SALVADOR, SÁBADO, 13 DE DEZEMBRO DE 2014
Ellar Coltrane com o “pai” Ethan Hawke e a “mãe” Patrícia Arquette em três momentos das filmagens de Boyhood
DOZE ANOS DE VIDA A passagem real da infância para adolescência se mistura com o cinema RENATA FREIRE
Fotos: Divulgação
O
passar do tempo é algo difícil de explicar. Sabemos que o tempo corre, contamos as horas e as folhas do calendário, mas as nossas mudanças parecem acontecer mesmo de uma hora para a outra. É de repente que percebemos que crescemos mais alguns centímetros ou que aquele sapato que a gente gostava não cabe mais no nosso pé. Ficaria mais fácil de notar todas essas mudanças se alguém
fizesse um filme da nossa vida. Pois foi mais ou menos isso que o diretor David Linklater fez no filme Boyhood – Da Infância à Juventude, que acaba de estrear no cinema. Ele filmou o garoto Ellar Coltrane dos 6 aos 18 anos para criar a história do personagem Mason. Durante 12 anos, o filme mostra o menino crescendo e passando por situações comuns a qualquer pessoa: como jogar videogame, mudar de casa, se apaixonar e ir para a universidade.
Crescendo de frente para a câmera Doze anos é bastante tempo interpretando o mesmo personagem. Os atores Ellar Coltrane e Lorelai Linklater, que é sua irmã na história, começaram as filmagens tão cedo que eles até confundem o que é lembrança e o que era uma cena de cinema. A história também não tem começo, meio e fim, como costuma acontecer. “A beleza do filme é que ele mostra o dia a dia de uma família comum, sem nenhum
acontecimento fantástico. É uma homenagem à vida e aos caminhos que o futuro nos leva”, comentou o cineasta Murilo Costa. As gravações também foram bem diferentes. Não existia roteiro, tudo era construído a partir de conversas espontâneas e da convivência entre os atores. Os personagens são tão parecidos com quem os interpreta que é difícil saber quem é quem. No filme, o
garoto Mason adora fotografia, assim como o ator Ellar Coltrane na vida real. Boyhood foi uma surpresa até para o elenco. Durante os 12 anos de produção, eles não puderam assistir a nenhuma cena. Só viram com tudo pronto e sozinhos. Quando Ellar viu toda a infância na tela foi impossível não se emocionar. “Assim que os créditos subiram, foi uma cachoeira”, contou. Os atores envelhecem com
o tempo, mas o filme não diz em que ano eles estão. Para descobrir, é preciso prestar atenção nos detalhes, como o livro ou videogame que fazia sucesso na época. Exemplo disso é quando Mason vai ao lançamento do livro Harry Potter e o Cálice de Fogo, quando vê o desenho Dragon Ball Z ou ainda quando ajuda na campanha do presidente Obama. E você? Lembra da música que tocava quando você era menor?
4e5
Época de mudanças Em Boyhood assistimos às transformações de Mason. O cabelo que cresce, os pelos no rosto e as espinhas marcam a passagem da infância para a adolescência. Mas qual é o momento da vida no qual deixamos de ser criança? O Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA, diz que a partir dos 12 anos. Mas será mesmo? Sofia Pitta, 11, ainda se sente criança. “Ainda gosto muito de brincar. Adolescentes namoram, passeiam com os amigos e têm mais responsabilidades”, observou. Ana Beatriz, 11, é prima de Sofia e se sente confusa quanto a isso. “Ainda não sou nem uma coisa nem outra. Não tenho pressa, não quero ser adulta. Ter que trabalhar é difícil”. Já Gustavo Lima, 12, se sente como um adolescente. “Já saio sozinho, vou a festas”. INTENSOS
A pediatra Sandra Plessim explicou que a adolescência pode durar dos 10 aos 20 anos. Isso não é definido somente pela puberdade, quando começam as transformações do corpo, mas também pelas mudanças de comportamento. “Nessa fase, nós arriscamos
mais e amamos intensamente”. É comum ouvir também que essa fase é marcada pelo nervosismo e por um eterno mau humor. Para a psicóloga Dalila Costa, essa fama é injusta. “O aumento da independência é interpretado por alguns adultos como rebeldia, mas é normal que os jovens de todas as gerações pareçam radicais e diferentes dos adultos”, explicou. Henrique Oliveira, 13, contou que nunca passou por isso, mas tem amigos que ficam nervosos facilmente. A neurocientista Suzana Herculano, autora do livro O cérebro em transformação, considera que esse tipo de atitude faz parte do amadurecimento do córtex pré-frontal, a parte do cérebro que controla nossos impulsos, como o de pensar duas vezes antes de xingar alguém. Fernanda Oliveira, 12, contou que para ela a maior mudança foi a do corpo. “Foi esquisito, mas depois me acostumei”. Ela, que já entrou na adolescência, diz que gostaria de ter aproveitado mais a época de criança: “É uma fase mais livre e só vivemos uma vez”.