SALVADOR, SÁBADO, 20 DE SETEMBRO DE 2014
RENATA FREIRE
N
as histórias de Ziraldo não faltam crianças alegres e heróis atrapalhados. Desta vez, porém, ele fala de algo diferente. No livro, Um menino chamado Raddysson, Ziraldo apresenta um garoto que, como outros brasileiros, viveu nas ruas, fazendo de tudo para sobreviver sem o apoio de adultos. A ideia surgiu na mesma época em que Ziraldo inventou o Menino Maluquinho, em 1980. Mas ele não conseguiu colocar no papel. “Não sei desenhar meninos sofrendo”, justificou. Trinta anos se passaram até que Ziraldo descobriu um jeito. Ele ia escrever, mas pegaria emprestadas as obras de Cândido Portinari (1903-1962). Esse artista pintou muitos meninos com uma realidade parecida. Portinari dizia que gostava de pintar crianças e se inspirava na sua própria infância de menino pobre para criar os quadros.
LONGE de
CASA
Violência, pais sem trabalho e escolas ruins levam crianças para as ruas. Mas a casa, um direito delas, pode ser reconquistada
Em Salvador também tem criança na rua Raddysson foi inspirado em meninos do Rio de Janeiro, mas em Salvador também há crianças que ficam nas ruas. Isso acontece por muitos motivos, como a pobreza e as violências nas famílias, explicou Eliane
Rodrigues, coordenadora do Projeto Axé. Foi o que aconteceu com Gabriel*, 12. Ele fica no Pelourinho e pede dinheiro às pessoas que passam ali. “Moro na rua desde pequeno. Tenho família, mas só encontro
OS NOMES DAS CRIANÇAS FORAM MUDADOS PARA PROTEGÊ-LAS
com ela de vez em quando. É muito difícil”, contou. Jailson, 13, que circula pelo mesmo bairro, disse que saiu de casa porque o padrasto batia nele: “Por isso, nunca mais voltei. Não posso voltar”.
Ficar desse jeito na rua é perigoso. E toda criança tem direito a ter uma casa. Uma escola pública e de qualidade pode ajudar a melhorar essa situação, disse Suzana Esteves, coordenadora da Fundação Cidade Mãe.
4e5
Os caminhos para voltar Mas nem toda história precisa ser triste. Com o Projeto Axé, as crianças tiveram suas realidades transformadas por meio da música e da dança. Foi o caso de Camila, 11. Ela ia para a rua pedir dinheiro para ajudar a família. Faltava aula e já uma vez até se machucou. Agora está tudo bem em casa. “Eu não tinha tempo nenhum para brincar. Hoje vou para a aula e danço aqui no projeto”, contou. Juliana, 12, também tem uma história parecida. Ela nasceu sem uma casa, e o pai fazia com que ela ficasse na rua, pedindo dinheiro nos sinais. Hoje ela canta no Projeto Axé e vai para a aula todos os dias. “Uma vez a gente estava dormindo e um homem fez xixi no viaduto onde a gente
morava. Era ruim”, contou Clara, 10. “Hoje não moro mais na rua. Moro com minha mãe e participo dos projetos de arte”, completou. A conselheira tutelar Sidalva Rodrigues explicou que as famílias precisam ter um trabalho para que as crianças não fiquem na rua: “É junto com os parentes e amigos que a criança vai recriar seus laços com a sociedade”, disse ela. Os conselhos tutelares são acionados quando crianças se encontram em risco. Eles procuram dar garantias para que meninos e meninas consigam exercer os seus direitos livremente. Quando crianças em situação de rua cometem algum ato contrário à lei, o conselho tenta fazer com que elas voltem para a família e tenham educação completa.
[ leia ] Um menino chamado Raddysson (e mais os meninos de Portinari) Autor: Ziraldo Ilustrador: Cândido Portinari Editora: Melhoramentos 40 páginas Preço: R$ 39
[ vá lá ] Veja outras pinturas, fotografias, gravuras e desenhos de Cândido Portinari Exposição Portinari Trabalho e Jogo Teatro Sesc Casa do Comércio De segunda a quinta, das 9h às 17h e sexta a domingo, das 14h às 21h Tel.: 71 3273-8543 Grátis
AZIZ