ANO 1 N0 1 JUNHO 2021
Humberto Martins Presidente do STJ
PEC da Relevância: seu impacto no sistema recursal 1
O Grupo Samir atua desde 2004, sempre disposto a oferecer produtos e serviços com excelência e o melhor custo benefício para todas as empresas na área da saúde. O Grupo foi fundado com a proposta inicial de terceirização de profissionais na área da radiologia. Buscando atender as necessidades dos nossos clientes, em 2012 a empresa passou a locar equipamentos de imagem, a princípio começou com os aparelhos de Raio X, CR e mamógrafos e logo expandiu-se para a locação de aparelhos para tomografia
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A revista DATAVENIA é uma publicação mensal do Instituto de Estudos Jurídicos Aplicados. Ela não publica matéria editorial paga e não é responsável por opiniões ou conceitos emitidos em entrevistas, artigos e colunas assinadas.
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Articulistas:
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Antonio Anastasia
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SHIS QI 26, Conjunto 7, Casa 14
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71670-070 – Lago Sul-DF – (61) 3970-5406
Daniel Gerber Daniel Stivelberg Fabiane Pereira de Oliveira Gabriel Freire Talarico Juliana Malafaia Luiz Vicente Magni Chiara Márcia Maria Rodrigues de Moraes Marlos Augusto Melek Melina Fachin Miguel Pereira Neto Túlio da Luz Lins Parca
PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO:
ANO 1 N0 1 JUNHO 2021
Yann Duzert
www.entrelinhas.inf.br
Humberto Martins Presidente do STJ
PEC da Relevância: seu impacto no sistema recursal 1
ANO 1 EDIÇÃO 1 JUNHO 2021
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EDITORIAL
A grande inspiração A revista Data Venia é uma publicação do Instituto de Estudos Jurídicos Aplicados - IEJA, que chega como mais um canal de comunicação diferenciado no meio jurídico. O IEJA, de forma ética e transparente, tem por missão pensar o Direito a partir da prática institucional dos Três Poderes, com a visão de proporcionar o aperfeiçoamento das soluções normativas e judiciais mediante debates e uma profunda troca de conhecimento capaz de fortalecer uma agenda de diálogo entre agentes públicos e privados. No intuito de contribuir coletivamente para mudanças jurídicas necessárias ao desenvolvimento do país, defendemos agendas relevantes da sociedade civil junto ao Estado, apoiando e sugerindo ações afirmativas e inclusivas focadas no desenvolvimento, na pesquisa e na inovação. Conduzido pela participação ativa e democrática de todos os setores do Estado Democrático de Direito, o IEJA preza e defende a independência e respeitabilidade de todas as instituições nacionais, sempre buscando auxiliar no aprimoramento do diálogo institucional entre os Poderes e a sociedade civil e aperfeiçoar os mecanismos democráticos. A atuação do IEJA para promover esse relacionamento entre os agentes de Estado e juristas, bem como para socializar o conhecimento jurídico, acontece por meio do fomento de eventos e debates acadêmicos, seminários e fóruns nacionais que contam com a participação de doutrinadores, juristas, parlamentares e membros da administração pública. O instituto desenvolve ainda cursos, pesquisas jurídicas e a sistematização de dados técnicos para publicização à comunidade jurídica e à sociedade civil; para isso, conta com grupos de pesquisa protagonizados por profissionais e autoridades especializadas em refletir o Direito desconstruindo modelos esgotados e pouco efetivos para impulsionar a formação do pensamento crítico e a construção de paradigmas adequados às exigências da sociedade do século XXI, além de acompanhar os projetos de leis de interesse dos múltiplos setores produtivos. Boa leitura! 5
SUMÁRIO
CONCILIAÇÃO COOPERATIVA
SOCIEDADE 5G
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48 A PEC DA RELEVÂNCIA E O IMPACTO NO SISTEMA RECURSAL
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ELAS PEDEM VISTA
70 OS IMPACTOS DA COVID-19 NA ECONOMIA
A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER
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DIREITO ADMINISTRATIVO
por Antonio Anastasia
A Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos
Antonio Anastasia é Bacharel em Direito pela UFMG, onde também obteve o título de mestre e é professor licenciado de Direito Administrativo. Foi Secretário-Executivo do Ministério do Trabalho e do Ministério da Justiça; Secretário de Estado de Planejamento e Gestão, de Defesa Social, vice-governador e governador de Minas Gerais. É senador, vicepresidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal.
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Depois de uma longa tramitação, de cerca de oito anos, foi sancionada a Lei n0 14.133, de 10 de abril de 2021, que introduz no ordenamento jurídico brasileiro a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Tive a honra de ter sido o seu relator na fase de retorno ao Senado, como casa revisora. Logo surgiu uma indagação: o que difere esta nova lei da anterior, a Lei n0 8.666, de 1993? De fato, os institutos jurídicos de ambas são basicamente os mesmos, derivados do texto do Decreto-Lei n0 2.300, de 1986, fruto do trabalho doutrinário superior e sistemático do professor Hely Lopes Meirelles. Assim, em termos gerais, a nova lei não é, digamos, revolucionária em relação à legislação anterior, mas nem por isso, deixa de ser muito inovadora, acolhendo avanços da tecnologia de informação e da jurisprudência, ocorridos ao longo dos quase 30 anos de vigência do texto legal anterior. E quais seriam estes principais aspectos inovadores? Inicialmente, cumpre destacar a preocupação do legislador: em três vertentes fundamentais, buscou o Congresso Nacional paramentar adequadamente a nova legislação. A primeira delas foi com o planejamento. Há um reconhecimento de que a fase de planejamento para as contratações nunca foi objeto de maiores esforços pelo administrador público. As licitações e consequentes contratações ocorrem muitas vezes em ambiente de improviso e açodamento, sem as devidas cautelas prévias para uma boa e correta aquisição do bem ou serviço. Assim, o texto legal impõe o plano anual de contratações, bem como diversos institutos preparatórios, inclusive a inovadora matriz de riscos. A segunda, foi concernente à governança, com dispositivos sobre qualificação de servidores, segregação de funções e programas de integridade. E, por fim, o robustecimento da transparência, com adoção de inúmeros comandos de pleno acompanhamento público dos procedimentos,
por meio eletrônico, que culminam com a adoção do Portal Nacional de Contratações Públicas. Ademais, a nova legislação cuida de sacramentar a inversão das fases, com a habilitação ocorrendo posteriormente ao julgamento; extingue as modalidades da tomada de preços e do convite; institui o diálogo competitivo; prevê que se pode exigir, no âmbito das garantias das obras de grande vulto, que as empresas seguradoras sejam responsáveis pela conclusão das obras inacabadas que tenham segurado (step-in-rigth); melhora a regulamentação do “carona” nos registros de preços, dentre outras inovações em relação à legislação atual. Todavia, o tema mais ingente, me parece, seria a notável preocupação do legislador com a segurança jurídica. A uma, porque escolheu, à semelhança da Lei n0 8.666/93, um conteúdo pormenorizado do texto legal, pouco afeto ao comando constitucional de “normas gerais”, mas, ao contrário, com o nítido propósito de oferecer temas até de regulamento já na lei, para balizar a ação dos gestores e dar-lhes mais segurança nos procedimentos. Às duas, em virtude do comando do artigo 147, que trata, a meu modo de ver, muito corretamente, sobre a não anulação de procedimentos, ainda que eivados de vícios, caso o interesse público assim o exija, nos termos que explicita, também de modo bem detalhado, o que igualmente favorece a segurança jurídica do gestor e dos contratos, na tentativa de manter a continuidade dos serviços prestados e da execução das obras em andamento. Por fim, teremos uma situação singular pelas regras de vigência concomitante de ambas as legislações, pelo período de dois anos, a exigir muito equilíbrio e sensatez do gestor público, em cada caso concreto. Em síntese, acredito que a nova lei será um grande avanço nesta seara, permitindo uma melhora substancial no ambiente de negócios no país.
A NOVA LEI NÃO É REVOLUCIONÁRIA EM RELAÇÃO À LEGISLAÇÃO ANTERIOR, MAS NEM POR ISSO, DEIXA DE SER MUITO INOVADORA, ACOLHENDO AVANÇOS DA TECNOLOGIA DE INFORMAÇÃO E DA JURISPRUDÊNCIA
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DIREITO DO TRABALHO
por Marlos Augusto Melek
CABE AO ESTADO ESTIMULAR A SOLUÇÃO ALTERNATIVA DOS CONFLITOS, E NÃO O CONTRÁRIO, OBSERVANDO SEMPRE O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
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Jurisdição Voluntária Trabalhista: E quando o juiz homologa parcialmente sem conferir a quitação geral? A lei 13.467/2017 criou excepcional ferramenta, como meio alternativo da solução de conflitos: a jurisdição voluntária, que teve superlativo crescimento, mais de 2.000% em um ano, segundo dados do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Na jurisdição voluntária trabalhista, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) exige que empresa e trabalhador estejam representados por advogados distintos, o que preserva o atendimento técnico-jurídico ao trabalhador. Tem-se visto pelo país o fato do Judiciário de primeiro grau pretender limitar os efeitos da jurisdição trazida pelas partes, negando a quitação geral da relação jurídica mantida. Por vezes, o magistrado cria a exigência, por exemplo, de que o sindicato participe, ou que ocorram contrapartidas, dentre outras situações que simplesmente não encontram amparo legal, ou seja, tais requisitos não são exigidos pelo legislador. Recentemente, o TRT de Santa Catarina homologou integralmente jurisdição voluntária em que o primeiro grau não pretendeu atender à cláusula de quitação geral das obrigações. Ao julgamento da Desembargadora Ligia Maria Teixeira Gouvêa, o legislador incentiva a conciliação, e não pode o primeiro grau exigir requisitos não previstos em Lei (Autos 000781-392020-5-12-0009). No mesmo sentido, a 4a Turma do TST já sacramentou definição acerca da Súmula n0 330, quando o Tribunal Regional de São Paulo também teve episódios de não conceder a quitação geral da relação jurídica mantida entre as partes. A demanda por segurança jurídica é premente no país, e qual empresa faria um acordo via jurisdição voluntária sem a quitação geral, ou
seja, pagando valores e ainda assim se expondo ao risco de uma demanda judicial? Não faria o menor sentido. Ao nosso sentir cabe ao Estado estimular a solução alternativa dos conflitos, e não o contrário, observando sempre o princípio da legalidade: não se pode fazer exigência de requisitos que não foram previstos pela lei. Também não se pode menosprezar a presença técnica dos advogados a representar as partes na jurisdição voluntária. Devidamente assistidas, deve-se considerar a complexidade das variáveis de demora natural do processo, recursos, a avaliação dos meios de prova... Assim o produto da jurisdição voluntária apresentada é o melhor possível, sem qualquer presunção de ilegalidade. A ferramenta da jurisdição voluntária é extraordinária, pois abrevia o processo, reduz o custo Brasil, não devendo o Estado intervir na relação privada, sobretudo quando ambas as partes estão assistidas por advogados, sob pena de desestimular, por insegurança jurídica, o uso do novo Instituto.
Marlos Augusto Melek é Juiz do Trabalho no TRT da 9a Região, escritor, palestrante e foi membro da equipe de redação da Reforma Trabalhista do Brasil (Lei 13.467/2017). 11
TRIBUNAL EM FOCO
Conciliação cooperativa 12
As boas práticas dos tribunais regionais têm espaço garantido na revista Data Venia! E nessa primeira edição, o foco é a 4a Região da Justiça Federal, vencedora do prêmio Conciliar é Legal, na categoria Tribunais Regionais Federais, promovido anualmente pelo Conselho Nacional de Justiça - CNJ. A iniciativa identifica, dissemina e estimula os métodos consensuais de resolução de conflitos. Durante o ano de 2020, a Conciliação da 4a Região da Justiça Federal homologou 20.954 acordos em matérias diversas. Destes, 1.567 são relativos ao período da Semana Nacional da Conciliação, promovida entre novembro e dezembro pelo CNJ. 13
TRIBUNAL EM FOCO
O CONCILIAÇÃO COOPERATIVA PROMOVEU A SOLIDARIEDADE ENTRE AS INSTITUIÇÕES, OFERECEU AO CIDADÃO UMA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL MAIS CÉLERE E EFICIENTE
PRESIDENTE TRF4 DES. FED. VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS.
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A maioria dos acordos refere-se a temas como previdência, poupança, auxílio emergencial, dano moral e seguro-desemprego. O projeto premiado foi o Conciliação Cooperativa, que estabelece um convênio entre a Justiça Estadual e a Procuradoria Federal, promovendo a conciliação em ações que requerem benefício previdenciário por incapacidade e tramitam na competência delegada. As comarcas estaduais, com a conciliação cooperativa, passaram a solicitar as perícias médicas à Central de Perícias e Conciliações da Justiça Federal, que, após realizá-las, encaminha para a conciliação os processos com chances de acordo. A agência da Previdência Social realiza a imediata implantação do benefício previdenciário nos processos conciliados. A requisição de pagamento ao TRF4 e a comunicação eletrônica à justiça estadual para baixa do processo também são efetivadas imediatamente. Quando a tentativa de conciliação falha, o resultado da perícia é enviado à justiça estadual, que dá prosseguimento ao feito. O projeto foi implantado primeiro em Santa Catarina, pelo Sistema de Conciliação da 4a Região (Sistcon), na gestão do desembargador federal Rogério Favreto, e expandido para o Paraná durante a gestão do Desembargador Jorge Antônio Maurique.
O presidente do Tribunal Regional Federal da 4a Região (TRF4), desembargador federal Victor Luiz dos Santos Laus, em cerimônia realizada no dia 18 de fevereiro, recebeu o prêmio pelas mãos do presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Conselho da Justiça Federal (CJF), ministro Humberto Martins. O Conciliação Cooperativa foi a quarta vez que o TRF4 foi vencedor em dez edições de premiação. A Desembargadora federal Taís Schilling, coordenadora-geral do Sistcon, apontou que o sistema de conciliação virtual, que já estava em funcionamento, foi fruto de um grande esforço de adaptação aos novos desafios e da criatividade e abnegação dos envolvidos, entre magistrados, servidores, advogados, procuradores, partes e demais colaboradores. Todos são responsáveis pelo sucesso do programa que, além de promover solidariedade entre as instituições, ofereceu ao cidadão uma prestação jurisdicional mais célere e eficiente, proporcionando ao poder público economia de custos, tempo e força de trabalho. Na Região Sul, os processos de conciliação tratam, majoritariamente, sobre poupança, previdência, financiamento habitacional, bancário e ações por incapacidade e reintegração de posse. Com esse levantamento e a experiência iniciada na 26a Vara
Federal de Conciliação de Porto Alegre, aprofundada e ampliada para Santa Catarina e Paraná, Schilling afirma que, em 2021, “já estão em estudo novas propostas sobre temas de que, até então, não se tinha a menor oportunidade de fazer audiências de conciliação”. Entre elas, têm-se acordos individuais nas questões relacionadas a servidores públicos e casos em fase de execução de sentença que não conseguem chegar a um acordo por causa de valores, temas que a Procuradoria Regional da União propôs um plano de conciliação. Segundo Schilling, estas são “[...] demandas que poderão ser resolvidas de forma mais rápida e consensual”.
2.252
4.654
2.428
Em primeiro grau, foram contabilizados 9.334 acordos. No segundo grau, o Sistema de Conciliação da 4a Região homologou 2.286; o Centro de Justiça e Resolução de Conflitos de Florianópolis (SC), 2.428; o Cejuscon de Curitiba (PR), somado ao Núcleo de Conciliação de Curitiba, 4.654; e o Cejuscon de Porto Alegre (RS), 2.252 acordos
9.334
2.286 15
MEDIAÇÃO E CONCILIAÇÃO
por Márcia Maria Rodrigues de Moraes e Yann Duzert
Negociação como Competência Organizacional Vital É preciso compreender a nova realidade que se impôs para empresas e profissionais do direito. Não é surpresa nem novidade, que o mundo está mudando numa velocidade assustadora e no mercado jurídico não será diferente. Entender da necessidade de utilização de estratégias e táticas assertivas para gerar valor e construir uma empresa negociadora, que seja irresistivel, com maior diversidade, menor turnover e, assim, um retorno maior que os competidores, é fundamental para o seu sucesso ou fracasso e instiga líderes a fazer da negociação uma competência organizacional vital. Nós passamos 80% da nossa vida negociando, e segundo Carnegie do Institute of Technology, 85% do nosso sucesso depende de nossas habilidades e de saber se comunicar, e apenas 15% do nosso sucesso financeiro se deve às habilidades, mesmo que passemos longos anos de nossa educação nos profissionalizando para adquiri-las. A negociação é um processo ético e elegante de tomadas de decisões racionais e colaborativas visando a obtenção de benefícios mútuos. E exige mudanças de mentalidade e quebra de padrões tradicionais e ultrapassados. É necessário pegarmos o que temos como certo e que nos forçam a despertar para tudo o que fizemos ou deixamos de fazer até então. Esse despertar incomoda, pois o que só agora está claro sempre esteve lá para todo o mundo ver e porque subverte crenças arraigadas e sabedoria popular. Construir um espaço de organização negociadora não é só formar treinamentos, os departamentos precisam falar a mesma linguagem, a tecnologia permite isso e a modernidade vem lá do lado sistêmico da negociação que é um estilo de negociação da modernidade Por fim, é razoável obter compromisso organizacional para abrir oportunidades, definir critérios, alinhar estruturas. A empresa que negocia para vencer precisa se aperfeiçoar sempre com aprendizado contínuo, através de compartilhamento de experiências.
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Yann Duzert é Ph.D em Gestão de Risco, da informação e da Decisão pela École Normale Superérieure Paris-Saclay. Professor de Rénnes School of Business. Pós-doutor pela MIT - Harvard no Public Disputes program, CEO da Temperance Ltda. e da Newgotiation Dispute Board.
Márcia Maria Rodrigues de Moraes é professora universitária, advogada, mestre e doutora, Juíza arbitral dos Juizados Especiais, mediadora e conciliadora judicial cadastrada pelo CNJ, especialista no Conselho Estadual de Educação. CEO na Inovar Consultoria Educacional, Master Coach, membro da Newgotiation, da Associação Brasileira das Mulheres de Carreira Jurídica e do Grupo Mulheres do Brasil. 17
DIREITOS HUMANOS
por Fabiane Oliveira
Políticas Judiciárias contra o Racismo No último dia 25 de abril, em Minnesota (EUA), o Juiz Peter Cahill anunciou a decisão do júri contra o policial Derel Chauvin pelo assassinato de George Floyd em 25/05/2020: Culpado! esse foi o veredicto, à unanimidade. As reações ao resultado do julgamento vieram de vários países, parabenizando a justiça americana por mostrar ao mundo que a vida negra importa. Esse crime culminou numa série de manifestações, organizadas pelo movimento Black Lives Matter, frente ao racismo estrutural e à violência policial contra os negros, as quais ganharam eco no conserto internacional, evidenciando a necessidade da constante reafirmação do direito à vida e à dignidade humanas. No Brasil, em resposta aos clamores populares e motivado pela urgência do enfrentamento ao preconceito racial, o Conselho Nacional de Justiça, por meio da Portaria CNJ n0 108, de 8 de julho de 2020, instituiu e criou um Grupo de Trabalho destinado à elaboração de estudos e parâmetros de soluções, com vistas à formulação de políticas judiciárias pela igualdade racial, além da proposição de ações concretas para a eliminação das desigualdades raciais no sistema de justiça. Em que pese o país ter ratificado, em 1968, a Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, da Assembleia Geral das Nações Unidas, a qual anteviu o uso de ações afirmativas para o progresso de certos grupos raciais ou étnicos, tal previsão infelizmente passou despercebida pelo Constituinte. Em 1988, nossa Carta Federal abraçou os ideais da Convenção ao estabelecer, como objetivo fundamental da República (art. 30, IV), a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, além do comando do caput do art. 50 de que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Silenciou, contudo, sobre a implementação de medidas concretas para garantir-lhes “igual gozo ou exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais”. 18
Essa omissão ganhou destaque quando, em 2003, a Universidade de Brasília - UnB teve a iniciativa de estipular a reserva de 20% de suas vagas para negros ingressarem em seus bancos universitários. A medida gerou grande controvérsia e levou o Partido DEM a ajuizar, em julho de 2009, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF 186, no Supremo Tribunal Federal, invocando a ofensa, pelo ato administrativo da UnB, a vários preceitos constitucionais, entre eles, o próprio princípio da igualdade. Aliás, seu argumento contrário à política de universalização de cotas é reverberado ainda nos dias de hoje: a maneira de acabar com a discriminação com base na raça é parar de discriminar com base na raça. O Ministro Ricardo Lewandowski, após convocar e conduzir audiências públicas repletas de storytellings sobre o palco das lutas raciais, proferiu um voto paradigmático e conduziu o Plenário do STF, por unanimidade, em abril de 2012, à conclusão pela validade daquelas práticas administrativas. Entre outros argumentos, a Corte decidiu que: O princípio da igualdade (art. 50, caput, da CF), considerado em sua dimensão material, pressupõe a adoção, pelo Estado, seja de políticas universalistas, que abrangem um número indeterminado de indivíduos, mediante ações de natureza estrutural, seja de políticas afirmativas, as quais atingem grupos sociais determinados, de maneira pontual, atribuindo-lhes certas vantagens, por um tempo definido, com vistas a permitir que superem desigualdades decorrentes de situações históricas particulares. A provocação ao Judiciário impulsionou o Legislativo a editar, em 2010, o Estatuto da Igualdade Racial – Lei n0 12.288, a qual dispôs, em seu art. 40, que “A participação da população negra, em condição de igualdade de oportunidade, na vida econômica, social, política e cultural do País será promovida, prioritariamente, por meio de: [...] II - adoção de medidas, programas e políticas de ação afirmativa”. E, em 2014, o Congresso aprovou
a Lei n0 12.990, que reserva aos negros 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, direta e indireta. Mais recentemente, no ano de 2020, em meio à preparação das eleições municipais, chegou ao STF a discussão sobre a possibilidade de garantia às candidaturas negras de percentual de recursos financeiros e de tempo de TV, bem como de reserva de 30% das vagas do partido. Ao referendar a Medida Cautelar do Ministro Ricardo Lewandowski na ADPF n0 738/DF, o Plenário entendeu que: Políticas públicas tendentes a incentivar a apresentação de candidaturas de pessoas negras aos cargos eletivos nas disputas eleitorais que se travam em nosso País, já a partir deste ano, prestam homenagem aos valores constitucionais da cidadania e da dignidade humana, bem como à exortação, abrigada no preâmbulo do texto magno, de construirmos, todos, uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social, livre de quaisquer formas de discriminação. Em resumo, nosso CNJ e nosso STF estão comprometidos em fazer o tempo dos direitos, posicionando-se na vanguarda da sua efetiva entrega a um grupo social historicamente renegado e negligenciado pelo poder público. Somos todos seres humanos, na essência, iguais. A separação entre self versus others, ingroups e outgroups, dominantes e dominados, é resultado de contextos em que o poder político a fomenta e, quase sempre, o discurso jurídico a avaliza. A cura para esse mal multimilenar está na destruição da complacência e no desafio ao status quo. Abrir as janelas da realidade para um efetivo resgate histórico para com o povo negro é dever de todos nós. Fabiane Oliveira é fundadora e Presidente do Instituto de Estudos Jurídicos Aplicados - IEJA. Mestre e Doutoranda em Direitos Humanos pela USP. Assessora de Ministro do STF. Professora. 19
DIREITO PENAL
Daniel Gerger é Advogado Criminalista, Mestre em Ciências Criminais, especialista em Direito Penal Econômico, escritor, professor e palestrante, membro do Instituto de Garantias Penais e do Instituto de Estudos Transdisciplinares de Estudos Criminais.
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por Daniel Gerger
Novas Fronteiras do Direito Penal Com muito orgulho recebi o gentil convite do IEJA (Instituto de Estudos Jurídicos Aplicados) para me tornar colunista mensal da revista Data Venia, agora em suas mãos. E, honrando a lembrança, me cabe escrever este primeiro apanhado de ideias. Para tanto, parto do momento peculiar que atravessamos na história, com uma pandemia paralisando o mundo físico e espiritual, misturando certezas e incertezas em um grande caldeirão de informações que nos invadem diariamente, cobrando uma postura radical de todos nós quanto ao partido político no poder, o tratamento adequado à doença, o segregacionismo identitário etc. Data venia, portanto, não é apenas o nome desta revista; é, também, símbolo máximo daquilo que imediatamente necessitamos: uma contraposição ao extremismo que nos assola. Como criminalista que sou, aprendi ao longo dos últimos 25 anos de profissão que a virtude está no centro. Saber ouvir e saber falar, saber acreditar e saber duvidar, saber o que é não estar no lugar do outro e, por isso, não julgá-lo antecipadamente. Enfim, saber se relacionar com seu semelhante. Nesta incessante busca por um melhor diálogo é que saúdo as incríveis transformações tecnológicas e culturais pelas quais passam o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Advocacia que, diante da crise, se reinventaram. Nessa linha, fico feliz em observar o
quadro que hoje se ergue e promete ser o retrato do futuro, independentemente das questões de saúde pública, pois sempre defendi que uma nova revolução no Direito Penal e Processual Penal viria da tecnologia, e não da ideologia. Os fatos apenas corroboram minha previsão, pois nosso avançar em tal área, impulsionado pela necessidade global trazida pelo ambiente pandêmico, gerou uma nova perspectiva do que venha a ser “resolução da lide” Hoje se tornou realidade a negociação de acordos de não persecução penal ou cível (ações penais e ações de improbidade) via plataformas digitais de comunicação (zoom, goggle meets, whatsapp) e processos eletrônicos, eliminando uma burocracia outrora existente e encurtando o caminho do interesse público e do privado na solução de casos penais e administrativos. Idem para a incrível agilidade dos Tribunais Superiores, onde o despacho online se tornou uma realidade cotidiana que forneceu celeridade aos trâmites tradicionais além de conectar diretamente um jovem advogado qualquer, de qualquer comarca deste nosso continente chamado Brasil, aos Ministros, Desembargadores e Juízes que analisam sua causa. Enfim, resta claro que, por força da pandemia, novas soluções para o mundo jurídico foram encontradas. Rogando mais uma vez data venia a quem delas discorde, cumpre recordar que o futuro nunca para e, muito menos, retrocede. Adapte-se.
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MATÉRIA DE CAPA
A PEC da Relevância e o Impacto no Sistema Recursal por Christiane Meireles
A DATA VENIA celebra sua primeira edição com a participação do Ministro Humberto Martins, presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Conselho da Justiça Federal (CJF). Em entrevista concedida à revista, ele destaca as premissas de sua gestão, os resultados alcançados até o momento e os planos futuros.
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MATÉRIA DE CAPA
GRANDE PARTE DOS PROCESSOS QUE CHEGAM AO JUDICIÁRIO PODEM SER RESOLVIDOS POR MEIOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÕES DE CONFLITOS
Em meio à pandemia, de que forma o STJ tem se adaptado aos pilares da Gestão Participativa, respeito ao Cidadão e Celeridade, conforme o senhor destacou como premissas de sua gestão? Quais têm sido as principais dificuldades que o senhor tem enfrentado? A principal adaptação é o trabalho remoto nesse período desafiador de pandemia. Fazer gestão participativa significa ouvir todos e todas no processo de decisão. A receptividade e as contribuições dos demais ministros e servidores têm sido excelentes. Seja virtualmente ou presencialmente, quando possível, estamos sempre ouvindo a equipe antes de tomar as decisões. Eu diria que, apesar do distanciamento, nossos limites estão sendo superados e a experiência de gestão participativa tem sido um sucesso, pois reforça vínculos de cooperação e de trabalho conjunto. O Projeto Fale com o Presidente – de mãos dadas: magistratura e cidadania, idealizado pelo senhor, tem alcançado excelentes resultados, como a recente convocação de novos servidores aprovados no concurso de 2018. Como tem sido a experiência de estar mais próximo ao cidadão?
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O Programa Fale com o Presidente busca evidenciar que o STJ é uma Corte vocacionada para as grandes causas da cidadania. Na linha da gestão participativa, o programa é uma forma de ouvir o outro, escutar diferentes problemas e perspectivas. Experiência semelhante eu tive como Corregedor Nacional de Justiça, ao realizar pessoalmente as inspeções. O feedback que recebo é muito valioso: nada substitui ouvir diretamente e sem filtros o jurisdicionado. A perspectiva do cidadão tem sido valiosa para a tomada de decisões no âmbito do STJ. O senhor afirmou, em uma aula magna, que, em 2020, foram distribuídos cerca de 397 mil processos e proferidas mais de 580 mil decisões pelo STJ. Isso porque esses números foram 10% abaixo do ano anterior. Considerando esse cenário, quais medidas seriam necessárias para a racionalização do sistema recursal? Mesmo com todas as dificuldades de um ano atípico, o STJ encerrou 2020 com redução de 7,1% no número de processos em tramitação, passando de 271.464n no final de 2019n para 252.173. Esses são os números de acervo. Quanto aos julgados e a distribuição de novos processos, temos os seguintes fatores a ponderar: mesmo com os investimentos em tecnologia, o número de processos que chegam ao Tribunal aumentou porque o acesso à justiça foi facilitado e a sociedade confia no Superior Tribunal de Justiça. O caminho é racionalizar o sistema recursal com o fortalecimento da jurisprudência e precedentes. Nas outras instâncias, além da aplicação dos precedentes firmados, é preciso investir em mediação, negociação e conciliação. Grande parte dos processos que chegam ao Judiciário podem ser resolvidos por meios alternativos de soluções de conflitos, inclusive no sistema dos juizados especiais, que facilitou sobremaneira o acesso à justiça, democratizando a prestação jurisdicional. Devido a esse volume exorbitante, quais dificuldades a Corte do STJ enfrenta atualmente? Todas as dificuldades devem ser enfrentadas com a máxima sensibilidade. O STJ sempre honrará a sua missão de responsável por dar a última
palavra sobre a uniformização da interpretação das leis federais. O tribunal da cidadania não poupará esforços para dar uma resposta célere e eficiente, visando sempre à pacificação social. Enfatizo que o STJ tem investido em ferramentas de triagem de matérias repetitivas e inteligência artificial, buscando agilizar o fluxo processual e identificar quais casos estão relacionados a temas submetidos à sistemática dos recursos especiais repetitivos. No campo dos grandes demandantes, já estamos com algumas iniciativas em curso para otimizar o funcionamento do tribunal. Nossa parceria com a Advocacia-Geral da União (AGU), por exemplo, economiza tempo e recursos, identificando demandas que não precisam ser submetidas ao STJ. Qual é o impacto dessa morosidade para a justiça brasileira? E, principalmente, na vida do cidadão? Eu sempre lembro a frase do grande Rui Barbosa, segundo a qual “justiça tardia não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”. Ao tutelar os direitos e garantias fundamentais, a Constituição Federal de 1988 proporcionou um conceito de cidadania mais nítido e robustecido, dando projeção aos reclamos de cidadãos mais conscientes de seus direitos e mais conhecedores dos caminhos que os levam ao Judiciário. Nesse contexto, o fortalecimento da cidadania tem por consequência a ampliação do acesso à Justiça. Por isso, trabalhamos para racionalizar o sistema de gestão e as políticas voltadas à eficiência da prestação jurisdicional de modo a atender o constante aumento da demanda pelos serviços judiciários. Juridicamente, essa quantidade de recursos reflete uma real possibilidade de defesa ou acaba sendo usada como uma forma de postergar o cumprimento da decisão? O acesso ampliado à justiça é uma das conquistas da Constituição Federal de 1988, a chamada Constituição Cidadã. No que diz respeito à quantidade de recursos, o legislador tem buscado – a exemplo das seguidas reformas processuais aprovadas nos últimos anos – criar mecanismos que permitam a concretização de direitos em tempo razoável sem prejuízo dos recursos previstos no nosso ordena-
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mento jurídico. Assim, como dito antes, o trabalho deve ser no sentido de racionalizar o sistema recursal, permitindo o acesso ao Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, nas restritas hipóteses previstas no art. 105 da Constituição Federal. Em palestra proferida por videoconferência em 25/11/2020, no curso Tutela Jurisdicional e Solução de Conflitos em uma Perspectiva Comparada: Europa-Brasil, evento promovido pela Accademia Juris Roma, o senhor afirmou que “A consolidação da cultura de precedentes não vai somente diminuir a sobrecarga dos tribunais, mas também aumentar a segurança jurídica no País. Isso beneficia toda a sociedade”. De que forma a cultura de precedentes pode ser desenvolvida? Nos últimos anos, pudemos observar a sensível melhoria da gestão dos recursos repetitivos no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, inclusive com a possibilidade do emprego da inteligência artificial para a identificação de casos concretos com a mesma tese jurídica, para a definição de precedentes qualificados. A crescente sobrecarga numérica de processos resultante da judicialização e o exercício do direito de ação trouxeram um grande desafio ao Poder Judiciário: fazer frente a essa demanda e, ao mesmo tempo, manter a garantia de acesso à justiça, a duração razoável do processo, a qualidade da prestação jurisdicional, a motivação, a hermenêutica de subsunção e a uniformidade. Dessa forma, torno a repetir que a efetiva observância dos precedentes judiciais auxiliará não somente o STJ, enquanto unificador da jurisprudência infraconstitucional, como também trará mais segurança e produtividade aos magistrados de primeiro e segundo graus, que terão um paradigma para seguir quando se depararem com teses jurídicas firmadas nas instâncias superiores. Qual a importância jurídica de o STJ atuar como um tribunal de precedentes? É importante observar que a formação de precedentes judiciais e o consequente respeito às suas 26
conclusões jurídicas concretizam o princípio da isonomia, ao proporcionar decisões judiciais iguais a situações fático-jurídicas iguais, além de possibilitar maior celeridade e eficiência na prestação jurisdicional. Inegável, portanto, o imprescindível papel do Judiciário e do Superior Tribunal de Justiça – criado para uniformizar a interpretação da lei federal em todo o Brasil – no sentido de atuarem da melhor forma possível para distribuir justiça com isonomia e celeridade. Esse é o objetivo maior dos precedentes judiciais qualificados. Por sua vez, não podemos esquecer a regra do art. 926 do Código de Processo Civil, que estabelece a uniformidade, estabilidade, integridade e coerência da jurisprudência dos tribunais. Qual é a importância da aprovação da PEC da Relevância para o sistema recursal? A PEC que trata da questão de relevância do direito federal é de extrema importância para o Superior Tribunal de Justiça. É uma forma de qualificar ainda mais os recursos a serem analisados pelo tribunal da cidadania, uma vez que impedirá a remessa de processos reputados não relevantes. Daí a necessidade de a parte demonstrar a relevância da questão federal discutida. Assim, a prestação jurisdicional do STJ passará a ser ainda mais qualitativa. Qual seria o impacto da PEC da Relevância no sistema recursal? O objetivo central da PEC da Relevância é fazer com que o STJ deixe de atuar como terceira instância, revisora de processos, cujo interesse, muitas vezes, está restrito às partes, sem maiores implicações na interpretação do direito federal. Nesse sentido, o STJ somente julgaria os recursos cujo tema tenha relevância jurídica capaz de justificar o pronunciamento de instância superior, seguindo, dessa forma, o caminho já trilhado pelo Supremo Tribunal Federal com a exigência da repercussão geral, criada em 2004 por meio da Emenda Constitucional no 45.
O STJ SOMENTE JULGARIA OS RECURSOS CUJOS TEMAS TENHAM RELEVÂNCIA JURÍDICA
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MATÉRIA DE CAPA
A PEC NÃO IMPEDE A DISCUSSÃO DE TEMAS RELEVANTES NO STJ E NÃO MODIFICA O CONSAGRADO SISTEMA DE DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
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Caso a PEC da Relevância seja aprovada, de que forma isso pode impactar os Tribunais de Justiça e os Tribunais Regionais Federais? Quais seriam os pontos mais críticos desse processo? A principal adaptação a ser feita é no exame de admissibilidade dos recursos especiais. Acredito que, em pouco tempo, os tribunais já tenham, de forma bem clara, o que é um tema relevante e o que não é, para envio do recurso ao STJ. Há um consenso de que o sistema atual permite recursos que não deveriam sair desses tribunais para o STJ. A PEC corrige isso. Na avaliação do senhor, qual é a razão da resistência à PEC? Seria uma questão de cultura do sistema de justiça brasileiro? Existe o receio da injustiça, de limitar o acesso à justiça e de impedir recursos. Na verdade, é um sentimento infundado, porque a PEC não impede a discussão de temas relevantes no STJ e não modifica o consagrado sistema de duplo grau de jurisdição. Em que medida a PEC da Relevância favorecerá a vinculação dos precedentes do STJ? Como dito anteriormente, sem dúvida, a demonstração da relevância das questões de direito federal infraconstitucional como requisito de admissibilidade do recurso especial do STJ em muito contribuirá para a redução dos processos, a exemplo do que ocorreu quando se instituiu a exigência de se demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais para a admissão dos recursos extraordinários no STF. Dessa forma, o STJ vem realizando esforços no sentido de demonstrar ao Congresso Nacional a importância da aprovação da PEC para que tenhamos, cada vez mais, uma justiça célere, eficiente e qualificada. A sua aprovação é, inclusive, uma das prioridades da minha gestão como presidente do STJ e a nossa expectativa é que ela seja aprovada até o final de junho.
Sobre os inevitáveis reflexos dessa mudança na reformulação de uma petição, na formação de novos advogados, no ensino acadêmico, o que o senhor considera? A formação dos profissionais deve estabelecer, claramente, o que é uma questão jurídica relevante a ser discutida em um tribunal superior e o que é apenas um caso concreto já com jurisprudência firmada. O ensino nas faculdades de direito deve passar aos alunos uma boa noção sobre o que é uma questão jurídica relevante ao ponto de ser discutida por um tribunal superior, deixando claro que são poucas as demandas a receberem esse tratamento já aplicado em Cortes de países que adotam sistemas jurídicos similares ao brasileiro. Como inovar e adaptar a justiça brasileira a esse contexto de grandes transformações do século XXI, especialmente quanto à revolução digital e tecnológica? A chave para a resposta está na palavra inovar. O Poder Judiciário tem que estar sempre inquieto e não pode cair na “zona de conforto” de fazer sempre tudo igual. O processo eletrônico mudou radicalmente a forma de se trabalhar em 2010. Agora, a tecnologia é premente para o protagonismo do Judiciário. Modernizar significa olhar o futuro com respeito ao passado. É possível conciliar as boas tradições com a dinâmica ágil do processo eletrônico. O mundo do futuro está acontecendo agora. Uma das premissas da gestão do Ministro Humberto Martins na presidência do STJ é o esforço pela aprovação da PEC da Relevância, que atualmente tramita no Senado Federal. Por ser um tema polêmico no meio jurídico, a revista Data Venia ouviu também a posição do jurista Nabor Bulhões sobre a questão. No entanto, devido à complexidade do assunto, é primordial, antes, compreender a origem da Arguição de Relevância.
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ORIGEM DA ARGUIÇÃO DE RELEVÂNCIA DA QUESTÃO FEDERAL
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Na época do regime militar, o STF, que originariamente foi concebido pela Constituição de 1891 para ser a Corte Suprema do país com a composição de 11 Ministros, passou a contar com 16 Ministros um ano após o golpe militar de 1964, com a edição do AI-2, voltando ao número da sua composição originária em 1969, por força do AI-6, período marcado, inclusive, pela aposentadoria compulsória de 3 Ministros tidos como não simpatizantes do regime ditatorial do violento e temido AI-5. Esta é a composição vigente até hoje. Com esse quadro de Ministros, a partir da década de 1970, o Supremo Tribunal Federal viveu uma profunda crise advinda da impossibilidade de decidir, mediante Recursos Extraordinários oriundos de todos os Estados da Federação e do Distrito Federal, matérias de direito federal infraconstitucional e constitucional, como era de sua competência à época.
JURISTA NABOR BULHÕES
Foi quando em 1977, para mitigar essa crise na Corte e ainda sob o regime militar, a Emenda Constitucional no 7 é promulgada, a chamada “Arguição de Relevância da questão Federal”, para que o Supremo só apreciasse em Recurso Extraordinário arguição de violação da lei federal se a matéria apresentasse requisitos de relevância que a emenda constitucional estabeleceu. E assim foi até 1988. Consequentemente, a possibilidade de alguém que teve um direito de natureza infraconstitucional violado buscar a devida reparação via recurso extraordinário foi drasticamente reduzida. O recurso só passou a ser admitido nas hipóteses em que se demonstrasse a existência de uma espécie de repercussão geral daquela violação sobre outros casos que estivessem em tramitação pelo país. O STF diminuiu sua carga de trabalho, mas o sistema então estabelecido comprometeu a ordem
jurídica, uma vez presente uma lacuna pela falta de um tribunal que efetivamente garantisse a ampla observância dessa legislação infraconstitucional. Nesse cenário, com o advento da Constituinte em 1987, surgiu a ideia de se criar um novo tribunal, no caso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), que pudesse absorver parcela da competência do STF para exercer o controle do direito infraconstitucional, sem prejuízo da atribuição de outras competências. Assim, na Constituição de 1988, atribuiu-se ao STJ a competência para, mediante recurso especial, exercer amplo controle sobre o direito infraconstitucional quando violado ou quando sua interpretação revelasse divergência entre tribunais. Dessa forma, o STF ficaria com a competência para apreciar e julgar matérias constitucionais pela via difusa, mediante Recurso Extraordinário, e pela via abstrata por meio das ações de controle de 31
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constitucionalidade que foram instituídas pela Constituição Federal de 1988, daí decorrendo o que muitos especialistas denominam de o mais completo e profundo sistema de controle de constitucionalidade do mundo. A DISCUSSÃO CONSTITUCIONAL SOBRE A PEC DA ARGUIÇÃO DE RELEVÂNCIA A Constituição Federal de 1988 é um marco na redemocratização do país após os 21 anos do regime ditatorial instalado a partir de 1964. O regime político-jurídico instituído pela Carta, marcado pelos ideais republicanos e democráticos, com um amplo cardápio de garantias fundamentais, teve, entre as suas maiores inovações na reforma judiciária que implantou, a criação do Superior Tribunal de Justiça para, como visto, exercer predominantemente aquela competência que no passado fora atribuída ao Supremo Tribunal Federal: o controle sobre o direito infraconstitucional, da justiça comum, por meio do recurso especial, disciplinado no art. 105 da Constituição Federal. Por isso mesmo, tratar da alteração do recurso especial com a introdução de mecanismos que o limitem ou possam restringir de alguma forma a atuação do Tribunal da Cidadania termina por repercutir sobre a própria função que a Constituição Federal entregou ao Superior Tribunal de Justiça por ocasião de sua criação. Desta forma, compreensível que a PEC da Arguição de Relevância tenha se tornado um tema polêmico nos meios jurídicos e no próprio Congresso Nacional. Neste cenário entra o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que se fez representar, nas discussões da PEC da Arguição de Relevância no Congresso Nacional, entre outros, pelo jurista Nabor Bulhões, o qual, como membro da instituição, acompanhou o processo constituinte originário e testemunhou as grandes e significativas alterações introduzidas no Poder Judiciário brasileiro, entre elas, a criação e a instauração do Superior Tribunal de Justiça 32
A PEC REMETE À LEI ORDINÁRIA A DEFINIÇÃO E OS REQUISITOS PARA A CONFIGURAÇÃO DA ARGUIÇÃO DE RELEVÂNCIA COMO REQUISITO DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL
com a função primordial de velar pelo cumprimento do direito infraconstitucional no país. Em entrevista concedida à revista Data Venia, profundo conhecedor do tema, ele chama a atenção para a necessidade de se enfrentar a matéria relacionada à PEC da Arguição de Relevância com muita cautela e ponderação para não se desvirtuar o sistema de recursos previsto pela Constituição de 1988 e para não desfuncionalizar a mais nobre competência atribuída ao Superior Tribunal de Justiça para o julgamento dos recursos especiais. Vários juristas e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil têm apresentado muitas críticas quanto aos riscos do restabelecimento da Arguição de Relevância da questão federal já agora no recurso especial de competência do STJ. Entre eles, a indefinição do que seja a relevância das questões de direito federal infraconstitucional, porque a PEC, como aprovada na Câmara dos Deputados, remete à lei ordinária a definição e os requisitos para a configuração da Arguição de Relevância como requisito de admissibilidade do recurso especial.
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MATÉRIA DE CAPA
QUESTIONA-SE A POSSIBILIDADE DE UM BAIXO QUÓRUM DECIDIR A INADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL COM ESSA NOVA CONFORMAÇÃO LIMITADORA
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Outro ponto questionado é quanto à possibilidade de um baixo quórum decidir a inadmissibilidade do recurso especial com essa nova conformação limitadora, caso a PEC venha a ser aprovada no Senado Federal como o foi na Câmara dos Deputados. De acordo com o texto proposto, apenas 3 Ministros integrantes de uma Turma julgadora formada por 5 membros, num Tribunal que se compõe de 33 ministros, poderiam inadmitir um recurso especial por considerar não configurada a relevância da questão federal suscitada. Mais uma importante discussão gira em torno das consequências da atuação limitada do STJ em face da introdução da Arguição de Relevância como requisito de admissibilidade do recurso especial sobre a interpretação e a aplicação do
direito federal em um país continental como o Brasil, gerando o risco de uma “estadualização” da interpretação do direito federal, em prejuízo da função uniformizadora para a qual foi criado o STJ. Segundo Nabor Bulhões, por todas essas razões, falar hoje sobre arguição de relevância, sem reservas, é como voltar àquele passado que gerou a crise do STF, razão da criação do STJ exatamente para suprir uma lacuna ou corrigir uma deficiência do sistema então vigente numa época em que o Supremo Tribunal Federal, em razão do efeito limitador da Arguição de Relevância, mantinha uma competência para não a exercê-la em sua plenitude, ou seja, a competência para dizer de forma terminante o que era o direito federal infraconstitucional mediante recurso extraordinário.
Ele alerta ainda para o risco de se transformarem as reformas do Judiciário ou dos sistemas processuais em reformas para os Juízes e os Tribunais, e não para os jurisdicionados, com grave comprometimento da garantia constitucional do acesso à justiça. A propósito, explica que, quando a Constituição de 1988 criou o Superior Tribunal de Justiça com a missão precípua de garantir a inteireza positiva do direito federal (art. 105 da CF), instituiu o recurso especial como o veículo hábil para tanto, estabeleceu que essa Corte Superior de Justiça “compõe-se de, no mínimo, trinta e três Ministros” (art. 104 da CF). De lá para cá, já decorreram mais de 32 anos, a população do país aumentou exponencialmente, assim como ocorreu com o número de advogados, embora o número de Ministros da Corte continue o mesmo.” 35
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Bulhões ainda destaca que “antes de se pensar em restringir o acesso à justiça, o que sacrifica o direito dos jurisdicionados, ter-se-ia primeiro que pensar em ampliar os quadros judiciários, como, por exemplo, o do STJ. Afinal, quando a Constituição Federal disse que o STJ se compõe de, no mínimo, trinta e três Ministros, deixou clara a possibilidade de ampliação de sua composição na medida em que a população e a complexidade da vida social brasileira aumentassem. Nada obstante isso, sempre que se argumenta sobre o grande número de recursos especiais dirigidos ao STJ, o primeiro impulso é limitar as hipóteses de seu cabimento e restringir a jurisdição, com o comprometimento da própria razão histórica de criação do STJ”. No entanto, o tema sobre o aumento do quadro dos ministros do STJ, segundo Bulhões, não é bem aceito porque se alega que geraria custos, como se esse assunto não constituísse matéria relevante para a vida institucional do país. Então, a solução indicada passa sempre pela instituição de mecanismos restritivos, como a Arguição de Relevância, que terminam por comprometer a higidez do sistema recursal, do sistema jurídico e do próprio exercício dos direitos e garantias dos jurisdicionados no que diz respeito ao acesso à justiça. Neste particular aspecto, Bulhões lembra que a Corte de Cassação Italiana, que tem funções análogas às do STJ na República Italiana, compõe-se de mais de trezentos juízes para uma população de pouco mais de 60 milhões de habitantes. Ele também pontua que o recurso especial criado pela Constituição de 1988 (art. 105) para solucionar a chamada crise do recurso extraordinário na década de 80 encontra-se hoje submetido a um rígido sistema de admissibilidade composto por súmulas restritivas de seu cabimento, requisitos implícitos de natureza constitucional como o prequestionamento, além de ter sofrido, em nome de um processo crescente de sua racionalização, grandes
A ARGUIÇÃO DE RELEVÂNCIA GERA O RISCO DE UMA ‘ESTADUALIZAÇÃO’ DA INTERPRETAÇÃO DO DIREITO FEDERAL EM PREJUÍZO DA FUNÇÃO UNIFORMIZADORA PARA A QUAL FOI CRIADO O STJ
alterações quanto à sua natureza com a instituição do recurso especial repetitivo e do recurso especial representativo da controvérsia, na busca de maior efetividade na prestação jurisdicional com obtenção de decisões com eficácia vinculativa e repercussão geral no direito brasileiro. Ressalta o jurista que a maior e mais radical alteração da sistemática constitucional do recurso especial instituído pela Carta Magna de 1988 pode decorrer da PEC no 209-C/2012, aprovada na Câmara dos Deputados, que procura restabelecer, agora no recurso especial, a Arguição de Relevância da questão federal, instituto que foi usado por mais de uma década no âmbito do Supremo Tribunal Federal a partir da Emenda Constitucional no 07/1977 e que contribuiu para gerar, nos anos 80, a chamada crise do recurso extraordinário, ou a crise da jurisdição do Supremo Tribunal Federal, cujo objetivo era o de dizer, de forma terminante, o que era direito federal infraconstitucional mediante recurso extraordinário. Acrescenta Bulhões que foi justamente para resolver aquela crise jurisdicional do Supremo Tribunal 37
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ANTES DE SE PENSAR EM RESTRINGIR O ACESSO À JUSTIÇA, O QUE SACRIFICA O DIREITO DOS JURISDICIONADOS, TER-SE-IA PRIMEIRO QUE PENSAR EM AMPLIAR OS QUADROS JUDICIÁRIOS, COMO, POR EXEMPLO, O DO STJ
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Federal que o legislador constituinte de 1988 criou o Superior Tribunal de Justiça e instituiu o recurso especial para absorver aquela competência que o regime constitucional anterior atribuía ao Supremo Tribunal Federal para o julgamento das causas envolvendo o direito federal infraconstitucional. E adverte ainda o jurista que,” se a PEC da Arguição de Relevância, já acolhida na Câmara dos Deputados, for aprovada no Senado Federal, em que tramita como PEC no 10/2017, muito embora não venha a extinguir o Superior Tribunal de Justiça, certamente comprometerá a sua razão de ser e acarretará graves consequências para a higidez e a unidade da interpretação e da aplicação do direito federal no país pela excessiva limitação à jurisdição daquela Corte Superior em tema tão sensível quanto o da inteireza positiva da legislação fede-
ral infraconstitucional, em suas dimensões cíveis e criminais.” Por essa razão, Nabor Bulhões juntamente com outros juristas, verificando a dificuldade de sua rejeição, apresentaram proposta de alteração da PEC no 10/2017, em tramitação no Senado Federal, na época em que figurava como seu relator o Senador Rodrigo Pacheco, hoje Presidente do Senado Federal. Segundo o jurista, “com o objetivo de tentar preservar o núcleo do recurso especial como instituído pela Constituição de 1988 e atribuído à competência do STJ para garantir a inteireza positiva do direito federal infraconstitucional e a uniformidade de sua interpretação e aplicação em todo o território nacional.” Bulhões ressalta que a proposta apresentada ao Senado defende a necessidade de se estabelecer no próprio texto da emenda constitucional que venha a decorrer da eventual aprovação da PEC no 10/2017 hipóteses presumidas de relevância da questão federal infraconstitucional sempre que se tratar de “causa de natureza penal”,
“causa que verse sobre improbidade administrativa”, “causa cujo valor seja superior a quinhentos salários mínimos” e “causa que possa gerar inelegibilidade”, sem prejuízo de a lei ordinária vir a estabelecer outras hipóteses de presunção de relevância da questão federal. No tocante à polêmica quanto ao risco potencial de “estadualização” da interpretação do direito federal, com a instituição de um modelo de Arguição de Relevância radical como o aprovado na Câmara dos Deputados, o jurista Nabor Bulhões afirma que, ‘como se pode verificar da própria estrutura do Poder Judiciário concebida pela Constituição de 1988, nós não temos uma estrutura judiciária preparada e aparelhada para decidir de forma terminante e com segurança jurídica as questões de direito federal infraconstitucional no âmbito dos Estados, do Distrito Federal ou da Justiça Federal, razão por que a nossa Carta Magna concebeu a necessidade de um tribunal de superposição para exercer essa relevante função constitucional como está expresso em seu art. 105.
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DIREITO TRIBUTÁRIO
por Ariane Costa Guimarães
STJ e STF: Decisões Conflitantes em matéria Tributária
Ariane Costa Guimarães é Sócia do Mattos Filho Advogados, Co-fundadora do Elas Pedem Vista, Mestre e Doutora em Direito e Políticas Públicas Fiscais, Professora de Direito Tributário no UniCeub, foi visiting researcher em Georgetwn, Vice- presidente da Comissão de Reforma Tributária da OAB/DF, Vice- presidente do Comitê de Legislação da Câmara Americana de Comércio (AMCHAM), Vice- presidente da ABATDF.
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As discussões tributárias no Brasil são inúmeras e o papel do STJ e do STF é relevantíssimo na definição da diretriz jurisprudencial, seja estabelecendo a orientação das leis federais, seja exercendo o controle de constitucionalidade concentrado ou difuso, respectivamente. Neste contexto, temos visto cada vez mais conflito de competências entre as Cortes quando se trata de matéria tributária. Um recente exemplo diz respeito à incidência de contribuição previdenciária sobre o terço constitucional de férias. Sobre o tema, o STJ havia decidido, em repetitivo, que a respectiva rubrica não deveria ser tributada, por se tratar de verba indenizatória “[...] terço constitucional de férias tem por finalidade ampliar a capacidade financeira do trabalhador durante seu período de férias, possuindo, portanto, natureza ‘compensatória/indenizatória”. RESP 1230957, Rel. Min. Mauro Campbell. O próprio STF já havia afirmado que compete ao STJ a definição da natureza da verba (“Natureza jurídica das verbas percebidas pelo empregado, matéria infraconstitucional. Ausência de repercussão geral”. ARE 1260750, Rel. Min. Presidente, 2020). Anos depois, o STF sinaliza a eleição de um recurso representativo desta mesma controvérsia e decide julgar a questão. No final de 2020, para a surpresa de todo o sistema jurídico, o STF muda a orientação do STJ passando a prever a incidência do tributo sobre o terço constitucional de férias. Houve oposição de embargos de declaração, para requerer tanto a modificação do resultado do julgamento como a modulação de efeitos. Este exemplo revela um problema na delimitação da competência dos tribunais em matéria tributária. De um lado, o STJ julga em recurso especial as causas que contrariem tratado ou lei federal e o STF aquelas que conflitem com a Constituição. Muitas vezes, todavia, uma disciplina
tributária sobre materialidades de tributos ou conceituação de princípios possui assento tanto na Constituição como na legislação federal, fazendo com que ambos os tribunais julguem a mesma causa. Ocorre que esse conflito pode ser um problema, principalmente em razão da falta de segurança jurídica. Os litigantes, quando buscam o judiciário, obviamente esperam uma decisão favorável, mas, institucionalmente, o que se almeja é uma decisão segura e íntegra. O magistrado também objetiva fundamentar sua decisão em precedentes e, quando o faz, aguarda a manutenção do seu entendimento pelos tribunais. A instabilidade gerada por decisões conflitantes frustra todos os atores de um processo judicial e sistema jurídico. As decisões judiciais também têm uma função para além de solucionar o caso concreto. Este atributo da decisão judicial, quando ela provém de um tribunal superior, produz o efeito persuasivo no sistema. Em se tratando de deliberação judicial e repercussão geral ou recurso repetitivo o efeito é vinculante. Ou seja, definem e orientam comportamentos. Outro problema é o conflito negativo de competência judicial, ou seja, quando nenhuma das cortes superiores julga a demanda. A omissão decisória pode manter decisões conflitantes entre tribunais inferiores sobre o mesmo assunto. Isto é capaz de gerar, inclusive, violação da livre concorrência, na medida em que contribuintes submetidos a uma mesma legislação podem ter tratamentos diferentes. Assim, deve haver uma reflexão profunda do STJ e do STF na tomada de decisão, por meio de um estudo denso sobre o histórico decisório do seu próprio tribunal e de outras cortes. Além disso, os debates e o diálogo entre os representantes dos dois tribunais é providência mais do que urgente para o enfrentamento desta mazela que assola o sistema judiciário brasileiro.
A INSTABILIDADE GERADA POR DECISÕES CONFLITANTES FRUSTRA TODOS OS ATORES DE UM PROCESSO JUDICIAL E SISTEMA JURÍDICO
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DIREITO PENAL ECONÔMICO
por Gabriel Freire Talarico e Juliana Rodrigues Malafaia
A Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica na Reforma do Código Penal
Gabriel Freire Talarico e Juliana Rodrigues Malafaia são Advogados criminalistas e Sócios fundadores do escritório Freire & Malafaia Advocacia. 44
Atualmente na Comissão de Constituição e Justiça do Congresso Nacional, o Projeto de Lei do Senado n0 236/2012 prevê a reforma do Código Penal e, dentre tantas modificações controversas, destaca-se a inovadora responsabilidade penal da pessoa jurídica de direito privado. Para além do nítido problema na seletividade das pessoas jurídicas exclusivamente de direito privado como sujeito ativo de crime, existem questões maiores de dogmática e de criminologia que revelam a atecnia na criminalização das sociedades e fazem até parecer que o que se pretende com a norma é, na verdade, um punitivismo populista. Brevemente, pontuamos que, para as teorias da ação e da culpabilidade da forma como aceitas no Direito brasileiro, a conduta penalmente relevante deve ser consciente, voluntária e dirigida a um fim. Por óbvio, a pessoa jurídica é um ente fictício, ausente de consciência e de voluntariedade, sendo impossível cogitar que possa praticar condutas criminais. Fato é que, para além das questões dogmáticas, a própria lógica do Direito como ferramenta de solução eficiente de conflitos sociais se mostra incompatível com a ideia de criminalização da pessoa jurídica. Assim, um bom diálogo sobre o tema não pode iniciar sem a ponderação de que existe sim um interesse público, porém ineficiente e leigo, de punição por meio da aplicação
do Direito Penal como medida para resguardar a segurança pública. É a imagem ilusória, porém popular, de que criminalizar condutas protege e garante a ordem pública. Como bem pontua o Ministro Ricardo Lewandowski do Supremo Tribunal Federal, a proximidade histórica de um Estado autoritário nos impõe a missão de sempre lembrar que “[...] a incidência do Direito Penal nas situações da vida deve observar seu caráter subsidiário, de ultima ratio”. É certa a existência em nosso ordenamento de ferramentas mais céleres e eficazes na prevenção e combate dos prejuízos causados por qualquer CNPJ. Tomemos como exemplo a ação civil pública, o próprio processo administrativo ou até mesmo o processo civil. Lembrando sempre que a celeridade é fundamental para que o sujeito ativo do ilícito entenda por qual motivo está sendo responsabilizado e, assim, passe a orientar sua atividade de forma correta. É o que defendia David Hume em sua teoria da associação de ideias ao dizer que a consequência é melhor associada à causa quando há celeridade. Não se pretende aqui defender a impunidade da pessoa jurídica. Longe disso! O que temos por certo é a ineficiência e, por consequência, o descabimento do Direito Penal, por ser lento e caro, como ferramenta hábil para combater a criminalidade corporativa, pelo que outras ferramentas se mostram mais adequadas.
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DIREITO EMPRESARIAL
por Luis Vicente Magni De Chiara
Supressão de Garantia na Recuperação Judicial A supressão de garantia na recuperação judicial tem sido objeto de longos e profundos debates, especialmente sobre a necessidade de anuência expressa do credor nos casos em que a assembleia geral de credores aprova a supressão. De um lado, há quem entenda que a supressão de garantia possa ser realizada independentemente da anuência do credor, desde que a assembleia geral assim delibere. Essa posição tem fundamento no poder soberano da assembleia, previsto no artigo 48 § 20 da lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. “Art. 49 § 20. As obrigações anteriores à recuperação judicial observarão as condições originalmente contratadas ou definidas em lei, inclusive no que diz respeito aos encargos, salvo se de modo diverso ficar estabelecido no plano de recuperação judicial.” Segundo esta corrente, os poderes da assembleia seriam plenos e totais. Sendo a assembleia o principal órgão da recuperação judicial e tendo, por principal interesse, buscar a manutenção da atividade empresarial, poderia deliberar e aprovar a modificação das obrigações da empresa em recuperação. Assim, não só haveria a possibilidade de alteração do prazo, valor e forma de pagamento de uma obrigação contratual, mas também das garantias. Para os defensores desta posição, o poder seria tão amplo que abrangeria as garantias
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pessoais e reais, prestadas pela própria companhia ou por terceiros, ou seja, toda e qualquer garantia. De outro lado, há o entendimento, do qual me filio, de que, apesar de a assembleia ser soberana, não tem poderes ilimitados. Ela deve respeitar os preceitos constitucionais e as disposições legais. Dessa forma, a supressão da garantia, além de prevista e aprovada pela assembleia, está condicionada à expressa anuência do respectivo credor. É o que determinam os artigos 49 § 10 e 50 § 10 da lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Art. 49 § 10. Os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso. Art. 50 § 10. Na alienação de bem objeto de garantia real, a supressão da garantia ou sua substituição somente serão admitidas mediante aprovação expressa do credor titular da respectiva garantia. Outra não poderia ser a compreensão sobre o tema, pois nenhum poder é absoluto. Conforme se depreende da simples leitura dos referidos artigos, em especial do artigo 50 § 10, a própria lei de recuperação judicial estabelece a necessidade de anuência expressa do credor para supressão de garantia. Portanto, compreender de maneira diversa seria negar a vigência dos artigos. Assim, é necessário interpretar todos os dispositivos em conjunto. A assembleia geral de credores pode alterar as condições originalmente contratadas (prazo e forma de pagamento, por exemplo), mas com a ressalva feita às garantias, as quais somente poderão ser liberadas ou substituídas com a concordância expressa do respectivo credor. Além disso, é importante ressaltar que o artigo 49 § 10 prevê, expressamente, que os
credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso. Ou seja: as garantias fidejussórias prestadas por terceiros não são alcançadas pelas deliberações da assembleia geral. Nesse sentido, o próprio Superior Tribunal de Justiça já sumulou que “A recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das ações e execuções ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória” – (Súmula n0 581). Vale também destacar que liberar o bem de todos os ônus permitiria que a empresa realizasse novos contratos utilizando-os como garantia, sendo que, em caso de falência, seria inviável retornar a garantia à situação anterior ao pedido de recuperação judicial, entendendo que, com o insucesso da recuperação judicial, as garantias retornariam ao status quo. Isto posto, por todos os fatores mencionados, tem-se o entendimento de que a supressão de garantia na recuperação judicial está condicionada à expressa anuência do credor beneficiário.
Luis Vicente Magni de Chiara é Advogado, formado e Pós-graduado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/SP com LL.M. pela University of Virginia. Diretor Executivo de assuntos Jurídicos da Febraban.
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A Quarta Revolução Industrial é impulsionada por tecnologias emergentes, incluindo a internet das coisas (IOT), inteligência artificial, análise de dados avançados, automação de processos robóticos, robótica, computação em nuvem, realidade virtual e aumentada, impressão 3D e drones. E é a conectividade que permite que essas tecnologias avancem. Todo o potencial da Quarta Revolução Industrial será plenamente realizado por meio da implantação em larga escala de redes de comunicação 5G. A tecnologia 5G será fundamental porque permitirá níveis sem precedentes de conectividade, atualizando as redes 4G com cinco drivers funcionais principais: banda larga super-rápida, comunicação de baixa latência ultraconfiável, comunicações massivas do tipo máquina, alta confiabilidade/ disponibilidade e uso eficiente de energia. Juntas, essas características definidoras transformarão muitos setores, como os da indústria, agronegócio, saúde, educação, transporte, segurança pública, entre outros.
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Os investimentos em redes 5G chegarão a US $1 trilhão de dólares em todo o mundo até 2025, de acordo com o Groupe Speciale Mobile Association (GSMA), órgão que representa os interesses das operadoras de rede móvel em todo o mundo. Isso também prevê que o ciclo de investimento da rede 5G global será maior que 4G, indicando que a coexistência de 4G e 5G durará até 2030. O 5G é um habilitador de novas tecnologias porque se trata de uma crescente rede de dispositivos conectados e associados a uma incrível capacidade computacional, que, cada vez mais, é proporcionada pela nuvem e mais baseada em software do que em hardware. Para se ter uma ideia, em uma rede 4G é possível conectar 10 mil dispositivos por km quadrado, já na rede 5G esse número salta para 1 milhão de dispositivos por km quadrado. Isso significa uma nova dimensão nos setores produtivos da economia. 51
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EDITAL DO LEILÃO 5G NO BRASIL O país se organiza para lançar o maior leilão da história da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), previsto para até o final do primeiro semestre deste ano, que vai conceder o direito de uso de radiofrequências, em 4 faixas fatiadas em 700 MHz, 2.3GHz, 3.5GHz e 26GHz. As possíveis compradoras poderão ser as operadoras Vivo, Claro, Tim, Oi, Algar e também empresas como Highline, Digital Colony e BTG Pactual. Segundo o presidente da agência, Leonardo Euler de Morais, que comanda a operação, “Para o leilão, foram considerados dois pilares fundamentais: aumentar o nível de competição do setor, não só por melhores preços, mas também, por qualidade. Compromissos de investimentos ao invés de meramente objetivos arrecadatórios”. O Chief Executive Officer (CEO) da ANATEL destaca que todo o conjunto de ativos descritos no edital,ou seja, as faixas de 700MHz, 2,3GHz, 3,5GHz e 26 GBz, tem valor econômico em torno de 40 bilhões de reais, no entanto, não é sobre esse montante que o edital está sendo analisado pelo Tribunal de Contas da União (TCU). O que foi estipulado no edital como preço mínimo é o valor econômico de cada faixa, menos o respectivo custo dos compromissos dos investimentos. Leonardo Morais destaca que essa precificação é irrelevante perto das obrigações que constam no edital: “Pelo menos 90% disso vai ser de valor presente líquido negativo, ou seja, para compromisso de investimento que não tenha atratividade econômica financeira, e que portanto, não seriam realizados por uma liberalidade das empresas. Mais de 9 mil localidades não estão atendidas hoje porque são localidades deficitárias, não têm atratividade econômica financeira”. Apesar do edital ser popularmente conhecido como 5G, as faixas de 700MHz e 2,3GHz que já contam com o ecossistema de equipamentos disponíveis para o 4G, ainda não têm a estrutura da tecnologia 5G. Esse é o caso das rodovias, BR-163, BR-364, BR-242, BR-135, BR-101 e BR-116, estradas importantes no escoamento agropecuário e industrial, que receberão mais de 7 mil km de cobertura 4G.
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COMPROMISSOS DO EDITAL FAIXA 700MHZ E 2,3GHZ
COBERTURA 4G BRs 163, 364, 242,135,101 e 116 1.600 vilas, povoados e aglomerados com menos de 600 habitantes 415 sedes distritais 7796 localidades sem acesso
FAIXA 3,5MHZ E 26GHZ
COBERTURA 5G LOTE REGIONAL: Municípios abaixo de 30 mil habitantes e outros 121 municípios receberão backhaul LOTES NACIONAIS: Até 1 ano após o leilão Todas as capitais federais com no mínimo uma estação para cada 100 mil habitantes Adensamento ano a ano conforme escala populacional. Uma estação para cada 50 mil habitantes
LEONARDO EULER DE MORAIS, PRESIDENTE DA ANATEL
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LOTE REGIONAL A principal porta de entrada do 5G é a faixa de 3,5GHz que distribuirá a tecnologia, em cinco blocos de 80MHz, sendo 4 lotes nacionais e 1 lote regional. O lote regional receberá um backhaul, que é a infraestrutura de transporte de dados de alta capacidade. Dos 5.570 municípios no Brasil, 1060 não contam com essa infraestrutura, que é a fibra chegando à sede do município. A maior parte dela nas regiões Norte e Nordeste. LOTES NACIONAIS Para cada um dos blocos nacionais será necessário um aporte significativo de recursos para atender alguns objetivos do leilão em cumprir três determinações de política pública previstas na Portaria n0 1924/ SEI-MCOM, publicada pelo Ministério das Comunicações em janeiro deste ano. A primeira é a da criação de uma rede privativa para o Governo Federal, que segundo Fábio Faria, ministro das Comunicações, custará 1 bilhão de reais. Para a implementação, a empresa que irá construir, e a que irá operar deverão atender aos requisitos mínimos de segurança de governança corporativa, exigidos no mercado acionário brasi-
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leiro, e não será imposto nenhum tipo de restrição à utilização pelas vencedoras em suas redes de equipamentos de qualquer nacionalidade. O acesso à rede privativa será oferecido a outros poderes, para que também possam tratar de dados sigilosos com total segurança. A infraestrutura chegará em todos os estados por cabos de fibra ótica e ainda haverá uma rede móvel de segurança para o Governo no Distrito Federal, operando na faixa de 700MHz. A segunda determinação da portaria é sobre o Programa Amazônia Integrada e Sustentável (PAIS), que compõe o Programa Norte Conectado. Segundo a ANATEL, 1,5 bilhão de reais será destinado ao transporte de dados de alta capacidade na Amazônia. De acordo com MCom, uma das ações será a construção de uma infraestrutura de telecomunicações em fibra ótica subfluvial até o final de 2023, que possibilitará também maior integração com os países vizinhos. O secretário de Telecomunicações do MCom, Artur Coimbra, explica que na primeira fase do Norte Conectado, será construído um trecho que interligará Macapá (AP) a Santarém (PA), por meio de 750 km de cabos de fibra ótica. O cabeamento passará pelo leito do Rio Amazonas nas cidades
de Alenquer, Almeirim e Monte Alegre, todas no Pará. Na segunda etapa, o município de Santarém será ligado a Manaus (AM). Com isso, nós levaremos conectividade para escolas, universidades e hospitais locais. A terceira determinação da Portaria n0 1924/ SEI-MCOM trata das 26 milhões de famílias de baixa renda, inscritas no cadastro único, que acessam a TV aberta e gratuita por meio de antenas parabólicas pela banda C. Esse sistema será deslocado para a banda KU, com outro tipo de antena que as famílias receberão gratuitamente. Para fazer a substituição dessa tecnologia, o edital prevê um custo de 2,2 bilhões de reais. Essas três determinações de política pública, previstas na portaria e contidas no edital, serão atendidas por meio de um aporte financeiro na Entidade Administradora da Faixa (EAF), que será constituída pelas prestadoras vencedoras e supervisionada pela ANATEL. O Edital tem metas robustas de compromisso de investimentos até 2028. E para isso a implantação do 5G, nos lotes nacionais, começa imediatamente após a licitação pelas capitais federais, de acordo com a maior população. No caso dos lotes regionais a previsão do início é para 2026.
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INFRAESTRUTURA 5G A Associação Brasileira de Infraestrutura para Telecomunicações (ABRINTEL) é a associação das empresas detentoras das torres de celular, que atualmente totalizam 70 mil no Brasil, destas, 70% delas de associados da ABRINTEL. De acordo com a Associação, para o funcionamento da tecnologia 5G no país será necessário cinco vezes mais antenas do que se tem hoje na tecnologia 4G. No entanto, quando se fala de antenas, é importante diferenciá-las da infraestrutura que faz o suporte delas, como por exemplo, a torre, o poste ou o topo de um edifício. Luciano Stutz, presidente da ABRINTEL, esclarece que serão necessárias duas a três vezes mais infraestruturas “[...] para receber cinco vezes mais antenas. Porque a infraestrutura existente hoje no Brasil vai ser utilizada também no 5G, mas será necessário implantar mais antenas para irradiar o sinal dessa nova tecnologia”. Estão previstos dois tipos de implantação. O primeiro será em locais de nova cobertura, ou seja, onde ainda não existe a cobertura do serviço será implantada a infraestrutura para receber a nova antena e consequentemente a nova cobertura. O segundo tipo de implantação é chamado de cobertura de adensamento, que significa aplicação de mais antenas na mesma área para ter o aproveitamento total da potencialidade do 5G. Mas o grande desafio da implantação de infraestrutura do 5G no Brasil, de acordo com Stutz, são as restrições aplicadas pelas legislações. “A ABRINTEL entende que hoje a grande questão a ser discutida não é de investimento, não é também de qual fornecedor vai ser de que tecnologia, mas realmente da necessidade da modernização das leis municipais, para que a gente tenha de fato, condição e segurança jurídica para investir”. A previsão de investimento no ciclo do 5G é de 6 bilhões, só no Brasil, em torres, mastros e postes para suportar as antenas necessárias. Um exemplo é a cidade de São Paulo, que segundo Stutz vai demandar a maior implantação de 5G no país, entretanto o estado tem atualmente mais de dois mil protocolos na prefeitura, sem respostas, por restrições impostas por lei de 2004, completamente desatualizada, diante da evolução tecnológica.
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E para o 5G funcionar, será preciso instalar antenas em torres, postes, fachadas de prédios, mobiliário urbano, entre outros. Caso contrário, o não aproveitamento da tecnologia compromete o resultado esperado. Algumas cidades, como o Rio de Janeiro, saíram à frente e já conseguiram modernizar a legislação municipal. Em iniciativa inédita no Brasil, o estado fluminense está fazendo essa atualização coletiva em todos os municípios. Por meio da Lei estadual n0 9.151, de dezembro de 2020, foi criado o Programa de Estímulo à Implantação das Tecnologias de Conectividade Móvel, que incentiva todos os municípios fluminenses a modernizar a legislação de implantação de infraestrutura, com base em texto padrão para todos. Outro avanço, no âmbito federal, importante para a implantação da infraestrutura 5G, segundo Stutz, foi a recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a Lei de Antenas. A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI n0 6.482) discutiu a proibição de cobrar das concessionárias de serviços de telefonia e TV a cabo pelo uso de vias públicas para instalação de infraestrutura e redes de telecomunicações. O relator, Ministro Gilmar Mendes, defendeu a constitucionalidade dessa política pública federal de isentar o direito de passagem. Ao votar pela improcedência da ação, o ministro Gilmar Mendes afirmou que a matéria tratada no dispositivo questionado tem inequívoco interesse público geral e se insere no âmbito da competência privativa da União para legislar sobre telecomunicações.
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REFLEXOS DO 5G NO AGRONEGÓCIO Um dos setores que mais esperam por tecnologia é o do agronegócio. Não necessariamente a 5G, mas principalmente nos locais onde não existe sequer o 4G. Joaci Medeiros, coordenador técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) explica que “Qualquer tecnologia é bem-vinda no campo, porque as informações mais básicas de comunicação, como usar o WhatsApp, ou emitir uma nota fiscal, não precisam esperar o 5G, a tecnologia 4G já atende à cadeia produtiva do campo muito bem”. O problema é a falta de conectividade. De acordo com a CNA, atualmente, 5 milhões de propriedades rurais são heterogêneas em necessidades e nos seus tamanhos também. Elas se classificam como 90% pequenas, 9,5% médias e 0,5% grandes. Dessas, 3,6 milhões não têm nenhum ponto de conexão. Segundo Joaci, esse elevado percentual de pequenas propriedades não interessa às empresas de telecomunicações, porque quanto menor a densidade populacional somado ao alto custo de investimento, menos atrativo é para as empresas. Joaci explica que o edital da ANATEL é muito bem-vindo, pelo fato da obrigatoriedade do investimento no 4G levar indiretamente o 5G ao campo. Dessa forma, o produtor terá acesso à educação, saúde e à exposição elevada do produto, entre outros ganhos. Estudos de impactos da chegada da tecnologia no campo, realizados pela CNA, apontam que o crescimento da eficiência produtiva no agronegócio será de, no mínimo, vinte a trinta por cento. 59
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DIREITO DIGITAL
por Daniel Stivelberg
Princípios para o Tratamento de Dados Pessoais Os princípios de proteção de dados pessoais norteiam as organizações na concepção e implementação da governança e das iniciativas de tratamento de dados pessoais. Uma arquitetura de proteção de dados bem estabelecida evidencia um uso consciente e responsável de dados pessoais. É incumbência dos agentes de tratamento de dados a articulação adequada dos princípios de modo a conferir aos titulares dos dados a possibilidade real de exercitarem seus direitos, mitigando-se, para a organização, eventuais riscos de privacidade. Nesta coluna, e nas próximas, vamos apresentar os principais princípios de proteção de dados pessoais introduzidos por meio do artigo 60 da Lei n0 13.709, de 14 de agosto de 2018, também denominada de Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Historicamente, o surgimento das melhores práticas de tratamento de dados pessoais aconteceu nos Estados Unidos, ainda em 1973, quando o Departamento de Saúde, Educação e Bem-Estar publicou relatório contendo o que veio a ser denominado de Fair Information Practice
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Principles (FIIPs). Ali foram delineados alguns princípios que deveriam ser observados pelas instâncias de governo para o tratamento de dados pessoais de cidadãos em sistemas automatizados com o propósito de incutir, nos órgãos da administração, precauções para se evitar o uso inapropriado de informações pessoais. O FIPP influenciou regulamentações futuras sobre o tema em todo o mundo e tinha como principal centro de preocupação a transparência das atividades governamentais intensivas em dados pessoais. Em linhas gerais, definiu-se que (i) a existência de um sistema de registro de informações pessoais não poderia ser mantida em segredo; (ii) que uma pessoa deveria ter condições de saber quais informações sobre ela estão registradas e como elas são utilizadas; e (iii) que uma pessoa deveria ser capaz de corrigir ou retificar um registro sobre si. Um dos principais pontos de preocupação quando da edição do FIPP de 1973 foi a necessidade de salvaguardas a respeito do uso secundário de informações pessoais. A alteração do propósito original para o qual o dado foi coletado precisaria ser, de alguma forma, informada ao titular que deveria ter condições de consentir com a nova finalidade. Esse princípio veio a ser denominado de princípio da finalidade ou da especificação do propósito, e representa o corolário dos princípios específicos de tratamento de dados pessoais, presente, inclusive, no artigo 60,
I da LGPD. O uso secundário não informado de informações pessoais frustra a expectativa das pessoas e representa uma quebra de confiança na relação entre o agente de tratamento e o titular. Além do princípio da finalidade acima nominado, o artigo 60 da LGPD elenca outros princípios a serem observados pelos agentes de tratamento, a saber: os princípios da adequação, da necessidade, do livre acesso, da qualidade, da transparência, da segurança, da prevenção, da não discriminação e da responsabilidade e prestação de contas. O conteúdo desses princípios deve, adicionalmente, ter por objetivo a observância dos princípios gerais informadores do arcabouço jurídico de proteção de dados definidos no artigo 20 da LGPD, sendo o respeito à privacidade, à autodeterminação informativa, à liberdade de expressão, à dignidade da pessoa humana e o desenvolvimento econômico, tecnológico e a inovação alguns de seus principais fundamentos. Dito isto, convido o leitor e a leitora a acompanharem as próximas colunas nas quais vamos discorrer sobre os principais incisos do artigo 60 da LGPD em busca da elucidação de conceitos tidos como fundamentais para as organizações, públicas ou privadas, que executam suas atividades a partir do uso intensivo de dados pessoais.
Daniel T. Stivelberg é EncarregadoAdjunto de Proteção de Dados (DPO), Gerente de Relações Governamentais e Secretário do GT de Governança de Dados e do Comitê de Ética e Conformidade da Brasscom. É mestrando em Direito Constitucional no IDP, Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa, pesquisador voluntário do CEDIS, Centro de Estudos de Direito, Internet e Sociedade, também no IDP, e Diretor Acadêmico de Direito Digital do IEJA, Instituto de Estudos Jurídicos Aplicados. Stivelberg é especialista em Relações Internacionais pela UnB e em Direito Constitucional pelo nominado IDP. Possui bacharelado em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba e em Relações Internacionais pelo Unicuritiba.
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C O M A P A L AV R A
Os impactos
da covid-19
na economia Maílson da Nóbrega, paraibano de Cruz do Espírito Santo, economista do ano em 2013, consultor, foi ministro da Fazenda no período 1988/1990, depois de longa carreira no Banco do Brasil e no setor público. Presidiu o Conselho Monetário Nacional e o Confaz. Foi Diretor-Executivo do European Brazilian Bank (Eurobraz), em Londres. Representou o Brasil no Board de Governadores do Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional e do Banco Interamericano de Desenvolvimento. Tem seis livros publicados e é membro do conselho de administração de várias empresas brasileiras.
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C O M A P A L AV R A
QUAL A SUA AVALIAÇÃO DO IMPACTO DA COVID-19 NA ECONOMIA BRASILEIRA?
A Covid-19 tem sido a principal causa da desaceleração da economia brasileira, tendo em vista os efeitos decorrentes de interrupções da atividade econômica e da queda de confiança quanto ao futuro imediato, que influencia negativamente o consumo e o investimento. DE QUE FORMA A CADEIA NA CIONAL PRODUTIVA ESTÁ SENDO AFETADA ECONOMICAMENTE?
A pandemia tem acarretado tendências heterogêneas na economia. Enquanto a indústria e a agropecuária operam em níveis superiores ao início da crise sanitária, os serviços são os mais afetados pelas restrições à mobilidade. O segmento depende das relações interpessoais e de atividades que geram aglomerações, como comparecimento a restaurantes, cinemas, teatros e estádios. A demanda de serviços por parte da indústria esteve longe de compensar essa situação. A recuperação dos serviços estará sujeita aos esforços de vacinação em massa. Tudo indica que o setor pode recuperar-se a partir do segundo semestre. QUAL É A POLÍTICA ECONÔMICA ADEQUADA PARA O BRASIL SE RECUPERAR DESSE IMPACTO?
Não há o que fazer, no curto prazo, além do que já vem realizando a equipe econômica: adotar medidas para assegurar renda aos segmentos menos favorecidos (auxílio emergencial), manter o programa de amparo aos trabalhadores formais via redução da jornada de trabalho associada a redução de salários e compromisso de manutenção de empregos. Na primeira versão desse programa, foram preservados cerca de 11 milhões de postos de trabalho. Linhas de crédito para apoiar empresas e evitar o desaparecimento de grande parte delas também estão na direção certa. No longo prazo, o desafio é realizar reformas estruturais que contribuam para elevar a produtividade e o potencial de crescimento da renda e do emprego. QUAL É A AVALIAÇÃO DO BRASIL NAS RELAÇÕES ECONÔMICAS MUNDIAIS? COMO AVANÇAR NESSE SENTIDO?
O Brasil perdeu muito de sua imagem no mundo ao longo do atual período de governo, o que prejudicou o nosso soft power, reduzindo gravemente o prestígio que havíamos acumulado no campo ambiental. Isso afeta as chances de atrair investimentos e as expectativas do mundo em relação ao nosso futuro. Felizmente, a capacidade produtiva e a competitividade do agro-
negócio, ao lado da demanda firme de seus produtos pela China, tem sustentado em níveis adequados, nas atuais circunstâncias, algo como 21% do PIB, que é a participação do setor na economia brasileira. Podemos também contar com um sistema financeiro sólido e vitoriosas experiências empresariais. Por fim, o agronegócio tem garantido níveis de exportação que asseguram situação tranquila de nossas contas externas. Não vejo como essa situação possa melhorar neste governo, infelizmente. É preciso, pois, agir e alimentar a esperança de mudança nas eleições de 2022.
O DESAFIO É REALIZAR REFORMAS ESTRUTURAIS QUE CONTRIBUAM PARA ELEVAR A PRODUTIVIDADE E O POTENCIAL DE CRESCIMENTO DA RENDA E DO EMPREGO
QUAL É A PERSPECTIVA DA ECO NOMIA BRASILEIRA?
Muito vai depender da nossa capacidade de realizar reformas estruturais para restaurar as chances de elevação permanente da produtividade e do potencial de crescimento da economia. É isso que poderá resgatar o Brasil da armadilha da renda média, que nos mantém prisioneiros, nos últimos anos, de uma economia estagnada ou de baixo crescimento. Felizmente, o país dispõe de condições para vencer esse complexo desafio. Muito dependerá dos líderes que escolhermos nas próximas eleições. Ainda é possível manter um otimismo cauteloso em relação ao futuro da economia brasileira. 67
DIREITO CONSTITUCIONAL
por Christine Peter e Melina Fachin
Constitucionalismo Feminista O constitucionalismo feminista é um movimento acadêmico que reúne professoras e pesquisadoras do direito constitucional de vários países com o objetivo de ressignificar os cânones epistemológicos, teóricos, metodológicos e dogmáticos do constitucionalismo na tradição contemporânea. O constitucionalismo tradicional foi – e ainda é em alguma medida – um movimento sem mulheres. Nós fomos excluídas, marginalizadas, invisibilizadas e silenciadas. O direito constitucional foi, desde a modernidade, construído e projetado para um sujeito abstrato de sexo bem definido: o masculino. O discurso constitucional nasce, no contexto das revoluções liberais do final do século XVIII
Christine Peter é Doutora e Mestra em Direito, Estado e Constituição pela UnB. Professora Associada do Mestrado e Doutorado em Direito das Relações Internacionais do Centro Universitário de Brasília UniCeub. Pesquisadora do Centro Brasileiro de Estudos Constitucionais ICPD/UniCeub, Assessora de Ministro do Supremo Tribunal Federal. 68
e assim se mantém, até nossos dias, indiferente às diferenças refletidas no tratamento díspar no acesso a serviços e bens, trabalho, segurança, participação política e mesmo na estrutura e formação do direito (BAINES, BARAK-EREZ e KAHANA, 2012). O direito constitucional clássico é, portanto, um direito de exclusões. É um campo a ser transgredido – no sentido de atravessar, ir além dos limites. O desafio do constitucionalismo feminista é justamente quebrar o silêncio imposto às mulheres por tanto tempo na teoria constitucional e nos espaços de poder que definem a Constituição. Precisamos construir uma história constitucional que nos inclua, uma Constituição
Melina Fachin é Professora Adjunta dos Cursos de Graduação e Pós Graduação da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná. Estágio de pós doutoramento pela Universidade de Coimbra no Instituto de direitos humanos e democracia (2019/2020). Doutora em Direito Constitucional, com ênfase em direitos humanos, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Visiting researcher da Harvard Law School (2011). Mestre em Direitos Humanos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
na qual nossa história possa ser contada em primeira pessoa (SOLNIT, 2020). A denúncia de que os paradigmas contemporâneos revelam-se inadequados e insuficientes para o século XXI, porque coloca apenas uma parcela da humanidade – homens, brancos, ricos e colonizadores – como referência de universalidade, já está posta, porém é ainda urgente a conscientização das cidadãs e dos cidadãos de que a igualdade, especialmente a de gênero, como princípio fundamental estruturante de nossa sociedade constituída, somente poderá ser uma realidade diante do inexorável respeito ao outro e ao diferente. Confrontada pela provocação feita por Donna Greschner (1986), ao questionar se as Constituições também são feitas para as mulheres, é possível perceber, sem muito esforço investigativo, que a resposta afirmativa, automática e solene, vai perdendo força à medida em que os dados estatísticos globais anunciam a insatisfatória e persis-
tentemente ínfima participação das mulheres nos processos constituintes, na ocupação de cadeiras dos parlamentos nacionais e nas funções judicantes das supremas cortes dos diferentes períodos históricos dos mais diversos países, não sendo diferente no Brasil. Para edificar um constitucionalismo feminista é necessário o protagonismo das mulheres. Afinal, nada sobre nós será pensado sem a nossa participação. Assim, o primeiro passo que se coloca é de evidenciar as mulheres que fizeram e fazem o direito constitucional em cada fase histórica e em cada realidade geopolítica. É, em certa medida, um exercício de resgate constitucional das constitucionalistas que foram marginalizadas, silenciadas, recusadas e olvidadas. Recompor esta paisagem feminal do direito constitucional, para além de fazer justiça com legado de importantes pensadoras como Mary Wollstonecraft, Olympe de Gouges, Bertha Lutz e Rosah Russomano, nos inspira para avançar. 69
MUHERES EM AÇÃO
Elas pedem
vista
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Tudo começou quando a advogada Ana Carolina Bastos se perguntou: “Por que um ambiente tão masculinizado na advocacia, tanto no âmbito das organizações, quanto das participações?” E a indagação tornou-se uma decisão: [...] em uma palestra, eu quero ver as mulheres falando, participando e sendo convidadas para publicar. Então, o que falta? A gente percebe, e eu tenho eco nessa minha vontade de ver mais mulheres participando, mas de fato, isso não se converte na prática. Ao perceber que a vontade dela era, até certo ponto, um desejo comum, Ana Carolina convidou as amigas mais próximas para buscar a solução desse desafio. Em 2017, um grupo de 11 advogadas abraçaram a causa e decidiram movimentar a participação feminina no Poder Judiciário e contribuir mais, com base nas experiências pessoais de cada uma delas. E sobre essa causa, a luta por um maior protagonismo feminino foi declarada como: Elas Pedem Vista. Com um tom de diálogo, conciliação e parceria, o intuito é de ampliar a presença da mulher,
não apenas em discussões sobre o gênero, mas, principalmente, onde o mundo jurídico deveria ser mais plural, como por exemplo na participação de decisões sobre temas puramente tributários e constitucionais. A partir daí, elas começaram a ganhar vista, e também uma coluna de artigos semanais! O espaço conquistado em um site especializado sobre temas jurídicos ampliou o time de parceiras, formado atualmente por 44 juristas, divididas em 11 grupos temáticos. Cada um com quatro participantes que atuam como juízas, promotoras e advogadas. E seguindo a proposta de uma extensa visibilidade, as juristas e magistradas abordam uma amplitude de temas sobre: Direito Administrativo, Direito Civil, Direito Constitucional, Direito Econômico, Direito Eleitoral, Direito Empresarial, Direito Penal, Direito Processual Civil e Processo Constitucional, Direito Trabalhista, Direito Tributário e Relações Governamentais. No entanto, o espaço na mídia foi só o começo. Era preciso interagir, ampliar as vozes, refletir e discutir sobre temas relevantes. E o caminho escolhido para isso foi a criação do Clube de Leitura, que é aberto
NÓS QUEREMOS FAZER PARTE NÃO SÓ DO DIAGNÓSTICO, MAS TAMBÉM DA SOLUÇÃO DOS PROBLEMAS QUE NÓS GOSTARÍAMOS DE MUDAR NA NOSSA SOCIEDADE
ANA CAROLINA BASTOS, ADVOGADA.
EM PÉ À ESQUERDA, ADRIELE BRITTO, CRISTINA NEVES, DEBORAH CARVALHIDO, FLÁVIA GUTH, ANA CAROLINA MAGALHÃES, MANUELA FALCÃO, ARIANE GUIMARÃES, CAROL CAPUTO, JÚLIA DE BAÉRE, BÁRBARA LÔBO
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MUHERES EM AÇÃO
UM EXEMPLO DO QUE PRECISA MUDAR É O QUE OCORRE NA OAB, QUE, EM 90 ANOS DE EXISTÊNCIA, NUNCA ELEGEU UMA MULHER NA PRESIDÊNCIA
ANA CAROLINA BASTOS, ADVOGADA.
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ao público e promove a leitura de um livro por mês e abre espaço para debater os temas. Para Ana Carolina a discussão literária possibilita a pluralidade que é, também, um dos objetivos do movimento. A busca por igualdade de uma sociedade mais justa é o que nos move. Ela tem os seus desafios. E por quais caminhos a gente deveria andar? Então a gente pega um pouco essa parte da literatura. A gente já leu muitos livros feministas sobre a pauta racial, que misturam, às vezes, essa questão econômica do porquê da desigualdade racial. CARTILHA: BOAS PRÁTICAS SOBRE PARENTALIDADE NA ADVOCACIA Com três anos de existência, o projeto já promoveu vários eventos, rodas de conversas, enquetes pela internet. Daí surgiram muitos depoimentos de mulheres que tinham dificuldades de conciliar os cuidados com a família e a carreira jurídica. E diante dessa percepção, o Elas Pedem Vista, em parceria com a Consultoria Filhos no Currículo e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), criaram a cartilha Boas Práticas Sobre Parentalidade na Advocacia, que foi lançada em março, em evento on-line do Superior Tribunal de Justiça.
A cartilha reúne uma série de ações positivas para atender às demandas de mães e pais que atuam na advocacia, a exemplo de orientações sobre pausas para amamentação e flexibilidade de horário no acompanhamento de filhos em exames médicos. Para advogados públicos e celetistas, a lei estabeleceu as regras a serem observadas. Com relação aos sócios e associados, contudo, há pouco entendimento a ser compartilhado. Segundo Ana Carolina, o apoio a iniciativa da cartilha, por parte dos escritórios de advocacia que são referência, no país, pode ser um motor nessa mudança que favorece todos os envolvidos no processo: “Nós queremos fazer parte não só do diagnóstico, mas também da solução dos problemas que nós gostaríamos de mudar na nossa sociedade. E que agente vá encontrando mudanças em nós mesmos no meio desse caminho”. Para Ana Carolina, um dos desafios dessa mudança é dar visibilidade às próprias mulheres que já alcançaram os lugares de destaque, para que percebam que outras também precisam ocupar esse espaço como protagonistas do Poder Judiciário. Um exemplo do que precisa mudar é o que ocorre na OAB, que, em 90 anos de existência, nunca elegeu uma mulher na presidência.
ANA CAROLINA MAGALHÃES, DEBORAH CARVALHIDO, JÚLIA DE BAÉRE, CAROL CAPUTO, CRISTINA NEVES, GABRIELA ROLLEMBERG, BÁRBARA LÔBO, MANUELA FALCÃO E FLÁVIA GUTH.
No caso dos Tribunais Superiores, as mulheres ocupam, no máximo, 18% das cadeiras nas cortes. No Supremo Tribunal Federal, dos 11 ministros, duas são mulheres, no Superior Tribunal de Justiça, dos 33 ministros, apenas seis são mulheres, e no Superior Tribunal Militar, dos 15 ministros, uma é mulher. De acordo com Ana Carolina, o olhar feminino é fundamental para a democracia:
“A gente começou a ver até como o impacto da democracia, na prescrição jurisdicional, seria importante que essas mulheres passassem a ocupar mais cadeiras no poder judiciário, porque elas trazem perspectivas diferentes. Não tem como você separar o ser humano do julgador, mistura um pouco essa figura. A gente quer que mais mulheres estejam na decisão do poder Judiciário”.
PARA BAIXAR A CARTILHA ACESSE WWW. ELASPEDEMVISTA.COM.BR
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ELAS NO PODER
A violência
contra a mulher Em Seminário realizado pelo IEJA em 23 de julho de 2020 sobre o Enfrentamento à Violência contra as mulheres, a Ministra Cármen Lúcia compartilhou sua visão e seu sentimento como mulher, numa posição de poder. Ela iniciou sua fala dizendo o quanto aprende, diariamente, com as mulheres que sofrem, que batalham para acabar ou melhorar esse sofrimento e quão melancólico é chegar no ano 2020 ainda precisando discutir o tema da violência contra a mulher e conclamou: “Precisamos encontrar forças, dentro de cada uma de nós, para continuar a luta. Para que, um dia, nossas meninas de hoje não tenham que continuar utilizando espaços como este para discutir uma questão que devia ser ultrapassada desde o marco civilizatório da humanidade”. A ministra enxerga a violência contra a mulher como um sintoma ou efeito “do preconceito, da discriminação, do não querer ou do não acreditar sequer que a mulher seja um ser humano igual ao outro” e, ao ter consciência desse preconceito, o próprio Poder Constituinte, em 1988, decidiu explicitar, na própria Constituição Federal,
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que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”. Esse dispositivo, resultado direto do preconceito e machismo da nossa sociedade, segundo a Ministra, foi objeto de muito deboche: se já consta que todos são iguais no caput, por que chamar atenção e repetir no inciso? Ao que a Ministra responde: “Justamente porque é necessário, juridicamente, cobrir uma deficiência social, um déficit social de igualdade. Não há dúvidas que temos uma sociedade que desiguala, não há dúvidas que há mulheres que são mais desigualadas ainda. Não há dúvidas de que lésbicas, gays e trans sofrem preconceito”. Tão necessário, que mesmo expresso na CF, esse preconceito ainda persiste, muito forte na sociedade. E, contra ele, existem vários movimentos sociais, inclusive no Poder Judiciário, como a campanha “Justiça pela Paz em Casa”, que busca não a igualdade, mas a igualação dentro dos lares brasileiros. A criação da Lei Maria da Penha, em 2006, foi um avanço nessa proteção tão necessária às mulheres, mas ainda há muita luta pela implementação
A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER É UM EFEITO DO PRECONCEITO, DA DISCRIMINAÇÃO, DO NÃO QUERER OU DO NÃO ACREDITAR SEQUER QUE A MULHER SEJA UM SER HUMANO IGUAL AO OUTRO
MINISTRA CÁRMEN LÚCIA, MINISTRA DO STF.
da mesma e a violência contra a mulher ainda causa homicídios como o da Vereadora Marielle, que após dois anos ainda não foi solucionado. A Ministra, ao tratar sobre o assunto, ensina que “O Estado é infrator não poucas vezes, pois ele não tem o direito, mas o dever de ser eficiente, e isso está expresso no artigo 37 da Constituição Federal. E ser eficiente é fazer o que for necessário para conseguir a finalidade determinada pelo direito”… “e essas ideias preconceituosas são muito graves porque são violentas, porque matam e, enquanto o Estado deve se formar para garantir a vida, nós matamos mulheres”. Segundo a Ministra, a única forma de, realmente, acabar com esse preconceito é a educação: “É necessário educar no sentido de maior humanidade, mais dignidade e responsabilidade para alcançarmos a liberdade que a Constituição nos assegura” e o debate, para quebrar o silêncio, que “é uma forma de agressão imposta à mulher, imposta à criança, que impede até a formulação, muitas vezes, de políticas públicas mais eficientes, pois não se ouve a sociedade”. “Debates como esse são muito importantes porque enquanto a doença está escondida, ninguém procura remédio para ela. O silêncio é um aliado do agressor”.
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DIREITO PENAL
por Miguel Pereira Neto
Lavagem de Ativos e o Dever de Informar pela Advocacia
Miguel Pereira Neto é Advogado. Graduado com Especialização em Direito Empresarial e Mestre em Processo pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo; Sócio Fundador do escritório Lacaz Martins, Pereira Neto, Gurevich & Schoueri; Coordenador Acadêmico de Direito Penal Empresarial do IEJA; membro da NGO in Special Consultative Status with the Economic and Social Council of the United Nations, da NGO Associated with the Department of Public Information of the United Nations e da UNESCO. 76
Estão na essência do crime de lavagem de ativos práticas sofisticadas aptas a dissimular origem ilícita de bens. Com isso, os ordenamentos nacionais vêm dispondo, cada vez mais, de ferramentas com vistas a enfrentar esta prática pela via da prevenção. Nesse sentido, a lei brasileira que dispõe sobre os crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores (Lei n0 9.613/1998) prevê, no artigo 90, inciso XIV, que devem fornecer informações “[...] pessoas físicas ou jurídicas que prestem, mesmo que eventualmente, serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência, de qualquer natureza”. Muitas dessas atividades são exercidas pela advocacia. Daí a dúvida se o advogado ou a advogada também possuiriam o dever de informar e como ficaria o dever de sigilo profissional diante disso. O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) aprovou, em 2013, a Resolução n0 24 no sentido de que só estariam sujeitas a seu cumprimento “as pessoas físicas ou jurídicas não submetidas à regulação de órgão próprio regulador”. Portanto, cabe à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) regulamentar esta questão. Nesse sentido, tramita no Conselho Federal da OAB proposta de provimento para “instituir medidas de prevenção à lavagem de dinheiro para advogados e sociedades de advogados”, a fim sobretudo de não deixar qualquer margem para uma ilegítima criminalização do lícito exercício da advocacia e do correlato recebimento de honorários. Não obstante a OAB esteja trabalhando para regulamentar, até então o vácuo regulatório ensejou inúmeros projetos de lei que foram barrados, como o PL n0 442/2019, que “Determina a punição, por lavagem de dinheiro, de advogado que receber honorários de origem ilícita”, dada sua flagrante inconstitucionalidade.
Ora, advogado ou advogada que recebem honorários profissionais, ainda que provenientes de recurso obtido de maneira ilícita (pelo cliente), não age com a finalidade de ocultar, dissimular ou dificultar a localização do produto do crime; mas somente de receber justa contrapartida pela prestação de serviço legalmente autorizado e essencial à Justiça. É claro que cumpre ao advogado observar as obrigações decorrentes de tal recebimento, como emitir Nota Fiscal, empregar os recursos a suprir os custos do processo e efetivamente cumprir o munus dos atos de defesa, frente à desproporcional força estatal. A proposta de provimento da OAB apresenta três capítulos: princípios gerais de prevenção à lavagem; honorários profissionais; e dever de comunicar operações suspeitas. Este dever cinge-se aos que exercerem atividades não privativas da profissão, notadamente aquelas previstas no inciso XIV, do artigo 90, da lei da lavagem. Destarte, mantém-se a inviolabilidade do sigilo profissional relacionado às atividades de mera consulta jurídica ou emissão de pareceres; de representação em processos judiciais, administrativos, fiscais, arbitrais, de conciliação ou mediação, inclusive as atividades de consultoria, aconselhamento, assessoria sobre o início ou a evitação de um litígio ou procedimento de qualquer natureza, bem como as garantias fundamentais e as prerrogativas da advocacia. Para finalizar, um post sriptum: Não são poucas as vezes em que a genérica indisponibilidade de bens inviabiliza a defesa eficaz. Nessa hipótese, faz-se necessário segregar e reservar valores suficientes ao seu pleno exercício; pois, além de representar título executivo definitivo e preferir a decisão precária, é inerente à paridade de armas. Afinal, não cabe impedir o direito à ampla defesa de forma oblíqua, tolhendo a liberdade de se escolher a quem pela confiança será outorgado o mandato. 77
DIREITO ELEITORAL
por Túlio da Luz Lins Parca
O Combate às Fake News e as Eleições Majoritárias de 2022
Thompson, J. B. (2011). A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia (12a ed.). Rio de Janeiro: Ed. Vozes, 2011, p. 197. 1
Castells, M. (2009). Communication Power. New York: Oxford University Press, p. 25, tradução livre do autor). 2
WANDLE, Claire. Disponível:https://jornaldoradialista. com.br/noticias-falsas-e-pos-verdade-o-mundo-das-fake-news-e-da-desinformacao/. 2
4 Visto em: http://www.bmjv. de/SharedDocs/Gesetzgebungsverfahren/Dokumente/ BGBl_NetzDG.pdf;jsessionid=298F62CB016563BF16F61F3AA0701AE0.1_cid334?__blob=publicationFile&v=2. 5 Visto em: https://www.senate. gov.ph/lis/bill_res.aspx?congress=17&q=SBN-1492. 6 Visto em: https://www. tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2020/Outubro/ eleitor-conta-com-varios-canais-para-denunciar-fake-news-e-outras-irregularidades-nas-eleicoes-2020.
Visto em: https://noticias.uol. com.br/eleicoes/2020/11/13/ presidente-do-tse-diz-ver-reducao-de-fake-news-nessas-eleicoes.htm 7
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O processo eleitoral é norteado por princípios constitucionais, que garantem a lisura na formação da vontade política para o exercício pleno da soberania popular, mediante o sufrágio universal. É nesse sentido que a Constituição confere os princípios da moralidade e da probidade no jogo eleitoral (art. 14, 090, CRFB), a fim de assegurar que o mandato eletivo deve ser obtido e exercido a partir de padrões éticos aceitos pela sociedade em geral. Nesse contexto, verifica-se que a desinformação ou a manipulação de notícias falsas promovem severos prejuízos ao processo democrático, por desvirtuar a vontade popular, de acordo com os interesses escusos e desonestos de determinados grupos. Além disso, as notícias fraudulentas repercutem na própria cidadania, retirando do cidadão a possibilidade de acompanhar a realidade política do Estado, dos seus representantes, bem como das propostas dos candidatos aos cargos eletivos em período eleitoral. Tal prática é quase impossível de ser totalmente evitada. Isso porque o avanço tecnológico e o desenvolvimento das redes sociais diminuíram a distância entre os indivíduos, permitindo a comunicação célere e efetiva entre as pessoas, razão pela qual a sociedade se transformou num sistema interativo de comunicação cons-
tante, conforme a lição do professor estadunidense John Thompson1”. É no contexto de auto-comunicação de massa, no qual os usuários das redes sociais se converteram em emissores e receptores de informações, que surge o debate a respeito das Fake News. Estas podem ser compreendidas como as notícias ou mensagens fraudulentas, imprecisas ou enganadoras, criadas para “ocasionar prejuízo de maneira proposital ou para fins lucrativos ”. Por esse motivo, diversos países criaram atos normativos, a fim de impedir a manipulação da vontade popular, mediante a propagação de notícias fraudulentas. A título exemplificativo, citam-se o Ato de Cumprimento da Lei nas Redes Sociais na Alemanha (Netzwerkdurchsetzungsgesetz) de outubro de 2017, bem como o Anti-Fake News Act of 2017 das Filipinas . No Brasil, o art. 19 da Lei n0 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) estabelece a responsabilidade civil de provedores da internet por manterem notícias fraudulentas, após decisão judicial determinando a retirada do conteúdo. No entanto, merece destaque as ações promovidas pelo Tribunal Superior Eleitoral quanto ao combate à desinformação no período eleitoral. A partir da eleição majoritária
de 2018, o TSE vem promovendo o combate às Fake News mediante a política de esclarecimento. Naquele pleito, a Corte Superior disponibilizou a página “Esclarecimentos sobre Notícias Falsas”, na qual tornava inequívoca a falsidade do material divulgado nas redes sociais e elucidava a informação aos eleitores. Não foi diferente nas eleições municipais de 2020, no qual o TSE manteve a política de esclarecimento, por intermédio do portal eletrônico “Fato ou Boato”, que também evidenciou as informações fraudulentas, referentes ao período eleitoral. Ainda nesse sentido, a Corte Superior também disponibilizou o aplicativo “Pardal ” aos eleitores, de modo a servir como canal
de denúncias a respeito de diversas irregularidades e informações inverídicas, permitindo maior acompanhamento e fiscalização sobre a lisura do pleito pela Justiça Eleitoral. Como resultado, o Presidente do TSE, Min. Luís Roberto Barroso, asseverou a redução das notícias falsas nas eleições de 2020, na medida em que além dos sistemas de controle, o TSE também realizou parcerias com as principais redes sociais (Facebook e WhatsApp), a fim de impedir a disseminação das notícias falsas, o que representou no banimento de 256 contas suspeitas de disparo em massa de Fake News . Portanto, diante dos resultados positivos no pleito de 2020, conclui-se pela necessária manutenção da política de esclarecimento, criada pelo TSE para elucidar as informações inverídicas aos eleitores. Desse modo, torna-se possível a redução do impacto das notícias fraudulentas na formação da vontade popular, o que confere maior legitimidade ao processo democrático, na medida em que o sufrágio universal será exercido de maneira mais coe rente com a realidade.
Túlio da Luz Lins Parca é Advogado na Carlos Eduardo Frazão Advogados. Pós-Graduando em Processo Civil pelo IDP. tulio@frazaoadvocacia.com.
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DIREITO CONSTITUCIONAL
por Antônio Fonseca
Religião e Aglomeração: fazendo o que é certo na Pandemia
Antônio Fonseca é PhD pela Universidade de Londres, advogado executivo, especialista em gestão de ética e compliance corporativo; membro sênior do MPF. Foi membro da 5a Câmara Anticorrupção da PGR, professor universitário e conselheiro do CADE.
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A questão de acesso presencial a cultos ou quaisquer serviços religiosos é sobre aglomeração de pessoas nesse tempo de pandemia. Mais de 800 mil brasileiros, todos os dias, se aglomeram feitos sardinhas nos transportes públicos terrestres de passageiros e nas aeronaves. A decisão do plenário do STF que tratar do assunto deve se aplicar à aglomeração em geral; caso não venha a se aplicar a todas as situações de aglomeração, se correrá o risco de ofensa a liberdades fundamentais. O acesso aos templos ou casas de oração tem a ver com três liberdades: de religião, de expressão e de ir e vir. São valores preservados pelas democracias ocidentais; sacrificar esses valores desproporcionalmente significa ofendê-los. Os fiéis que vão aos templos ou casas de adoração realizam uma necessidade que não conseguem realizar à distância. Consultórios de profissionais da psicologia registram o quão necessário é a interação religiosa para a saúde mental. Não cabe às instituições julgar essa necessidade. Um grande número de fiéis realiza suas necessidades espirituais à distância. Aqueles que precisam ou
sentem necessidade de acesso presencial aos templos ou casas de adoração mal chegam a 20% de todo o universo dos fiéis. As autoridades e lideranças religiosas devem oferecer, também, serviços religiosos à distância e incentivar a sua utilização. As autoridades municipais e estaduais podem e devem exigir das autoridades e lideranças religiosas o cumprimento de rígidos protocolos como condição para realizar cultos presenciais; esses protocolos existem e são tecnicamente bem estruturados. Os próprios fiéis devem ser preparados ou sensibilizados, no início de cada serviço, para o cumprimento do protocolo. As autoridades e lideranças religiosas devem, quando necessário, destacar grupos de fiéis para também monitorar a efetiva aplicação dos protocolos, que devem prever o número máximo da presença de pessoas no ambiente; o templo deve ser fechado quando alcançar esse número máximo por serviço. As autoridades e lideranças religiosas somente devem vetar cultos ou qualquer serviço religioso quando os autocontroles estabelecidos não se revelarem apropriados nem efetivamente aplicados.
Ensinar é o que fazemos Direito
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Direito e Cidadania Digital
A Lei n0 13.709, de 14 de agosto de 2018, também conhecida como Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (‘LGPD’), é uma legislação moderna e principiológica, que logrou conquistar amplo consenso social no transcurso do debate legislativo, e que busca a conciliação de valores com a proteção dos direitos fundamentais de liberdade, de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural. Sua dicção revela um sofisticado equilíbrio entre a proteção à autodeterminação informativa e o desenvolvimento econômico, tecnológico e a inovação. É no contexto acima descrito que conduzimos cursos e eventos baseados nas normas de proteção de dados, inclusive pessoais, sempre fornecendo a oportunidade de aplicação do conteúdo nas organizações, públicas e privadas, bem como prestando auxílio na elaboração de uma política de privacidade, de relatório de impacto e de manifestações jurídicas concernentes ao tema.
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