórios. No entanto, a legalidade urbana foi construída a partir de um padrão único e supostamente universal, que genericamente correspondia ao modo de vida das elites paulistanas no momento em que os instrumentos legais foram propostos.”(ROLNIK, 1997, p. 60 e 61)

Mesmo com a chegada dos imigrantes europeus, ‘civilizados e laboriosos’, que supostamente trariam novo respiro ao desenvolvimento da nação em substituição aos negros, tidos como irremediavelmente indolentes e associados a uma inferioridade racial crônica com relação aos brancos, a situação urbanística não apresentou melhorias, já que esses novos trabalhadores, excedentes em número e submetidos a condições econômicas e de trabalho também problemáticas, se viram sujeitos às mesmas periferias e a morar também de maneira irregular. Por conta dessa realidade a que essas pessoas estavam submetidas, com dificuldades de deslocamento, pouca oferta de emprego e necessidade de prover o próprio sustento, a casa e a rua do subúrbio se tornaram, como forma de subsistência, espaço de produção e comércio, em novo desvio do ‘próprio’ ou ‘digno’ concebido pela elite burguesa. Ao mesmo tempo, os investimentos em melhorias e intervenções, sempre concentrados na região central, transformaram a região das elites no retrato cultural da cidade, ainda que essa represente uma parcela diminuta da cidade com relação ao todo. O alargamento de vias, instalação de praças, bulevares e equipamentos públicos aprofundavam esse abismo formulado para as duas cidades. A mídia e a publicidade apagam a cidade ilegal, generalizando-a e dando maior atenção à cidade interessante ao capital imobiliário; as leis ambientais e de ocupação só são implementadas de fato na cidade legal; os serviços de manutenção públicos, idem; os investimentos públicos e privados, esmagadoramente maiores na cidade legal. Assim, a imagem da cidade ilegal se apaga completamente perante à cidade oficial, dominada por todos os lados. “Além de estabelecer fronteiras, demarcando e dissolvendo territórios, as normas que regulam a construção e o loteamento intervêm diretamente na estruturação dos mercados imobiliários. Juntamente com os investimentos em infra-estrutura, a legislação configurou eixos de valorização do solo, hierarquizando e indexando mercados”. (ROLNIK, 1997, p. 101)

Essa sucessiva valorização do solo chegou ao ponto em que a terra, em parte do centro, necessitando de rentabilidade, se tornou em um espaço de puro comércio, eliminando o mercado residencial e definindo a primeira região exclusiva de serviços e comércios, “caro e excludente símbolo da modernidade” (ROLNIK, 1997, p. 107) que se configurava na entrada do século XX. Modernidade essa que, buscando a eficiência do plano urbano, segundo Maricato, não soube conter em sua própria concepção seu valor de utilidade, com o discurso, sendo construído em profusão, não abandonando o papel, dissimulando-se, inclusive, e abandonando suas causas socioculturais em um processo falsamente engajado com elas:

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“O ânimo utópico da arquitetura, ou seja, os planos de redenção social através do novo arranjo do espaço habitado, na casa e sobretudo na cidade, deram no seu contrário. (...) ficou um conjunto de normas de funcionalidade, que se mostraram funcionais sobretudo para o processo social e material da produção industrial” (SCHWARTZ apud. MARICATO, As ideias fora do lugar e o lugar fora das ideias, p. 146)

Os ricos definiram uma nova forma de agregar valor ao terreno, com a criação de loteamentos ultra-regulados exclusivos para moradia, para onde muitos se deslocaram. O resto da cidade cresce com o ‘lote para o que der e vier’, sem regulações específicas de uso e que abria possibilidades diversificadas para pequenos e grandes investidores, apesar da falta de investimentos em infraestrutura e incentivos fiscais que contemplassem os loteamentos exclusivos. A partir daí veio a verticalização e suas sucessivas regulações, renovando a rentabilidade do eixo das elites, e uma nova modalidade do loteamento exclusivo: o condomínio fechado, que nada mais é do que a concretização de todas as barreiras abstratas já existentes através da muralha que cerca e divide, criando um mundo à parte desassociado da cidade, a ponto de quase romper com ela. Com o avanço da república e o populismo nascendo no Brasil, a ilegalidade e a expansão espraiada se tornaram objeto de utilização estratégica de investimentos atrelada ao governo, colocando melhorias como moeda de troca política e as relações de favor entre investidores e governo permitiram o abuso do dinheiro público como forma de rentabilizar novos loteamentos e concessões monopolistas. “A anistia e o zoneamento seletivo compunham os dois lados da mesma moeda; eles representavam uma estratégia de política urbana em São Paulo que deitou raízes tão profundas que praticamente não ocorreram inovações legislativas até o final dos anos 60. (...) as massas chegaram ao poder sem autodeterminação, subordinadas a um Estado populista e protecionista, e as elites se deslocaram sem, no entanto, perder o seu lugar. Isso quer dizer: tudo mudou para que nada mudasse”. (ROLNIK, 1997, p. 174)

A formação e o sustento dessa situação é, não apenas social, mas também política. A cultura de flexibilização das leis para atender a interesses dos que, apesar de todas as mudanças que o Brasil conheceu, mantêm-se de maneira oligárquica no poder, e a processos circunstanciais, o rigor e a aplicação das rígidas leis formuladas são costumeiramente ignorados, principalmente nos ambientes em que se forma a cidade ilegal: qualquer um que não tenha atenção do mercado imobiliário. Um exemplo dessa dinâmica é o período da ditadura militar no Brasil, em que a cidade de São Paulo teve uma explosão de crescimento por conta da criação de indústrias, mas os investimentos infraestruturais e, principalmente, grandes obras públicas, foram concentrados no eixo de valorização histórico, de interesse do mercado imobiliário. Essa espécie de investimento identifica interesses específicos: “a presença de megaempreiteiras de construção, obras superfaturadas e a promoção da valorização fundiária e imobiliária com investimentos públicos dirigidos para uma região segregada, plena de símbolos pós-modernos”. (MARICATO, As ideias fora do lugar e o lugar fora das ideias, p. 142) A moradia ilegal e a formação das favelas são também reflexo gritante e indissociável desse contexto, assim como o trabalho informal enraizado nas relações de trabalho e métodos de sustento das famílias e individuais. Segundo Ermínia Maricato, as áreas com esse tipo de moradia e modos de vida, a partir da década de 80, cresceram mais que os núcleos centrais das metrópoles, o que indica aumento relativo da fatia pobre da população e das regiões pobres. A sintetização de Rolnik para a formação da Cidade de São Paulo, rep14


resentativa do esquema que ocorre na maior parte das outras cidades do país e da América Latina, é uma organização dividida e contraposta “entre um espaço contido no interior da minuciosa moldura da legislação urbanística e outro, três vezes maior, eternamente situado numa zona intermédia entre o legal e o ilegal”. (ROLNIK, 1997, p. 181) Vale ressaltar, porém, que a contraposição não é absoluta. O Estado não se ausenta, de fato, por completo dos espaços incertos ou inoficiais, assim como existem, por vezes, transgressões de variadas ordens naqueles sob forte regulação. O desejo de limitar a expansão horizontal urbana de modo a evitar a invasão da zona rural é historicamente infrutífero pelo próprio sistema. Ao definir e redefinir sucessivas vezes um novo perímetro urbano de forma a remediar a expansão para a zona rural, o valor da terra sobe automaticamente e empurra novas ocupações e arruamentos para fora da mancha urbana, como síndrome desse modelo de cidade que destina as periferias aos pobres – ou os pobres à periferia. A lógica utilizada na criação de programas de construção e auxílio à moradia também não estão desvinculados dessa lógica contraditória. Desde a Cohab, a maior parte das construções de conjuntos habitacionais se dá na zona rural, separadas das redes de infraestruturas e conexões com a cidade, em uma relação inclusive questionável com o capital: “(...) a lógica que imperou em toda a produção de habitação popular durante a existência do BNH, era a condição para ter acesso aos financiamentos para a produção popular. Porém, considerando as dificuldades decorrentes da localização desses grandes conjuntos (...), o custo unitário dessas moradias, computados a extensão das redes de infra-estrutura e equipamentos, (...) é comparável ao custo de uma habitação de classe média no mercado privado”. (ROLNIK, 1997, p. 204)

A crítica desse sistema se agrava com a sintomática guetização desses conjuntos, forçosamente fechados em uma bolha sem atrativos, sem qualidade dos espaços livres e sem variedade funcional ou social. Maricato associa essa situação à das favelas em condições de segregação socioespacial que são verdadeiras bombas socioecológicas, tendo como ambiente um agravante e empilhador de problemas relacionados aos indicativos que acompanham a realidade circunstancial em que os moradores dessas regiões estão submetidos. “Nessas cidades não há lei ou qualquer regulação, seja urbanística seja nas relações sociais” (MARICATO, Urbanismo na periferia do mundo globalizado, p.29) “Concentração territorial homogeneamente pobre (ou segregação espacial), ociosidade e ausência de atividades culturais e esportivas, falta de regulação social e ambiental, precariedade urbanística, mobilidade restrita ao bairro, e, além dessas características todas, o desemprego recente que, entre outras consequências, tende a desorganizar núcleos familiares e enfraquecer a autoridade dos pais (...) É impossível dissociar o território das condições socioeconômicas e da violência.” (MARICATO, Urbanismo na periferia do mundo globalizado, p. 29 e 30)

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Desenvolvimento


As investigações aos conjuntos habitacionais se iniciaram sem uma formação específica descrita pelo segundo bloco de revisão bibliográfica (Ferrara e Rolnik). Como a exemplo da investigação feita por Lucrécia Ferrara em São Miguel Paulista em seu livro ‘Olhar Periférico’ (1993), o propósito inicial era ‘ir para ver’, objetivando absorver os dois lugares em sua essência sem um embasamento pré-concebido da realidade própria de cada lugar. O foco de análise, aqui, é qualitativo do espaço, buscando entender, a exemplo de Ferrara, a percepção urbana como prática cultural construtiva da compreensão da cidade – no caso, do conjunto habitacional.

“A convergência entre características físicas, usos e transformações urbanas implica produzir uma Teoria do Espaço Urbano enquanto sistema de produção cultural de linguagem que rompe com a característica idealista do espaço projetado, para transformá-lo em manifestação sociocultural que supera sua concepção abstrata, conceitual.” (FERRARA, 1993, p. 19)

Interpretar cultural e informacionalmente o espaço projetado contribui para a conformação urbana no âmbito semiótico, objeto de estudo importante nessa fase: “(...) a percepção e a leitura do ambiente urbano, como instrumentos de sua interpretação, trazem para a ação sobre a cidade parâmetros mais reais enquanto significado do espaço para o usuário. A cidade é um impacto informacional e, assim compreendida, sugere outras atuações intervenientes: uma cidade adequada ao seu uso.” (FERRARA, 1993, p. 20) Para tal, a presença e o trabalho de construção de um olhar sobre o espaço através da fotografia foram instrumentos de apreensão da imagem e atmosfera transmitidos pelo lugar, decodificando sua lógica de operação e das coisas que o constituem. Antes de chegarmos aos conjuntos habitacionais, porém, é necessário mostrar do que se trata o Programa Minha Casa Minha Vida. Para entende-lo, é preciso analisar a sua conformação econômica e política e os seus impactos na cidade, antes de mais nada. O programa funciona como uma ‘marca’, sob a qual “se organiza uma série de subprogramas, modalidades, fundos, linhas de financiamento, tipologias habitacionais, agentes operadores, formas de acesso ao produto ‘casa própria” (AMORE, 2015, p.16). Em resposta à lentidão de outras intervenções habitacionais e programas extintos, à crise de 2008 e ao enfraquecimento do Ministério das Cidades, o governo escolheu acolher um programa massivo de habitação, apostando nos processos industriais em larga escala de produção, partindo de recursos do FGTS e BNDES para financiar iniciais 1 milhão de habitações. Desde sua 1ª experiência, o PMCMV passou por reformulações para abrandar, mesmo que ainda de maneira muito insatisfatória, inconsistências próprias como sistema, medidas tais como aumento em porcentagem das quantidades de unidades com destinação a populações de renda mais baixa, aumento de abrangência e definições de alguns padrões mínimos de construção e implantação. Claro que ainda há muito a melhorar e se analisar: “O Programa Minha Casa Minha Vida certamente abriu um campo de investigação urbana para os próximos trinta anos, do mesmo modo como o BNH continua a produzir. As reflexões – análises, opiniões, propostas alternativas, recomendações – desta rede, de outros pesquisadores, de setores da sociedade, da imprensa e do próprio governo estão sendo permanentemente produzidas, amadurecidas, contextualizadas, divulgadas, debatidas...” (AMORE, 2105, p. 26)

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As municipalidades que pretendem participar do programa fazem a seleção


das famílias contempladas baseadas em critérios socioeconômicos, entre outros, ou, ainda, selecionam comunidades removidas por meios diversos para alocar nos conjuntos projetados e construídos. O projeto em si é desenvolvido pelas construtoras, que podem entrar com o projeto completo e o terreno já alocado, ou a prefeitura pode ceder a terra e realizar ‘chamamentos’ para atrair projetos das construtoras. A visita inicial foi ao inacabado Abdelnur. Do alto da colina em que o limite da cidade se dissolvia, avistavam-se os dois irmãos, ao longe, esparramados sozinhos no campo, por sobre uma área de recarga do aquífero Guarani e, portanto, erguido sobre um lugar ambientalmente frágil, mas contidos dentro de sua malha própria de vias internas. Uma pequena estrada que leva ao acesso nos depositou dentro daquele bizarro ambiente pela primeira vez. Esvaziado, formado pela exaustiva repetição, o conjunto parecia infinito, sem caráter próprio e não estar em ponto geográfico nenhum. O estranhamento inicial e a ordem de grandeza do empreendimento, potencializada pela repetição esmagadora e aparentemente infinita do ‘carimbo’ da unidade de habitação, foi muito significativo para a compreensão do tratamento da questão da moradia popular objetivamente como um simples produto industrializado a se obter, desatrelado de questões particulares do consumidor e sem relações assumidas a qualquer daquelas unidades de moradia com outros usos que não aquela compreensão mínima de abrigo reduzido e padronizado a algumas atividades vitais. Assistir aos processos de construção, mesmo nas fases finais de acabamento, trouxe questionamentos com relação ao papel real daquele empreendimento no âmbito do Programa Minha Casa Minha Vida. Pilhas e pilhas de materiais idênticos eram carregadas pelos funcionários, a grande maioria desses homens, trazidos do Nordeste especificamente para a obra e levar os materiais para serem aplicados em seu lugar em sua designada unidade de habitação. Os processos construtivos estruturantes das habitações enunciam um processo de montagem que visa rendimento econômico dentro dos padrões e qualidade de mão de obra conseguidos no Brasil. Portas, janelas, cada item presente em cada casa é contabilizado de maneira precisa e tem sua destinação, ali parecendo existir somente por sua presença ser estritamente necessária para o funcionamento do produto a ser entregue. Essas questões são demonstradas ao se verificar a condição das habitações presentes no Zavaglia. Ao chegar no conjunto de 5 anos de idade, é possível atestar que quase todas as habitações passaram por reformas, tentando acomodar de uma maneira mais satisfatória os moradores de cada casa, com puxadinhos, extensões, edículas e muros. Muros esses que foram, também, alvo de indagações. O processo de escolha dos contemplados pelo Minha Casa Minha Vida aglomera pessoas de diferentes bairros espalhados pela cidade, inserindo cada morador em um meio de completo desconhecimento dos seus arredores: os vizinhos todos vêm de realidades distintas e causam um estranhamento e desconfiança geral sintomático da situação forçada pelo sistema do Minha Casa Minha Vida. O universo criado pela empreiteira também se enquadra, de certa forma, na descrição da situação de isolamento e de formação de uma bomba social de Ermínia Maricato: em completo isolamento e abandono por parte do governo assim que entregues as casas, o tráfico de drogas rapidamente tomou seu espaço em ambos os locais, uma vez entregues para usufruto dos moradores. A fragilidade desses ambientes com relação à segurança, portanto, tornam obrigatório, na concepção dos contemplados pelo Minha Casa Minha Vida, de se isolar dentro de seu lote, se embarreirar e se entrincheirar, a exemplo da 19


concepção ‘ideal’ de casa burguesa higienista. A insuficiente atenção para as atividades e necessidades ligadas ao morar, além das diferentes realidades e possíveis particularidades de cada família, se escancara ao nos depararmos com o processo de cumprimento à risca do mínimo estabelecido, para a entrega, dos outros itens que formam o conjunto além do carimbamento das casas. As questões respeitadas são previstas por lei, muitas delas de maneira incompleta, muitas vezes de maneira mínima, muitas vezes não cumprindo seu papel. Um exemplo disso é a qualidade do espaço público dentro desse conjunto. A malha repetida de ruas e renques de casas enfileiradas, no Abdelnur, sofre um breve ruído no formato de uma faixa de terra que corta o empreendimento ao meio. Aquela faixa está prevista para ser a área verde obrigatória do empreendimento, mas que, sem qualificação de qualquer espécie, com escassas mudas de árvores fadadas a morrer espalhadas pelo árido espaço, transformou-se inevitavelmente em uma espécie de terreno baldio, cujo uso escasso, uma vez ocupado o conjunto, se dá majoritariamente pela travessia, por espaço aberto para algumas poucas crianças correrem e para encontro durante a noite para fazer fogueiras. O maior espaço livre deixado para o Zavaglia já prenunciava o destino do espaço presente em seu irmão mais novo. Uma escola demolida era o que restava de uso do lugar, com um triste polvilhamento de entulho espalhado por toda sua extensão. Os encontros, em ambos os conjuntos habitacionais, se dão no meio das vias de automóveis, nas esquinas, nos pequenos bares e lanchonetes montados por alguns moradores em frente às suas próprias casas e em barracas, em uma clara demonstração do insucesso do espaço livre projetado. Essas presenças são marcas de resistência, mostrando que um projeto nunca consegue, por si só, definir usos, apenas propiciá-los de maneira efetiva. O aparecimento rápido de comércios e formas de subsistência locais entram na conformação dos moldes descritos para os subúrbios populares autoconstruídos de Rolnik: a união entre necessidade de pagar as contas e demanda, já que as edificações das proximidades são totalmente constituídas de habitações, propicia a modificação da habitação como veio: ampliações, puxadinhos e edículas, autoconstruídos e voltados para pequenos negócios locais são presenças comuns. Saindo apenas dos conjuntos estudados e ampliando o olhar para o caso de São Carlos, comparando-o à descrição de cidade dada por Maricato e Rolnik, através do exemplo do desenvolvimento urbanístico da cidade de São Paulo, vê-se que o desenvolvimento daquela é semelhante. Observando alguns mapas elaborados em 2011 para estudo e renovação do plano diretor de São Carlos, é possível verificar esse fato. No mapa de expansão urbana (1), vemos o perímetro urbano definido de forma a abarcar, no limite dos loteamentos, a cidade existente, em geral, contida de forma cingida. Os empreendimentos mais novos, porém, se situam, muitas vezes, afastados da mancha urbana central, criando isolamento para si e largos e recorrentes vazios urbanos, em relação contraditória com a definição do perímetro da cidade. No extremo sudoeste da cidade, por exemplo, vemos o delineamento do conjunto Zavaglia, numa clara situação de afastamento da zona urbana anterior. O perímetro urbano, que passa rente a ele, não prevê cidade na área que seria destinada ao Abdelnur, ainda inexistente no levantamento de 2011, demonstrando com perfeição a descrição dos processos de formação de cidade na periferia dada pelas duas autoras. Ali, nada informa o planejamento da ideia de 20


aprovar e implantar mais um conjunto habitacional afastado da mancha urbana e que, posteriormente, promoveria novo alargamento do perímetro da cidade. Observando outros mapas, é possível perceber um desenvolvimento geral condizente com o raciocínio de Rolnik em vários outros âmbitos no que se refere à formação de São Carlos. O centro, que se renova e se verticaliza, é a área de menor densidade demográfica da cidade, e detém baixo número de moradores por domicílio ocupado (ver mapa da média de morador por domicílio (2) e densidade demográfica (3)), demonstrando o processo de transformação em área comercial do centro pela qual passou São Paulo em sua valorização, e a formação de loteamentos exclusivos e condomínios fechados, tais como o Damha e Parque Faber I, definindo novos eixos de valorização da terra. As áreas mais adensadas populacionalmente se reservam a manchas espalhadas pela periferia, ainda com os índices mais altos de morador por domicílio, indicando o aglutinamento de pessoas na periferia desvalorizada, com utilização intensiva dos lotes disponíveis, situação também descrita por Rolnik no exemplo de São Paulo. Essa situação, para São Carlos, é recorrente, principalmente nos loteamentos sem indústrias encontrados diretamente nas bordas da cidade, especialmente a leste e sul, configurados em separado da mancha urbana principal. Nessas áreas, a autoconstrução e a diversificação de usos é uma regra. Isso também ocorre nos exemplos verificados dos conjuntos Zavaglia e Abdelnur, em que é possível observar que várias habitações sofrem diversas modificações e servem de meio de subsistência através da sua transformação em comércios e serviços em um processo que se inicia imediatamente após sua entrega.

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Mapa 1: Planta genérica de valores de São Carlos

Mapa 2: Média de morador por domicílio ocupado de São Carlos

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Mapa 3: Densidade Demográfica de São Carlos

Essas observações iniciais, sem pensar no projeto da unidade de habitação em si, apenas na definição de sua implantação geral, cruzada com um parâmetro quantitativo sério sobre a qualidade de vida propiciada pelos conjuntos habitacionais, demonstra o quão faltosa é a concepção do Minha Casa Minha Vida nas questões do morar. Como base, utilizamos a ‘Ferramenta de Avaliação de Inserção Urbana para os Empreendimentos de Faixa 1 do Programa Minha Casa Minha Vida’, fruto de uma parceria do LABCidade e ITDP Brasil na definição de métodos quantitativos de avaliação com indicadores de diversos quesitos referentes à inserção urbana dos conjuntos habitacionais nas cidades. A Ferramenta avalia três categorias, formadas por subcategorias próprias: Transporte, avaliando as opções e frequência de transporte público que alimenta o conjunto habitacional e seus arredores; Oferta de equipamentos, comércio e serviços, formado por três categorias de equipamentos do setor terciário nomeadas de acordo com a frequência de utilização dadas a elas: equipamentos cotidianos, eventuais e esporádicos; e, finalmente, questões de desenho e integração urbana, avaliados através da relação com o entorno, tamanho das quadras, aberturas para os espaços públicos e rede de circulação de pedestres. Todos os indicadores têm definições quantitativas e se dividem em intervalos demarcados como ‘bom’, ‘aceitável’ e ‘insuficiente’. Dos 9 indicadores existentes, com exceção do indicador do tamanho médio das quadras, em que os conjuntos se qualificam como ‘bom’, ambos os nossos conjuntos estudados adquirem a nota ‘insuficiente’ em todos os quesitos da Ferramenta. Para nossa investigação e avaliação qualitativa, porém, as categorias de análise foram totalmente diferentes e formuladas em momento anterior à ex23


posição às categorias de avaliação da Ferramenta. Para iniciar as visitas de maneira que elas fomentassem olhares direcionados sobre a preocupação da questão do morar, da habitação e da qualidade do espaço público, foram montadas questões disparadoras associadas a relações de intimidade intrapessoais e com o próprio lugar, cujos sentidos foram sendo interpretados de maneira livre durante as investigações aos conjuntos: ‘Onde moro aqui?’ Essa pergunta buscava fazer o grupo de alunos procurar onde se dá o reconhecimento de lar no conjunto, e despertar indagações sobre a repetição das casas e como olhar para elas de maneira individual: como escolher, em um conjunto habitacional repleto de residências idênticas, o que ali desperta a sensação de aconchego, pertencimento e proteção única propiciada pela ideia de lar? ‘Com quem me encontro? Onde?’ Carregada especificamente para as relações interpessoais, esse conjunto de questões direcionavam o olhar para o espaço livre proposto pelo projeto do conjunto, na tentativa de fazer atentar que qualidades fariam dele um espaço propício ou não para o convívio social, e se, no lugar dele, não encontradas qualidades satisfatórias, alguma outra espécie de espaço estaria mais qualificada que ele para receber encontros entre vizinhos e atividades sociais em geral. ‘Aonde finda o caminho?’ Essa questão é um convite ao caminhar como prática estética, proposta de Francesco Careri em seu livro ‘Walkscapes’, e que trouxe à tona a dimensão de infinitude ou, ainda, de fastidiosidade formal da conformação do conjunto, dada sua configuração de malha ritmada e constante, em que tudo é idêntico e repetido. O conjunto no máximo começa, em sua entrada, mas a sensação de se perder em sua repetição exaustiva e sem referências impede, ou pelo menos dificulta, a noção de caminho ao se deambular por ele. ‘Para onde olho e estou?’ Reforça a dimensão de repetição exaustiva e falta de referencial paisagístico e urbano, e, ainda, da falta de referência total do conjunto como ponto geográfico no mapa: seu isolamento completo e rodeamento por todos os lados de paisagem rural o retiram visualmente de qualquer relação urbana externa que ele deseje ter. A pergunta, ainda, permite se aperceber da dimensão de ‘dentro’ e ‘fora’ e essas relações: a janela com a rua, o privado do público e os possíveis atrativos presentes nessas vistas. O mais encontrado pelos alunos, curiosamente, foi o céu. ‘Qual a cor desse lugar?’ Essa pergunta, apesar de visual, permite, através do foco na parte para entender o todo, se aperceber de, não só da cor e as características intrínsecas dela e que nos fazem atentar significados intrínsecos das relações dos componentes da paisagem, o céu, nós mesmos, o reforço das qualidades próprias das coisas, objetos e cenas presentes e observadas nos conjuntos, tais como textura, temperatura, de forma a se apreender uma atmosfera geral e características subjetivas dos lugares componentes da paisagem: aridez e esterilidade, por exemplo, definidoras da percepção geral da experiência presente. 24

“A imagem urbana, não apenas visual, mas, sobretudo, polissensorial, é uma representação construída cotidianamente pelos moradores, a partir da informação inferida da vivência de


variáveis contextuais consideradas como elementos de informação urbana.” (FERRARA, 1993, p. 71)

‘Qual lugar recordo de mim aqui?’ Tem a ver diretamente com a concepção do fenômeno do lugar levantada por Christian Norberg-Schultz. A assimilação do mundo, segundo ele, se dá através de ‘fenômenos’, formados pelas características físicas do espaço dentro de um período de tempo. Na relação do homem com a formação da ideia de lugar: “O propósito existencial do construir (arquitetura) é fazer um sítio tornar-se um lugar, isto é, revelar os significados presentes de modo latente no ambiente dado” (Norberg-Schultz, 2006, p.454). Essa afirmação se conecta com o conceito de habitar dado por Norbergh-Schultz, que é, de maneira ampla, se relacionar com o lugar. Ao encontrar-se em um lugar, o homem se orienta – ou seja, localiza-se no espaço – e se identifica com o ambiente – ou seja, detecta de que maneira ele se encontra em determinado lugar – para formar, com esse conjunto perceptivo, uma ‘imagem ambiental’, importante para uma questão de firmação no ambiente – denominada por Kevin Lynch como ‘imagibilidade’, que designa aquela forma, cor ou organização que facilita a formação de imagens mentais vividamente identificadas, fortemente estruturadas e de grande utilidade do ambiente (Lynch apud. Norbergh-Schultz, 2006, p.456) - e segurança emocional. Quando as relações de localização são frágeis, o indivíduo sente-se perdido – “justo o oposto do sentimento de segurança que distingue o habitar” (Norbergh-Schultz, 2006, p.456). O contexto do PMCMV, porém, não leva em conta de maneira satisfatória essas questões, de forma análoga à questão do funcionalismo moderno do séc. XX apontada por Norberg-Schultz (2006, p. 445): “a abordagem funcional deixou de fora o lugar como um “aqui” como um lugar concreto com sua identidade particular”. Ou seja, a preocupação exclusivamente funcional tem um reflexo danoso às questões de caráter e à identificação com o ambiente. A consequência disso é uma alienação ao ambiente e perda de identidade. A arquitetura ajuda o homem a habitar quando, através das construções, concretiza o ‘espírito do lugar’, o genius loci, reunindo as características do lugar e as aproximando do homem, na sua condição de parte integral do ambiente em que ele se insere. Após algumas visitas fotográficas, o grupo elaborou temas - agrupamentos específicos abordados sobre os quais desenvolver narrativas de forma a expor as experiências locais tidas pelos alunos. Esses agrupamentos, inter-relacionados, constroem, em sua totalidade, os assuntos estudados na pesquisa através da fotografia, tematizando e separando especificidades do conjunto habitacional e sua realidade, de forma a, ao mesmo tempo, manter esses agrupamentos se comunicando de forma entrelaçada.

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Tipologia/repetição O trabalho com a ideia da tipologia para o programa ‘Minha Casa, Minha Vida’ é extremamente importante, haja vista que é característica definidora da imagem de lugar criada nos dois conjuntos habitacionais. Como já dito, a repetição exaustiva e ordenada do ‘carimbo’ da habitação é ditadora da conformação do lugar e responsável pela atmosfera presente no conjunto, que, perdido em sua falta de referências, torna-se um espaço insípido e desorientador. “Hoje, (...), o espaço público urbano é considerado residual. Para ser mais preciso, sua forma resulta dos objetos arquitetônicos que o rodeiam”. (Huet, 2001, p.150) A formação do espaço, na situação do ‘Minha Casa, Minha Vida’ dos conjuntos Abdelnur e Zavaglia, são extremamente pobres e oferecem muito pouco além da moradia em si. A ausência de qualquer coisa que não a conformação em renques de casas idênticas não permite uma formação de cidade instigante e que forme facilmente laços de pertencimento do morador para com o meio em que vive. É muito próximo de uma prática do urbanismo moderno descrito por Huet, “um espaço forçosamente sem forma própria, sem sistema simbólico preciso e sem nome, insignificante e inominável no sentido etimológico da palavra.” (2001, p. 147) O passo uniforme do transeunte não se depara com mudanças, do ponto de vista semiótico, não há impacto visual na travessia ou desbravamento do conjunto e, portanto, não há também impacto emocional, pela profunda falta de contrastes visuais: “ela passa despercebida e é uma cidade incaracterística e amorfa” (Cullen, 1971, p.11). Para efetivar essa ideia através da fotografia, potencializar a ideia de repetição exaustiva seria a estratégia de enquadramento. O processo de organização das fotos em séries, que retratassem a repetição física das habitações e dos renques de casas de maneira repetitiva também funciona para repassar essa ideia. Uma estratégia importante utilizada também foi a de, baseado nos Beckers, reproduzir fotos frontais e endurecidas de cada habitação, retirando, dessa forma, a noção de perspectiva do quadro, estratégia que se repete para formar uma sucessão de fotos similares, cujo conteúdo é sempre a fachada de uma habitação, centralizada, dentro de seu lote, a serem dispostas em um grid de casas, diferentes, porém idênticas. Essa última estratégia se assemelha à utilizada na categoria ‘materiais e mercadoria’, de forma a criar uma ligação de discurso e correlacionar a dimensão de mercadoria à unidade de habitação, e vice-versa.

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Figura 1 Grid de casas - Conjunto Abdelnur. Acervo pessoal.

Figura 2 Grid de casas - Conjunto Abdelnur. Acervo pessoal.

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Figura 3 Renques de casas Conjunto Abdelnur. Acervo pessoal.

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Figura 4 Renques de casas Conjunto Abdelnur. Acervo pessoal.


Figura 5 Renques de casas Conjunto Abdelnur. Acervo pessoal.

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Ocupação/singularização Uma vez entregues as casas a seus respectivos donos, como relatado pelos moradores no Zavaglia e testemunhado no Abdelnur, um processo de autoconstrução se iniciou quase imediatamente de forma a adequar as moradias de forma mais satisfatória aos residentes. Muros, grades, portões, ‘puxadinhos’ e edículas estão na lista de intervenções feitas que foram verificadas em ambos os conjuntos. Essa prática amplamente adotada é sintomática do processo de atendimento incompleto das necessidades de moradia dos residentes, como já dito, em função do projeto único de habitação-padrão que não atende de forma diferente a famílias diferentes e não prevê modificações, expansões e não é pensado de maneira flexível. Isso, ajuntado à falta de atrativos nas redondezas, à condição econômica geral e à distância da cidade, tem como resposta encontrada para suprir essas faltas a utilização das próprias casas para prover o sustento próprio e as demandas da vizinhança, situação que será comentada em um agrupamento mais à frente. De maneira comparativa à série de frontais enfileirados, uma série de fotos com enquadramentos iguais das habitações do Zavaglia consolidado fazem a ligação do ‘antes e depois’ relacionando as casas virgens do conjunto Abdelnur às casas que passaram por variados graus de modificação do conjunto Zavaglia.

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Figura 6 Grid de casas Conjunto Zavaglia. Acervo pessoal.

Figura 7 Grid de casas Conjunto Zavaglia. Acervo pessoal.

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Figura 8 Varais no Abdelnur ocupado. Acervo pessoal.

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Figura 9 Mรณvel tampando janela - Abdelnur. Acervo pessoal.


Figura 10 Cozinha de uma casa no Zavaglia. Acervo pessoal.

Figura 11 Cozinha recentemente reformada no Zavaglia. Acervo pessoal.

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Limites e fronteiras A questão do limite é trabalhada em várias frentes nesse agrupamento. A primeira, em escala macro, olha em volta do conjunto todo, buscando definir o que o cerca, onde finda seu caminho. A presença massiva de área de pasto e plantações encurralando todo o perímetro do conjunto é uma demonstração da noção de paisagem e assentamento definida por Norberg-Schulz em seu ‘O fenômeno do lugar’:

“A relação interior-exterior, que é um aspecto principal do espaço concreto, sugere que os espaços possuem graus variados de extensão e cercamento. Enquanto as paisagens se diferenciam por terem extensões variáveis, mas basicamente contínuas, os assentamentos são entidades muradas entre fronteiras. Portanto, assentamento e paisagem mantêm entre si uma relação de figura-fundo. De modo geral, tudo o que fica encerrado se manifesta como ‘figura’ contra o vasto fundo da paisagem.” (Norbergh-Schulz, 2006, p.450)

Fora esparsos prédios no horizonte, pouco se vê da paisagem que não seja ambiente rural de dentro dos conjuntos habitacionais, principalmente do Zavaglia. A sensação de isolamento completo acontece sempre que é possível avistar qualquer chão que se estenda para fora dos renques de casas, um retrato visual da realidade social e física dos moradores. Outra questão de fronteira é aquela estabelecida entre um lote e outro e entre o lote e a rua. Fileiras de tijolo de concreto assentadas no chão em volta das casas demarcam os limites laterais e de fundo da terra que agora pertence a cada morador, mas seus limites interpessoais são barreiras sólidas, dadas as circunstâncias diversas de entrada no Programa e desconfiança geral entre os próprios vizinhos por conta de formarem um bairro inteiro, de um momento a outro, completamente composto de pessoas estranhas umas às outras. As condições econômicas e índices sociais, geográficos e urbanos presentes contribuem de maneira fundamental para crescer essa desconfiança, já que o tráfico e a criminalidade se fazem presentes de forma rápida e contundente, segundo relatos de alguns dos moradores dos dois conjuntos. A fileira de tijolos, então, além de demarcar os lotes, prepara terreno para a subida dos muros pelos residentes, separando-os fisicamente antes que suas barreiras interpessoais possam ser transpostas ou desmontadas.

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Figura 12 Muro sendo levantado em quintal no Abdelnur. Acervo pessoal.

Figura 13 Grades. - Zavaglia Acervo pessoal.

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Espaços livres O terreno baldio em estado de completo abandono e descaso desde sua formação inicial, nos dois conjuntos habitacionais estudados, supostamente serviria de espaço livre destinado a atividades sociais, encontros e lazer para o público residente. A descrição da condição presente de boa parte da área livre no Zavaglia: uma quadra de futsal aberta e um pequeno campo de futebol ao lado da creche, compõem o que se chama de espaço qualificado. Porém, a maior parte da área supostamente destinada a atividades recreativas e sociais encontra-se em estado de abandono. Parte do terreno apresenta os restos de uma escola, que foi demolida, e muito entulho. Ali, nenhuma qualificação se faz presente. O caso do conjunto Abdelnur, por sua vez, não possui absolutamente nenhuma qualificação, configurando-se num espaço árido, passando longe do interesse dos moradores. As atividades identificadas lá, feitas pelos moradores, estão em vestígios de fogueiras e na travessia de algum ou outro morador. Crianças brincam de correr na terra batida.

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Figura 14 Grid do espaรงo livre e seus usos Conjunto Abdelnur. Acervo pessoal.

Figura 15 Grid do espaรงo livre e seus usos Conjunto Abdelnur. Acervo pessoal.

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Figura 16 Apropriação do espaço público - Abdelnur. Acervo pessoal.

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Figura 17 Apropriação do espaço público - Abdelnur. Acervo pessoal.


Figura 18 Apropriação do espaço público - Abdelnur. Acervo pessoal.

Figura 19 Apropriação do espaço público - Abdelnur. Acervo pessoal.

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Figura 16 Amarelinha e escombros - Zavaglia. Acervo pessoal.

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Figura 17 Restos da escola demolida no Zavaglia. Acervo pessoal.


Figura 18 Pelada na quadra Zavaglia. Acervo pessoal.

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Subversão e resistência A deficiência assombrosa de atrativos previstos em projeto nos conjuntos habitacionais é a grande responsável por essa categoria. O despejamento massivo de pessoas dentro de uma situação de grave isolamento demanda uma série de equipamentos que atendam suas necessidades, e não é o que ocorre aqui. Os espaços livres, já comentados, não são utilizáveis de maneira satisfatória. Não existe, dentro do conjunto ou em suas proximidades, nenhum comércio ou serviço, e o único equipamento público em funcionamento é, no Zavaglia, uma creche. O sistema de transporte público, falho e insuficiente, não permite um deslocamento facilitado para a cidade, impedindo o acesso a uma série de produtos, espaços e atividades importantíssimos para a vida urbana. O suprimento de, ao menos, parte dessa demanda, não levada em conta na construção desses bairros, é feito pelos próprios moradores através da subversão do projeto de conjunto residencial, como forma de resistência à determinação da situação de abandono completo por parte das gestões governamentais após sua entrega. Brotam serviços de diferentes espécies, vendas, bares e lanchonetes. Esses últimos, de alguma forma, fazem resistência à incompletude do espaço público que tentou ser determinado para uso dos moradores sem portar nenhum atrativo, sem nenhum tratamento, sem qualificação. Nas garagens de residências polvilhadas pelos conjuntos montam-se bancadas, põem-se mesas e ali acontecem encontros e atividades sociais, além do provimento e subsistência para os novos comerciantes assentados nesses espaços. As ruas e esquinas também são pontos de encontro e atividade social. As pessoas conversam em rodas durante o dia e a noite de pé por sobre os leitos carroçáveis, e por eles passeiam, em uma nova demonstração do fracasso completo do espaço livre árido que, previsto por lei, foi implementado tão descuidadamente.

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Figura 19 Bar e lanchonete improvisado - Abdelnur. Acervo pessoal.

Figura 20 ComĂŠrcio improvisado Abdelnur. Acervo pessoal.

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Identidade cultural Em uma relação direta com as categorias ‘subversão e resistência’ e ‘espaços livres’, esse agrupamento foca em retratar os costumes e atividades dos moradores, detectados nas visitas fotográficas de forma a entender como e onde se dá – ou não - sua socialização, seus encontros. A rua, as calçadas e os portões são exemplos de espaços apropriados. As atividades esportivas, majoritariamente realizadas pelas crianças, só acontecem graças às traves de gol erguidas nas áreas mais planas dos terrenos.

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Figura 21 Apropriação do espaço público - Abdelnur. Acervo pessoal.


Figura 22 FamĂ­lia no Zavaglia. Acervo pessoal.

Figura 23 Minha vida. Acervo pessoal.

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Acabado/inacabado Chegar pela primeira vez no conjunto Abdelnur, durante ainda as fases finais de seu processo de construção, abriu oportunidade para o desenvolvimento de uma questão posterior com relação aos modos de produção das habitações e sua adequação após a entrega. Encontrar habitações ainda sem janelas, sem acabamento finalizado significava que elas ainda estavam incompletas – mas, depois da entrega, finalizadas também não estavam. Isso é constatado na observância das habitações do Zavaglia consolidado. A imagem final de bairro periférico é a de inacabamento: a autoconstrução que transforma o morar e a moradia de cada um na individualidade, no conjunto passa a imagem de não-finalização: tijolos baianos expostos, lonas estendidas e materiais arcaicos misturados com os da habitação inicial industrializada criam uma imagem própria para o conjunto, processo que pode ser visto se desenvolver rapidamente no Abdelnur.

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Figura 24 Unidade em construção - Abdelnur. Acervo pessoal.


Figura 25 Caixa d’agua em teste de estanqueidade Abdelnur. Acervo pessoal.

Figura 26 Varais improvisados Abdelnur. Acervo pessoal.

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Materiais e mercadoria Desenvolvida em paralelo com as indagações sobre a tipologia padronizada de habitação para o conjunto, essa categoria se debruça na questão mercadológica da construção. Uma visão estética de texturas, insumos e marcas que, a partir dos acordos comerciais estabelecidos para a construção dos conjuntos, estarão presentes nas vidas dos seus habitantes, como compositores da estética e atmosfera do lugar. A exploração do almoxarifado, lugar de deposição e organização dos materiais da obra, abre espaço para pensar o ‘Programa Minha Casa, Minha Vida’ no âmbito do grande negócio imobiliário e da rede de parcerias mercadológicas entre as grandes empreiteiras executoras dos projetos e grandes marcas e industriais que se fazem presentes em cada casa edificada, uma a uma, de forma massiva. O paralelo aqui formado é o da já discutida produtização da habitação pelo Minha Casa Minha Vida e as empreiteiras.

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Figura 26 torneira recém instalada - Abdelnur. Acervo pessoal.


Figura 27 Contêineres de materiais de construção Abdelnur. Acervo pessoal.

Figura 28 Depósito de materiais de limpeza - Abdelnur. Acervo pessoal.

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Figura 29 dutos empilhados Abdelnur Acervo pessoal

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Figura 30 Estoque de revestimento impermeabilizante Abdelnur Acervo pessoal.


Figura 31 LatĂľes empilhados Abdelnur. Acervo pessoal.

Figura 32 Estoque de massa de acabamento - Abdelnur. Acervo pessoal.

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Memórias do olhar Em um lugar incaracterístico e amorfo, a dimensão de identificação e pertencimento é prejudicada. O sistema de espaços públicos dos conjuntos, com pouca ou nenhuma hierarquização e, com relação a eles mesmos e ao resto da mancha urbana, sem também continuidade, torna-se um vazio de memória. “É pela continuidade da rede de espaços públicos que a cidade vai tomando a sua forma, é pela permanência no tempo dos espaços públicos que uma cidade constitui sua memória.” (Huet, 2001, p. 148) O pertencimento, tão obstaculizado nesse contexto, perde-se em relações fragmentárias e muito pouco sobra para firmar relações de orientação e identificação dentro dos conjuntos. “Em consequência disso, a alienação tomou o lugar do verdadeiro habitar, no sentido psicológico.” (Norberg-Schulz, 2006, p. 457) dado que, segundo Norberg-Schulz, as propriedades que compõem os objetos de identificação do ambiente são concretas e, geralmente, assimiladas durante a infância. Essa questão da memória e da caracterização compõe esse conjunto de imagens, buscando demonstrar os possíveis formadores de laços desses ambientes com os moradores.

Figura 33 Horizonte - Abdelnur. Acervo pessoal.

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Figura 34 Estrada de acesso nas bordas da cidade Abdelnur. Acervo pessoal.

Figura 35 Horizonte - Abdelnur. Acervo pessoal.

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ConclusĂŁo


Vimos, através do estudo dos conjuntos Zavaglia e Abdelnur, o processo de formação da cidade nas periferias circunscrito na situação específica do ‘Programa Minha Casa, Minha Vida’, com suas particularidades e concordâncias com outros processos, estudados por outros autores, de formação de cidade para as faixas mais pobres da população. A tentativa de produção de cidade propiciada pelo Programa, da forma como se dá e como pudemos verificar, é insatisfatória do ponto de vista qualitativo e quantitativo. O loteamento exclusivamente habitacional, produtizado, afastado, excluído e sem provimento de equipamentos e atrativos é inviável e não é formador de cidade por si só. O recorte utilizado é mais um exemplo da esmagadora diferença de aplicação, presente no Brasil até hoje, das diretrizes excludentes urbanas e manutenção do status-quo imobiliário. O Programa Minha Casa Minha Vida, apesar de prover o direito à habitação com padrões mínimos a milhões de pessoas no Brasil, de maneira regularizada, via de regra, fica muito aquém em termos de inclusão territorial e qualidade urbana, por não ter, ainda, encontrado meios de livrar-se da sombra do interesse econômico imobiliário. O desenvolvimento dessa pesquisa produziu, além desse relatório como resultado acadêmico, também um artigo publicado para o IV ENANPARQ (Encontro da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo) e apresentado em Porto Alegre, em julho de em 2016 durante esse encontro, de autoria de Luciano B. Costa e Luciana B. Martins Schenk. A pesquisa também é parte componente da revista fotográfica MCMV (COSTA, 2016), a partir das fotografias tiradas nas várias visitas aos conjuntos por todos os pesquisadores.

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Anexos


Resenha . AMORE, Caio S. – Minha Casa Minha Vida para iniciantes, in Minha casa... e a cidade? Avaliação do programa minha casa minha vida em seis estados brasileiros, 2015. Aluno: Renan S. Gomez Profª orientadora: Luciana B. Martins Schenk O salto quantitativo e qualitativo do MCMV com relação ao BNH é realmente absurdo. Santo Amore inicia sua descrição do programa habitacional de 2009 com a óbvia e necessária comparação entre os dois programas, um, extinto e paraplégico, o outro, segundo o autor, dando subsídios quase integrais e com políticas participativas. Seu texto introdutório serve para apresentar a situação em que se baseia o lançamento do programa habitacional e alguns de seus conceitos. Para entender o MCMV, é necessário analisar a conformação econômica e política e os seus impactos na cidade, antes de mais nada. Amore explica que o MCMV é uma ‘marca’ sob a qual ‘se organiza uma série de subprogramas, modalidades, fundos, linhas de financiamento, tipologias habitacionais, agentes operadores, formas de acesso ao produto ‘casa própria’ (AMORE, 2015, p.16). Em resposta a intervenções habitacionais mais lentas, à crise econômica de 2008 e ao enfraquecimento do Ministério das Cidades, o governo decidiu por acolher um programa que apostava na produção em massa de habitação, utilizando-se de recursos do FGTS e do BNDES para financiar iniciais 1 milhão de habitações, em um investimento de 34 bilhões de reais que gerou empregos em diversos setores associados à construção civil e habitação. O programa abrangeu todo o país já em sua 1ª fase, com foco nas regiões nordeste e sudeste, priorizando cidades de mais de 100 mil habitantes. Com sua implantação, porém, vieram as críticas e constantes reformulações, de modo a adequar de maneira mais satisfatória o programa às necessidades e déficits habitacionais: aumento da porcentagem de 40% para 60% do total) de unidades construídas para as faixas de mais baixa renda (até 3 salários mínimos), inclusão das cidades pequenas (menos de 50 mil habitantes) no programa, definição de alguns padrões mínimos de construção, equipamentos públicos, acabamento etc. Vale lembrar que as habitações propostas são para o meio urbano, cabendo a outro programa (PNHR) a responsabilidade de prover subsídios de habitação para o meio rural, com definições próprias para tanto. Porém, por conta do problema da especulação imobiliária, o PMCMV ainda não soube enfrentar de maneira adequada a exclusão territorial urbana, se concentrando em periferias que, muitas vezes, fazem limite com o meio rural, tal qual ocorre com os conjuntos habitacionais do programa construídos a sul da cidade de São Carlos, SP. Para ter acesso ao programa, as famílias precisam atender a pré-requisitos: renda máxima (aqui o programa se subdivide por faixas de renda, cada uma com tipos diferentes de financiamento/subsídio. Para a faixa 1, por exemplo, a mais pobre, trata-se de um subsídio, que não exige retorno e não cobra impostos, e que cobre quase a totalidade do custo de compra da moradia.), não ser proprietária de outro imóvel, não ter sido atendida em outro programa habitacional, não ter restrições cadastrais, além de apresentar conformações específicas que as favoreçam nos critérios de escolha, tais como mulher chefe de família, deficientes físicos na família, estar em área de risco, além de critérios adicionais estabelecidos pelos municípios, sendo de responsabilidade deles a hierarquização para fazer a escolha das famílias beneficiadas. Outro caso é o de empreendimentos destinados especificamente a comunidades removidas por motivos diversos, meio muito difundido durante as obras 57


da fase 2. As faixas 2 e 3 é financiada por recursos do FGTS, com exigência de retorno com juros do dinheiro, tendo uma dinâmica inversamente proporcional de empréstimo com relação ao salário: quanto menor ele for, maior é o subsidio e menor é a taxa de juros. As construtoras podem entrar com o projeto completo e o terreno já alocado, ou prefeitura pode ceder a terra e realizar ‘chamamentos’ para atrair projetos das construtoras. Com as mudanças da fase 2 e o sucesso do programa, porém, Amore ainda indica que o programa precisa ser sempre revisitado e avaliado: “O Programa Minha Casa Minha Vida certamente abriu um campo de investigação urbana para os próximos trinta anos, do mesmo modo como o BNH continua a produzir. As reflexões – análises, opiniões, propostas alternativas, recomendações – desta rede, de outros pesquisadores, de setores da sociedade, da imprensa e do próprio governo estão sendo permanentemente produzidas, amadurecidas, contextualizadas, divulgadas, debatidas...” (AMORE, 2015, p. 26)

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Resenha . MAIA, Ravena. A paisagem na fotografia documental contemporânea: Tendências estéticas na obra ‘Paisagem submersa’, 2013 Aluno: Renan S. Gomez Profª orientadora: Luciana B. Martins Schenk

O gênero Documental da fotografia O tema da dissertação verifica e discute a relação do homem e o lugar através da evolução da fotografia documental: delinear “de que forma as tendências estética no gênero documental da fotografia pode fomentar discussões acerca das transformações na relação do homem com os “lugares” e territórios” (MAIA, 2013, p. 7), necessitando, assim, verificar que mudanças expressivas essa evolução acarreta no ato de um clique. Para tanto, é importante observar um histórico básico da fotografia, mais exclusivamente, a dita ‘fotografia documental’, e entender esse termo, que, desde a invenção da fotografia até os dias atuais, passou por mudanças de abordagem que dividem no tempo diferentes grupos que olham para a atividade (e a praticam) de maneira distinta uns dos outros. Na posição de representação ‘fiel da realidade’, no séc. XIX, a fotografia tinha utilização, de fato, de documentação imagética da realidade e, portanto, distanciada da arte e de qualquer valor subjetivo. A valorização do momento instantâneo na fotografia e sua concepção como picturização absoluta do real tornam a fotografia uma seleção de um ponto de vista e prova de um ‘estar’ em um local, uma experiência concreta e nada mais: buscando demonstrar valores característicos da época, e no papel de simples enquadrador do clique, o fotógrafo se abstém de participação na realidade fotografada. A dimensão de testemunho e a objetividade encadeada por isso retinham na fotografia um papel de ferramenta científica e documentação visual. Com o romantismo e as experimentações realizadas na década de 20-30, a fusão técnica e artística da operação fotográfica passou a consolidar a fotografia documental como forma de discurso – e é nesse período, também, que toma corpo a dimensão artística da fotografia em geral. O desenvolvimento disso encadeia-se em uma modificação do referente e subjetividade cada vez mais intrínseca à fotografia documental, produzindo realidades próprias, observações e discursos próprios de cada clique ou conjunto de imagens. “desenvolvem mais comentários visuais sobre o mundo do que geram notícias visuais sobre esse mesmo mundo, […] perseguindo mais o simbólico que o analógico, a subjetividade do que a objetividade, perseguindo mesmo, por vezes, a invenção, a ficção construída sobre o real, a encenação interpretativa”. (SOUSA apud BARBALHO apud MAIA, 2013, p.12-13).

A paisagem de ponto de vista, pictorialista, entrando no âmbito moderno, passa a ser vista como uma espécie de ‘antifotografia’, burguês e decorativa, sendo gradativamente substituída pelos fotógrafos por imagens de cunho pessoal capturadas da paisagem urbana: “A paisagem da natureza ou amplas vistas, a partir de um “ponto de vista”, dá espaço a uma paisagem das ruas das cidades tomadas por uma visão pessoal de um fotógrafo-viajante, que se integra ao fluxo urbano, apreende visualmente sua potência e se torna a própria metáfora da mobilidade moderna.” (MAIA, 2013, p. 61)

Essa tendência de aventurar-se pela urbe em busca da representação da realidade urbana, em concomitância com os trabalhos documentais desenvolvi-

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dos pela FSA no contexto da Depressão nos EUA, desenvolveu gradativamente um aspecto social e, em seguida, humanista de fotografia, que colocou no centro das atenções não mais o ambiente, mas o ser humano e sua realidade cotidiana. O apogeu dessa prática, pelos mesmos motivos da Grande Depressão, porém intensificados pelos horrores e a dura realidade do contexto histórico, foi na 2º Guerra Mundial. Os artifícios utilizados para manipular esteticamente a imagem serviam para intensificar uma sensação ou sentimento para retratar não a imagem, mas a experiência do fotógrafo na situação de cria-la na fotografia: exemplo disso são as fotografias de camponeses, em enquadramentos de baixo para cima para dar a eles ar de ‘heroísmo’, no contexto da Depressão. No pós Segunda Guerra, entra em cena um questionamento com relação à veracidade das práticas fotográficas e suas regras formais. “Não somente o assunto das imagens, os sujeitos das fotografias, que se modificam, mas igualmente o estilo estético passa a ter uma importância ainda maior na significação do que apenas auxiliar na identificação e objetividade do conteúdo.” (MAIA, 2013, p. 77 -78) Para Rouillé, a passagem do capitalismo industrial para nossa atual era da informação é responsável por ditar mudanças nos acontecimentos: de uma percepção direta e material, passamos agora a absorver acontecimentos incorporais, o que subjetifica a nossa realidade. Na fotografia, o documento se torna expressão. “(...)Não prevê que a realidade da representação seja extraída diretamente das coisas, mas que seja produzida através de valorizações estéticas e da escolha de uma “escrita” específica que afirme a subjetividade do fotógrafo na criação da realidade.” (MAIA, 2013, p. 13-14), ou ainda: “De um lado, o sentido seria apenas desalojado e registrado; do outro, ele é produto de um trabalho formal no cruzamento da imagem com o real” (Rouillé apud MAIA, 2013, p. 14) Dessa forma, o documental contemporâneo busca cuidar de questões chave do indivíduo e da realidade, tratando, muitas vezes, da relação direta entre os dois: a vivência dentro de um espaço é, assim, um aspecto importante da fotografia de documentação contemporânea. No documental contemporâneo, a pretensão do clique é de definir uma relação subjetiva do fotógrafo que pondera e age sobre a paisagem com sua fotografia, estabelecendo uma realidade e retirando-a do ponto geográfico (estabelecimento de um não-lugar (Augé apud MAIA, 2013, p. 18), em um encontro efêmero com o referente. Em geral, a fotografia contemporânea também aborda os espaços de maneira fragmentada, conversando com objetos específicos e formando a realidade a partir de um conjunto de fotografias sobre um espaço. Segundo Maia: “Encarar o processo fotográfico como um fenômeno resultante do encontro entre um referente e o fotógrafo que não determina uma realidade, mas atualiza suas mais diversas potencialidades. (...)Esta noção permite pensar sob dois aspectos: por um lado afirma que a fotografia não atesta um referente preexistente já dado, e sim designa um referente de forma a exprimi-lo enquanto evento singular; por outro, inclui de forma atuante o sujeito fotógrafo, como variável fundamental da produção da imagem e de seu sentido.” (MAIA, 2013, p. 18)

O processo fotográfico não se restringe, então, somente à origem do ato fotográfico, do seu funcionamento como dispositivo, ou à similaridade da imagem final como prova do real, “mas abordá-la enquanto prática social, plural, perpetuamente variável” (Rouillé apud. MAIA, p. 39).

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Paisagem Submersa: Documental imaginário Objeto de estudo da dissertação que expressa uma vertente contemporânea de expressão da fotografia documental denominada ‘documental imaginário’ e explicada da seguinte forma: “um desdobramento da fotografia documental contemporânea, onde os fotógrafos buscam expressar seus sonhos, imaginários e subjetividades de maneira mais explícita, aberta e sem restrições. É nesta forma de apresentar as subjetividades que as produções documentais imaginárias se distinguem dos documentaristas anteriores, ou seja, tais ideias são criadas a partir de uma relação menos analógica com o referente, e a fotografia deixa de cumprir os princípios de objetividade que pautavam as produções anteriores, sem deixar as características que a tornam documental – pesquisa prévia do tema, narratividade, produções de longa duração.” (MAIA, 2013, p. 97)

O livro nasceu de um processo documental de 5 anos que acompanhou uma comunidade ribeirinha no Vale do Jequitinhonha que seria desalojada para a construção da usina hidrelétrica de Irapé. O livro divide várias temáticas relacionadas ao fato iminente (sonho, sufoco, anunciação, presságio, eu levo, etc.), dispostos fora de ordem cronológica e em momentos distintos: antes da mudança, a fase adaptativa e a comunidade realocada. A obra é feita dos olhares individuais dos três fotógrafos, de forma autoral, e com interferência direta dos fotógrafos na vida dos fotografados, que se inseriram na comunidade para o processo, o que torna o trabalho claramente distanciado dos métodos clássicos de fotografia documental. O subjetivo também é demarcado, além da forma de retratar, no objeto de documentação dos fotógrafos: “O intuito não era fazer um registro dos acontecimentos e documentar este aspecto mais geral da realidade dos moradores, a saída das margens do rio para se alocarem em regiões mais distantes. Os fotógrafos pretendiam abordar os sentimentos e as angústias diante do que estava para acontecer, retratar os laços afetivos e a relação dos moradores com o lugar que viveram, nasceram, moraram; em outra perspectiva, documentar a experiência mais afetiva e subjetiva com a situação, elementos que também fazem parte da composição do que se chama “realidade”. (MAIA, 2013 p. 96)

Ao utilizar-se de sentimentos como objeto de documentação fotográfica, algo invisível, é que os autores enquadram a obra na categoria de Documental Imaginário, valendo-se de simbolismos e uma proposta de prevalência estética para exprimir a realidade retratada por eles no Vale do Jequitinhonha: não o que os autores quiseram dizer em cada imagem, ou a cena testemunhada, mas sim o que a formulação daquela cena expressa. O livro é desprovido de ordem cronológica, contando com outras associações, prevalentemente estéticas, com excessão de uma divisão: a vida na comunidade ribeirinha a ser inundada (antes), a destruição das casas em processo de abandono (durante), e a nova habitação (depois). Cada uma dessas três categorizações tem tratamentos diferenciados e relações homem-paisagem exclusivas. Aqui, algumas fotos demonstrando a geração de seus discursos, e alguns meios, comentados por Maia para outros exemplos do mesmo livro, para alcança-los:

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Paisagem Submersa, 2008. p. 62 e 63 imagem: Pedro David.

Nessa fotografia, é possível destacar uma brincadeira tragicômica com relação à iminência do represamento do rio. O morador posa com um capacete de mergulho com uma linguagem corporal de satisfação e poder: com a adição do capacete, fica subentendida uma projeção do futuro, em que o indivíduo se mantém morando submerso após a cheia do rio. Isso indica que, dadas as circunstâncias, se possível fosse, a vontade do morador seria de permanecer ali, mesmo que tudo se encha de água. É possível ver aqui também uma recorrência da obra como ato estético, que é despersonalizar o indivíduo fotografado, de forma a “deixar claro o caráter fortuito da sua documentação e retirar da expressão do próprio indivíduo o significado único da imagem, tornando-o oculto pela ambiguidade dos elementos retratados” (MAIA, 2013, p. 107), em uma referência que passa próxima


de Robert Frank, com a diferença de termos, no caso de Paisagem submersa, uma pose consciente em uma situação de criação da realidade retratada. “Os fotógrafos, ao entenderem um modelo de documentarismo que foge da regra do distanciamento, reconhecem, na própria presença deles e da câmera (dispositivo), um fator de interferência no real – diante deste encontro, não há imparcialidade, ambos serão variáveis de transformação daquele real.“ (MAIA, 2013, p. 107-108)

Isso dificulta o entendimento da obra como documental, devido a seu caráter profundamente artístico e permeado de intervenções diretas dos fotógrafos na produção de suas imagens.


Paisagem Submersa, 2008. p. 44 e 45. imagem: Pedro Motta.

Aqui, outra brincadeira de antecipação: a bolha de sabão, na imagem, pode ser entendida como uma bolha debaixo d’agua. O canudo que a sombra projetada da criança – a escolha de fotografar a sombra, e não o indivíduo em si, traz indicação recorrente no livro de fusão com o lugar – e de onde saiu a bolha, traz a referência de tentar respirar por debaixo d’agua. Como já dito, o livro é composto por diversas situações, que passam por fotos em série das etapas de destruição da vila, o alegórico desolamento e indefinição dos moradores que se encontram agora sem lar, demonstrada através da imagem de seus móveis, roupas e outros objetos de uso da casa abandonados nas matas e campos, e, por fim, o assentamento longínquo, tratado como não-lugar, por sua desconexão com a identidade dos novos moradores e sem qualquer relação histórica. A maior parte do livro é montada a partir de cenas


objetivas, como as duas imagens apresentadas, mas com encenações e poses que causam estranhamento e nos ativa outros mecanismos de significação. Concluindo, a autora destaca a relação intrínseca da paisagem com o tema apresentado: “Nos três momentos expressos na narrativa, percebemos como a forma evidenciar a relação do homem com o lugar vão se configurando: a primeira parte é marcada pela hibridização do homem com o lugar, demarcando a presença de uma paisagem imanente; no segundo ponto, percebemos a transformação como assunto principal das imagens, nas quais a paisagem se torna índice temporal destas mudanças; por fim, notamos a desfragmentação e a formação de um não lugar, com o qual os moradores não têm qualquer relação e história constituída.” (MAIA, 2013, p. 127)


Resenha . MARICATO, Ermínia. As ideias fora do lugar e o lugar fora das ideias, 2000 Aluno: Renan S. Gomez Profª orientadora: Luciana B. Martins Schenk O propósito do texto de Ermínia é discorrer sobre o problema da exclusão social urbana no Brasil e América Latina, aprofundando-se nos diversos motivos causadores da formação de uma periferia sem acesso à cidade e desconsiderada pelos órgãos públicos, além dos reflexos da formação dessa chamada cidade ilegal. Historicamente, o planejamento urbano brasileiro, controlado – teoricamente – pelo estado, ignora a prática e afunda-se em teorias, em um vórtice de contradições: discursos de igualdade e de acesso universal à moradia versus desigualdade e exclusão. Desde antes de chegar o século XX, as relações políticas são marcadas pelas heranças da colônia escravocrata. Essas, controladas pela Elite agrária e sob forte influência externa, direcionaram os primeiros passos dados na questão de planejamento urbanístico para intervenções de melhoramento e embelezamento das cidades, inspirados nos trabalhos dos franceses: Pereira Passos e Prestes Maia são exemplos. Entrando na década de 30, o propósito do plano urbano se torna a eficiência, mas, segundo Maricato, é exatamente aqui que os planos passam a perder valor de utilidade. O país busca superar seu subdesenvolvimento, e, face aos problemas sociais, os discursos e planos passam a não sair mais do papel. O plano-discurso explode em quantidade, mas não leva ao enfrentamento dos problemas sociais e urbanos criados com o desenvolvimento das cidades. Pelo contrário, dissimulou suas causas e, via de regra, pouco se engajou na realidade sociocultural da cidade.

“O ânimo utópico da arquitetura, ou seja, os planos de redenção social através do novo arranjo do espaço habitado, na casa e sobretudo na cidade, deram no seu contrário. (...) ficou um conjunto de normas de funcionalidade, que se mostraram funcionais sobretudo para o processo social e material da produção industrial” (Schwartz apud. MARICATO, As ideias fora do lugar e o lugar fora das ideias, p. 146)

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O reflexo disso também é moral: até hoje, a arquitetura é vista como algo fora da realidade e que não acompanha de maneira factível os problemas que ela deveria resolver. Lá fora, nos países centrais, o planejamento urbano prospera, principalmente aquele relacionado ao welfare state (1945 a 75). A combinação do avanço industrial com as políticas de direito ao trabalhador levaram o Estado, que, promovendo a elevação do padrão de vida, a abraçar o papel de portador da racionalidade e responsável pelo controle e planejamento territorial, em relação coadjuvante às intervenções econômicas e trabalhistas. Esses tempos foram marcados por estudos e modificação dos desenhos urbanos e de moradias de operários, em busca de um padrão mínimo de vida. Nesse caso dos países centrais, o complexo esquema de mudanças foi acompanhado de reforma fundiária e extensão das estruturas urbanas para atender às necessidades de produção em massa de moradias e financiamento subsidiado, em um trabalho de asseguramento do direito à moradia. O planejamento urbano estatal, porém, não vai muito longe. No fim do século XX, a dinâmica internacionalizante de mercado mina os poderes sob pressão das grandes corporações internacionais responsável por aumentar a disparidade socioeconômica dos países centrais dos subdesenvolvidos. Segun-


do Fiori apud. Maricato, p. 129, “a globalização é um fato. Mas é tudo, menos global.” Ao invés de se dissolver no universo espacial da teleatividade, as cidades mundiais concentram cada vez parte mais considerável da riqueza e do poder. Uma rede arquipélago de grandes pólos, monopoliza os centros de decisões. A distinção entre cidade e campo não é clara nessa nova ordem, nem a distinção entre indústria e serviços. (Veltz apud. Maricato, As ideias fora do lugar e o lugar fora das ideias, p. 131) No Brasil, o período militar passa próximo ao internacional em alguns quesitos: no planejamento urbano, o período militar foi o de maior crescimento ilegal das cidades. A explicação se dá pelo crescimento das indústrias, que exigia alto número de funcionários à disposição na cidade sem dar conta da demanda à moradia e preço acessível, com marcado aumento do gap urbano das áreas elitistas para com as periferias por conta das grandes obras públicas características do período militar, que atendiam só a essas regiões de interesse do mercado imobiliário. Essa espécie de investimento identifica interesses específicos: “a presença de megaempreiteiras de construção, obras superfaturadas e a promoção da valorização fundiária e imobiliária com investimentos públicos dirigidos para uma região segregada, plena de símbolos pós-modernos.” (Maricato, As ideias fora do lugar e o lugar fora das ideias, p. 142) A formação da cidade, apesar de altamente regulamentada, acontece de maneira predatória por ter vista grossa de suas regulamentações de maneira circunstancial e arbitrária, visando o favorecimento de interesses corporativos. Esse tipo de conduta ocorre desde o latifúndio e a época da escravidão, como exemplifica Maricato, com a primeira tentativa de abolição da escravatura e da Lei de Terras. A ocupação ilegal é institucionalizada de modo a potencializar a valorização das áreas de interesse da especulação, e a legislação não resolve os problemas a que ela se propõe a combater de maneira repetida e contínua. A cidade ilegal toma corpo, marcada pela invasão de terras precárias e irregulares e pela autoconstrução: “enquanto os projetos de leis constituíam ideias fora do lugar, um lugar estava sendo produzido sem que dele se ocupassem as ideias.” (Maricato, As ideias fora do lugar e o lugar fora das ideias , p. 151)

“Até que ponto é possível insistir na estratégia das elites urbanas brasileiras, de produzir um cenário de modernidade ou, agora, pós-modernidade, em uma ilha, cercada pela não-cidade? A dimensão que a pobreza e os problemas estão atingindo é que conforma a crise desse modelo.” (Maricato, As ideias fora do lugar e o lugar fora das ideias, p. 142)

Os dados sobre a cidade ilegal são frágeis e incompletos, mas Maricato afirma que suas proporções são gigantescas e delineia as principais características de sua formação: resumidamente, industrialização com baixos salários e mercado residencial excludente; investimentos urbanos regressivos governamentais que se orientam pelas áreas já valorizadas para implementação de infraestrutura; legislação falha. Com esses três ingredientes, temos uma situação inescapável de exclusão social e alimentação do mercado imobiliário pelo governo, em processo de absoluto abandono às causas sociais relacionadas ao direito universal à moradia e à cidade. Mesmo em programas de subsídio como o SFH/BNH, a maior parcela dos investimentos foram entregues para o mercado privado para construção de residências urbanas de classe média. Como consequências dessa dinâmica, a autora destaca duas delas: a destruição de áreas de proteção ambiental (rios, córregos, encostas, mananciais) através de sua ocupação precária, poluição e acúmulo de vetores de doenças, e o aumento escabroso da violência na cidade ilegal.

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A mídia e a publicidade apagam a cidade ilegal, generalizando-a e dando maior atenção à cidade interessante ao capital imobiliário; as leis ambientais e de ocupação só são implementadas de fato na cidade legal; os serviços de manutenção públicos, idem; os investimentos públicos e privados, esmagadoramente maiores na cidade legal. Assim, a imagem da cidade ilegal se apaga completamente perante à cidade oficial, dominada por todos os lados, e essa dinâmica deve ser revertida. Para tanto, Maricato defende a necessidade de reverter o rumo das relações sociais. A preocupação com os moradores e o trabalho em seu benefício – já que a cidade não é um agente, é apenas um lugar – abrindo diálogo e suscitando a emergência dessa crise, para trazer o conhecimento da situação e conduzir seu solucionamento “através do exercício democrático da política” (Maricato, p. 170). A reversão dos rumos da urbanização que temos tomado deve buscar a diminuição da desigualdade em concomitância com o aumento da cidadania. “Não é tarefa simples nem de curto prazo e nem pode ser empreendida apenas em nível local, por maior que seja a vontade.” (Maricato, As ideias fora do lugar e o lugar fora das ideias, p. 178) Para não repetir as ideias fora do lugar é preciso ampliar o conhecimento da contraposição entre a historia das ideias e a evolução da realidade empírica. É preciso levar em conta o fosso que separa as ideias da prática e também o fosso que nos separa dos países centrais. A revisão de conceitos pode ajudar a evitar o mimetismo. (Maricato, As ideias fora do lugar e o lugar fora das ideias, p. 173) Maricato também propõe, na busca da reversão do quadro exposto, a implementação de planos de ação visando controle dos investimentos, fiscalização, integração dos interesses sociais e ambientais aos econômicos, além de detalhamento e priorização nos quesitos faltantes: habitação, transporte público e preocupação ambiental (incluindo aí saneamento e drenagem). Sua conclusão é otimista, pois nosso momento permite o estudo e o debate dentro da obviedade da crise do planejamento urbano. Sua solução primária é o diálogo e a militância intelectual que impeça um novo sistema dissimulado de se implantar e caminhar a uma nova situação de exclusão.

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Resenha . MARICATO, Ermínia. Urbanismo na periferia do mundo globalizado, 2000 Aluno: Renan S. Gomez Profª orientadora: Luciana B. Martins Schenk O Brasil é um país latino-americano que passa por processo brutal de urbanização em que 60% da população se transfere para as cidades em um período de 60 anos (década de 40 até a virada do século), criando, com o despreparo/ desinteresse para com esse crescimento das cidades, diversos problemas estruturais, políticos e sociais. Em um breve delineamento dos processos contundentes na urbanização das grandes cidades brasileiras, Maricato foca, em seu texto, o processo de marginalização de indivíduos, que, colocados de fora dos processos de melhorias da cidade – por conta de sua posição social, reflexo longínquo das relações de trabalho da escravidão e plantations - e desses processos estarem atrelados a interesses do mercado imobiliário, são expulsos para a periferia pelo boom imobiliário e especulação voltados às classes médias e altas, além das iniciativas públicas que não ousaram enfrentar a questão fundiária urbana. Tendo que arcar com os problemas inerentes à implementação incompleta de infraestrutura nova de expansão urbana, que, também subalterna aos processos internacionalizantes da economia industrial tardia que cresce dentro do país no pós-2ª guerra, vêem-se ainda mais afastados pela falta de acesso ao capital, aos produtos e facilidades que passam a entrar no mercado na segunda metade do século XX, em situações que prejudicam seu meio de vida em comparação com as classes de maior renda. A moradia ilegal e a formação das favelas são reflexo gritante e indissociável desse contexto, assim como o trabalho informal enraizado nas relações de trabalho e métodos de sustento das famílias e individuais. As áreas com esse tipo de moradia e modos de vida, a partir da década de 80, cresceram mais que os núcleos centrais das metrópoles, o que indica aumento relativo da fatia pobre da população e das regiões pobres. Há melhoras, porém, da qualidade de vida relativa da população em geral, demonstrada através da evolução de indicativos através dos anos, a que se devem, segundo Maricato:

“socialização de informações, extensão do serviço de água potável, extensão dos serviços de vacinas, acesso a antibióticos, atendimento médico ao parto e à gestante, aumento de escolaridade, entre outras condições que são mais acessíveis em meio urbano.” MARICATO, Urbanismo na periferia do mundo globalizado, p. 26

Porém, Maricato defende que a vida da população brasileira, de um modo geral, não melhorou: O salário mínimo decresceu quatro vezes entre 1940 e 1998 enquanto o PIB per capita quase quintuplicou: a concentração de renda, já exorbitante, no fim do século XX, se aprofundou, assim como o desemprego – e, associada a esses dois últimos fatores, segundo a autora, cresceu também a violência, principalmente dentro das grandes metrópoles: a aglutinação de indicadores principalmente territoriais problemáticos nas periferias são, para Maricato, uma produção nas grandes cidades de “verdadeiras bombas socioecológicas no seu interior. Nessas cidades não há lei ou qualquer regulação, seja urbanística seja nas relações sociais” (Maricato, Urbanismo na periferia do mundo globalizado, p.29), bombas essas formadas por:

“Concentração territorial homogeneamente pobre (ou segregação espacial), ociosidade e ausência de atividades culturais e esportivas, falta de regulação social e ambiental, precariedade

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urbanística, mobilidade restrita ao bairro, e, além dessas características todas, o desemprego recente que, entre outras consequências, tende a desorganizar núcleos familiares e enfraquecera a autoridade dos pais (...) É impossível dissociar o território das condições socioeconômicas e da violência.” (Maricato, Urbanismo na periferia do mundo globalizado, p. 29 e 30)

Outro problema característico do modo de crescimento das grandes cidades brasileiras e latino-americanas descritas por Maricato através do exemplo de São Paulo é a questão do saneamento. O acesso a água tratada e, principalmente, da coleta de esgoto – em 1998, quase 50% dos domicílios urbanos não possuíam ligação com rede de esgotos. O reflexo disso é, subentendidamente no texto, a segunda parte das bombas socioecológicas urbanas: a inevitável destruição dos mananciais, mangues, poluição desastrosa de rios, praias e “qualquer outra localização nos arredores das cidades que não seja de interesse do mercado imobiliário” (Maricato, Urbanismo na periferia do mundo globalizado, p.31). A formação e o sustento dessa situação é, não apenas social, mas também política. A cultura de flexibilização das leis para atender a interesses dos que, apesar de todas as mudanças que o Brasil conheceu, mantêm-se de maneira oligárquica no poder, e a processos circunstanciais, o rigor e a aplicação das rígidas leis formuladas são costumeiramente ignorados, principalmente nos ambientes em que se forma a cidade ilegal: qualquer um que não tenha atenção do mercado imobiliário. Isso tudo se soma aos investimentos públicos, que também se concentra fora da cidade ilegal, em uma óbvia relação de troca entre mercado e gestão pública urbana, em um quadro de interesses que se expande para formas de regulação de recursos e, com reflexos catastróficos para a própria cidade, a exclusão de uma fatia gigantesca da população do acesso à terra e à cidade. Fica como dica da resolução desses problemas a exposição de um mau que o país carrega em seu cerne cultural e a obviedade de que é preciso extirpá-lo: em pleno século XXI, as antigas relações patrimonialistas do Brasil do plantation escravista e coronelista ainda perseveram até mesmo na cidade. Essas, ainda que Maricato não tenha uma resposta solucionadora para derrubá-las, fecha seu texto categórica com o apontamento do problema primordial histórico que assombra o Brasil: “A relação de favor tem mais prestígio do que as diretrizes de qualquer plano holístico” (Maricato, Urbanismo na periferia do mundo globalizado, p. 33).

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Resenha . Christian Norberg-Schulz. O fenômeno do lugar, 2006 Aluno: Renan S. Gomez Profª orientadora: Luciana B. Martins Schenk A assimilação do mundo, segundo Norberg-Schulz, se dá através de ‘fenômenos’, os quais são formados pelas características físicas do espaço dentro de um período de tempo. Inicia seus comentários a partir da definição desse espaço fenomênico como ‘lugar’: características ambientais concretas que, através da percepção humanas, adquirem ‘essência’, ‘atmosfera’, conformadas de maneira qualitativa pela associação com referências diversas adquiridas durante a vida, desde a infância, do observador desse conjunto – dando ao ambiente, através da aglutinação, de forma complexa, do conjunto de concepções gerais que o formam, a designação de ‘lugar’, espaço qualificado e, por isso, situação única: “Toda situação é a um só tempo local e geral” (Norberg-Schulz, 2006, p. 447). Norberg-Schulz defende que a estrutura do lugar deve ser estudada separando ‘paisagem’ e ‘assentamento’, de forma a denotar a diferença fundamental que é a presença ou ausência da ação humana na caracterização dessas duas espécies de espaço. Os termos ‘caráter’ e ‘espaço’ são também colocados pelo autor como de importância, o primeiro designando a organização tridimensional dos elementos formadores do lugar, e o segundo denotando sua ‘atmosfera’ geral própria. O conceito de espaço proposto pelo autor se utiliza da afirmação de Paolo Portoghesi de que o espaço é um ‘sistema de lugares’. Um espaço, segundo o autor, sempre possui certo grau de limite e extensão e, com isso, configura um cercamento próprio, uma fronteira: “a fronteira não é aquilo em que uma coisa termina, mas, como já sabiam os gregos, a fronteira é aquilo onde algo começa a se fazer presente” (Heidegger apud. Norberg-Schulz, 2006, p. 450), e essa é a relação fundamental descrita por Norberg-Schulz do assentamento –delimitado e murado, figura - com a paisagem – extensa e contínua, fundo. Caráter, por sua vez, apontado por Norbergh-Schulz como ‘mais concreto e mais geral do que ‘espaço’ (Norberg-Schulz, 2006, p. 451), por indicar uma essência geral e ampla, simultaneamente à denotação da forma e a constituição física dos elementos definidores do espaço, é obrigatoriamente associado a qualquer presença física. De maneira geral, todos os lugares são dotados de caráter, determinado pela constituição material e formal do lugar, e o modo de apresentação de seus elementos. “Países, regiões, paisagens, assentamentos, construções (e seus lugares secundários) formam uma série dotada de uma escala que diminui gradativamente” (Norberg-Schulz, 2006, p. 452), dos lugares naturais até os criados pelo homem, inseridos dentro desses primeiros. O homem, dessa forma, aglutina no ambiente “as construções e as coisas. (...) as coisas explicam o ambiente e evidenciam o seu caráter” (Norberg-Schulz, 2006, p. 452). E, para tal, ele deve reunir os significados adquiridos durante a vida para construir sua imagem própria de mundo. Isso depende da simbolização das coisas e recebimento de sentidos já conhecidos para um lugar, esse revelando, dessa forma, uma centralidade própria na sua existência. Norbergh-Schulz atenta, porém, que as características de um lugar nem sempre são engessadas. Um lugar pode se modificar, embora sua identidade, segundo o próprio autor, tenha sempre ”um grau variado de invariância” (Norberg-Schulz, 2006, p.454). A investigação do autor parte de – e objetiva a – o lugar. Em suma, ele se manifesta como um dado geral e totalizante, para, a partir da análise, fazer-se 71


uma composição formada por aspectos e caráter específicos. Na relação do homem com a formação da ideia de lugar: “O propósito existencial do construir (arquitetura) é fazer um sítio tornar-se um lugar, isto é, revelar os significados presentes de modo latente no ambiente dado” (Norberg-Schulz, 2006, p.454). Essa afirmação se conecta com o conceito de habitar dado por Norbergh-Schulz, que é, de maneira ampla, se relacionar com o lugar. Ao encontrar-se em um lugar, o homem se orienta – ou seja, localiza-se no espaço – e se identifica com o ambiente – ou seja, detecta de que forma ele se encontra em determinado lugar – para formar, com esse conjunto perceptivo, uma ‘imagem ambiental’, importante para uma questão de firmação no ambiente – denominada por Kevin Lynch como ‘imagibilidade’, que designa aquela forma, cor ou organização que facilita a formação de imagens mentais vividamente identificadas, fortemente estruturadas e de grande utilidade do ambiente’ (Lynch apud. Norbergh-Schulz, 2006, p.456) - e segurança emocional. Quando as relações de localização são frágeis, o indivíduo sente-se perdido – “justo o oposto do sentimento de segurança que distingue o habitar” (Norberg-Schulz, 2006, p.456). A arquitetura e urbanismo modernos, porém, em busca de responder aos problemas da função a partir da forma – o característico funcionalismo moderno dos meados do século XX que gerava seus ambientes a partir da universalização das atividades propostas para cada um deles – não leva em conta de maneira satisfatória essas questões, como apontado por Norberg-Schulz (2006, p. 445): “a abordagem funcional deixou de fora o lugar como um ‘aqui’ como um lugar concreto com sua identidade particular”. Ou seja, a preocupação exclusivamente funcional tem um reflexo danoso às questões de caráter e à identificação com o ambiente. A consequência disso é uma alienação ao ambiente e perda de identidade. A arquitetura ajuda o homem a habitar, quando, através das construções, concretiza o ‘espírito do lugar’, o genius loci, reunindo as características do lugar e as aproximando do homem, na sua condição de parte integral do ambiente em que ele se insere.

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Resenha . ROLNIK, Raquel. A Cidade e a Lei : legislação, política urbana e territórios na cidade de São Paulo, 1997 Aluno: Renan S. Gomez Profª orientadora: Luciana B. Martins Schenk

Introdução Rolnik inicia seus escritos tecendo comentários sobre o papel da regulação urbana: “A legislação urbana age como marco delimitador das fronteiras de poder” (ROLNIK, 1997, p. 13). “A lei organiza, classifica e coleciona os territórios urbanos, conferindo significados e gerando noções de civilidade e cidadania diretamente correspondentes ao modo de vida e à micropolítica familiar dos grupos que estiveram mais envolvidos em sua formulação” (ROLNIK, 1997, p.13). Seu funcionamento é de referente cultural no âmbito da cidade, mesmo sem ser determinante formal do espaço urbano. No caso de São Paulo e da maior parte das cidades da América Latina, porém, a Lei configura uma cissão em duas formas de espaço: os que estão dentro e os que estão fora dos padrões da lei, submetendo cada um desses a uma condição de plenitude –ou limitação – da sua cidadania, em uma situação que relaciona situações socioculturais com questões hierárquicas urbanas. A ordem urbanística de São Paulo foi criada a partir de um pacto territorial modelador das condições vistas na cidade há várias décadas – bairros de elite amuralhados, dualidade de investimentos e regulação para os bairros centrais em detrimento dos bairros populares, via de regra, nas periferias. O entendimento desse processo e por onde ele se apoia visa demonstrar as ineficácias na produção de cidade dentro do exemplo de São Paulo e contribuir para a transformação dessa realidade.

Gênesis: nasce uma nova ordem urbanística O início de uma ordenação urbanística se inicia com a Leis de Terras, datada de 1850, em um Brasil Colônia no qual a conformação dos lotes, das terras e dos traçados urbanos não passavam por delimitação legal alguma, com instituições políticas historicamente longe de serem representativas. A monetarização da terra modifica as dinâmicas da riqueza – substituindo a posse de escravos pela posse de terras – e da cidade, e cria necessidade de regulação do traçado urbano e dos limites dos lotes. A partir daí, a cidade toma corpo, densidade e, com isso, problemas de saúde pública começam a surgir em peso. As práticas higienistas costuram entre si a pobreza, a imoralidade e a insalubridade, afastando da vida da elite a presença das construções populares, como cortiços, configurando, a partir do final do séc. XIX, as centralidades ricas e as periferias empobrecidas, reforçadas por outras determinações e posteriores de diferentes espécies, como a valorização dos terrenos em regiões centrais e proibições de tipos específicos de construção voltadas para abrigar trabalhadores.

Fronteiras: unicidade da lei e multiplicidade dos territórios A situação e o déficit habitacional que se estabelecia forçosamente passaram a compor a cidade de construções majoritariamente ilegais e atestar a inaplicabilidade da lei como forma de evitar uma crise. A desigualdade de casos de retificação de construções irregulares já denota uma preocupação do poder público para manter os centros das elites dentro da concepção urbana vigente, simultaneamente ao descaso com a formação das áreas periféricas de acordo

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com o seu próprio modelo, lugar em que prevaleciam cortiços e habitações coletivas para as classes empobrecidas, esquema de moradia rejeitado em uma situação de apologia à casa unifamiliar isolada no lote, meio de morar atingido, em geral, estritamente pelas elites. “As formas espaciais tiveram diferentes significados e fizeram parte de distintas estratégias de inserção no mercado de diferentes grupos sociais que habitavam na cidade, estabelecendo diferentes territórios. No entanto, a legalidade urbana foi construída a partir de um padrão único e supostamente universal, que genericamente correspondia ao modo de vida das elites paulistanas no momento em que os instrumentos legais foram propostos.”(ROLNIK, 1997, p. 60 e 61)

Essa relação confirmava uma cissão social e associação direta do uso das habitações coletivas pelos pretos, retrato da pobreza da época, com a imoralidade, insalubridade e doenças, visto que seu modo de vida se dava, nos cortiços, em situações semi-públicas, parecidas com as relações de tribo na áfrica, em que o pátio servia de terreiro e palco das atividades diárias em conjunto dos moradores, que se opunha e ameaçava as relações de núcleo familiar isolado tidas pela elite como saudáveis e adequadas. A chegada dos trabalhadores europeus assalariados, no final do século XIX, conjuntamente com o processo de abolição da escravatura, mudaria as relações de trabalho e supostamente trariam ‘sangue novo’ à mão de obra para fazer crescer o país: “A substituição do escravo negro pelo imigrante livre foi acompanhada por um discurso que difundia a solução como alternativa progressista, na medida em que europeus ‘civilizados e laboriosos’ trariam sua cultura para desenvolver a nação” (ROLNIK, 1997, p. 69), já que a população negra liberta era associada, pela elite branca, com indolência, vagabundagem, vícios, promiscuidade e falta de ambição. Essa situação agregaria problemas à população negra, que se veria com maiores barreiras nas oportunidades e limitações para encontrar trabalho devido à irremediável inferioridade racial atribuída a ela. As diferentes nacionalidades que passaram a compor a cidade de São Paulo, metidas em situações de moradia coletiva de forma parecida com a população negra e predominantemente sem alvará, denotam que não houve melhora urbana com sua presença: “os imigrantes europeus, de quem se esperava o ‘sangue oxigenado de uma raça livre e laboriosa’ tampouco preencheram as imagens de civilidade e higiene idealizadas pelas elites.” (ROLNIK, 1997, p. 78) Mesmo para os imigrantes, as condições de trabalho eram escassas, e a informalidade se estabeleceu como forma de subsistência de muitos, o que transformou a casa e a rua em espaços de produção, em nova situação de desvio do imaginado como ‘próprio’ ou ‘digno’ pela burguesia. A miscigenação decorrente da continuação do processo de imigração, as tensões territoriais e sociais provenientes das diferenças culturais e modos de vida diversos, além da situação econômica e movimentos sociais e de trabalhadores, nas primeiras duas décadas do séc. XX, foram minando a ideia de modernizar e civilizar o Brasil – nos moldes controladores da elite burguesa branca - através dos imigrantes.

Mercados: legislação urbana e valorização imobiliária “Além de estabelecer fronteiras, demarcando e dissolvendo territórios, as normas que regulam a construção e o loteamento intervêm diretamente na estruturação dos mercados imobiliários. Juntamente com os investimentos em infra-estrutura, a legislação configurou eixos de valorização do solo, hierarquizando e indexando mercados.” (ROLNIK, 1997, p. 101)

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O advento da luz noturna e utilização social da cidade após o cair do sol –


cafés, bares, teatros, salões dava nova variável na equação de valor dos imóveis, que passaram a necessitar de rentabilidade nos seus usos, mas sem poderem ser edificações que serviam de suporte para usos coletivos de moradia e outras atividades combatidas na área central. Sua eliminação era, como já visto, outra influência no preço do imóvel, que, sem poder ser subdividido, não estaria ao alcance de boa faixa da população, o que aumenta sua exclusividade, assim como ocorre com as chamadas obras de remodelação: alargamento de vias, instalação de praças, bulevares e equipamentos públicos, concentrados na região de interesse, também agregavam valor ao preço do imóvel da área central. A concentração de melhorias e intervenções transformou a região central, das elites, num produto cultural, centro político e financeiro, bem como na própria imagem da cidade. As sucessivas intervenções sobre o ‘centro’ eliminaram o mercado residencial de lá: os ricos, mudados para outras regiões, e os pobres, impedidos economicamente, deram a São Paulo pela primeira vez uma região exclusiva de comércio e serviços, “caro e excludente símbolo da modernidade”. (ROLNIK, 1997, p. 107) Sobre os ricos realocados do centro, a medida principal foi a utilização de loteamentos: espaços exclusivamente residenciais urbanos, para onde iam aqueles provenientes das grandes fazendas afixarem-se na cidade, ou saindo do meio comercial crescente e agitado a que a região central havia se submetido. Estes loteamentos, via de regra, eram endossados pela máquina pública com isenções de impostos e –novamente- investimentos estruturais e de acesso, além de regulações que limitavam sua utilização para uso residencial exclusivo de quem conseguia pagar. Em contraposição a esse loteamento exclusivo, a cidade cresce também no âmbito popular, pelos subúrbios, com o dito ‘lote para o que der e vier’, sem regulações específicas de uso e que abria possibilidades diversificadas para pequenos e grandes investidores, apesar da falta de investimentos em infraestrutura que contemplavam os loteamentos exclusivos. O formato dos lotes permitia a construção de edículas e a realização de comércios juntamente com a casa, dando aos proprietários pequenas e variadas fontes de renda, misturando também classes e tipos. A subida do valor desse tipo de terreno e aglomerado de vários tipos de construção fez do subúrbio popular um “dos melhores e mais lucrativos mercados imobiliários da capital.” (ROLNIK, 1997, p. 122). Rolnik, porém, ressalva que, para o rendimento imobiliário desses espaços pudesse se viabilizar, era necessária ocupação densa e intensa, contemplados com melhoramentos urbanos. O alto índice de ocupação irregular, principalmente com a explosão de cortiços levou a algumas medidas sanitárias (1894) para parte da população empobrecida. Indústrias receberam incentivos à construção de vilas operárias ‘higiênicas’, com anos de embate até a aprovação destas, que vieram sob forma de isenção de impostos em loteamentos de vilas operárias construídas fora de um certo perímetro urbano. Isso não resolvia de fato o problema da moradia operária, mas desafogava em certa medida a situação e rentabilizava investimentos nessa área. Eventualmente, no começo do século XX, os problemas do preço dos aluguéis e a incapacidade de abastecer a cidade em seu crescimento espraiado com a infraestrutura adequada tiveram como resposta a verticalização e o surgimento de novas modalidades de transporte além do bonde. Legislações específicas para o centro apareceram na década de XX estabelecendo alturas mínimas para os prédios, com base na largura das vias que os alimentassem, sofrendo modificações com o passar do tempo e da consolidação da verticalização do centro. Essa nova situação abriu oportunidade de continuar 75


elevando os preços da propriedade nessa área, sob alta regulação, ao mesmo tempo que, acompanhando esse processo, a expansão não-regulada da zona rural também era extremamente rentável. Um processo de crise nesses moldes surgiu, já que os loteamentos cresciam na velocidade da chegada da infraestrutura: água encanada, esgoto, luz etc. que não tardou a transformar essa dinâmica em estratégia de administradores da cidade e investidores para seu próprio bem, a exemplo da Cia. City: a implementação de loteamentos afastados geraria novas conexões e implementação de infraestrutura básica pelo governo, que elevaria o valor dos terrenos. “Podemos considerar o caso da City a apoteose do modelo de política imobiliária da Primeira República, na qual os interesses privados fortemente infiltrados no poder público associavam a participação nas concessionárias de serviços públicos a lucros fabulosos com a especulação de terrenos. Nesse modelo, o papel do Estado, embora importante por mediar toda a rede de concessões, era menor do ponto de vista do investimento.” (ROLNIK, 1997, p. 136)

Compromissos: legislação urbana e cidadania A criação do Partido Democrata (PD) e o decorrente desmonte de algumas concessões monopolistas de infraestrutura da cidade, a exemplo da Light, abriram caminho para algumas mudanças na situação da cidade de São Paulo. A maior parte da cidade, burocraticamente, não existia, ou seja, erguia-se ilegal, e, na década de 20, no contexto de substituição de importações da primeira guerra, esse modelo começou a colapsar com o rápido crescimento da cidade e criação de negócios e indústrias, ao mesmo tempo em que o café entrava em uma situação séria de crise que afetava o país todo. O período de 1906 a 1930 marcou uma mudança de ação do estado com relação ao tratamento à cidade. O Estado se fortaleceu na regulação dos serviços públicos, e diversas intervenções passaram a ser feitas na cidade de forma tentar atender à população. Linhas de ônibus foram implementadas e mudanças na lei passaram a conformar loteamentos clandestinos como ‘extralegais’, passíveis de se incorporarem à cidade oficial, se seguindo certas normas pré-estabelecidas. O Estado populista passou a ganhar corpo e, residido nele o encargo de defender o interesse do povo, a representação popular permaneceu ainda apagada. A cidade popular, em 1936, foi ‘anistiada’, ao mesmo tempo em que um política de zoneamento, forma de proteger a cidade burguesa, passou a ser consolidada na cidade de São Paulo.

“A anistia e o zoneamento seletivo compunham os dois lados da mesma moeda; eles representavam uma estratégia de política urbana em São Paulo que deitou raízes tão profundas que praticamente não ocorreram inovações legislativas até o final dos anos 60. (...) as massas chegaram ao poder sem autodeterminação, subordinadas a um Estado populista e protecionista, e as elites se deslocaram sem, no entanto, perder o seu lugar. Isso quer dizer: tudo mudou para que nada mudasse” (ROLNIK, 1997, p. 174).

Conclusão: continuidade e mudança (1886/1990) “Este livro sintetizou o caleidoscópio que é a organização espacial da cidade, em uma única imagem: a contraposição entre um espaço contido no interior da minuciosa moldura da legislação urbanística e outro, três vezes maior, eternamente situado numa zona intermédia entre o legal e o ilegal”. (ROLNIK, 1997, p. 181)

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A contraposição não é, porém, absoluta. O Estado não se ausenta, de fato, por completo dos espaços incertos ou inoficiais, assim como existem transgressões de variadas ordens naqueles sob forte regulação. Dessa forma, São Paulo hoje dispõe, ainda hoje, de um eixo altamente


valorizado que se renova e é alvo da maior parte dos investimentos públicos e privados, com regulação minuciosa em várias zonas e subzonas específicas de uso e ocupação, contrastados com o equivalente ao restante 70% da cidade que, na lei de zoneamento, inclui “tudo o que foi deixado para trás” (ROLNIK, 1997, p.186). O condomínio fechado foi uma forma de evolução mais concreta – em oposição aos muros abstratos da lei e do imaginário urbano-social brasileiro – isolando-se de todas as relações possíveis com a cidade, desde sua população até seu desenho e suas questões democráticas e infraestruturais, a ponto de chegar à beira de romper com ela. Retornando aos encaminhamentos finais da situação da periferia: desde Anhaia Mello, em 1954, a ideia de limitar a expansão horizontal urbana, boa parte deles, na zona rural, foi eternamente falha. As sucessivas re-delimitações do perímetro urbano, geralmente feitas depois de já ocupada a zona rural, pela própria lógica do sistema, ao serem enquadradas como parte da zona urbana, elevavam os preços dessas ocupações, empurrando a cada vez para mais longe cada novo arruamento popular, como síndrome desse modelo de cidade que destina as periferias aos pobres – ou os pobres à periferia. Os programas de construção e auxílio à moradia caminham por essa lógica. As construções da Cohab, em sua maioria, foram erguidas na zona rural e separadas das redes de infraestrutura, em uma relação com o capital questionável: “(...) a lógica que imperou em toda a produção de habitação popular durante a existência do BNH, era a condição para ter acesso aos financiamentos para a produção popular. Porém, considerando as dificuldades decorrentes da localização desses grandes conjuntos (...), o custo unitário dessas moradias, computados a extensão das redes de infra-estrutura e equipamentos, (...) é comparável ao custo de uma habitação de classe média no mercado privado” (ROLNIK, 1997, p. 204)

A crítica de um sistema desses acompanha a situação problemática de guetização dos conjuntos, sem atrativos, variedade funcional ou social, em uma relação de afastamento forçada com a cidade. O pacto territorial determinado para a cidade de São Paulo – a exemplo da cidade brasileira em geral – “no qual a ilegalidade era tolerada para poder ser posteriormente negociada pelo Estado” (ROLNIK, 1997, p.204) se consolidou com a redemocratização, transformando melhorias e transformações nas periferias em votos, em uma relação de favor e dívida com o Estado. Dessa forma, o planejamento falho, juntamente com a falta de fiscalização, mantém como status quo a formação da bairros periféricos precários e favelas, por ser frutífero e interessante para o meio político como gerador de moedas de troca. Um novo pacto territorial, segundo Rolnik, é possível. A São Paulo dos últimos anos, desacelerada em termos de crescimento e modificando suas características industriais para um fortalecido e diversificado sistema majoritariamente de comércios e serviços, sofre uma modificação de prioridades, vista de forma aparentemente positiva no trabalho realizado na gestão de Luiza Erundina. Suas propostas priorizam temas sociais, tais como habitação, saúde, educação e transporte público, com maior abertura para a sociedade nas tomadas de decisões, em busca de aumentar a responsabilidade da população na gestão da cidade. Tentam romper com o sistema de centralidade rica e periferização da pobreza, encaminhando a cidade para uma heterogeneidade mais homogênea, sem idealizações e bairros voltados para uma atividade específica.

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