EXPEDIENTE Conselho Editorial Anna Stolf Bernadete Teixeira Genesco Alves Rita Ribeiro Revisão do Projeto Gráfico Joana Alves Mariana Misk Organizadores Rogério de Souza Tatiana Pontes Projeto Gráfico e Diagramação Douglas Mendonça Desenvolvimento da Marca Mariana Rena Priscila Lie Sasaki Produção de Conteúdo e Gerenciamento de Mídias Sociais Júlia Cordeiro Coordenação do Centro de Estudos em Design da Imagem Genesco Alves José Rocha Andrade Apoio Laboratório de Design Gráfico – ED/UEMG Realização Núcleo de Design e Fotografia – ED/UEMG Escola de Design – UEMG Av. Antônio Carlos, 7545 CEP 31270-010 – Belo Horizonte/MG 2
EDITORIAL A Revista Tangerine em sua edição #6 segue o objetivo das edições anteriores de mapear e divulgar a produção fotográfica dos alunos e professores da Escola de Design/UEMG, e de fomentar o desenvolvimento de novos projetos autorais no campo da fotografia. A seleção de trabalhos mostra a diversidade da linguagem fotográfica ao apresentar ensaios documentais e experimentais, com propostas e visualidades muito distintas e instigantes. Percorrendo o conjunto de trabalhos é possível perceber que eles são desenvolvidos na fronteira fluída entre o design, a arte e a comunicação, num espaço de liberdade tão rico e necessário à criação fotográfica. Como nos diz o artista e pesquisador Joan Fontcuberta, “a câmera fotográfica é uma máquina, mas o fotógrafo não é um robô. O ato fotográfico submete o fotógrafo a uma sequência de decisões que mobiliza todas as esferas da subjetividade. O fotógrafo é um personagem que pensa, sente, se emociona, interpreta e toma partido”, esse movimento sensível, ao mesmo tempo racional e intuitivo, e essa tomada de partido, estão latentes nas fotografias que compõem a Revista, os fotógrafos e fotógrafas mergulham nos seus temas, experimentam, investigam e nos apresentam imagens que pensam sobre a cidade, o corpo, a natureza e as relações humanas em suas diferentes possibilidades. Essa edição da Tangerine também apresenta um registro das oficinas de fotomontagem e transferência de imagens para tecidos, que foi concebida e desenvolvida pelos alunos bolsistas Douglas Mendonça e Júlia Cordeiro, e oferecida para crianças e adolescentes da ONG Terra Santa que atua em projetos de educação, arte e design. Uma novidade dessa edição é a seção de entrevista com fotógrafos, que estreia com o trabalho de Gustavo Minas, que nasceu em Cássia, MG e hoje vive em Brasília. Para terminar, um Viva! à Universidade pública, espaço fundamental para o desenvolvimento de projetos de pesquisa e extensão de qualidade, é nesse campo de atuação que surgiu a Revista Tangerine e é no ambiente democrático do ensino público e gratuito que queremos seguir pesquisando, refletindo e nos sensibilizando com a Fotografia. Tatiana Pontes
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#6 SUMÁRIO 01............................06 Liro 02.............................14 Rafael Andrade 03............................32 Kawany Tamoyos 04............................40 Bruna Aranha
05............................46 coletivo RASTELO Arthur Faria Eduardo Lamark Luís Américo Maicon Corleone Renato Duarte 06............................54 Pedro Vilela 07.............................62 Débora Costa Elisa Valadão Jean de Jesus Priscila Costa Thais Rovesse
Entrevista...............68 Gustavo Minas
13............................118 Tatiana Pontes
08............................72 Mariana Tanure
14............................128 João Paulo Costa
09............................84 Luis Filipe Américo
15............................138 Oficina
10............................94 Flávio CRO
16............................146 O Que Pode Ser Pensado Pode (Ainda) Ser Fotografado
11............................100 Genesco Alves 12............................110 Hermano Lamas
01 Liro
Antes da interpretação
O registro antes da interpretação. Se tudo que entendo como realidade vem a partir da interpretação de estímulos externos que são recebidos pelos meus órgãos do sentido e posteriormente interpretados pelo cérebro, então, tudo que vejo está intrinsecamente ligado a todas as experiências que já vivi. A forma que entendo as coisas visualmente é resultante de toda uma criação, da questão social em que fui inserido e vivi e das minhas conclusões a partir de todos esses estímulos. Entendo que não consigo sublimar todos esses aspectos e observar a realidade como um corpo neutro, porém, o objetivo dessas fotografias é registrar a fração de segundo antes da interpretação e ser de certa forma a imagem que meu corpo recebe e não a imagem que meu corpo busca. Essas fotografias, portanto, buscam criar esse outro mundo, não a realidade que sei que nunca terei acesso, não esse mundo que experiencio cotidianamente, mas um mundo de certa forma mais espontâneo e que está sempre presente. 6
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Rafael Andrade Constituído por pequenos detalhes e momentos de total dominância, este conjunto de fotografias retrata e evidencia a cor amarela no contexto urbano, como a única cor presente nas imagens e contrastando perfeitamente com os tons acinzentados da cidade. O tratamento feito nas fotos gera também outros formatos e interpretações que jamais seriam possíveis de serem vistos apenas por meio das lentes. Assim, este trabalho visa realçar esta cor que pode passar despercebida na correria do dia a dia, conferindo vida à monotonia em preto e branca da cidade. 14
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Kawany Tamoyos VERTER verbo 1. transitivo direto e intransitivo fazer correr ou transbordar Notícias, desejos, informações, sensações, sentimentos... Uma infinidade de experiências e memórias que lidamos o tempo todo e que eventualmente transborda. 32
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Bruna Aranha RG
A colagem é um dos meios de ligar o mundo à nossa volta e encontra-se num lugar entre expressões e explorações. O uso dos computadores possibilita novas formas de recortes digitais para desenvolver a criação artística, como numa costura de imagens. Neste trabalho, as fotografias tiradas em estúdio foram passadas para o computador e ganharam novas aparências, e sensações. Buscou-se aqui, soltar as amarras racionalistas e apenas ter como resultado do automatismo psíquico, a seleção e combinação de elementos ao acaso. Os resultados desse trabalho são as imagens a seguir.
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coletivo RASTELO Luís Américo Eduardo Lamark Renato Duarte Arthur Faria Maicon Corleone Distorção O ensaio foi baseado no trabalho da fotógrafa Suzanne Sarof, que também utiliza vidros com água para causar uma modificação no objeto retratado. Utilizamos a mesma técnica de distorção para ressignificar a figura humana, causando certa estranheza e incômodo.
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06
Pedro Vilela Esta série de fotografias foi inspirada na música Solitude Is Bliss, do Tame Impala. Nela, a beleza da solitude é descrita de forma leve e metafórica.
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07
Débora Costa Elisa Valadão Jean de Jesus Priscila Costa Thais Rovesse Tendo o trabalho do fotógrafo mineiro Eustáquio Neves como referência, trabalhamos com colagens e com o corpo. O processo de trabalho teve início no estúdio, onde a câmera passou de mão em mão permitindo que todos pudessem fotografar e fossem fotografados. Após o registro das imagens, fizemos uma busca individual na qual cada um do grupo desenvolveu colagens digitais livremente. 62
ENTREVISTA Gustavo Minas
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Gustavo “Minas” Gomes é jornalista e fotógrafo de rua. Nasceu em Cássia (MG) em 1981 e hoje vive em Brasília. Estudou história e linguagem da fotografia com Carlos Moreira e desde 2009/2010 tem fotografado o dia a dia das cidades por onde passa. Dá umas oficinas de vez em quando e é membro dos coletivos Burn My Eye e Flanares. www.burnmyeye.org www.facebook.com/flanares www.gustavominas.com www.instagram.com/gustavominas
Tangerine: Como você começou a fotografar?
Tangerine: Quais são suas referências na fotografia, no cinema e na literatura?
Comecei quando tinha uns 15 anos, fotografando churrasco da minha turma no colegial. Era uma máquina automática de filme da Yashica. Depois fui fazer jornalismo e lá aprendi um pouco mais de técnica (isso por volta de 2001). Cliquei o curso inteiro, meio despretensiosamente. A coisa começou a ficar mais séria por volta de 2009, quando eu morava em São Paulo e trabalhava como jornalista, quando resolvi fazer o curso do Carlos Moreira.
• Fotografia: Carlos Moreira, Harry Gruyaert, Gueorgui Pinkhassov, Alex Webb, Saul Leiter, Boris Savelev, entre muitos outros. • Cinema: uma época gostava muito dos filmes do Godard, aqueles dos anos 60 com muitas cores primárias. Mais recentemente, piro muito no trabalho do Marcelo Gomes e do Karim Ainouz (Viajo porque preciso, volto porque te amo; O Céu de Suely). • Literatura: os livros do Karl Ove Knausgård são foda demais. E quando era mais novo lia tudo que encontrasse do Bukowski e do John Fante. E Manoel de Barros e Pedro Juan Gutiérrez.
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Tangerine: O que você fotografa? Basicamente, gente na rua. Mas sempre tentando ficcionalizar a realidade, seja através da luz, de reflexos, da sombra, de gestos...
Tangerine: Como se dá o processo de criação dos seus trabalhos fotográficos? É bem intuitivo. Além de fotografar, gosto muito de andar e ir a lugares aos quais eu não iria normalmente. Então 2 ou 3 vezes por semana acordo bem cedo, pra pegar a primeira luz do dia, e saio de ônibus ou andando pela cidade, indo de preferência a lugares com muita gente passando. Faço isso no final da tarde também, quando posso. Nunca tenho uma ideia preconcebida na cabeça. Com o passar do tempo, olho essas fotos feitas e vejo se dali posso tirar um ensaio. Ultimamente tenho tentado viajar sozinho, exclusivamente pra fotografar.
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Mariana Tanure Desvendando possibilidades
História, arte e arquitetura se entrelaçam nesta escultura em homenagem a Aleijadinho. Um monumento fotografado por diversos ângulos resultando em distintos pontos de vista. Fotografias diferentes que, ao mesmo tempo, preservam certa similaridade. Esquivando-me do olhar displicente de quem transita pelo local, mas sem se ater aos detalhes, decidi aproximar-me e fotografar “de perto” e “de dentro”. Explorei novas perspectivas para desvendar e trazer à tona uma gama de possibilidades imagéticas que, muitas vezes, passam despercebidas para um transeunte desatento. Diante disso, esta série permite que o espectador aprecie esses novos ângulos e também o convida a olhar, com mais atenção, para a arte e a arquitetura presentes no seu cotidiano. 72
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Luis Filipe Américo Casamento Grego
A tradição de quebrar os pratos no casamento grego tem como significado trazer boa sorte aos noivos na hora de sua união. Dois seres que se complementam em um objetivo. Neste ensaio, busco refletir e experimentar diversas formas de um objeto quebrado que tenta voltar a se unir. Assim, através da fotografia realizada com celular, tento mostrar diversos pontos desse relacionamento, como os contrastes, reflexos, pontos de luz e de escuridão e diferentes formas e composições entre as duas partes. 84
10 Flávio CRO Ruas
A série Ruas consiste em fotomontagens. Estas foram realizadas a partir de um trabalho de documentação, apropriação e colagem fotográfica, sobre as manifestações artísticas presentes nas ruas da cidade de Belo Horizonte, MG. Recrutando digitalmente diversos dos métodos das propostas da arte de rua, como o de apropriação dos muros e suas texturas, das diversas artes que já se encontram nos mesmos, da sobreposição e colagem de camadas, cores, de escritas, etc., construí uma espécie de “pintura” fotográfica. O resultado final, visível para o público, é a construção desse registro que mistura técnicas, imagens, gestos e mensagens, em trabalhos que não morrem como documentações cruas, mas que nascem das pontes que o conhecimento é capaz de edificar pelas esquinas de nossas ruas. Nesta cidade, nos expomos a um bombardeio constante das manifestações, espontâneas ou não, que nela se instauram. São mensagens que nos acompanham na paisagem urbana como expressões diárias da cultura humana. Já como nos relata o professor Douglas Crimp, ao falar das artes urbanas do artista Daniel Buren, no seu livro Sobre as Ruínas do Museu (2005), nas ruas, tais manifestações estão expostas ao maior público desatento do mundo. Submetida às intempéries do tempo, autorizadas ou não, se apropriam de espaços da cidade, suas cores, objetos e de outras inscrições que ali se encontram e disputam, com os grandes letreiros da publicidade, essa “desatenção” dos transeuntes. Em suma, é um bom exercício lembrar que não estamos sós em nossas escolhas e caminhos. 94
Portanto, essas pesquisas, através de apropriações diversas, apontam inúmeras conexões e nos lembram que para as artes que trabalham com a memória, a História é uma fonte de lembranças inexaurível! Ao se aventurarem nas paredes de Belo Horizonte e inscreverem suas lendas em nossos muros, os artistas da rua circulam-nas muito além de seu nome. Ao deixarem um legado, apropriando-se dos espaços “invisíveis” da cidade, conferem visibilidade às suas mensagens. Através dessas intervenções inserem imagens e códigos na paisagem urbana que acabam, por meio do bombardeamento de suas mensagens, insistindo que são arte.
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Genesco Alves Diário caribenho
Propositalmente fui à ilha como quem foge de casa. Na aventura de alargar horizontes, pisei em seus caminhos como se me levassem a todos os cantos do mundo. Sem planos fixos, tampouco sem intenção de chegadas. Caminhei com a invisibilidade necessária para absorver ínfimos movimentos por trás das objetivas. Andarilhos de luz e sombra, às vezes os olhos dormiam, enquanto as lentes vibravam sobressaltadas. Percebo o que não poderia ser visto, teatro cotidiano. Talvez mais do que se permitiram mostrar. Inquietas revelações, liquidez dos corpos, solidão. Ser o outro constantemente, enxergar gestos prosaicos impregnados de memórias. Assim, teimosamente, reinvento a ilha em recortes e misturas, como num quebra-cabeças. E volto pra casa como alguém que ficou ilhado.
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Hermano Lamas Hermano Lamas é fotógrafo–artista, designer gráfico e ativista LGBTI+. Como fotógrafo, desenvolve desde 2011 um olhar sobre a cidade. Em busca do inesperado no lugar comum, registra cenas cotidianas. O foco está na relação entre as pessoas e o espaço-tempo, nas abstrações urbanas, no movimento vivo e imaterial. O acaso e a efemeridade são seu impulso criativo, e a câmera do celular, ou qualquer outra câmera, não importa, seu instrumento de registro.
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Tatiana Pontes Procura-se [por um diálogo fotográfico]
Esses diálogos visuais surgem a partir de trocas de cartões postais fotográficos. A ideia para produzir este ensaio fotográfico colaborativo está relacionada a pensamentos sobre as possibilidades de edição de fotografias, sobre como algumas imagens se transformam no encontro com outras. E sobre como algumas das minhas fotografias podem se relacionar com imagens geradas por outros olhares. Os postais são enviados aos amigos/as com um pedido: saber o que uma fotografia que eu produzi pode provocar, se ela pode suscitar uma resposta. Fico imaginando minhas imagens procurando por outras, pensando se elas podem remeter o/a fotógrafo/a destinatário/a a uma de suas fotografias, ou se podem levá-lo/la a produzir alguma imagem que se relacione com a minha. As fotografias enviadas procuram por outra na busca por um diálogo e por um novo sentido. Essas imagens são ressignificadas pela troca e pelo olhar do outro, e se juntam às fotografias que recebo num diálogo e na construção de vínculos – estéticos, poéticos e afetivos. 118
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João Paulo Costa A desolação é óbvia. É presente. É pesada. É desejada. A solidão é parte da paisagem e se completa com o olhar e os sons. Eu fecho os olhos e ainda posso ver. O mar quebrando na beirada da baía. A neve um metro e meio acima. O som do vento forte queimando meu rosto, as pombas do cabo e as gaivotas em todas as direções. Eu fecho os olhos mais forte e escuto o gelo se partindo. Quebrando. Rachando. Mudando. O lobo marinho faz esforço pra acordar com a minha presença. Abre os olhos por alguns segundos e dorme de novo. A vida na Antártica é despreocupada. Silenciosa. Lenta. Linda. Na Ilha Deception eu sento na neve e observo uma antiga estação baleeira. Parece um sonho estar ali no passado. Em um filme. A sensação do antigo, o cheiro de um século atrás misturado com ferrugem e excremento das gaivotas. A Ilha é um vulcão ativo. Mais detalhes desse sonho que é a silenciosa Antártica. Talvez seja por isso a escolha do Preto e Branco. É uma técnica de reflexão na fotografia. A poesia imagética do grito desesperado do fotógrafo pelo entendimento do sentimento de estar só em um local tão inóspito que parece até um outro planeta.
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OFICINA
NUDEF | Núcleo de Design e Fotografia da Escola de Design/UEMG
Como parte do projeto Tangerine, foram ofertadas oficinas de fotomontagem e transferência de imagens para tecidos. As oficinas ocorreram na ONG Terra Santa, localizada no bairro Estrela Dalva, região metropolitanas de Belo Horizonte, e tiveram como público alvo, adolescentes interessados em artes e fotografia. No primeiro dia, houve uma breve introdução sobre fotomontagens com explicações sobre sua história, exposição de exemplos relevantes. Após essa introdução, os participantes começaram a desenvolver suas próprias peças.
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No segundo encontro, mais adolescentes se empolgaram com as colagens em andamento de seus colegas e resolveram se juntar às oficinas. Ao final do dia, os alunos bolsistas, responsåveis pelo projeto, ajudaram os participantes a fotografar cada trabalho produzido.
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No encontro seguinte, as fotografias foram levadas impressas e prontas para serem transferidas para o tecido. Houve uma breve explicação sobre o processo de transferência, testado previamente durante os encontros do NUDEF e a seguir os adolescentes aprenderam na prática o processo. Alguns dos participantes testaram a técnica em outros suportes, como camisetas e madeira.
A técnica utilizada para a transferência consiste em colar o papel com a imagem na superfície da trama, com uma cola acrílica para tecido. Após alguns minutos, depois da cola já seca, é necessário molhar e esfarelar, com cuidado, a superfície do papel por camadas, até que este seja completamente retirado. Esse processo de retirada do papel deve ser repetido mais de uma vez para se obter uma imagem perfeita.
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No quarto e último dia de oficina, os alunos bolsistas ajudaram na finalização das fotografias transferidas, enquanto outros adolescentes faziam suas transferências. Para encerrar a oficina, os alunos expuseram o trabalho que desenvolveram e puderam apreciar os resultados finais uns dos outros. Os trabalhos da ONG Terra Santa são voltados para arte de rua, eles já utilizavam técnicas como grafite e serigrafia, além de trabalhos com madeira. As oficinas da Revista Tangerine levaram mais uma técnica para essa comunidade, com o intuito de democratizar e propagar o conhecimento adquirido pelos alunos na universidade. Os resultados finais dos quatro encontros superaram as expectativas iniciais e serviram de aprendizado também para os alunos bolsistas, que tiveram a experiência de preparar as aulas e repassar o conteúdo. Júlia Cordeiro
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O Que Pode Ser Pensado Pode (Ainda) Ser Fotografado A história está repleta de exemplos do uso da fotografia como arte, crítica política ou denúncia social. Também conta com equivalente número de casos de censura a fotografias, seja por transgredirem os padrões vigentes ou porque mostravam uma realidade sem máscaras. Dadaístas alemães usaram colagens fotográficas para criticar os horrores da Primeira Guerra Mundial e regimes políticos que se seguiram, até a ascensão do Nazismo, quando foram perseguidos, buscando segurança no exílio. As obras de dadaístas como John Heartfield, George Grosz e Hannah Höck fizeram parte, juntamente com Kandinski, Paul Klee, Max Ernst, dentre outros, de uma exposição dos autores da, assim considerada pelo ministro da propaganda nazista, Joseph Goebbels, arte degenerada. Ao final da guerra, em 1945, o fotógrafo japonês Yosuke Yamahata teve confiscado seu material fotografado 12 horas após a explosão atômica em Nagazaki. As imagens eram fortes demais para a opinião pública norte americana e suas fotografias, mostrando os efeitos da bomba em seres humanos, ficaram inéditas por mais de setenta anos. Na arte contemporânea, William Mortensen, Robert Mapplethorpe, Joel Peter Witkin são apenas alguns nomes que tiveram, em algum momento, suas obras banidas das galerias. A razão recorrente: a abordagem do corpo, presente na obra de cada um. Tema clássico desde a antiguidade, o corpo humano em suas diferentes abordagens é ainda um tabu que persiste, aflorando especialmente nas ondas de moral conservadora a que está sujeito o mundo da arte. O Brasil, como não poderia deixar de ser, tem em sua história, diversas passagens de censura a meios de comunicação. O cinema foi sempre um tradicional alvo das patrulhas tendo em sua galeria de autores proibidos, nomes famosos como Stanley Kubrick, Jean Luck Godard, Bernardo Bertolucci e até Charles Chaplin. Sem contabilizar todas as obras de todos os meios de expressão artística que permaneceram proibidos durante os anos do regime militar brasileiro, de 1964 a 1985, o tema do corpo novamente entrou na pauta do dia quando fotografias de Fabio Cabral foram proibidas nos anos 1990. O assunto voltaria às manchetes já no século 21 numa temporada de proibições a galerias de arte que atingiu exposições em várias partes do Brasil. Seu ponto culminante foi a exposição “Histórias da Sexualidade” no Masp censurada para menores de 18 anos em 2017. Foi a primeira vez que essa restrição aconteceu em 70 anos de existência do museu. Entre as obras que compunham a exposição estavam diversas fotografias, dentre elas uma obra fotográfica de Cláudia Adunjar, na qual se vê uma índia Yanomami deitada em uma rede. 146
Diante da incerteza que nos ronda, pode-se pensar que os avanços e conquistas que a arte conseguiu nos quase 180 anos de fotografia, agora corram o risco de retroceder algumas décadas e que tudo deverá ser conquistado novamente. Se isso será uma verdade distópica, só o tempo dirá. A luta pela liberdade de expressão sempre existirá. Felizmente o que pode ser pensando, poderá vir a ser uma grande obra, pois ainda não conseguiram censurar o pensamento. Rogério de Souza
Imagem: John Heartfield - Adolf Super-homem: Engole ouro e fala besteiras Fonte: artblart.com/tag/felix-nussbaum-the-mad-square
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