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MVBILL
from Revista 440Hz Ed. 9
by comlimone
Por Lucas Vieira
MISSÃO DE VIDA MV BILL SEGUE COMO SÍMBOLO DA MÚSICA E HISTÓRIA DA CIDADE DE DEUS
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MV Bill tem evitado o tempo vago. Para o artista, o trabalho tem sido de muita importância para manter sua saúde: “Ajuda a ocupar minha mente, dar uma segurada na ansiedade e a pagar as contas aqui de casa”, revela. Sua produção em 2020 foi incessante. Além de vários singles, participou de diversas lives de festivais virtuais e programas de rádio e TV, se apresentando e cedendo entrevistas. Foi também no ano passado que relançou seu primeiro álbum, Traficando Informação (1998), em vinil. O ócio criativo que o agradava foi deixado de lado durante o isolamento social. Já no primeiro mês da pandemia no Brasil, lançou o single “Quarentena”, em que criticava as negligências do governo e expunha a realidade da favela: “As casas não são grandes e geralmente muita gente, aglomeração inevitável, alguns lugares ainda não tem água potável”. Outra reflexão veio com “Isolamento”, em abril. Além de protestar a favor da conscientização e do auxílio para as pessoas mais pobres, declarava como estava lidando com a situação: “Ocupando a mente para não pirar”. Assim como é impossível desassociar a imagem de artistas como Dorival Caymmi da Bahia e Adoniran Barbosa de São Paulo, o mesmo pode ser dito sobre MV Bill e a Cidade de Deus. Porém, a referência vai além da musicalidade e de suas letras. O empoderamento da CDD e de seus moradores é questão central na vida do artista, que luta para o reconhecimento da cultura do bairro da zona oeste do Rio de Janeiro nos territórios físicos e virtuais. Em seu trabalho como músico, MV Bill tomou o cuidado, no começo da pandemia, para que sua equipe não ficasse desamparada. Se organizou e fez o que era possível: “A arte vive da aglomeração. Tem profissionais que estão tendo dificuldade, ficando sem comer. Eu consegui manter minha banda por um período mesmo sem os shows, dando um auxílio. Então nenhum deles levou um susto e ficou sem grana de uma hora para outra”. Como apresentador do programa “Hip Hop Brasil”, o rapper também vai além da música. No ar através da TV por assinatura desde 2014, a atração é motivo de muito orgulho para o artista, que mantém vivo o único programa fora da internet voltado para a exibição de clipes de rap. Com algumas imagens gravadas em locações da Cidade de Deus, filmadas por profissionais do bairro, os primeiros episódios foram realizados durante período de flexibilização, e a temporada corre o risco de precisar ser concluída de forma remota. “Mas parar não vai”, garante MV Bill. Entre as novas atrações do programa, que também inclui entrevistas e matérias, o rapper destaca a participação da diretora Gabriela Katz, que falou sobre outros pontos de vista do gênero musical: “Ela falou do machismo e da falta de visibilidade que um diretor de vídeos de hip hop tem no Brasil. Fa-
lam dos MCs, DJs, talvez no B-Boy e dificilmente no grafitti. Mas além deles existe o beatmaker, roteirista, assistentes e essas pessoas nem são vistas. Em se tratando de show, tem uma equipe enorme, minimizada pelos contratantes que não entendem a estrutura. Existe uma cadeia de profissionais muito grande além dos artistas”.
VOANDO BAIXO
Nascido Alex Pereira Barbosa, aos 47 anos MV Bill tem em seu currículo funções como rapper, ator, escritor, apresentador, produtor musical e ativista, entre muitas outras. Sua carreira na música teve início em 1988, quando começou a compor sambas-enredo com seu pai. Sua primeira aparição como cantor foi registrada na música “Filhos do Brasil”, incluída na coletânea Tiro Inicial (1993). Em abril, sua discografia atingiu a marca de doze álbuns, complementada por seu novo disco, batizado de “Voando Baixo”. O álbum chegou às plataformas digitais após o lançamento de “Cordão de Ouro”, single feito em parceria com os rappers da Cidade de Deus Gasco, Bragadok e Daime, apresentado no começo do mês com produção de
Montenobeat e Menordosbeats. MV Bill conta que Voando Baixo foi feito “à moda antiga”. Ouviu bastante seus dois primeiros discos (Traficando Informação, de 1998, e Declaração de Guerra, de 2002) e foi na contramão das estratégias mais comuns no mercado atual, com lançamentos sucessivos de singles que posteriormente são reunidos em um álbum. Segundo o rapper, o novo trabalho é uma obra conceitual, em que as passagens e a ordem das músicas são propositalmente pensadas. O artista considera que o processo de produção foi rápido e incluiu participações como Marrom (da banda RZO), DJ Luciano Rocha e Kmila CDD, rapper que é sua irmã e cujo trabalho possui direção musical do cantor. MV Bill afirma que o álbum “é muito condizente com o momento” e reúne crônicas viscerais sobre um Brasil desestabilizado. Foi de encontro às suas raízes musicais, pensou o que precisava ser dito outra vez e trabalhou mensagens e beats novos, tratando de assuntos como o amor em diferentes perspectivas, o protesto político, e ressaltou a importância da união da população contra as injustiças - em especial do povo negro. Entre as 12 faixas inéditas, destaca “Essência”, música com arranjo de cordas em destaque na qual adicionou declarações de moradoras idosas da Cidade de Deus. “Eu quis falar sobre a vivência dentro da CDD e coloquei esses depoimentos sobre como foi passar por todas as etapas da vida e como é estarem vivas nessa idade. São mulheres que me conhecem desde pequeno e trouxeram também uma visão delas sobre mim”. Voando Baixo traz capa assinada pelo Pomo Estúdio, que registra o caos nas comunidades avistado por fotografia aérea. O músico aparece com a mão em riste, em posição combativa baseada em diálogo e conciliação. A posição do artista entre chamas lançadas por um avião particular retrata a polarização nas periferias. A produção musical, mixagem e masterização são do DJ Caique (com exceção para “Milicítico”, feitas por Tibery) e as produções executiva e fonográfica são da MV Bill Produções Artísticas.
No começo da carreira você adotou a abreviação “MV” com o significado de “Mensageiro da Verdade”. Há alguns anos você ressignificou a sigla. Em um país marcado pelas fake news se tornou mais difícil comunicar a verdade através da música?
Essa alcunha sempre foi muito difícil de carregar, porque a gente vive em um mundo de mentiras, é tipo aquele filme do Jim Carrey [O Mentiroso, 1997] Tente ficar 24 horas sem mentir - você não chega ao fim do dia. Eu criei o MV para me diferenciar do MC, que na época era mais ligado ao funk. Não queria dizer que eu era dono da verdade, meu objetivo era trazer uma verdade dentro de um mundo de mentiras, sabe? Dizer: “Não minta para nós dizendo que vai nos ajudar. A verdade é que você não vai”. Há uns 4 anos, no Twitter, uma menina deu uma nova definição para MV: “Missão de Vida”. Eu achei genial. Assim como Sandra Sá virou “de Sá”, Jorge Ben virou “Benjor”, Mensageiro da Verdade se tornou Missão de Vida. Isso não mudou quem sou, mas o tipo de bandeira que carrego. Hoje ela é mais leve. As mudanças no mundo e na própria favela, mudaram meu modo de pensar e falar, assim como o politicamente correto, o cancelamento da internet. Quando eu fiz “Só Deus Pode Me Julgar” eu não pensava nisso, eu citei nomes. Se faço isso hoje sou processado. Esse cenário não gerou uma poda, mas criou um cuidado maior.
Desde seu primeiro álbum a crítica política é uma constante, independente do governo. Você considera que nos últimos anos foi necessário intensificá-la?
A crítica política sempre foi necessária no meu trabalho. É presente porque as injustiças nunca deixaram de existir. Em governos anteriores a polícia matava pra caralho, tanto ou mais que agora. Sempre existiu racismo, desigualdade, covardia. A favela sempre foi usada politicamente pelos governos, é uma história que não tem santo. É tão feio o quadro que se pinta no Brasil, que você tem que ter o direito de não se identificar com nenhum político. Eu particularmente quero ter a minha liberdade de poder fazer um disco igual o que fiz agora e em 2022 gravar um tão pesado ou mais. A liberdade lírica para mim é muito importante, nunca fechei com nenhum governo para ter minha fala livre. Mas também penso que quem tem um lado deve levantar a sua bandeira, embora eu não tenha. Sei em quem vou votar, escolho o menos pior sempre, mas não faço propaganda. Acho que a pessoa também tem o direito de não votar, já houve eleições em que achei o pleito tão ruim que preferi justificar a me responsabilizar por um voto merda. Para mim é muito bizarro ver hoje político com fã clube. Eles não têm que ter torcida, tem que ter gestão, plano de governo. Sinto muita saudade do tempo em que a gente, o povo, se unia para cobrar os políticos. Para os governantes a situação nunca pode estar confortável, a batata deles sempre tem que estar assan-
do. Se estão fazendo algo bom, temos que deixar claro que eles precisam fazer mais. Se estão errados, temos que cobrá-los.
Você já produziu um documentário, realiza há sete temporadas um programa que divulga e registra o hip hop no Brasil e, recentemente, falou da necessidade da construção de um museu sobre a Cidade de Deus. Qual importância que você atribui à memória?
Se nós, pretos e favelados, não preservarmos a nossa própria memória, ninguém irá. Se matam a nossa história viva, imagina a que já se passou. Nesse sentido, acho muito importante termos uma memória resguardada de forma que possa ser visitada pelas futuras gerações. Às vezes a gente tem dificuldade até de lembrar pessoas e acontecimentos recentes, e a falta de um museu contribui para isso. Então, quando menos percebemos, estamos idolatrando algo que não tem nada a ver com a gente. Acho que a CDD e todas as favelas deveriam ter um museu, porque existem histórias grandiosas nesses lugares que precisam ser resguardadas e essa cultura e os moradores desses lugares estão fora do raio de interesse dos governos.
Em 2020, você retratou o COVID-19 nos singles “Quarentena” e “Isolamento”. No ano anterior, antes de existir essa realidade, lançou “Vírus”, canção que fala do racismo como uma pandemia, há anos se espalhando e contaminando as pessoas por todo o planeta. Na sua opinião, de que forma a discriminação racial tem afetado a população negra durante a situação do coronavírus?
Em uma pandemia, a tendência é que as pessoas com menos grana sofram mais. E nesse cenário predominam as pessoas pretas. É um contexto em que atrocidades e desníveis sociais ficam muito aparentes, principalmente quando não se tem uma política eficaz de combate à crise sanitária. Para a pandemia ainda vejo uma vacina, mas para essa mistura de desigualdade social com racismo eu não enxergo cura. O que podemos fazer é aumentar a nossa qualificação para ocuparmos espaços melhores. E mesmo assim ainda tem muitas empresas que não nos aceitam. Precisamos também ter consciência. Quando comecei a gerar empregos e controlar uma empresa, passei a contratar só gente preta. É uma forma de empoderar outras pessoas e a gente têm que passar a se ver como chefia. Pelo nosso histórico, temos dificuldade de enxergar negros como patrões, mas eu achei que era importante investir nisso. Foi muito difícil, por exemplo, montar uma banda só de negros. Não foi fácil conseguir um trio de metais, violinista e principalmente tecladista preto. Depois eu passei a reparar: a maioria das bandas o cara que toca teclado é um branco de rabo de cavalo. E isso dificulta muito na hora de produzir o trabalho, porque o cara às vezes tem muito estudo, mas não sabe tocar dentro da proposta, entender a dinâmica e fazer aquele “arroz com feijão” excelente que às vezes só precisa ter duas notas.
Você já tem mais de vinte anos de carreira e tanto sua forma de compor quanto os beats que você usa nas suas músicas estão sempre se atualizando. O que influencia nesse resultado?
Eu sou da velha guarda, mas nunca tive a mente fechada. Sempre abri os olhos para novidades, porque o rap tem seus subgêneros, novas tendências. Acho importante porque isso renova o ritmo, traz novos adeptos. Tem também seu lado ruim, gente querendo falar de outros assuntos, o que é normal e ter essa abertura acaba se refletindo no meu som, musicalmente e liricamente. Primeiro pela minha leitura, gosto muito de falar de atualidades e retrabalhar assuntos com outras palavras, algo que a língua portuguesa permite muito. No lado musical me agrada mostrar minha versatilidade, meus flows diferentes. Cantar um trap, um boom bap, um funk dos anos 70 suingado com samba. Transitar por essas vertentes, pra mim, é muito bom e traz essa atemporalidade, que tem a ver também com não datar as músicas citando nomes. Não nomear um parlamentar em uma música, por exemplo, não é se abster. É uma medida para não dar uma moral que ele não merece, porque a música fica para sempre. Mas eu posso fazer uma canção que vai servir para ele e para um próximo que entrar, porque a prática política no Brasil não muda nunca, quem manda no país é o centrão.
Antes de “Voando Baixo”, seu último lançamento foi a participação em Cordão de Ouro. Como foi essa experiência e qual é a sua relação com os novos rappers da Cidade De Deus?
Eu sabia que estava rolando uma movimentação de rappers novos na Cidade de Deus. Mas também sentia que havia um afastamento, talvez por eu ser um cantor reconhecido. Também me dava impressão que ro-
lava aquela marra de rapper. Aí esses músicos se aproximaram com muita humildade e respeito, tinham em mim uma referência e achavam que eu combinava com a onda deles. Eu ouvi o trabalho e achei muito bom. Escrevi a minha parte rápido e me juntei a eles. Por conta dessa qualidade, eu senti que esse trabalho precisava também de um clipe. Eles já tinham um diretor, eu apenas entrei com o capital e a parte em que canto, o mérito musical é todo deles. “Cordão de Ouro” tem letra de rappers da CDD e beat produzido aqui. Eles fizeram um estúdio em uma área em que vi muitos amigos morrerem, então tem muita emoção reunida. Gravamos o clipe em locações remotas do bairro, em um dia com menos gente na rua. Independentemente do resultado, celebrar isso em vida pra mim é muito emocionante. Eu sempre sonhei com um estúdio dentro da Cidade de Deus. Antigamente eu ficava sabendo um dia antes que teria que ir para São Paulo gravar voz. Pegava ônibus meia noite, chegava na rodoviária Tietê às seis da manhã. Lá eu entrava no metrô, saltava na estação Liberdade, ia andando até o Estúdio Ateliê e ainda tinha que ficar esperando o horário de abrir. Muitas vezes quando não conseguia quarto ainda tinha que voltar para o Rio no mesmo dia.
Você está sempre em diálogo com os artistas que surgem no universo do rap, geração após geração. Que mensagens os rappers atuais estão transmitindo que você considera importantes?
O que eu acho muito maneiro é a liberdade que as e os MCs têm hoje. Poder falar um pouco mais de diversão, de sexo, dos prazeres da vida sem se sentir pudorizado por conta disso. A minha geração foi muito conservadora quanto a essas questões. Você vê que alguns raps dos anos 1990 e 2000 pareciam professores falando em cima das batidas. Para seguir, eu tive que ficar mais suingado, malemolente, sarcástico. Até a minha forma de cantar e dizer as palavras hoje são diferentes. É essa liberdade da nova geração que eu admiro muito, de poder falar sobre qualquer assunto do seu próprio jeito, sem precisar seguir um modelo.
Segundo declaração sua, um dos motivos que te afastou do crime foi ter percebido que um dos principais destinos desse caminho era a morte. Hoje, com uma carreira consolidada como artista, qual é a sua relação com a morte? Ainda tem medo de morrer?
Antes eu tinha medo pra caralho de morrer, ainda sou um cara muito medroso. Essa coisa de perder a vida de bobeira, numa discussão política, briga de trânsito, ser atropelado, sofrer um acidente. Mas é um destino comum e acho que a gente tem que encarar com naturalidade. Eu vivo cada dia de forma intensa, acordo
O ENCONTRO DE MV BILL E CHUCK D NA CIDADE DE DEUS
Durante a entrevista, MV Bill contou que a pandemia também decretou o fim de sua coleção de LPs. Apesar de ter doado a maior parte das bolachas para uma instituição leiloar, o artista guardou algumas preciosidades, como o álbum “Fear Of A Black Planet”, lançado em 1989 pelo grupo de rap Public Enemy. O rapper aprecia tanto a obra que também tem sua versão em CD, que guarda com muita honra por conter um autógrafo de Chuck D, líder da banda. O encontro ocorreu em 2003, quando o Public Enemy veio ao Brasil para tocar no Tim Festival, no início do mês de novembro. Ao se apresentar no Museu de Arte Moderna, na zona sul do Rio de Janeiro, um estranhamento tomou o rapper americano: “Ele sacou que aquela plateia de fãs brancos, de classe média, que assistiram à apresentação não era o Brasil que ele tinha estudado. Aí ele ficou sabendo que estava rolando o festival Hutúz e entrou em contato com a organização”, conta MV Bill. O Public Enemy teve grande participação naquela edição do festival voltado para o hip hop brasileiro. Se apresentaram e até entregaram o principal prêmio da noite ao RZO. Segundo o depoimento de MV Bill, naquele mesmo período Chuck D fez um tour guiado por ele pela Cidade de Deus: “O Chuck jogou taco [brincadeira de rua tradicional no Rio de Janeiro] na Cidade de Deus. Quando ele viu a molecada, eu expliquei: “It’s brazillian baseball” e ele riu muito. Eu disse que não sabia muito de inglês, mas conseguimos nos comunicar bem. Quando passamos perto de um ponto de tráfico ele perguntou “drug dealer?”. Eu afirmei e ele disse “Same old shit”, dizendo que era igual ao lugar de onde ele veio. Ver o Chuck D falando que se identificou com o nosso lugar foi muito emocionante. Eu disse para ele que gostava muito do Public Enemy e que, mesmo sem entender bem inglês, a raiva com que ele cantava em clipes como o de ‘Brothers Gonna Work It Out’ traduziam para mim a mensagem da música sem eu conhecer o idioma”. Cinco anos depois, em 2008, foi a vez do reencontro. MV Bill estava em Washington D.C. para participar de um ciclo de palestras promovido pela National Geographic Channel e, em uma das apresentações, Chuck D estava na primeira fila. Depois, no camarim, foi a vez do músico do Public Enemy se declarar: “Eu mostrei o clipe de ‘Preto Em Movimento’ para ele e recebi uma retribuição. Ele disse que, assim como na minha relação com o Public Enemy, ele não entendia a letra da minha música, mas o clipe transmitia toda a mensagem. Aí quando ele fez essa revelação eu falei: ‘Já que tu tá falando essa porra vamo fazer uma parceria logo’, e ele topou”, conta MV Bill. A parceria aconteceu e está registrada na música “Transformação”, do álbum “Causa e Efeito”, de 2010. Contando também com produção de KL Jay (do grupo Racionais MCs), a faixa se tornou um dos destaques do disco. agradecendo a Jah pela vida e vivo como se cada dia fosse o último. Eu vi uma frase do Chico Anysio, de poucos dias antes de sua morte, em que ele disse que não tinha medo de morrer - tinha pena. Viver é tão bom, tão legal, que dá pena de deixar esse mundo, mas é o destino de todos. Então acho que a gente tem que viver, aproveitar. É o que tento fazer: deixar a minha marca. E acho que consigo pelas coisas que já construí, por ter meu público e uma obra que eles não vão deixar que morra. Muitas coisas que a gente faz hoje vão imortalizar a gente amanhã. Então precisamos fazer as coisas bem e viver bem para que no futuro sejamos lembrados.
JADSA – OLHO DE VIDRO
Quando 2021 chegar ao fim, as famigeradas listas apontarão o álbum de Jadsa como um dos melhores (senão o melhor) do ano. Produzida por Jadsa e João Meirelles, ela apresenta um trabalho impecável de voz, explorando seu timbre limpo e macio em canções pungentes. Na certeira faixa “Sem Edição”, Jadsa faz um groove certeiro, cheio de referências (de Gal - que aparece outras vezes ao longo do álbum - a Tulipa Ruiz).
A dinâmica entre voz e contrabaixo reforçam um balanço aos quais os demais instrumentos dão o brilho minimalista. É um álbum sem sobras, justo, que se veste com elegância. Com as participações de Kiko Dinucci, Ana Frango Elétrico, Josyara e Luiza Lian, a força e o balanço fazem deste lançamento um potencial clássico.
SOPHIA CHABLAU E UMA ENORME PERDA DE TEMPO
Durante muitos anos, erámos órfãos dos Mutantes. Toda vez que aparecia uma banda de rock com sonoridade mais experimental na cancha do mainstream, principalmente com um vocal feminino, eles eram comparados ao grupo de Rita e dos irmãos Dias Batista (Alô, Pato Fu!). A questão é que isso foi extremamente injusto com essas bandas, é como ser eternamente comparado aos Beatles (Kurt Cobain dizia que Mutantes era melhor que Beatles).
De uns anos para cá, esse fantasma esmaeceu. Foi assim que passamos a uma geração que ouviu e entendeu Mutantes. Sophia Chablau é exatamente o caso. Neste álbum de estreia, produzido por Ana Frango Elétrico, recebemos um produto bem-acabado e original, desamarrado da obrigatoriedade comparativa com o passado, mas que bebe o licor produzido por eles. Ressoa lindamente o melhor da música alternativa paulista dos últimos 60 anos, sem nenhum pé no desgastado pop-rock. Está ali a vanguarda dos anos 80 e sons despretensiosos e resistentes dos 90 (que ainda ensaiam ser resgatados com ares cult).
Rock com bossa nova, tropicália, regionalismo, timbres distorcidos entremeados por violões e um lugar confortável para viver os desconfortos e reflexões. É a rede na varanda de um apartamento no centro de São Paulo.
CATALÉPTICOS – HUNGRY FOR MEAT, THIRST FOR BLOOD
Esqueça os fones de ouvidos. “Hungry For Meat Thirsty For Blood” é o nome do novo EP do Catalépticos, e a banda prensou um vinil 10”, pela gravadora paulista Neves Records, para ser ouvido nas maiores e mais potentes caixas de som que você tiver disponível.
O álbum conta com duas faixas de estúdio - “Hungry For Meat Thirsty For Blood” e “Death March”, disponíveis nas principais plataformas digitais desde 2020 - e outras quatro gravadas ao vivo no festival Psycho Carnival em 2020 - “Death Train”, “Psychopath Fever”, “Freaks!” e “Brand New Cadillac”, exclusivas para a versão em vinil.
Na era dos streamings e sons magros dos celulares e caixas minúsculas, faz falta aquela música que mexe o ar com pancadas de bateria, riffs rápidos e baixo preciso. É isso que propõe a banda de Curitiba e que apenas a música de nicho realmente permite. Psycho Billy da melhor qualidade e analógico.
LUNA VITROLIRA - ÁLBUM E FILME ‘AQUENDA - O AMOR ÀS VEZES É ISSO’
Luna Vitrolira acaba de lançar um dos álbuns mais aguardados dos últimos anos. Quando uma das mais talentosas poetas de sua geração (e não só de sua geração), laureada com um prêmio Jabuti, se propõe na transformar em música sua criação em um projeto de três anos, a expectativa se instala. Quando esse álbum é produzido em conjunto com Amaro Freitas, quando Xenia França dá sua participação e quando tudo isso é acompanhado por um filme, sabemos que temos um álbum para entrar no cânone.
A poesia poderosa de Luna entrega os temas crus em declamações ainda mais fortes. É o olhar reflexivo e doloroso da realidade da mulher, da mulher negra, da mulher negra e periférica. É a realidade em beats e arranjos. É a música que te arrebenta por dentro. É poesia que te reconstrói do nada. É arte em estado puro. É Luna Vitrolira, poeta de ofício, fazendo o que faz melhor, mostrando a verdade de Luna Vitrolira.
YARD OF BLONDS – FEED THE MOON
A banda californiana Yard Of Blondes lançará seu álbum de estreia, “Feed the Moon”, que ouvimos antecipadamente na redação, em 19 de maio de 2021. Com um rock bastante melódico e pesado, a banda retoma uma sonoridade clássica dos anos 1990, quando a música alternativa podia ser simples e bem tocada.
“Feed The Moon” é o resultado da colaboração da banda com Billy Graziadei (fundador da banda Biohazard), que produziu o álbum. A mixagem ficou aos cuidados de Mike Patterson (Nine Inch Nails, Black Rebel Motorcycle Club, Beck) e Maor Applebaum (Faith No More) masterizou o álbum. Com esse time, a sonoridade não poderia ser outra, senão as irrepreensíveis guitarras distorcidas, bateria de acompanhamento rítmico apimentado e baixo denso.
Destaque para as faixas “Do You Need More”, que abre o álbum, e “You And I and I”, com contraste entre a voz principal masculina e a linha de backing vocal feminina. Aposta old school de um som que não envelhece jamais.