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Identidade Visual Santo Graal ou Camisa de força? Fotógrafo Leo Mano
Tive a sorte de colecionar vários professores de fotografia desde meus primeiros cursos básicos até os mais especializados (nos últimos anos). Um assunto que sempre foi recorrente nestas aulas é a tal da "identidade visual".
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Na verdade, o assunto vinha à tona mais pela ansiedade dos alunos do que pela pauta curricular. Como posso criar um estilo próprio de fotografar? Como eu desenvolvo uma "assinatura visual" capaz de me distinguir de todos os demais fotógrafos?
Posso citar alguns nomes clássicos que são facilmente identificados por suas obras: Andreas Gursky (o macro e o micro), Claudio Edinger (foco e desfoque), William Eggleston (tratamento das cores) entre muitos outros. Portanto, a identidade visual é sim um aspecto real no trabalho de muitos fotógrafos. Mas isto é essencial?
Assistindo uma palestra do cineasta e fotógrafo Walter Carvalho, onde ele descrevia as soluções visuais que ele desenvolveu para cada filme, percebi que ele não repetia uma fórmula. Cada filme tinha um método diferente de lidar com a luz, enquadramento ou revelação. Perguntei a ele se, como fotógrafo, não se preocupava em estabelecer uma identidade visual própria. Ele respondeu que cada filme era um novo desafio no qual ele se aprofundava o máximo possível. Uma vez desenvolvida a solução, ele se cansava daquilo e buscava novas técnicas para o filme seguinte. Essa maneira de trabalhar também contaminou seu trabalho fotográfico fora do cinema. Ele estava constantemente buscando novas abordagens.
Percebi, então, que a necessidade de um estilo próprio não é uma unanimidade. Muito pelo contrário, a identidade visual pode se tornar (para alguns) um fator limitante da criatividade. A necessidade ou não de uma identidade visual vai depender muito do nicho fotogáfico escolhido, o marketing pessoal e os objetivos traçados por cada fotógrafo para sua carreira.
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Eu mesmo me vi preocupado com minha própria identidade visual quando estava iniciando na carreira de fotógrafo. No meu caso particular, por ter escolhido o nicho de eventos (e nunca ter me visto como um artista de fato, mas sim um "operário" da fotografia), esta preocupação foi rapidamente suplantada pela necessidade de agradar o cliente. A preocupação com a qualidade do resultado final era muito maior do que qualquer outra questão.
Mesmo assim, quando se trabalha com fotografia constantemente, é inevitável que você desenvolva alguns "vícios" como, por exemplo, preferir uma lente em detrimento de outras, repetir enquadramentos que você já sabe que funcionam, edições sóbrias (no meu caso) que respeitam as cores e as texturas da cena real do evento, etc... Tudo isso acaba por estabelecer, naturalmente, um estilo.
Por isso eu aceito bem a ideia do surgimento de um estilo se ele for fruto de uma vivência do autor. Andreas Gursky, por exemplo, foi tremendamente influenciado pela escola de Dusseldorf e os equipamentos de grande formato. Já Claudio Edinger, teve acesso a uma Sinar 4x5", cujas sanfonas articuladas nos convidam a brincar com o tilt'n'shift (foco e desfoque seletivo típico em suas fotos). Enfim, seus estilos surgiram como desdobramento de uma rotina de trabalho muito intenso.
O grande perigo é quando existe a obsessão por alcançar um estilo próprio de maneira rápida (e a qualquer custo). Isto acaba por criar uma identidade artificial e até pode produzir situações constrangedoras como, por exemplo, o que ocorreu com um colega desesperado: Após uma atualização do seu software de edição favorito, um de seus filtros parou de funcionar. O desespero era devido ao fato deste colega ter construído toda a sua "identidade visual" em cima da aplicação daquele filtro em todas as suas fotos.
Fica claro, portanto, que não é possível se obter uma identidade visual da mesma forma que se compra um modelo de câmera ou uma lente nova. A identidade visual é o reflexo de todo o seu esforço, todo o seu estudo, a soma de todos os seus erros e acertos. É a rubrica que resume todo o seu envolvimento com a fotografia.
Por tudo isso, acredito que você não pode presentear a si mesmo com uma identidade visual planejada e totalmente sob controle. Ao invés disso, acredito que sua identidade visual virá da própria fotografia como uma recompensa por seu trabalho árduo. Seu estilo encontrará você (e não o contrário).
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Andreas Gursky ("Montparnasse" , 1993)
Claudio Edinger, "Machina Mundi - As Engrenagens do Mundo" , 2017.
Foto 1: As obras do fotógrafo alemão Andreas Gursky são produzidas em grandes dimensões. “Montparnasse” (1993) tem 4 metros de largura por 2 metros de altura. Isso nos permite admirar o imenso condomínio em sua totalidade, revelando a proeza de sua construção, geometria e padronização. Em contraste a esta visão macro, cada janela revela uma intimidade microscópica e única. Roupas em um varal, um jarro de plantas, um quadro na parede são detalhes que nos permitem imaginar os personagens que ali habitam.
Foto 2: Tilt and Shift significa, literalmente, inclinar e empurrar o plano da lente em relação ao plano do sensor da câmera. Isso é possível em equipamentos que possuem articulações com esta finalidade. Ironicamente, o objetivo original deste recurso era manter a nitidez e perspectiva em toda a cena (mesmo quando o assunto estivesse inclinado em relação à câmera). Entortando o plano da lente, compensamos a inclinação do plano do assunto. Este recurso é muito utilizado em fotos de publicidade, por exemplo. O mesmo recurso pode ser usado com o objetivo inverso, ou seja, produzir desfoque ou distorções em regiões da cena. Na era digital, o efeito pode ser imitado por filtros de aplicativos ou potencializado por softwares de edição.
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