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Milton Nascimento & Royal Philharmonic Orchestra NO ALBERT HALL

Nesse turbilhão de emoções e posts homenageando o Bituca, peço licença aos envolvidos nesse espaço para um momento, só meu, de tietagem explícita e até meio egoísta eu diria. Mas se há coisas na minha vida profissional que eu deva idolatrar e celebrar, uma delas chama-se

Milton Nascimento!!!

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Hoje não quero falar só de técnica, mas daquela história sobre estar na hora certa e no lugar certo… Isso pode mudar a vida da gente de uma tal maneira que se torna complicado resumi-la em algumas linhas de uma tela de 17 (ou mais, ou menos) polegadas.

Eu tinha um certo sonho na vida profissional, que era fazer o mo - nitor da Elis, que infelizmente foi embora muito cedo e eu não tive tempo de participar de nada on stage com ela, mesmo que por tabela… Um belo dia pinta o convite, feito pelo Roberto Marques: “quer mixar o monitor do Milton???”… Fala sério galera, olha a compensação que o CARA lá de cima mandou pela ausência da Elis na minha vida profissional…

Fiquei alucinado, era sensacional a idéia de mixar o Milton!!! Lá fui eu para Minas(Pouso Alegre se não me engano) pro meu primeiro show… Bom, minha estréia foi tão boa, que além ter sido no pior ginásio que eu já operei som na minha vida (se você passar por lá hoje ainda deve estar ecoando “Maria Maria” pelas paredes), eu ainda tive que enfrentar o cara emburrado, sem falar comigo depois do show e querendo o antigo engenheiro de volta…rsrsrs!!! Mas foi apenas o susto… O que se seguiu nos quase oito anos de Milton Nascimento mudou radicalmente a minha vida profissional, meu gosto e cultura musical e minha sensibilidade atrás de uma mesa de monitor…

Do final da Tour “Txai” até a volta aos palcos com a tour “Tambores de Minas” foram indescritíveis os caminhos pelos quais a “caravana” passou, sob a regência insana e atrevida do inesquecível Marcinho Ferreira… Músicos como João

Baptista, Robertinho Silva, Túlio Mourão, Lelei e Ronaldo Silva, Lincon Cheib, Kiko Continentino, Hugo Fatoruzzo, Nivaldo Ornelas, Luiz Alves, entre muitos outros, levaram o som do Milton para todos os lugares do planeta… Foram fantásticos momentos, como o show no Royal Albert Hall de Londres com a Royal Philharmonic Orchestra, a Missa dos Quilombos em Santiago de Compostella, todos os grandes Festivais de Jazz do circuito internacional, especiais com Tom Jobim, participações de Jon Anderson, James Taylor, entre muitos outros (“muitos outros” que incluem até uma inesquecível dobradinha com o Jethro Tull em uma fazenda na Suíça), e até uma tour pelo interior de Minas, em lugares que ninguém imaginava o Nascimento cantando…rs.

Os concertos em Londres sempre foram históricos, mas um em especial foi demais: o do Albert Hall com a Royal. Já era uma semana extremamente especial por termos passado uma semana em Abbey Road, onde o mago das Masters, Peter Mew, masterizava os álbuns do Milton, para a famosa série “Remaster em Abbey”... Quando entrei para a gig e fiz meus primeiros shows, ele perguntou: “Farat, vc vai ficar???!!!”...

Fala sério. Quando respondi, é óbvio, que se ele curtiu as mixes de monitor eu ficaria o quanto fosse possível, ele me disse; “se prepare!!!... O que era “se prepare”??? Estar em Abbey Road por uma semana, intercalando o estúdio com ensaios com a Royal, entre outras coisas inimagináveis para um boy de construtora metido a besta como eu??? Ok... Fingi que tudo era normal pra mim, onde na verdade eu estava explodindo por dentro!!! Hahahahaha.

E lá fomos nós... O Anjo, a banda, um coral de crianças e a Royal, para nossos faders, meus e do Roberto Marques...

Aliás, uma história bem legal sobre o Roberto. Ele me confessou que um dia iria parar com as mixes de PA, e iria aguardar um momento especial pra isso... Foi ali, nesse concerto. Um show com o PA do Phil Collins, que tocaria no dia seguinte, a Royal, a Lady Diana na plateia, e um set list de arrepiar. No fim do show ele falou; “Farat, parei hoje”!!!...

Tecnicamente foi sensacional. A sonoridade da Royal é de outro planeta, e optei por captar com um sistema X/Y, cinquenta centímetros acima da audição do Maestro, e apenas isso foi para os monitores. Mesmo com a console de monitor colocada atrás da sessão de trompas, o equilíbrio das mixes foi perfeito. Quanto aos monitores da banda, apenas essa microfonação, voz do Nascimento e o mínimo necessário, para não interferir no resultado final. Aliás, até hoje trabalho assim quando sou envolvido em eventos com orquestra. A regra é clara; se você amplifica o som de alguma sessão, o maestro vai ouvir fora da parte e a regência vai ser afetada terrivelmente, e provavelmente vai abaixar a dinâmica do que foi amplificado!!! Fato...

Era demais, ver a sessão de contrabaixos, por exemplo, com um olho na regência e outro no pé direito do Robertinho Silva, principalmente nos Maracatus. A galera vibrava. Foi a formação da Royal que grava Queen, Classics do Rock, etc. Inesquecível. Fizemos outros shows em Londres, no Royal Festival Hall (quem não curte Viagem Ao Centro da Terrra, do Rick Wakeman, gravado lá???!!!), mas esse do Albert Hall foi extremamente especial. Me lembro da reação dos gringos quando entrei no teatro e beijei o chão... O manager do equipamento veio perguntar o que foi aquilo, e eu respondi prontamente, que foi o cenário da gravação do Concerto pra grupo e orquestra do Deep Purple, em 1969, com a re - gência do maestro Malcom Arnold e composições incríveis de Mestre John Lord!!!... Ele entendeu prontamente o respeito!!! Hahaha. Quanto aos outros concertos do Bituca, em todos os anos nos quais mixei os seus monitores, são muitas histórias pra contar. Ter sido um grãozinho de areia no stage da sua obra, mas mudou minha vida!!!Quem viu, por exemplo, “Beatriz” apenas com o Fatoruzzo no piano e o Milton na voz, na gravação do “Planeta Blue na estrada do Sol”, ou a versão de “Cálice” na tour Ângelus, não sabe, mas nunca mais vai rolar nada parecido em um stage da MPB tão cedo… Mixar Milton era sen - sacional… Uma voz “do além”, mágica… Cabe em qualquer mixagem, em qualquer stage… Se o cara cantar “Atirei o Pau no Gato” fica de arrepiar… Eu agradeço muito a honra de ter feito parte do crew do Milton, ter tido o seu respeito, sua confiança, e talvez, por mais que ele possa desconhecer o tamanho e proporção disso tudo, minha vida profissional jamais seria a mesma sem esses anos fantásticos como engenheiro da banda, anos de aprimoramento técnico e reciprocidade…

A palavra “gratidão” tem dois significados: um antes e outro depois de Milton Nascimento… Te amo cara!!!

Até o próximo…

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