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foto: Alécio Freire

Karem Lorena, boliviana de 5 anos, é uma das crianças acolhidas na Creche Comunitária Dona Marta Carneiro


Jornalismo para

o futuro Esta edição surge com um tema bravo de uma realidade que duramente se recorrente, mas nem por isso destituído ou agarra à vida para prover a nós, no futuro, sequer reduzido em sua importância: a incógnitos e indistintos, uma chance, que preocupação social com o futuro das crianças. nasce lentamente com o acolher destes Depois da reportagem sobre o Projeto pequenos serzinhos que mal iniciam sua vida Acolhida, apresentamos uma reportagem e estão deparando-se inconscientemente sob sobre a creche Dona Marta Carneiro, nascida o olho de uma tormenta. Tendo como portodo sonho benfeitor de longínquas e bondosas seguro a proteção abnegada de pessoas como senhoras no fim da década de 70 e mantida as que trabalham em sonhos como a creche e lutam por sua realização até hoje pela determinação e esperança de muitas pessoas Aqui reitera-se nosso contínua na realidade, elas ganham a chance, mesmo que que acreditam no futuro, distante, de sobreviver às assim como outras que papel: mostrar os tempestades e reconstruir o tiveram suas vidas tocadas esforços em busca mundo contínua e lentamente. pela história da creche. Aqui reitera-se o nosso Iniciativas de solidariedade de um mundo melhor papel diante de iniciativas como esta atravessam o tempo e intempéries do mundo, algumas como esta: mostrar os esforços em busca de desaparecendo, outras remanescendo um mundo melhor e chamar pelas pessoas que firmemente e outras buscando a sobrevivência juntem-se em uma poderosa (embora quase no alto de sua fragilidade; mas todas elas são infame) corrente pelo futuro, espalhando e providas de coragem e esperança até ajudando as pessoas que silenciosamente beatíficas, reforçando a incessante e silenciosa ajudam. O jornal, assim como as senhoras que luta por ideais e por um futuro melhor dentro idealizaram a creche, crê que a diferença pelo da incerteza cínica do mundo em que bem pode, sim, ser feita. vivemos. Esta creche é somente um exemplo

Curso de Turismo inaugura

Agência Modelo No evento serão sorteardos pacotes de viagem Da redação No dia 29 de agosto, às 20hs, será inaugurada, no anfiteatro da Biblioteca Central do Campus II, a Agência Modelo “Flytour”, uma parceria com o Curso de Turismo da Uniube. No evento serão sorteardos pacotes de turismo com 5 noites para Fortaleza, uma diária no Hotel Fenix, em Uberlândia (ambos com acompanhante) e duas diárias de aluguel de carro da empresa Localiza. A agência já está em funcionamento durante o horário comercial e está localizada no Bloco I, ao lado do Multi-Atendimento, junto ao Laboratório do Curso de Turismo (LABOTUR). A agência conta com diversos serviços,

tais como agendamento e venda de passagens aéreas nacionais e internacionais, locação de veículos, hospedagem, cruzeiros marítimos, seguro viagem, assessoria na obtencão de passaportes e vistos consulares, além de assessoria em organização de congressos e eventos. As inscrições para concorrer aos prêmios, deve ser feita no Labotur.

Futebol erudito

reprodução

Fernando Machado 7º período de Jornalismo

Aliás, para ver um dos sinais de que as coisas andam malucas e os valores invertidos é só ligar a televisão e conferir quem são os Não sou saudosista, mas já começo a formadores de opinião. Por incrível que pareça, sentir falta do tempo em que os jogadores o ar de sapiência dos técnicos não cai por terra eram as estrelas do futebol. Hoje, os técnicos quando, ao invés de aparecem na telinha brilham mais do que os atletas. Até bem pouco preocupados com esquemas táticos, são tempo atrás, quando um time jogava bem ou filmados usando suas verdadeiras técnicas mal, a responsabilidade era atribuída aos futebolísticas: xingar o juiz, brigar com jogadores. Agora, os técnicos são jogadores ou rezar simplesmente. Pura técnica. considerados a essência dos times e, se na Quando algum jogador de futebol está derrota são execrados, fazendo até chover na vitória ficam com Quando um time faz um gol, ao dentro de campo, raratodo o mérito. Assim invés das câmeras mostrarem mente ele é convocado como ocorria com os pelo técnico da seleção. atletas, suas contra- o atleta que balançou a rede, Se o craque é convotações e transferências mostram o técnico do time cado, apenas para que o de um time para outro técnico não seja massarecebem cobertura total da imprensa. Quando crado pela opinião pública, ele fica no banco um time faz um gol, ao invés das câmeras ou entra nos últimos cinco minutos. Isto se mostrarem o atleta que balançou a rede, deve ao fato de parecer óbvio demais a mostram o técnico do time. convocação de um craque como Alex, do De toda forma, técnico de futebol é uma Cruzeiro, por exemplo. Carlos Alberto profissão que vale a pena no Brasil. Além de Parreira, atual técnico da seleção, disse que não terem de correr atrás de bola nenhuma esse jogador espetacular “não se encaixa em nem fazer exercícios físicos, ganham salários seu esquema tático”. Para ostentar seu astronômicos, muitas vezes superiores ao dos “saber”, ele precisa ter opinião diferente da jogadores. E a mídia, ao mostrar figuras como popular. Os técnicos saem das universidades Wanderley Luxemburgo, vestindo ternos com modos civilizados e refinados, “cultos”, Armani e usando um breguíssimo relógio não podem aceitar que práticas e visões Rolex, lhes dá um verniz de elegância, de “populares” pontilhem o seu trabalho. cultura, um ar sábio e aristocrático. Os A supervalorização dos técnicos de técnicos assumiram poses de intelectuais, vêm futebol, na verdade, é um dos retratos de na embalagem de gênios do esporte.Luís que em nossa sociedade o trabalho manual Felipe Scolari, por exemplo, um homem tosco é tomado como inferior ao trabalho daqueles, alavanca a venda de livros “intelectual”. A velha dissociação entre o aparecendo em colunas de revistas do tipo “o “saber” e o “fazer”, que mantém as classes que estou lendo”. Fora as propagandas de sociais, justifica que uns tenham poder refrigerantes e tudo mais, Felipão aparece em sobre o trabalho dos outros. Assim, o programas na rádio e na tv dando palpites jogador é um operário; o técnico um sobre guerra, economia, dizendo que seu livro pensador. Pior para o futebol, que depende de cabeceira é “A arte da guerra” e blablablá. mesmo é dos bons jogadores.

Jornal-laboratório do curso de Comunicação Social, produzido e editado pelos alunos de Jornalismo e Publicidade & Propaganda da Universidade de Uberaba (revelacao@uniube.br) Supervisora da Central de Produção: Alzira Borges Silva (alzira.silva@uniube.br) • • • Edição: Alunos do curso de Comunicação Social • • • Projeto gráfico: André Azevedo (andre.azevedo@uniube.br) Diretor do Curso de Comunicação Social: Edvaldo Pereira Lima (edpl@uol.com.br) • • • Coordenador da habilitação em Jornalismo: Raul Osório Vargas (raul.vargas@uniube.br) • • • Coordenadora da habilitação em Publicidade e Propaganda: Karla Brges (karla.borges@uniube.br) • • • Professoras Orientadores: Norah Shallyamar Gamboa Vela (norah.vela@uniube.br), Neirimar de Castilho Ferreira (neiri.ferreira@uniube.br) • • • Técnica do Laboratório de Fotografia: Neuza das Graças da Silva • • • Analista de Sistemas: Cláudio Maia Leopoldo (claudio.leopoldo@uniube.br) • • • Reitor: Marcelo Palmério • • • Ombudsman da Universidade de Uberaba: Newton Mamede • • • Jornalista e Assessor de Imprensa: Ricardo Aidar • • • Impressão: Gráfica Imprima Fale conosco: Universidade de Uberaba - Curso de Comunicação Social - Jornal Revelação - Sala L 18 - Av. Nenê Sabino, 1801 - Uberaba/MG - CEP 38055-500 • • • Tel: (34)3319-8953 http:/www.revelacaoonline.uniube.br • • • Escreva para o painel do leitor: paineldoleitor@uniube.br - As opiniões emitidas em artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores

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19 a 25 de agosto de 2003


Instituto de Humanidades

publica nova revista Lançamento será no dia 20 de agosto, às 11h, no Hall do Bloco C do Campus II divulgação

Da redação

jornalista e prof. Raul Osorio Vargas, “Trilha” do jornalista Denis Russo Burgierman, “A O próximo dia 20 de agosto, quarta-feira a pesquisa qualitativa e os buscadores do Ser partir das 10h30, o Instituto de Humanidades da intregral” do jornalista e prof. Edvaldo Pereira Universidade de Uberaba realiza o lançamento Lima e “Avaliação formativa: desafio para a do primeiro número da Revista Fluxos. educação superior” da profa. Patrícia Valéria Trata-se de uma iniciativa que visa Bierlet do Nascimento. Além disso, conta com estimular a produção acadêmica dos docentes a seção “Títulos” onde se registram resenhas vinculados ao Instituto de Humanidades (IH), de livros interessantes. Os idealizadores dos que abrange os cursos de projeto gráfico e editorial da Direito, Administração, “Ousamos sintonizar esta Fluxos quiseram reservar a Comunicação Social, capa da publicação como Turismo e Serviço Social. revista com a tendência vitrine para os artistas Além disso, Fluxos é uma emergente da plásticos locais e regionais. revista também transdisciplinaridade” Nesta oportunidade o artista jornalística que além de Helio Siqueira prestigia o contar com seções como “Descobertas”, primeiro número da revista do Instituto de dedicada a artigos científicos sobre questões Humanidades da Uniube, com sua tela das Ciências Humanas em geral; tem uma “Paisagem Imaginária-Fogo” (Óleo sobre significativa porção jornalística que inclui tela, 110 x 180 cm, 2003). entrevistas ping-pong, perfis, ensaios livres, O enfoque desta publicação mostra-se no reportagens literárias e notas sobre primeiro editorial quando afirmam que lançamentos de livros e documentários “ousamos sintonizar esta revista com a audiovisuais. tendência emergente da transdisciplinaridade” Neste primeiro número o que se insere em um que será lançado no evento cenário de profunda revisão Iniciativa visa estimular a das bases epistemológicas “Sabores e saberes” que terá lugar no hall do bloco produção acadêmica dos pelo que passam as ciências C do campus II da Uniube, docentes vinculados ao na contemporaneidade. destacam-se trabalhos Os editores e toda a Instituto de Humanidades equipe como “Para gostar de envolvida com a sonhar” uma entrevista de revista Fluxos, ratificam perfil realizada pelo jornalista e escritor que esta publicação está aberta a receber Sergio Vilas Boas com o escritor mineiro artigos de docentes das diferentes áreas das Antônio Barreto, “Pintando com novas cores: ciências humanas. uma leitura de Las meninas” da professora Ormezinda Maria Ribeiro, “Uberaba no ar: Lançamento - Café Literário histórias do rádio” do jornalista e prof. Adrián 20/08/2003 – 11h Padilla Fernández, “Entre-vista-encontro: Hall do Bloco C busca permanente de outras vozes” do Campus II - Uniube

Lançamento

O Instituto de Humanidades convida a comunidade acadêmica para o lançamento da

Revista Fluxos 19 a 25 de agosto de 2003

20 de agosto - 11h Hall do Bloco C Campus II - Uniube

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Quadrinhos

“Eu mesmo” e “mim mesmo” detonam em

encontro de fanzineiros Os gêmeos André e Davi, estudantes de Publicidade, transformaram crise existencial em quadrinho japonês Graziela Christina de Oliveira 1º ano de Jornalismo

personagens, Maurício de Souza, serviu de inspiração, assim como o cartunista Ziraldo e o cartunista Angely. As revistas despertaram Cavaleiros do Zodíaco, Yu Yu Hakusho, a vontade de aprender a desenhar para Saylor Moon, Dragon Ball Z, Pókemon, fazerem o próprio trabalho. Digimon, Sakura Card Captor. Com certeza Nas aulas, os meninos passavam a maior você já ouviu falar em algum destes desenhos parte do tempo desenhando na agenda. Não e até deve ter visto algum pelo menos uma anotavam um trabalho; a agenda virou uma vez. São os desenhos japoneses, ou como são revista. Os colegas, curiosos, pediam para ver mais conhecidos, animes. e, a partir, daí, eles começaram a fazer cada Os desenhos japoneses viraram uma febre vez mais. “Meus colegas pediam para eu nos últimos anos. desenhar para eles e No Brasil, as até me pagavam. animações japo- Nas aulas, os meninos passavam Foi meu primeiro nesas começaram a a maior parte do tempo desenhando negócio”, conta surgir no final da na agenda. Não anotavam um trabalho; Davi. década de 60, O primeiro fancomo Kimba, o a agenda virou uma revista zine se chamou Leão Branco, de “Poti e sua turma” e Tezuka, e o Grande Dínamo. foi criado quando André tinha 11 anos para Osamu Tezuka foi o grande criador dos um trabalho escolar. Poti era um cachorro, animes e mangas (como são chamados os uma homenagem ao cãozinho que eles quadrinhos no Japão). Lá, ele é conhecido tinham. O personagem vivia num mundo com como o mestre dos mangas. A principal outros cachorros que agiam como seres característica destes desenhos – os olhos humanos; uma história bem humorada feita enormes – foi baseado nos espetáculos em que para crianças. No ano seguinte, surgiu o ele assistia, onde os artistas faziam uma volume dois. maquiagem que ressaltava os olhos. Osamu Na época da agenda recheada de adorou esta idéia e, a partir dela, começou desenhos, chegou ao Brasil, Os Cavaleiros do a fazer os primeiros traços que Zodíaco, que naquele tempo, era transmitido conhecemos hoje. pela TV Manchete. Veio, então, a idéia de Nos anos 70, vieram as grandes produções utilizar o Poti e os demais personagens para como a série Speed Race. Na década seguinte, fazer uma sátira dos Cavaleiros que, na foi a vez de Pirata do Espaço e Dom Drácula. brincadeira, virou “Os Cachorreiros do Mas o sucesso mesmo veio nos anos 90 e Zodíaco”. os brasileiros entraram de cabeça no mundo A sátira, regada com muito humor e altas da animação japonesa risadas, renomeou até com suas histórias alguns golpes dos fantásticas cheias de “O fanzine tem tudo o que heróis. “Nos Cavaheróis e aventuras. leiros do Zodíaco aconteceu com a gente e tudo A paixão é tanta que o golpe ´O Cóo que esperamos que aconteça, tinha muitos fazem dos lera do Dragão` que, desenhos um objetivo mas de maneira surreal” no nosso desenho, de vida. Isso pode ser virou `A Coleira do válido para dois irmãos, fãs de desenhos Dragão`”, explica André. japoneses (ou Otakus na linguagem nipônica. André Luís Araújo Alves e Antônio Davi Crise Araújo Alves, estudantes do curso de Mas, com o tempo, os meninos Publicidade e Propaganda da Universidade de começaram a se interessar por outros Uberaba, vêem nestes desenhos o futuro desenhos, como X-Men, Homem Aranha e profissional. Capitão América. “O tempo vai passando e O interesse por histórias em quadrinhos você quer fazer algo mais sério, organizado e começou cedo. Aos nove anos, André não melhor trabalhado”, conta Davi. perdia uma edição da Turma da Mônica. O A idéia era contar uma história e, a criador da Mônica, do Cebolinha e de outros primeira que surgiu, foi a de sete anjos que

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fotos: Graziela Christina de Oliveira

fariam parte de uma aventura. Estes acabariam por encontrar o próprio desenhista deles, o que seria uma outra sátira. E no meio de tudo isso, apareceu então o famoso personagem EU MESMO, que seria o desenhista. Mas os garotos viram que esta idéia não era tão legal. Mesmo não confiando nessa história, o personagem já existia e, como seu criador André mesmo disse, tratava-se de uma figura bastante egocêntrica. Então Davi achou que se havia o EU MESMO, tinha que haver outro também. Daí

nasceu mais um personagem, o irmão MIM MESMO, outro ser egocêntrico. A história desses dois irmãos conta, na verdade, a vida de seus criadores. A maneira como foi documentada remete à forma que a Bíblia foi escrita: “...quase tudo é verdade, mas não aconteceu do jeito que está escrito”, explica o editorial do primeiro capítulo. “O fanzine tem tudo o que aconteceu com a gente e tudo o que esperamos que aconteça, mas de maneira surreal”, disse Davi. E como irmãos, não poderia faltar uma boa dose de brigas. “Brigamos 25 horas por 19 a 25 de agosto de 2003


dia, mas como amigos”, revela André. Eles Neste ano, o ANIME FRIENDS foi contam que, quando tinham 17 anos, uma realizado entre os dias três e seis de julho no crise de identidade se abateu sobre os dois. colégio Madre Cabrimi em São Paulo. André Como gêmeos, as pessoas os viam como uma e Davi prepararam tudo e viajaram por conta única pessoa e isso contribuía para aumentar própria. Eles levaram 100 edições do as brigas. Eles dizem, ainda, que brigavam fanzine:50 do primeiro, 25 do segundo e na tentativa de se livrarem um do outro e outros 25 do terceiro. Fizeram tanto sucesso assumirem a própria identidade. Mas no que venderam todos os exemplares e tiveram fundo, eles dizem que são amigos, só que não que encomendar mais. vão assumir isso publicamente. Fizeram também um CD-ROM do Mas graças as “crises”, veio o CRISE trabalho que, além das três edições, incluía (Cada Razão Insiste Ser Especial), único duas músicas. A primeira, intitulada “O nome possível para o fanzine. Além dos Mundo em Crise”, foi feita pela banda 300ml, personagens principais, outros surgiram no amigos dos dois. Essa seria a música de decorrer da história. Como homenagem, o abertura. A outra, “Electral Crise”, tema de cachorrinho Poti também está na trama, mas, batalha, foi escrita pelos gêmeos. Para agora, vivendo um cão normal. incrementar ainda mais o CD, eles colocaram Em setembro do ano passado, surgiu o site vários desenhos e até um making of da dos garotos e, desde janeiro, as pessoas gravação da banda. Eles levaram dez CDs e podiam ler CRISE na Internet. A primeira venderam todos. edição, Amor de Irmão, marca o início desta Para fazer o fanzine, os meninos gastaram aventura que se passa no Planeta Mundo, R$2,50 em cada volume e venderam por cheia de anjos e demônios. Além destes, R$3,00. Já o CD, foi comercializado a existem os k-çadores, que R$8,00. De presente, foram batizados em Com essas edições em mãos, eles mandaram fazer homenagem aos dese150 adesivos que os garotos foram participar nhistas preferidos dos também se esgotaram do festival Anime Friends meninos. rapidamente. A segunda edição, Depois de Irmãos de Amor, continua a saga destes apresentada a história de CRISE, o pessoal personagens. O terceiro capítulo, também já que estava lá gostou tanto da idéia que está pronto: Embroméichoam Uam: Morrer resolveu fazer um fã-clube, o segundo dos não é lá essas coisas. meninos. O primeiro, foi criado em Campinas, pelos fãs que já acompanhavam as aventuras ANIMES dos irmãos MESMOS pela Internet. Com essas edições em mãos, os garotos O trabalho é dividido entre os irmãos. foram participar de um festival de animação André é quem faz o roteiro do fanzine, os japonesa que reúne os amantes de animes e desenhos e a diagramação. Já Davi, é o mangas, o ANIME FRIENDS. Criado em responsável pela divulgação. É ele quem 2002 pelo empresário Takashi Tikasawa e cuida do site, do marketing, da apresentação, amigos que também curtiam este trabalho, o dos contatos e do setor financeiro. evento traz também outras atividades, como A edição número quatro de CRISE vai sair palestras, workshops e concursos. ainda este mês. Os fãs já estão cobrando o Quem quiser, pode ir fantasiado de seu novo capítulo, já que, o anterior, terminou personagem favorito e participar do concurso deixando um suspense no ar. Mas quem quiser Costplayer que escolhe a melhor fantasia e a adquirir a próxima aventura, vai ter que melhor interpretação. Há, ainda, a Arena comprar pela Internet ou esperar mais um Medieval, uma espécie de jogo onde essas evento de desenhos japoneses. Os garotos vão pessoas fantasiadas, geralmente de heróis, vão participar do FanMixCom, em Campinas, nos lutar entre si. O vencedor dias 14 e 15 de setembro ganha um prêmio, como, por onde vão lançar o novo exemplo, um DVD. E Fizeram tanto sucesso episódio. Para isso, eles durante todo o evento você que venderam todos os pretendem conseguir um ouve músicas em japonês – exemplares e tiveram patrocínio, quem sabe, até da as trilhas sonoras dos própria Universidade, desenhos - e, se estiver a fim, que encomendar mais organizando uma caravana pode até encarar um karaokê com os alunos. ( em japonês é claro!) Já para os que preferem apenas ouvir, o evento traz, até, artistas Idéias internacionais, diretos do Japão, para Novas idéias estão surgindo para o novo cantaram as músicas desses desenhos evento. Os meninos querem fazer um relógio animados. para sortear entre os fãs, camisetas para E esse ANIME faz tanto sucesso que vem venderem, panfletos, chaveiros e mais gente de todo lugar para participar, seja para adesivos para que todos possam ter o seu. mostrar o seu trabalho, ou, simplesmente, Além disso, a hisória vai sofrer algumas para conhecer. “Tem gente que vem do Acre, mudanças. É que, na verdade, toda essa do Rio Grande do Norte e até da Austrália”, aventura será dividida em três. A primeira conta Davi. parte é o CRISE que já está circulando e conta 19 a 25 de agosto de 2003

a história de dois irmãos que vão procurar os k-çadores, as missões destes e todo o princípio da história. Na segunda parte, os protagonistas serão os k-çadores, além de contarem o antepassado dos irmãos MESMOS até o nascimento deles, onde a série passa a se chamar CAOS. Por último, com outro nome – CONFLITOS - a trama vai falar do futuro tendo, como ersonagens principais, as filhas dos famosos irmãos. Para não fugir à

criatividade, os nomes delas serão TU MESMA e VÓS MESMA. Os meninos lembram que CRISE não é uma leitura para crianças. “Existem cenas chocantes e temas que elas podem não entender”, explica Davi. O fanzine também não é recomendado par pessoas muito religiosas. “Nós deixamos explicitamente nossas idéias sobre Deus e inferno. Mas acreditamos em ambos”, relata André.

Fliperama, video-game

e rock’n’roll Gêmeos fazem planos e sonham em adaptar mangá em longa-metragem André e Davi nasceram em Natal e se fácil. Ás vezes, falta apoio, muita gente não mudaram aos sete anos para Brasília. De lá, conhece e isso dificulta. foram para Patos de Minas e, depois, vieram Os irmãos lembram que alguns para Uberaba cursar a faculdade. Já estão aqui professores deram apoio porque conheciam há quatro anos e dizem gostar o trabalho deles, já que, eles muito da cidade. sempre faziam os desenhos Quando acabarem o “Quero ir para o Japão, durante as aulas e, por causa curso, pretendem ir para São lançar o fanzine todos disso, eles diziam que os Paulo e montar a própria os meses nas bancas e garotos tinham obrigação editora, transformando de fazer sucesso. CRISE em mangá. André já estourar de sucesso” Mas nem sempre foi sonha mais alto: “Quero ir assim. Algumas pessoas para o Japão, lançar o fanzine todos os meses criticavam o trabalho, principalmente porque nas bancas e estourar de sucesso. Depois, os desenhos eram feitos a mão. “ As pessoas fazer do manga um anime e v e n d e r riam de mim e diziam que no futuro, tudo seria bonequinhos do EU MESMO e MIM feito no computador. Mas eu não acreditava”, MESMO”. “E fazer cinema, um longa disse André. metragem”, completa Davi. Mesmo com todos os recursos, o Além de histórias em quadrinhos, os computador serve apenas para auxiliar o garotos também gostam de videogame, trabalho, colocando cores e ajudando na fliperama e, claro, desenhos animados. edição. Não tem como desenhar nele. “A E mesmo fazendo o que gostam, eles magia do desenho está justamente no lápis”, sabem que divulgar o trabalho não é tarefa finaliza Davi.

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O amor que sustenta a vida

arquivo da creche

Cidadania

Por vinte anos, o amor abnegado de mulheres “anônimas” promove a vida e desperta valores nas novas gerações de 23 bairros uberabenses Alécio Freire

Alécio Freire 6º período de Jornalismo

A movimentação das sete às sete e meia da manhã é

Assim como o autor de “Agora é que são elas”, Ricardo Linhares, se inspirou no associativismo das mulheres costureiras da cidade de Formiga, sul de Minas Gerais, para gravar a recente novela em exibição na Rede Globo, assim também, nos idos de 1978, um grupo de senhoras das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), do alto de uma das Sete Colinas de Uberaba, inspiradas nos encontros das Novenas de Natal, perceberam a carência de sua gente e, fortalecidas pela força da fé, conclamaram a todos do bairro Gameleira para lutar por três importantes benefícios: uma escola, um posto de saúde e uma creche comunitária. Julgaram que os dois primeiros seriam de responsabilidade do município, mas a creche, não. Essa, elas queriam construir e gerenciar. A idéia partiu da senhora Marta Carneiro. E o sonho começou a ser gestado por ela e outras “mulheres apaixonadas” pelas novas gerações. Hoje, a creche tem nome, olhos castanhos, pretos, azuis vívidos, verdes de esperança, com endereço e sede na rua Agenor Alves da Silva, 71 , ao lado esquerdo da Igreja Matriz de São José Operário, na praça Pio XII. Nas manhãs ensolaradas, algumas turmas sentam-se na grama à sombra das gameleiras

Maria Auxiliadora, a primeira professora na creche, conta hoje com vinte anos de atuação

para ouvir as estorinhas de suas “tias” ou caminham em fila indiana, de mãos dadas, pelas calçadas, tomando um pouco de vitamina D que o bom sol de verão dos trópicos nos oferece gratuitamente. Depois da morte de sua idealizadora, em 1983, por sugestão do educador e entusiasta Alécio Freire

Já no portão de entrada, as crianças são conduzidas para o café da manhã

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meiras a chegar. Todas ficavam misturadas numa única turma, mas foram educadas. Com satisfação, Maria Auxiliadora lembra que a caçulinha da primeira turma, Fabiane Guissone, 23 anos, filha de Vera Lúcia Martim Guissone, atual coordenadora da creche, está cursando Psicologia na Universidade de Uberaba. E a mãe orgulha-se de contar que até o ano passado Fabiane trabalhava na creche. “Foram sete anos de dedicação às outras crianças que, como ela, no passado, precisam desta casa e de nosso amor”, relembra com emoção estampada nos olhos. Auxiliadora - nome bastante sugestivo para a missão de educadora - recorda-se: “Nossos primeiros encontros eram feitos na igreja de São José, que estava em chão batido, ou na casa paroquial, e o lanche era feito no posto de saúde da comunidade, conhecido como postinho da São José”. Assim foi o começo das primeiras atividades pedagógicas. “Foram os nossos primeiros passos”...

pároco, padre Eddie Bernardes, a creche passou a ser denominada Creche Comunitária Dona Marta Carneiro, vinculada ao Centro Mutirão Comunitário Materno Infantil São José OpeSob a liderança das irmãs Dominicanas rário, numa justa homenagem a essa mulher. Anita (Eurides) Rocha e Terezinha Prado de Antes, a instituição era conhecida como Cre- Azevedo, o povo - que faz questão de mencioche de São José. nar as freiras - recebeu do então arcebispo Dom Essas pioneiras mulheres, por intuição, ins- Benedito de Ulhôa Vieira o terreno, em nome tinto materno e acumulada experiência de vida, da Arquidiocese de Uberaba, para começar a demonstraram saber que se tivessem uma cre- construção. che para os seus filhos e os das outras compaO terreno cedido fora uma doação da Prenheiras, teriam a certeza da comida, da educa- feitura para a Arquidiocese, mediante pedido ção e da tranqüilidade para do vereador José Rezende, poderem trabalhar. Pois asque todos os domingos resim enunciou uma mãe: “Se Uma expressiva verba zava com um grupo de setem creche, vai ter o que code um doador de nhores debaixo da mer”. Tinham, no entanto, gameleira, árvore que deu Araxá serviu para diante de si, os inúmeros denome ao bairro. o início das obras safios pelos quais teriam de Uma expressiva verba que passar. Mas com amor e garpadre Ângelo Pozzani, então ra partiram para a luta com um só desejo: pro- pároco da Abadia, ganhara de um doador de mover a vida, cuidando e educando as crian- Araxá, serviu para o início das obras: “mãos na ças da comunidade. massa”... Tudo foi feito em mutirão. Os primeiros passos Conhecedoras das reais necessidades das famílias do Gameleira e adjacências, foram buscar as primeiras crianças nos barracos do bairro. Maria Auxiliadora das Neves Silva, a primeira professora, com vinte anos de atuação na creche, recorda que foram 30 crianças, com idade de dois anos e meio a sete, as pri-

As freiras contam que o povo começou então a construir o primeiro pavilhão da creche que consta de dois andares. Foram 8 mil tijolos tirados de construções antigas demolidas na cidade que as religiosas ganharam e que os homens da comunidade buscaram e assentaram, levantando, assim, as paredes da creche. O prédio está rebocado. Todas as paredes 19 a 25 de agosto de 2003


Alécio Freire

Alécio Freire

é intensa

Vera Lúcia Martins Guissone,atual coordenadora da creche, também está com 15 anos de casa

internas têm um barrado de cimento queimado za e ornamento no espaço onde, por horas a na cor verde com 1,50 cm de altura, exceto na fio, muitas cozinheiras estão cuidando com copa e na cozinha. Os vitrôs e as portas estão esmero, num constante vai-e-vem, da arte de com os vidros intactos, desfazendo o mito de transformar e multiplicar os alimentos para nuque criança gosta de quebrar os vidros das ja- trir as crianças, que se alternam em três turnelas. O telhado em estilo chalé, em dois pa- mas cotidianamente. nos, deixa aparentes as telhas de amianto, que Dona Macionilha Pereira da Silva, uma jogam as águas das chuvas numa calçada que mulata simpática, de lenços brancos na caberecorta o entorno do prédio, sem contudo dei- ça, com uma pequena toalha jogada no ombro xar as pretas marcas do bolor. Esse pavilhão esquerdo, pára um pouquinho e limpa o suor está à direita de quem chega na creche. O pro- do rosto, pois a pequena cozinha está muito jeto arquitetônico foi doado pelo arquiteto quente por causa do vapor das inúmeras chauberabense Luiz Canassa Arduini. mas acesas dos fogões, e enquanto coa numa Com um gesto largo e um sorriso de contenta- peneirinha um caldo que mais parece óleo mento, irmã Anita aponta para o prédio com a mão quente, passa o segredo da multiplicação: esquerda e diz: “Tudo aqui tem uma “Aqui, aproveita-se tudo. Os oshistória”... sos dos frangos, tirados da carne “Tudo aqui na E tem mesmo, pois os últimos para fazer a galinhada de hoje, eu tijolos de que precisavam para fervo bem e aí, com esse caldo, creche tem fazer as escadas que dão acesso faço o creme de milho. Econouma história”... ao segundo andar foram doados mizo o caldo de galinha”. E, sorpelo senhor José Soares de Azeridente, conclui as poucas palavedo, pai da irmã Terezinha. Os azulejos que vras: “A criançada raspa as panelas”. Fica enrecobrem as paredes da copa e da pequena e tão a lição de economia. quente cozinha foram limpos e selecionados Irmã Anita faz questão de dizer que se os prépor cor e tamanho, noites adentro, pelas irmãs, dios ainda encontram-se inacabados, ou seja, apepara depois serem assentados em duplas filei- nas com reboco e sem pintura, é porque não soras, dando, assim, um toque feminino de bele- bram recursos financeiros, pelo contrário, há sempre insuficiência deles. “Não podemos tirar da Alécio Freire boca das crianças para embelezar as paredes. As crianças nos são mais belas. Mas, quem sabe, um dia, apareça alguém e nos doe as tintas e a mãode-obra e aí tudo vai ficar mais bonito!”, continua, sonhando e esperando, essa religiosa de têmpora firme, “briguenta mesmo”, como costuma se autodefinir, mas capaz de abaixar-se no colchonete do berçário para brincar com o Rafael Oliveira Gomes, de 10 meses, e de tomar nos braços a pequenina Laura Caroline, de 8 meses, que chora por seus afagos e mimos.

Laura Caroline, de 8 meses, é um dos xodós de irmã Anita

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A estrutura interna Antes de chegar no andar térreo, caminhase por um estreito passeio de broquetes, onde a grama - que ainda não estava aparada – roça as pernas, e aí adentra-se no prédio. No escritório, há duas pequenas salas, depois um banheiro social, um estreito corredor em L invertido, que dá para a copa e a cozinha, e da despensa, para uma pequena lavanderia, onde são preparadas as frutas e legumes. Da despensa entra-se para dois outros pequenos cômodos e para a antiga mecanografia, onde a

A imagem francesa de S. José e a foto de D. Marta Carneiro, ao fundo

psicóloga Cleide Rosa Prado de Azevedo Modes- de Dona Marta Carneiro, em preto e branco, e mais duas amplas salas de aula, bem to presta atendimentos. Voltando ao corredor, chega-se aos ba- como a sala de enfermagem e a do atendinheiros femininos e masculinos em que as mento médico. Por mais de 10 anos, Neuza Aparecida Lança cuida crianças são acompanhadas crianças, ora fazendo das pelas professoras em “Não podemos tirar da inalação, ora curando um suas higienes – “sempre pequeno esfolamento, enboca das crianças para há uma funcionária dando quanto o médico Marcebanho nos pequeninos”, embelezar as paredes” lo Paiva, há dois anos, confirma a coordenadora procura zelar pela preda creche. venção da saúde das crianças. Estes profisDepois, um pouco à frente, estão os besionais são custeados pela Prefeitura Mubedouros no hall da entrada, onde se vê uma nicipal. bonita imagem francesa de São José e a foto segue

Alécio Freire

Berçário da creche dá tranquilidade às crianças e às mães que precisam trabalhar

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fotos: Alécio Freire

Subindo as escadas, com floreiras nos parespeito, más condições de higiene, etc. A rapeitos para proteger e ornamentar, deparacreche mais se parece com uma caixa de rese com um grande salão, onde as crianças retorno. No entanto, cada criança, com muita alizam suas atividades de recreação, e, em seatenção, recebe a devida orientação como guida, ultrapassando uma larga porta de vibálsamo para curar a ferida de seu pequenino dro, encontram-se mais três salas de aula à coração, machucado por vezes pelo que oudireita, um banheiro no fim do corredor e mais viu e presenciou. duas pequenas salas de aula à esquerda. Esse é o segundo andar. As salas de aula Quando começaram a usufruir das depenSão quinze. Uma para o berçário, onde dências do novo prédio, já eram 70 crianças estão “as coisinhas mais fofas”: com 15 crimatriculadas na creche. anças de um mês a um ano de idade; outra Hoje, como são mais de 400 só na crepara o maternal 1, em que estão 15 crianças che, foi preciso construir um segundo pavina idade de um ano a um ano e meio; uma lhão, também de dois andares. As verbas vieoutra para o maternal 2, também com 15, mas ram de convênios com o auxílio do deputado na idade de um ano e meio a dois de idade; estadual Adelmo Carneiro Leão e de parenmais duas para o maternal 3, com 30 crianças tes franceses das Irmãs Dominicanas. O préem cada sala na idade de dois anos; mais duas dio também encontra-se apenas rebocado; está salas para os do Jardim, sendo que em cada inacabado. Fica ao lado esquerdo de quem uma estão 50 crianças de três anos em média. entra no pátio gramado da creche. Neste loSeis outras salas se subdividem em duas para cal, no andar térreo, estão as duas salas do cada turma dos Prés 1,2 e 3, cujas classes têm berçário, o fraldário, uma pequena cozinha e 50 crianças nas idades de quatro, cinco e seis No almoço, sempre tem arroz, feijão, refogados como farrofa de taioba, polenta. seis salas de aula das crianças que fazem o anos, respectivamente. Toda semana, macarronada, galinhada, purê, e carne com batata, com cenoura, com chuchu maternal 1, 2 e 3. Os “escolares”- as crianças de sete a 10 Entre os dois prédios está a lavanderia, nas tardes de verão, assim as crianças, nas tam nenhum ar de inquietude, mas, aos pou- anos -, como assim são denominados, ocucom uma espécie de varanda contígua, repar- primeiras horas do amanhecer, encaminham- cos, entre uma e outra esquina, vão partindo pam duas salas na parte da manhã, em turtida com aglomerado, que serve de refeitório se com suas mães, responsáveis, avós ou tias para os locais de serviço. “Essas são as que mas de 27 a 28 alunos, pois à tarde freqüenpara os lanches e as refeições das crianças. À para a extensão de seus lares, trazidas ao colo, saem de casa pra trabalhar”, comentam as tam a Escola Estadual Felício de Paiva, na frente, paralelas ao em bicicletas, motos, mulheres ali na praça. rua Timbiras, número alambrado que separa os carros e até em carro- São, na maioria, empre1006, aquela que as piodois pátios, as crianças, Quando começaram a usufruir ças. São elas a razão de gadas domésticas, ba- Todas as turmas seguem neiras senhoras sonhaas professoras, as mães das dependências do novo ser desta creche, pon- bás, lavadeiras, passa- rigoroso plano de atividades ram ter na comunidade e as visitas descansam à prédio, já eram 70 crianças tua a irmã Terezinha, deiras, faxineiras que pedagógicas compatíveis “para dar a instrução” sombra da magnífica essa mulher de poucas, trabalham nas casas da para os seus filhos. acácia japonesa. Essa ár- matriculadas na creche porém certas palavras. quase extinta “classe com cada idade Todas as turmas sevore, de flores rosas, na A movimentação média”. Outras não têm guem rigoroso plano de primavera, emoldura o cenário da creche. das sete da manhã até às sete e meia é inten- a mesma sorte, estão desempregadas. Foi por atividades pedagógicas compatíveis com cada sa. O multicolorido das simples roupas pin- causa dessa situação social, o desemprego idade, menciona a coordenadora pedagógica. As crianças tam, na praça Pio XII, um quadro em estilo sempre crescente, que a diretoria da creche Tudo funciona como um relógio. Qual bando de andorinhas que buscam um impressionista, que rapidamente se desfaz teve de rever os critérios de admissão das O ambiente de cada sala é simples, mas a repouso seguro nos galhos das sibipirunas da qual bola de sabão. crianças de uns anos para cá. Antes, só acei- limpeza salta aos olhos de um atento observapraça da Exposição Agropecuária de Uberaba, As mães caminham rápidas, não manifes- tavam as crianças de mães que estivessem tra- dor. O cheiro de pinho ou da essência de balhando e pudessem dar uma módica e sim- eucalipto inunda o ar, pois as quatro funcionábólica colaboração. Agora, sabem que os fi- rias sempre estão de vassouras, baldes e panos lhos das desempregadas devem receber uma a punho limpando, ao menor sinal de sujeira. atenção especial. Devotam-lhes, de fato, um Esse ritual de asseio é intenso. Enquanto as amor de predileção. Mesmo assim, a creche crianças almoçam, as salas já estão sendo arestá com uma “demanda reprimida de 25 va- rumadas para o “soninho” da tarde, com os gas”, segundo estimativas da irmã Terezinha colchonetes enfileirados no chão, prontos para Azevedo. receber os mais lindos “sonhos infantis”, que As crianças não choram, pois já no portão muitos certamente gostariam de contemplar . de entrada, como os galhos que acolhem as O vento, como brisa suave e mansa, espaandorinhas, outros braços as recebem e, aos lha-se por sobre “os anjinhos” e toda a sala beijos, com muito mimo, são conduzidas para enche-se de um agradável cheiro: é o perfume o café da manhã. Sentem que ali terão o cari- do amaciante que exala dos pequeninos lennho em doses maternais, propiciando-lhes çóis. Enquanto isso, pode-se ouvir o cantarocrescer em idade e na vida. lar da professora que, como uma fada madriAs crianças são conduzidas por suas res- nha, sussurra em direção aos infantis ouvidos: pectivas professoras para as salas de aula “Oh, meu bom Jesus, que a todos conduz, olhai quando, por um bate-papo, as “tias” ouvem as crianças do nosso país. Criança feliz...” atentamente o relato de como foi o fim de tarde e a noite de cada uma das crianças nas As refeições suas famílias. São três: café da manhã, almoço e lanche É nesse momento, segundo testemunha- da tarde. “O cardápio é feito todo dia. Nunca ram as professoras, que se sente o eco dos faço na véspera, porque não sei o que vou ter problemas que as famílias enfrentam: sepa- amanhã”, comenta a coordenadora da creche, ração, drogas, alcoolismo, maus-tratos, des- Vera Guissone. Coordenadora ainda não conseguiu verba para pintar a fachada da creche

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No café da manhã servem-se leite com e com o Conselho Nacional de Assistência Soachocolatado, pão com manteiga, bolo, bola- cial, a quantia de R$17,02/mês para cada cricha, mingau de fubá e chá. ança. Esses subsídios são insuficientes para No almoço, sempre tem arroz, feijão, re- manter a creche. Dos 42 funcionários de que fogados como farrofa de taioba, polenta - toda dispõe a creche, 27 são pagos por doações de semana, macarronada, galinhada, purê, e car- benfeitores, os outros são cedidos pelas sene com batata, com cenoura, com chuchu. cretarias municipais de Trabalho e Assistên“Carne tem todos os dias, cia Social, de Educação e graças a Deus e aos benfeide Saúde. tores”. Usa-se a multimis- “O cardápio é feito todo Dezesseis mil reais/ tura para enriquecer o va- dia. Nunca faço na mês seriam necessários lor nutricional, calórico e véspera, porque não sei para cobrir as despesas protéico das alimentações. com manutenção, folha No lanche da tarde, o que vou ter amanhã” de pagamento dos funquando tem, serve-se uma cionários e professores fruta de época: banana, mexerica, laranja, e adquirir algum material didático ou até abacate e outras. Mas nunca falta o arroz-doce, mesmo utensílios domésticos. Mas para a canjicada com amendoim ou soja, bolo e pi- esse orçamento mensal a creche dispõe, poca com suco natural. Isso é o comum de to- atualmente, de apenas 50%, ou seja, da medos os dias. tade do previsto: R$ 8 mil. E o restante? Às sextas-feiras, uma sopa especial é ser- Parte sai da pequena rede solidária de emvida para todos. Com isso, aproveitam-se fo- presários benfeitores da creche, de extrelhas e legumes. “Que delícia de sopa!”, comen- ma valia para as crianças. Ademais, para ta o garoto Mayron Eduardo Targino, 6 anos, tudo o que falta, as irmãs e as funcinárias do Pré III. confiam na Providência Divina, que não Especialmente, todas as últimas quintas- se cansa de manifestar na creche e na vida feiras, os funcionários da creche doam um “lan- das pessoas que ali trabalham ou que se che diferente” para comemorar os aniversari- devotam à causa. antes do mês, das crianças e dos colegas. Então comem-se rosca, pão caRede solidária seiro com recheio de patê, de empresários bolo com cobertura e toma- Gradativamente, alguns Gradativamente, alguns se suco natural ou, às vezes, empresários tomam empresários vão tomando refrigerante. consciência do papel social consciência do papel que suas respectivas empresocial de suas empresas sas têm perante a comunidaConvênios e benfeitores de e passam, assim, a imSeriam necessários R$60/mês para man- plantar o princípio da responsabilidade ter cada criança na creche. As coordenadoras social, porque “gostam muito de ajudar recebem, no entanto, mediante convênios com as crianças e as pessoas idosas”. Mesmo a Prefeitura Municipal, com o Conselho Esta- até sem combinarem entre eles, imersos dual dos Direitos da Criança e do Adolescente no anonimato, por isso pouco conheci-

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dos e divulgados, estão colaborando com as sal que, depois de listados os gêneros de maiinstituições filantrópicas. Fazem a sua parte. or necessidade, é entregue na portaria. Nessa esteira da generosidade está o casal É o caso de Marcelo Pedro Detoni, 43 anos, do Grupo Detoni, que há mais de 4 proprietário do Varejão Maeda. Por mais de 2 anos distribui para creches – e entre estas anos, eles oferecem semanalmente 4 a 5 caiestá a de Marta Carneiro, asilos e centros xas de verduras e legumes variados. “E, às espíritas - de 3 mil a 3 e quinhentos quilos vezes, vai também alguma fruta”, como informa dona Maria Maeda, esde arroz e 500 de feijão/ posa do comerciante Wilson mês. Detoni sabe que “a Maeda. fome é insuportável” e, por 16 mil reais por mês Naturalmente, parecem isso, tenta fazer a sua par- seriam necessários cair diante dos nossos olhos te, colaborando sobretudo para cobrir as despesas como numa flâmula os secom as crianças e as pessoguintes dizeres do Divino as idosas. Como empresário, faz as contas: “São 35 mil reais que o Mestre: “Eu garanto a vocês: todas as vezes que vocês fizeram isso (dar de comer, beber, nosso grupo distribui por ano”. O mesmo faz João Filho, da Layff vestir...) a um dos menores de meus irmãos, Komestic - Skala, doando 40 litros de leite di- foi a mim que o fizeram.” E os que nada fazem? ariamente para a creche, além da compra men-

Garoto ajuda a fechar o portão de sua creche

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Crítica

fotos: divulgação

Inseto bom é

inseto morto? Filmes revelam modo de ver o mundo de uma sociedade Luis Felipe Silva 4º período de Jornalismo

os insetos por soviéticos, árabes, latinos, etc. Os personagens principais são: Johnny Rico, jovem que está confuso entre a carreira Durante toda sua existência o homem tem militar ou a acadêmica. Deixa que seu criado diferentes maneiras de expressar seus sentimento por Carmem e a vontade de se sentimentos, expor seus ideais e utopias. sentir independente dos pais pesarem na Diversas expressões artísticas foram criadas, decisão, optando pela segunda, ao ingressar várias tendências surgiram, e a arte se na Infantaria anseia assumir um pelotão e estruturou. Com o cinema não foi diferente, subir de posto para impressionar sua amada; seguindo modelos pré-estabelecidos, os Carmem Ibanez, namorada de Rico que quer filmes podem nos revelar bastante sobre a se realizar como piloto da frota, Este desejo sociedade que o produziu, revelando como a de ser bem sucedida na carreira faz com que mesma pensa e age, quais são seus sonhos e ela interrompa o namoro com Rico (Ser bem também contradições com a realidade. sucedida é mais importante do que amar); O filme Tropas Estelares, de Paul Flores, apaixonada por Rico faz de tudo para Verhoeven, segue a estrutura típica dos filmes provar que é como ele. Supera todas as norte americanos de guerra: existe o bem e o dificuldades para isso. Também é um exemplo mal, o soldado herói e sua amada, o perfeito do poder feminino, pois está sempre comandante que exige o máximo de seus em condição de igualdade com os outros homens pois apenas a soldados; Professor / vitória poderá restabelecer Comandante, o mentor de a ordem destruída pelo Veja como é perfeitamente Rico, aquele em que ele se mal. A história do filme se possível substituir os inspira. Veterano de passa em um futuro “não insetos por soviéticos, guerra, incentiva aqueles muito distante” como o que querem ser próprio filme sugere, onde árabes, latinos, etc... verdadeiros cidadãos a se a globalização alcançou alistarem. Como um nível tão avançado que não existem mais comandante assume uma linha de conduta fronteiras, todo a sociedade vive a mercê das dura, submete a tropa a todos os tipos de regras de um único estado: A Federação, que provação, aquele que não suportar não estará nada mais é do que uma versão global dos apto a se tornar um cidadão; Denner, rival de EUA, com toda a sociedade vivendo a Rico é apaixonado por Ibanez. Se acha “american way of life”. Isto fica claro ao superior o Rico pela patente mais elevada, percebermos que os protagonistas da história porém sempre é derrotado quando se são de Buenos Aires, mas só podemos confrontam. Não suporta o fato de Carmem perceber isso quando o nome da cidade é amar Rico, e para ficar próximo à amada usa mencionado, já que os personagens não são a influência de sua patente para isto; pais de latinos e não vivem como o povo latino, mas Rico, não aceitam que o filho se aliste apenas como legítimos norte americanos. Nesta sociedade apenas aqueles que se alistam no exército são considerados cidadãos (a ideologia do dever de proteger a pátria). Para esta sociedade perfeita, que já ultrapassa os limites da galáxia (a utopia da conquista do espaço), só existe uma ameaça: uma raça de monstruosos insetos gigantes, que podem viajar através do espaço e querem se estabelecer como a raça dominante. Os insetos assumem o papel de “mal” no filme, e se enquadram perfeitamente no modelo norte americano de mal: são irracionais, querem tomar o que foi conquistado, são de uma raça inferior, e seus líderes, os únicos capazes de pensar são verdadeiros gênios do mal, e devem ser capturados a qualquer custo. Veja como é perfeitamente possível substituir

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para impressionar uma garota, querem decidir o patriotismo Rico decide ficar e ir a guerra para futuro do filho, procurando chantagear o mesmo fazer com que os insetos paguem (este com ameaças de deserdá-lo ou ainda não o sentimento é idêntico ao que foi sentido durante o ataque terrorista do 11 de setembro). considerarem mais como um filho. Podemos aí identificar 14 pares que ao se Na batalha, sofre a primeira derrota, onde é confrontarem compõem a narrativa Rico – dado como morto, o que deixa Ibanez Ibanez; Rico – Flores; Rico – professor/ desolada. De volta a batalha, agora sob o comandante; Rico –pais; Rico – Denner; Ibanez comando de seu ex-professor e conselheiro, – Flores; Ibanez – Denner; carreira – amor; dever porta-se de maneira heróica, e acaba sendo – amor; guerra – paz; obrigação – liberdade de promovido. Ibanez por sua vez também é escolha; sonho – realidade; bem – mal; EUA – promovida, e juntamente com o seu agora parceiro Denner, antigo desafeto de Rico Eixo do mal. Assim, a história transcorre de maneira devem ir ao campo de batalha. Rico, eufórico pela vitória toma Flores típica. Rico, estudante para si, em uma atitude apaixonado por Ibanez, que pode ser classificada quer ser um cidadão O filme retrata o belicismo como “se não posso ter pois ela assim gostaria. norte americano, que quase Para isso ele confronta sempre prefere resolver seus o que quero, terei o que posso”. Mais uma vez seus pais e se alista. No em batalha presencia a treinamento passa pelas confrontos através da força morte de seu mais duras provações, mas consegue se tornar líder de um pelotão. comandante, e a de Flores, sendo derrotado Sua felicidade é interrompida ao saber que mais uma vez bate em retirada e reencontra Ibanez rompe o namoro para dar continuidade Carmem. O sentimento inicial renasce, e da a sua carreira. Decepcionado, Rico acaba motivação para que Rico, agora no comando provocando acidentalmente a morte de um de da missão volte a batalha. Na batalha final os seus homens, o que faz com que ele olhe para insetos matam Denner e capturam Ibanez, o traz, e reveja seus valores. Rico decide então que faz com que Rico vá a seu resgate. Após voltar para os braços dos pais, mas é pego de salvá-la do líder dos Insetos, o “Cérebro”, surpresa pela notícia de que um ataque dos Rico é salvo da morte por um de seus homens, insetos varreu Buenos Aires do mapa. Com que da a vida em troca da vida de seu um sentimento misto de vingança e comandante. No final, Rico e Ibanez ficam finalmente juntos e as tropas conseguem aprisionar o inseto “Cérebro”, dando esperança de que a guerra poderá um dia terminar, e que a paz será restabelecida. Ou seja, no final o amor e a raça superior vencem. O filme retrata o belicismo do povo norte americano, que quase sempre prefere resolver seus confrontos através da força, sempre detendo a “razão”, onde todos devem colocar o dever acima de tudo, onde só os que lutarem terma honra, e que finalmente no final sairão vencedores. Uma curiosidade do filme é que sua história é constantemente interrompida por boletins sobre a guerra e propagandas das forças armadas, retratando como a mídia pode ser utilizada como arma de guerra, formando opiniões, e conquistando assim, mais soldados para a causa. 19 a 25 de agosto de 2003


Sexualidade

André Azevedo da Fonseca

O taxímetro do prazer Caetano, taxista: devorador ou devorado? Episódio de novela deixa implícita a luta político-sexual em que se envereda a nova mulher André Azevedo da Fonseca 4º período de Jornalismo

camisas abertas, cheirando à suor e cigarro… Só os bons modos seguravam a libido dessa mulher. Ela é pura potência erótica! A menor O episódio a seguir aconteceu em faísca de ignição seria capaz de detonar uma algumas cenas da telenovela Mulheres verdadeira erupção do motor de sua lascívia, Apaixonadas, de autoria de Manoel Carlos, levando o taxímetro de quem a conduzisse exibida pela TV Globo. Vale à pena uma pelas avenidas do prazer a ultrapassar todos breve reflexão sobre esse caso, pois ele diz os dígitos da devassidão do orgasmo pleno e alguma coisa sobre a luta político-sexual em total! que se envereda a nova mulher. Corta a cena. Esqueçamos as outras duas, Caetano é um típico motorista de taxi – porque a madame tem algo importante a dizer. moreno, queixo quadrado, falador, camisa Vamos ao que interessa. aberta, cheirando a suor e cigarro – casado Na caixa de som do motel vagabundo, La com uma dedicada e maternal secretária de vie en rose: clássico da música popular escola, Rosinha. Evidentemente, como é de francesa, mas em uma versão meio bossa nova se esperar de um personagem com este perfil, e cantada em inglês por algum devoto de eis que o varonil garanhão não se contenta Frank Sinatra (tipo de versão que só aparece com o arroz-feijão de seu lar e arruma uma mesmo em trilha de novela ou naquelas namoradinha extra para praticar com ela seleções fajutas de ‘as melhores músicas do todas as safadezas que sua moral não permite século’ vendidas em conjuntos de CDs através fazer com a mulher – afinal, a cândida de telemarketing.) “Vem, gostoso, vem me Rosinha é mãe de seu filho, quase santa. fazer ver estrela”, diz a grã-fina Sílvia, Deve ser até pecado fazer certas coisas. peladona, mergulhada numa banheira de A namoradinha, uma dedicada (e espumas, para o erétil taxista – um desfecho lindinha) empregada doméstica, não sabe óbvio da química da sedução que Caetano é casado. Ela trabalha na casa (tele)folhetinesca que deveria desembocar de Sílvia, uma dessas grã-finas que, inevitavelmente no quatrilátero amoroso entediadas com o pífio desempenho sexual taxista-secretária-doméstica-grã-fina. “Se os e afetivo do marido, esbanjam a vida homens fizessem com as esposas o que fazem buscando outras formas de distração – com as amantes, não iam ter tanto chifre”, shopping, cabeleireiro, etc. diz Sílvia, a messalina; no que Caetano, o Vamos espiar a doméstica pelo buraco da erótico, responde com uma careta de fechadura: Uau! E reprovação. não é que, por baixo Assim, a frívola daquela prudência Essa mulher é a síntese da madame realiza um servil de assalariada, dialética entre caça e caçadora, verdadeiro exame de a morena fogosa é quer abater e ser abatida, devorar toque retal em dois dessas que acendem dos tabus ainda labaredas de lascí- e ser devorada, urgentemente! firmes no estereótipo via, capazes de ferdo macho latinover até à ebulição os fluidos de Caetano, o americano: a idéia da “esposa imaculada” e o penetrador? Esses taxistas são demais mesmo! mito do “direito exlusivamente masculino ao Tudo que um machão quer da vida: de um orgasmo”. Primeiro, põe uma pulga atrás da lado a mãe de seus filhos, e do outro uma orelha do sequioso taxista: será que a sua namorada ingênua e gostosa. esposa, mal-amada como eu, é assim tão Mas, voltemos algumas linhas… grã- virtuosa quanto meu marido está certa que fina entediada com o marido? Essa mulher sou?, diz sem dizer ao taxista que finge não é a síntese da dialética entre caça e caçadora, entender direito. Se consideramos a transa de quer abater e ser abatida, devorar e ser Sílvia e Caetano como um ato político, a devorada, urgentemente! Só de olhar para a primeira leitura, fundamentada naquele mito, cara dela, qualquer telespectador com pouca levaria à conclusão precipitada de que o que imaginação é capaz de imaginar as mil e uma ocorreu foi uma espécie de “revanche” ou sem-vergonhices que estremecem suas “vingança” da classe trabalhadora que, através virilhas e sobem pelo corpo em arrepios de um representante, levou a melhor sobre o desencadeando inconfessáveis fantasias patrão porque transou com sua mulher e eróticas com trabalhadores másculos, meteu no capitalista-explorador-da-força-demorenos, queixos quadrados, faladores, trabalho um vistoso par de chifres – 19 a 25 de agosto de 2003

humilhação suprema em uma cultura que de verdade as delícias do amor – faça isso, preza, acima de tudo, a honra do varão. Assim, faça aquilo, venha cá, quero mais – o trunfo de Caetano, o guloso, não é sexual – confirmando a relação de dominação entre para saciar seus instintos, além de já ter classes, era a grã-fina. Tudo aquilo, para ela, garantidas as rotinas conjugais da esposa, era exótico, uma novidade infinitamente contava ainda com os encantos extras e deliciosa, uma transgressão que inspirava sempre disponíveis da namoradinha. Seu profundo senso de aventura e prazer – eu, uma trunfo é sócio-político: quem diria, eu, pé- mulher fina, no motel com um taxista ralé? rapado, papei a madame do bacana! Inadmissível, impensável, só se estivesse doida No entanto, essa leitura se mostra defasada varrida. Foi um bom negócio: o prazer que quando consideramos as transformações nas recebia era estratosfericamente maior do que o relações sociais entre os gêneros. A cultura prazer que ofertava. O taxista era um do ardente amante latino-americano, vista instrumento, um equipamento, um mero através da ótica masculina, é fundamentada motorista sexual. É claro que ele gozava, mas na idéia de que o penetrador (o homem) é o uma gota em comparação à cachoeira orgástica verdadeiro é único possuidor do objeto sexual da grã-fina; um tostão em relação a fortuna de (a mulher) e, portanto, o legítimo detentor do prazer da madame alegre; uma migalha de seu usufruto das banquete; uma moedelícias do sexo. A dinha nos lábios de mulher é sempre A frívola madame realiza um seu caça-níquel. c o m p r e e n d i d a verdadeiro exame de toque retal Assim, invertecomo pouco mais em dois dos tabus ainda firmes no se a situação e que uma serva que sobra para o garaconclui seu papel estereótipo do macho latino-americano nhão o papel de com o orgasmo do coadjuvante, de um macho. As únicas damas com direito a esforçado operário que tem o dever de, nas manifestar (e supostamente obter) prazer eram horas extras, executar mais um dos serviços as prostitutas. Mesmo assim, analisando com que deveriam ser de incumbência do patrão: mais cuidado, esse prazer na verdade também saciar a concupiscência da mulher, preencher era tido como duvidoso, pois o comum era seu tédio, distraí-la com uma atividade atribuir a elas o ‘fingimento do orgasmo’ esportiva qualquer, cumprir os caprichos da através de gemidos exagerados, ou então certo patroa. Dessa forma, a figura da esposa fina e gozo masoquista de mulher que gosta de ser imaculada transforma-se em mulher machucada, ou mesmo de apanhar – tudo em destemida e desavergonhada, uma “caçadora nome da satisfação do garanhão. de prazer”, exigindo que Príapo se esforce em Mas Sílvia, a dissoluta, ao mesmo tempo mil acrobacias eróticas para garantir a em que era usada, usava; ao mesmo tempo manutenção das labaredas da insaciável alazã. em que era engolida, engolia. Em sua ótica, A revanche, portanto, é dela. E assim, parece era ela quem devorava o amante e realizava susurrar aos telespectadores: E agora suas fantasias sexuais. Assim, é possível machões? Digam aí quem é que come quem? elaborar uma segunda leitura: quem Resta ver como as coisas vão se resolver comandava, quem conduzia, quem usufruía nos próximos capítulos.

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