Volume 9 - NĂşmero 9 - 1Âş Semestre 2015
Expediente Publicação semestral - Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Universidade Positivo Reitor José Pio Martins Pró-Reitor Administrativo Arno Antonio Gnoatto Pró-Reitora Acadêmica Carlos Roberto Juliano Longo Diretor-Geral da Escola de Comunicação e Negócios (ECN) Rogério Mainardes Coordenadora do Curso de Comunicação Social - Jornalismo Maria Zaclis Veiga Coordenadora do Curso de Comunicação Social - Publicidade e Propaganda Christiane Monteiro Machado
Conselho Editorial Integrantes externos Adolpho Queiroz Eduardo Túlio Baggio João Carrascoza Jorge Pedro Souza José Marques de Mello Luciana Panke Marcelo Fernando de Lima Maria José Baldassar Marialva Carlos Barbosa Mônica Cristine Fort Integrantes da UP André Tezza Consentino Celso Rogério Klammer Emerson Castro Hilton Castelo Marcos Araújo Rosiane Correia de Freitas Sandra Nodari Revisão Susan Blum Moura Coordenação Editorial Christiane Monteiro Machado Maria Zaclis Veiga Ricardo Pedrosa Macedo Projeto Gráfico e Diagramação Mayara Colucci Ricardo Pedrosa Macedo
Dados internacionais de catalogação na Publicação (CIP) - Biblioteca da Universidade Positivo
COMUNICAÇÃO : reflexões, experiências, ensino ; Revista dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda / Universidade Positivo. v.9 - n.9 - 1º semestre 2015 - Curitiba: Universidade Positivo, 2015 Periodicidade semestral ISSN 2175-5132 1. Jornalismo - Periódicos. Publicidade - Periódicos. I. Universidade Positivo. CDU 070:659
Sumário INTERAÇÃO NO FACEBOOK E RELAÇÕES PÚBLICAS: ESTUDO DAS PRÁTICAS DE COMPANHIAS AÉREAS BRASILEIRAS
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Tuane NICOLA Daiane SCHEID
APROXIMAÇÕES TEÓRICAS ENTRE O PROCESSO DE IDENTIFICAÇÃO E A COMUNICAÇÃO NAS ORGANIZAÇÕES
25
AS REDES SOCIAIS COMO CRIADORAS E PROPAGADORAS DA NOTÍCIA
39
Bruno CARRAMENHA
Miguel A. de OLIVEIRA JÚNIOR Lisley Cristiane Nogueira dos SANTOS Paulo Victor Souza da SILVA Victor Hugo Evangelista BARROS
UM ESTUDO SOBRE TEXTOS MULTIMODAIS: ANALISANDO A REPRESENTÇÃO DE NOVOS MEMBROS EM ANÚNCIOS PUBLICITÁRIOS DE SELEÇÃO DE UMA AGÊNCIA EXPERIMENTAL DE PUBLICIDADE E PROPAGANDA
49
A RENOVAÇÃO CATÓLICA: OS DESAFIOS DA IGREJA NO AMBIENTE DIGITAL
63
Gabriela REMPEL
Miguel A. de OLIVEIRA JÚNIOR Phelipe de Carvalho SILVA
MÍDIA PORTUGUESA E DISCURSOS SOBRE A MULHER IMIGRANTE BRASILERA: UMA ANÁLISE DO DISCURSO DO JORNAL EXPRESSO
75
CRIANDO UMA MARCA A PARTIR DOS PRINCÍPIOS DA GESTALT DO OBJETO
87
ESTUDO DE CASO DA FAN PAGE DA PREFEITURA DE CURITIBA – A RELAÇÃO ENTRE HUMOR E SERVIÇO PÚBLICO NA COMUNICAÇÃO EM REDES SOCIAIS
99
O PLANEJAMENTO DE COMUNICAÇÃO DE MARKETING E SUA ADEQUAÇÃO AO AMBIENTE DO E-COMMERCE
115
O ETHOS DA REVISTA JUNIOR: UMA ANÁLISE DISCURSIVA DE “CHICOTEIA BOY, CHICOTEIA”
129
Alexandre LOPES Jéssica de Cássia ROSSI
Ivania SKURA Bruno Cesar Souza da SILVA Ana Paula Machado VELHO
Janaína SANTOS Felipe HARMATA
Eliseu Vieira MACHADO JÚNIOR Gabriel Bontempo dos REIS Marina Roriz Rizzo Lousa da CUNHA
Agenor Rodrigues JUNIOR Marcelo da SILVA
APRESENTAÇÃO
Esta é a nona edição da Revista Comunicação: reflexões, experiências, ensino, publicada pelos cursos de Jornalismo e Publicidade da Universidade Positivo. Um breve panorama das páginas revela que as novas práticas de comunicação, influenciadas pelos meios eletrônicos e redes sociais, estão no cerne de grande parte das pesquisas que compõem este volume. As fan pages são tema de textos que tratam das práticas das companhias aéreas; da criação e propagação das notícias; dos desafios da igreja no ambiente digital e também da relação de humor e serviço público prestado pela Prefeitura de Curitiba. A inovação é assunto dos textos que tratam dos princípios da Gestalt do objeto; da adequação da comunicação ao ambiente do e-commerce e também do estudo sobre textos multimodais de uma agência experimental de Publicidade e Propaganda. Neste número temos um artigo que atravessou o mar e trata da mídia portuguesa e discursos sobre a mulher migrante brasileira, veiculados no jornal português Expresso. Esperamos, com a Revista Comunicação, contribuir para ampliar o conhecimento e ampliar as discussões sobre Jornalismo, Relações Públicas e Publicidade, áreas de comunicação que fazem parte desse número. Boa leitura!
Maria Zaclis Veiga
Coordenadora do Curso de Jornalismo
Christiane Monteiro Machado
Coordenadora do Curso de Comunicação Social - Publicidade e Propaganda
TUANE NICOLA E DAIANE SCHEID
INTERAÇÃO NO FACEBOOK E RELAÇÕES PÚBLICAS: ESTUDO DAS PRÁTICAS DE COMPANHIAS AÉREAS BRASILEIRAS Tuane NICOLA
Bacharel em Relações Públicas – Ênfase em Multimídia pela UFSM/FW.
Daiane SCHEID
Professora do Departamento de Ciências da Comunicação da UFSM/FW. Mestre e doutoranda em Comunicação pela UFSM.
RESUMO O presente artigo aborda a interação entre organizações e públicos no ambiente comunicacional digital, busca refletir sobre a interação das organizações com seus públicos no Facebook, sob a ótica das Relações Públicas. Para tanto, realizou-se uma pesquisa bibliográfica, bem como uma investigação das empresas aéreas Tam, Azul e Gol. Isto propiciou o entendimento da interação por elas promovida no Facebook e a identificação das possíveis estratégias de interação a serem realizadas para potencializar essa atuação. O estudo aponta que as companhias aéreas precisam explorar mais o diálogo com seus públicos no Facebook, potencializando essa ferramenta sob a perspectiva das Relações Públicas.
ABSTRACT This article discusses the interaction between organizations and the public on facebook’s digital communication environment, seeks to reflect on the interaction between organizations and their publics on Facebook from the perspective of Public Relations. Therefore, it was lead a literature research and an investigation of the airlines: Tam, Gol and Azul. It allowed the understanding of the interaction promoted by the companies on Facebook and the identification of possible interaction strategies to be carried out to enhance it. The study shows that airlines need to explore the dialogue with the stakeholders on Facebook further, enhancing this tool from the perspective of Public Relations.
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INTERAÇÃO NO FACEBOOK E RELAÇÕES PÚBLICAS: ESTUDO DAS PRÁTICAS DE COMPANHIAS AÉREAS BRASILEIRAS.
O presente artigo centra-se na temática da interação entre organizações e seus públicos na internet, especialmente no Facebook, que segundo pesquisa1, é considerada a principal rede social utilizada pelas empresas no mundo. Estamos cada vez mais conectados, segundo relatório da eMarketer (2013)2, quase 1 em cada 4 pessoas no mundo já utilizam as redes sociais e para 2017 a organização prevê que 2,5 bilhões de pessoas no mundo estarão conectadas nas redes, avanços que vem modificando as relações humanas e transformando cenários. O desenvolvimento da web 2.03, gerou novas formas de socialização e oportunizou o compartilhamento de informações e significados por milhares de pessoas e organizações que hoje encontram-se presentes diariamente nas redes sociais. A lógica da comunicação mudou, se antes possuía uma característica de distribuição, hoje “emissor e receptor perdem suas funções específicas e tornam-se interlocutores, participantes de uma dinâmica argumentativa”, como destaca Oliveira (2002 apud OLIVEIRA e PAULA 2006, p. 205). Portanto, enfatizamos a necessidade de investigar a atuação das organizações na internet e de entender a comunicação com seus públicos nesse meio. Por comunicação, entendemos o relacionamento criado através da interação (PRIMO, 2007). Com isso, no presente trabalho, buscamos refletir sobre a interação das organizações com seus públicos no Facebook, sob a ótica das Relações Públicas. Para isso, além de uma pesquisa teórica, o artigo apresenta os resultados de uma investigação empírica sobre o tema tendo como objeto de estudo as companhias aéreas Azul, Gol e Tam. Este artigo está estruturado em três tópicos, no primeiro tratamos da interação e sua relação com os espaços comunicacionais da internet, no contexto da comunicação organizacional. No segundo abordamos a atividade de Relações Públicas e de que forma a interação se insere nas práticas desse profissional e, por fim, apresentamos os resultados da pesquisa empírica sobre a interação das empresas Tam, Azul e Gol com seus públicos no Facebook. Com isso, por fim, apontamos algumas considerações sobre o tema investigado.
INTERAÇÃO MEDIADA NO CONTEXTO ORGANIZACIONAL Por muito tempo a interação entre os indivíduos aconteceu através do intercâmbio de informações e relacionamentos pelo contato pessoal, em um mesmo tempo e espaço geográfico. Porém, o desenvolvimento dos meios de comunicação, bem como a difusão dos produtos da mídia a partir do século XV, afetaram esses padrões tradicionais de interação criando novas modalidades de relacionamento. (THOMPSON, 2008) Para descrever as práticas de interação viabilizadas pelo desenvolvimento dos meios, Thompson (2008) as classifica em três tipos: a interação face a face, na qual 1 Pesquisa realizada pela Avanade. Disponível em: <http://anoticia.clicrbs.com.br/sc/noticia/2013/06/facebook-e-aprincipal-rede-social-utilizada-pelas-empresas-no-mundo-4158231.html> Acesso em: 10 de novembro de 2013. 2 “Social Networking Reaches Nearly One in Four Around the World Read more”. Disponível em <http://www.emarketer. com/Article/Social-Networking-Reaches-Nearly-One-Four-Around-World/1009976#STjWAUdbbk2uBX9b.99> Acesso em 16 de outubro de 2013. 3 Termo cunhado por Tim O’reilly em 2004, através de um artigo, que caracteriza a web como uma plataforma livre e o usuário como interagente. (O’REILLY, 2005, http://oreilly.com/web2/archive/what-is-web-20.html)
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os participantes partilham do mesmo espaço e tempo dialogando em um fluxo de comunicação simétrico e com possibilidade de deixas simbólicas (gestos, entonação de voz); a quase interação mediada, estabelecida pelos meios de comunicação de massa em que o fluxo de comunicação tem sentido único e não tem grau de reciprocidade; e a interação mediada, a qual destacamos na reflexão aqui proposta. A interação mediada implica o uso de um meio técnico que possibilita a transmissão de informações e conteúdo simbólico para indivíduos situados remotamente no espaço, no tempo, ou em ambos (THOMPSON, 2008). Podemos observar esse tipo de interação na internet, a qual potencializa a interação mediada, pois essa tecnologia ampliou “os espaços para a interação entre os participantes do processo” (PRIMO, 2007, p.2). Hoje, qualquer indivíduo com acesso a internet pode ser produtor de conteúdo, como citam Barichello e Carvalho (2012, p. 130) “a participação dos interagentes nos processos de produção e/ou distribuição de conteúdos faz parte das principais mudanças trazidas pela internet e as tecnologias digitais”. Diante disso, destacamos que a comunicação, por meio da interação, ganha novas propriedades através da internet. Nesse sentido, Primo (2007) revisa os estudos tradicionais de interação humana e, ao investigar a interação mediada por computador, identifica dois tipos, distintos pelo formato de relacionamento mantido pelos interagentes: interação reativa e mútua. A primeira tem como características a previsibilidade e a limitação, já que se estabelece a partir do estímulo-resposta e não estabelece uma construção entre os atores, apenas um estímulo. Já a segunda é dialógica, ou seja, possui características de reciprocidade, mútua influência, um sistema aberto, autônomo e ativo que proporciona o diálogo. Com essas possibilidades interativas, entendemos que a internet possibilita que as organizações enviem mensagens rápidas aos seus públicos, e principalmente, possam saber o que esses estão comentando sobre a organização, o que pode ou não estar beneficiando a organização naquele espaço. Segundo Bueno, a rede traz novos desafios e possibilidades, rompe com a barreira do tempo e do espaço e instaura uma nova ordem. É importante perceber que ela não altera apenas o ritmo dos relacionamentos, mas cria espaços de convivência, redimensiona hábitos de consumo e circulação de informações e, sobretudo, potencializa, para as empresas, oportunidades inéditas de negócios. (BUENO, 2009, p. 79)
Para refletir sobre a interação entre organizações e públicos na internet, retomamos a perspectiva de Oliveira e Paula (2006). Como forma de repensar a relação e a interação que se estabelece entre a organização e os grupos com os quais ela interage (seus públicos), as pesquisadoras propõem o modelo de interação comunicacional dialógica no qual entendem a comunicação como um processo plural de troca entre atores sociais, considerando a própria organização também como um ator, como demonstra a figura 1.
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Figura 1 - Modelo de interação comunicacional dialógica. Fonte: Oliveira e Paula (2006, p. 204)
A figura sinaliza o espaço comum de interação entre os interlocutores, que são tanto a organização como os públicos agentes constitutivos da comunicação organizacional. O modelo apresenta a superação dos modelos unidirecionais da comunicação e da linearidade do esquema emissor/mensagem/receptor e demonstra a complexidade dos processos comunicacionais dos quais decorrem a relação entre os referidos interlocutores. A proposta vai ao acordo do modelo simétrico de duas mãos de relações públicas, proposto por Grunig (2009, p. 32), que enfatiza “a comunicação para administrar conflitos e aperfeiçoar o entendimento com públicos estratégicos”. Com isso, o autor afirma que a organização precisa exercer um processo contínuo de negociação e abertura de diálogo, o qual resulta na excelência da comunicação e em melhores relacionamentos a longo prazo com seus públicos. Compreendemos que os modelos classificados pelos autores como de interação mútua, comunicação dialógica, modelo simétrico de duas mãos ganham ainda mais força com o surgimento de novas plataformas, como as redes sociais4, as quais exigem das organizações novas posturas. Isso está explícito na visão de Saad (2009), a qual relata a necessidade de uma nova visão, estratégica e tecnológica, da comunicação por parte das organizações. Para a autora “a comunicação organizacional tem por função estabelecer os canais de comunicação e as respectivas ferramentas para que a empresa fale da melhor maneira com seus diferentes públicos” (SAAD, 2009, p. 321), estratégias que, em nosso entendimento, tem relação direta com as atividades de Relações Públicas. Destacamos que as potencialidades e características do ambiente comunicacional 4 Terra (2010, p. 42) entende que “a mídia social seja o ambiente e seus ferramentais, isto é, um site de relacionamentos, uma ferramenta de microblog. As redes sociais (on-line ou não) são conexões formadas pelas pessoas que estão ligadas entre si”.
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da internet, em especial das redes sociais, trazem novos contornos aos relacionamentos entre organizações e seus públicos de interesse, garantindo a capacidade de estabelecer relacionamentos interativos e respostas imediatas. Nesse contexto situamos o profissional de Relações Públicas como elemento de caráter estratégico para a atuação comunicacional das organizações no ambiente digital, como salientamos a seguir.
RELAÇÕES PÚBLICAS, INTERAÇÃO E RELACIONAMENTO Os profissionais de Relações Públicas, diante do contexto apresentado, também são tensionados a repensar suas práticas. Terra (2011, p. 27) afirma que “o modelo de relações públicas que se praticava há anos sofreu alterações significativas, tornandose mais transparente, mais preocupado com os públicos de ligação da organização e mais dialógico, mesmo porque não há alternativa para as organizações atuais”. Acreditamos que, na internet, especialmente as redes sociais têm provocado essa adaptação por parte da atividade de Relações Públicas. No meio digital, os princípios básicos de Relações Públicas, de atuação em prol das organizações e públicos, são remontados através de ferramentas que permitem que essa atuação seja ainda mais estratégica (MOREIRA E SILVA, 2013). Corrobora com esse entendimento a visão de Kunsch (2003) que considera como função, integrante da práxis de Relações Públicas, assegurar a interação das entidades com seus públicos. Fica visível, nas perspectivas de Simões (2001) e Kunsch (2003), que a essência da atividade de Relações Públicas está no gerenciamento do relacionamento das organizações com seus públicos em diferentes meios. Isso para estabelecer a conversa, a compreensão e os interesses entre organizações e públicos através da mediação de conflitos, da negociação, do diálogo e do estabelecimento de estratégias de acordo com as necessidades e ambientes nos quais acontece a comunicação, seja por meio da função política que o profissional desempenha (SIMÕES, 2001) ou do planejamento da comunicação integrada (KUNSCH, 2003). Segundo Barrichelo (2009) as relações interativas das organizações com os públicos específicos somente são oportunizadas por estratégias de comunicação. Para Grunig (2009, p .27) “as organizações que se comunicam bem com os públicos com os quais se relacionam sabem o que esperar desses públicos, e os públicos sabem o que esperar delas”. A partir dessas afirmações, salientamos que a atividade de Relações Públicas é fundamental por estabelecer os relacionamentos organizacionais, pois entendemos que cada um dos públicos da organização tem influência direta ou indireta sobre ela e pode interferir em sua sobrevivência. Dessa forma, este estudo leva em conta que as estratégias do profissional de Relações Públicas devem contemplar também o ambiente comunicacional digital, devido às organizações desenvolverem relacionamentos também nesse meio. Portanto, esse profissional desenvolve práticas nos espaços digitais na busca de auxiliar o relacionamento e diálogo entre organização e seus públicos. Acreditamos que a internet pode ser utilizada como veículo para desenvolver
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múltiplas atividades de Relações Públicas, cujo papel no ambiente digital está em tanto desenvolver estratégias que estejam em consonância com os objetivos da organização, quanto em conhecer os públicos para atingi-los de forma estratégica e assim gerir o relacionamento, por meio do diálogo, entre as organizações e seus públicos. Pinho (2003) reforça que a internet pode fazer parte da estratégia global de comunicação do profissional, além de constituir um eficaz canal de comunicação para os públicos. Entendemos, porém, que o papel do profissional de Relações Públicas no ambiente digital precisa ser potencializado, pois a maioria das empresas mantém as equipes de gerenciamento de mídias sociais na área de marketing, estando em segundo lugar a comunicação corporativa/Relações Públicas5 como podemos notar na figura abaixo:
Figura 2 - Que áreas das empresas mantém as equipes de mídias sociais?
A inserção das empresas nas mídias sociais necessita ter o foco na aproximação e no relacionamento das organizações com seus públicos e não se limitar a objetivos mercadológicos. Entendemos que o posicionamento das empresas na rede diz respeito à sua comunicação organizacional, sua presença institucional nesse meio, o que abrange relacionamento com seus públicos, engajamento, imagem organizacional, ou seja, aspectos vinculados à atividade de Relações Públicas. Por isso, nos interessa investigar de que forma as organizações estão interagindo com seus públicos nas redes sociais online.
5 Dados do relatório da pesquisa do Altimeter Group (2013) sobre a situação das mídias sociais. Disponível em:<http:// gessicahellmann.com/pesquisa-mostra-evolucao-da-gestao-de-midias-sociais/> Acesso em: 04 de abril de 2014.
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A INTERAÇÃO NO FACEBOOK PELAS COMPANHIAS AÉREAS A SocialBakers6 realizou uma pesquisa que abordou o uso das mídias sociais pelas empresas aéreas e identificou as plataformas de mídia social em contínua expansão. A pesquisa aponta que o relacionamento entre clientes e empresas tem migrado cada vez mais dos meios tradicionais de comunicação para outros, como o Twitter e o Facebook, e apontou que o setor da aviação é muito ativo nestas redes. Com isso, percebemos que o uso das mídias sociais é frequente pelas empresas aéreas, as quais têm se engajado no relacionamento com seus públicos nos meios comunicacionais digitais. E para verificar se as companhias aéreas brasileiras estão interagindo no Facebook de forma a potencializar seu relacionamento com os públicos, realizamos uma investigação empírica, de caráter qualitativo, para a qual coletamos dados por meio da técnica de observação não participativa7. A observação foi realizada na fanpage do Facebook das empresas do ramo de transporte aéreo filiadas à Associação Brasileira das Empresas Aéreas (ABEAR) com o maior número de seguidores, determinado pela quantidade de pessoas que “curtiram” a página. Por esse critério, estabelecemos como objeto da pesquisa três organizações: Azul (com 2.778.545 curtidas), Gol (com 1.664.153) e Tam (com 1.605.438) 8. Para proceder a observação, que ocorreu no período de 28 de abril a 04 de maio de 2014, estabelecemos categorias, definidas a partir das leituras feitas sobre o tema, apresentadas no quadro 1. Para facilitar a análise dos dados, foram registradas, por meio de print screen todas as postagens da timeline de cada uma das empresas aéreas durante o período da investigação.
6 Pesquisa realizada pela SocialBakers, empresas global de monitoramento e análise de mídias sociais em 2012. Disponível em: < http://www.bahianegocios.com.br/turismo/tam-e-a-5a-empresa-aerea-mais-engajada-em-redes-sociais-no-mundo/> Acesso em: 23 de abril de 2014. 7 A técnica consiste na observação, coleta e registro de acontecimentos sobre a interação das empresas brasileiras do ramo de transporte aéreo com seus públicos no Facebook. Caracteriza-se como não participativa por ser uma observação individual, realizada pelo pesquisador através do computador, sem interferência no fenômeno investigado. 8 Os números de seguidores podem se alterar, os dados apresentados foram coletados no dia 11 de dezembro de 2013.
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Nome
Descrição/Objetivo
Autor
Postagens
Monitorar toda a interação mediada promovida pela organização no formato de postagem.
Thompson (2008) Oliveira e Paula (2006)
Curtidas
Observar as curtidas na página, nas postagens e nos comentários.
Primo (2007) Recuero (2009)
Compartilhamentos
Identificar os compartilhamentos das postagens feitos pelos usuários.
Terra (2011)
Comentários/Respostas
Identificar os comentários feitos pelos públicos e as respostas das organizações.
Thompson (2008) Oliveira e Paula (2006) Grunig (2009) Primo (2007) Recuero (2009) Terra (2011)
Quadro 1 - Categorias gerais de coleta de dados Fonte: elaborado pelas autoras.
Quando uma empresa decide criar uma página no Facebook ela deve levar em conta que não basta somente estar inserida na rede social, pois é a partir de uma participação ativa que ela passa a comunicar-se com seus públicos e a interagir. Isso acontece através das postagens que permitem que os públicos interagentes se relacionem com ela através de curtidas na página e nas postagens, do compartilhamento de seus conteúdos e comentários nas publicações, os quais as organizações podem responder. Essas ferramentas proporcionadas pelo Facebook demonstram a ideia de Thompson (2008) de interação mediada ao afirmar que quanto mais meios técnicos e espaços de diálogo são desenvolvidos, novas formas de interação são criadas. Interpretamos que isso também reestrutura as relações entre as organizações e seus públicos e exige mais adaptação e empenho por parte das organizações. A partir do monitoramento das postagens realizadas nas páginas oficiais do Facebook das empresas Tam, Azul e Gol desenvolvemos o seguinte gráfico comparativo, o qual quantifica o total de postagens, curtidas, compartilhamentos, comentários e respostas de cada uma das empresas durante o período de observação.
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Figura 3 – Gráfico comparativo dos resultados da semana de monitoramento dos objetos de estudo. Fonte: elaborado pelas autoras.
Os resultados obtidos mostram que a média de publicações semanais das empresas são equivalentes, visto que a Tam publicou em sua página 11 postagens, a Azul 10 e a GOL 8. Os dados indicam uma frequência de uma a três postagens por dia, a qual está adequada a rede social, pois as marcas consideradas campeãs na internet realizam duas a três atualizações por dia, segundo estudo do SocialBakers9. Tratando-se dos compartilhamentos das postagens, feitos pelos públicos, notamos que a empresa com mais compartilhamentos é a Azul, com um total de 814 publicações replicadas pelo público da página; seguida da Tam, com 686; e da Gol, com 507. Dentre as postagens das três empresas, a que obteve mais compartilhamentos durante a semana de monitoramento foi uma postagem da Azul, realizada no dia 29 de abril. Com caráter institucional, a referida publicação apresenta a foto do avião da empresa em homenagem aos 20 anos do legado de Ayrton Senna e resultou em 537 compartilhamentos:
9 How often should you post on yout wall to engage fans? Disponível em:< http://www.socialbakers.com/blog/524-howoften-should-you-post-on-your-wall-to-engage-fans> Acesso em: 29 de maio de 2014.
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Figura 4 – Publicação do Facebook da empresa Azul do dia 29 de abril. Fonte: https://www.facebook.com/AzulLinhasAereas
Explorar o uso da imagem para chamar a atenção do público da página é um recurso muito utilizado pelas empresas e que é recomendado pelo “manual de boas práticas no Facebook para as marcas”, criado pela própria rede social10. No caso das empresas aéreas citadas, destacamos a prática de utilizar fotos feitas pelos clientes, o que constitui aspecto positivo em termos de interação. Também notamos que as empresas Azul e Gol utilizam mais o caráter mercadológico em seus conteúdos, enquanto a Tam explora o institucional. Sobre a linguagem predominante nas publicações, o estilo informal, característico das redes sociais, está presente na maioria das publicações e se acentua em algumas postagens com o uso da linguagem própria da internet, classificada pelo uso dos recursos de emotions e hashtags. Percebemos que a estrutura de comentários é bastante utilizada pelos interagentes para fazer comentários sobre determinada postagem feita pela organização, mas também se mostra espaço para expor críticas, dar sugestões e tirar dúvidas sobre assuntos gerais e portanto, constitui um espaço de atendimento ao consumidor. Durante a semana de observação, as postagens da Tam obtiveram maior número de comentários, totalizando 526 mensagens, após temos a Gol com 346 comentários e a Azul com 268. Os comentários observados foram classificados como positivos, negativos e neutros. Os positivos são aqueles que elogiam a empresa, fazem algum comentário a favor dela e beneficiam positivamente a sua imagem. Os negativos referem-se a reclamações, acontecimentos e comentários negativos. Como comentários neutros classificamos as perguntas e comentários que não se enquadram como positivos ou negativos. 10 Manual com 10 boas práticas para marcas na rede social. Disponível em: http://imasters.com.br/noticia/facebook-criamanual-com-10-boas-praticas-para-marcas-na-rede-social/ Acesso em: 30 de maio de 2014.
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Na observação dos comentários, chegamos aos seguintes resultados quanto à sua classificação:
Figura 5 – Gráfico dos resultados dos comentários dos objetos de estudo. Fonte: Elaborado pelas autoras.
Observamos que a maioria dos comentários positivos são os que demonstram concordância com a postagem feita pela organização e observações positivas sobre ela. Por outro lado, verificamos que a maioria dos comentários negativos não tem ligação com o conteúdo da postagem em si, mas são mensagens que tratam de problemas enfrentados pelos públicos, ou seja, são outras pautas levantadas por eles. Esses temas trazidos pelos públicos sobre as empresas refletem as características interativas das redes sociais, nas quais cada indivíduo torna-se um interlocutor participativo e atuante. O Facebook disponibiliza o espaço de diálogo e, portanto, esse novo consumidor social, assim denominado pela Deloitte (2010)11, provém feedback sobre os serviços das empresas aéreas e utiliza tais canais on line como ferramentas para a comunicação. Dessa forma, destacamos que esse interagente, também denominado como o usuário mídia (TERRA, 2011), pauta assuntos e cria conteúdos além daqueles propostos pelas empresas nas suas publicações. Nesse sentido, fica explicita a relevância dos comentários e respostas, os quais refletem os laços relacionais dialógicos (RECUERO, 2009) e demonstram como cada interagente participa da construção do relacionamento, o que define o caráter mútuo da interação (PRIMO, 2007). Na pesquisa, verificamos que a Gol realizou 79 respostas, a Tam 70 e a Azul apenas 2 respostas. Estas foram classificadas como pessoais (que procuram responder o comentário de forma específica), automáticas (respostas padronizadas) e do tipo que direciona o interagente para outro meio (como um telefone ou mesmo o site da empresa), os dados coletados resultam no seguinte gráfico (figura 6): 11 Mídias Sociais nas empresas. Deloitte (2010) Disponível em: <https://www.deloitte.com/assets/Dcom-Brazil/Local%20 Assets/Documents/Estudos%20e%20pesquisas/MidiasSociais_relatorio_portugues.pdf> Acesso em: 05 de Abril de 2014.
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Figura 6 - Gráfico dos resultados das respostas dos objetos de estudo. Fonte: Gráfico organizado pela autora.
Observamos que as empresas aéreas utilizam desse espaço para responder seu público, porém acreditamos que ainda não o fazem de forma ideal, devido ao baixo número de respostas das empresas Tam e Gol em proporção a quantidade de comentários feitos pelos públicos durante a semana de observação. Podemos afirmar que isso reflete uma contradição, pois as empresas procuram postar conteúdos dialógicos, como nas postagens que solicitam respostas e promovem o diálogo, de certa forma esperando uma interação no Facebook, porém quando o público realiza a interação através dos comentários e busca a resposta das empresas elas acabam não atendendo essa expectativa. Além disso, percebemos que as empresas respondem, na maioria das vezes, os comentários que estão no topo da publicação, de forma que as perguntas ou solicitações seguintes já não são atendidas. O fato da empresa Azul ter respondido apenas dois comentários durante a semana de monitoramento e possuir 3 mil curtidas na página, permite inferirmos que possuir muitos fãs não garante o relacionamento em si, pois apresenta apenas um laço fraco (RECUERO, 2009), ou seja, uma relação superficial e associativa. Somente com o empenho da empresa em procurar estabelecer laços fortes (RECUERO, 2009), através da interação dialógica, ela deixará de estabelecer apenas um vínculo para constitui um relacionamento com seus públicos nas redes sociais. Outra questão relevante é que a Azul obteve, dentre as três empresas aéreas observadas, o maior número de compartilhamentos, portanto observamos que seu público procura interagir com a empresa, enquanto ela não demonstra preocupação em dialogar com seu público na forma de respostas aos comentários. Ou seja, potencializa a interação através da postagem de conteúdos, mas não busca um relacionamento efetivo com os públicos. A partir do estudo realizado e da leitura dos dados, podemos refletir sobre o meio comunicacional estudado. Redes sociais como o Facebook são compostas pela conexão de atores sociais, ou seja, indivíduos e organizações realizam ligações no
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ambiente digital que são caracterizadas como laços associativos e fracos (RECUERO, 2009). O objetivo dessas redes, como o nome sugere, é a socialização, a busca por relações no meio digital, as quais podem estabelecer laços fortes. Percebemos que é a interação estabelecida nesse meio é determinante para o tipo de relação estabelecida entre públicos e organizações. Ao observarmos a interação das empresas aéreas Tam, Azul e Gol no Facebook concluímos que há a preocupação das empresas em criar conteúdos que instiguem a colaboração e a participação dos seus públicos na página, porém acreditamos que, sob a ótica das relações públicas, as empresas ainda não utilizam essa rede social de modo eficaz para o relacionamento com seus públicos. Identificamos que ainda é baixo o fluxo comunicacional dialógico nas páginas, uma vez que na relação entre estes dois interagentes não há reciprocidade e continuidade, o que demonstra que o uso da rede social ainda não potencializa a principal característica da rede social: o relacionamento, que diz respeito às Relações Públicas das organizações. Para Neves (2014) a chave do sucesso da audiência nas páginas do Facebook é a comunicação de mão dupla, que é eficaz através das Relações Públicas. Esse profissional sabe como liderar e participar de conversas, o que é essencial para as redes sociais e capacita e ajuda as marcas a construir comunidades nesses meios. Além disso, para estabelecer uma conversa permanente, o ideal é contar histórias consistentes, através de todas as formas de mídia. Assim, as estratégias de Relações Públicas são valiosas para o uso das redes sociais pelas organizações (NEVES, 2014). A pesquisa empírica realizada possibilitou identificarmos algumas estratégias de Relações Públicas que poderiam ser empreendidas para potencializar o uso do Facebook das companhias aéreas quanto à interação com seus públicos: intensificar o uso do meio como forma de atendimento aos consumidores/resolução de problemas e como um espaço dialógico no qual a empresa preocupa-se com os anseios e opiniões dos públicos; utilizar o meio para administrar conflitos, ou seja, amenizar boatos ou comentários negativos, o que pode ser feito através de uma postura transparente, respondendo a críticas, esclarecendo situações e expondo seu posicionamento e resposta oficial sobre pautas levantadas pelo público; criar relacionamentos mais efetivos com os interagentes, de forma a motivá-los e engajá-los a tornarem-se porta vozes da organização na internet, compartilhando, comentando e divulgando a empresa de forma positiva na rede.
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INTERAÇÃO NO FACEBOOK E RELAÇÕES PÚBLICAS: ESTUDO DAS PRÁTICAS DE COMPANHIAS AÉREAS BRASILEIRAS.
CONSIDERAÇÕES FINAIS No estudo, percebemos que a interação teve seu caráter modificado ao longo dos anos em função das transformações tecnológicas e dos meios, sobre isso salientamos as formas de interação viabilizadas pela internet, em especial as redes sociais como o Facebook. Esses espaços de interação possibilitam, por meio do diálogo, o relacionamento entre organizações e públicos. Conforme os dados coletados, apontamos que a interação pode ocorrer em vários níveis e de várias formas, como no caso das interações reativas e das dialógicas, dos laços fortes e fracos. E a partir das ferramentas disponibilizadas pela rede social Facebook as empresas criam essas interações através de sua atuação nesse meio, proporcionando a participação dos públicos que podem agir, responder e interagir de várias maneiras. Ao observarmos a atuação das companhias aéreas Azul, Gol e Tam no que se refere a interação que promovem com seus públicos no Facebook percebemos que há a preocupação em atualizar suas páginas e postar conteúdos que contemplam divulgação de informações, promoções, projetos das empresas e esforço de diálogo com os públicos, mas podemos notar que o foco principal do uso do Facebook por elas ainda não é o relacionamento personalizado com os interagentes, uma vez que há poucas respostas e que não há continuidade no diálogo entre eles. A pouca interação entre as empresas e os públicos nos comentários/respostas demonstra a necessidade de focar a atenção a esse aspecto, potencializando essa ferramenta sob a perspectiva das Relações Públicas. Diante do exposto, podemos sugerir que a atuação de uma organização nas mídias sociais pode ser melhor gerenciada se estiver atrelada à atividade de Relações Públicas. Isso devido ao perfil dessa área estar vinculado ao conhecimento dos públicos, da comunicação corporativa e da necessidade de uma aproximação estratégica da organização com seus públicos que não esteja restritamente ligada a objetivos mercadológicos. Entendemos também que, para que esses canais de comunicação sejam efetivos, é necessária uma comunicação de mão dupla, assim, a atividade de Relações Públicas deve ser entendida como facilitadora do diálogo. Concluímos que, com as transformações tecnológicas, podem surgir novos meios de comunicação e formas de interagentes expressarem suas opiniões nesses novos canais. Hoje observamos que o Facebook é a principal rede social utilizada, porém com a migração dos usuários, essa realidade pode mudar de forma rápida. Desta forma, é necessário estudar e entender o fluxo de interação e as estratégias empreendida nesses meios para compreender qual a forma mais eficaz de se comunicação com os públicos da organização, os quais, na internet, também se tornam produtores de conteúdo. Com isso, registramos a oportunidade e relevância de novas pesquisas sobre a comunicação organizacional e as formas de interação no contexto digital, pois compreendemos ser este um campo fértil para o estudo e a atuação das Relações Públicas, tanto para qualificar a prática no mercado, quanto para avançar nos conhecimentos científicos da área.
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BRUNO CARRAMENHA
APROXIMAÇÕES TEÓRICAS ENTRE O PROCESSO DE IDENTIFICAÇÃO E A COMUNICAÇÃO NAS ORGANIZAÇÕES1 Bruno CARRAMENHA Faculdade Cásper Líbero
RESUMO A partir do estudo da prática da comunicação no âmbito das organizações por meio de pesquisa bibliográfica da área de Relações Públicas, o presente artigo relaciona os conceitos de identidade e identificação, advindos da sociologia, com as posições que os profissionais de comunicação corporativa têm assumido nas organizações. Por meio de um olhar histórico, investiga-se o processo de identificação do profissional no realizar de suas atividades, seja na gestão dos processos midiáticos organizacionais ou na liderança estratégica dos departamentos de comunicação, com base nas interpelações dos executivos com quem se relaciona profissionalmente ou da própria categoria da qual faz parte. Evidencia-se que há na práxis dos profissionais de comunicação uma confusão acerca do trabalho realizado por esses profissionais, que é reflexo de um processo histórico da atividade. Palavras-chave: Identidade; Identificação; Comunicação Comunicação com empregados; Processos midiáticos.
corporativa;
ABSTRACT Based on the study of communication practice within organizations through literature research of the area of Public Relations, this article aims to relate the concepts of identity and identification, arising from sociology, with the positions that corporate communication professionals have assumed in organizations. Through a historical look, the objective is to investigate the professional identification process in performing their activities, no matter if managing organizational media processes or leading strategic communication departments, based on interpolations of executives with whom they relate professionally or the own category to which they belong. It is revealed that there are, in praxis of communication, a confusion about the work done by these professionals, which is a reflection of a historical process of the activity. Keywords: identity; identification process; corporate communications; employee communications; media process.
1 Adaptação do artigo originalmente apresentado no XIV Congresso Internacional IBERCOM, na Universidade de São Paulo, São Paulo, de 29 de março a 02 de abril de 2015.
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APROXIMAÇÕES TEÓRICAS ENTRE O PROCESSO DE IDENTIFICAÇÃO E A COMUNICAÇÃO NAS ORGANIZAÇÕES
[...] Você diz que eu já não sou mais aquele Passa por mim e pergunta quem é ele? Como é que pode alguém deixar De ser aquele que já foi? Se quem já foi ainda é Enquanto vive ainda é Estou aqui pra provar que eu sou eu Vim desfazer essa dúvida cruel Pois só de te mostrar que não sou outro Eu já me sinto outro, já valeu Eu sou eu, Luiz Tatit, 1997.
INTRODUÇÃO O desenvolvimento e a prática da comunicação nas empresas se confunde com o próprio estabelecimento das estruturas organizacionais. Tomando-se por base que a comunicação é o fundamento das relações humanas (MARCHIORI, 2008), é, portanto, indispensável no funcionamento das organizações, que são “sistemas sociais e históricos, constituídos por recursos materiais e imateriais e pessoas – que se comunicam e se relacionam entre si” (NASSAR, 2009, p. 62). A partir da metade do século XX, entretanto, as organizações passaram a sentir a necessidade de gerenciar seus relacionamentos com públicos diversos e de dar conta formalmente dos processos midiáticos corporativos e, portanto, a tratar a comunicação sob uma perspectiva funcional, neste caso, tendo a necessidade de um profissional para este gerenciamento. Este profissional, por sua vez, como qualquer indivíduo contemporâneo, está sujeito às mazelas do tempo em que vive. As organizações são um “produto da história e do tempo das sociedades em que se inserem” (FREITAS, 2006, p.55) e estão, portanto, suscetíveis a sediar – e a participar ativamente – dos diversos processos aos quais os indivíduos estão sujeitos, como o processo de identificação daqueles que dela fazem parte. Apegando-se temporariamente a posições diferentes, o sujeito contemporâneo está necessariamente submetido a um processo de identificação, ora por si próprio ora pelas pessoas a sua volta. Submetida a um processo – diga-se, que nunca será acabado – a identidade do sujeito está sempre em formação, em andamento, construindo-se a partir de uma busca prioritariamente externa para completar aquilo que lhe falta internamente. Este processo tem relação, prioritariamente, com aquilo que o outro projeta sobre 26 | COMUNICAÇÃO - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 9| n.9|p. 025-038| 1° Semestre 2015
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o indivíduo. Como afirma o sociólogo Stuart Hall, as identidades são as posições que o sujeito é obrigado assumir, embora ‘sabendo’ [...] sempre, que são representações, que a representação é sempre construída ao longo de uma falta, ao longo de uma divisão, a partir do lugar do Outro (HALL, 2014a, p.112).
No contexto organizacional, objeto deste artigo, está o profissional de comunicação, que precisa se afirmar em posições e representações por meio de um processo sem-fim de identificação. A partir do estudo da comunicação organizacional por meio de pesquisa bibliográfica da área de Relações Públicas (CARRAMENHA, CAPPELLANO e MANSI, 2013; FARIAS, 2011; FERNANDES, 2011; FERRARI, 2009; KUSCH, 2002, 2003; MARCHIORI, 2008ª, 2008b; NASSAR, 2009), o presente artigo relaciona os conceitos de identidade e identificação, advindos da sociologia (BAUMAN, 2001, 2005; HALL, 2013, 2014a, 2014b; SILVA, 2014; WOODWARD, 2014), com o papel que os profissionais de comunicação corporativa têm assumido nas organizações. Acreditamos, como Maria Aparecida Ferrari (2009), que há uma confusão na prática – e, por conseguinte, no reconhecimento – da comunicação realizada nas organizações que contribuiu para uma perda de identidade da atividade. No artigo são avaliados os aspectos históricos do surgimento da atividade de comunicação corporativa que contribuem para a formação da identidade da categoria profissional e, igualmente, dos indivíduos que ocupam estes postos nas organizações. O olhar para a história é relevante ao passo que nos permite compreender com mais clareza a realidade contemporânea. Nas relações que se faz da atividade de comunicação corporativa com o conceito de identidade, é importante mencionar que o próprio entendimento da identidade se transforma com a história, de acordo com as concepções de sujeito (GREGOLIN, 2008).
ATUAÇÃO PROFISSIONAL DA COMUNICAÇÃO E A IDENTIDADE A Comunicação vem ganhando mais relevância nas organizações do que em décadas anteriores, especialmente por conta das grandes transformações sociais e tecnológicas que emergiram (FERRARI, 2009). As principais responsabilidades da disciplina enquanto departamento organizacional, no que tange a comunicação com empregados, variam significativamente dependendo do contexto organizacional, ainda que, academicamente destaque-se o forte vínculo e contribuição para o alcance dos objetivos organizacionais, promoção de clima positivo, por meio do alinhamento entre discurso e prática e geração de engajamento (CARRAMENHA; CAPPELLANO; MANSI, 2013). Há duas perspectivas de análise da comunicação das organizações. Como um processo, a comunicação é estudada como agente de criação da realidade e do mundo social (MARCHIORI, 2008). “A organização depende da comunicação para sua sobrevivência” (MARCHIORI, 2008, p. 148). COMUNICAÇÃO - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 9| n.9|p. 025-038| 1° Semestre 2015 | 27
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Corrobora Kunsch com essa visão quando afirma que o sistema organizacional se viabiliza graças ao sistema de comunicação nele existente, que permitirá sua contínua realimentação e sua sobrevivência. Caso contrário, entrará num processo de entropia e morte. Daí a imprescindibilidade da comunicação para uma organização social (2003, p. 69).
Nesta perspectiva, a comunicação é entendida como um processo, ou seja, ela cria a realidade e o mundo social (MARCHIORI, 2008). Desta forma, independem os modelos administrativos adotados pela gestão, uma vez que a comunicação se estabelece na dinâmica do dia a dia de trabalho, nas relações internas, na construção e no compartilhamento de significados entre empregados e empresa, na criação e disseminação de regras, regulamentos, procedimentos, direitos e deveres (NASSAR, 2009), que pode acontecer nos fluxos formais ou informais2 das organizações. A comunicação, no entanto, também assume um caráter funcional, adquirindo um papel de servir um propósito nos processos de interação nas organizações (MARCHIORI, 2008). Neste caso, está sedimentada nos fluxos formais e tem relação direta com a gestão dos negócios. Nas organizações, comumente, este caráter funcional diz respeito ao que se atribui aos departamentos de Comunicação. A prática da comunicação corporativa de maneira mais formal está diretamente relacionada à história das Relações Públicas no Brasil3. A partir da década de 1950 “surgem os primeiros e efetivos departamentos de Relações Públicas nas empresas multinacionais e nas agências de Publicidade e Propaganda” (KUNSCH, 2002, p. 121) para lidar com uma demanda latente de estabelecimento de relações formais e estruturadas entre as organizações e seus públicos. É também, nesta mesma época, que surge o conceito de “Jornalismo Empresarial”, que tratava exclusivamente da gestão dos processos midiáticos, por meio da produção de boletins institucionais e house organs. Antes disso, são poucos e sem representatividade os registros do uso funcional da comunicação nas organizações. Não é à toa que as áreas correlatas de jornalismo e publicidade e propaganda tenham sido fundamentais na formação e consolidação da prática da comunicação nas organizações, uma vez que o primeiro curso universitário de Relações Públicas surgiu em 1967, 20 anos depois da fundação da faculdade de jornalismo e 16 anos depois da primeira escola superior de propaganda (HIME, 2004; DURAND, 2006). A história ajuda a compreender a práxis. A pesquisa ‘Comunicação Interna 2012’, da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial – Aberje (2012), revela que a maioria (43%) dos profissionais responsáveis pela Comunicação Interna nas organizações é formada em jornalismo. A formação em Relações Públicas está em segundo lugar, com menos da metade dos profissionais (21%), seguida, de perto, por Publicidade e Propaganda (16%). Esses dados são congruentes com pesquisa 2 Por fluxos formais entende-se a comunicação que se estabelece por meio dos canais institucionalizados da companhia e costuma ser disseminada verticalmente. Já os fluxos informais acontecem fora dos canais oficiais da companhia, de forma espontânea e usualmente de forma oral (CARRAMENHA; CAPPELLANO; MANSI, 2013). 3 O início da profissão de Relações Públicas no Brasil é reconhecido como tendo sido em 1914, com a criação do Departamento de Relações Públicas da Light, entretanto, essa experiência, apesar de pioneira, foi isolada, não ocorrendo maior crescimento nas três décadas seguintes (KUSCH, 2002).
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desenvolvida pela professora Maria Aparecida Ferrari (2009) em empresas da América Latina, que apontou, no Brasil, que entre as 22 empresas pesquisadas, oito delas têm um jornalista de formação na liderança do departamento de Comunicação. Três delas contam com um profissional de Relações Públicas e nas demais são profissionais de outras habilitações da comunicação, além de advogados, engenheiros, administradores, entre outros. A pesquisa de Ferrari aponta ainda que é comum a confusão que se estabelece [por parte da alta direção das organizações latino-americanas] principalmente entre as profissões de relações públicas e jornalismo, com forte predominância da segunda sobre a primeira, uma vez que existe maior clareza em relação ao fazer jornalístico (FERRARI, 2009, p. 190).
A “confusão” mencionada tem outros fatores determinantes, além da formação universitária. Entre eles está a forma como o profissional se posiciona e é reconhecido na organização. Uma constatação curiosa que fizemos foi a divergência entre as visões [...]. Enquanto quase a metade da amostra dos CEO’s identificava o profissional de relações públicas com a função mediática e técnica, os comunicadores, na sua maioria, afirmavam exercer sua função na dimensão estratégica (FERRARI, 2009, p. 191).
Isto, acredita a pesquisadora, tem estreita relação com a realidade vivida pelo profissional de comunicação nas estruturas cada vez mais enxutas das organizações, que o forçam a desenvolver papéis altamente estratégicos e meramente operativos, por falta de recursos humanos (FERRARI, 2009). Essa “troca de papéis” a qual o profissional de comunicação está sujeito nas organizações não é exclusiva aos comunicadores. Não é, aliás, exclusiva de quem está vinculado a organizações apenas – e tampouco está fadada a acontecer apenas no interior dos muros organizacionais. O apego temporário a diferentes representações é inerente ao sujeito contemporâneo. A ruptura da antiga concepção de que as condições humanas seriam divinamente estabelecidas – apoiadas, portanto, nas tradições – causou um deslocamento do sujeito e, portanto, uma fragmentação da identidade (HALL, 2014b). As identidades que o sujeito assume, afirma Hall (2014a, 2014b), se constroem por meio de práticas discursivas, a partir de um encontro entre a expectativa e interpelação alheia e os “processos que produzem subjetividades, que nos constroem como sujeitos aos quais se pode ‘falar’” (2014a, p. 112), podendo o sujeito se reconhecer em múltiplas identidades, conforme a posição discursiva que ocupa ou a maneira pela qual é interpelado ou representado. Assim, o sujeito se vê, constantemente, obrigado a oficializar em discurso uma resposta para a pergunta “Quem sou eu?”, como se precisasse fazer essa afirmação ao outro para, de fato, ser.
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Afinal de contas, a essência da identidade – a resposta à pergunta “Quem sou eu?” e, mais importante ainda, a permanente credibilidade da resposta que lhe possa ser dada, qualquer que seja – não pode ser constituída senão por referência aos vínculos que conectam o eu a outras pessoas e ao pressuposto de que tais vínculos são fidedignos e gozam de estabilidade com o passar do tempo. Precisamos de relacionamentos, e de relacionamentos em que possamos servir para alguma coisa, relacionamentos aos quais possamos referir-nos no intuito de definirmos a nós mesmos (BAUMAN, 2005, p. 74).
Desta maneira, a identidade não pode ser entendida como algo que emerge naturalmente do indivíduo, mas sim como um processo contínuo, de formação ao longo do tempo. Portanto, recomenda Hall que “em vez de falar da identidade como uma coisa acabada, deveríamos falar de identificação, e vê-la como um processo em andamento” (2014b, p. 24), que, por operar por meio da différance, “envolve um trabalho discursivo, o fechamento e a marcação de fronteiras simbólicas” (2014a, p. 106).
IDENTIFICAÇÃO: UM PROCESSO EM CONSTRUÇÃO No contexto organizacional, a demanda pela formalização e “funcionalização” da comunicação, por meio da gestão dos relacionamentos e dos processos midiáticos, fez surgir uma nova categoria de profissionais de comunicação corporativa, que assumiram a tarefa de liderar a área de Comunicação para a consecução dos seus objetivos. Dentro das organizações, estes profissionais, como tantos outros, estão sujeitos à dinâmica contemporânea que o trabalho assume na sociedade, e, igualmente, ao processo de identificação, advindo das interpelações que acontecem dentro e fora do ambiente organizacional, e que gera a fragmentação identitária. O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um ‘eu’ coerente. Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas (HALL, 2014b, p. 12).
O processo de identificação do indivíduo se dá, muitas vezes, com grupos sociais que se faz – ou quer fazer – parte, a procura de um “nós” a que possa pedir acesso (BAUMAN, 2005). Assim, Woodward (2014) defende que o sujeito atenderá sempre às diferentes expectativas e restrições envolvidas nos campos sociais nos quais atua, especialmente em face à complexidade da vida moderna, que exige dele assumir diferentes identidades. Os indivíduos vivem no interior de um grande número de diferentes instituições, que constituem aquilo que Pierre Bourdieu chama de ‘campos sociais’, tais como famílias, os grupos de colegas, as instituições educacionais, os grupos de trabalho ou partidos políticos. Nós participamos dessas instituições ou ‘campos sociais’, exercendo graus variados de escolha e autonomia, mas cada um deles
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tem um contexto material e, na verdade, um espaço e um lugar, bem como um conjunto de recursos simbólicos (WOODWARD, 2014, p. 30).
No contexto social contemporâneo, em que o trabalho assume cada vez mais importância na vida dos indivíduos, a representação de “trabalhador” ganha lugar de destaque entre os papéis assumidos pelo sujeito (JAQUES, 1996), uma vez que as organizações assumem uma posição relevante entre os grupos com os quais se quer identificar. Apesar da realidade descrita por Bauman (2005), cuja tendência é de formação de grupos que são “frágeis ‘totalidades virtuais’, em que é fácil entrar e ser abandonado” (BAUMAN, 2005, p.31), as organizações tendem a oferecer mais segurança e estabilidade nesse sentido, e passam, portanto, a se apresentar como “produtoras de identidades sociais” (FREITAS, 2006, p. 58). Hoje, frente ao esfalecimento do Estado [...], qual o discurso de relevância que resta ao sujeito? Diante da anemia coletiva proveniente de toda esta perturbação dos processos anteriormente possíveis de identificação, fica fácil para que o discurso das grandes corporações construa um novo imaginário coletivo. Seu pleno potencial identitário mostra-se capaz uma vez que as corporações produzem um sentido para existência do sujeito – além de conseguir tangibilizar tal narrativa em seus produtos ou serviços, de forma palpável. Hoje, é com grande facilidade que nota-se o valor do ‘sobrenome corporativo’ (CAPPELLANO, 2014, p. 41).
Assim, é comum que, quando interpelado pela questão “Quem é você?”, o sujeito responda seu nome seguido da empresa em que trabalha. Como afirma Freitas (2006), as significações imaginárias sociais tornam central a função da identidade, do reconhecimento e do pertencimento sociais. Essa função, antes preenchida pelo social, parece agora deslocar-se para as organizações e empresas, onde a carreira ou o status profissional torna-se a grande referência da identidade social que vai falar mais alto no psiquismo dos indivíduos (FREITAS, 2006, p.59).
Adicionalmente, Silva (2014) afirma que é a criação linguística que define, ativamente, no contexto das relações culturais e sociais, a identidade. Referenciando Ferdinand de Saussure, Silva defende que a língua é um sistema de diferenças. É por meio da linguagem que o indivíduo é colocado em uma cadeia infinita de conceitos que o permite identificar que uma palavra se refere a seu significado e, portanto, nega todos os outros possíveis (SILVA, 2014). Ainda assim, o significado daquilo que se produz na linguagem é instável e pode gerar interpretações diferentes da desejada, apesar do esforço natural de se fazer entender perfeitamente sempre que se fala. A língua precede o sujeito, portanto, a ordem natural é de que este se adapte àquela. É submetido às regras da língua e dos sistemas culturais que se pode produzir significados, que surgem “nas relações de similaridade e diferença que as palavras têm com as outras no interior do código da língua” (HALL, 2014b, p. 25). Neste sentido, sendo a língua um sistema social e não individual, o processo de identificação é uma
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relação social e está submetido às relações de poder4 (SILVA, 2014). As posições que os sujeitos assumem nos processos de identificação não são, portanto, necessariamente individuais. Há recorrentes posições-de-sujeito que estão vinculadas a grupos de maior ou menor envergadura, mas que estabelecem, igualmente, seus limites por meio da identidade e da diferença. “Nós somos ‘nós’ porque não somos ‘eles’”. Neste caso, coletivo, evidenciam-se claramente as relações de poder, pois, presume-se uma classificação entre quem faz e quem não faz parte. Surgem, por conseguinte, práticas coletivas que estabelecem um sistema de significações para ações e linguagens próprias, que passam a identificar e definir características de reconhecimento a estes grupos e os indivíduos que deles fazem parte. Neste sentido, Freitas (2006) afirma que a identidade, por não ser fixa, depende do seu ponto de definição, podendo estar relacionada ao indivíduo, a um grupo ou à sociedade em geral. Um sujeito tem diversas identidades, e o conjunto delas lhe permite experimentar um sentimento de identidade, visto que não existe identidade sem esse sentimento interno. Este é composto dos sentidos de unidade, de singularidade, de coerência, de filiação ou pertencimento, de valor, de autonomia e confiança, organizados em torno de uma vontade de existência (FREITAS, 2006, p. 40).
É reconhecendo-se nesses grupos que o indivíduo se insere num sistema cultural, que garantirá o compartilhamento de significados às representações próprias daquele ambiente. “Todo grupo acaba desenvolvendo seu próprio ‘código’, pelo qual tudo pode ser compreendido por meias palavras ou mesmo pelo silêncio” (FREITAS, 2006, p. 31).
O PROCESSO DE IDENTIFICAÇÃO DO PROFISSIONAL DE COMUNICAÇÃO Sendo o processo de identificação contínuo e inerente ao indivíduo ao longo de sua vida, independentemente da posição que esteja ocupando, não importa a posiçãode-sujeito, nunca haverá uma em que se deseje (ou possa) fixar. Em se tratando da identificação com as organizações, a fragmentação da identidade se fortalece nos programas de “flexibilidade” de trabalho recentemente adotados pelas empresas, tendência que vem aumentando a quantidade de contratos de emprego de curto prazo5. Adicionalmente, segundo Bauman, “um jovem americano com nível médio de educação espera mudar de emprego 11 vezes durante sua vida de trabalho” (2001, p.185), o que evidencia a temporalidade da identidade que a corporação lhe confere. Ao atuar em um cargo cujas responsabilidades e atribuições não são extremamente claras nem aos executivos do mais alto escalão das organizações (FERRARI, 2009), o profissional de comunicação tem acentuado seu processo de identificação, ao 4 Segundo Silva, as marcas da presença do poder são “incluir/excluir (‘estes pertencem, aqueles não’); demarcar fronteiras (‘nós’ e ‘eles’); classificar (‘bons e maus’; ‘puros e impuros’; ‘desenvolvidos e primitivos’; ‘racionais e irracionais’); normalizar (‘nós somos normais; eles são anormais’)” (2014, p.81-82). 5 Para Bauman (2001), o termo ‘flexibilidade’ “quando aplicado ao mercado de trabalho augura um fim do ‘emprego como conhecemos’, anunciando em seu lugar o advento do trabalho por contratos de curto prazo, ou sem contratos, posições sem cobertura previdenciária, mas com cláusulas ‘até nova ordem’” (BAUMAN, 2001, p.185).
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precisar se apegar às diferentes interpelações que lhe são postas acerca do trabalho que realiza. Ou seja, adicionalmente ao processo contínuo e natural de identificação do sujeito contemporâneo, o profissional de comunicação corporativa padece também da confusão de seus interlocutores – e, por vezes, sua também – a respeito do trabalho que desempenha. A comunicação foi e ainda é confundida pela alta direção na medida em que muitos executivos não a veem como um processo contínuo e permanente de construção de sentidos e significados que se traduzem em percepções e opiniões da sociedade para as organizações. As entrevistas por nós realizadas com os CEO’s de empresas mostram que a visão deles está centrada na comunicação vista como ‘instrumento’ e como ‘meio’ tangível para conseguirem benefícios concretos para seus negócios (FERRARI, 2009, p.155).
Segundo a própria autora, a história da comunicação ajuda a explicar a realidade vivida pelo profissional atualmente nas organizações. “Uma das razões dessa situação parece ter origem no consenso entre os primeiros pesquisadores de que o campo da comunicação teria uma estreita vinculação com os meios massivos de informação” (FERRARI, 2009, p.155). Concorda com a afirmação Mansi ao dizer que A comunicação com empregados é um espaço relativamente recente dentro do campo da comunicação organizacional que, por sua vez, também não carrega muitas décadas de existência. Ambas têm sua origem na prática. Talvez resida aí uma característica muito marcante da função: seu aspecto instrumental (MANSI, 2014, p.10).
Fernandes atribui tal característica à relação (ou à falta dela) entre academia e mercado de trabalho. A universidade brasileira fundamenta relações públicas na vertente humanista administrativa; em contrapartida, o mercado segue a escola norte-americana e caminha no mesmo sentido de direção. [...] A universidade comete o pecado capital de buscar incessantemente sua integração com o mercado, que não dá a menor importância aos fundamentos teóricos ministrados por ela. Apesar de todos os esforços, não existe nenhuma ponte entre o ensino e a prática de relações públicas, pois os próprios alunos se curvam ao imperialismo do mercado, abandonando os princípios e fundamentos aprendidos na universidade. E, por razões inexplicáveis, ao deixarem a universidade, recomeçam o aprendizado submetendo se às regras e práticas impostas por ele (FERNANDES, 2011, p. 46-47).
Não havendo clareza no mercado sobre a atividade principal a qual o profissional de comunicação deve responder, a categoria como um todo se fragmenta e, portanto, enfraquece. A pesquisa da Aberje (2012), mostra que historicamente vem diminuindo a quantidade de empregados que trabalham em comunicação interna nas organizações pesquisadas.
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A reflexão proposta por Fernandes (2011) dá pistas sobre os motivos deste enfraquecimento da prática da comunicação que se observa nas organizações. A profissão de relações públicas se estabeleceu no fim da década de 1960 para dar conta da demanda de comunicação corporativa que o mercado vinha apresentando há pelo menos 20 anos. Neste período sem um profissional de formação específica e sem regulamentação da atividade profissional, jornalistas, publicitários e outros profissionais assumiram este posto nas organizações. Praticamente desde sua formalização, as relações públicas, enquanto categoria profissional, passaram reivindicando um espaço exclusivo no gerenciamento da comunicação das organizações, sem – aparentemente – reconhecer que a demanda empresarial não está vinculada à formação acadêmica. Dividida, a categoria dos profissionais de relações públicas experimenta há anos uma polarização sobre a regulamentação da profissão. Há, entre esses profissionais, aqueles que defendem uma maior fiscalização nas organizações para garantir uma reserva de mercado – no desenvolvimento da comunicação corporativa – a quem se formar nos cursos de graduação em relações públicas. Do outro lado, há um grupo de profissionais que argumenta que esta regulamentação, por não refletir a realidade do mercado de trabalho, deveria ser flexibilizada, para valorizar, desta maneira, a atuação efetiva das relações públicas, enquanto disciplina organizacional, para além da formação universitária. Neste embate entre proposição acadêmica e práxis, a atividade de comunicação organizacional tem dificuldade de se sedimentar, ainda mais na realidade contemporânea fragmentada. É, então, em muitos casos, relegada a uma categoria profissional que Robert Reich (apud BAUMAN, 2001) chama de “trabalhadores de rotina”. Hoje em dia tendem a ser as partes mais dispensáveis, disponíveis e trocáveis do sistema econômico. Em seus requisitos de emprego não constam nem habilidades particulares, nem a arte da interação social com clientes - e assim são as mais fáceis de substituir; têm poucas qualidades especiais que poderiam inspirar seus empregadores a desejar mantê-los a todo custo; controlam, se tanto, apenas parte residual e negligencial do poder de barganha (BAUMAN, 2001, p.191).
Paradoxalmente, este profissional, com acentuada dificuldade no processo de identificação e frequente designação meramente técnica e operativa, comumente se responsabiliza pela construção do discurso organizacional. A ele é designada a responsabilidade de produzir ou decodificar os interesses corporativos e encontrar formas assertivas de transmiti-lo adequada e coerentemente aos empregados da organização a qual está vinculado. O trabalho do profissional que responde pela área de comunicação, portanto, abrange a tarefa de auxiliar o processo de identificação dos demais empregados da organização, uma vez que o discurso adotado nos processos midiáticos organizacionais faz o papel do Outro, em nome da empresa, na construção da identidade de todos aqueles que trabalham para uma organização.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS A sociedade está se transformando em uma velocidade nunca antes vista. Não há na história período de mudança nas relações sociais tão significativas que tenha acontecido em tão pouco tempo quanto na sociedade contemporânea. Indivíduos inseridos em uma sociedade em transformação são afetados por essas mudanças, ao mesmo tempo em que são responsáveis por elas. Buscam incessantemente se reconhecer em diferentes representações, que os posicionem em consonância com grupos aos quais fazem (ou querem fazer) parte. Com o presente artigo buscou-se investigar como os profissionais de comunicação nas empresas se submetem aos processos de identificação e em quais instâncias a confusão de sua atuação na práxis profissional pode afetar seu processo de reconhecimento e identificação em determinados sistemas sociais. Como um sujeito contemporâneo, este profissional, ao longo da sua vida, se apega a diferentes posições de identidade em um processo de identificação inerente a sua natureza e que sempre se dará a partir de uma falta. Entretanto, as pesquisas revelam que ao seguir uma carreira em comunicação corporativa sua identidade profissional está sujeita a uma confusão por parte dos demais profissionais, confusão essa que tem relação com a própria história e estabelecimento da profissão. Assim, ao responsabilizar-se pela comunicação funcional das organizações, o profissional de comunicação nem sempre leva em conta a comunicação processual que se estabelece muito antes de sua chegada. E, ao tratar essas duas vertentes de forma apartada, ou mesmo de ignorar a segunda, se encarrega apenas do aspecto operacional da gestão da comunicação, o que contribui para a confusão que se estabelece em seu processo de identificação, aqui retratada. Assim, com uma atuação mais abrangente, que considere que “a construção de relacionamentos nas organizações implica necessariamente no aprimoramento das relações sociais” (MARCHIORI, 2008a, p. 253), o profissional se aproximará mais de um trabalho estratégico, como demonstra desejar, ao considerar os aspectos de gestão de relacionamentos em sua atuação, “detectando e avaliando os anseios, as necessidades e as reações dos públicos” (MARCHIORI, 2008b, p. 87-88). É no realizar da sua atividade que o profissional está construindo sua identidade – e a da categoria como um todo. As posições a que se apega durante sua atuação terão contribuição direta para aquelas que surgirão em seguida, seja na organização em que atua ou nas próximas que potencialmente atuará. As referências bibliográficas e estudos realizados pelos autores aqui citados contribuíram para esta reflexão que perpassa pelo próprio reconhecimento da atividade de comunicação corporativa e da categoria de relações públicas pelo mercado. A confusão aqui mencionada, evidenciada pelas pesquisas de Ferrari (2009), é apenas um reflexo de um processo histórico da atividade. Com este artigo, abre-se, ainda, a possibilidade de uma outra reflexão a respeito do discurso organizacional que está sendo transmitido aos empregados. Teria o profissional de comunicação – ou o processo de comunicação corporativa como um COMUNICAÇÃO - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 9| n.9|p. 025-038| 1° Semestre 2015 | 35
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todo – parte representativa de responsabilidade pela alta rotatividade de emprego observada na contemporaneidade? A reflexão a este tema cria espaço para um novo artigo acadêmico que passe pelas ideias paradoxais de, por um lado, as organizações terem assumido um papel relevante, enquanto instituições sociais, nos processos de identificação do sujeito contemporâneo e, por outro, a acentuada mobilidade de emprego de trabalhadores das mais diversas áreas, eventualmente como uma forma de “evitar frustração iminente [...], uma reação natural à ‘flexibilidade’ do mercado de trabalho” (BAUMAN, 2001, p. 191).
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APROXIMAÇÕES TEÓRICAS ENTRE O PROCESSO DE IDENTIFICAÇÃO E A COMUNICAÇÃO NAS ORGANIZAÇÕES
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MIGUEL DE OLIVEIRA JÚNIOR, LISLEY DOS SANTOS, PAULO DA SILVA E VICTOR BARROS
AS REDES SOCIAIS COMO CRIADORAS E PROPAGADORAS DA NOTÍCIA Miguel A. de OLIVEIRA JÚNIOR
Mestre em Linguística Aplicada – Professor das Faculdades Integradas Teresa D’Ávila e da Associação Educacional Dom Bosco
Lisley Cristiane Nogueira dos SANTOS
Graduanda do curso de Jornalismo das Faculdades Integradas Teresa D’Ávila
Paulo Victor Souza da SILVA
Graduando do curso de Jornalismo das Faculdades Integradas Teresa D’Ávila
Victor Hugo Evangelista BARROS
Graduando do curso de Jornalismo das Faculdades Integradas Teresa D’Ávila
RESUMO O presente artigo tem como objetivo demonstrar o papel das redes sociais na criação e propagação da notícia, por meio de pesquisas teóricas. Toda informação deve ser fundamentada numa fonte sólida e veraz. No entanto, nem sempre nos deparamos com esta realidade. Não se pode ter o controle das informações expostas pelas diversas redes sociais, mas deve-se questionar a origem antes de propagá-la como notícia. Várias informações são dispostas pelas redes sociais, porém é indispensável verificar a procedência e veracidade de cada uma delas. Por meio das análises sobre o que anda pensando os internautas que frequentam diariamente as redes sociais, pode-se observar o quanto os mesmos contribuem para proliferação da notícia, a partir de meios simples e inovadores de se comunicarem e até mesmo de gerarem informações já expostas nas próprias redes sociais. Notamos o quanto sua influência que abrange todos os aspectos mudou o conceito de opiniões dos indivíduos sobre tais fatos que geram polêmica na mídia. O tema nos oferece a proposta de estudar o modo de obtenção das informações, a percepção da necessidade de estudá-las separadamente e enfim a forma de propagação, levando-se em consideração a influência que as redes sociais exercem sobre a sociedade. Em suma, nota-se que as redes sociais detêm extrema relevância no processo de criação e propagação da notícia, contribuindo para este fenômeno tão comum na sociedade pós-moderna de forma significativa. Palavras-chave: Redes Sociais; Notícia; Jornalismo Colaborativo; Criação.
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AS REDES SOCIAIS COMO CRIADORAS E PROPAGADORAS DA NOTÍCIA
ABSTRACT This article aims to show the role of social networks in creation and transmission of news, by theoretical research. All information must be reasoned a solid and thruthful source. However, not aways faced with this reality. Can not have control of exposed information by several social networks, in addition should question the source before spread it as news. Several informations are arranged by social networks, however it is essential to check the correctness and accuracy of each. Through the analysis on thinking surfers who daily attend social networks, we can observe how they contribute to the proliferation of news, from simple and innovative means to communicate and even to generate information now exposed in their own social networks. We noticed how their influence covers all aspects changed the concept of opinions of the individuals on such facts generates controversy in the media. The theme offers us the proposal to study the mode of obtaining information, the perceived need to study them separately and finally the form of propagation, taking into account the influence that social networks have on society. In short, it is noted that social networks hold great relevance in the creation and spread the news process, contributing to this common phenomenon in post-modern society significantly. Keywords: Social Networks; News; Collaborative Journalism; Creation.
INTRODUÇÃO Nesta obra busca-se estudar e comprovar o papel das redes sociais na criação e propagação da notícia, seus métodos, suas causas, efeitos e consequências para a sociedade pós-moderna e para a comunicação social, sobretudo o jornalismo. Na era da informação, o conhecimento está por toda parte, em todas as esferas e áreas. A internet é hoje a ferramenta mais utilizada para difusão do conhecimento. Nos últimos tempos, as redes sociais exercem um importante papel na sociedade, servindo como espaço de entretenimento e, sobretudo propagação de milhares de informações a cada segundo de forma ágil, eficaz e eficiente. Este artigo relata a utilização das redes sociais, (facebook, twitter, instagram, whatsapp) como espaço de circulação de informações e veiculação de notícias, criando um canal de comunicação e interação entre os internautas viabilizando o uso de diversos recursos disponíveis neste espaço, tais como fóruns, chats, textos, fotos, vídeos e alguns aplicativos, possibilitando diversas oportunidades para divulgação de fatos que acontecem em tempo real na sociedade, além de permitir o pensamento crítico e reflexivo, no contexto informativo. O estudo realizado é teórico e bibliográfico, apresenta conceitos e alguns exemplos de utilização destes espaços, tendo como objetivo analisar as potencialidades e possibilidades do uso de redes sociais na propagação e divulgação da notícia, através das tecnologias da informação e comunicação, com vista a promover a interação, a colaboração e as competências tecnológicas dos sujeitos envolvidos.
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MIGUEL DE OLIVEIRA JÚNIOR, LISLEY DOS SANTOS, PAULO DA SILVA E VICTOR BARROS
Diante disso, este artigo pretende demonstrar o papel exercido pelas redes sociais no processo de criação e como meio de propagação da notícia.
AS REDES SOCIAIS E A SOCIEDADE PÓS-MODERNA Desde o mais remoto dos tempos, o homem sempre procurou viver interligado a seus semelhantes, criando com eles redes de interesses sociais que se modificam e se desenvolvem conforme sua trajetória. Segundo Oliveira Júnior e Silva (2010, p. 86): “o homem moderno não existiria sem que houvesse a comunicação, sendo ela pessoal, impessoal, verbal ou não verbal.” Nos últimos anos, a metáfora das redes sociais tem sido aplicada com maior ênfase e pluralidade para o estudo dos grupos sociais na Internet (RECUERO, sd). É notória a força das redes sociais na sociedade pós-moderna, sobretudo para a disseminação de informações. Segundo Tomaél, Alcará e Di Chiara (2005, p. 94) as redes: “funcionam como espaços para o compartilhamento de informação e do conhecimento”, contribuindo muitas vezes para a criação e propagação de notícias, tornando-se assim um filtro de informação que colabora de forma direta ou indireta com o jornalismo, haja visto que notícia nada mais é do que qualquer tipo de informação que apresenta um acontecimento novo e recente ou que divulga uma novidade sobre uma situação já existente. A notícia é o intermédio de comunicação entre os seres humanos, para expressão dos seus pensamentos e opiniões do que acontece de atual na sociedade; segundo Cardoso (2007, p. 9): “A comunicação é o processo base de toda e qualquer organização social”.
O JORNALISMO CIDADÃO E A TECNOLOGIA DIGITAL São os meios de comunicação que transformam os fatos e acontecimentos em notícia, procuram apresentar um significado do que deve ser, tornando-os acessíveis aos leitores, sendo bem amplos seus respectivos assuntos sobre todos os parâmetros das informações que são circuladas constantemente, em todas as mídias corporativas e veículos de comunicação globais. “O nosso mundo é um mundo de comunicação mediada por tecnologias como o lápis e o papel, o telefone, a televisão e a internet, e continua a ser também o mundo da face a face” (CARDOSO, 2007). Levando em conta tudo o que foi citado, fica bem claro que toda notícia é abordada de uma determinada maneira, supondo uma ação informativa por certa análise de forças, que como vimos, poderá ser categorizada em uma ação pessoal, social, ideológica, cultural, física e tecnológica. Com esse objetivo, não podemos deixar de levar em conta e nem deixar passar despercebido que essas ações não são estanques e admitem várias sub modalidades, como por exemplo, a força conformadora da história, que se faria sentir, sobretudo, ao nível sociocultural, ou a força conformadora da economia, quer por um nível sócio organizacional, quer em nível social mais abrangente dos mercados. Nos últimos anos, a necessidade da informação em “tempo real” se mostra fundamental. Por conta disso, tem ganhado espaço na Cibercultura o COMUNICAÇÃO - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 9| n.9|p. 039-047| 1° Semestre 2015 | 41
AS REDES SOCIAIS COMO CRIADORAS E PROPAGADORAS DA NOTÍCIA
chamado jornalismo colaborativo, também chamado segundo Targiano (2009, p. 28): jornalismo cidadão, ou jornalismo cívico, ou open source journalism, ou jornalismo de fonte aberta, ou jornalismo participativo, ou jornalismo 3.0, ou web colaborativa, ou web social, ou internet de nova geração, ou software social, ou web 2.0.
Com a difusão das tecnologias digitais, podemos contar com uma maneira muito diferente de se ver os fatos, e também com uma constante convergência das áreas de comunicação, informática e telecomunicações que estão transformando a atividade jornalística. Com essas tecnologias, fica muito mais fácil organizar uma notícia, garantindo muito mais tempo e mais praticidade para os jornalistas, e por consequência também podemos notar, sem muita dificuldade, que um público maior será atingido por conta desta praticidade. Machado (sd) afirma: A criação da tecnologia digital desencadeia um processo de utilização das redes telemáticas que apresenta duas vertentes: a) as redes são uma espécie de ferramenta para nutrir os jornalistas das organizações convencionais com conteúdos complementares aos coletados pelos métodos tradicionais e b) as redes são um ambiente diferenciado com capacidade de fundar uma modalidade distinta de jornalismo, em que todas as etapas do sistema de produção de conteúdos jornalísticos permanece circunscrita aos limites do ciberespaço.
Esta modalidade jornalística ganhou seus primeiros reflexos no Brasil durante a primeira década dos anos 2000 (MADUREIRA, 2010) e parte do princípio de que qualquer pessoa pode ser um jornalista que contribui para a construção do noticiário. O cidadão entra em cena, enviando para os veículos de comunicação, imagens cinematográficas, fotos ou textos que ilustram determinada situação, que na grande maioria das vezes o cidadão-repórter presenciou. Esse fenômeno deve-se em grande parte à “vulgarização de máquinas de fotografia digital e celulares que podem captar fotos ou vídeos e enviar mensagens multimídia.” (PRIMO e TRÄSEL,sd) Essas mudanças são de extrema importância também para o uso da pesquisa, da produção e da difusão das informações que mudam constantemente todos os sentidos na vida do público, por consequência interferindo sobre uma dependência na criação de informações de suas atividades do cotidiano. Como afirma Ana Maria (2006): ‘’Pare para pensar. Você acha que antes dos computadores, da internet ou dos celulares nós não éramos dependentes de inúmeras outras tecnologias?’’ Nesse contexto, há cada vez menos espaço para a verificação eficiente de dados. Apesar disso, as características do jornalismo na web ajudam a trazer ao leitor uma sensação do real. Por meio das estratégias concernentes à apresentação de notícias em tempo real, o web jornalismo propõe uma estrutura narrativa que busca ser portadora da realidade. Como plataforma na qual se inscreve a cena midiática, o web jornalismo oferece inúmeros recursos por meio dos quais a realidade é apresentada, por 42 | COMUNICAÇÃO - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 9| n.9|p. 039-047| 1° Semestre 2015
MIGUEL DE OLIVEIRA JÚNIOR, LISLEY DOS SANTOS, PAULO DA SILVA E VICTOR BARROS
vezes, em sequência sem adição, como nos vídeos disponibilizados. Cria-se de que o portal webjornalístico tem uma redução de filtros que numa situação de porosidade, permitem a passagem do acontecimento à categoria de notícia. (DALMONTE, 2009, p. 202)
O leitor quando relata situações vividas por ele e não apenas opina, torna ainda mais forte a impressão de realidade. “A concepção de que o discurso jornalístico representa o real é ampliada, pois se cria a ideia de que aquele discurso é o real, relatado com características testemunhais”. (DALMONTE, 2009, p.213)
O grande impulso do jornalismo colaborativo veio a partir da popularização do Twitter, uma ferramenta de microblog que combina características de sites de rede social e de blogs (BOYD, GOLDER & LOTAN, 2010) nas quais os usuários representados por seus perfis, interagem por meio de mensagens de até 140 caracteres cada (JAVA et al., 2007; MISCHAUD, 2007). Nesta rede social o usuário pode “seguir” e ser “seguido” por outros membros de qualquer parte do mundo. De acordo com o próprio Twitter, o site é um lugar em que os membros “se comunicam e se conectam através da troca de rápidas e constantes mensagens, respondendo a uma simples pergunta: o que você está fazendo?”. (OLIVEIRA e CUNHA HOLANDA, 2010) Porém, pesquisas indicam que os usuários nem sempre se atêm à pergunta original feita pela ferramenta, e também fazem outras apropriações dela, como a busca e a difusão de informações (OLIVEIRA e CUNHA HOLANDA, 2010 apud JAVA et al., 2007). Porém deve-se questionar as publicações de leitores anônimos, que acontece sem o devido controle das informações publicadas. Lemann, da The New Yorker, salienta que “a sociedade cria estruturas de autoridade para produzir e distribuir conhecimento, informação e opinião”. Para quê? Para que saibamos que podemos confiar naquilo que lemos. Quando um artigo se apresenta sob a bandeira de um jornal respeitado, sabemos que foi examinado por uma equipe de editores tarimbados e com anos de aprendizado, confiado a um repórter qualificado, pesquisado, verificado, editado revisto e apoiado por uma organização de notícias fidedigna que dá testemunho de sua veracidade e precisão. Se esses filtros desaparecessem, nós, o público geral, ficamos diante da tarefa impossível de esquadrinhar e avaliar um mar interminável de conjecturas confusas de amadores. (KEEN, 2009).
Mesmo um leitor bem intencionado corre o risco de relatar informações que aparentemente parecem verdadeiras, mas na realidade são apenas boatos ou interpretações equivocadas, assim como informações não apuradas corretamente podem causar transtornos e danos irreversíveis. Deve-se ter cuidado com as postagens em redes de informações postadas, pois exercem uma grande influência sobre a sociedade. Como exemplo, citamos o caso de Fabiane Maria de Jesus, 33 anos, morta após
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sofrer um linchamento coletivo no Guarujá, em maio de 2014, por ter sido confundida com retratado falado postado em uma página da rede social chamada: “Guarujá Alerta”. A mãe de dois filhos foi amarrada, espancada e arrastada por mais de cem pessoas do bairro Morrinhos. O crime aconteceu por causa de um boato, espalhado pela internet de que ela sequestrava crianças para fazer magia negra.
O RUMOR Diversos boatos podem surgir e se espalhar pela rede. Uma informação falsa pode circular facilmente por diversos caminhos, em especial as redes sociais na internet, alcançando grandes proporções. Para Reule (2008, p. 22), o rumor seria: “Um tipo de informação não confirmada que se propaga na rede e que circula com a intenção de ser tomada como verdadeira. Sendo informação, é parte de um processo de comunicação que, por sua vez, é um fenômeno por si social”. Este mesmo conceito é aplicável ao boato virtual, com a diferença de “este ser amparado por um suporte tecnológico capaz de potencializar suas ações”. (REULE, 2008, p. 22). Assim um boato virtual é uma falsa informação, discutida como verdadeira, que circula de pessoa a pessoa, por meio de ferramentas da internet. Em espaços interativos da internet, a incerteza sobre a veracidade é um dos fatores que levam a uma maior propagação do rumor. Ao receber o rumor, o indivíduo permanece num estado de dúvida sobre o significado dos eventos ocorridos ou mesmo sobre quais eventos ainda podem ocorrer. Na ausência de notícias formais, ele busca mais informações em suas redes sociais, ampliando a propagação do rumor (REULE, 2008, p. 24). Sites de redes sociais como o Twitter, outrora citado, propagam boatos virtuais, na medida em que a interação é facilitada por essas ferramentas. Confirmado ou não um boato pode virar notícia. Assim como aconteceu em novembro de 2009, quando surgiu o boato sobre a morte de Dinho Ouro Preto. Várias atualizações sobre a possível morte do cantor foram registradas no Twitter. A proporção que a informação atingiu foi tão significativa que levou a mídia online de referência a ter de noticiar o estado de saúde do cantor, desmentindo os boatos. Primeiramente, buscou-se classificar, por meio do emprego do método da análise de conteúdo, 696 tweets relacionados sobre os boatos da morte do cantor e foi necessário identificar como o assunto foi tratado na mídia on-line de interferência. No mesmo dia em que a informação surgiu na ferramenta, foram coletados tweets, em uma busca simples no twitter pela expressão “Dinho Ouro Preto”, sem aspas. Já a informação em sites noticiosos foi buscada junto aos respectivos sites no dia seguinte ao boato, também pela busca no mesmo termo. No caso das redes para o uso de divulgação da notícia, temos características de uma ferramenta mais interativa para o público que busca informação. Dentre muitos veículos de informação que contamos nos dias de hoje, em pleno século XXI, o uso
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das redes, bem como da internet são muito mais frequentes, devido ao conteúdo em que ela se expõe de diferentes assuntos para todos os tipos de público. Como afirma Cardoso (2007, p. 43): “Uma estrutura social com base em redes é assim um sistema altamente dinâmico, aberto, sucessivo de inovação e com reduzidas ameaças a seu equilíbrio”.
MUDANÇAS NO JORNALISMO MODERNO As mudanças ocorridas no jornalismo moderno não foram somente visuais, mas também ideológicas. A grande característica da informatização das redações não significou necessariamente maior renda para as editorias, pois o mercado jornalístico se tornou instável e extremamente competitivo, obrigando os profissionais a se especializarem para valorizarem suas funções. Isso fez com que os jornais, que eram os responsáveis pela divulgação e grandes detentores da informação se reformulassem, repaginando a forma de escrever e noticiar um acontecimento. Ou seja, com a convergência criou-se um novo jeito de informar, integrando a notícia e o leitor de uma forma mais dinâmica e atrativa. E foi através da internet que isso se tornou possível. Com o desenvolvimento da Internet, diversos jornais e revistas, que antes publicavam suas notícias apenas através de mídias impressas, hoje em dia também disponibilizam o seu conteúdo através de páginas web. Nessas páginas, geralmente, o texto de uma notícia é acompanhado por um conjunto de links que correspondem às suas notícias relacionadas. Ao lado das inúmeras oportunidades criadas na Internet para o jornalismo e a melhoria na pesquisa, com acesso a maior número de informações e de fontes, há mais espaço para as matérias, melhores condições de interação com o leitor, dentre outras. A técnica é invenção humana inserida no mundo social, onde se tecem relações políticas, econômicas e culturais. É neste ambiente, portanto, no qual adquire sentido, que ela deve ser compreendida. Durante todo esse processo de difusão, a técnica sofre transformações e adapta-se à sociedade, que por sua vez também a modifica, sobre consequência de um fluxo constante. Segundo Ferrari (2010, p. 10) “O sufoco on-line é muito maior do que o da mídia tradicional”. Vale ressaltar também que o cuidado redobrado nunca é de mais, maiores são as chances dos erros em textos e artigos publicados nas redes socias por causa do comodismo e da falta de apuração da veracidade dos fatos com que aparecerem. Sobretudo, o estudo da internet, fruto da junção de tecnologias de comunicação e de informática deve ser utilizado para caracterizar o conjunto de aspectos políticos, econômicos e culturais que apresentam as oportunidades. Com a expansão do jornalismo colaborativo, “teríamos uma sociedade mais justa, sem fronteiras sociais ou geográficas. A informação poderia ser propagada livremente” (FERRARI, 2010).
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CONSIDERAÇÕES FINAIS Em síntese, consideramos que as redes sociais detêm um importante papel nos processos de criação e propagação da notícia. As redes sociais, na atualidade, são verdadeiros celeiros de fatos, relatados pelas mais diversas pessoas de diferentes locais e classes sociais. Por este motivo, elas podem servir como local de primeiro contato com determinado fato que pode vir a gerar uma notícia. A partir do momento em que determinada informação é lançada em qualquer tipo de rede social em seus mais variados formatos, a mesma está propensa a ser analisada e possivelmente ser tratada como fato noticioso. Contudo, é necessário prudência quanto à veracidade dos dados recebidos, antes de tratá-los como notícia, coisa que nem sempre é bem analisada, gerando na grande maioria das vezes notícias falsas que podem ser veiculadas, até mesmo por grandes emissoras e agências de notícias. Constatado e analisado o fato, o próximo passo é obter informações mais concretas do ocorrido que servirão para consolidar a notícia e esclarecer pontos importantes do acontecimento. Após a montagem e conclusão da notícia, a mesma necessita chegar à sociedade de forma ágil e eficaz. Para tanto, grande parte dos veículos de comunicação utilizase das redes sociais para difundir a informação noticiosa entre os mais diversos públicos. O local mais propício para tal é a internet, sobretudo as redes sociais que possibilitam atualmente uma réplica ou um compartilhamento rápido dos fatos, além de englobarem vários setores da sociedade.
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UM ESTUDO SOBRE TEXTOS MULTIMODAIS: ANALISANDO A REPRESENTAÇÃO DE NOVOS MEMBROS EM ANÚNCIOS PUBLICITÁRIOS DE SELEÇÃO DE UMA AGÊNCIA EXPERIMENTAL DE PUBLICIDADE E PROPAGANDA Gabriela REMPEL1
Universidade Federal de Santa Maria
RESUMO Este estudo investiga a construção de textos multimodais, a partir da forma como novos membros de uma agência experimental de Publicidade e Propaganda, de uma instituição do sul do país, são representados visualmente nos anúncios publicitários para recrutamento de novos integrantes. Para tanto, adota-se a abordagem teórica da Gramática do Design Visual (KRESS E VAN LEEUWEN, 2006) e a proposta para análise de anúncios publicitários impressos de Cheong (2004). Para análise, foram selecionados três anúncios publicitários de seleção. Como resultados, percebe-se que os novos membros são representados pelos atributos e competências pretendidos aos cargos que deverão assumir. PALAVRAS-CHAVE: Textos multimodais; Anúncio publicitário impresso; Significados representacionais; Representação de novos membros
ABSTRACT This study aims to investigate the visual construction of multimodal texts, focusing on how new members of an experimental advertising agency, located at south of Brazil, are visually represented in advertisements of new members recruitment. The research adopts the theoretical approach of the Grammar of Visual Design (KRESS AND VAN LEEUWEN, 2006) and the proposal for analysis of print advertisements of Cheong (2004). Three recruitment advertisements were selected for analysis. As results, it is pointed out that new members are represented by their attributes and skills intended to positions which then should take. KEYWORDS: Multimodal texts; Printed advertising; Representational meaning; New members representation 1 Mestre em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), na linha de pesquisa Linguagem no Contexto Social. Especialista em Linguagem e Representação pelo Centro Universitário Franciscano. Graduada em Comunicação Social, Habilitação em Publicidade e Propaganda, pela UFSM. E-mail: gabriela.rempel@gmail.com Lattes: http://lattes.cnpq.br/7411612143049825.
UM ESTUDO SOBRE TEXTOS MULTIMODAIS: Analisando a representação de novos membros em anúncios publicitários de seleção de uma agência experimental de Publicidade e Propaganda.
INTRODUÇÃO Recursos visuais são mobilizados em qualquer tipo de texto. Mesmo naqueles que privilegiem códigos verbais, por exemplo, há utilização de tipografia, formatação e cor (NASCIMENTO; BEZERRA; HEBERLE, 2011, p. 530). A utilização desses recursos mobiliza significados para construção de sentido do texto. A adoção de cor pode ser mobilizada para destacar determinada informação, a tipografia e a formatação podem ser adotadas para organizar e orientar a leitura. Textos de todos os tipos, em maior ou em menor grau, são construídos a partir de recursos visuais. Em função disso, é comum empregar a terminologia textos multimodais para fazer referência aos textos compostos por diferentes recursos semióticos, como aqueles constituídos por recursos visuais e verbais (KRESS; VAN LEEUWEN, 2006). A maneira como recursos visuais mobilizam significados em textos multimodais é o que motiva o presente estudo. A fim de realizar uma investigação que contemple esse objetivo, este estudo analisa os significados visuais em textos do gênero discursivo2 anúncio publicitário. Nesta pesquisa é realizada a análise de três anúncios desenvolvidos por estudantes de graduação do curso de Publicidade e Propaganda (doravante PP), de uma instituição do sul do país. O objetivo é investigar como novos membros dessa agência são representados visualmente nos anúncios publicitários de recrutamento para novos integrantes. A agência experimental de PP, promotora dos anúncios analisados, é um laboratório que tem por objetivo buscar o aperfeiçoamento dos estudantes de Comunicação Social, em especial de PP, que por meio de atividades práticas, aplicam na agência os conhecimentos adquiridos no curso, e, assim vivenciam a rotina de uma agência de publicidade de mercado. Foram escolhidos os anúncios publicitários de seleção de novos membros, pois esta pesquisa foi conduzida durante a participação da autora em uma disciplina de mestrado3 que tinha por objetivos estudar textos multimodais. A dissertação da autora4 buscou investigar características dos letramentos acadêmicos desenvolvidos nessa agência experimental de PP (a forma como os estudantes aprendem sobre o ofício do publicitário dentro de uma agência; aquilo que os torna capazes de agir como produtores e consumidores dentro desse campo). Por isso, para disciplina, foi elegido um corpus que tivesse relação com a pesquisa de dissertação da autora. Para o presente estudo, em particular, considera-se a importância que os textos multimodais assumem no mundo. A intenção é discutir sobre os significados visuais que circulam nesse tipo de texto. Para tanto, é realizada uma discussão sobre o aporte 2 Neste estudo, entendo gêneros discursivos como com base na Sociorretórica. Isso significa que os entendo como ações retóricas tipificadas baseadas em situações recorrentes (MILLER, 1984, p. 159). Sendo assim, o anúncio publicitário é uma situação com a qual estamos familiarizados, ocorre recorrentemente. Além disso, configura-se como uma situação em que existe uma forma de agir, condutas conhecidas. 3 Disciplina de Muiltimodalidade, multimidialidade e sociedade. Agradeço a professora Dra. Graciela Rabuske Hendges por suas contribuições, durante a disciplina, que foram valiosas para elaboração desta pesquisa. 4 Para conhecimento, a dissertação da autora, Um estudo sobre letramentos acadêmicos de estudantes universitários em uma agência experimental de publicidade e propaganda (REMPEL, 2015), é vinculada ao projeto guarda-chuva Letramento acadêmico/científico e participação periférica legítima na produção de conhecimento (MOTTA-ROTH, 2013). Agradeço as orientações da professora Désirée Motta Roth, durante o mestrado, que, mesmo indiretamente, se refletem neste estudo.
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teórico da Gramática do Design Visual (KRESS E VAN LEEUWEN, 2006), obra importante para promover o letramento de textos multimodais. Esta pesquisa também é embasada na análise de anúncios publicitários impressos, proposta Cheong (2004). Nas próximas seções, apresto as abordagens teóricas adotadas, os procedimentos metodológicos utilizados e a análise dos dados, nos resultados e discussões. Por último, trago as considerações finais sobre a pesquisa.
REVISÃO DA LITERATURA Segundo Halliday (1989) textos5 podem ser definidos como construções metafuncionais que englobam complexos significados ideacionais (representações de mundo), interpessoais (como nos relacionamos com nossos interlocutores) e textuais (a forma como organizamos as representações de mundo e a interpessoalidade, em uma unidade de sentido). Essas três metafunções dão origem a Gramática Sistêmico Funcional (doravante GSF), proposta por Halliday e Mathiesen (2004). Essa gramática é uma proposta sóciosemiótica de ver o mundo. Nessa teoria, adota-se “semiótica” para realizar referência à linguagem como um entre um número de sistemas de significado, que tomados todos juntos definem e constituem a cultura humana. O termo “social”, por sua vez, é usado para transmitir duas coisas simultaneamente: para fazer referência a um sistema que é social e é sinônimo de cultura; e para referenciar a preocupação com as relações particulares entre a linguagem e a estrutura social (HALLIDAY, 1989, p. 4). A partir da GSF pode ser pensada a Gramática do Design Visual (doravante GDV), proposta por Kress e van Leeuwen (2006), que aplica as categorias da GSF nos textos multimodais. Nesse sentido, textos multimodais também são realizados por três metafunções, denominadas por Kress e van Leeuwen (2006) como representacionais, interativas e composicionais. A metafunção representacional representa nossa experiência de mundo e responde a pergunta “Sobre o que é esta imagem?” (HARRISON, 2003, p. 5). A metafunção interativa trata da relação entre a imagem, os participantes por elas representados e o leitor. A metafunção interativa busca responder a pergunta “Como a imagem se engaja com o leitor?” (HARRISON, 2003, p.8). Por último, a metafunção composicional organiza os significados representacionais e interativos na imagem, respondendo a pergunta: “Como as metafunções representacionais e interpessoais fazem para se relacionar entre si e integrar o significado como um todo?” (HARRISON, 2003, p.10). Os significados representacionais podem ser de dois tipos: narrativos e conceituais. Imagens narrativas mostram participantes realizando ações. Nesse tipo de imagem pode ser percebido um vetor que indica uma mudança, uma direção do desdobrar das ações (KRESS e VAN LEEUWEN, 2006). Imagens conceituais, por sua vez, representam participantes em termos de classe e estrutura (KRESS e VAN 5 Importante destacar que Halliday e Matthiessen (2004, p. 3) denominam texto “qualquer instância da linguagem, em qualquer meio, que faz sentido para alguém que conhece a linguagem”. Isso não inclui apenas a linguagem escrita, mas também imagens, músicas, fala, entre outros, são considerados textos à medida que forem usadas por alguém, em um contexto, para produzir sentido.
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UM ESTUDO SOBRE TEXTOS MULTIMODAIS: Analisando a representação de novos membros em anúncios publicitários de seleção de uma agência experimental de Publicidade e Propaganda.
LEEUWEN, 2006). As imagens conceituais (foco desta pesquisa, pois constituem o corpus) são divididas em três tipos: conceituais classificatórias, conceituais analíticas e conceituais simbólicas. Nas classificatórias, os participantes estão colocados em termos de relação e taxonomia, onde nos subordinados (participantes postos em relação) as distâncias geralmente são simétricas e equivalentes (KRESS e VAN LEEUWEN, 2006). Imagens que contêm processos analíticos retratam os participantes em termos de uma estrutura parte do todo, envolvem um participante portador (o todo) e um número de atributos possessivos (as partes) (KRESS e VAN LEEUWEN, 2006). Por último, processos simbólicos referem-se ao que os participantes significam ou são (KRESS e VAN LEEUWEN, 2006), sendo que as imagens simbólicas podem ser de dois tipos: atributivas ou sugestivas. Por se tratar de uma teoria extensa e muito rica em informações e aportes analíticos, neste estudo, enfoco apenas em uma das metafunções da GDV, a metafunção representacional. A metafunção interativa e textual foram descritas a fim de ilustrar que tipos de significados mobilizam. Ressalto também que as conceituações devem ficar mais claras à medida que as análises forem apresentadas. Realizada essa breve descrição da GDV, apresento, sucintamente, a proposta de Cheong (2004), que apresenta um modelo capaz de capturar a interação multisemiótica entre imagem e texto linguístico em anúncios publicitários impressos. Cheong (2004) propõe uma análise de anúncios publicitários a partir da interação da Estrutura Potencial de Gênero (HASAN, 1989) e os significados representacionais (KRESS e VAN LEEUWEN, 2006), contidos em anúncios publicitários impressos. O conceito de Estrutura Potencial de Gênero (doravante EPG), proposto por Hasan (1989), tem por “objetivo dar conta do leque de opções de estruturas esquemáticas e específicas potencialmente disponíveis aos textos de um mesmo gênero” (HASAN, 1994, p. 145, apud MOTTA-ROTH e HEBERLE, 2005, p.19). A EPG constitui-se em estágios/passos em que um texto é desenvolvido ou composto. A EPG é formada por elementos obrigatórios, que, por aparecerem sempre, definem o gênero; elementos opcionais, que variam conforme o contexto; e elementos iterativos, que aparecem mais de uma vez, mas não são considerados obrigatórios. De acordo com Cheong (2004), a EPG dos anúncios publicitários impressos é composta por Elemento Principal, Emblema, Visor, Anúncio6, Intensificador, Citação Retórica e Ligue/visite informações7. Segundo o autor, o Elemento Principal é componente visual com função interpessoal mais saliente, devido às escolhas de cor, tamanho e posição. Outro elemento visual, o Visor refere-se à fotografia do produto ou do serviço (CHEONG, 2004, p. 171). O Emblema pode ser realizado visualmente pela logo do produto ou serviço e linguisticamente pelo nome do produto (CHEONG, 2004, p. 171). O Anúncio é um elemento verbal, sendo caracterizado como o termo com maior proeminência linguística em termos de cor, posição, fonte e tamanho. (CHEONG, 6 Anúncio em maiúsculo é utilizado fazer referência ao conceito de Cheong (2004). Em contrapartida, anúncio publicitário, em minúsculo, refere-se ao corpus da presente pesquisa. 7 Traduções da autora para Lead, Emblem, Display, Annauncement, Enhancer, Tag e Call and visit informations, respectivamente.
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2004, p. 173). O Intensificador é composto apenas por itens linguísticos e geralmente é colocado na forma de um parágrafo, caracterizando-se por ser menos saliente que o Anúncio. A função do Intensificador é auxiliar a construção ou a modificação do significado que emana do Elemento Principal e do Anúncio (CHEONG, 2004, p. 173). A Citação Retórica (que funciona como uma frase de fechamento, que pretende capturar o leitor) e o Ligue/visite informações são elementos verbais que se referem às informações sobre o produto ou serviço que não são incluídas no Intensificador, sendo que visualmente são dispostas com menor saliência (CHEONG, 2004, p. 173). Cheong (2004) propõe estratégias para construção do significado representacional, como os conceitos de Investimento Bidirecional de significado, Propensão à Contextualização, Espaço Interpretativo e Efervescência Semântica8. Esses conceitos explicam como ocorre a interação entre os elementos constitutivos dos anúncios publicitários (a EPG) e os significados representacionais de anúncios publicitários. O Investimento Bidirecional refere-se a um investimento cruzado do texto verbal do anúncio publicitário com o visual do Elemento Principal e/ou vice versa (Cheong, 2004, p. 176). A Propensão à Contextualização refere-se aos itens linguísticos que contextualizam o significado visual da imagem (Cheong, 2004, p. 176). O Espaço Interpretativo é onde os leitores criam significados (Cheong, 2004, p. 176), enquanto que a Efervescência Semântica refere-se ao total de significados presentes no anúncio publicitário. De acordo com Cheong (2004) o Elemento Principal é considerado a efervescência pura do significado, uma vez que permite muitas possibilidades de significado representacional, sendo o Investimento Bidirecional, entre o Elemento Principal e o Anúncio que deve limitar a Efervescência deste significado. Para o autor, o Intensificador é um elemento importante, pois auxilia o leitor na construção do significado do anúncio publicitário, uma vez que juntamente com o Anúncio permite a Propensão à Contextualização. Para Cheong (2004, p. 184) os significados ideacionais em anúncios publicitários impressos dependem dos elementos que o constituem e devem ser interpretados de acordo com o contexto que fazem parte. Por essas razões, e por essa proposta trazer um melhor entendimento do gênero anúncio publicitário impresso, acredito que a proposta do autor é pertinente aos objetivos deste estudo.
METODOLOGIA O corpus desta pesquisa é constituído por três anúncios publicitários de seleção de novos membros de uma agência experimental de PP, de uma instituição do sul do país. São esses anúncios: Anúncio Publicitário 1 (AP#1), Anúncio Publicitário 2 (AP#2) e Anúncio Publicitário (AP#3). Esses anúncios são apresentados na seção de resultados e discussões. Os critérios para a coleta do corpus foi o acesso. Como primeiro passo, entrei 8 Traduções da autora para Bidirectional investment of meaning, Contextualization propensity, Interpreative space e semantic effervescence, respectivamente.
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UM ESTUDO SOBRE TEXTOS MULTIMODAIS: Analisando a representação de novos membros em anúncios publicitários de seleção de uma agência experimental de Publicidade e Propaganda.
em contato com os coordenadores da agência (em outubro de 2013), a fim de coletar todos os anúncios publicitários de seleção que estivessem arquivados. Isso totalizou cinco anúncios publicitários, entretanto, dois tiveram de ser descartados. Um foi excluído por não estar completo e o outro foi excluído em função de que a autora havia participado da produção deste, durante sua época de graduação no curso de PP. Acredito que isso poderia interferir nas interpretações e conclusões das análises dos significados representacionais presentes neste anúncio publicitário. Os procedimentos de análise para os três anúncios publicitários restantes foram divididos em três etapas. Primeiro, foi identificado a EPG dos anúncios publicitários, com base nas categorias analíticas propostas por Cheong (2004), apresentadas na seção anterior. Em sequência, foi realizada a análise dos significados representacionais dos anúncios publicitários, a partir da abordagem e das categorias analíticas de Kress e van Leuween (2006). Juntamente com essa etapa foi realizada uma relação entre os significados representacionais as EPGs dos anúncios publicitários. Por último, foi descrito como os novos membros estão sendo representados. Como mencionado na seção da introdução, o foco da investigação está nos significados visuais dos anúncios publicitários, mesmo assim, o texto verbal foi levado em conta a fim de auxiliar a interpretação dos significados visuais.
RESULTADOS E DISCUSSÕES Os resultados e discussões estão organizados em duas subseções. Primeiro, apresento a EPG dos anúncios publicitários analisados; depois exponho os significados representacionais e discuto sobre a relação desses significados com a EPG. As duas etapas são tomadas juntas, pois segundo a proposta de Cheong (2004, p. 187) os significados totais de anúncios publicitários impressos emanam da interação de sua EPG e do contexto sociocultural do qual fazem parte. A EPG dos anúncios publicitários Com base no AP#1, AP#2 e AP#3 (apresentados nos próximos tópicos), o Quadro 1 ilustra a EPG dos três anúncios publicitários analisados. Quadro 1 - EPG dos anúncios publicitários
Elemento da EPG Elemento principal Anúncio Intensificador Emblema Fonte: a autora.
AP#1 + + + +
AP#2 + + + +
AP#3 + + + +
Como ilustra Quadro 1, Elemento Principal, Anúncio, Intensificador e Emblema compõem os três anúncios publicitários, constituindo-se assim elementos obrigatórios. 54 | COMUNICAÇÃO - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 9| n.9|p. 048-060| 1° Semestre 2015
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Outros elementos da EPG de anúncios publicitários impressos – referentes à proposta de Cheong (2004) – tais como Visor, Citação Retórica e Ligue/visite informações não apareceram no corpus.
Os significados representacionais, a EPG e a representação de novos membros no AP#1 No AP#1, ilustrado na Figura 19, há algumas engrenagens pretas e laranjas de diferentes formatos dispostas sobre um fundo branco. São esses os itens que compõe o Elemento Principal da imagem (texto visual mais saliente), que juntamente com o Emblema são os elementos visuais da imagem. Além desses itens, a figura também é composta por itens linguísticos: Anúncio (o texto verbal em negrito) e o Intensificador (texto verbal não negritado).
Figura 1 – Anúncio Publicitário 1 (AP#1) Fonte: agência experimental analisada por esta pesquisa. 9 Embora esta pesquisa tenha tido aprovação no Comitê de ética da instituição ao qual foi vinculada optei por preservar a identidade da agência experimental na condução das análises. Por isso, referências ao nome da agência e emblema foram riscadas na Figura 1, Figura 2 e Figura 3. Além disso, na Figura 3 fotografias dos membros reais foram riscadas e seus nomes alterados.
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UM ESTUDO SOBRE TEXTOS MULTIMODAIS: Analisando a representação de novos membros em anúncios publicitários de seleção de uma agência experimental de Publicidade e Propaganda.
Segundo a GDV essa imagem pode ser classificada como representacional conceitual simbólica, do tipo sugestiva. Imagens sugestivas simbolizam representações, são semelhantes a uma metáfora na linguagem verbal (NASCIMENTO; BEZERRA; HEBERLE, 2011, p. 539). Desse modo, as engrenagens simbolizam a agência como uma máquina, que entra em movimento pela adesão de novos membros (e suas ideias). As cores, laranja e preto, reforçam a identidade da agência (são as cores do Emblema) que remetem ao contexto, situando os leitores sobre a origem da imagem. Os diferentes formatos das engrenagens (as diferenças de tamanho, forma, cor e posição), podem estar representando diferentes participantes (membros) com diferentes habilidades e competências, a fim de evidenciar os diferentes perfis a serem ocupados. A partir disso, pode ser inferido que os novos membros são representados visualmente por essas engrenagens, como sendo uma força impulsionadora para o funcionamento da máquina (agência). A representação é positiva, os novos membros são valorizados, uma vez que é partir deles e de suas ideias que as engrenagens funcionam.
Os significados representacionais, a EPG e a representação de novos membros no AP#2 O AP#2, apresentado na Figura 2, é composto por palavras de diferentes tamanhos, cores e posições que, pela maneira que estão dispostas, formam um quadrado. Essa forma geométrica posta sobre um fundo preto constitui o Elemento Principal do anúncio publicitário. As mesmas palavras, postas no quadrado, isoladas de seu sentido visual, referem-se ao Anúncio que, juntamente com o Intensificador (alocado abaixo do Emblema), constitui os itens linguísticos do anúncio publicitário. Na perspectiva da GDV a imagem pode ser classificada como conceitual analítica, do tipo não estruturada. Imagens que contêm processos analíticos retratam os participantes em termos de uma estrutura parte do todo (KRESS e VAN LEEUWEN, 2006). Isso significa que envolvem um participante, o portador (o todo) e um número de atributos possessivos (as partes). Quando os atributos aparecem sem seu portador, ou seja, não há sinalização de como estas partes fazem parte do todo, se caracteriza como analítica não estruturada (KRESS e VAN LEEUWEN, 2006, p. 96). Assim, a partir de uma relação parte do todo, a imagem mostra os atributos pretendidos para os novos membros (representado visualmente pelas palavras no quadrado), evidenciando as partes (os atributos), porém o todo (o novo candidato) não é identificado.
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Figura 2 – Anúncio Publicitário 2 (AP#2) Fonte: agência experimental analisada por esta pesquisa.
Os atributos – as competências e habilidades esperadas pelos novos membros – estão dispostos de maneira a formar um quadrado. Com base nessa disposição, pode ser intuído que há uma representação de que os novos membros devem se enquadrar a um perfil desejado. Esse perfil, de acordo com os tamanhos e a posição dos atributos dispostos na imagem, parece demonstrar que algumas habilidades são mais importantes que outras, sendo que o atributo que está em cor diferente (referente à vaga a ser preenchida) parece ser o mais importante. Assim, os novos membros são representados pelas competências e habilidades que a agência espera que estes tenham. Há um direcionamento, por parte da agência, ao perfil do novo membro que se almeja ter. COMUNICAÇÃO - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 9| n.9|p. 048-060| 1° Semestre 2015 | 57
UM ESTUDO SOBRE TEXTOS MULTIMODAIS: Analisando a representação de novos membros em anúncios publicitários de seleção de uma agência experimental de Publicidade e Propaganda.
Os significados representacionais, a EPG e a representação de novos membros no AP#3 O AP#3, ilustrado na Figura 3, é composto por um fundo colorido e pequenos retratos dispostos nesse fundo – itens visuais que formam o Elemento Principal. Além desses elementos, o AP#3 é composto por alguns textos verbais que formam o Anúncio e o Intensificador.
Figura 3 – Anúncio Publicitário 3 (AP#3) Fonte: agência experimental analisada por esta pesquisa.
De acordo com os critérios da GDV, essa imagem pode ser definida como representacional conceitual simbólica sugestiva, pois simboliza um álbum de figurinhas. Há uma metáfora que associa o anúncio publicitário a um álbum de figurinhas de um time de futebol. A metáfora é identificada pelo uso das cores, das fotografias, dispostas como se fossem coladas, e dos espaços ausentes, marcados por sombras de perfis, que sugerem serem preenchidas por novas figurinhas. Além dessa representação, o AP#3 pode ser caracterizado como uma imagem com estrutura complexa, pois considerando seu todo é uma imagem conceitual simbólica, mas se fixarmos apenas no lado direito da imagem, a partir do álbum de figurinhas, há sugestão uma representação conceitual classificatória. Em processos classificatórios os participantes estão colocados em termos de relação e taxonomia, sendo que as distâncias entre estes participantes geralmente são simétricas e equivalentes (KRESS e VAN LEEUWEN, 2006). No lado esquerdo do AP#3 há uma
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classificação, os participantes são postos em duas categorias: a de novos membros (fotografias sombreadas) e de membros antigos (fotografias riscadas). A analogia ao álbum de figurinhas de futebol é pertinente ao contexto agência experimental de PP. A partir dessa associação é possível intuir que a agência funciona como um time, que trabalha coletivamente para ganhar um jogo (crescimento profissional) com a finalidade de conquistar um campeonato (aprimorar a formação de seus integrantes). Dessa forma, os novos membros são convidados a fazer parte desse time. Considerando a classificação proposta na imagem, pode ser notado que há uma diferença de perfil, tanto entre os integrantes (aqueles apresentados nas fotografias riscadas), quanto aos candidatos à vaga (delimitados por sombras). Constata-se isso a partir das legendas abaixo das fotos e das diferenças visuais entre os participantes. Com base nisso, infere-se que tais diferenças referem-se às habilidades, competências, e perfis que devem ocupados. Também pode ser identificado que as sombras traçam perfis femininos e masculinos, sendo que a predominância de sombras femininas no anúncio publicitário. A partir disso, conclui-se que os novos membros são representados por estas sombras e pela vaga – nas legendas – que deve ser preenchida. Também se identifica que os candidatos são representados por seu gênero social: quatro mulheres e três homens.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste estudo partimos da importância que os textos multimodais assumem em nossa vida, pois saber ler esses textos e interpretar seus significados garante que possamos consumi-los e produzi-los. A partir dessa constatação, foram escolhidos alguns textos para análise: anúncios publicitários impressos produzidos por estudantes de uma agência experimental de PP, de uma instituição do sul do país. Assim, esta pesquisa buscou investigar como os novos membros dessa agência são representados visualmente. Conforme apresentado na seção anterior, pode ser percebido que, embora cada um dos anúncios publicitários use estratégias visuais específicas para criar essa representação (engrenagens, futebol e foco nas habilidades em si), as três imagens – a partir de estruturas conceituais – representam os novos membros pelas habilidades e atributos que espera que estes tenham. Estas representações têm a função de direcionar o perfil do candidato para o cargo almejado, de acordo com os critérios que a agência entende serem os mais adequados para cumprir determinada função. A partir dos dados também pode ser identificado, conforme as categorias propostas por Cheong (2004), que a representação dos novos membros, nas três imagens analisadas, ocupam a mesma posição retórica. É no Elemento Principal (lugar da efervescência semântica) que a representação dos novos membros está colocada. Entretanto, se fossem excluídos os outros elementos que constituem o anúncio publicitário, as interpretações seriam comprometidas. Os novos membros são representados no Elemento Principal, porém é no Anúncio e no Intensificador que existe um direcionamento, que indica de maneira precisa como os novos membros COMUNICAÇÃO - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 9| n.9|p. 048-060| 1° Semestre 2015 | 59
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estão sendo representados (p. ex., se fosse excluído do AP#1 Anúncio e Intensificador, ficando apenas as engrenagens, a peça não teria sentido). A partir disso, pode ser comprovada a ideia de que cada elemento retórico do anúncio publicitário impresso tem sua função e cada elemento é importante para gerar os significados totais do anúncio publicitário. Isso significa dizer que os estudantes e professores, produtores desse anúncio publicitário, pensaram cada elemento que constituem estes anúncios publicitários para gerar sentidos determinados para seus consumidores. Por último, ressalto que a presente pesquisa se trata de uma proposta de estudo inicial sobre esse tema, uma vez que foram analisados apenas três anúncios publicitários. Por isso, julgo que seria adequado estender o corpus de análise para que fosse possível identificar algumas generalizações sobre a forma como essa agência representa seus novos membros. Acredito que as contribuições deste estudo, mesmo que singelas, estão em apresentar uma análise de textos multimodais, com ênfase para análise de anúncios publicitários, por meio da GDV. A GDV é uma teoria importante para promover o letramento multimodal e a iniciação à leitura de imagens.
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REFERÊNCIAS CHEONG, Y. Y. The construal of ideational meaning in print advertisments. In: O’ HALLORAN, K. L. (Ed.). Multimodal discourse analysis: systemic functional perspectives. London/New York: Continuum, 2004. p. 163-195. HALLIDAY, M. Part I. In: HALLIDAY, M.A.K e HASAN, R. Language, context, and text: aspects of language in a social-semiotic perspective. Oxford: Oxford University Press, 1989. HALLIDAY, M. A. K.; MATTHIESSEN, C. M. I. M. An introduction to functional grammar. 3. e.d. London: Hodder Arnold, 2004. HARRISON, C. (2003). Visual social semiotics: Understanding how still images make meaning. Technical Comunication, v. 50, n. 1, p. 46-60, 2006. HASAN, R. Part II. In: HALLIDAY, M.A.K e HASAN, R. Language, context, and text: aspects of language in a social-semiotic perspective. Oxford: Oxford University Press, 1989. KRESS, G.; van LEEUWEN,T. Reading images: the grammar of visual design. 2. ed. London: Routledge, 2006. MILLER, C. R. Genre as social action. Quarteley Journal of Speech, n. 70, p. 151-167, 1984. MOTTA-ROTH, D.; HEBERLE, V. O conceito de “estrutura potencial de gênero” de Ruqayia Hasan. In: MEURER, J. L.; BONINI, A.; MOTTA-ROTH, D. (Org.). Gêneros: teorias, métodos e debates. São Paulo: Parábola Editorial, 2005. MOTTA-ROTH, D. Letramento acadêmico/científico e participação periférica legítima na produção de conhecimento. Santa Maria: Universidade Federal de Santa Maria, 2013. Projeto de Produtividade em Pesquisa PQ/CNPq (nº 309668/2013-1). NASCIMENTO, R. G.; BEZERRA, F. A. S.; HEBERLE, V. M. Multiletramentos: iniciação à análise de imagens. Linguagem & Ensino. v.14, n.2, p. 529-552, 2011. REMPEL, G. Um estudo sobre letramentos acadêmicos de estudantes universitários em uma agência experimental de publicidade e propaganda. 2010. 154 p. Dissertação (Mestrado em Letras). Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2015.
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MIGUEL DE OLIVEIRA JÚNIOR E PHELIPE DE CARVALHO SILVA
A RENOVAÇÃO CATÓLICA: OS DESAFIOS DA IGREJA NO AMBIENTE DIGITAL. Miguel A. de OLIVEIRA JÚNIOR
Mestre em Linguística Aplicada – Professor das Faculdades Integradas Teresa D’Ávila De Lorena-SP e da Associação Educacional Dom Bosco de Resende-RJ
Phelipe de Carvalho SILVA
Graduando do curso de Publicidade e Propaganda das Faculdades Integradas Teresa D´Ávila de Lorena-SP
RESUMO Este presente artigo tem como missão analisar o fenômeno da comunicação na internet dentro da instituição Católica Romana, diante de pesquisa de opinião pública realizada com 50 estudantes universitários de diferentes religiões. Na década de 90, a Igreja Católica Romana viveu uma intensa readaptação interna para se adequar aos novos tempos e pensamentos que mediavam a sua relação com os fiéis; de um sistema tradicional e fechado, sentiu a necessidade de migrar para as novas realidades tecnológicas. Assim sendo, a renovação tecnológica-comunicacional fez, e continua fazendo, a Igreja Católica refletir uma reforma no que diz respeito à sua inserção nos ambientes digitais, sobretudo nas redes sociais. Muito se discutiu a importância da imprensa de Gutemberg para a Reforma Protestante e tudo o que ela significou para o mundo, hoje, a midiatização digital traz, para a Igreja Católica, novas questões sobre a concepção e a prática da religião dentro deste novo ambiente. Palavras-chave: Publicidade; Propaganda; Igreja Católica; Redes Sociais.
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A RENOVAÇÃO CATÓLICA: OS DESAFIOS DA IGREJA NO AMBIENTE DIGITAL.
ABSTRACT This present article is to examine and analyze the phenomenon of communication on the Internet within the Roman Catholic institution, before public opinion survey conducted with 50 college students from different religions. In the 90’s, the Roman Catholic Church has an intense internal redeployment to adapt to the new times and the new thoughts that mediated their relationship with the faithful; a traditional system and closed, felt the need to migrate to the new technological realities. Thus, the technological-communication renovation done, and is doing, the Catholic Church reflect a reform with respect to their integration in digital environments, especially in social networks. Have discussed so much of the importance of Gutenberg press to the Protestant Reformation and all that it meant to the world today, the digital media coverage brings to the Catholic Church, new questions about the design and the practice of religion within this new environment. Keywords: Advertising; Catholic Church; Social Networks.
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MIGUEL DE OLIVEIRA JÚNIOR E PHELIPE DE CARVALHO SILVA
INTRODUÇÃO Conhecida pela sua posição conservadora e baseada em um sistema fundamentado em tradições, a Igreja viu no advento digital uma oportunidade e uma obrigação: reinventar a transmissão da sua mensagem, partindo dos mesmos princípios éticos e morais pregados pelos seus líderes, perante as novas tecnologias de relacionamento interpessoal e de rede. O mundo, cada vez mais conectado, parece viver uma nova experiência religiosa, e é inegável que os fiéis não apenas nutrem, mas vivem suas crenças dentro do ambiente digital. As mídias já não são meros transmissores de informação, nem mesmo uma idealização futurística de extensão do ser humano, mas é o ambiente no qual a vida humana se movimenta e se complementa. A Igreja passa por um processo de entendimento que tem como base central as relações com seu público. Já não se trata de apenas divulgar sua mensagem na rede, mas de compreender que a religião tradicional sofre um amplo processo mutativo: a internet ofereceu um novo meio para se, no caso, relacionar-se com a religião. Tradicionalmente arraigada na cultura dos meios impressos e nos mass-media, esse novo ambiente é uma temática que interpela constantemente a Igreja. Mas, embora ela reconheça essa abrangência sociocultural, ainda mantém o foco no simples uso da rede que pode ser bom ou ruim, sendo que a preocupação deveria ir muito mais além, já que a rede está ligada a práticas inerentes à vida do ser humano. Portanto, se a ascese se digitalizou e as mídias sociais se transformaram em lugares de culto, onde se oferece de diversas formas o sagrado, é preciso entender como isso aconteceu e qual a relação deste novo “templo” e deste novo “Deus” com os fiéis. A metodologia utilizada para obtenção e exposição dos resultados deste trabalho foi a pesquisa descritiva. Foram analisadas as respostas de 50 estudantes universitários, aos quais foram feitas quatro perguntas de caráter fechado e uma de caráter semiaberto, na qual foi solicitada a explanação do motivo da resposta assinalada. A pesquisa foi aplicada durante a aula de Antropologia Filosófica e Teológica, de acordo com o quórum de universitários disponível na data da aplicação.
ENTENDER A RELAÇÃO DA IGREJA CATÓLICA COM OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL NA HISTÓRIA De acordo com cada período histórico, pode-se afirmar que a Igreja sempre se interessou pelo tema da comunicação e, embora tenha sido influenciada pela cultura, costumes e meios próprios de cada tempo, seu esforço em evoluir, mesmo que lentamente em determinados momentos, foi e é exímio. Segundo Joana T. Puntel (2011), a história comunicacional da Igreja Católica pode ser dividida em três fases: a primeira caracteriza-se pela repressão. O período da Inquisição, no qual a Igreja influenciou não apenas o saber teológico, mas também sociológico e filosófico.
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A segunda, no século XX, mostra mudanças profundas na relação com os novos meios e na adaptação ao seu uso. Porém, se podemos considerar certa aceitação por parte da Igreja a essas novas formas de transmitir a mensagem, pode-se dizer também que as mudanças foram profundas, mas, ao mesmo tempo, desconfiadas. Na época, houve grande vigilância à imprensa, ao cinema e ao rádio. A terceira fase, segundo a autora, é marcada por um verdadeiro “deslumbre” da Igreja com relação às novas transformações sociais e tecnológicas. A instituição precisou adaptar-se ao mundo contemporâneo e buscar um novo caminho de estreitamento de laços com a comunicação. Foi assim, que, com a mudança progressiva e rápida dos meios, os líderes da Igreja católica foram obrigados a direcionar um olhar positivo para os meios de comunicação. Isso se deu através do Papa Leão XIII que buscou entender a necessidade de se transmitir a “boa nova” já que outros utilizavam-se dos mesmos artifícios para propagar “o mal”. (SILVA, 2014) Apesar de reconhecer a nova onda tecnológica, a Igreja continuou a mover-se com cautela, embora houvesse por sua parte um esforço para entender de que forma essas novidades poderiam ser utilizadas. Mesmo depois de inúmeros documentos que trouxeram à luz a reflexão católica sobre os meios como, por exemplo, a encíclica Vigilanti Cura de 1936, escrita pelo Papa Pio XI, que tratou sobre as atividades cinematográficas, foi apenas no pontificado de Pio XII (1939-1958) que a Igreja se permitiu um intenso aprofundamento sobre o papel da informação na construção da sociedade. Convencido do influente papel dos meios de comunicação nas culturas de massa, Pio XII escreveu a importante Encíclica Miranda Prorsus (1957). Tal importância se deve ao fato de ser considerada a primeira tentativa da Igreja em acolher os meios de comunicação.
A COMUNICAÇÃO PELA PRIMEIRA VEZ NUM CONCÍLIO O Concílio Vaticano II, convocado pelo Papa João XXIII, teve caráter especificamente de estudo teológico, já que os outros serviram para abordar temas dogmáticos. Considerado o mais importante evento da história da Igreja no século XX, teve caráter ecumênico, buscando o diálogo com todas as religiões do mundo. Para a área da comunicação, o Concílio foi de caráter decisivo. Em sua conclusão, foram publicados dezesseis documentos, tidos como os mais importantes da atualidade para a instituição romana. Entre eles, o Decreto Inter Mirifica (1963), sobre os meios de comunicação social. Pela primeira vez a Igreja Católica destina um documento específico em forma de decreto, ou seja, trata-se de declarações que obrigam o seu cumprimento. O Decreto seria um divisor de águas para a comunidade católica, no que diz respeito às orientações para o início dos trabalhos pastorais voltados para a comunicação. Afirma o Documento Inter Mirifica (1963): 66 | COMUNICAÇÃO - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 9| n.9|p. 061-073| 1° Semestre 2015
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[...] Estes meios, retamente utilizados, prestam ajuda valiosa ao gênero humano, enquanto contribuem eficazmente para recrear e cultivar os espíritos e para propagar e firmar o reino de Deus; sabe também que os homens podem utilizar tais meios contra o desígnio do Criador e convertê-los em meios da sua própria ruína; mais ainda, sente uma maternal angústia pelos danos que, com o seu mau uso, se têm infligido, com demasiada frequência, à sociedade humana (PAULO VI, 1966)
Assim, houve a abertura da Igreja aos meios de comunicação, mas nota-se que a cúpula romana considera apenas o uso dos meios e não as teorias que os revelam. De acordo com as pesquisas realizadas, 52% dos entrevistados revelam que a relação da Igreja com os meios tradicionais (TV, Rádio e Impressos) é boa. Entretanto, em um amplo segundo lugar, 42% tem esta relação como regular, segundo Figura 1.
Figura 1
Embora exista o esforço por parte da instituição eclesial para desenvolver programas televisivos e radiofônicos, e materiais informativos de qualidade, ainda se faz primordial dar investir em tecnologia e recursos humanos para divulgar ainda mais as mensagens católicas, e a internet é um importante caminho para tal. Como afirma Whitehead, “a nova mentalidade é mais importante também que a nova ciência e tecnologia” (2006, apud SBARDELOTTO, 2011).
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O ADVENTO DA INTERNET E A INSERÇÃO DO CONTEÚDO CATÓLICO NA REDE Mesmo depois de todos os esforços realizados pelo Concílio para se aproximar dos meios de comunicação, houve um período extenso, dezoito anos, em que a Igreja permaneceu em silêncio quanto à comunidade dos meios de comunicação e sua interação com o catolicismo. De 1971 a 1989, o mundo sofreu profundas mudanças no campo midiático. Ainda que em 1989 fossem publicados dois documentos sobre os efeitos dos meios de comunicação na vida das pessoas, foi só em 1992, já em meio ao alarde mundial que causara a invenção da Internet, que a Igreja voltou a se pronunciar concretamente, de forma a orientar os seus membros através da instrução apostólica Aetatis Novae, que regulamentou os trabalhos de uma pastoral no âmbito da Comunicação. Em 1995, enfim, a Santa Sé inaugurou o seu primeiro portal com apenas a mensagem do Papa João Paulo II por ocasião do Natal. Em 1997, o site evoluiu e passou a ser dividido em sessões navegáveis, como afirma Sbardelotto (2012). A partir daí, a relação da Igreja Católica com a Internet foi se intensificando e, em 2002, um Papa tratou da rede num documento oficial, pela primeira vez já desde o título. A Igreja, então, reconhece a Internet como um meio através do qual pode levar a sua mensagem a mais pessoas e de forma mais rápida. E como todo meio social supõe relações, e relações dizem respeito à troca de experiências, a Igreja admite que a internet é um lugar em que pode haver troca, ainda que pontos de vista negativos se misturem aos positivos. Também, em 2002, a Santa Sé publicou dois importantes documentos a respeito da rede intitulados “Igreja e Internet” e “Ética na Internet”. Nestes documentos, reconhece novamente a importância da rede para a sua missão evangelizadora, mas é ainda mais veemente e clara na interpretação de que a internet precisa, segundo Sbardelotto (2012), ser melhor compreendida para se doutrinar a moral cristã. Mostra, assim, uma profunda dificuldade em perceber o câmbio social que a Rede causou na sociedade, e, em palavras do Papa Bento XVI (2010), vê o campo da Internet como um “continente”, um mundo à parte, onde os cristãos precisam adentrar e evangelizar. Diz ele: Quero concluir esta mensagem dirigindo-me especialmente aos jovens católicos, para os exortar a levarem para o mundo digital o testemunho da sua fé. [...] Assim agora o anúncio de Cristo no mundo das novas tecnologias supõe um conhecimento profundo das mesmas para se chegar a uma sua conveniente utilização. A vós, [...] que vos encontrais quase espontaneamente em sintonia com estes novos meios de comunicação, compete de modo particular a tarefa da evangelização deste “continente digital. (BENTO XVI, 2010)
A pesquisa mostra claramente esta ambiência. Apenas 32% dos entrevistados seguem alguma página católica dentro das redes sociais, e, se já a interação nos meios tradicionais de comunicação se faz de maneira pouco profissional, a falta de estratégia da instituição eclesial para adentrar nos meios on-line é ainda maior e 68 | COMUNICAÇÃO - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 9| n.9|p. 061-073| 1° Semestre 2015
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pode ser colocada como motivo principal para a grande maioria (49%) afirmar não acompanhar ou não ter interesse (8%), conforme Figura 2.
Figura 2
Questionados sobre o alcance da mensagem transmitida pelos meios católicos na Rede, entretanto, 48% dos entrevistados acreditam que a mensagem os atinge de alguma forma. Isto mostra claramente que a busca do transcendente acontece também dentro dos meios digitais. Assim, com a intenet, o fiel poderá ter um mais um meio para se aprofundar na doutrina católica (SBARDELOTTO, 2011). O autor chega a afirmar a existência de uma “midioteofania”, ou seja, uma modalidade midiatizada da manifestação do sagrado.
Figura 3
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AMBIENTE DIGITAL E A NOVA MANEIRA DE ENTENDER A FÉ. A vivência da fé nos ambientes digitais é algo inegável. Embora as tentativas da Igreja Católica de se esforçar para mostrar a Internet como um lugar à parte, necessitado de evangelização, o mundo contemporâneo nasce imerso a uma cultura inteiramente digital. Segundo Sbardelotto (2011), a Igreja ainda interpreta os meios digitais de forma desconfiada. Jorge Mario Bergoglio (2013), eleito Papa logo após a renúncia histórica de Joseph Ratzinger, afirma que neste novo mundo de mass-media, a informação mediada por meios tecnológicos avançados, como internet e redes sociais, unifica a sociedade e a transforma numa espécie de família, o que pode estimular a solidariedade e a responsabilidade (FRANCISCO, 2014). Este novo meio promove a quebra de barreiras, antes intransponíveis, e agora facilmente ultrapassadas pelos grandes satélites e quilômetros de fibra ótica dispostos pelos continentes. Programas de busca, smartphones, aplicativos, redes sociais: as novas tecnologias digitais invadiram com força o cotidiano do “crer”. Não apenas como instrumentos externos favoráveis a uma comunicação mais ágil e eficaz, mas como um espaço antropológico e sociológico que está mudando o modo de pensar do ser humano e propiciando uma nova maneira de se conhecer a realidade das relações humanas. Um dos maiores pensadores contemporâneos da Igreja Católica sobre a sociedade digital e a sua maneira de interagir com a fé, Spadaro (2012), lança uma nova proposta a ser estudada, um novo termo, ao qual a Igreja precisa e deve se adaptar e refletir: a Ciberteologia. Segundo ele, se os católicos são chamados a “refletir na rede”, não é apenas para que aprendam a “usá-la bem”, mas porque, por vocação intrínseca à sua posição cristã, foram incumbidos de ajudar a humanidade de alguma forma. A pesquisa realizada para dar base a este artigo comprova os argumentos apresentados pelo autor. A maioria dos entrevistados (76%), acredita que a Igreja, estando presente nos ambientes digitais, se abre a uma nova discussão acerca do significado da fé visto sob a ótica da influência digital, conforme Figura 4
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Figura 4
O mundo hoje participa do avanço magnífico na comunicação e, mesmo a Igreja sendo uma instituição tradicional, vive agora um espasmo que pode revolucionar sua interação com a sociedade. Portanto, sendo esta uma relação de amor e ódio, deve-se analisar com olhos apurados a sua posição cada vez mais fundamental dentro deste meio digital. Sbardelotto (2011) cita em entrevista ao Instituto Humanitas Unisinos que o testemunho cristão também pode acontecer nos meios digitais que deve expressar o que se é e aquilo em que se crê. Não existe tecnologia sem o homem. E dentro da história da humanidade, não poderia haver evolução sem que a raça humana buscasse, nas tecnologias próprias de cada época aprender e se desenvolver. A tecnologia não apenas tem o objetivo de proporcionar conforto, mas deve também ser utilizada como forma de auxílio entre os homens (SPADARO, 2012). A Internet é o ponto contemporâneo natural para o qual vão convergindo todos os grupos sociais, inclusive os grupos religiosos. Dentro dela, através das redes sociais, a troca de conhecimento e informação se dá de maneira rápida, eficaz, sem demandar horas de caminhada enfrentando sol, chuva, fome, e os mais diversos empecilhos humanos, como nos tempos dos grandes profetas retratados na Bíblia, o livro sagrado do Cristianismo. A saída missionária para a interação, antes realizada pelos métodos próprios como cartas e longas pregações, hoje se dá através de um único click. Diante disso, a fé praticada nas redes sociais aponta uma mudança na experiência do fiel para com o meio religioso. Deus, agora, faz parte do mundo digital e a religiosidade passa a ser vivida não apenas no intrínseco (off-line), mas também no extrínseco (on-line). O fiel entra em contato com o sagrado mediado pela internet. Partindo deste pressuposto, é preciso que a Igreja enfrente o desafio de se fazer
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A RENOVAÇÃO CATÓLICA: OS DESAFIOS DA IGREJA NO AMBIENTE DIGITAL.
entender no meio online e assim seja interativa com o fiel que a busca através da internet. Fica claro, então, que a Igreja Católica precisa se abrir à compreensão – e a busca para que se chegue a este fim é intensa – de uma nova maneira de se entender a crença, a partir dos ambientes digitais. O cuidado maior, entretanto, não vem de um bloqueio à novidade tecnológica-social, mas de não confundir prática religiosa e rituais on-line. Nas palavras de Casey (2008, apud SBARDELOTTO, 2011) um ritual nem sempre é religião e vice-versa. Para a autora, rituais religiosos partem da crença, já que são referências e confiam em realidades abstratas. Ou seja, ao experimentar um ritual fora do ambiente pelo qual ele costuma ser realizado, esse ritual se renova. As experiências sentimentais e passionais podem se dar de maneira plena, mas o ritual em si foi desvirtuado e particularizado. A internet torna-se, então, a catedral onde os rituais se realizam, mas é criada essa forma de ser religioso. Forma esta que pode não ser orientada de maneira correta, sobretudo devido às experiências multidirecionais que a rede oferece.
A RELIGIÃO PÓS-INTERNET: FÉ MIDIATIZADA Ao longo dos anos, fica claro o vínculo que o homem busca ter com o sagrado. A partir dos avanços tecnológicos, a maneira como esse encontro se dá na história é diferente no tempo e no espaço. Exatamente por isso, é necessário refletir sobre esse novo espaço social, que previu Levy (1994) no início da era digital, o qual chamou de “ciberespaço”. Diz ele que a partir do momento em que os seres humanos não utilizam apenas um espaço físico, mas criam um ambiente abstrato para se comunicar, buscando novos signos, há o conceito de ciberespaço. A pesquisa mostrou de forma contundente, que o ambiente da fé pode e deve ser explicado e entendido, a partir da sociedade em midiatização.
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MIGUEL DE OLIVEIRA JÚNIOR E PHELIPE DE CARVALHO SILVA
Figura 5
A maioria dos entrevistados (80%) acredita que a inserção da Igreja Católica nas novas mídias digitais se faz essencial para que a sua mensagem seja conhecida. Um grande número de pessoas, na única questão aberta da pesquisa, manifestou o interesse de entender como a Igreja Católica aplica o seu conhecimento midiático no mundo moderno e como influencia positivamente para o crescimento do mesmo. Há, portanto, uma profunda mudança acontecendo na sociedade. Desde o lançamento da Rede, passando pela primeira página do Vaticano na web, até hoje, a Internet passou de uma simples revolução midiática para uma nova forma de construção da sociedade. Não se trata mais de globalização. Ela já aconteceu. Propagam-se novas teorias, novos meios de estar presente no globo, onde a internet é considerada uma extensão do ser humano, onde a religião acontece com e através das revoluções digitais. A Igreja, em todos os seus âmbitos, também é chamada a reconhecer e compreender a lógica desse processo. A comunicação tornou-se mais que emissão e recepção de mensagens, tornou-se uma cultura e isso pode ser considerado um fenômeno desse milênio. Ignorar este fato ou rejeitá-lo poderá trazer consequências irreparáveis” para a Igreja e para os seus fiéis (PUNTEL, 2005). Por meio dos vários modos que agora fazem parte da missão evangelizadora da Igreja Católica, fica claro que as redes de relacionamento na Internet, proporcionaram um grande avanço no meio comunicacional dos seus seguidores assim como o rádio e a TV em suas épocas. As convicções precisaram ser adaptadas e aperfeiçoadas para que a forma de interagir fosse uma “metamorfose da fé a partir da midiatização digital” (SBARDELOTTO, 2012). A Igreja entendeu, que essa nova cultura – a cibercultura - fez com que o fiel que antes se dirigia ao templo para os rituais religiosos, agora os encontram facilmente, ao alcance de um único click. COMUNICAÇÃO - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 9| n.9|p. 061-073| 1° Semestre 2015 | 73
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Sbardelotto (2012) afirma que a intenção do sistema católico online é aproximar os seguidores da igreja de forma mais dinâmica. A sensação de sacralidade dos ambientes online, com conteúdos especialmente preparados para isso, faz com que o fiel não apenas se veja em um ambiente sagrado, mas também possa ver, ouvir, apalpar e experimentar o sagrado por meio desses processos digitais. Com a fácil acessibilidade, os fiéis estão, assim, mais expostos a grande pluralidade de sentidos que lhe são oferecidos dentro da Rede. E claramente mais expostos e com os sentidos mais aguçados pela nova experiência de ter à mão o que antes só podia encontrar se deslocando até o templo, percebem a mutação na perspectiva de entendimento da religião, ou seja, “a fácil coexistência de tantas visões diferentes e abertamente heterodoxas no ciberespaço expõe o internauta a um ambiente doutrinal mais fluido, que tem o potencial de encorajar os indivíduos a experimentação religiosa e espiritual” (SBARDELOTTO, 2012, p. 29). O que é possível perceber é que a existência, a natureza e o uso do meio digital provocam deslocamentos, micro alterações na experiência e na vivência da fé e com isso, a missão da Igreja Católica neste novo modelo de interação é o de se tornar interessante e atrativa, para não perder credibilidade e sem entrar no jogo do marketing capitalista que a Rede oferece (SBARDELOTTO, 2012). A partir desta midiatização é palpável a ideia de que o fiel passa a ter uma maior liberdade pelo que a midiatização digital proporciona, mas não é correto afirmar que irá deixar de frequentar a Igreja-templo, assim como não deixará de se socializar em comunidades no âmbito off-line. Porém, ele passa agora a adquirir ambientes de interação mais amplos, agora online, e pode compartilhar com as pessoas do seu círculo social digital as suas crenças. Não se pode confundir, todavia, individualidade com isolamento social, muito embora o risco do isolamento exista dentro do mundo online e já é objeto de estudo de outros pesquisadores. O contato físico, impossibilitado pela internet, se transforma e ganha novos aliados: webcam’s, softwares de conversa por vídeo, troca instantânea de mensagens, etc. O verbo, a palavra, já não mais vem apenas de Deus, mas é fruto da vivência e experiência de cada indivíduo que se torna um grande saltador de barreiras, onde, “a partir das interações” possibilitadas pela Rede, o fiel vive uma experiência abstrata de fé, sem a presença física de alguém, seja ele uma pessoa ou lugar de culto, como destaca Sbardelotto (2012). Assim, hoje, o fiel, que interage com essa nova fonte de relacionamento mediado pela digitalização, preocupa-se em estar mais ligado às novidades que lhe são oferecidas pelo mercado tecnológico. A adesão a essa evolução tecnológico-digital já não é mais uma opção. É preciso estar sempre e muito mais informatizado, e, dentro dos meios digitais, proporcionar encontro e diálogo, relação e amadurecimento da fé e dos seus meios de se relacionar com seu Deus e com os demais.
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MIGUEL DE OLIVEIRA JÚNIOR E PHELIPE DE CARVALHO SILVA
CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao longo deste artigo, refletimos sobre o papel essencial da comunicação dentro da Igreja Católica, sobretudo no que diz respeito à contemporaneidade dos meios digitais, e da sua nova concepção de relacionamento com o homem moderno. Buscamos compreender qual a necessidade da inserção da Igreja dentro das redes sociais, para transmitir de maneira mais eficaz a sua mensagem aos fiéis, cada vez mais conectados. Através de alguns estudos, pudemos analisar, na História, a participação da Igreja Católica no seu processo de formação comunicacional e como ela se inseriu, timidamente, dentro da Rede e foi construindo sua forma de relacionarse através dos meios midiáticos. Por outro lado, vimos quais foram as consequências da quase obrigatoriedade dessa inserção, dado que o mundo evoluiu, depois da década de 90, graças à popularização da internet e do avanço tecnológico. Por último, vimos as características principais dessa nova maneira de se entender a fé, a partir das mídias digitais. A religião, no caso a católica, assim como outras instituições sociais, tem o dever de proporcionar a reflexão de seus seguidores, tornando-os capazes de compreender sua doutrina. A internet pode ser mais um meio pelo qual as mensagens católicas possam ser difundidas. Porém, seu uso deverá ser mais adequado para que se possa atingir de forma coerente um maior número de pessoas possível.
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ALEXANDRE LOPES E JÉSSICA DE CÁSSIA ROSSI
MÍDIA PORTUGUESA E DISCURSOS SOBRE A MULHER IMIGRANTE BRASILEIRA: UMA ANÁLISE DO DISCURSO DO JORNAL EXPRESSO Alexandre LOPES1 Jéssica de Cássia ROSSI2
RESUMO Nosso objetivo é analisar como o discurso do jornal Expresso influencia na construção das representações da mulher brasileira entre os portugueses. Dessa forma, apresentamos as reflexões das Teorias do Jornalismo e da Notícia, as quais abordam como os acontecimentos se transformam em notícias. Em seguida, indicamos as propriedades metodológicas da Análise do Discurso, na linha de estudos franceses, são utilizadas em nosso trabalho. Após isso, desenvolvemos a análise do discurso da notícia Universidades: Senhorios recusam arrendar quartos a brasileiros e africanos, na versão digital do jornal, em que identificamos os principais sentidos existentes. Por fim, apresentamos como os enunciados do jornal Expresso influenciam as representações sobre a mulher brasileira entre os portugueses.
ABSTRACT Our goal is to analyse how the discourse the newspaper Expresso influences the construction of representations of Brazilian women among the Portuguese. Thus, we present the reflections of Journalism Theories and news, which address how events become news. Then, we indicate the methodological properties of discourse analysis, in line with French studies are used in our work. After that, we developed a discourse analysis of news Universidades: Senhorios recusam arrendar quartos a brasileiros e africanos, in the digital version of the newspaper, we identify the main existing senses. Finally, we present the statements as the newspaper Expresso influence the representations of Brazilian women among the Portuguese.
1 Docente do curso de Enfermagem da Faculdade Eduvale, Avaré/SP. Especialista em Docência no Ensino Superior (2015) pela Uningá, Maringa/PR. Contato: alexandre.btu@bol.com.br. 2 Docente dos cursos de Comunicação Social da Universidade Sagrado Coração (USC). Doutoranda em Ciências Sociais pela Unesp/Marília; Mestre em Comunicação pela Unesp/Bauru (2011). Contato: jessicacrossi@yahoo.com.br.
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MÍDIA PORTUGUESA E DISCURSOS SOBRE A MULHER IMIGRANTE BRASILEIRA: UMA ANÁLISE DO DISCURSO DO JORNAL EXPRESSO
INTRODUÇÃO A elaboração de uma notícia nos veículos midiáticos não ocorre de modo diverso, na realidade, elas podem ser construídas por meio valores compatíveis com à ideologia dominante de uma sociedade. Tendo isso em vista, há uma série de critérios de valoresnotícia que selecionam e transformam acontecimentos em notícias para a manutenção de um poder vigente. Em um primeiro momento, tais valores permanecem opacos nos discursos jornalísticos. Contudo, por meio de uma abordagem como a análise do discurso, na linha de estudos franceses, é possível identificarmos sua existência. Por isso, o objetivo do nosso trabalho é analisar como o discurso do jornal Expresso influencia na construção das representações da mulher brasileira entre os portugueses. Pelas reflexões de Charaudeau (2009) sobre as propriedades da mídia, fundamentamo-nos nas Teorias do Jornalismo e da Notícia para entendermos como os valores-notícia selecionam e transformam acontecimentos em notícias. Esse pensamento indica-nos como as mídias cumprem o contrato de comunicação midiática, o qual visa, concomitantemente, informar e captar os receptores. Os critérios de noticiabilidade são parâmetros objetivos que, de certa forma, atendem essa necessidade das mídias. Ademais, apresentamos como as propriedades metodológicas da Análise do Discurso, na linha de estudos franceses, são utilizadas em nosso trabalho. A partir dela, investigamos as construções discursivas de cada sujeito pelas posições ideológicas que ocupa em uma sociedade. Após isso, expomos as características do jornal Expresso e realizamos nossa análise por meio de um quadro de Formações Discursivas no qual levantamos os principais sentidos existentes na notícia Universidades: Senhorios recusam arrendar quartos a brasileiros e africanos. Para finalizar, indicamos os principais resultados e associações que as análises nos permitem e como é possível o discurso do jornal Expresso influenciar o modo de percepção que os portugueses têm da mulher brasileira.
TEORIAS DO JORNALISMO E DA NOTÍCIA As Teorias do Jornalismo e da Notícia tratam do processo de produção, circulação e recepção das notícias, fases que apresentam a clássica noção do processo de comunicação (emissão – transmissão – recepção). A abordagem do processo noticioso feito por essas teorias é diversa, mas existem outras formas de enxergála como faz Charaudeau (2009). O estudioso analisa os processos jornalísticos a partir das propriedades da instância midiática, enfatizando o discurso da informação relacionado a três espaços específicos de construção de sentido (produção, produto e recepção). O primeiro lugar na instância midiática compreende a produção da informação como a organização, seus atores, etc. O segundo lugar compreende a construção do produto como o artigo de jornal, o boletim radiofônico, telejornal, etc. O terceiro lugar compreende as condições de interpretação como os leitores, os ouvintes, os telespectadores, etc. Por essa distinção, é possível, segundo Charaudeau
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(2009, p.28), “(...) explicar a informação como algo que não corresponde à apenas a intenção do produtor, nem apenas à do receptor, mas como resultado de uma cointencionalidade que compreende os efeitos visados, os efeitos possíveis e os efeitos produzidos”. Dessa forma, fica mais compreensível o ambiente no qual os processos jornalísticos encontram-se inseridos. O jornalista é o agente principal na construção de sentido das notícias na instância midiática. Ele direciona a percepção das pessoas para determinados acontecimentos e interpretações ao invés de outros. A seleção e a transformação dos acontecimentos em notícias até chegar ao receptor que a interpreta é um processo complexo. A instância midiática é regida, ainda de acordo com Charaudeau (2009), por certas especificidades do seu contrato de comunicação que influenciam os processos jornalísticos. O contrato de comunicação midiática se pauta por uma contradição, ao mesmo tempo, precisa ter grande credibilidade na informação e grande captação de receptores. Trata-se da visada de informação, a qual consiste em fazer saber o cidadão que tende a produzir um objeto de conhecimento segundo uma lógica cívica de informar as pessoas e da visada de captação, a qual consiste em fazer sentir o parceiro da troca, ao tentar produzir um objeto de consumo, segundo uma lógica comercial, para captar as massas e sobreviver à concorrência. A visada de informação é dominante porque está ligada à credibilidade que supõe que o mundo seja reportado com seriedade. Já a visada de captação ligada à dramatização é secundária porque é contrária a anterior. Contudo, as mídias navegam entre esses dois polos de acordo com sua ideologia e da natureza dos acontecimentos. Às vezes, utilizar a dramaticidade na exposição dos acontecimentos é um modo contraditório de proporcionar o processo cognitivo da informação por meio de um mecanismo psíquico que integra o saber às representações captadoras. Diante disso, os processos jornalísticos precisam adotar critérios que selecionem e transformem acontecimentos em notícias de modo eficaz e eficiente. Por isso, existe uma gama de critérios de noticiabilidade que buscam construir notícias, as quais informam e captam o público. Desse modo, consideramos importante compreender como os valores notícia influenciam esse processo. Os critérios de seleção sobre o que é notícia são feitos, segundo Hall (1970 apud PONTE, 2005, p.184), pelos jornalistas em termos de significância de conhecimentos inferidos sobre a audiência e a sociedade. Principalmente acontecimentos que violem normas sociais, sejam contraditórios ao cotidiano e as expectativas, sejam dramáticos ou estejam próximas da vida dos receptores. Os valores notícia selecionam acontecimentos que visam atender as expectativas do público. Mas é importante ressaltar que a instância midiática tem pouco conhecimento sobre os receptores. Existem, segundo Charaudeau (2009), poucos estudos que analisam a instância de recepção. Isso ocorre porque é difícil conhecer, adequadamente, essa dimensão. As sondagens e as pesquisas de recepção não conseguem viabilizar conhecimentos significativos sobre isso. Então as mídias constroem suposições sobre os efeitos que pretendem provocar nos receptores, mas não tem noção sobre quais foram os efeitos produzidos. Para o mesmo autor (p.133), os acontecimentos que ocorrem no mundo social
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são inúmeros, por isso, a instância midiática precisa escolher o que será notícia. Isso é feito a partir de dados mais ou menos objetivos como o tempo, o espaço e a hierarquia. Já segundo Galtung e Rose (1965 apud PONTE, 2005, p.192), percebemos que os critérios de noticiabilidade não se pautam, sobretudo pelo inesperado ou pela negatividade. É preciso acentuar outras dimensões de valores notícia. O processo noticioso varia de uma cultura para a outra, mas alguns critérios comuns para a seleção e transformação dos acontecimentos em notícias são: a frequência do sinal; a amplitude e a clareza; a significância; a consonância; a imprerisibilidade; a continuidade; a complementaridade; a relação com as elites; a personalização; a negatividade. Vemos que apenas valores sociais incomuns são noticiáveis. Os valores notícia complementam-se no processo de produção noticiosa, cada um cumpre um papel específico. Um acontecimento transformado em notícia é segundo Wolf (1985 apud PONTE, 2005, p.216), “o resultado de uma ponderação entre avaliações relativas a elementos de diferente peso, relevo e rigidez quanto aos processos produtivos”. De alguma forma, os valores notícia estão ligados a valores dominantes. Em cada circunstância/ocorrência é possível vermos a presença de significados ideológicos diferentes combinados com determinados valores notícias. Eles devem ser vistos, conforme assinala Fowler (1991 apud PONTE, 2005, p.218), não como marcas de seleção, mas sim como marcas de representação. Isso quer dizer que os critérios de noticiabilidade representam valores ideológicos de um determinado sujeito e/ou grupo inserido no jogo de forças sociais existentes.
ANÁLISE DO DISCURSO – linha de estudos franceses A AD surgiu na França, na década de 1960, por meio da confluência de três áreas do conhecimento: a Linguística, o Marxismo e a Psicanálise. A explicação para essa convergência é que: Daí conjugando a língua com a história na produção de sentidos, esses estudos do discurso trabalham o que vai se chamar a forma material (não abstrata como a Linguística) que é a forma encarnada na história para produzir sentidos: essa forma é portanto lingüístico-histórica (ORLANDI, 2003, p.20).
Por essa conjunção, percebemos o reconhecimento da materialidade da linguagem. O seu funcionamento depende da relação existente com a ideologia e a história. Pela perspectiva da AD francesa, os indivíduos passam a ser sujeitos de seus discursos a partir das posições que assumem na luta de forças sociais. A cada momento esses indivíduos podem assumir perspectivas diferentes, dependendo do papel social e do contexto histórico em que estão inseridos. Dessa forma, a interface da linguagem com a ideologia e a história esclarece a importância que a exteoridade tem no exercício da linguagem. O ato de enunciação de um sujeito é influenciado pelos discursos já existentes em determinado contexto social. O enunciador retoma esses discursos e enuncia novamente de outras formas, produzindo sentidos diferentes. A AD enfatiza o 80 | COMUNICAÇÃO - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 9| n.9|p. 074-086| 1° Semestre 2015
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assujeitamento do emissor ao utilizar discursos sociais já instituídos. O objetivo dessa ferramenta é compreender como um objeto simbólico está investido de significância. Este objeto tem relação com sua exterioridade, com as condições as quais foi produzido e que as intenções do sujeito não podem controlar. A produção de sentidos depende dessa exterioridade que revela as posições ideológicas colocadas em jogo no processo sócio-histórico. Os valores ideológicos de um sujeito ou grupo social são conhecidos por Formação Ideológica (FI), a qual se expressa em um discurso por meio de uma Formação Discursiva (FD) que produz sentidos: A formação ideológica é o conjunto de representações e atitudes relacionadas às posições de classe, em confronto, umas com as outras. A formação discursiva se configura como um conjunto de regularidades presente nos discursos de uma determinada formação ideológica. (BACCEGA, 1998, p. 89-90).
Em um enunciado é possível coexistir diversas Formações Discursivas (FDs) representando diversas Formações Ideológicas (FIs). Desse modo, ao identificarmos as FDs, identificamos também as FIs. Em nossa análise, identificamos os sentidos existentes em cada FD encontrada nos enunciados do jornal Expresso. Lembrando que, de acordo com Maingueneau (1997), o fechamento de uma FD é instável, não pode ser determinado. Ela é uma fronteira que se desloca em função dos embates de uma luta ideológica. A FD incorpora todas as mudanças que ocorrem no jogo de forças sociais, ela não é uma apresentação estável da perspectiva de um grupo social. Tendo isso em vista, procuramos formar um quadro de FDs com os principais sentidos produzidos na notícia do jornal Expresso. Trata-se de uma análise que aponta as principais regularidades discursivas existentes na perspectiva ideológica em que o jornal e seus jornalistas estão inseridos. Verificamos como os sentidos produzidos pelo discurso do jornal (des)constroem as representações da mulher brasileira no imaginário português. O nosso corpus de análise é composto por uma notícia sobre as mulheres imigrantes brasileiras em Portugal em situação de prostituição e/ou violência que as associam à clandestinidade3. Escolhemos, aleatoriamente, uma notícia veiculada no ano de 2008 na versão digital do jornal. As FDs estão numeradas e nomeadas a partir dos sentidos nucleares identificados. Os resultados nos indicam como os sentidos das notícias influenciam a percepção que os portugueses têm sobre a mulher brasileira.
JORNAL EXPRESSO O jornal Expresso foi fundado em 1973 por Francisco Pinto Balsemão. O Expresso é editado aos sábados em Portugal; sua sede fica na cidade de Lisboa e, atualmente, pertence ao grupo empresarial Imprensa. É o semanário de maior tiragem no país. A versão digital do Expresso está dividida da seguinte forma: Início, Actualidade, Economia, Dinheiro, Life & Style, Desporto, Tecnologia e Ciência, Opinião, Blogues, Dossiês, Multimédia, Assinaturas e A a Z. 3 No presente trabalho analisamos apenas uma notícia que faz parte de um corpus de análise mais amplo.
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MÍDIA PORTUGUESA E DISCURSOS SOBRE A MULHER IMIGRANTE BRASILEIRA: UMA ANÁLISE DO DISCURSO DO JORNAL EXPRESSO
Análise do Discurso da Matéria Universidades: Senhorios recusam arrendar quartos a brasileiros e africanos A reportagem Universidades: Senhorios recusam arrendar quartos a brasileiros e africanos4, produzida pela agência de notícia Lusa, foi publicada na versão digital do jornal Expresso no dia 22 de setembro de 2008. A matéria aborda as dificuldades que estudantes universitários brasileiros e africanos enfrentam para alugar um quarto para morar em diversos lugares de Portugal. De acordo com a reportagem, os proprietários dos imóveis, pessoas idosas, têm alguns preconceitos contra esses imigrantes (tanto brasileiros quanto africanos) e por isso não alugam os quartos. Situação que muda quando se trata de uma pessoa de nacionalidade portuguesa. Vejamos a Formação Ideológica (FI) existente na presente notícia a partir da identificação de suas Formações Discursivas e os sentidos que cada uma delas compreende.
QUADRO DE FORMAÇÕES DISCURSIVAS DA MATÉRIA Formação Discursiva 1 (FD1) – “Próximo/Distante”: Valorizar o que é próximo a determinada comunidade, sociedade ou país, é um posicionamento ideológico-discursivo recorrente. Em diversas Condições de Produção (CPs) de um determinado discurso, esta FD é acionada porque o indivíduo, o qual se torna sujeito de sua enunciação, tende a ver o que é próximo e conhecido de forma positiva e o que é distante e desconhecido de forma negativa. O que é distante é algo estranho, não é próximo dos valores que uma determinada sociedade tem, por isso há uma série de enunciados que justificam essa percepção negativa de elementos estranhos a um determinado lugar. Tudo depende do posicionamento ideológico-discursivo que um enunciador ocupa no momento da produção de um discurso. Se esse enunciador passa a conhecer melhor um elemento que lhe é estranho, com certeza ele se tornará próximo dele porque o conheceu e assim por diante. O discurso é dinâmico, muda conforme nossos posicionamentos ideológico-discursivos. Na notícia/reportagem Universidades: Senhorios recusam arrendar quartos a brasileiros e africanos, verificamos a existência de enunciados que concebem os imigrantes, tanto brasileiros como africanos, como algo estranho e negativo para os portugueses. Contudo, quando esses imigrantes são conhecidos de alguns portugueses (como familiares e amigos de imigrantes brasileiros em Portugal), passam a ser vistos de forma mais positiva por outros portugueses. A partir desses enunciados, verificamos a produção de um sentido que mostra essa mudança de posicionamento entre os portugueses, de algo distante para algo próximo, conforme verificamos abaixo: FD1 – Sentido A “Imigração Brasileira em Portugal”: a imigração brasileira em Portugal tem sido um fenômeno recente entre os portugueses. Até há pouco tempo, o país não recebia tantos imigrantes, de diversos lugares, como passou a receber nas últimas décadas, entre os quais estão os brasileiros. A presença crescente dos brasileiros não tem sido bem vista pelos portugueses, ainda mais quando se trata das mulheres imigrantes brasileiras. Há uma série de fatores que levam a essa rejeição que 4 A reportagem está disponível no Anexo A do presente trabalho.
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vão desde os problemas econômicos que Portugal vem enfrentado na última década, o que acirra a concorrência de empregos entre portugueses e brasileiros, passando por algumas representações negativas da mulher brasileira no imaginário português e as marcas que o movimento Mães de Bragança construiu entre os lusitanos sobre a presença ilegal de prostitutas brasileiras no país. São acontecimentos que tem construído alguns posicionamentos ideológico-discursivos que veem a presença de mulheres imigrantes brasileiras em Portugal de forma preconceituosa e discriminatória. A reportagem Universidades: Senhorios recusam arrendar quartos a brasileiros e africanos é um exemplo desses enunciados, visto que ela apresenta uma produção discursiva que aponta o preconceito que estudantes universitárias brasileiras sofrem para alugar um quarto ou imóvel em Portugal. É uma discriminação, principalmente comum, entre pessoas idosas que tendem a ser mais conservadoras e moralistas em relação à presença de pessoas estranhas à sua cultura e ao local em que vivem. É um acontecimento noticiável porque apresenta elementos que valorizam o que é próximo, geográfica e culturalmente, dos portugueses e desvalorizam o que é distante. O valornotícia em questão é a “significância”, ligada ao etnocentrismo que dá preferência a acontecimentos próximos do enunciador, no caso o jornal Expresso. Percebemos nas enunciações do jornal, discursos que mostram a valorização do que é próximo e a desvalorização do que é distante. Os enunciados que confirmam a valorização do que é próximo aos portugueses são: “[...] quando o sotaque é português aqueles quartos estão livres. ”; “[...] a Lusa [agência portuguesa de notícias] liga para o mesmo número e o discurso mudou: ‘Tenho um quarto muito bom que pode ficar em 250 a 300 euros, caso opte por ter tratamento de roupa’ [...]”. Já os enunciados que demonstram a desvalorização do que é distante aos portugueses são: “Anúncio após anúncio, a jovem brasileira ouve sempre a mesma resposta: ‘O quarto já está arrendado’ [...]” (declaração de um proprietário de imóvel em Portugal); “São cerca de três mil os brasileiros a estudar no ensino superior em Portugal [...]”; “Maria (nome fictício), sabe, por experiência própria, que as brasileiras têm grandes dificuldades para conseguir arrendar um quarto ou uma casa [...]”; “[...] ‘Sim, ainda está livre... mas vai ficar no fim da lista e aviso-lhe já será muito difícil ficar com ele. Há muita gente para ver o quarto e vão ficar à sua frente”, é a resposta que ouve do outro lado do telefone’ [...]” (resposta de uma pessoa de idade, proprietária de um imóvel ou quarto, a Maria, uma estudante universitária brasileira]; “[...] o sotaque brasileiro impediu a estudante de conseguir um quarto [...]”. Apesar de identificarmos esse posicionamento ideológico-discursivo na presente reportagem, percebemos no próprio discurso em questão o reconhecimento do preconceito que existe contra imigrantes brasileiros, não por uma voz portuguesa como o jornal Expresso ou da Agência Lusa (produtora/fonte da notícia), mas sim em uma voz brasileira, de Heliana Bibas, representante da Casa Brasil em Lisboa. Vejamos o enunciado que confirma esse posicionamento no trecho a seguir: “Heliana Bibas, da Casa Brasil, reconhece que [os imigrantes brasileiros] já foram ‘mais bem recebidos e que ‘em alguns casos a situação tem vindo a piorar’, tudo porque ‘existe um estereótipo do papel [do imigrante]’ [...]”. O reconhecimento é importante, mas na voz de uma pessoa de nacionalidade brasileira pode representar algo tendencioso porque a discriminação é vista pela perspectiva dos brasileiros e não pela perspectiva dos portugueses. O desafio que se apresenta é os próprios COMUNICAÇÃO - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 9| n.9|p. 074-086| 1° Semestre 2015 | 83
MÍDIA PORTUGUESA E DISCURSOS SOBRE A MULHER IMIGRANTE BRASILEIRA: UMA ANÁLISE DO DISCURSO DO JORNAL EXPRESSO
portugueses reconhecerem essa discriminação. Até que isso ocorra, as mulheres imigrantes brasileiras continuarão sendo discriminadas pelos portugueses e uma das formas de enfrentar isso tem sido o agrupamento de imigrantes brasileiros que passam a morar juntos, conforme nos mostram os enunciados do Expresso no trecho a seguir: “Nas cidades universitárias, como Évora, existem residências só para brasileiros [...]”. Por essas reflexões apresentadas, acreditamos que o jornal Expresso apresenta alguns enunciados que produzem o sentido “Imigração Brasileira em Portugal”. Formação Discursiva 2 (FD2) “Mulher Brasileira”: as percepções que os portugueses têm da mulher brasileira foram construídas ao longo das relações lusobrasileiras. Desde os tempos da colonização portuguesa no Brasil foram se produzindo representações sobre a mulher brasileira associadas à sua sensualidade e ao sexo que foram intensificadas pela cultura do carnaval brasileiro, divulgado ao redor do mundo, e vem sendo aprimoradas com a crescente presença de mulheres imigrantes brasileiras em Portugal. São representações que atribuem à mulher brasileira um comportamento e uma personalidade diferente da maioria das mulheres (principalmente portuguesas). Enquanto essas são vistas como mulheres sérias e recatadas, aquelas são vistas como mulheres volúveis e sensuais que sempre estão “à procura de sexo” ou fazem alguma coisa para se dar bem. São percepções muito fortes no imaginário português, por isso, constituem uma série de regularidades discursivas que em diversas situações são expressas nas enunciações de muitos portugueses, como também nas enunciações do jornal Expresso produzindo alguns sentidos, conforme verificamos abaixo: FD1 – Sentido A “O comportamento da mulher brasileira”: fundamentandose na FD “Mulher Brasileira”, o jornal Expresso apresenta alguns enunciados que produzem o sentido de que a mulher brasileira tem “comportamento diferente” em relação as outras mulheres. Ela é vista pelos portugueses como uma mulher sensual, com transitoriedade afetiva e com “disponibilidade sexual”. São características que não dão credibilidade e seriedade a elas, como ocorreria, por exemplo, com uma mulher portuguesa. Por isso, a mulher brasileira muitas vezes, é vista como uma prostituta pelos portugueses. Dessa forma, em diversas situações que eles têm contato com uma mulher imigrante brasileira, independentemente de qual seja a atividade profissional dela e do motivo pelo qual ela esteja em Portugal, eles a associam à figura da prostituta. É um estereótipo ligado à nacionalidade, basta que, muitas vezes, os portugueses percebam que uma mulher é brasileira (normalmente percebem isso pelo sotaque) que já a associa à prostituição. O próprio jornal Expresso reconhece, em seu discurso, que essa associação e preconceito existem entre os portugueses conforme observamos nos trechos a seguir: “[...] ‘As raparigas [moças] são associadas à prostituição [...]”. Há quem acuse os portugueses de ‘um racismo camuflado5’ [...]”; “[...] ‘E sobre as brasileiras existe um grande preconceito de que possam ser prostitutas e não estudantes’, criticou Luis Ricardo Ferreira, presidente da Associação Acadêmica de Aveiro”; “Helena Bibas, da Casa Brasil, reconhece que [...] [há] ‘uma associação da brasileira à prostituição’ [...]”. No entanto, como é comum no discurso 5 Na mesma notícia quem reconhece a existência de um “racismo camuflado em Portugal” não é um português e sim um africano como vemos no trecho a seguir: no trecho “[...] ‘Em Portugal existe um racismo camuflado’, acusou Fernando Cá, presidente da Associação Guineense de Solidariedade Social”. São enunciados que comprovam que é difícil para os portugueses reconhecerem o preconceito que têm contra imigrantes (já tratamos disso na FD “Próximo/Distante” da presente reportagem e no caso em questão contra as mulheres imigrantes brasileiras.
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jornalístico, o Expresso apenas aborda as situações em que normalmente ocorre esse preconceito na reportagem em questão e não a problemática, o que realmente gera essa discriminação. É um posicionamento ideológico-discursivo que nos apontam o valore-notícia “personalização”; ele foca um acontecimento em uma pessoa, na reportagem em questão o Expresso personaliza o acontecimento em Maria (nome fictício), uma estudante universitária brasileira, ao falar de sua dificuldade para alugar um quarto para morar. Embora o jornal Expresso reconheça que a discriminação dos portugueses em relação às mulheres imigrantes brasileiras seja algo geral, nesse ponto o Expresso centraliza o problema em uma situação por meio do uso da personalização do problema em Maria. O foco na pessoa permite ocultar discussões sociais mais amplas, como é o caso em questão, e dar mais noticiabilidade a um acontecimento. Os enunciados que confirmam essa estratégia discursiva são: título “Universidades: Senhorios recusam arrendar quartos a brasileiros e africanos”; “Maria (nome fictício) sabe, por experiência própria, que as brasileiras têm grande dificuldade de arrendar quartos [...]; “[...] o sotaque brasileiro impediu a estudante [Maria] de conseguir um quarto [...]”. Por essas considerações, acreditamos que o jornal Expresso produz o sentido “o comportamento da mulher brasileira”. FD2 – Sentido B “Desconfiança”: fundamentando-nos ainda na FD2 “Mulher Brasileira”, observamos que o jornal Expresso produz mais um sentido. A partir de regularidades discursivas que descredibilizam o comportamento da mulher brasileira entre os portugueses, vemos que o jornal apresenta enunciados que apontam a desconfiança que existe entre os “senhorios” portugueses para alugar quartos ou imóveis a estudantes brasileiras no país. Entre esses enunciados, existe a representação comum de que as mulheres imigrantes brasileiras vão para Portugal para se prostituírem. Dizer que elas vão lá para estudar parece ser totalmente incompatível com a percepção que os lusitanos têm da mulher brasileira. É a confrontação entre a representação de uma mulher descompromissada com uma mulher séria que são totalmente diferentes no imaginário português. Por isso, há uma série de discursos que justificam a desconfiança de pessoas idosas em relação às mulheres imigrantes brasileiras a ponto dessas pessoas pedirem para essas mulheres comprovantes de que realmente estão em Portugal na condição de estudante. Alguns enunciados que confirmam a produção desse sentido são os seguintes trechos: “[...] Há até quem exija comprovativo da universidade em como é estudante”; “Depois de cinco telefonemas, [...] surge finalmente alguém disposto a recebê-la [Maria, nome fictício, estudante brasileira]. Mas com uma condição: ‘Tem que trazer comprovativo da faculdade em como está a estudar’ [...]”. São exemplos de que as estudantes universitárias brasileiras precisam ter um documento que comprovem sua idoneidade e seriedade, não basta apenas sua palavra. Ademais, vemos que a produção do sentido “Desconfiança” apresenta enunciados que mostram que a discriminação não ocorre apenas com a estudante brasileira Maria (nome fictício), mas que ocorre também com várias outras estudantes brasileiras. É uma característica da notícia/reportagem Universidades: Senhorios recusam arrendar quartos a brasileiros e africanos que mostra que é uma situação de interesse dos lusitanos. Por isso, é um aspecto que dá mais noticiabilidade ao acontecimento em questão, visto que o valor-notícia presente nesse ponto é
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“significância”. É um critério que valoriza aspectos de um acontecimento que seja importante e que interesse aos receptores do jornal Expresso, visto que a presença do grupo brasileiro incomoda a um grupo de moradores portugueses Foi a partir dessas reflexões que identificamos a produção do presente “Desconfiança”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS As reflexões das Teorias do Jornalismo e da Notícia nos mostraram que os valoresnotícia direcionam a seleção e transformação de acontecimentos em notícias. Esses parâmetros norteiam a produção de notícias que, de alguma maneira, estão ligadas à ideologia dominante de uma sociedade. Podemos enxergar as notícias como uma manifestação dos posicionamentos ideológicos de seu enunciador, já que ele é um sujeito inserido no embate de forças sociais existentes. É por isso que selecionamos a AD como instrumento metodológico para identificar esses posicionamentos. O quadro de FDs exposto nos indicou como os valores ideológicos (FIs) do jornal Expresso são enunciados (FDs). Desse modo, levantamos quais os principais sentidos construídos na notícia sobre as dificuldades que as mulheres imigrantes brasileiras enfrentam para alugar uma moradia em Portugal. Pelas análises, percebemos na FD1, percebemos a construção de sentidos que aponta a desvalorização por parte dos portugueses, principalmente de pessoas idosas, em relação a imigrantes brasileiros. É um grupo que, apesar de estarem cada vez mais presentes em Portugal, é visto como estranho à cultura lusitana. Por isso, muitos portugueses os discriminam como pudemos notar nas enunciações do jornal Expresso. Já a FD2 nos aponta de onde vêm tantos preconceitos entre os portugueses em relação às mulheres imigrantes brasileiras que estudam em Portugal. Advém de algumas representações negativas da mulher brasileira, nas quais ela é concebida como uma mulher volúvel, sensual e com disponibilidade sexual. São percepções que associam a mulher brasileira à prostituição e também à desconfiança. Por essas considerações, podemos dizer que o preconceito em relação a imigrantes não é algo que ocorre somente com as mulheres imigrantes brasileiras. De modo geral, os portugueses tendem a discriminar pessoas de outros lugares. No caso das imigrantes brasileiras, especificamente as mulheres, tal preconceito é associado a outras percepções comuns sobre a mulher brasileira entre os portugueses. Além de elas serem pessoas distantes da cultura e da sociedade lusitana, são também vistas como prostitutas e com desconfiança. Por isso, as mulheres imigrantes brasileiras têm dificuldades para levar uma vida normal em Portugal. Em seus ombros pesa além da sua condição de imigrante, a sua nacionalidade. A partir disso, acreditamos que tais posicionamentos discursos do jornal Expresso influencia na construção das representações da mulher brasileira entre os portugueses. Dessa forma, acreditamos que atingimos ao objetivo do presente trabalho e que, de alguma forma, contribua para novas reflexões sobre o assunto. Nos últimos anos, diversas mulheres imigrantes brasileiras residentes em Portugal têm questionado
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as representações midiáticas sobre a mulher brasileira6, contudo, esse grupo ainda sofre bastante preconceito em território lusitano. Desejamos que novas iniciativas e reflexões científicas ajudem a questionar e a refletir sobre essa situação.
REFERÊNCIAS BACCEGA, M. A. Comunicação e Linguagem – discurso e ciência. São Paulo: Moderna. 1998. CHARAUDEAU, P. Discurso das mídias. Tradução de Ângela M.S. Corrêa. São Paulo: Contexto, 2009. FRANÇA, Thais. Entre reflexões e práticas: feminismos e militância nos estudos migratórios. E-cadernos CES. 2012, n. 18. Disponível em: http://eces.revues.org/1527. Acesso em 01 fev. 2015. MAINGUENEAU, D. Novas tendências em análise do discurso. 3 ed. Tradução de Freda Indursky, Pontes, Campinas, 1997. ORLANDI, E. P. Análise de Discurso. Campinas: Pontes, 2003. PONTE, C. Para entender as notícias – Linhas de análise do discurso jornalístico. Florianópolis: Insular.,2005.
6 O “Manifesto em repúdio ao preconceito contra as mulheres brasileiras em Portugal” em 2011 elaborou um manifesto e articulou diversos segmentos sociais para questionar as representações midiáticas contra a mulher brasileira em Portugal (FRANÇA, 2012).
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ANEXO A â&#x20AC;&#x201C; MatĂŠria Universidades: Senhorios recusam arrendar quartos a brasileiros e africanos
IVANIA SKURA, BRUNO CESAR SOUZA DA SILVA E ANA PAULA MACHADO VELHO
CRIANDO UMA MARCA A PARTIR DOS PRINCÍPIOS DA GESTALT DO OBJETO Ivania SKURA
Graduada em Comunicação Social - Publicidade e Propaganda - UNICESUMAR
Bruno Cesar Souza da SILVA
Graduado em Comunicação Social - Publicidade e Propaganda - UNICESUMAR
Ana Paula Machado VELHO
Pós-doutora em Arte e Tecnologia - UnB, docente dos mestrados em Promoção da Saúde e Tecnologias Limpas - UNICESUMAR
RESUMO Os princípios da Gestalt do objeto são referências válidas para qualquer criação visual. Buscar a melhor forma para os objetos é permitir que estes possam ser reconhecidos com facilidade - o que depende também da experiência do observador - assim como permite que se façam associações de sentido mais rapidamente. Tendo essa poderosa ferramenta de alfabetização visual, pode-se usar a Gestalt como base não só para a criação de marcas e anúncios, mas também para a defesa criativa, em vista de entender cada detalhe utilizado, justamente o que este trabalho objetivou denotar de forma prática. A criação publicitária, dessa maneira, é resultado de técnica e planejamento, de modo que o sucesso depende de como se alia isso tudo ao contexto de cada trabalho. Esta dimensão da publicidade aparece correntemente como pauta em discussões acadêmicas e de mercado e a importância e necessidade de se pesquisar acerca do tema é desmistificar a noção do caráter puramente arbitrário que se pode associar à criação. Palavras-chave: Marca; Publicidade; Propaganda.
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ABSTRACT The Gestalt of object principles are valid references to any visual creation. Find the best shape to objects allow that it can be easily recognized - wich depends on the observer’s experience – and also allow to make associations of significance more quickly. Having this powerful tool of visual literacy, Gestalt can be used as basis not only for the creation of brands and advertising, but also for the creative defense, in order to understand each creation detail, exactly what this study aimed to denote practically. The advertising creation, thus, is the result of technical and planning, and success depends on how it all combines to the context of each work. This dimension of advertising currently appears as subject in academic and market discussions and the importance and need for researches about the topic is to demystify the notion of pure arbitrariness that can be associate with breeding. Keywords: Brand; Advertising, Propaganda.
INTRODUÇÃO Este artigo surgiu como uma espécie de memorial descritivo de um exercício prático realizado em 2013 no ambiente de sala de aula no curso de Comunicação Social - Publicidade e Propaganda, do Centro Universitário Cesumar - UniCesumar, durante a disciplina de Computação gráfica, que envolve a produção e criação de produtos publicitários. A atividade que gerou este estudo visou relacionar teoria e prática de modo abrangente denotando como transcender para uma marca fictícia os conceitos dos padrões de comportamento visual propostos por João Gomes Filho em sua obra “Gestalt do objeto: sistema de leitura visual da forma” (Escrituras Editora, 2000). Partiu-se do princípio de que a Gestalt do objeto é uma forma de alfabetização visual que pode auxiliar todo tipo de criação, inclusive a marcária. A Gestalt aborda os modos como vemos os elementos e as relações entre os elementos visuais, com foco na maneira como são percebidos e compreendidos (GOMES FILHO, 2000). Para estudar como a Gestalt do objeto pode auxiliar na criação de uma marca, foi escolhido um segmento comercial fictício, com características capazes de direcionar o pensamento criativo dos autores1. Orientando o estudo de caso prático, desta forma, o segmento escolhido foi uma escola de artes e música, a qual supostamente prestaria serviços como cursos de pintura, música erudita (piano, violino, violoncelo e canto) e teoria musical. No desenvolvimento de uma marca, passo a passo, o nome geralmente é o primeiro elemento considerado na criação do símbolo marcário, pois a partir dele surgirão os conceitos essenciais para a marca. O nome escolhido para a marca fictícia foi “anímica”, cuja defesa criativa da escolha vem de seu significado - a palavra “anímica”, segundo Rios (1999, p. 98) significa “da alma, relativo à alma, 1 Agradecemos o auxílio das alunas Juliana Andressa Pizi e Bianca Arnoni da Silva Luvizetto e do professor Emerson Andujar nesta etapa do trabalho, e também pelos ricos apontamentos durante o processo criativo.
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psíquico”. O caráter subjetivo desta palavra traz grande carga semântica, permite que o nome faça referência a diversos conceitos capazes de exprimir a identidade da marca, principalmente porque liga-se aos serviços prestados pela escola de artes e música quando os conceitos relacionados à marca são elucidados. Esses conceitos que buscamos abordar por meio do nome escolhido são, entre outros: eruditismo, classicismo, elegância, cultura, desenvolvimento intelectual, comprometimento e disciplina para a aprendizagem, enlevo da alma e subjetividade. A partir disso, portanto, assume-se o desafio de exprimir essas ideias e noções visualmente, com base nos princípios da Gestalt do objeto aplicada à criação de símbolos marcários e outras fontes de informação que sirvam para este fim, processo este discriminado a seguir.
PROCESSO DE CRIAÇÃO DO SÍMBOLO MARCÁRIO As artes e a música sempre tiveram ligação com a alma, com a psique, o emocional e o criativo do ser humano. Anímica é literalmente “relativo à alma” (RIOS, 1999, p. 98) e as linhas curvas representam muito bem esta liberdade criativa que a marca pretende passar, já que formas arredondadas, segundo Dondis (2003), na sintaxe da linguagem visual, têm significado de infinitude, calidez, proteção, o autor explica que a direção curva remete à abrangência, à repetição. Nesse contexto, as principais referências visuais capazes de denotar o conceito de “anímico” são relativas a essa subjetividade, e podem ser expressas, desse modo, através de curvas. Essa noção pode ser observada nos exemplos abaixo (figura 1).
Figura 1. Bricolagem de referências visuais com potencial para expressar a palavra “anímica”. Fontes: Blog Mil Sentidos (2015); Pixers (2014); Pixshark (2015); HD wallpapers (2015).
Além disso, Pardella (2012), ensina que a linha, por definição, constitui-se de uma sequência de pontos e, quando duas forças exercem pressão simultânea sobre um ponto, sendo uma delas contínua e predominante, surge a linha curva. A autora explica que enquanto a linha reta, angulosa, surge como resultado da ação humana e sua produção técnica, a linha curva domina o território dos sentimentos, expressa suavidade, gradação, flexibilidade e existe abundantemente na natureza, é orgânica. O redondo, o curvilíneo e o ondulante encontram-se em oposição ao caráter racionalizante da linha reta e angulosa, que focaliza a vontade e o controle. A partir desses conceitos, desse modo, ao buscar elementos (que contenham curvas) relacionados à marca e ao segmento em que esta se aplica, encontra-se um
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exemplo que não apenas traz o formato desejado, mas também representa um dos instrumentos que faz parte do repertório de cursos da escola trabalhada: o violino. E, ainda, de forma mais especifica, foi selecionada a parte superior do instrumento violino, a chamada voluta (ilustrada em detalhe na figura 2, abaixo).
Figura 2. As partes de um violino – voluta. Fontes: Teixeira (2014); Atelier La Bussiere (2015).
A partir da imagem acima, percebeu-se, ainda, que a clave de fá (ilustrada na figura 3), além de assemelhar-se à voluta, remete ao conceito de “curvas do anímico” de modo mais simplificado, mantendo uma alta pregnância, pois há mais facilidade em se perceber do que se trata a figura (para quem conhecer a linguagem musical, pois ressalva-se que esse processo se dá de acordo com as experiências do observador e a melhor forma utilizada na representação).
Figura 3. A clave de fá. Fonte: Wikiwand (2015).
Esse símbolo (a clave de fá) é rico em sua utilização e origem, pois é o tipo de linguagem utilizada em notação musical para indicar ao músico como ler as partituras. Trata-se de um “F” estilizado, pois é a letra que representava a nota fá no antigo sistema de notação musical. O formato da clave de fá, observado num contexto subjetivo de análise, pode ser entendido como semelhante ao formato do godê, que é uma “pequena tigela ou ferramenta a qual serve para diluir as cores, usada por pintores” (RIOS, 1999, p. 302). O godê (figura 4), além de possuir semelhança com as formas da voluta do violino e da clave de fá, traz as formas arredondadas que fazem 90 | COMUNICAÇÃO - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 9| n.9|p. 087-099| 1° Semestre 2015
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referência direta às curvas do anímico (essência do nome e do conceito da marca), e representa, diretamente, um dos serviços prestado pela escola (a pintura), além da música.
Figura 4. Referências visuais do objeto godê. Fontes: Elliot Music Studio (2011); Idea work (2015); Arnold (2014).
Para evidenciar o conceito da escola, denotando o segmento tratado e os serviços prestados (pintura e música), foi criado, desse modo, o símbolo e logotipo da marca. Utilizando as formas do modo mais simplificado possível, criou-se um símbolo do tipo ideograma, que representa ideias, noções e conceitos (GOMES FILHO, 2000) observado na figura 5. A figura estilizada, além de todas as associações subjetivas feitas em relação à palavra anímica, traz relação com a música e arte (voluta, clave de fá e godê).
Figura 5. Rascunho inicial do logo. Fonte: Autores.
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Sobre as tipografias utilizadas, a primeira versão apresentou-se como opção viável, mas analisando a importância do uso das fontes e suas produções de sentido na criação da marca, foram feitas mudanças nesses elementos (figura 6).
Figura 6. Mudança de fontes. Fonte: Autores.
Para a escolha das famílias tipográficas seguiu-se os seguintes parâmetros: harmonia (em relação aos elementos da marca), legibilidade e adequação aos conceitos. Peón (2009) avalia que o desenho dos caracteres possui expressividade semântica a qual não depende diretamente do conteúdo dos textos que formam. A autora explica que cada tipo de fonte transmite ideias, podendo ser descontraídas, sóbrias, contemporâneas, delicadas, grotescas e assim por diante. Fonseca (2008) e Clair (2009) apresentam conceitos e análises de fontes que auxiliaram na escolha das fontes a serem utilizados no logotipo da marca: Remachine e Walkway. A primeira fonte, segundo os autores, pode ser classificada como tipo pincel, a qual é desenhada com eixo claramente inclinado, imitando os traços característicos dos pincéis de pintura, remetendo ao conceito de arte em geral. A segunda fonte é classificada como tipo sem serifa, de espessura uniforme (sem variações entre os traços), e é especialmente utilizada para textos pequenos, remetendo a suavidade e leveza, obtendo o máximo de clareza e leiturabilidade, para a melhor identificação do conteúdo publicado. Quanto ao uso das fontes em caixa baixa em todas as palavras do logotipo, segundo Golgatti (2011) o texto em estética de caixa baixa é o modo mais comum e correto para se escrever. O autor explica que devido ao maior contraste entre cada letra, e, portanto, maior diferenciação entre elas, há maior facilidade de leitura, além de deixar o texto com um aspecto mais clean, já que ocupa menos espaço do que a caixa alta e se preserva a função do tipo. Palavras usadas em logotipos não precisam seguir o padrão de nomes próprios ou nomes de cidades, por exemplo. Logotipos são letras especialmente desenhadas ou adaptadas utilizadas para compor o nome de uma marca ou de uma empresa, e tais marcas devem refletir um determinado segmento de mercado (VALCAPELLI, 2005). O uso correto das fontes é muito importante para uma marca. Não somente o logotipo da empresa (e o uso de caixa alta ou baixa), mas todo o conjunto gráfico traz
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conceitos que devem estar relacionados com as características especificas da empresa e do cliente, o que justifica tal mudança tipográfica ocorrida. Ainda, por se tratar de uma escola de arte (pintura) sentiu-se a necessidade de acrescentar cor ao símbolo (figura 7), visto que as cores, segundo Valcapelli (2005) podem agregar sentidos às formas utilizadas na elaboração da marca, têm o poder de criar diferenciação e destaque. A linguagem visual e todos os seus elementos comunicam uma ideia ou conceito sobre uma determinada marca ou pessoa, e, as cores, nesse sentido, são de muita utilidade.
Figura 7. Reestilização do símbolo e adição de cores. Fonte: Autores.
A defesa criativa das cores começa pelo fato de que se usou amarelo e vermelho por serem cores primárias, responsáveis por originar todas as outras cores de pigmentos, e por isso tem um caráter de “progenitoras” das cores. Utilizar cores primárias representa, portanto, uma das principais características da arte, a liberdade de criar a partir de algo já existente dando origem a um novo elemento. Essas duas cores usadas no símbolo (amarelo e vermelho), ainda, quando misturadas, formam a cor secundária laranja, que, segundo Claudia Cortes (2012), renomada autora que estuda a personalidade das cores, é a cor da criatividade (figura 8). O que reforça essa origem subentendida do surgimento da cor laranja a partir da mistura do amarelo e vermelho, especificamente, é o fato de, no símbolo da marca, estarem num godê (que é justamente o recipiente utilizado por pintores para misturar tintas). A ideia de supor um “laranja subjetivo” vem do cunho artístico que a marca pretendida haveria de ter, traduzida no significado que a cor tem segundo Cortes (2013).
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Figura 8. Justificativa da escolha do laranja – “a cor da criatividade” Fonte: Cortes (2013).
A cor vermelha, segundo Farina (2006) representa amor, paixão, liderança, energia, revolução, e dentro do marketing é usada para estimular as compras e é uma cor ideal para aumentar a atenção. E, a cor amarela, segundo o autor, representa a concentração, alegria, felicidade, porém é uma cor imprecisa e é ideal que seja utilizada em combinação com a cor preta. A cor laranja, como já dito, representa a criatividade (CORTES, 2012), e, ainda, remete ao equilíbrio, entusiasmo e tem praticamente a mesma função da cor vermelha, porém o resultado dessa cor é um pouco mais leve (FARINA, 2006). E, quanto ao uso das cores preta e branca: remetem subjetivamente aos trajes de gala, à noção de pompa (característicos da música erudita, apresentações de orquestras etc), é sóbrio e permite que o observador imagine mais sentidos, invocando dessa forma, junto aos outros elementos, o conceito essencial da marca.
ANÁLISE DA MARCA SEGUNDO A GESTALT DO OBJETO O símbolo é um ideograma que tem o intuito de exprimir referência visual a quatro conceitos principais: Curvas do anímico (relativo à alma e à subjetividade); a voluta (parte superior do violino); a clave de fá (linguagem musical) e o godê (recipiente utilizado para misturar tintas na pintura). No entanto, as referências mais óbvias que podem ser notadas simultaneamente no símbolo (com base na melhor forma e na busca pela alta pregnância para facilitar a leitura visual, respeitando a experiência do observador, logicamente) são capazes de denotar, de modo direto, duas figuras: a clave de fá e o godê (vide figura 9). 94 | COMUNICAÇÃO - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 9| n.9|p. 087-099| 1° Semestre 2015
IVANIA SKURA, BRUNO CESAR SOUZA DA SILVA E ANA PAULA MACHADO VELHO
Figura 9. Símbolo Anímica. Fonte: Autores.
A análise da imagem pelos princípios da Gestalt do objeto, segundo Gomes Filho (2000), pode ser feita do seguinte modo: devido à alta pregnância do objeto analisado, pode-se o reconhecer com facilidade a clave de fá e o godê, pois (para os observadores em questão) os objetos têm a melhor forma que poderiam assumir. A clave, mesmo que tenha seus pontos mudados de lugar (para que pudessem representar a tinta no godê), é reconhecível pelas características do traço e recebe auxílio do logotipo em seu entendimento (já que ao sinalizar que se trata de uma escola de artes e música, a associação se faz mais rapidamente). O fato de os elementos poderem ser entendidos de modo imediato ocorre devido à experiência dos observadores, ou seja, por já termos visto claves de fá, godês e volutas, o reconhecimento é instantâneo, o cérebro detecta e conhece os objetos logo à primeira vista, o que se espera que ocorra com o público o qual irá se destinar os serviços da escola, e, desse modo, enriqueça as significações da marca. Ainda, pela regra da segregação, nota-se não um todo disforme, mas percebemos os elementos individualmente, como sendo objetos divisíveis e capazes de serem compreendidos por si só (GOMES FILHO, 2000), ou seja, vemos primeiro o godê como um todo, e depois a tinta amarela e vermelha, é um processo de assimilação e entendimento. E, assim, conforme a lei da unificação, conseguimos entender a relação dos objetos que formam um símbolo uno (a clave-de-fá-godê), a qual gera a noção completa que se tem intuito de transmitir. Pela lei do fechamento da Gestalt do objeto (GOMES FILHO, 2000), compreende-se, ainda, que o godê não é aberto, ele termina e completa-se formando um recipiente fechado tal como o real, entende-se que só assume essa forma mais simples para significar além do óbvio. Por fim, pela proximidade e semelhança dos elementos entendemos cada objeto e suas relações, ou seja, as manchas coloridas, por exemplo, assumem formas de tinta, diferenciam-se do resto da imagem para denotar o que são. COMUNICAÇÃO - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 9| n.9|p. 087-099| 1° Semestre 2015 | 95
Passando para as categorias conceituais com base na Gestalt do objeto. Nota-se que o contraste de cores, formas e tamanhos nos permite identificar cada elemento que compõe o símbolo, dissociamos a tinta da base do godê, por exemplo, pelo contraste de cor e formas, assim como o símbolo do fundo em que se apresenta. O equilíbrio da imagem se dá de modo assimétrico, pois o elemento principal atrai o olhar mais para a direita, devido ao uso das cores e do traço mais espesso. A atenção do observador, no que se refere ao equilíbrio, por isso, tende para o lado direito, já que este possui mais peso que o esquerdo. Mas cabe ressaltar, ainda, que, mesmo sendo uma imagem assimétrica, existe harmonia entre os elementos visuais. A harmonia da imagem (figura 9) permite que as partes trabalhem juntas, de modo que o conjunto funcione visualmente. E, a harmonia entre os elementos (logotipo e símbolo) é capaz de agradar ao olhar, buscando adequar-se às necessidades do público ao qual se destina a marca. O logotipo, ainda, conforme já denotado no decorrer do trabalho, traz letras minúsculas justamente para seguir este padrão e harmonizar com o todo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Um logotipo e um símbolo servem de código visual e representam a primeira imagem de algo que se pretende comunicar (a marca). Elaborados a partir de formas, que podem ser tipográficas, figurativas ou abstratas, que se complementam com as cores criteriosamente escolhidas, tem-se traduzidas às características do produto, cliente, ou marca, da qual se pretende comunicar. Neste sentido, acredita-se que a marca “Anímica” foi bem representada a partir do que se criou, já que a significação do nome e a riqueza (não apenas semântica, mas também visual), da marca como um todo tem potencial para agregar valor à escola de artes e música fictícia utilizada para exercício prático. A preocupação em criar um logotipo associado com formas e textos adequados, capazes de compreender um conjunto harmônico e equilibrado e atender às significações às quais se propõe é sempre um desafio, mas o resultado do planejamento com esse intuito torna a marca mais fácil de ser identificada, garante a leitura e reconhecimento em diferentes situações ao qual ela é exposta. A legibilidade e facilidade em compreender ou interpretar o significado da marca pode garantir a ela que o seu símbolo seja memorável, versátil, atemporal, adequado, e, principalmente, simples.
IVANIA SKURA, BRUNO CESAR SOUZA DA SILVA E ANA PAULA MACHADO VELHO
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JANAÍNA SANTOS E FELIPE HARMATA
ESTUDO DE CASO DA FAN PAGE DA PREFEITURA DE CURITIBA – A RELAÇÃO ENTRE HUMOR E SERVIÇO PÚBLICO NA COMUNICAÇÃO EM REDES SOCIAIS Janaína SANTOS1 Felipe HARMATA2
RESUMO O presente artigo busca realizar um estudo do caso da presença da Prefeitura de Curitiba nas redes sociais para compreender de que forma o uso do humor, comunicação e relacionamento em redes sociais podem ser utilizados na prestação de serviços e aproximação com o cidadão. Palavras-chave: Sociedade em rede; Redes sociais; Cibercidades.
ABSTRACT The present article is a case study about the presence of Prefeitura de Curitiba in social networks. This analisis pursuit understand how the use of humor, communication and stronger relationship in social networks can be used as a method to provide public service and bring the institution closer the citizen.
1 Pós-Graduada do curso de Avaliação e Produção de Conteúdo para Mídias Digitais da Universidade Positivo, email: janainaalinesantos@gmail.com 2 Coordenador da pós-graduação em Avaliação e Produção de Conteúdo Para Mídias Digitais, da Universidade Positivo. Na mesma instituição também é professor dos cursos de Jornalismo e Publicidade. felipe.harmata@yahoo.com.br
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ESTUDO DE CASO DA FAN PAGE DA PREFEITURA DE CURITIBA – A relação entre humor e serviço público na comunicação em redes sociais
INTRODUÇÃO A Prefeitura de Curitiba, objeto deste trabalho, começou a chamar a atenção por sua experiência em redes sociais em 2013. O município começou a apostar nas redes sociais para comunicar com seus munícipes logo quando o atual prefeito, Gustavo Fruet, assumiu o cargo. A equipe de comunicação da prefeitura começou a modificar a comunicação, utilizando aos poucos mais humor e uma linguagem mais acessível para página do Facebook3 e em seu Twitter4 institucional. A experiência logo chamou a atenção de veículos nacionais, como na notícia de setembro de 2013 do Blue Bus, uma das primeiras que citava a página, que analisava o sucesso de uma postagem que fazia uso de uma linguagem mais informal: “Prefeitura de Curitiba brinca com previsão do tempo e agrada fãs da página no Facebook”. Notícias como essa tornaram-se cada vez mais comuns, à medida que a linguagem despojada utilizada na página conquistou mais fãs entre os curitibanos e até mesmo habitantes de outras cidades no Brasil. Em 2014, na época dessa pesquisa, a página institucional da Prefeitura de Curitiba tinha 370.8495 curtidas, um crescimento de 44.981 curtidas só em um mês, segundo dados do Social Bakers6. Um crescimento maior que o Guaraná Antártica (crescimento de 18.515 curtidas no mesmo período), marca que está no primeiro lugar no top 10 das mais engajadas do Brasil da mesma ferramenta. A comunicação baseada no relacionamento nas redes sociais, ou relacionamento 2.0, e no uso do humor chamou a atenção de diversas outras prefeituras, que abriram um canal de comunicação digital com seus munícipes após a experiência da Prefeitura de Curitiba. Tendo em vista o contexto das organizações públicas, seus processos complexos de comunicação de uma cidade que necessita informar todos os serviços e notícias de um município a sua população e também suas dificuldades de implementar inovações, é preciso entender como as plataformas de redes sociais podem facilitar a atuação da gestão pública em um cenário tão fluído e líquido como o da comunicação digital. Primeiramente, o objetivo é pesquisar se a comunicação simplificada utilizada no Facebook, pela Prefeitura de Curitiba, ajudou e agilizou no processo de informação do cidadão, levantando, assim, os resultados práticos da comunicação utilizada pela Prefeitura de Curitiba. Posteriormente, investigar como se dá o equilíbrio entre o uso do humor e a linguagem institucional, contendo informações relevantes para o município e seus cidadãos na pauta de publicações nas redes sociais, verificando o equilíbrio do humor e da informação e gerando lições importantes que podem ser adotadas por outras prefeituras. 3 Facebook: https://www.facebook.com/PrefsCuritiba 4 Twitter: https://twitter.com/Curitiba_PMC 5 Mensuração verificada no dia 25 do mês de setembro de 2014. 6 Social Bakers é uma companhia tcheca que fornece estatísticas de redes sociais e análises de Facebook, Twitter, Google+, LinkedIn e YouTube, ajudando companhias a monitorar a efetividade de campanhas de social media. (http://en.wikipedia. org/wiki/Socialbakers)
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JANAÍNA SANTOS E FELIPE HARMATA
Desde a década de 1990, se discute os avanços das novas tecnologias de comunicação eletrônica e seu impacto na cultura e na sociedade. O uso dessas novas tecnologias criaram um ciberespaço, segundo Lévy, “um novo espaço de comunicação, sociabilidade, de organização e de transação, mas também um novo mercado da informação e conhecimento.” (1999, p. 32) Apesar dessa sociedade hiperconectada ter delineado seus princípios há quase três décadas, há uma morosidade das organizações públicas acompanharem esse “novo cidadão 2.0”. Os organismos públicos como prefeituras, governos e órgãos públicos têm diversos desafios dentro de sua comunicação, como a falta de investimento e a necessidade de comunicar para um público amplo e diverso. O presente artigo se justifica a partir do momento em que se insere a análise desses organismos em uma nova forma de comunicar para as mídias sociais e que apresenta oportunidades e desafios para que esses organismos utilizem as mídias sociais para modificar a prestação de serviços e para atuar na formação política e social da comunidade, utilizando exemplos deste que é considerado o terceiro maior caso de sucesso segundo o raio X de mídias sociais realizado com profissionais da área no Brasil7. A permanente sensação de crise e a ineficiência dos organismos públicos cria a necessidade da população de se organizar de outras formas para cobrar seus governantes e protestar acerca de suas demandas. Castells analisa que os processos de comunicação ineficientes e fraca atuação pública demandam uma integração mais forte com a sociedade (1996, p. 154). O ciberespaço é um importante integrador no processo comunicacional, mesmo que o acesso à internet não abranja toda a população, as ferramentas virtuais podem tornar diversos processos mais simples. Termos como e-governo ou governo 2.0 tem surgido à medida que tentativas surgem de modernizar e implementar novas ferramentas de gestão públicas. O estudo de caso da experiência nas redes sociais da Prefeitura de Curitiba pretende verificar soluções de comunicação e relacionamento que podem facilitar a atuação destes organismos, visando sempre uma possível transformação positiva para sociedade civil. Análises como essas são necessárias em ordem de propor melhorias e planos de ações futuras. Será realizado um estudo de caso para aprofundar a análise do tema, visando a experiência local da Prefeitura de Curitiba. Segundo Bonama, “um estudo de caso refere-se a uma análise intensiva de uma situação particular”. (1985, p. 203) O estudo de caso pretende explorar e compreender um fenômeno dentro de um contexto. Na definição de Yin, “o estudo de caso é uma inquirição empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de um contexto da vida real, quando a fronteira entre o fenômeno e o contexto não é claramente evidente e onde múltiplas fontes de evidência são utilizadas”. (1989, p. 23)
7 O raio X dos profissionais de mídias sociais no Brasil. Trampos.co, São Paulo, n. 1, 2013. Disponível em: (http://trampos. co/raiox). Acesso em: 25 set. 2014
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Para realizar o estudo de caso da Prefeitura de Curitiba, foram levantadas todas as postagens do mês de agosto de 2014 do perfil institucional do Facebook, contabilizando 250 postagens no total. Neste mês, as postagens foram analisadas sob três aspectos: caráter da postagem, seu objetivo principal de comunicação; conteúdo, seu tema, de acordo com os agenda de informações comuns de um município; linguagem, de que forma esse conteúdo foi comunicado ao cidadão. As categorias utilizadas para esta análise serão mais bem elucidadas no item 4. Dessa forma, pretende-se verificar quais são os temas mais comuns e qual a linguagem é mais recorrente entre as publicações levantadas no mês de agosto. Além disso, realizar um levantamento com os dados disponíveis sobre os canais de atendimento para entender de que forma a Prefeitura de Curitiba pode ter impactado seus canais de atendimento tradicionais (off-line).
1 CIBERCULTURA, E-GOVERNO E AS CIBERCIDADES As inovações tecnológicas vividas pela sociedade a partir da década de 1960 tiveram um profundo impacto na sociedade. A cibercultura é a cultura que surge por meio da comunicação por computadores e “especifica o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço”. (LÉVY, 1999, p. 17). Ciberespaço, no conceito de Lévy, é o “espaço de comunicação aberto pela interconexão mundial de computadores e das memórias dos computadores”. (1999, p. 92). Com a evolução dos dispositivos eletrônicos, muitos deles começaram a fazer parte do dia a dia das pessoas e das cidades. A partir da intensificação do fluxo comunicacional, surge o conceito de cibercidade, uma estrutura digital de cidade em que alguns serviços realizados na cidade física também possam ser realizados em uma estrutura idealizada de uma cidade virtual. No conceito de André Lemos, as cibercidades “passam a ser pensadas como formas de restabelecer o espaço público, colocar em sinergia diversas inteligências coletivas, ou mesmo reforçar laços comunitários”. (2014, p. 2) Neste tipo de organização, os cidadãos se mobilizariam coletivamente, incentivando o debate e o questionamento político, social e cultural. Para Lévy, o objetivo das cibercidades é a colaboração dos cidadãos na autogestão das cidades, “o que permite a organização, solução e elaboração dos problemas da cidade física, por meio da colocação em comum das competências dos recursos e das ideias” (1999, p. 195). A cibercidade, como conceito, seria uma forma de buscar a constante desburocratização da cidade real por meio da tecnologia e a discussão de políticas públicas de forma democrática por meio da comunicação eletrônica mediada por computador. Se, por um lado, este tipo de organização parece utopia, por outro, já vemos contornos de realidade quando vemos movimentos sociais organizados por sites como Facebook e Twitter, a exemplo das manifestações de julho de 2013 no Brasil, similares a outros protestos, como o “Occupy Wall Street” ou a “Primavera Árabe”. 102 | COMUNICAÇÃO - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 9| n.9|p. 100-114| 1° Semestre 2015
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As democracias ao redor do mundo precisam retomar a confiança nas instituições públicas. Clift (2002) sugere que o e-governo é uma forma de construir a confiança entre governo e cidadão é fundamental para uma boa governança. Ao incluir a participação ativa do cidadão nos processos da cidade, “as ICTs (tecnologias de informação e comunicação) podem ajudar a construir a confiança, permitindo o envolvimento dos cidadãos no processo político, promovendo governo aberto e responsável e ajudando a prevenir a corrupção.”. (CLIFT, 2002, p. 8) E as plataformas de redes sociais, como Facebook, Twitter e Instagram, por sua forma dinâmica de comunicar e sua presença ativa na sociedade, podem ser um dos componentes para atingir estes objetivos.
1.1 REDES SOCIAIS, CAPITAL SOCIAL E EMPODERAMENTO DO CIDADÃO Redes sociais não são algo novo e sequer surgiram com a intensificação dos processos de telecomunicações ou com plataformas digitais. Como conceito, são estudadas pela sociologia e existem desde a pré-história. “Uma rede social é definida como um conjunto de dois elementos: atores (pessoas, instituições ou grupos; os nós da rede) e suas conexões (interações ou laços sociais)” (RECUERO, 2009, p. 24). O que mudou com a comunicação mediada por computador é que agora é possível visualizar essas estruturas sociais de forma mais simplificada, analisando como essas estruturas são compostas, além de possibilitar redes sociais muito mais amplas e globais. Para Recuero (2009), é importante o estudo de capital social para entendimento de redes sociais, contudo, o conceito é complexo. Para Marteleto e Silva (2004), o capital social, por suas vez, é definido como as normas valores, instituições e relacionamentos compartilhados que permitem a cooperação dentro ou entre os diferentes grupos sociais. Nesta visão, a tônica é o desenvolvimento social para construção de capital social que estão condicionadas por fatores culturais, políticos e sociais. Nesta tônica, embora o os papéis das cidades venham se alterando, segundo Marteleto e Silva, o conhecimento construído pelas comunidades ressalta a “organização de redes de contato que mobilizam recursos materiais e simbólicos para a transformação social” (2004, p. 45). Os sites de redes sociais, neste processo, são meros facilitadores da criação de redes sociais cujo capital social simbólico varia de acordo com a força dos laços e valores presentes na rede social. Ao iniciar sua experiência nos sites de redes sociais, na gestão do prefeito Gustavo Fruet, a Prefeitura de Curitiba intensificou seu canal de comunicação com o cidadão e estreitou os laços de relacionamento com os cidadãos nas plataformas digitais, criando assim uma rede social de interesses mútuos pela cidade de Curitiba dentro de sua página institucional. Além disso, criou um canal de relacionamento com o consumidor-cidadão, que viu uma oportunidade de dar voz aos seus interesses e reclamações.
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Entender o valor coletivo desses cidadãos é importante, no conceito de Kotler. “O valor coletivo dos consumidores está enraizado no valor de uma rede” (2001, p. 70). Ao fortalecer o relacionamento com o cidadão, respondendo seus questionamentos por meio das ferramentas disponíveis nos sites de redes sociais, a Prefeitura de Curitiba dá poder ao cidadão, ao mesmo tempo que informa rapidamente diversas questões. A conectividade entre as pessoas desafia as organizações à medida que aumenta o dinamismo da tomada de decisões. Dessa forma, na visão de Lemos e Palácios é preciso se alinhar para lidar com estes desafios de forma criativa. (2001, p. 232) A forma encontrada pela Prefeitura de Curitiba para lidar com estes desafios foi adequar a linguagem ao meio digital e ao público jovem, utilizando referências da cultura pop e geek para se comunicar.
1.2 MEMES E HUMOR NA INTERNET Pierre Lévy definiu em 1999 que um dos propósitos da cibercultura é a “bobagem coletiva”. Longe da visão pessimista, o termo meme surgiu em 2001, e é bastante conhecido atualmente, e veio de uma visão evolucionista da cultura. Richard Dawkins (1979, p.111) percebeu que uma informação poderia evoluir como um gene. Dessa forma, o “gene” da cultura – meme – se perpetuaria entre as pessoas. Da mesma forma que algumas espécies vencem na corrida evolutiva, também algumas variações da mesma história chamam mais atenção do que outras e tendem a se replicar mais vezes, permanecendo “vivas”. Como demonstrado por Castells, “é preciso ser visto para existir no ciberespaço”. (2005, p. 27) Pensando dessa forma, a estratégia adotada para aumentar a visibilidade dos temas burocráticos e, muitas vezes, de difícil compreensão pela Prefeitura de Curitiba nas redes sociais foi apropriar-se da linguagem baseada em memes e interagir com humor com seu público, que atualmente pertence a um grupo etário entre 18 e 24 anos, segundo dados do Facebook8. Assim, uma informação importante para o cidadão poderia atingir um número maior de pessoas organicamente, sem necessidade de investimentos em mídia, além de chamar atenção pela forma simples e bemhumorada de abordar os temas.
8 Dados visualizados em 25 de outubro de 2015.
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Exemplo de relação com o público:
Chamada pelo seus fãs de “Prefs”, nome que foi adotado para si pela administração da página, a Prefeitura de Curitiba cria conteúdos que são publicações bem-humoradas. A linguagem visa adaptar-se à forma dos usuários se comunicarem na rede, como o exemplo acima, utilizando uma demonstração de chat de Facebook e uma comunicação baseada em figurinhas9 para passar a mensagem “Para entrar em contato com a Prefeitura de Curitiba, basta ligar para o 156”, o canal de atendimento telefônico oficial da Prefeitura. À primeira vista, mensagens como essa podem parecer infantis, levando em consideração a seriedade do tema. Mas quando esta mensagem tem 20.152 curtir10, 1.808 compartilhamentos e 1.046 comentários, é possível ver sua grande amplificação.
2 RELAÇÃO ENTRE HUMOR E SERVIÇO PÚBLICO Durante o mês de agosto de 2014, foram coletados 250 posts no Facebook institucional da Prefeitura de Curitiba. Para analisar a relação entre a forma despojada da comunicação utilizada pelo município e a efetividade do serviço público prestado por meio da informação nas redes sociais, foi utilizada primeiramente uma categoria mais ampla, que dividia os posts em duas grandes categorias, analisando o caráter da publicação – interação e informação. Posteriormente, estas categorias foram decupadas em 16 subcategorias, para analisar a fundo os temas em que se dividiam 9 Figurinhas são ilustrações ou animações de personagens que você pode enviar para amigos. (https://www.facebook.com/ help/333033546818929) 10 “Clicar em Curtir dentro de algo que você ou um amigo publica no Facebook é um modo fácil de dizer a essa pessoa que você gostou, sem deixar comentários. É como um comentário, porém o fato de você ter gostado é assinalado abaixo do item.” – Facebook (https://www.facebook.com/help/110920455663362)
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ESTUDO DE CASO DA FAN PAGE DA PREFEITURA DE CURITIBA – A relação entre humor e serviço público na comunicação em redes sociais
as publicações da página e, depois, divididas novamente em quatro categorias que visaram analisar a linguagem proposta pelas publicações. Cada categoria será analisada nos tópicos a seguir. Na categoria Caráter, foi analisado qual objetivo principal da postagem. Dessa forma, as publicações se dividiram da seguinte maneira: 1) Interação: dialogar com o público presente em seu Facebook. Entende-se que nestas postagens o objetivo principal é gerar uma conversa nas redes sociais sobre memes, humor ou conteúdos criados não como simplesmente comunicados institucionais. Nestas publicações não há presença de informações dados e estatísticas sobre a cidade, informações sobre serviços e eventos, links, imagens ou vídeos com informações relevantes, embora seja possível perceber dentro destes conteúdos informações inseridas em segundo plano sobre temáticas presentes na pauta do município, mas de forma secundária e sem a presença da informação completa; 2) Informação: informar o cidadão acerca de serviços e notícias do município. O objetivo principal da postagem é divulgar a informação, contendo dados e estatísticas sobre a cidade, informações sobre serviços e eventos, links, imagens ou vídeo com informações relevantes. Contudo, mesmo esses posts podem possuir uma forma cômica de informar, a diferença aqui é a prioridade para a informação.
Fonte: Verificação realizada entre 30 de julho e 30 de agosto de 2014 utilizando a ferramenta de análise do Social Bakers. O resultado mostra que 143 postagens têm caráter de informação e 107 de interação.
Entre os posts analisados, considerando-se a relação entre informação e interação, vemos que a maior parte das postagens (57% - 143 posts) têm objetivo principal de informar através da rede social, em oposição a 43% (107 posts), cujo objetivo principal é interagir, em primeiro lugar, com os cidadãos. A mistura entre publicações de informação e interação é a fórmula que sustenta a
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atuação da Prefeitura de Curitiba. No mês de agosto de 2014, é possível analisar que as publicações relacionadas a informação prevaleceram. Assim, pode-se concluir que, mesmo que a linguagem não seja a forma tradicional de um município se comunicar, é respeitada a prerrogativa de conter informações em parte significativa da pauta de conteúdo no Facebook. Além dessa primeira análise, mais ampla, foi realizada uma segunda análise mais específica, com objetivo de observar de que forma a proposta de caráter das publicações variava dentro de um espectro temático. Para categorizar os conteúdos, foram relacionadas as principais secretarias do município como categorias de conteúdo (trânsito, transporte, turismo, saúde, educação, esportes), eventos da cidade e notícias da cidade (notícias da cidade); conscientização também foi relacionada como uma categoria global para os variados temas educativos trabalhados pela cidade e outras categorias que estavam presentes na pauta de conteúdo, mas não relacionadas a secretarias da cidade, como ciência e clima. As categorias de interação “pura” foram relacionados principalmente entre humor, foto e música. Essas categorias não têm relação direta entre a pauta de temas da cidade, mas se encontram presentes em categorias particulares por não dialogarem de forma explícita com outras categorias. Por exemplo, uma foto de uma praça cidade durante o entardecer, sem texto anexo à publicação, pode ser uma forma de incentivar o turismo, mas não é possível dizer que esta seja a intenção da publicação.11 Entre os posts analisados, vemos a grande variedade de temas abordados dentro do categoria informação. É uma pauta diversificada, informando os serviços realizados pela prefeitura, as notícias da cidade, eventos, como as publicações informando sobre a maratona de Curitiba, informando alertas de trânsito e encontrando espaço até mesmo para falar de ciência, além de atuar na conscientização do cidadão, como a série de postagens realizada em agosto em defesa dos direitos da mulher.
11 Verificação realizada entre 30 de julho e 30 de agosto de 2014 utilizando a ferramenta de análise do Social Bakers.
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Tabela 1 – Posts na Categoria Informação
Tabela 2 – Posts na Categoria Interação
Subcategoria
Posts
Subcategoria
Posts
ciência
2
clima
9 1
clima
3
conscientização
conscientização
23
cultura
7
cultura
21
foto
36
educação
1
humor
17
esportes
1
música
30
habitação
2
notícias da cidade
2
notícias da cidade
57
turismo
2
saúde
2
visual
3
serviços da prefeitura
19
Total
107
trânsito
8
transporte
2
turismo
2
Total
143
É possível analisar que, mesmo no conteúdo com caráter interativo, é possível ver também a presença de conteúdo relevante para cidade, como cultura, turismo e conscientização. Além desses temas, é possível ver que o uso constante de imagens (na categoria de conteúdo fotos) da cidade também tem o objetivo de divulgar atrativos do município e despertar o orgulho de pertencer à cidade. Na análise da linguagem, foi verificado se os posts possuíam os seguintes aspectos: Linguagem Informativa: considerou-se posts com linguagem informativa, aqueles que não se baseavam no coloquialismo ou linguagem própria de internet como forma principal para comunicar. Ou seja, possuíam linguagem de informes e comunicados; Linguagem Cômica: postagem com linguagem bem-humorada, baseada principalmente em memes e linguagem de internet; Linguagem Interativa: postagem com linguagem provocativa e com objetivo de gerar interação, porém sem o caráter cômico, como, por exemplo, um post desejando “Boa noite”; Linguagem Audiovisual: postagem apoiada principalmente em áudio, vídeo ou imagens para gerar o conteúdo, como, por exemplo, uma mensagem somente com fotos da cidade ou um vídeo de uma música.
JANAÍNA SANTOS E FELIPE HARMATA
A relação da linguagem utilizada nos posts ficou da seguinte forma:
Fonte: Verificação realizada entre 30 de julho e 30 de agosto de 2014 utilizando a ferramenta de análise do Social Bakers.
Prevalecendo a linguagem informativa e a linguagem cômica, é possível analisar que as duas formas de comunicar estão presentes com equilíbrio no conteúdo gerado pela Prefeitura de Curitiba. O uso do humor, brincando com temas da cultura pop e geek, é assinatura da atuação da Prefeitura de Curitiba nas redes sociais. Essa forma de se comunicar não se limita a atingir somente os curitibanos. A reportagem da revista Exame (2014), chama Curitiba de “A cidade mais engraçada do Brasil”, devido à atuação da página oficial do município e seu abandono ao “oficialismo” típico de órgãos governamentais, como nomeado na reportagem, para interagir com o cidadão. A importância da atuação da Prefeitura de Curitiba não reside somente no uso do humor, mas em conseguir efeitos práticos na divulgação de informações e a agilidade do atendimento ao cidadão. Em maio de 2013, segundo reportagem do jornal Gazeta do Povo (2013), o município registrou uma queda de cerca de 50% nas ligações para o 156, no comparativo entre maio e setembro. Segundo a reportagem, “em maio, por exemplo, o 156 recebeu 160.540 ligações. O número caiu quase 50% em setembro, quando recebeu 77.932”. A reportagem também informou que as ligações no 156 variam de acordo com sazonalidades, como, por exemplo, o regime de chuvas, mas é possível atribuir a queda ao trabalho nas redes sociais, pois, antes da atuação, cerca de 56% das ligações eram de pessoas consultando itinerários de ônibus e, desde setembro de 2013, a Prefeitura de Curitiba conta em seu Facebook com um aplicativo chamado “Meu Ônibus”, que informa o itinerário diretamente na rede social. No mês de setembro de 2013, somente 20% das ligações foram sobre itinerários de ônibus. Uma experiência positiva relativa às redes sociais da Prefeitura de Curitiba foi a abertura para contribuições pelas redes sociais para Lei Orçamentária Anual em
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2015. Foram 4.218 contribuições que chegaram por meio da internet, segundo dados da Prefeitura de Curitiba. Em contrapartida, somente 1.267 vieram por outros meios, como urnas e central 156, mostrando a importância do diálogo aberto nas redes sociais para discutir os rumos do município.
Fonte: Verificação realizada entre 30 de julho e 30 de agosto de 2014 utilizando a ferramenta de análise do Social Bakers.
Um aspecto relevante da forma que a Prefeitura de Curitiba atua nas redes sociais está relacionado ao atendimento por meio das redes sociais. O cidadão que faz uma pergunta referente a uma dúvida, reclamação ou sugestão, pode ser prontamente atendido com o esclarecimentos. Segundo a ferramenta Social Bakers, no mês de agosto a taxa de resposta da Prefeitura de Curitiba foi de 30% para todos os comentários com um símbolo de interrogação. Considerando que parte da interação na página são conversas sobre o conteúdo cômico da Prefeitura de Curitiba, podemos considerar que este índice é representativo no atendimento online da prefeitura. Em entrevista dada ao site Brasil Post (2014), Marcos Giovanella, diretor de redes sociais da Prefeitura de Curitiba, afirmou que o objetivo é atender a 100% das questões dos usuários. Contudo, essa experiência da Prefeitura de Curitiba também é alvo críticas por parte da população, que vê que a forma despojada de tratar conteúdos importantes para o município é “inadequada”. Por outro lado, a atuação em sites de redes sociais é algo tão recente para organismos públicos que não se sabe ao certo o que um município pode ou não fazer em uma rede social. Esta é a crítica feita pelo blog Boca Maldita, ao relatar o caso de bloqueio de usuário. Segundo a publicação, a página se apoia em um código de conduta para bloquear usuários, prática comum de muitas marcas comerciais, mas ainda é nebulosa a questão para um órgão municipal, pois poderia ferir a Constituição Federal.
JANAÍNA SANTOS E FELIPE HARMATA
CONSIDERAÇÕES FINAIS A experiência pioneira da Prefeitura de Curitiba nas plataformas de redes sociais mostra como o equilíbrio entre uso do humor e uma linguagem adequada ao meio com informações e serviço público podem provocar aproximação entre um órgão público e sua população, obtendo resultados práticos em seus canais de atendimento e aceleração na resposta das dúvidas do cidadão. Essa experiência está alinhada com o pensamento de cibercidades, como visto em Lévy (1999) e Lemos (2004), em que uma estrutura virtual da cidade é pensada para facilitar os problemas de gestão da cidade física, junto com a colaboração dos cidadãos na discussão dos problemas da cidade. Ao se aproximar do cidadão usando o humor, a Prefeitura de Curitiba transforma os sites de redes sociais em facilitadores, para criar uma rede social em torno de si com capital social simbólico engajado com o desenvolvimento e transformação social, como visto em Marteleto e Silva (2004). Além disso, apoiada no uso de outras ferramentas digitais, como aplicativos mobile e web, a comunicação nas redes sociais pode tornar a prestação de serviço mais rápida e eficiente, pois acelera outros canais de comunicação ao disponibilizar de forma online solução para diversos dúvidas, que em outros canais, teriam processos mais lentos e burocráticos. O equilíbrio entre informação e humor, apoiado no pronto atendimento nos canais digitais, são os pilares que sustentam o processo de tomada de informação nos sites de redes sociais da Prefeitura de Curitiba. A importância da atuação da Prefeitura de Curitiba não reside somente na sua abertura para o diálogo e forma de comunicar, mas também em influência para criação de canais de comunicação entre outras prefeituras como a de Praia Grande, de Maceió, de Salvador, de Ilhabela, de Manaus, de Blumenau, de Maringá, Municipal de Mariana, de Palmas, de Cuiabá, de Niterói, Prefeitura Municipal de Limeira, entre outras cidades. Ainda são escassas as informações sobre os impactos da abertura para o diálogo por meio das redes sociais de vários municípios do Brasil podem ter impactado a percepção dos cidadãos a respeito de temas importantes para a sociedade e faz-se necessário estudos qualitativos com a população. Contudo, as lições aprendidas com a experiência da Prefeitura de Curitiba podem servir de referência para os demais municípios.
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JANAÍNA SANTOS E FELIPE HARMATA
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ESTUDO DE CASO DA FAN PAGE DA PREFEITURA DE CURITIBA – A relação entre humor e serviço público na comunicação em redes sociais
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ELISEU VIEIRA MACHADO JÚNIOR, GABRIEL BONTEMPO DOS REIS E MARINA RORIZ RIZZO
O PLANEJAMENTO DE COMUNICAÇÃO DE MARKETING E SUA ADEQUAÇÃO AO AMBIENTE DO E-COMMERCE Dr. Eliseu Vieira MACHADO JÚNIOR Universidade Federal de Goiás.
Gabriel Bontempo dos REIS Universidade Federal de Goiás.
Ms. Marina Roriz Rizzo Lousa da CUNHA Universidade Federal de Goiás.
RESUMO Diante das dimensões alcançadas pela internet e comércio virtual e pelas transformações no comportamento do consumidor, a gestão de marketing e comunicação têm pesquisado formas de obter, nos canais virtuais, a mesma eficiência e eficácia das ações off-line. Um planejamento adequado às particularidades do ambiente online se torna obrigatório. No entanto, planejar em ambiente virtual é uma tarefa complexa, que exige conhecimentos específicos de marketing, comunicação e ambiente virtual. E é essa discussão que este artigo propõe. A partir da análise do comportamento do consumidor, de dados sobre o comércio virtual e dos conceitos de planejamento de marketing tradicional, procura construir um modelo de planejamento de comunicação integrada de marketing adequado às particularidades do ambiente online. Palavras-chave: Planejamento de comunicação de marketing; marketing digital; ambiente virtual.
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O PLANEJAMENTO DE COMUNICAÇÃO DE MARKETING E SUA ADEQUAÇÃO AO AMBIENTE DO E-COMMERCE
ABSTRACT Given the dimensions achieved by the internet and e-commerce and by changes in consumer behavior, marketing and communication management have been researching ways to get in virtual channels, the same efficiency and effectiveness of offline actions. Proper planning the online environment particularities becomes mandatory. However, planning in a virtual environment is a complex task that requires specific knowledge of marketing, communications and virtual environment. And it is this discussion that this paper proposes. From the consumer behavior analysis, data on e-commerce and traditional marketing planning concepts, seeks to build an integrated communication planning model of appropriate marketing to the particularities of the online environment. Keywords: Marketing communications planning; digital marketing; virtual environment.
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ELISEU VIEIRA MACHADO JÚNIOR, GABRIEL BONTEMPO DOS REIS E MARINA RORIZ RIZZO
Nos últimos anos, a internet tem crescido em proporções astronômicas, em índices bem maiores que qualquer outra mídia. São cerca de três bilhões de usuários de internet (TELE SÍNTESE, 2014), onde o Brasil se destaca como o 5º país mais conectado (E-COMMERCE NEWS, 2014), com 85,9 milhões de internautas (O GLOBO, 2014). Segundo dados do E-BIT (2015), de todo esse montante brasileiro, cerca de 51,5 milhões de pessoas utilizaram a internet para realizar compras, movimentando cerca de 103,4 bilhões de reais em 2014. Diante desses dados, a gestão de marketing e a comunicação voltam seus pensamentos e estratégias para esse novo meio, investindo, estudando e pesquisando elementos que possibilitem aos gestores adaptar suas ações de marketing e comunicação a este contexto, com forma de obter, nos canais virtuais, a mesma eficiência e eficácia do ambiente tradicional, ou mesmo, potenciar os efeitos de ações off-line. Planejar em ambiente virtual é uma tarefa complexa, que exige conhecimentos específicos de marketing, comunicação e ambiente virtual. E é essa discussão que este artigo propõe. A partir da análise do comportamento do consumidor, de dados sobre o comércio virtual e dos conceitos de planejamento de marketing tradicional, procura construir um modelo de planejamento de comunicação integrada de marketing adequado às particularidades do ambiente online.
O MERCADO VIRTUAL NO BRASIL E O NEOCONSUMIDOR No Brasil, o crescimento da Internet tem alcançado níveis impressionantes. Os 2,5 milhões de usuários em 1999 já se tornaram mais 85 milhões em 2013 (O GLOBO, 2014), colocando o país na quinta colocação entre os países com maior número de internautas do mundo. Nestes níveis, não tardou muito para que grandes investidores mundiais direcionassem seus esforços para o comércio eletrônico. O comércio via web iniciou em meados da década de 90, quando a internet se encontrava na chamada “bolha de oportunidades”. Uma época em que inúmeros websites surgiam todos os dias. Segundo relata Veras (2004), neste período, as oportunidades proliferavam, o capital para investimentos era farto e as profecias de crescimento exponencial feitas por incontáveis e desconhecidos gurus da internet tilintavam na mídia. Entre 1995 e 2001, enquanto Down Jones, a bolsa de valores da “velha economia se contentou “apenas” com expansão de 150%, Nasdaq, a bolsa de valores do comércio eletrônico, inflou cerca de espantosos 350%” (VERAS, 2004). Com o estouro da bolha, no entanto, no ano 2000, as empresas que investiam no sistema no e-commerce encontraram dificuldades para obter financiamentos e subsídios, enfrentando resistência quanto a novos investimentos. Houve, nesta época, a separação das empresas de e-commerce em três grupos: as empresas que desapareceram; as que sobreviveram, mas não cresceram; e as poucas que continuaram a acreditar no modelo de conceito de vendas pela internet (GUASTI; MÜLLER, 2009). Na tentativa de se diferenciar no mercado, o último grupo, investiu forte nas suas operações online e hoje, sem dúvidas, colhem frutos expressivos.
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O PLANEJAMENTO DE COMUNICAÇÃO DE MARKETING E SUA ADEQUAÇÃO AO AMBIENTE DO E-COMMERCE
Com várias empresas se desenvolvendo neste mercado, o Brasil se tornou ponto estratégico do e-commerce mundial, com projeções de crescimento acima da média mundial. Números à parte, o comércio eletrônico tem uma dinâmica própria, que atende a um perfil de consumidor nem sempre próximo daquele presente no comércio off-line. A evolução até o Neoconsumidor é a evolução e o amadurecimento dos consumidores de um só canal, por ausência de alternativas e atendidos de forma limitada e sem muitas opções de escolha, até o consumidor multicanal, loja, não loja e em ambiente digital, com opções quase ilimitadas de escolha e comparação no cenário global (SOUZA, 2009, p.31).
Nesse modo mais prático e ativo do consumidor, o e-commerce se destaca e se desenvolve, de modo a tornar a vida da pessoa mais fácil e conveniente. E é essa liberdade que se faz tão necessária, que permite que haja a possibilidade de escolha entre comprar pela TV ou na loja física, fazer compras no supermercado ou no site, entre outras infinitas maneiras. “O comércio tradicional não acabou, e provavelmente nunca acabará enquanto o modelo capitalista for vigente, mas é inegável que o e-commerce conquistou um espaço significativo” (OLIVEIRA; TOALDO, 2012, p. 2). Mas quem é o e-consumidor? Desde que o comércio eletrônico começou a ter expressão no Brasil, centenas de gerentes, diretores, administradores, comunicadores e estudiosos da área começaram a fazer essa pergunta, de modo a tentar traçar o perfil do consumidor contemporâneo. A pessoa que compra pela Internet é a mesma que compra na loja? Quais características que ela espera na loja virtual? Suas preferências, faixa etária e quanto gastam em média? Visando esses e outros questionamentos, em 2010 o Ibope Media realizou o TG.net, uma pesquisa com 2.500 brasileiros que compram online. Dados do estudo revelaram, que 61% pertencem às classes A e B, que possuem alto nível de escolaridade, têm preferência por produtos de uso pessoal e gastam cerca de R$118,00 por mês. A classe C aparece, na pesquisa, em segundo lugar (35%) e as classes D e E em último, com 4% de representação (TURCHI, 2012). Além desses dados de 2010, o E-Bit (2013) desenvolveu o Webshoppers, um estudo semestral, mercadológico, do consumo digital dos brasileiros. Analisando o perfil do consumidor virtual com base nesse relatório, chega-se à conclusão de que homens e mulheres estão praticamente empatados, com pequena maioria para o sexo feminino: 50,1% X 49,9% masculino. No entanto, no que se trata dos novos entrantes no setor, a diferença é maior: 55% de mulheres X 45% de homens. Uma diferença curiosa está relacionada à escolaridade. Dos novos entrantes, a maioria está cursando o Ensino Fundamental ou Médio, com 46%, enquanto 42% estão cursando ou já concluíram o Ensino Superior e apenas 12% são pós-graduados. No que diz respeito à renda, o setor continua fortemente abastecido pela constante entrada de novos usuários da Classe C. Do total de e-consumidores, 37% pertencem à classe C. No entanto, o número que mais se destaca é o dos novos entrantes. No primeiro semestre de 2013,
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ELISEU VIEIRA MACHADO JÚNIOR, GABRIEL BONTEMPO DOS REIS E MARINA RORIZ RIZZO
58,62% das pessoas que fizeram sua primeira compra online até hoje, possuíam renda familiar entre R$ 1.000,00 e R$ 3.000,00, faixa pertencente à Classe C (E-BIT, 2013), revelando um expressivo crescimento desta faixa nos negócios virtuais.
O PLANEJAMENTO TRADICIONAL DA COMUNICAÇÃO DE MARKETING ATENDE AS NECESSIDADES DO E-COMMERCE? Qualquer estudo que envolva planejamento de marketing tem como ponto de partida o entendimento do que seja marketing. Para a AMA (American Marketing Association) Marketing é um processo de planejamento e execução desde a concepção, a definição de preços, promoção e distribuição de ideias, bens e serviços para criar e manter trocas que satisfaçam indivíduos, organizações, e as metas sociais em um contexto sistêmico de um ambiente global (COBRA, 2009, p. 40).
Portanto, marketing trata-se de um estado da mente, em que as decisões da compra estão baseadas no ponto de vista do consumidor. Neste sentido, as decisões mercadológicas são dirigidas para atender necessidades e desejos dos consumidores. Não se trata de ciência nem arte, mas da utilização de ferramentas oriundas de áreas diversas tais como: estatística, matemática, antropologia, psicologia, sociologia, design, entre outras, visando o consumo de produtos, serviços e ideias, estendendo-se também para o momento pós-aquisição, a fim de garantir plena satisfação e fidelidade de consumidores. Trata-se de “uma consciência empresarial de completa adequação ao mercado (YANAZE, 2011, p. 54). Neste sentido, o planejamento de marketing pode ser entendido como o instrumento gerencial que visa identificar e desenvolver as oportunidades de mercado com foco nos objetivos, experiências e recursos da empresa (KOTLER; KELLER, 2006). Atua mapeando e moldando os negócios e produtos, com a finalidade de direcionar o crescimento em vendas e em lucro. Lida diretamente com linhas de produtos, decisões de preços, seleção de canais de distribuição e decisões relacionadas com a campanha promocional, compondo o conhecimento mix de marketing (COBRA, 2009). Basicamente, o mix de marketing pode ser definido como uma combinação dos elementos que compõem o planejamento e a atividade de marketing. Esse conceito está alicerçado nos estudos de Neil Borden (MCCARTHY; PERREAULT, 1997), que usou esse termo pela primeira vez em 1949. A partir desta data então, o conceito do Mix de Marketing1 (ou Composto de Marketing) virou referência em diversos países 1 Segundo Faria (2007) o mix de marketing é composto por: Produto – que em Marketing significa mais do que um produto que traz a ideia de um item tangível. O conceito é ampliado para bens, serviços ou ideias. O produto é algo que pode ser oferecido a um mercado para sua apreciação, aquisição, uso ou consumo para satisfazer um desejo ou necessidade. Souza (2002, p. 3) destaca que o valor de um produto “está na capacidade que ele tem de ajudar a satisfazer as necessidades do usuário. As pessoas não pensam somente em um produto, e sim na satisfação que ele oferece”. Referese ao “o que” está sendo oferecido ao cliente, podendo ser desde um bem físico, como, por exemplo, um televisor, como algo intangível, como, por exemplo, uma consulta médica. Na visão de McCarthy e Perreault (1997), o P de Produto está relacionado ao desenvolvimento do produto certo para o mercado consumidor escolhido pela empresa. Para isto, são necessárias decisões relativas à seleção de produtos ou linha de produtos, construção da marca, embalagem, design do produto, tamanho, serviços e garantias. Preço - Refere-se ao desembolso financeiro, mais os custos não financeiros,
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O PLANEJAMENTO DE COMUNICAÇÃO DE MARKETING E SUA ADEQUAÇÃO AO AMBIENTE DO E-COMMERCE
e estudos, se tornando então a base para a teoria do marketing estratégico. E como o marketing virtual absorve os quatro P’s? O e-marketing, segundo Pucinelli e Giuliani (2003), é o marketing planejado e executado especialmente para o e-commerce, funcionando a partir da aplicação dos 8P’s do marketing digital. A Figura 1, a seguir, mostra os oito P’s do marketing digital.
Figura 1: 8 P´s do marketing digital Fonte: Virtual marketing (2015)
A teoria que Vaz (2011, p. 299) propõe é um método ‘a ser testado de forma contundente e científica, de modo que a empresa aprenda sobre seu mercado e melhore seu desempenho a cada nova ação’. A junção entre Pesquisa, Planejamento, Produção, Publicação, Promoção, Propagação, Personalização e Precisão formam a técnica dos 4P’s de Kotler (2000) (Produto, Praça, Propaganda e Preço) adaptada para o mundo moderno, tecnológico e digital. E o e-marketing é a técnica de Vaz (2011) aplicada especialmente ao comércio eletrônico. envolvidos na aquisição ou obtenção do produto, decisivas para o alcance dos resultados econômicos e financeiros, para o posicionamento estratégico competitivo da empresa, para a obtenção de objetivos relacionados ao volume de vendas e ao prestígio (BOONE; KURTZ, 2001). Representam mais do que o retorno dos investimentos feitos no negócio, constituemse em indispensável ferramenta mercadológica. Las Casas (2009, p. 218), destaca que na área de marketing os preços são administrados e não estão sujeitos somente à lei da oferta e da procura, “isto significa dizer que os mercadólogos também podem exercer um certo controle na sua determinação”. Praça - também conhecido como canais de distribuição ou pontos de distribuição, refere-se aos meios que se utilizam para fazer chegar o produto até ao cliente, envolvendo decisões sobre canais de distribuição, sortimento, localização de lojas, estoque e transporte de produto. Las Casas (2009, p. 245) comenta que um bom produto e um preço adequado não são suficientes para assegurar vendas, “é necessária também a existência de uma forma eficiente de conduzir os produtos em locais que lhe sejam acessíveis e convenientes, além de disponíveis quando eles necessitam”. Os profissionais de marketing desenvolvem estratégias de distribuição para assegurar que seus produtos estejam disponíveis nas quantidades apropriadas nos lugares e momentos certos. A distribuição envolve toda a atividade que visa a conduzir fisicamente o produto do fabricante até o consumidor final. Souza (2002, p. 4) explica que “é necessário criar e utilizar os canais de distribuição que definem o caminho que o produto irá percorrer até o seu destino final”. Promoção - é o elo de comunicação entre vendedores e compradores. As empresas usam meios diferentes para enviar suas mensagens sobre bens, serviços e ideias (SOUZA, 2002, p. 4). A Na visão de McCarthy (1960, p. 259), a Promoção engloba qualquer método que comunique para o mercado consumidor o produto, o preço e o local em que está sendo vendido. Também tem a função de informar e persuadir o consumidor ao mesmo tempo, ajudando a “posicionar o composto de marketing de uma empresa para atender às necessidades dos consumidores”. Para Kotler, um plano de promoção, também chamado plano de comunicação de marketing geralmente está pautado nas seguintes etapas: identificação do público alvo, determinação dos objetivos, elaboração da comunicação, seleção dos canais de comunicação, estabelecimento do orçamento, decisão sobre o mix de comunicação, mensuração dos resultados de comunicação, gerenciamento da comunicação integrada de marketing.
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ELISEU VIEIRA MACHADO JÚNIOR, GABRIEL BONTEMPO DOS REIS E MARINA RORIZ RIZZO
Como dito anteriormente, o composto do e-marketing é a junção das várias estratégias para impulsionar um canal de e-commerce, sempre relacionando com os fatores tecnológicos e operacionais do comércio eletrônico. Esse composto pode ser definido, unindo as características do e-commerce e do marketing digital, conforme o Quadro 1 abaixo: E-COMMERCE
MARKETING DIGITAL
Compra facilitada;
Publicidade diferenciada
Fidelização do cliente;
Crescimento dos internautas
Logística eficiente;
Diversificação dos canais
Terceirização dos serviços;
Fidelização dos clientes
Forte e dinâmica concorrência;
Publicidade segmentada e customizada
E-MARKETING Estratégias customizadas Customização Planejamento segmentado Segmentação Rápida resposta ao planejamento Logística Busca pela fidelização Fidelização Adoção da cauda longa Cauda Longa
Acesso permanente e Rapidez nos processos de dinâmico à concorrência e backoffice outros mercados Customização da oferta Quadro 1 – Composto do E-Marketing Fonte: Elaboração Própria (2015)
Basicamente, em estudo da GS&MD (Gouvêa de Souza, empresa especializada em inteligência de mercado) apresentado por Guasti e Müller (2009), ao se tornar multicanal e digital, o e-consumidor compara mais preços e produtos, “passando a demandar em todos os canais tradicionais as alternativas oferecidas pelos canais digitais, e se torna mais crítico, racional e exigente” (p. 236). Nesse processo, as tradicionais formas de coleta de informação disputam espaço com as novas plataformas digitais. O “boca-a-boca” “digital ganha força e redesenha o marketing e a mídia de massa de forma integral” (GUASTI; MÜLLER, 2009, p. 236). Segundo as dimensões apontadas no Quadro 1 para o e-marketing (customização, segmentação, logística, fidelização e cauda longa), o planejamento de comunicação fará a incorporação destes itens, fazendo as devidas adaptações apontadas na próxima seção.
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O PLANEJAMENTO DE COMUNICAÇÃO DE MARKETING E SUA ADEQUAÇÃO AO AMBIENTE DO E-COMMERCE
PLANEJAMENTO DE COMUNICAÇÃO UTILIZANDO AS DIMENSÕES DO E-MARKETING A customização é o princípio básico do usuário digital. Anos atrás a mídia era utilizada para atingir o maior número de pessoas com a maior frequência possível. Em termos de marketing digital e e-commerce a palavra chave é ‘customização’. O e-consumidor, concluem Guasti e Müller (2009), quer ser impactado com o produto que ele realmente procura, e não por um produto que toda a classe à qual ele pertence pode se interessar. Mas a customização só acontece se há segmentação. Essa é a palavra de ordem para as empresas que querem atuar no digital. É uma característica complementar à customização, por isso as duas são, em inúmeras vezes, confundidas. Enquanto a customização atua por uma vertente mais individual, a segmentação é mais abrangente, constituindo a etapa ‘inicial’ da customização. Essa segmentação traz a utilização de nichos previamente estabelecidos, divididos seja por classe social, escolaridade, sexo, idade ou qualquer outro fator socioeconômico que possa interferir em suas escolhas (KARSAKLIAN, 2001). Definidas as características segmentadas, fica por conta da customização entregar ao e-consumidor exatamente o produto ou serviço que ele espera, já que, nesse ponto, alia-se a experiência de navegação do usuário, seus hábitos, históricos de compra, de sites, de downloads e outros itens únicos, que o individualize, a ponto de destrinchar a segmentação para um nível mais elevado (GUASTI; MÜLLER, 2009). A terceira demanda apontada é a da logística, afinal, o cliente deixa de ir à loja para comprar pelos meios digitais. Para tanto, a logística do e-commerce precisa ser tão ou mais efetiva que a logística tradicional. Pucinelli e Giuliani (2003, p. 6) entendem que “a logística precisa ter um preparo no que diz respeito às condições de armazenagem dos diferentes produtos para estocagem até a entrega feita no prazo correto e com qualidade ao consumidor final”. Além disso, seguindo as análises de Karsaklian (2001, p. 84), “a rapidez, a qualidade e a reatividade das empresas são os fatores principais de competitividade do mercado eletrônico para garantir um bom desempenho logístico”. Uma característica muito procurada pelo consumidor online é a fidelização. Não se pretende ter apenas uma relação de compra e venda com a marca, mas sim tê-la como uma parceira em seu dia-a-dia. As redes sociais exponenciaram muito esse aspecto, aproximando a relação marca + cliente. Os clientes querem se fidelizar com a marca, ter uma relação próxima, às vezes se confundindo com algum nível de relacionamento, como por exemplo a amizade. Por último, fala-se em cauda longa. O consumidor digital interessa em manter um nível de relacionamento mais duradouro com a marca/empresa, portanto suas necessidades mudam conforme o tempo. Pensando nisso, os estudiosos, encabeçados por Anderson (2006), criaram o conceito da cauda longa, em que ter vários produtos de diferentes segmentos significa ter uma venda constante, mesmo com o Ticket Médio mais reduzido. Essa estratégia defende que apenas 20% do sortimento de uma 122 | COMUNICAÇÃO - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 9| n.9|p. 115-128| 1° Semestre 2015
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loja correspondem a 80% de seu faturamento. No entanto, acredita que ter um mix bem vasto e eclético é essencial para manter a constância da venda. Esse conceito vem sendo cada vez mais adotada pelos players do mercado, que aumentam seu mix de produtos, para atender a ideia da cauda longa.
COMO CRIAR UM MODELO DE COMUNICAÇÃO VOLTADO PARA O E-COMMERCE? A partir das dimensões estabelecidas para o e-marketing, surge a pergunta: “como criar um modelo de comunicação voltado para o e-commerce?” A construção deste modelo parte da utilização do Plano tradicional de marketing incluindo os quatro P’s (aqui mostrado pelo composto de marketing) (KOTLER; KELLER, 2006; MCCARTHY; PERREAULT, 1997), das dimensões do e-marketing (GUASTI; MÜLLER, 2009; PUCINELLI; GIULIANI, 2003) e complementando-os como os oito P’s do marketing digital (VAZ, 2011). Quando se fala em e-commerce, as características e nomenclaturas se confundem e se expandem, devido a gama de influências que o meio digital possui, além da infinidade de ferramentas e estratégias possíveis. Portanto, para a realização de um planejamento eficaz de comunicação, como proposto por Kotler (2010), é preciso fazer algumas adaptações e aplicar os termos digitais em certas etapas. A adaptação está demonstrada na Figura 2 a seguir:
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Figura 2 – Aplicação do planejamento eficaz de comunicação de marketing no ambiente digital Fonte: Elaboração própria (2015)
O público-alvo do modelo de marketing digital é o e-consumidor, com suas características peculiares. Kotler (2010, p. 518) justifica que “o público-alvo exerce uma influência fundamental nas decisões do comunicador sobre o que dizer, como, quando, onde e para quem”, portanto, é de extrema importância que o públicoalvo seja identificado, assim como suas necessidades e demandas. Este processo de identificação deve ser realizado antes de ser iniciado o planejamento de comunicação de marketing digital. É importante registrar que esta fase contempla a dimensão de segmentação. O e-consumidor é usuário assíduo de tecnologia. Nesse sentido, ele tem domínio das inúmeras ferramentas que a internet proporciona. Sabendo de suas capacidades e possibilidades, o usuário tem uma maior exigência na hora de comprar pela internet, usando de vários recursos de pesquisa de preço, reputação de lojas etc. Seu interesse pela compra é grande, mas ele sabe esperar, sabe quais datas são melhores para cada nicho de mercado, além de mensurar e comparar preços de diferentes marcas, com um simples clique. Geralmente, o e-consumidor é multicanal. Como confia no comércio eletrônico, conhece de tecnologia e os recursos básicos para compra pela internet, ele certamente fará seus acessos utilizando dispositivos diferentes. Não raramente, o e-consumidor já possui um smartphone, um tablet, ou os dois. Ou seja, o acesso a preços, ferramentas e no site da loja não se dá apenas no trabalho ou em casa, mas pode ocorrer também na rua pelo celular, em uma lanchonete pelo tablet, além de outras infinitas possibilidades. 124 | COMUNICAÇÃO - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO |Curitiba | v. 9| n.9|p. 115-128| 1° Semestre 2015
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E estas infinitas possibilidades levam a um longo relacionamento com a marca, que vão muito além da relação comercial entre consumidor e loja. Também neste item o processo de customização deve ser levado em consideração. Outro aspecto interessante do marketing digital está ligado ao P de produto. Ter um mix de produtos diversificado é essencial no e-commerce. Conforme tratado anteriormente, o contexto e o conceito da Teoria da Cauda Longa aplicamse perfeitamente no ‘P’ de Produto do mix de marketing, sendo primordial para a determinação dos objetivos de comunicação. A Cauda Longa é necessária para se manter uma estabilidade nas vendas em que, atuando no mercado como um todo (no lugar de atender exclusivamente o nicho), o alcance dos produtos é maior, portanto aumentando o volume de vendas. No comércio eletrônico, deve-se ter um cuidado adicional com o produto e as informações do mesmo. Como não existe o contato direto do consumidor com o produto antes da compra, o mesmo deve ser apresentado no site com o maior número de detalhes possível. O departamento responsável pelo cadastro no BackOffice trabalha como os promotores e vendedores das lojas tradicionais. São eles os responsáveis pela demonstração das características dos produtos, por meio de fotos em alta resolução, especificações detalhadas e descrições bem convincentes, de modo a melhorar a conversão e evitar a “compra por engano”, em que um consumidor compra um produto com especificações equivocadas. Como dito anteriormente, o e-consumidor procura não apenas uma relação de compra e venda com a marca. Com o crescimento das redes sociais, as empresas viram uma nova maneira de atrair consumidores em potencial: também sendo social. Lideradas no Brasil por Ponto Frio e Netflix, as marcas cada vez mais procuram se socializar na internet, criando verdadeiros laços afetivos com consumidores e não consumidores. A ideia alimenta a estratégia de longo prazo, em que as empresas interagem com qualquer tipo de pessoa (não apenas as que consomem), fortalecendo seu share-of-mind e já pensando na futura compra, e não apenas no curto prazo. Diferentemente do comércio tradicional (balcão de loja), o e-commerce não possui um ponto-de-venda tangível, palpável. Todas as transações são realizadas no meio digital, de uma maneira totalmente virtual e, portanto, intangível. Nem por isso o ‘P’ de Praça do mix de marketing deixaria de existir nesse contexto. Pelo contrário, esse conceito de ‘praça’ se torna bem mais amplo e abrangente do que no marketing tradicional. O ‘P’ de Praça, no e-commerce, começa desde o momento em que o consumidor entra na loja virtual da empresa. A usabilidade do site e a maneira com que os produtos são anunciados já consistem e fortalecem o “ponto-de-venda” virtual da marca, estreitando sua relação com o futuro consumidor. A facilidade com que o cliente navega entre as sessões do site se comparam com a facilidade com que o consumidor tradicional necessita para trafegar entre as gôndolas e localizar seus produtos. Portanto, a ideia de facilitar o acesso aos produtos mais desejados pelos clientes e mais rentáveis para a empresa também deve existir no e-commerce, como uma loja normal.
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Durante a navegação do cliente em potencial, o backoffice da empresa precisa funcionar com perfeição. Detalhes como atualização rápida do estoque do produto, demonstração de produto esgotado, atualização de preços nas ‘vitrines’ e banners do site. Tudo precisa funcionar precisamente, de modo a facilitar a compra do usuário. Otimizada a navegação e a experiência de uso do consumidor, o mesmo realiza a compra na loja. A partir disso, surge o principal ponto que sustentaria o ‘P’ de Praça no marketing para o e-commerce: a logística eficiente. O fato de um cliente comprar algum item pela internet, no lugar de ir a uma loja física, envolve vários fatores: preços diferenciados, condições de pagamento, acesso às lojas que não possuem lojas físicas na cidade, entre outros. Mas o ponto que agrega todos esses fatores é a comodidade da compra em casa. Compra-se em um site e recebe-se o produto em casa, sem violações ou extravios, sem filas e sem deslocamentos desnecessários. Estes são alguns fatores básicos para uma compra pela internet. O cliente que compra no e-commerce tem consciência que o produto não chegará ao mesmo dia, mas, no mínimo, espera-se que o produto chegue no prazo estipulado, e sem avarias. E é nesse ponto que se destaca a ideia de ponto-de-venda eficiente no e-commerce. O ‘P’ de preço, no varejo, já trabalha de forma acelerada. No caso do comércio eletrônico, essa aceleração é potencializada de forma exponencial. A internet proporciona, em todos os aspectos, uma maior dinamicidade nos processos e com o varejo eletrônico não poderia ser diferente. No lugar de ter que consultar margem, alterar preço em todas as lojas do grupo e comunicar a todos os funcionários e gerentes de lojas, como é no comércio tradicional, no e-commerce o processo é mais simples e fácil. A “fiscalização” da concorrência está ao alcance de um clique, o monitoramento dos preços, como tratam os clientes (atitude potencializada pelas redes sociais), como trabalham as promoções. Além desse monitoramento, o serviço de promoções no site é mais dinâmico e rápido do que na loja física. Existem promoções no e-commerce que duram uma semana, um dia ou até mesmo uma hora, e tudo pode ser modificado, ativado ou desativado com o toque de um botão. Em termos de promoção, a comunicação alcançou áreas nunca antes exploradas, com o advento e popularização da internet, entrando em um novo patamar estratégico. Maior dinamismo e autonomia são exigidos da relação agência/cliente, sem contar a necessidade de uma comunicação segmentada e customizada, em várias mídias diferentes. O FacebookAds, InstagramAds, PromotedTweets, Google Adwords, programas de afiliados (como Boo-box e Lomadee, por exemplo), além de compra de espaços em blogs e sites, utilizam tecnologia que dirigem a comunicação a grupos de usuários que realmente estão interessados no seu produto. Essa tecnologia, chamada de retargeting ou, na tradução livre, “atingir o alvo novamente”, visa aperfeiçoar os custos dos anúncios digitais, de modo a beneficiar o anunciante e o veículo. Por exemplo: um banner em um portal de notícias pode ser ocupado pela empresa x, anunciando um computador, e uma empresa y, anunciando
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um estojo de maquiagem. Duas empresas ocupam o mesmo espaço, mas não conflitam entre si. O anúncio do computador, otimizado pela tecnologia de retargeting, atinge apenas as pessoas que estão interessadas em computador, e o estojo de maquiagem é anunciado apenas para o público que procura por um estojo de maquiagem. Portanto, a estratégia do retargeting se encontra cada vez mais difundida no meio digital, otimizando cada vez mais os anúncios e aumentando cada vez mais o retorno sobre o investimento gasto. Em termos de mensuração dos resultados de comunicação, estes precisam ser identificados a partir de indicadores de desempenho, previamente estabelecidos. A mensuração dos resultados no meio digital é ampla e eficaz. Ferramentas como Google Analytics fornecem dados exatos das visitas no site, tempo médio de visita, quantidade de páginas visitadas, entre outros aspectos. Nenhuma visita passa despercebida, o que favorece e facilita o gerenciamento da comunicação neste ambiente, permitindo, em tempo real, mensuração prática e tempo de resposta rápido.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Definir um modelo de marketing digital que seja aplicado ao e-commerce é algo que se torna cada dia mais essencial. Esse é um mercado com amplo crescimento no Brasil e porque não dizer, no mundo, exigindo dos profissionais de comunicação qualificação e especialização para dominar este nicho. A proposta de construção desse modelo teve como ponto de partida a contextualização do mercado virtual no Brasil e, em seguida, a caracterização de um tipo de consumidor, denominado “novo” consumidor ou neoconsumidor. O neo consumidor é exigente, utiliza preferencialmente as mídias digitais, é pragmático e extremamente objetivo no processo de tomada de decisão, fazendo suas compras, na maioria das vezes, por impulso. Escolhe produtos pessoais e busca relacionamentos rasos, apenas aprofundando quando diz respeito aos seus interesses de compra. A partir deste perfil de consumidor, dos P’s do marketing tradicional e dos oito P’s do marketing digital, desenhou-se as dimensões desse chamado e-marketing: customização, segmentação, logística, fidelização e cauda longa. Quando a integração destes elementos é realizada tem-se um modelo de planejamento de comunicação de marketing no ambiente digital, que traz consigo alguns desafios. A eficácia do modelo deve ser investigada nos diferentes tipos de e-commerce. Também, é relevante a aplicação do modelo em modalidades organizacionais, como o primeiro, segundo e terceiro setores, além do impacto do seu resultado em diferentes stakeholders e os seus relacionamentos.
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AGENOR RODRIGUES JUNIOR E MARCELO DA SILVA
O ETHOS DA REVISTA JUNIOR: UMA ANÁLISE DISCURSIVA DE “CHICOTEIA BOY, CHICOTEIA” Agenor Rodrigues Junior1 Marcelo da Silva2
Resumo Os discursos estão investidos de sentidos e são essencialmente opacos, habitados por ideologias vinculadas a certos contextos sociais, políticos, culturais e históricos, forças que influem na produção de enunciados, marcando, sobremaneira, as enunciações, e os sujeitos que emergem no/pelo discurso. A partir disso pretendemos levar a efeito uma análise da matéria “Chicoteia boy, chicoteia” publicada na revista Junior, aplicando os conceitos de ethos e semântica global, intrínsecos ao bojo teórico da Análise do Discurso de tradição francesa, com o objetivo de investigar criticamente a forma como o sujeito-discursivo alocado na matéria “encarna” uma identidade inerente ao homossexual brasileiro contemporâneo.
Abstract The discourses are invested of meanings and are essentially opaque, inhabited by ideologies linked to certain social, political, cultural and historical forces that influence the enunciation process, marking, greatly, utterances, and the subjects that emerge in/by the discourse. On that basis, we intend to carry out an analysis of the article “Chicoteia boy, chicoteia” published in the magazine Junior, applying the concepts of ethos and global semantics, intrinsic to the theoretical core of the Discourse Analysis of French tradition, in order to critically investigate how the discursive subject allocated in the article “embodies” an inherent identity to the contemporary Brazilian homosexual.
1 Bacharel em Jornalismo pela Universidade Sagrado Coração de Bauru. E-mail: agenorrjr@gmail.com 2 Doutorando em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo, professor e coordenador do curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Maranhão. E-mail: marcelosilva_rp@hotmail.com
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O ETHOS DA REVISTA JUNIOR: UMA ANÁLISE DISCURSIVA DE “CHICOTEIA BOY, CHICOTEIA”
Introdução A proposta deste artigo é fazer uma análise discursiva da matéria intitulada de “Chicoteia boy, chicoteia” publicada na edição de número 57 da revista Junior – voltada para o público homossexual – em janeiro de 2014. Para isso, tomamos como base o respaldo teórico metodológico da Análise do Discurso de tradição francesa, vertente que compreende a linguagem enquanto um material opaco, habitado por ideologias e sentidos diretamente vinculados a um dado contexto histórico, cultural e social. Mais especificamente, trabalhamos com o conceito de ethos discursivo e semântica global expressos por Maingueneau (2005), na intenção de inferir traços à personalidade do sujeito inscrito para além do texto da matéria, visto que nos campos verbais (e também não verbais) habitam aspectos inerentes a uma maneira peculiar de dizer – enunciação – que por sua vez, implica em uma maneira de ser, agir e de estar no mundo. Quanto ao corpus que elegemos, trata-se de uma coluna da publicação Junior, dirigida ao público homossexual, produzida pelo grupo Mix Brasil desde o ano de 2007. É identificada como uma revista sem conteúdo adulto (com presença de erotismo “light”), direcionada ao jovem gay contemporâneo, cujas reportagens tratam de temas relacionados a comportamento, cultura pop, moda e homens brasileiros. É atualmente a única publicação jornalística gay em circulação no mercado editorial do país. Procedimentalmente, contemplamos um breve resumo do arsenal teórico e dos conceitos escolhidos para, posteriormente, depreendermos alguns sentidos apensos no discurso da matéria que analisamos.
A Análise do Discurso Francesa (AD) A Análise do Discurso Francesa – que a partir deste ponto tomaremos por AD – é um respaldo teórico metodológico cujas raízes estão arraigadas na França das décadas de 60 e 703. Herdeira da interdisciplinaridade entre três diferentes campos de estudo (linguística, psicanálise e marxismo), a AD trata a linguagem enquanto um organismo povoado de sentidos que se alojam em uma instância complexa e abstrata: o discurso. Em oposição à análise de conteúdo, que concebe a linguagem como transparente e atravessa o texto na busca de uma resposta objetiva que atenda à questão que se refere ao sentido único de um texto, a AD se orienta pela opacidade da língua, com a intenção de fazer um exame sobre as formas como um texto significa algo. Conforme situa Maingueneau (1997, p. 11) “a análise de discurso não pretende se instituir como especialista da interpretação, dominando “o” sentido dos textos; apenas pretende construir procedimentos que exponham o olhar-leitor a níveis opacos à ação estratégica de um sujeito”. No escopo prático da Análise do Discurso, o(s) sentido(s) precisa(m) ser compreendido(s) como produto de uma rede que relaciona as condições históricas de produção com as posições ideológicas de um sujeito linguístico descentrado, afetado tanto pelo teor real da língua quanto pela própria realidade histórica onde está inscrito. 3 Entendemos que o sopro fundador da AD está amparado na obra de Michel Pêcheux, cujos pensamentos abordavam a linguagem em relação às ciências humanas, sujeitos e a produção de sentidos.
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AGENOR RODRIGUES JUNIOR E MARCELO DA SILVA
É por isso que o discurso está substancialmente relacionado com os elementos que o cercam: seus interlocutores, sua visão de mundo, a imagem que fazem de si próprios, o assunto em questão etc. “Todos esses aspectos devem ser levados em conta quando procuramos entender o sentido de um discurso” (BRANDÃO, 2009, p. 6). Desse modo, conforme já afirmamos, interessa-nos a investigação crítica sobre a forma como o sujeito-discursivo alocado na matéria “Chicoteia boy, chicoteia” da revista Junior “encarna” uma identidade inerente ao homossexual brasileiro contemporâneo. Para tanto, a AD se coloca como referencial teórico-metodológico apropriado, mais especificamente através de conceitos que trazemos à baila a seguir: a semântica global e o ethos discursivo.
Ethos discursivo e semântica global Maingueneau (2005) alega que o discurso não se constrói somente por um grupo concreto de textos, mas sim por um “conjunto virtual”, que engloba enunciados produzidos sob a restrição de formações discursivas. Todavia, mesmo que o discurso esteja situado em uma dimensão “dispersa”, é no texto (produzido por sujeitos) que ele ganha materialidade, premissa que justifica a consideração de elementos verbais e não verbais no interior do grupo que compõe um material de análise. Dessa forma, a comunicação visual se destaca como um elemento interessante à AD, na medida em que cores, imagens e fotografias também significam. O panorama discursivo que engloba os aspectos não verbais constitui uma “prática intersemiótica”, amparada pelo conceito de “semântica global”, que propõe uma compreensão “global” do discurso a partir de um sistema que conduz todas as suas dimensões. À vista disso, Maingueneau (2005, p. 21) considera: “enunciados o material propriamente linguístico – ou seja, os textos verbais – e texto, qualquer tipo de manifestação, seja ela verbal ou visual (fotos, desenhos, ilustrações, obras de arte)”. À luz desse conceito, certificamos uma ampliação nas possibilidades de tratamento do discurso, que se caracteriza por não ser uma atividade estritamente verbal. Sendo assim, nossa análise pode (e deve) contemplar o caráter visual da página da revista em que se situa a matéria, haja vista que seu discurso é produto da ação sincrética entre os componentes gráficos (diagramação, fotos, layout etc.) e os enunciados verbais. Considerando a intenção de identificar “marcas” de uma personalidade nos sentidos depreendidos do texto, a análise também contempla outro importante conceito apresentado por Maingueneau: o ethos discursivo, fundamentado pelo pensamento de que “toda fala procede de um enunciador encarnado; mesmo quando escrito, um texto é sustentado por uma voz – a de um sujeito situado para além do texto” (MAINGUENEAU, 2004, p.95). Esse fenômeno pode ser compreendido por meio da enunciação, visto que ela revela uma personalidade – uma identidade – para o enunciador, constituindo seu ethos discursivo, definido por Roland Barthes da seguinte forma:
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O ETHOS DA REVISTA JUNIOR: UMA ANÁLISE DISCURSIVA DE “CHICOTEIA BOY, CHICOTEIA”
São traços de caráter que o orador deve mostrar ao auditório (pouco importa sua sinceridade) para causar boa impressão: são ares que assume ao se apresentar. [...] O orador enuncia uma informação, e ao mesmo tempo diz: eu sou isto, eu não sou aquilo (BARTHES apud MAINGUENEAU, 2004, p. 98).
Maingueneau (2004) atribui a eficácia do ethos ao fato de que ele abarca o processo de enunciação sem estar, de alguma forma, explícito no enunciado. Acerca disso, Ducrot (1984) argumenta: Não se trata das afirmações elogiosas que o orador pode fazer sobre sua própria pessoa no conteúdo de seu discurso, afirmações que, contrariamente, podem chocar o ouvinte, mas da aparência que lhe conferem o ritmo, a entonação, calorosa ou severa, a escolha das palavras, dos argumentos... [...] É na qualidade de fonte da enunciação que ele se vê revestido de determinadas características que, por ação reflexa, tornam essa enunciação aceitável ou não (DUCROT apud MAINGUENEAU, 2004, p.98).
Em oposição ao ethos contextualizado pela retórica tradicional, o conceito expresso confirma sua validade (e aplicação) não apenas aos enunciados orais, mas sim para qualquer tipo de discurso – mesmo para o escrito –, já que este é investido de construções que deixam entrever elementos ideológicos essenciais que não podem ser vistos “a olho nu”; destarte, Com efeito, o texto escrito possui mesmo quando o denega, um tom que dá autoridade ao que é dito. Esse tom permite ao leitor construir uma representação do corpo do enunciador (e não, evidentemente, do corpo do autor efetivo). A leitura faz, então, emergir uma instância subjetiva que desempenha o papel de fiador do que é dito (MAINGUENEAU, 2004, p. 98).
Amossy (2005) explica que a noção de ethos se expande quando vinculada a uma “cena de enunciação”, conceito que postula o fato de que todo tipo de discurso compreende uma distribuição de posições pré-estabelecidas, onde o locutor (enunciador) escolhe livremente uma cenografia de ação, ou seja, uma maneira pela qual vai se dirigir a um determinado “auditório”. É, portanto, segundo Amossy (2005) no processo de enunciação que o enunciador se manifesta e legitima sua identidade. A maneira como o locutor diz algo implica na construção de uma imagem que ele faz de si mesmo, revelada através de “indícios discursivos”, marcas de subjetividade que o sujeito deixa apensas na enunciação. É preciso deixar claro que os sentidos declarados na análise fazem parte de uma reflexão aberta, que não constitui uma verdade absoluta e incontestável e não se restringe apenas aos conceitos aqui apresentados. Acreditamos que tudo aquilo que se mostra claro, irrefutável e evidente, pode, de alguma maneira, enganar, portanto, parafraseando Silva (2009, p. 157) “asseveramos que os olhares aqui lançados podem não ser os melhores, os mais adequados, nem os mais teóricos e com melhor correspondência com o que poderíamos chamar de realidade”.
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AGENOR RODRIGUES JUNIOR E MARCELO DA SILVA
Concluímos então, que faz parte dos propósitos da AD a investigação desses “indícios”, dessas “marcas”, que permeiam a constituição do ethos, conceito que evocamos na análise a seguir.
O Ethos de Junior: uma análise discursiva de “Chicoteia boy, chicoteia” Antes de adentrarmos o universo propriamente analítico, é preciso fazer alguns apontamentos a respeito do objeto examinado: trata-se de uma reportagem de página dupla publicada na seção “Test-Drive” da edição de número 57 da Junior. A seção consiste em uma espécie de “diário” de aventuras e experiências inusitadas vividas por um repórter.
Visão geral da matéria e elementos de composição da página.
De imediato, impõe-se o título da matéria: “Chicoteia boy, chicoteia”, seguido do subtítulo – “Em meio a muito couro, nosso repórter se perde em sua primeira festa leather”; aqui cremos que o uso da expressão “se perde” indica uma ambiguidade a ser respondida no desenrolar do texto, que pode aferir o sentido de “desvio” de um caminho ou de “devaneio”, de imersão em um determinado universo, Sob o título, há uma imagem: dois homens sem camisa com corpo aparentemente suado, vestindo apenas uma espécie de “cinto” de couro no peitoral, se entreolham no meio de um grupo de homens também sem camisa (é possível observar apenas um que está vestido, este usa uma regata preta e um bracelete de couro), no canto inferior direito observamos a legenda: “cena do filme Interior: Leather Bar”. A subcultura leather (“couro” em inglês) se refere a hábitos sexuais fetichistas
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O ETHOS DA REVISTA JUNIOR: UMA ANÁLISE DISCURSIVA DE “CHICOTEIA BOY, CHICOTEIA”
que envolvem a dominação através da utilização de acessórios sadomasoquistas, como chicotes, cintos, máscaras e correntes, bem como a caracterização por meio de um vestuário composto por peças de couro (jaquetas, botas, cuecas, coletes etc.). A comunidade leather se distingue por ser restrita, “escondida”, visto que vai contra aos valores sexuais tradicionais, principalmente no Brasil, país em que essa cena é pouco expressiva e se reduz a poucos clubes. Embora seja constantemente associada ao universo homossexual, não é uma prática exclusiva, podendo abarcar também heterossexuais e bissexuais. Diante dessas primeiras considerações, pela perspectiva imagética, gráfica e cromatográfica, depreendemos os seguintes sentidos: 1. A utilização do preto e do vermelho como cores base para a estruturação física da página constitui um “indício discursivo” que apresenta, de antemão, elementos da cenografia em que a matéria se desenvolverá. De acordo com a abordagem de Farina (2006) sobre a psicodinâmica das cores na comunicação, o vermelho possui uma associação afetiva direta com a vulgaridade, a paixão, o calor, a violência e o erotismo, enquanto o preto se relaciona materialmente com as “coisas escondidas”, o mistério e a “sujeira”. 2. Na contramão do “calor” vermelho, os tons de azul situados na imagem denotam, segundo Farina (2006), a sofisticação, a liberdade e o acolhimento. É como se o leitor também fosse convidado a viver sua primeira experiência leather, conduzida pelos olhares do próprio repórter. Ademais, também leva o enunciatário a extrapolar a experiência expressa na materialidade discursiva e estimula nele, o desejo de ir a um clube para sair do “onírico” para o real. 3. A fotografia que ilustra a matéria aspira um ideário de desejo, ambientado pela postura e pelos olhares dos homens que nela estão inscritos, dado que estão se observando, se assistindo, guiados pela vontade imaterial de desenvolver alguma ação física – ação essa que estabelece vínculo direto com os enunciados do título e do subtítulo, já que de alguma forma, a foto tenta imprimir as características do ambiente de uma festa leather. 4. A escolha de uma imagem que pertence a um filme ficcional corrobora com a atmosfera de mistério alavancada pela cor preta, haja vista que a cena não representa, de fato, a realidade factual inerente à festa da qual a matéria se refere. Como dissemos anteriormente, a subcultura leather no Brasil chocaria em valores que a tornam restrita, portanto, a composição de uma fotografia jornalística que registrasse o interior da festa esbarraria em questões relacionadas à proteção de identidades das pessoas que estivessem participando dela. Desse modo, a imagem reitera o “convite” para que o leitor adentre esse espaço através da leitura do texto, já que uma simples captura de cena não fornece pistas suficientes sobre a realidade. Isto posto, destacamos alguns enunciados da matéria selecionada, que ulteriormente vão nos auxiliar a inferir um ethos discursivo (identidade) para o sujeito-enunciador de Junior, a saber:
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1. Às onze horas da noite em ponto eu entro no número 765 da Rua Augusta, em São Paulo, estou no Playground Bar, um clube só para rapazes enraizado no que antes foi uma das baladas mais concorridas da noite paulistana, o Vegas. Eu pensava: será que posso esperar uma noite tão boa quanto as que passei na época do antigo clube? Minha missão, a última do ano, é me deliciar em minha primeira noite leather”.
Em primeira instância, o trecho revela a localização do bar Playground, situado onde antes ficava o clube noturno Vegas, mencionado pelo repórter como “uma das baladas mais concorridas da noite paulistana”. Essa caracterização marca a importância que a cultura das festas e baladas tem para a revista, concretizada pela inscrição do enunciador como um “conhecedor” desse cenário – pelo lugar de fala que ele assume – materializada a partir da pergunta “Será que posso esperar uma noite tão boa quanto as que passei na época do antigo clube?”. A frase “Minha missão, a última do ano, é me deliciar em minha primeira noite leather” evoca a face hedonista do sujeito, que motivado pela busca por prazer “mergulha” no interior do clube e dá início à sua primeira experiência leather. 2. “O cruising bar é novo, e tem a pinta de ser o “melhor do Brasil”, pelo menos é o que diz em seu site. Realmente, a decoração é muito bem cuidada, assim como a limpeza, o que mais me chama atenção é o balcão decorado com um azulejo de dominós. Apaixonado pelo balcão do bar e pelo barman”.
A utilização do termo cruising bar para designar o local já o classifica prontamente como um ambiente sexualmente permissivo. Ao caracterizar o ambiente e trazer a tona sua limpeza e decoração bem cuidada, o sujeito parece se contrapor às imagens construídas pelos valores tradicionais que instituem o sexo (e consequentemente os lugares que promovem sua prática) como algo sujo, impudico. Diante disso, a sentença que anuncia sua paixão pelos azulejos de dominó e pelo barman é colocada como estopim de um “jogo” de sedução em que ele próprio se coloca como protagonista. 3. E como em um filme de comédia, minha mente pausa tudo que estava rolando em volta de mim e minha consciência grita: você não está vestido adequadamente! Sim! Todos rigorosamente vestidos como uma festa com dresscode, um peixinho fora do aquário, ops! Mais uma cerveja, por favor. Pedi para o garçom, sorrindo e rezando para aparecer alguém que não estivesse usando couro além de acessórios, digamos, “selvagens”.
O fragmento elucida traços de um eu deslocado, “um peixinho fora do aquário”, que mesmo sabendo previamente o que ia encontrar (já que no primeiro parágrafo revela sua “missão”), mostra surpresa ao ver que todos vestem roupas e acessórios de couro. O uso do termo “dresscode” (palavra inglesa utilizada para designar um “código de vestimenta”) imprime traços de uma “sofisticação” linguística que rechaça o português convencional, enquanto o emprego do eufemismo “selvagem” (para se referir ao modo como os homens estão vestidos) denota certo “puritanismo”, evidenciado pela postura de um locutor sutilmente incomodado pelos elementos do
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universo que o rodeia no dado momento. É possível relacionar essa passagem à noção de jogo discursivo, que cruza metáforas através da teatralidade sob a intenção de enfatizar regras que implicam na participação de um determinado gênero: “como o jogo, o gênero implica um certo números de regras preestabelecidas mutuamente conhecidas e cuja transgressão põe um participante “fora do jogo” (MAINGUENEAU, 2004, p.70). À vista disso, ao transgredir a regra e não estar vestido adequadamente para o contexto da festa, o repórter se vê excluído, deslocado.4 A construção dessa atmosfera “forçada”, levada a cabo pela subversão que a cultura leather representa para os tabus sociais relacionados à sexualidade, associada a um estilo de narrativa “falada”, expõe o pensamento de Maingueneau (2004) que situa esse tipo de tratamento como uma tentativa de dar ao leitor uma impressão de acesso imediato (e irrestrito) à realidade do locutor, com o qual ele é constantemente incentivado a se identificar. 4. A cena basicamente era a de um garoto virgem (ok, quase virgem) em um cenário do filme “Cruising” (Parceiros da Noite), com Al Pacino, ou “Interior: Leather Bar”, só que sem Al Pacino, James Franco ou Travis Mathews. A música no volume adequado é possível ouvir o burburinho da conversa dos frequentadores por todos os cantos. Isso realmente me agrada, o clima under sexy me atrai.
Ao Mencionar os filmes Cruising e (novamente) Interior: Leather Bar o enunciador tenta reconstruir seus passos a partir da trajetória do protagonista dessas ficções, neste caso, o policial Steve Burns5, que assim como ele, se vê constrangido ao adentrar uma balada leather pela primeira vez. Dessa forma, ao se rotular como “virgem” (ou quase virgem) e posteriormente “incorporar” um personagem, o locutor fornece pistas para que o destinatário lhe confira um “corpo”, este habitado por um sujeito que desconhece e “estranha” o universo leather, porém, mostra-se compelido a se aventurar por essa ambiência, conforme revelado no trecho: “isso realmente me agrada, o clima under sexy me atrai”. A utilização dos filmes como recurso para construir sua história retoma o pressuposto de interdiscurso, ideia que conforme Maingueneau (2004) implica na concepção de um novo discurso a partir de “traços discursivos anteriores”. Dessa forma, ao colocar-se no lugar de um personagem, o sujeito retoma uma trajetória para construir a sua própria, o seu próprio discurso. 5. Começo a circular pela casa. Nos fundos do bar tem um cinema com bons filmes, e o que mais me agradou? Não são apenas filmes pornôs sendo exibidos. Quando entrei no cine, estava passando nada menos que “Eye Wide Open” (Pecado da Carne), de Haim Tabakman – adorei.
O intervalo simboliza, mais uma vez, a negativa do repórter em “abraçar” completamente o erotismo exacerbado inerente ao leather, na medida em que expressa
4 Aqui consideramos a cultura leather como um cenário discursivo que também exige determinadas regras de participação. 5 Vivido pelos atores Al Pacino (Cruising) e Val Lauren (Interior: Leather Bar).
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seu agrado pelo fato do cinema do bar não apresentar apenas títulos pornográficos. Novamente são trazidos para o texto referências a obras cinematográficas e seus diretores, ocorrência que imprime traços à personalidade de um enunciador interessado pelo âmbito cultural, especialmente o cinematográfico6. 6. Desço um andar e descubro um darkroom – não é possível enxergar nada ali dentro, nem mesmo a sua dignidade. Do lado desta sala escura há um labirinto, cheio de cabines e mais cabines e o pessoal já estava se divertindo. Pelo corredor era possível ouvir gemidos, orgasmos e o estalo de muitos chicotes. Ok, hora de sair dali, eu ainda não estou preparado para apanhar, pelo menos nesta noite. Eu preciso de um cigarro – não faço a linha politicamente correto, tampouco saudável, quem sabe aos trinta anos eu tome mais consciência disso e vire um natureba.
Neste quadro o sujeito-jornalista desbrava o darkroom7 do bar, o uso deste sintagma reforça (mais uma vez) a articulação de um discurso das “festas e baladas”. A pontuação minuciosa dos elementos constitutivos do cenário em questão se deve a uma noção de espacialidade do texto, exigida quando o leitor não participa (ou participa muito pouco) do universo em que o autor está inserido, destarte; “um enunciado que não é proferido por um locutor presente [...] deve conter tudo aquilo que é necessário para ser decifrado” (MAINGUENEAU, 2004, p. 80). A descrição sinaliza também uma série de informações (gemidos, orgasmos, estalos de chicote) que provocam no sujeito um sentimento de nervosismo, que posteriormente impulsiona uma fuga daquele espaço, confirmada pela sentença “Ok, hora de sair dali”. A manifestação do desejo por um cigarro simboliza a tensão e o despreparo para vivenciar a experiência leather em sua completude (ou seja, apanhando), ao mesmo tempo que traz indícios de uma identidade “subversiva”, que “desobedece” o discurso politicamente correto e saudável através do hábito de fumar. 7. [...] vejo a cena épica daquela noite: enquanto um homem é dominado fazendo sexo oral em outro em pé, um terceiro o chicoteia com gosto! Eu não poderia perder aquela cena. Dou um gole em minha cerveja, acendo meu cigarro e viro voyeur. Realmente, um show e tanto. Neste momento o título da minha matéria cai sob o meu colo: “Chicoteia boy, chicoteia”, isso porque o dono do chicote é o homem. Jaqueta de couro, cabelos cuidadosamente penteados para trás, braços fortes e proprietário de coxas que... nossa, que noite calorosa.
O sujeito-enunciador finalmente consagra sua posição na festa: a de observador, nomeado pela palavra francesa voyer, que distingue aquele que sente prazer em assistir a outras pessoas praticarem atos sexuais. A forma como a “cena épica” é narrada – um jogo de dominação masculina – legitima estereótipos8 pautados pela dicotomia 6 Aqui situamos o diálogo do repórter com um discurso cultural, cinematográfico. 7 A palavra “darkroom” (no contexto dos clubes e casas noturnas) marca a identificação de um espaço (sala) escuro em que é permitido o desenvolvimento de ações sexuais. 8 Sustentamos a compreensão dos estereótipos a partir de sistemas culturais pré-construídos que “cristalizam” determinadas identidades.
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passivo/ativo, em que a figura dominadora é posta como “gay machão”, grosseiro, com braços fortes que seguram o chicote. Para Almeida (2011), na relação entre masculinidade-dominação-atividade versus a feminilidade-submissão-passividade reside uma importante discussão a respeito das relações sexuais entre os homens: a identidade do “passivo” acomete à imagem do homossexual “estigmatizado”, com atitudes que identificam sua preferência sexual. É sobre essa representação “cristalizada” que se depositam os tipos mais notórios de preconceito e discriminação; haja vista que, Por outro lado, o homossexual ativo tende a ganhar status de mais macho, chegando ao ponto de, em raras exceções, os machos que “comem bichas” não serem classificados de maneira diferente dos “homens verdadeiros” devido ao seu desempenho do papel ativo. Inclusive, muitos homens que têm relações homossexuais não se consideram homossexuais, desde que não pratiquem o sexo anal ou que exerçam o papel “ativo” na relação sexual, pois o sujeito que se permite passivo na relação sexual com outro é tido como desvirilizado e passa a ser desqualificado enquanto cidadão (ALMEIDA, 2011, p. 8-9).
Quando destaca a figura do dominador na sentença “isso porque o dono do chicote é o homem” o enunciador evidencia essas dicotomias e estabelece o “torso” de um ethos coletivo, pensamento expresso por Charaudeau (2006) que corresponde a uma “visão global”, construída apenas pela atribuição apriorística (carregada de estereótipos) de uma identidade que emana de uma opinião coletiva em relação a outro grupo, em oposição do ethos singular. Esse comportamento também é corroborado com a imposição de modelos corporais, que no discurso das capas e dos ensaios da revista representam o conceito daquilo que é “ser homem”. À medida que ressalta atributos físicos à figura do dominador (Jaqueta de couro, cabelos cuidadosamente penteados para trás, braços fortes e proprietário de coxas que... nossa), o enunciador concebe um ethos relacionado a um tipo de masculinidade que rechaça a identidade sexual em questão, como se o próprio homem descrito não fosse gay, impondo a feminilidade e seus trejeitos como condição intrínseca à homossexualidade (e consequentemente à imagem do homossexual). 8. No meio do caminho, um gringo me para, coloca a mão dentro da minha calça e lança: I want fuck your ass! - caro leitor, se não souber o que significa, procure no Google Translate, é um convite muito tenso para ser publicado em uma revista de família.
Ao passo que nomeia, ironicamente, a Junior como “uma revista de família” e “mascara” o significado do enunciado “I want fuck your ass” (quero transar com você) por meio da utilização de outra língua, fica notável a conduta do sujeito-jornalista (e, por consequência, da revista): a pretensão de ser erótico sem, deliberadamente, dialogar com um discurso erótico evidente. Ao mesmo tempo, revela um sujeitoenunciador irônico, quando afirma que “é um convite muito tenso para ser publicado em uma revista de família”: a ironia recobre a palavra “família” – que faz parte de
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diferentes pautas hodiernas, sobretudo sob a égide de uma ideia humano-genérica de “família tradicional”, envolvendo tanto um procedimento discursivo do enunciador, o qual deseja que sua ironia seja percebida, quanto atribuições de sentido e avaliações do receptor, de modo que “é sempre (não importa mais o que ela possa ser) uma modalidade de percepção” (HUTCHEON apud SILVA, 2007, p.102). 9. Já passava das duas da manhã. E eu ainda estava me sentindo um peixinho fora do aquário, ninguém me percebia – além do gringo –, até que do outro lado do apaixonante balcão de dominós vejo um rapazinho, meio tímido, meio geek, meio... enfim, um rapaz meio, não inteiro.
Por fim, mais uma vez são reforçados os estereótipos dicotômicos que nos referimos anteriormente: aqui se observa a tentativa de dispor um ethos relacionado à afetividade (em oposição à agressividade do “domador”) marcado pelo uso dos termos “rapazinho”, “geek”9 e “meio”, traços que evidenciam uma fragilidade pejorativa, inferiorizada, inerente a um “meio-homem”, enquanto a figura do ativo é engrandecida como “homem de verdade”, inteiro, completo.
Considerações finais Não é parte dos objetivos deste artigo “fechar” a análise ou chegar a um desenlace satisfatório e conclusivo; essa reflexão, à luz do arsenal teórico metodológico da Análise do Discurso, discute a forma como são construídos determinados sentidos e o porquê de serem esses e não outros. Entretanto, julgamos necessária a delimitação de alguns parâmetros importantes que são intrínsecos à compreensão da análise desse objeto. A articulação constante de estrangeirismos advindos da língua inglesa e francesa (boy, cruising bar, under sexy, darkroom, voyeur, entre outros) simboliza um diálogo com o público de uma classe mais abastada, além de promover uma “absorção” da cultura de países economicamente desenvolvidos, na tentativa de reproduzir hábitos culturais do padrão de vida exercido nesses lugares. A reificação dos estereótipos dicotômicos ativo/passivo trazem à baila marcas de uma personalidade pautada por metáforas tecidas no âmago de um discurso (ainda) tradicional, que não faz frente ao ideário sócio histórico do preconceito e da discriminação sofrida por esse grupo. Nesse sentido, o ethos do enunciador é o de um sujeito contemporâneo, ancorado na cenografia das festas e na (re)produção de um discurso embasado por uma espécie de “erotismo velado”, este calcado em identidades cristalizadas no bojo de um lugarcomum.
9 “Geek” é uma gíria da língua inglesa que se refere a pessoas interessadas por tecnologia eletrônica, jogos de videogame, computadores etc.
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