Revista Bicicleta Edição Digital 04

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 EDITORIAL EDIÇÃO DIGITAL 04 / MARÇO - ABRIL 2017

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o início de março, foi sancionada a lei que reconhece Blumenau-SC como Capital Nacional da Cerveja. O título, agora formal, já era reconhecido pelos milhares de visitantes que chegam à cidade em busca de variadas cervejas, traços da imigração alemã, pontos turísticos como o Museu da Cerveja e a Vila Germânica, e eventos relacionados à bebida, como a popularíssima Oktoberfest e o Festival Brasileiro da Cerveja. Outra tradição deste fragmento do Vale Europeu é o cicloturismo, e o Roteiro do Vale da Cerveja une essas duas paixões! Se você gosta de uma cervejinha depois do pedal, precisa reservar três dias para este circuito – ou quem sabe emendar mais sete dias no traçado do Vale Europeu. E você pode beber na fonte das cervejas artesanais de Blumenau e região sem culpa: estudos revelam que, com moderação, há benefícios da cerveja para a saúde, inclusive na hidratação pós-pedal. Viva Bicicleta!

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Revista Bicicleta, com periodicidade mensal, é publicada pela Ecco Editora Sede / Assinaturas / Correspondência Rua Tuiuti, 300 - Bairro Cruzeiro Rio do Campo - SC -89198-000 assinatura@revistabicicleta.com.br bicicleta@revistabicicleta.com.br Fone: (47) 3564-0001 - Fax: (47) 3564-1212 Os artigos fornecidos e autorizados por colaboradores e terceiros são de responsabilidade dos mesmos, bem como os anúncios de patrocinadores. Os conceitos e sugestões de tais artigos e anúncios não necessariamente refletem o editorial da Revista. Não é permitido reproduzir matérias e/ ou fotos da revista sem autorização da mesma. Revista Bicicleta se manterá política e religiosamente neutra. Os ícones utilizados nesta edição foram fornecidos por flaticon.com

Diretor de Redação Anderson Ricardo Schörner Jornalistas / Repórteres / Redatores e Colaboradores Álvaro Perazzoli / Antônio Olinto / Carlos Menezes / Cláudia Franco / Eduardo Sens dos Santos / Lima Junior / Paulo de Tarso / Pedro Cury / Roberto Furtado / Ronaldo Huhm / Valter F. Bustos Correspondente na Europa Fábio Zander Editor Executivo Therbio Felipe M. Cezar Revisão R. O. Petris Depto. de Arte / Web Alex C. Serafini Depto. de Assinaturas Adriano dos Santos Editor E. B. Petris





SUMÁRIO

DIGITAL 04 MARÇO/ABRIL 2017

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É CAMPEÃO, SIM!

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CO²

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O AMOR NÃO TIRA FÉRIAS!

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PEDALAR PARA ACESSAR LOCAIS TURÍSTICOS E REVISITAR A CIDADE

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BRASIL E SUA PARTICIPAÇÃO NO FMB 6

Lauro Chaman sofre frustação no mundial de Los Angeles, mas conquista três medalhas.

O gás da emergência.

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Cidade do México receberá o Fórum entre os dias 19 e 23 de abril!

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BREGA É...

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TERESA D’APRILE

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EMPRESAS, BICICLETAS E EMPREGADOS

A importância do espelho retrovisor como equipamento de segurança na bicicleta.

Superação através da bicicleta.

Dúvidas mais frequentes.

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VALE DA CERVEJA

Pedalando e bebendo na fonte das cervejas artesanais brasileiras, em Santa Catarina!

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DE PARIS A LONDRES

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CICLISMO E OBESIDADE

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NAS LENTES

Pedalando da Catedral de Notre-Dame à Catedral de Westminster.

A temporada perfeita de Rachel Atherton.

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PELOTÃO EDIÇÃO DIGITAL 04 / MARÇO - ABRIL 2017

ANDERSON RICARDO SCHÖRNER

THERBIO FELIPE M. CEZAR

DIRETOR DE REDAÇÃO

EDITOR EXECUTIVO

Ciclista urbano e entusiasta da bicicleta.

Professor universitário, conferencista internacional e cicloturista.

anderson@revistabicicleta.com.br

ANTONIO OLINTO Cicloturista renomado, formado em direito e conferencista. antonioolinto@gmail.com

therbio@revistabicicleta.com.br

TERESA D’APRILE Criadora do grupo Saia na Noite, há 25 anos, é um dos principais nomes do cicloativismo feminino brasileiro. teresaiananoite@hotmail.com

EDUARDO SENS DOS SANTOS Ciclista amador, entusiasta da história do ciclismo e co-idealizador do Desafio Desbravadores.

CARLOS MENEZES Biólogo, fitter, atleta de MTB e cicloturista. biocicleta@carlosmenezes.com.br

eduardo_sens@yahoo.com

UNIÃO DE CICLISTAS DO BRASIL Organização da sociedade civil que congrega Associações de Ciclistas, ciclistas e outras entidades e pessoas interessadas em promover o uso da bicicleta como meio de transporte, lazer e esporte.  /uniaodeciclistasdobrasil

VERA MARQUES Psicologa, mãe de três filhos, apaixonada pelas coisas do mundo e cicloviajante por opção. Idealizadora do site www. pedalareviajar.com.br. vera.mmarques@gmail.com



ROLÊ 1

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MAIS QUE DOBROU

A quilometragem da malha cicloviária nas capitais dos estados brasileiros. Segundo levantamento do G1, em 2014 eram 1.414 km; agora são 3.009 km.

1 EM CADA 5

PEDAL, DESIGN E ARTE INDIE

52 VAGAS

A Colab55, hub de arte e design que concentra milhares de artistas independentes, se juntou à Pi Bags, marca sustentável de acessórios de bike, para levar arte e design pra pedalar por aí. Trabalhos de três artistas do hub foram selecionados para estampar as mochilas. As mochilas são leves, feitas com lona eco ultra resistente, com acabamento impermeável, encaixam no quadro da bicicleta e ainda têm um grande diferencial: carregam o melhor da arte indie.

Mortes de crianças tem sua causa na poluição, segundo relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS).

É a capacidade do novo bicicletário público inaugurado em São Paulo, ao lado da estação de metrô Paraíso. O uso é gratuito e o horário de funcionamento é das 4 h da manhã até à 1 h da madrugada.

R$ 10 MILHÕES

É a estimativa de quanto vai custar para manter o Velódromo do Rio, fechado, aos cofres públicos em 2017. A UCI sinalizou a intenção de trazer uma etapa da Copa do Mundo para contribuir com a sua viabilidade financeira.

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As três artes selecionadas para estampar as mochilas foram: 1 Botanic Wave, da @millacortazio. 2 Pineapple #electric, do Studio @littlesun. 3 Contraste Botânico, da @alinnedesign. Saiba mais em www.colab55.com



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UNOGWAJA CHALLENGE

UM DESAFIO SOCIAL (E FÍSICO) NA ÁFRICA DO SUL Do dia 24 de maio ao dia 04 de junho de 2017, 11 atletas de cinco diferentes nacionalidades estarão envolvidos em um grande desafio: pedalar 1.650 km com 19.500 m de ascensão em 10 dias e correr os 87 km uphill da Comrades Marathon no 11º dia. Tudo isso acontecerá na África do Sul, de Cape Town a Pietermaritzburg no ciclismo e de Pietermaritzburg a Durban na corrida. Os 10 dias de pedal não são uma competição. Trata-se de uma jornada de inspiração e união, baseada na história de Phil Masterton-Smith, conhecido como Unogwaja (lebre), que seguiu seu coração para aventurar-se na Comrades Marathon. O Unogwaja Challenge, criado em 2011, celebra e visa reproduzir o feito ímpar deste homem, que em 1933, por não ter condições de pagar o transporte de onde morava em Cape Town até a largada da Comrades, em Pietermaritzburg, decidiu fazer este trajeto pedalando em 10 dias, para correr a Comrades no 11º dia. Além do desafio físico, os atletas selecionados têm a missão de arrecadar doações para as instituições suportadas pelo Projeto, que são focadas, especialmente, em educação, em capacitação e em desenvolver o senso de responsabilidade e de ação, jamais afastando as pessoas das suas próprias responsabilidades. Desde 2014, há participação de brasileiros no Projeto. Nessa edição em particular, temos três representantes brasileiros. Para doação via site (unogwaja.com/2017-team), que é rápida e simples, deve-se escolher um dos Unogwajas para que sua doação seja computada e associada à sua campanha de arrecadação. Para saber mais sobre o Unogwaja Challenge, sua história e sobre as entidades apoiadas (Light Fund) basta acessar o site unogwaja.com

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© EMGATLAND.COM / NIKON/LEXAR



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A Moar Bikes lançou para financiamento coletivo uma bicicleta que fez muito sucesso e até agora já arrecadou, faltando ainda um mês para finalizar a campanha, 2.250% a mais do que a proposta inicial. A bicicleta é elétrica, dobrável, full suspension, possui pneus largos estilo fat bike, freio a disco, quadro em alumínio com cabeamento interno, motor na roda traseira de 500 a 750 w, bateria de lítio de 48 v, luz de freio, farol e pisca para sinalizar mudança de direção... É uma configuração única no mercado mundial, que atende ao ciclista que realiza o deslocamento diário até o aventureiro do final de semana que quer pedalar off-road. São três versões disponíveis para compra, variando entre US$ 999 a US$ 1.999.

Para acessar a campanha no Indiegogo revistabicicleta.com.br/rb/e0w

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TUDO EM UMA



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FOTOS: © DIVULGAÇÃO / GREGOR JANAS

GRAN FONDO NEW YORK CHEGA AO BRASIL

O Gran Fondo New York – GFNY, que é sucesso em várias metrópoles do mundo, será realizado pela primeira vez no Brasil. Conservatória, distrito de Valença, município do sul fluminense, receberá o evento no dia 6 de agosto, trazido pelas mãos de quatro “ciclistas” empreendedoras. Na primeira edição brasileira, são esperados cerca de mil atletas, divididos em 12 categorias. Além da prova, quem prestigiar o evento terá a chance de desfrutar de um calendário extenso de atividades, com música, gastronomia e turismo, iniciação para crianças, feira de exposição e palestras. As organizadoras tiveram interesse em fazer uma de suas etapas de 2017 no Brasil, já que o país sempre teve muitos participantes em suas provas ao redor do mundo. Em 2016, na principal prova do Gran Fondo, realizada em Nova Iorque, mais de 700 brasileiros competiram, o segundo maior contingente na corrida, depois dos Estados Unidos. O QUE É O GFNY O GFNY é um desafio de resistência pessoal, onde os ciclistas competem contra outros atletas, o relógio e si mesmo. Aberto para amadores e profissionais, o evento traz o conceito “Be a pro for a day” e simula um verdadeiro Grand Fondo Italiano: largada em massa, controle de tempo por chip, sinalização ao longo do percurso, resultados baseados nos tempos gerais, medalha aos participantes, troféus e camisas para os campeões gerais masculino e feminino, além do pódio por faixa etária. Há duas opções de percurso: 80 km ou 160 km. O GFNY é, hoje, a competição que reúne o maior número de ciclistas de nacionalidades diferentes. Em 2016, a prova de Nova Iorque contou com atletas de 93 países. Depois dos Estados Unidos, o Brasil foi o país com o maior número de inscritos, 702, o que representa 14,5% dos participantes. A média de idade dos competidores é de 41 anos e, proporcionalmente, é a prova que mais reúne o público feminino (19%).

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MIRANDA XMOD

O PRIMEIRO PEDIVELA TOTALMENTE CONFIGURÁVEL DO MUNDO O fabricante de acessórios para bicicletas Miranda Bike Parts, de Portugal, anunciou recentemente um revolucionário sistema de pedivela que permite infinitas configurações. Todos os seus componentes (coroas, aranha, eixo e braços) são intercambiáveis e podem ser modulados à preferência do ciclista. O pedivela é um acessório que possui inúmeras variações de instalação, variando padrões de eixo, pontos de fixação das coroas e aranha, e diferentes comprimentos dos braços. Muitos pedivelas de fabricantes distintos são incompatíveis entre si. Por isso, o pedivela batizado de Miranda Xmond é tão inovador. O ciclista pode escolher separadamente o tipo de eixo compatível com o quadro de sua bike, optar pelo comprimento do braço que mais se adeque ao seu bike fit, e escolher o tipo de aranha que se adeque às coroas que serão utilizadas. Pesa apenas 590 g em algumas de suas configurações. O eixo e as coroas são de titânio, e a aranha em fibra de carbono, o que garantem a rigidez estrutural e uma ótima relação resistência/peso. Compatível com coroas de 28 a 44 dentes, e com suporte para as principais configurações de sistemas de transmissão, a previsão é de que a novidade chegue ao mercado em setembro.

Para entender melhor, assista ao vídeo de apresentação do Miranda Xmod revistabicicleta.com.br/rb/e0x



ROLÊ © DIVULGAÇÃO

O QUE ACONTECE COM NOSSA CICLOFAIXA? No dia 19 de março, em mais um passeio promovido pelo pessoal do Go Ciclo, em Goiânia, os ciclistas flagraram inúmeras irregularidades na ciclofaixa percorrida. Veja o relato abaixo: “Percorremos a ciclofaixa (ciclorrota) que liga os parques Areião e Vaca Brava (Setores Bueno e Marista), e olha só o que encontramos pelo caminho. Primeiro, nos deparamos com uma caçamba na Alameda Cel. Eugênio Jardim, interrompendo totalmente a via para os ciclistas, levando todos a desviarem. Depois, encontramos carros estacionados por todo o trajeto, inclusive em volta do Parque Vaca Brava – apenas haviam sido multados. Na T-12, encontramos um carro parado na esquina de uma rótula. Na T-37, mais carros parados, num local onde, logo após, uma placa indicava que ali é proibido estacionar. E na esquina da T-36 com a T-60, uma cena inusitada. Cones reservando o lugar na ciclofaixa, que por sinal são da Secretaria Municipal de Transportes, que deviam ajudar na segurança do ciclista na ciclofaixa. Pode uma coisa dessas? Cadê a fiscalização? Cadê a SMT? Lembrando que isso vem ocorrendo há semanas, temos fotos de vários passeios do Go Ciclo com situações semelhantes”. #porciclofaixadeverdade #ciclofaixagoiania #gociclo

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PARA APRENDER A PEDALAR A ONG Transporte Ativo publicou o guia “Aprender a andar de bicicleta”, com orientações para quem está dando as primeiras pedaladas, e dicas para os adultos que querem ensinar as crianças. O texto original é de Diane Cunnings, do Biking Expert, em inglês, que foi cedido ao pessoal do Transporte Ativo para tradução e adaptação. A primeira parte do guia é destinada às crianças, e a segunda parte é dedicada a aprender a pedalar já na fase adulta.

Acesse o conteúdo em revistabicicleta.com.br/rb/e0y

ESTREIAS NO CANAL OFF

O Canal OFF terá, em abril, uma leva de estreias com programas inéditos e novas temporadas. Dentre eles, dois especiais para o público do MTB:

FAMÍLIAS AO AR LIVRE 1ª temporada – estreia 25/4 – 15 episódios Com 15 episódios produzidos pela Cinemauro, o OFF estreia a série Famílias ao Ar Livre, que registra o dia a dia de famílias anônimas que reforçam seus laços com a prática de diferentes modalidades esportivas. Em uma abordagem sensível e imersiva na rotina das famílias, o programa contempla modalidades como surfe, mountain bike, escalada e canoagem, passando por Maresias, Ilhabela, Rio de Janeiro, Brasília, Niterói, e outras cidades do país.

BRASIL DE BIKE 1ª temporada – estreia 26/4 – 10 episódios As ciclistas profissionais Patricia Loureiro e Barbara Jechow seguem juntas para os melhores lugares do Brasil, dos vales e das serras de Minas a trilhas no litoral sul, para praticarem o que mais amam: o mountain bike.

FOTOS: © CANAL OFF REPRODUÇÃO

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PLAYLIST Fotos Reprodução

NO TRÂNSITO

EU TAMBÉM COMPARTILHO Com o foco de que é preciso saber respeitar e compartilhar espaços, a Prefeitura de Manaus apresenta a campanha “No trânsito eu também compartilho”, para conscientizar a população, especialmente motoristas, sobre o respeito e proteção à vida de todos. A campanha é um compromisso firmado pela prefeitura com representantes de grupos de ciclistas para a melhor mobilidade e acessibilidade nas vias da cidade. Acesse em revistabicicleta.com.br/rb/du7

RECORDE

Assista em revistabicicleta.com.br/rb/du8

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O austríaco Markus “Max” Stöckl, 43 anos, bateu o próprio recorde mundial de velocidade com uma bicicleta de MTB Downhill produzida em série. Em apenas 11 segundos, atingiu 167,6 km/h tendo como cenário o Deserto do Atacama, no Chile, superando o recorde anterior, que ele havia estabelecido em 2011, quando atingiu 164,95 km/h no Vulcão Cerro Negro, na Nicarágua.


PLAYLIST Fotos Reprodução

AVANCINI

NÃO É O QUE EU FAÇO, É QUEM SOU Henrique Avancini, principal nome do MTB brasileiro atual, lançou um documentário em seu canal do youtube sobre sua jornada para os Jogos Olímpicos Rio 2016. No vídeo são retratados diversos momentos importantes, treinamento, competições, lesões e princípios do atleta. Assista em revistabicicleta.com.br/rb/du9

COMO ESCOLHER ENTRE MTB HARDTAIL E FULL SUSPENSION? A Trek publicou um vídeo em que Emily Batty, ciclista profissional da equipe Trek Factory Racing, explica as principais diferenças entre os modelos de MTB Hardtail e Full Suspension, e as vantagens de cada um. Os principais pontos destacados no vídeo são terreno, conforto, objetivos, peso, custo e complexidade. O vídeo tem opção de legenda em português disponível. Assista em revistabicicleta.com.br/rb/dua EDIÇÃO DIGITAL 04 MARÇO - ABRIL 2017

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PARACICLISMO Texto Vinícius Grilo

É CAMPEÃO, SIM! Lauro Chaman sofre frustração no mundial de Los Angeles, mas conquista três medalhas e já projeta o futuro.

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omingo, 05 de março de 2017, 16 h, Velódromo de Carson, Califórnia. Neste momento, não havia nada separando Lauro Chaman da medalha de ouro no Campeonato Mundial de Paraciclismo de Los Angeles. “Nesse momento, passa um filme em nossa cabeça”. Lauro começou a pedalar como a maioria das pessoas, apenas como meio de transporte. Mas logo, por volta dos 12 anos, descobriu que, sobre duas rodas, era possível ir além da escola ou do supermercado. Entretanto, como ciclismo é um esporte que exige certo nível de investimento, foi necessário algum tempo até que seu equipamento pudesse ser considerado “competitivo” e Lauro, então, pudesse começar a treinar e competir em alto rendimento, já por volta de 2004, nos

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campeonatos Paulista e Brasileiro. A primeira grande equipe do atleta, que sempre correu em Araraquara, foi a Memorial Santos, na qual ingressou já em 2010, a convite de Claudio Diegues. Depois de uma ascensão meteórica, em 2015, Lauro representou o Brasil e conquistou duas medalhas de ouro nos jogos Parapan-Americanos de Toronto e em 2016, em terras brasileiras, entre os melhores do mundo, duas medalhas inéditas na história paralímpica do Brasil. “Pra mim foi a realização de um sonho, nunca imaginei ser tão feliz no esporte como fui ali”, relembra. E passou. Passou em primeiro. Fez o Velódromo de Carson parar. Fez o Brasil inteiro vibrar. Era campeão. Campeão Mundial de Paraciclismo de Pista na categoria Scratch. Tinha feito


 Lauro Chorando

© SIMON WILKINSON/SWPIX.COM

 No Mundial de Los Angeles

uma prova perfeita e passou junto com outros dois competidores, com quase uma volta de vantagem para os demais. Lauro Chaman, campeão. Logo depois veio a notícia: No sprint final, Lauro foi penalizado por passar em cima da linha vermelha, mas como apenas três competidores chegaram na última volta, ainda pôde assegurar a medalha de bronze na competição. “Na hora foi um baque muito grande, um sonho que se realizou e em alguns minutos se perdeu. Eu comemorei muito. Durante cinco ou dez minutos eu fui Campeão Mundial. Eu acredito muito em Deus e hoje eu vejo que essa não foi minha hora

de vencer, então, eu vou continuar treinando e me dedicando ao máximo para quando essa hora chegar”. Mesmo com o imprevisto, Lauro trouxe para o Brasil três medalhas em três competições e já projeta o futuro. “Meus próximos objetivos são a Copa do Mundo de Estrada e Contrarrelógio, o Campeonato Mundial de Estrada e Contrarrelógio e, é claro, chegar às Olimpíadas de Tóquio”. Mesmo que o ouro não tenha vindo (ainda), alguém é capaz de dizer que o Lauro não é um campeão? É campeão, sim! 


TECNOLOGIA Texto e Fotos Pietro Battisti Petris

© BONTRAGER DIVULGAÇÃO

Concorda que o tempo é uma coisa incrível? Ele está sempre avançando, não pode ser parado, não volta atrás e passa cada vez mais rápido. Em situações de nervosismo, ansiedade e adrenalina, então... Atletas que o digam, já que o tempo pode consagrá-los campeões ou derrotá-los amargamente. No caso do ciclismo, poucas coisas roubam tanto tempo quanto um pneu furado. Se não bastasse o tempo e incômodo da troca, vem ainda o desafio de enchê-lo o mais rápido possível com uma bombinha de 20 cm. Ou não..

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FOTOS: © DIVULGAÇÃO

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ocê talvez esteja se perguntando que paçocas é CO2. Resumidamente, é um gás, conhecido como dióxido de carbono ou mais comumente como gás carbônico. Apesar do nome curto e da fórmula simples – um átomo de carbono ligado a dois de oxigênio – esse gás é ao mesmo tempo essencial para a vida na terra e uma ameaça a ela. Não confunda com monóxido de carbono (CO), que é ainda mais simples, porém tóxico e letal para seres humanos.

USO DO CO2 O CO2 possui características que o ajudaram a ser escolhido para essa tarefa, como a facilidade de obtê-lo. Nós, seres humanos, liberamos CO2 constantemente, assim como vários animais e plantas por meio dos processos de respiração, além de automóveis e outras máquinas devido aos processos de queima que eles realizam. O CO2 é altamente compressível, e por não ser tóxico, seu vazamento em pequenas quantidades não gera riscos imediatos à saúde humana. No uso ciclístico, o CO2 vem sob pressão dentro de cilindros com versões de 12 g, 16 g, 20 g e 25 g, suficientes para encher diferentes pneus com diferentes pressões. Para colocar o gás no pneu, é necessário ter uma bomba que execute a tarefa. Parece com uma bomba normal, ainda mais pequena, mas que funciona controlando a saída de gás e enviando-o para o pneu. Existem bombas de CO2 que simplesmente abrem o cilindro e despejam todo o conteúdo no pneu e há também bombas que dosam a quantidade de gás inserida no pneu. O procedimento consiste basicamente em rosquear o cilindro de CO2 na bomba, que é acoplada na válvula do pneu. Basta liberar a válvula da bomba por apertar um botão e o pneu é inflado. 

Na verdade a maneira certa de escrever é CO2, mas é necessário buscar esse ‘2’ em uma lista de símbolos, então escrevemos CO2.

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TABELA DE CILINDROS DE CO2 E SUAS CAPACIDADES

CUSTO E PRATICIDADE

MTB ARO 26 MTB 26" x 1.95 - 1 refil de 12g = 1 pneu até 30psi MTB 26" x 1.95 - 1 refil de 16g = 1 pneu até 40psi MTB 26" x 1.95 - 1 refil de 20g = 2 pneus até 24psi MTB 26" x 1.95 - 1 refil de 25g = 2 pneus até 30psi

CICLISMO DE ESTRADA Speed/Road 700 x 23c - 1 refil de 12g = 1 pneu até 90psi Speed/Road 700 x 23c - 1 refil de 16g = 1 pneu até 130psi Speed/Road 700 x 23c - 1 refil de 20g = 2 pneus até 78psi Speed/Road 700 x 23c - 1 refil de 25g = 2 pneus até 90psi Speed/Touring 700 x 28c - 1 refil de 12g = 1 pneu até 62psi Speed/Touring 700 x 28c - 1 refil de 16g = 1 pneu até 88psi Speed/Touring 700 x 28c - 1 refil de 20g = 1 pneu1 até 106psi Speed/Touring 700 x 28c - 1 refil de 25g = 1 pneu1 até 125psi

MTB ARO 29” MTB 29" x 2.1 - refil de 12g = 1 pneu até 24psi MTB 29" x 2.1 - refil de 16g = 1 pneu até 31psi MTB 29" x 2.1 - refil de 20g = 1 pneu até 43psi MTB 29" x 2.1 - refil de 25g = 2 pneus até 23psi

HÍBRIDAS Híbrida/Touring 700 x 28c - 3 refis de 12g = 1 pneu até 120psi Híbrida/Touring 700 x 28c - 2 refi2 de 16g = 1 pneu até 115psi Híbrida/Touring 700 x 28c - 1 refil de 20g = 1 pneu1 até 106psi Híbrida/Touring 700 x 28c - 1 refil de 25g = 1 pneu1 até 80psi

É proibido transportar cilindros de CO2 em aviões, pois a diferença de pressão em elevadas altitudes pode fazer os cilindros explodirem.

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O CO2 dos cilindros tem custo, ao contrário do ar das bombas portáteis. E a não ser que não se importe em gastar dinheiro com isso, recomendamos que tenha uma bomba portátil também. É claro que cada caso é um caso. Há ciclistas que furam pneus com pouca frequência, portanto, sempre usam o CO2. Já outros economizam os cartuchos para situações realmente necessárias. Um cilindro de CO2 de 12 g pode ser adquirido com menos de R$ 10,00. Já as bombas começam em R$ 50,00 nos modelos mais básicos e podem custar bem mais que isso em modelos mais sofisticados. Quanto à praticidade, o CO2 faz 10 x 0 sobre a bombinha portátil. Preparar o processo é rápido, e o pneu é inflado instantaneamente!

CUIDADOS Existem sempre aquelas notas de rodapé as quais é bom prestar atenção. No caso do CO2, é bom lembrar que o gás se encontra em elevada pressão dentro do cilindro. Portanto, faça tudo com atenção e conforme as orientações. Se o cilindro falhar em encher ou pneu, não tente fazê-lo funcionar, muito menos apertá-lo ou furá-lo! Descartá-lo é mais seguro. Para se ter uma ideia, as armas de Paintball funcionam com gás CO2. Algumas pistolas de pressão também usam esse gás, e os projetores de dardos tranquilizantes usados para controlar animais perigosos


© ZÉFAL DIVULGAÇÃO

COMO FAZER O procedimento consiste basicamente em rosquear o cilindro de CO2 na bomba, que é acoplada na válvula do pneu. Basta liberar a válvula da bomba por apertar um botão e o pneu é inflado.

VÍDEOS EXPLICATIVOS

youtu.be/ItpqUSuy2nA

youtu.be/TXe62Gqpkyc

youtu.be/qNIFeOZ0EnY

FOTOS VÍDEOS: © REPRODUÇÃO

também utilizam gás CO2. Então, se você não quer um cilindro de CO2 voando a toda por aí, não faça nada além das instruções! É bom lembrar da questão do gás sob pressão ao armazenar e transportar cilindros de CO2. Por exemplo, é proibido transportar cilindros de CO2 em aviões, pois a diferença de pressão em elevadas altitudes pode fazer os cilindros explodirem. Mantenha o cilindro longe do fogo e de temperaturas altas, e armazene em lugar que ele não possa ser esmagado, perfurado, danificado ou algo similar. Um último lembrete: selantes para pneus não se dão bem com CO2. Existem poucas exceções, como o sempre verde Slime, que já se adaptaram a isso. Caso contrário, o CO2 torna o selante ineficaz, mas ainda enche o pneu. Basta tomar alguns cuidados e aproveitar a praticidade! 

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ENTREVISTA

O AMOR NÃO TIRA FÉRIAS! Marcio Duarte da Silva, o Bitrem, 23 anos, é um dos bikers da Carbono Zero Courier, em São Paulo. Ele pedala, em média, 120 km por dia para cumprir as rotas de entrega como bike courier. Nas últimas férias, ele resolveu passear em Fortaleza – e decidiu ir de São Paulo até lá pedalando! Anderson Ricardo Schörner entrevista Márcio Duarte da Silva

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Trabalhar de bicicleta e pedalar nas férias. De onde vem tanta paixão pela bike? Acredito que venha de Deus, pois quando pedalo sinto uma forte presença dele, principalmente quando estou viajando. Qual é a sua rotina média de pedal quando está a serviço na Carbono Zero? Pedalo, em média, 120 km por dia. Falando um pouco sobre essas férias, como surgiu a ideia de pedalar de São Paulo até Fortaleza? Sempre fui apaixonado pela estrada. Já tinha feito esse trajeto de carro anteriormente, mas queria ver se eu era capaz de fazer de bike. E fui! Quantos quilômetros pedalou? Pedalei 3.200 km em 15 dias, o que significa uma média de 210 km por dia. Estava registrando no app, mas ele parou de funcionar. Já havia realizado cicloviagens semelhantes? Não para tão longe. Isso

é uma experiência nova para mim. Mas sempre que tenho uma folga, viajo para Itaguara, em Minas Gerais, para visitar minha filha. É uma viagem de 560 km só de ida, que faço em 36 horas. Também já pedalei até o Rio de Janeiro, uma viagem de 980 km, que fiz em 84 horas (ida e volta). Como foi a experiência dessa viagem até Fortaleza? Foi a maior conexão com Deus que eu já tive! Eu já conhecia o destino, pois tenho parentes em Fortaleza. Houve alguma situação complicada ou algum obstáculo mais difícil de superar? A pior parte foi uma reta na Bahia, de aproximadamente 480 km, sem uma única curva. Essa reta da BR116 começa em Feira de Santana e vai até a divisa da Bahia com Pernambuco. Era um deserto e, quando anoiteceu, não encontrei nenhum posto de gasolina para dormir, então, literalmente, dormi no meio do mato (nem era para  minha mãe saber disso,

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mas agora... risos).

entre ferramentas, roupas e alimentos.

Além do próprio destino, Fortaleza, o que mais destacaria de pontos turísticos no roteiro que percorreu?

Como fez com hospedagem e alimentação?

Ao longo do caminho, parei em vários rios e cachoeiras, porém, o melhor de todos foi, sem dúvida, nadar no Rio São Francisco, o "Velho Chico". Que bicicleta utilizou para a viagem? Usei a bicicleta que ganhei da Carbono Zero, quando fiz um ano de casa. Marca: Tito Modelo: Clift Aro: 29 Relação: 21 machas Bagagem: 2 alforjes de 15 litros aproximadamente; 32 kg de bagagem,

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Sempre descansava nos postos de gasolina, em meu saco de dormir. Quando encontrava um lugar com preço acessível, parava para o almoço. Mas muitos lugares não aceitavam cartão, então, o jeito era comer os biscoitos que comprava quando passava em Atacadões. Para finalizar, uma mensagem ao leitor... Não passe suas férias arrumando a casa. Viaje! De carro, avião ou, melhor ainda, de bicicleta! 



BICICLETA ELÉTRICA Texto e Fotos Therbio Felipe M. Cezar


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temporada foi generosa em Santa Catarina para quem desejava sol e mar em abundância. A quantidade de dias com temperaturas acima dos 30° foi superior às expectativas, o que possibilitou a fruição e a chance de usufruir de tudo de bom que o verão traz consigo. Pedalar, sem dúvida alguma, foi uma das opções de lazer ativo desta época, ainda mais quando a ação aproximava os veranistas dos lugares mais aprazíveis. É sabido que um dos melhores destinos de veraneio dos mares do sul é a Ilha de Florianópolis – SC com suas infinitas sugestões, tanto paisagísticas quanto gastronômicas. A escolha, nesta oportunidade, foi pedalar pelo norte da ilha, recorrendo o bairro em que vivo, Jurerê Tradicional, e as demais localidades do entorno. E por que não fazê-lo com uma bike elétrica? Ainda que seja mountain biker e cicloturista de origem, realizei um dia de pedal na simpática companhia de minha YunBike C1, com resultados bastante interessantes. Aliás, vale aproveitar o ensejo para dizer que mais e mais pessoas estão compreendendo que usar uma bike elétrica não é, em nenhuma hipótese, abrir mão do prazer de pedalar. A fim de otimizar minha carga, coloquei junto ao guidão minha bolsa para câmeras, barrinhas e demais utilidades. Havia milhares de carros buscando espaço para transitar, somados às motos e aos veículos de carga e transporte público, que competiam acirradamente entre si.

Em meio a isto tudo, meu cauteloso pedalar me privilegiou aceder a cenários onde tais veículos não têm acesso. E quando têm, é bastante complicado. A Praia do Forte, por exemplo, só é acessada por automóveis através de uma estreita rua com aclives bastante consideráveis, onde a paciência dos condutores se esgota nos primeiros 50 metros de subida sinuosa e restringida. É uma sensação reconfortadora passar pedalando tranquilamente entre os carros parados esperando sua vez de completar o caminho, vendo a expressão incrédula de condutores e passageiros ao notar aquele pequeno e delicado veículo deixando-os para trás. Não, não se trata de uma questão de ego, mas de inteligência. Ah, nem mesmo as skooters e motinhos tinham a mesma facilidade. A assistência ao pedal proporcionada pelo motor elétrico da C1 contribuiu para cumprir o aclive, porém, pedalar forte era uma exigência bem aceita naquele momento e da qual eu não poderia abrir mão. A Fortaleza de São José da Ponta Grossa espera pelos visitantes no cume do monte e se apresenta como visita obrigatória a quem busca, além das belezas naturais e da vista incrível da ilha da Fortaleza do Anhatomirim, cultura e história do Brasil.  EDIÇÃO DIGITAL 04 MARÇO - ABRIL 2017

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Pausa para uma tapioca e uma água de coco junto ao cartão postal, tendo meu veículo ao lado de minha mesa, são luxos ainda para poucos, que ironia. Ao voltar pelo mesmo caminho, percebi que alguns daqueles veículos e seus condutores infelizes ainda se encontravam no mesmo ponto da subida. Um aceno ligeiro e cara de “pois é, amigo” foram tudo o que consegui dar, porque a descida pedia duas mãos no guidão, freios e olhos atentos. Transitar pelas ruas calmas e extensamente arborizadas do bairro de Jurerê Internacional é um convite ao diletantismo sem pressa, aliás, para quê pressa? Os jardins bem cuidados são um exercício ao olhar minucioso em busca de boas ideias para o lar. Quase no centro do bairro, a ciclovia entre bosques, lagos e mansões é uma opção a mais, também utilizada por praticantes de pedestrianismo e famílias em passeio. Diga-se de passagem, todo bairro deveria ser assim. Não digo pela opulência dos casarões, mas pela oportunidade de ter à disposição lugares públicos de lazer, extremamente bem cuidados, seguros, sinalizados e plurais, com bancos à sombra e inúmeros espaços para, simplesmente, estar, quem sabe até ler um livro ou bater um papo fagueiro, longe do ruído dos veículos e da poluição. O relevo plano nem sequer exigiu a assistência ao pedal e, em muitos momentos, nem me dei conta de que estava em uma bike elétrica. De lá, segui para Canasvieiras, destino de 9 entre 10 turistas argentinos e uruguaios no verão. Passar pelos morros de Canajurê e da Crôa pedalando com a assistência

elétrica foi algo realizado em poucos minutos, com chance de observar a Marina de Jurerê e a Igreja de São Francisco de Paula, patrimônio arquitetônico local. Em Canasvieiras, o tráfego de veículos é bem mais intenso e estacionar também é uma loteria. Mais uma vez, nada impede que eu avance até junto ao mar, me refresque e siga recorrendo o lugar. Chama a atenção pedalar por estes lugares por conta de que faltam estruturas cicloviárias que ampliem o número de ciclistas (usufruindo do lazer ou em deslocamento para o trabalho), uma lástima em espaços tão bonitos. Seria incrível que em tais localidades fossem vistas mais bicicletas compondo e compartilhando as vias. Sem dúvida alguma, este ainda é um atraso e desserviço da gestão pública e uma incongruência da própria comunidade. De Canasvieiras até Cachoeira do Bom Jesus, uma aventura sem graça é pedalar pelo acostamento inexistente da Av. Luiz Boiteux Piazza. Trabalhadores se espremem entre orações e nenhum prazer a fim de cumprir os quilômetros entre este bairro e Canasvieiras ou no sentido contrário, em direção à Ponta das Canas, Lagoinha e Praia Brava. Mais uma vez, locais turísticos que privilegiam, se é que podemos dizer isso, apenas os veículos automotores. Lá, em Ponta das Canas, parei para mirar o oceano e pensar sobre os lugares que criamos. Além disso, sobre as condições que excluímos de nós mesmos e dos demais. Eu, ali, a bordo de meu veículo inteligente, brindado por minhas forças e pela engenharia a estar junto a lugares de  EDIÇÃO DIGITAL 04 MARÇO - ABRIL 2017

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sonho e que aprazem, assim como o ato de pedalar. Olhei o meu celular acima do guidão para ver as horas e ele se mantinha carregado graças ao gadget, abaixo do painel de LCD no guidão, onde se encontra a entrada USB. Hora de tomar um café na Dolce Nero Cafés Especiais (que já foi matéria em edição anterior de nossa revista) e de lá seguir para a Praia dos Ingleses. Após a pausa e o excelente sabor do ouro negro, segui pela estrada da Cachoeira até encontrar a Rodovia SC-403 que leva até o maior bairro do Norte da Ilha, com aproximadamente 60 mil residentes. O mesmo desconforto para pedalar se sente nas “calçadovias” desregulares e nas vezes que se tem que ir à caixa de rolagem para seguir adiante. Junto ao semáforo, a assistência elétrica colaborou para sair à frente dos carros sem muito esforço e acessar a mínima estrutura cicloviária existente para minha breve segurança. Por outro lado, não foi nada difícil acessar à areia da praia tanto na área das Gaivotas quanto no caminho que leva à Praia do Santinho, final de minha pedalada de ida. Deixei a bike na casa de uns amigos franceses que lá vivem a fim de poder dar uma breve caminhada até o sítio arqueológico no costão, junto aos sambaquis, onde se encontram as inscrições rupestres que datam, aproximadamente, de 4 mil anos atrás. Após, parei para olhar e admirar os exímios surfistas que, livres, curtem suas “vias”, seu esporte e estilo de vida.

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"O relevo plano nem sequer exigiu a assistência ao pedal e, em muitos momentos, nem me dei conta de que estava em uma bike elétrica." Voltei ao selim da YunBike C1 e comecei meu regresso à casa, auxiliado pelo farol de led dianteiro e pela lanterna com luzes alternadas na traseira, ambos itens de série neste modelo. Ao final do dia e do pedal que começou às 6 h 30 min e foi até às 18 h 30 min, 69 km pedalados sem precisar recarregar a bateria da YunBike. O prazer e esforço de pedalar pela cidade não foram amputados pela escolha de uma bike eletricamente assistida. Penso que, assim como eu tive que mudar meus conceitos a respeito, ainda carecemos de um outro olhar sobre as bikes elétricas assistidas e as grandes e plurais possibilidades que elas abrem às pessoas, por exemplo, com mobilidade reduzida, que não é o meu caso mas poderia ser. Temos que pensar de forma plural e sair dos nossos esquemas mentais egoístas. O lazer é um direito e deve ser amplamente difundido e realizado. Não importa como ir. Ir é o que importa. Viva a Bicicleta, sempre! 



UNINDO CICLOS Texto Erica Telles e Guilherme Tampieri

BRASIL E SUA PARTICIPAÇÃO NO

FMB6 CIDADE DO MÉXICO

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os próximos dias 19 a 23 de abril, acontece, na Cidade do México, a sexta edição do Fórum Mundial da Bicicleta, também conhecido como FMB6. O evento nasceu em Porto Alegre/ RS, em 2012, como uma forma de debater, refletir e agir em favor da inserção da bicicleta no espaço urbano, depois que um motorista cometeu um atropelamento coletivo, ferindo diversos ciclistas integrantes da Massa Crítica de Porto Alegre. Em 2013, o Fórum também foi na capital gaúcha. Em 2014, em sua terceira edição, o FMB começou a ganhar espaço e foi realizado em Curitiba. A quarta edição foi realizada em Medellín, na Colômbia, e a quinta em Santiago, no Chile. Em sua sexta edição, o Fórum romperá pela primeira vez as fronteiras sul-americanas, simbolizando a crescente representatividade

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internacional deste encontro. O tema escolhido pela organização do FMB6 foi “Ciudades hechas a mano”, ou “Cidades feitas à mão”, como uma forma de mostrar que as cidades que nós imaginamos são feitas com a mesma paixão e dedicação do que é feito à


mão. São cidades mais bem planejadas, construídas, que são pensadas e (re) criadas com cuidado e amor por seus habitantes e por quem nelas passam. Nesta edição, foram inscritos da América do Sul e do Norte e Europa, ao todo, 147 projetos que passaram a compor a programação do evento, de maneira heterogênea, tanto em temáticas, quanto em seus formatos e de quem os apresentará. O Brasil compõe o quadro de programas com aproximadamente 15% dos trabalhos, tendo tido todas as regiões do país contempladas em uma enorme diversidade: políticas públicas, segurança cicloviária, educação, sistema de compartilhamento de bicicletas na periferia, pesquisas, levantamentos e análises de dados sobre estruturas cicloviárias e hábitos, gênero, combate às diversas formas de discriminação e promoção de diversidades sócio-étnico-

raciais, empreendedorismo, intervenções urbanas, redes colaborativas, dentre outros tantos. Boa parte dos trabalhos aprovados são de associadas e associados da UCB, como é o caso do projeto Bota pra Rodar, desenvolvido pela Ameciclo - Associação Metropolitana de Ciclistas do Grande Recife. Esta multiplicidade dos discursos e práticas dos projetos brasileiros denota alguns fatores importantes a serem reconhecidos em sua construção: a extensão geográfica do nosso país e suas dinâmicas específicas retratando as localidades e as respectivas demandas, pulverização das práticas, o intercâmbio de experiências e a validação da participação feminina como proponente em diversos trabalhos (não só exclusivamente sobre o tema gênero), reforçando e reconhecendo o direito de fala das mesmas. Além disso, a multiplicidade destes fatores transmitem de forma positiva, às cidadãs e cidadãos 

 Foto de uma das bicicletas compartilhadas do projeto “Bota para Rodar” nas comunidades Caranguejo Tabaiares, usada pela Iracema, que a retirou pra levar a gurizada à escola. © AMECICLO


de outros países, parte do que tem sido feito pela sociedade civil brasileira no que tange à promoção do uso da bicicleta como modo de transporte e suas diversas e (quase) infinitas conexões. No FMB6, as dezenas de associadas e associados da UCB compartilharão suas experiências e processos vividos em nosso país, na busca por fortalecer e encorajar outras iniciativas da sociedade civil que têm promovido o uso da bicicleta mundo afora

e inspirar outras tantas que ainda estão por vir. Além disso, estaremos, todas nós, abertas para aprendermos muito com nossas companheiras e companheiros do resto do mundo, e em especial da América Latina, sobre o que se tem sido feito em diversas cidades, estados e países para que a bicicleta ganhe cada vez mais espaço em nossas sociedades. 

Esta coluna é mantida pela UCB - União de Ciclistas do Brasil

AGENDA DA CICLOMOBILIDADE

20-23 de abril FMB - 6º Fórum Mundial da Bicicleta - Cidade do México - México 24-28 de abril IV EMDS - Encontro dos Municípios com o Desenvolvimento Sustentável - Brasília/ DF - Frente Nacional de Prefeitos 26-30 de abril: Semana da Bicicleta - Nova Petrópolis/RS - Associação Olhares da Serra



CICLOTURISMO Texto e Fotos Antônio Olinto

Mais que um equipamento que faça o ciclista se sentir seguro, com o espelho retrovisor podemos evitar acidentes ou situações de perigo.

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enho dificuldade de falar sobre equipamentos de segurança. Em nossa moderna sociedade de consumo vejo que o instinto de sobrevivência é estimulado através da “venda de segurança” em forma de equipamentos de proteção cada vez mais sofisticados. Por outro lado, em meu dia a dia converso com as pessoas sempre tentando fazê-las perder o medo das coisas simples que a rigor não são perigosas. Hoje, gostaria de levantar um tópico pouco falado e o qual reputo de suma importância para todos os que utilizam a bicicleta.

Qual é o lado correto de pedalar em uma estrada? O lado esquerdo para poder ver melhor os carros? Errado! O lado correto de pedalar é o direito, como todos os outros veículos, pois via de regra todos utilizam espelho retrovisor.

Segundo o VI item do artigo 105 do Código de Trânsito Brasileiro (ainda em vigor), todas as bicicletas devem ter os seguintes equipamentos: campainha, sinalização noturna dianteira, traseira, lateral e nos pedais, e espelho retrovisor do lado esquerdo.

Com o espelho, podemos acompanhar perfeitamente o comportamento do motorista em sua aproximação. Dá para saber se ele é educado e está cumprindo a lei, reduzindo a velocidade e tomando distância para uma ultrapassagem segura. Se observamos que o motorista está em linha de colisão e é do tipo “serial-killer”, podemos acompanhar a aproxima- 

Estes são os equipamentos de segurança obrigatórios. Agora me diga: quantas das personalidades do mundo ciclístico ou colegas de passeio utilizam espelho retrovisor e simplesmente cumprem a lei?

No fundo, este item simples é que faz a diferença entre o ciclista e o pedestre que, segundo o Código (art. 68, § 3º do C.T.B.), deve caminhar no sentido contrário dos veículos, pois não tem a capacidade de ver o que se passa atrás sem perder a visão do que está acontecendo a sua frente.

Claro, tem sempre um famoso que utiliza... Lembra da contracapa do CD “Vô Imbolá”, de Zeca Baleiro? Acho que esta é a visão geral do uso do espelho retrovisor em nosso país. Você pode achar várias discussões sobre o uso ou não de capacete. Em vários passeios ciclísticos, é obrigatória a utilização de capacete justamente para difundir o uso, mas espelho retrovisor... Vejo que o povo nem comenta, simplesmente ninguém utiliza e pronto. EDIÇÃO DIGITAL 04 MARÇO - ABRIL 2017

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 “Não utilizo, pois ele perde a regulagem facilmente”. Transporte esta resposta para seu automóvel - você retiraria o espelho do carro porque ele perde regulagem?

ção pelo espelho enquanto escolhemos um ponto seguro de fuga, evitando buracos ou desníveis no acostamento.

xado para 30 km/h em áreas residenciais é que puderam chegar ao nível de acidentes próximo de zero.

“Mas Olinto, eu consigo escutar o carro se aproximando”. Sim, mas quando vemos um carro à nossa frente, confundimos o som com o carro que vem atrás de nós e o espelho pode revelar se os motoristas vão ou não respeitar o espaço do ciclista na via. Quem viaja de bicicleta sabe que é comum pedalar muito tempo em uma estrada vazia e de repente vir dois carros de uma só vez em sentidos opostos.

Mais que um equipamento que faça o ciclista se sentir seguro, com o espelho retrovisor podemos evitar acidentes ou situações de perigo.

Gosto de utilizar o exemplo dos carros: cada vez mais eles vêm com equipamentos de proteção como freios ABS e airbags, mas a rigor isto só aumenta a sensação de segurança e o motorista se arrisca mais e mais em altas velocidades. Bastaria andar mais lentamente e nada disto seria necessário. Na Suécia, somente com o limite de velocidade bai-

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Você já viu alguma bicicleta com direção hidráulica? Claro que não, afinal, para virar uma bicicleta é só olhar para o lado, seu corpo se inclina e pronto, a curva está feita. Pois é exatamente o que acontece quando o ciclista vira o rosto para trás, o cerebelo se move e é ele que dá equilíbrio ao corpo puxando a bicicleta para o lado. Vamos analisar um caso prático e corriqueiro, algo que pode acontecer em uma via pública urbana ou rural: o barulho do veículo aumenta junto com a tensão do ciclista que resolve dar uma rápida olhada para trás. Qual lado você vira a cabe-


ça? Para a esquerda, daí a bicicleta vai virar para o mesmo lado, ou seja, de contra ao veículo que não vai lhe dar passagem. O que estava ruim fica pior, pois quando o ciclista volta o olhar para frente se depara com um buraco e tem que escolher onde passar. Toda esta tensão pode não existir com a utilização do espelho, pois não perdemos este lapso de tempo na olhada para trás nem a retilinearidade. Percebemos com antecedência que o motorista não vai desviar, deixando para o ciclista somente poucos centímetros ao lado da calçada, neste caso o melhor é parar a bike evitando o bueiro quebrado à nossa frente. Ao invés das dores de uma queda, sentiremos somente o lamento pela irresponsabilidade e ignorância do motorista. Falando em dor, o que mais me dói em tudo isto é quando penso na causa da não utilização de um espelho retrovisor. Será que é por que é caro? Deve custar mais de R$ 100,00? Comprei até por R$ 1,99. Será que é por que é difícil de achar? Não. Será que é por que ele não é aerodinâmico? Existe espelho até para fixar no capacete ou nos óculos.

entretanto, gostaria que pensasse sobre o tema. Se encontrar uma resposta do tipo “não utilizo, pois ele perde a regulagem facilmente”, transporte esta resposta para seu automóvel: você retiraria o espelho do carro porque ele perde regulagem, ou você coloca outro que funcione? Por favor, seja sincero, são só pensamentos. Se não conseguir responder, experimente utilizar um espelho retrovisor. Caso você esteja com dificuldades de comprar um bom espelho ou o dono da sua bicicletaria está te enrolando para trazer um, vá a uma loja de motos, lá os motociclistas já tomaram esta consciência e não saem sem um bom espelho, que pode ser facilmente adaptado à bike. Mesmo que nunca se depare com situações de risco, verá que ele serve também para evitar torcicolo. Se alguém te tirar o sarro, você pode calmamente explicar todas estas razões, simplesmente ignorá-lo ou ainda dizer bem alto: brega é...! 

O espelho retrovisor mostra muito mais do que você pode imaginar! 

No fundo, acho que não se utiliza simplesmente porque não é moda utilizar, assim como para-lama ou campainha, comuns em qualquer país desenvolvido aonde as pessoas utilizam a bicicleta como transporte. Não gosto de ameaças do tipo “se não utilizar vai sofrer um acidente”, ou do tipo “você é louco se não utiliza”. Acredito que os maus pensamentos trazem reflexos assim como os bons pensamentos, EDIÇÃO DIGITAL 04 MARÇO - ABRIL 2017

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MULHER

SUPERAÇÃO

ATRAVÉS DA BICICLETA 56

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pós uma separação de um casamento de 12 anos, realizei uma mudança de vida radical. Com 37 anos, voltei a estudar, comecei a trabalhar e, não sei por que, comprei uma bicicleta e comecei a utilizá-la como meio de transporte, o que até então eu não fazia. Era uma Caloi Ceci preta, sem marchas, com a qual eu ia e voltava do trabalho. Hoje, esta bicicleta está no Museu da Bicicleta, em Joinville.

© ARQUIVO PESSOAL

Texto Teresa D’Aprile

Em 1990, conheci um ciclista, Arturo Alcorta, e começamos a namorar. Ele me ajudou a conseguir um emprego em uma loja de bicicletas: comecei a gerenciar a Good Bike, na Avenida Cidade Jardim. Foi ele também que me deu uma bicicleta com marchas, ensinou a parte técnica e orientou treinamentos. Eu já estava com 42 anos e senti na pele como é difícil iniciar no ciclismo quando se tem uma idade mais avançada e por ser mulher. Mas não desisti e me apaixonei pela bicicleta. Minhas amigas pediam: “você não tem vergonha? Nós também gostaríamos de pedalar, mas não temos coragem”. Na época, uma mulher com mais idade pedalando gerava preconceito. Hoje ainda gera, mas já foi muito pior. Em 1991, fui com o Arturo para Recife correr uma etapa da Copa Halls. Na época eu tinha uma Caloi Ventura com cinco marchas. Divertimo-nos muito pedalando na areia. Logo depois, o pessoal que trouxe a Specialized para o Brasil, o Dranger Associados, e  EDIÇÃO DIGITAL 04 MARÇO - ABRIL 2017

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Arturo que trabalhava com eles, fizeramme uma proposta: se eu conseguisse completar um InterCity de 50 km, ganharia uma Specialized. Aceitei o desafio. E lá fui eu com uma bicicleta top, mas sem a menor ideia do que seria terra, trilha e 50 km. Na primeira subida eu já empurrei. Fui ao desespero, não chegava nunca. Em um dado momento sentei no chão e comecei a chorar de raiva. Xingava o Arturo e a bicicleta. Pensava: o que estou fazendo aqui? Demorei quase quatro horas para chegar... Quando o carro de apoio chegou e queria me levar, eu disse: “não, irei até o final pedalando, custe o que custar”. Cheguei exausta, recebi um troféu e ganhei a Specialized Rock Hooper que tenho até hoje e que já me acompanhou em várias aventuras. Foi um dos dias mais felizes da minha vida. Eu não parava de sorrir e fiz festa para mim mesma.

mulher acima dos 50 a completar a prova. No final da última volta eu caí, peguei uma tartaruga no asfalto. A ambulância veio mas eu levantei do chão, toda ralada e rasgada, e fui até o final. Recebi a medalha de participação e comecei a chorar de emoção por ter realizado a prova. O pior foi voltar para casa pedalando toda machucada e dolorida. Outro momento interessante foi quando cheguei em Brasília, em 1998; Renata e alguns meninos saíram de São Paulo e pedalaram 1.500 km pela mudança do código de trânsito. Eu fiz dois trechos com eles. Também já realizei algumas cicloviagens que ficaram marcadas pela superação, como a subida da Serra Dona Francisca, e o circuito Vale Europeu, ambos em Santa Catarina.

O GRUPO SAIA NA NOITE

Foi aí que entendi que a gente faz o que quiser, não importa a idade; é só querer. Isto me fez sentir muito mais segura e acreditar em mim mesma, não só na bicicleta, mas na vida. Entendi que o importante é fazer, não importa o tempo que levar. Aprendi a lidar com a insegurança, porque você não tem ideia do que vai ter que enfrentar. Tive várias outras experiências muito legais, mas foi a partir desta que comecei a mudar minha vida e continuei a trilhar o meu caminho.

Renata Falzoni, prima de Arturo, já tinha trazido o Night Bikers para o Brasil, então, resolvi fazer como ela e sair à noite pedalar, só com meninas. Em 1992 formei um grupo de mulheres ciclistas, o Saia na Noite, que coordeno desde então para ajudar as mulheres a entrar neste mundo maravilhoso. Através deste grupo conquistei muitas amizades. Uma noite só para nós é muito bom. Juntas, nós tricotamos, trocamos receitas, falamos sobre filhos, relacionamentos e trabalho. Algumas mulheres trazem as filhas ou filhos também, para incentivar.

Outros fatos marcantes foram quando participei da 9 de Julho, sozinha com autorização do presidente da Federação Paulista de Cislismo. Fui a primeira

Não temos muita regra: se, de repente, passamos em algum lugar onde está acontecendo algo diferente, damos uma paradinha e, ao invés de pedalar 

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BICICLETA, MINHA VIDA Para mim a bicicleta representa: • Liberdade, é uma poderosa ferramenta para trocas de cultura sociais e pessoas para quem a utiliza. • Uma transformação positiva em si mesma. • Uma forma de descobrir o novo. • Uma ferramenta para enfrentar novos desafios. • Prazer. • Força. • Determinação. • O sorriso da conquista.

© LUIZINHO / TRILHA

1992

ARTURO E TERESA COPA HALLS , RECIFE ,1991

BRASÍLIA JANEIRO DE 1998

© CAROL TRIVELATO

© LUIZ FERNANDO CALLANDRIELO

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© MARIA LÚCIA ALBUQUERQUE ROIG

SAIA NA NOITE O objetivo do Grupo Saia na Noite é promover pedaladas femininas visando incentivar um modo de transporte autossustentável e não poluente. Ainda visa fortalecer e estimular mulheres adultas a melhorar sua qualidade de vida física e emocional, além de encontrar autossuficiência e liberdade, tendo como ponto de partida a bicicleta e a troca de experiência com mulheres que a utilizam como meio de transporte, lazer ou esporte. O Grupo de Pedal Saia na Noite foi criado por Teresa e outras mulheres que já pedalavam e sentiam a necessidade de abrir um espaço só para elas. O passeio acontece num ritmo mais lento, com paciência para ensinar as técnicas da pedalada. A filosofia do grupo é de que uma mulher a mais pedalando significa uma transformação positiva em si mesma e com os que ela se relaciona. Através da bicicleta se ganha outra disposição, outro brilho no olhar, saúde, boa forma e felicidade. As saídas são sempre às terças à noite, da Pizzaria Primo Basílico, na Al. Gabriel Monteiro da Silva, em São Paulo. O roteiro de aproximadamente 25 km abrange algumas subidas, mas superadas em um ritmo bem lento, sempre incentivando as novatas e respeitando o ritmo das mais lentas. Mesmo que alguma principiante tenha que empurrar a bicicleta, o grupo vai sempre junto. Uma quinta-feira por mês há passeios diferentes, pedais gastronômicos ou temáticos, como o Saia de Pijama, Saia na Sopa, Saia na Frente. São passeios mais curtos, com 15 km, sem subidas. E um domingo por mês é realizado o Saia Pró, um pedal com cerca de 50 km, geralmente cultural, sem hora para voltar, ou em alguns casos, roda-se as imediações da cidade em um ritmo mais forte, onde participam as mulheres mais preparadas. Em outro domingo por mês, há ainda o Saia Light, com no máximo 15 km, sem subidas, para quem está começando. O grupo conta com uma equipe de mulheres que ajudam na organização. Algumas fazem o fechamento do grupo, outras vão no meio e outras incentivando, todas usando rádio comunicador. O número de ciclistas por passeio é de 35 a 50 mulheres. Em outubro de 2017, o Saia na Noite comemorará Bodas de Prata, 25 anos de história!

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toda a quilometragem programada, paramos para nos divertir. Alguns namorados, maridos e amigos que não pedalam, fazem questão de incentivar as companheiras e esperam na pizzaria por duas horas até voltarmos da pedalada. É muito gratificante poder participar disto. Em resumo, somos terapeutas, estamos sempre prontas para ouvir. Somos livres e temos aventuras para contar. Quando um grupo é formado, surge uma família onde cada um tem suas próprias características, mas juntos, todos formam a identificação do grupo e fazem a diferença. É muito melhor pedalar assim, em grupo. Ninguém vive sozinho, e tenho que agradecer as meninas por estarem juntas comigo. Só eu sei como foi difícil chegar até aqui, principalmente

pelo preconceito com relação à idade, o que hoje já está mudando. Acho que a bicicleta já é uma realidade em todo o Brasil. A tendência é que o número de pessoas que despertam para os benefícios da magrela continue crescendo. O meu trabalho eu estou fazendo. O Saia na Noite já completou 22 anos, e muitas mulheres já passaram e ainda vão passar pelo grupo. Hoje, aos 68 anos, posso dizer que amo o que faço, e além dos passeios, ainda uso a bike como meio de transporte. Bicicleta é integração, inclusão social, novos desafios e, o que é mais legal, conhecer o novo: novas pessoas, novas histórias. Só posso dizer que a bicicleta é a minha vida, e enquanto as pernas aguentarem estarei pedalando. 

MUSEU DA BICICLETA JOINVILLE, SC

© ARTURO ALCORTA

© RACHEL SCHEIN

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ATITUDE

© ILUSTRAÇÃO SOBRE IMAGEM DE EMUEMUEMU / DEPOSITPHOTOS

Texto por Eduardo Sens dos Santos

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EMPRESAS, BICICLETAS E EMPREGADOS DÚVIDAS MAIS FREQUENTES

Você é empresário e quer contribuir para um mundo melhor, incentivando o uso da bicicleta pelos seus funcionários? Falou com amigos a respeito, mas ficou assustado com o risco de ser responsabilizado por algum acidente? Convidei meu amigo de longa data, o procurador do Ministério Público do Trabalho Fabiano Holz Beserra para me ajudar a esclarecer as dúvidas sobre a legislação trabalhista. E contei também com o auditor fiscal da Receita Estadual de Santa Catarina Vicente Vitelmo Freitas nas dúvidas tributárias. Pesquisamos juntos com profundidade legislação e jurisprudência (decisões dos tribunais). Confira e... Vá lá, coloque sua empresa no rol das mais inovadoras você também! 1 Se dou uma bicicleta ao empregado,

para o empregado?

Não. É considerado apenas um abono, um presente, sem natureza salarial, porque não remunera o trabalho e não é constante.

O comodato é uma possibilidade, que pode facilitar na organização contábil, já que não será considerada uma doação. Não há diferença alguma para o Direito do Trabalho. Também não incorpora ao salário, não cria obrigação trabalhista nova, nem tampouco tributária. 

isso incorpora ao salário? Faz nascer alguma obrigação ou direito trabalhista?

2 E se a empresa emprestar a bicicleta

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3 Tenho que recolher algum tributo sobre o valor da bicicleta?

O único imposto a mais que poderia incidir seria o imposto sobre doações. Entretanto, neste caso quem teria que pagar o imposto seria o empregado, e a legislação geralmente isenta a tributação para valores pequenos (em Santa Catarina, abaixo de R$ 2.000,00 não é tributável). Mesmo que a empresa doe uma centena de bicicletas, para fins tributários o valor a ser considerado será o da doação recebida pelo empregado, e não do valor total da doação realizada. Se houver doação, a empresa declarará esta doação à Receita Federal, e o empregado terá que declarar o recebimento da doação e recolher o tributo incidente. Claro que isso só vale para empregados que não sejam isentos do Imposto de Renda. O Imposto de Renda é devido pelo empregado, e não pelo empregador, neste caso. Na maior parte dos estados (SC, PR, RS, RJ, dentre outros), o ICMS sobre bicicletas é recolhido em regime de substituição pelo próprio fabricante. Isso significa que o empresário não terá que recolher ICMS sobre a bicicleta adquirida para doação ao empregado.

deve arquivar este documento por cinco anos na empresa. Do ponto de vista trabalhista e tributário não muda nada. O valor máximo a ser descontado é de 30% do salário. Em caso de desligamento, o empregado passa a ser responsável por continuar pagando o financiamento.

5 E se o empregado se machucar no caminho da casa para o trabalho, de bicicleta?

A regra é a mesma para o caso de acidente com moto, carro, ônibus, ou seja, é considerado acidente de trabalho, qualquer que seja o veículo. Logo, aplicam-se as regras sobre auxíliodoença e a estabilidade acidentária de 12 meses, qualquer que seja o veículo. Não há agravante algum no fato de o empregado estar de bicicleta.

6 Como fica o vale-transporte?

Posso financiar a bicicleta com o valetransporte? O vale-transporte só é devido em caso de uso de transporte público. O empregado que vem de bicicleta não tem direito ao vale-transporte. Isso não impede o empregador de fornecer o valetransporte, se assim quiser.

4 E se eu financiar para o empregado?

Sem convenção coletiva (veja mais no item 7), não é correto utilizar o valetransporte para pagar a bicicleta.

Sim, desde que previsto em convenção coletiva de trabalho e previamente autorizado pelo empregado.

Mas, no fim das contas, para o empregador, dá no mesmo: a empresa fornece a bicicleta e o empregado deixa de usar transporte público; a empresa ganha, porque fica exonerada do valetransporte; o empregado também, porque se livra do trânsito e ganha em qualidade de vida.

Pensei em pagar à vista para ele e descontar na folha de pagamento. Pode?

Se o financiamento for realizado com instituição financeira, não é necessária a convenção. Basta que haja prévia autorização pelo empregado. A empresa

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7 O tempo que o empregado levar

interessados, há alguma consequência?

Só se o local do trabalho for considerado local de "difícil acesso ou não servido por transporte público". Na prática, se o empregado for de bicicleta, é improvável ser caso de pagamento do tempo de deslocamento (a chamada jornada in itinere).

Geralmente não. A jurisprudência trabalhista entende que só há necessidade de pagamento de diferença salarial quando forem determinadas tarefas estranhas à função para a qual foi admitido e que requeiram "maior conhecimento, responsabilidade ou habilitação específica", o que não é o caso do bike-anjo.

8 O que pode ser previsto a respeito

10 Se a bicicleta for furtada do

Temos notícia de pelo menos duas recentes convenções coletivas de trabalho que, atentas à responsabilidade socioambiental da empresa, estipularam a manutenção do vale-transporte ou o pagamento de gratificação mensal como incentivo para o uso de bicicleta. Numa delas, de janeiro de 2015, está previsto o fornecimento da bicicleta, pagamento ao empregado de R$ 50 mensais a título de manutenção da bicicleta, e direito à doação da bicicleta após um ano de uso. Para estes empregados não é devido vale-transporte e também não é realizado o desconto de 6% do salário.

As mesmas no caso de furto de qualquer outro tipo de veículo. A empresa tem que indenizar se o furto ocorrer em estacionamento posto à disposição do empregado. Outra vantagem da bicicleta aqui: é melhor indenizar uma bicicleta de R$ 1.500 do que um carro de R$ 25.000. Se for construir um bicicletário, utilize o guia técnico da Transporte Ativo.

no trajeto casa-trabalho deve ser descontado da jornada?

na convenção ou acordo coletivo de trabalho?

As convenções são importante instrumento de legitimação dos pactos realizados entre empregados e empregadores. Trazem mais segurança para todos os envolvidos. Mas as convenções podem ser discutidas em juízo e a gratificação pode ser considerada "salário" para fins trabalhistas. Como o tema é muito recente, não houve decisão nos tribunais a respeito ainda.

9 Se eu destacar um funcionário para ser monitor ou bike-anjo dos demais

pátio da empresa, quais as minhas responsabilidades?

Acesse o guia técnico da Transporte Ativo em revistabicicleta.com.br/rb/ bicicletarios-diagramas-para-construcao

11 Alguém pode me processar por isso?

Não! Ou melhor: é altamente improvável que isso ocorra. Pense no seguinte: estimulando o uso de bicicletas, você apenas muda o modo como o empregado vem para o trabalho, nada mais. Se ele se machucar de carro, de moto, a pé, avião, helicóptero ou... numa bicicleta que você ajudou a comprar, não faz diferença alguma para o direito trabalhista. Pelo contrário. O mais provável é que sua empresa seja vista como um exemplo de vanguarda e inovação. Parabéns!  EDIÇÃO DIGITAL 04 MARÇO - ABRIL 2017

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CICLOTURISMO / CAPA Texto e Fotos Fernando Angeoletto - fernando@caminhosdosertao.com.br

VALE DAS CERVEJAS SANTA CATARINA Pedalando e bebendo na fonte das Cervejas Artesanais Brasileiras.

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N

ão são somente paisagens maravilhosas e cachoeiras incríveis que nascem da miríade de águas dos afluentes do Rio Itajaí, na região do Vale Europeu Catarinense. Se considerarmos a porção de águas cristalinas que desviam do seu curso, agregam-se ao mosto cozido com cevada e lúpulo e fermentado pela obra das leveduras, transformando-se assim nas desejadas cervejas artesanais, teremos então uma mescla de atrativos naturais e culturais sem igual em qualquer outra região brasileira. Blumenau, erigida às margens do Rio Itajaí, é a cidade polo de toda esta região. Podemos estranhar, portanto, o fato da Capital Nacional da Cerveja (título conquistado recentemente, em março de 2017) não fazer parte do famoso circui-

to de cicloturismo, embora entusiastas cicloviajantes e membros da mais forte associação ciclística local tenham participado ativamente da criação das rotas. Um motivo plausível é a dificuldade para criar caminhos seguros dentre a complexidade urbanística do município, sobretudo em seu flanco norte, onde a presença da BR-470 é ainda um fator agravante. Se isto pesa como um obstáculo à maior presença de cicloviajantes, há de se considerar outro potencial que ressoa forte no coração de qualquer pedaleiro: o surgimento, há pouco mais de um ano, da rota turística Vale da Cerveja, criada para reforçar a identidade pioneira que a região ostenta pela grande concentração de cervejarias artesanais de alto nível. Mais do que responder a uma demanda crescente no mercado nacional, a legiti-  EDIÇÃO DIGITAL 04 MARÇO - ABRIL 2017

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midade do produto turístico é atestada pela própria história da ocupação do território, visível tanto no Museu da Cerveja, no centro de Blumenau, quanto no centro cultural na antiga Cervejaria Feldmann, na Vila Itoupava, apenas para citar dois exemplos emblemáticos. Para transformar o Vale da Cerveja em um destino cicloturístico, valemo-nos da experiência já bem consolidada no Vale dos Vinhedos, na Serra Gaúcha, cuja roteirização de nossa autoria hoje incorpo-

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ra-se à economia local com operadores próprios e grande presença de visitantes pedaleiros de todo o país. Trata-se do conceito de “roteiro margarida”, onde adotamos um ponto central de hospedagem e os roteiros diários acontecem em seu entorno, com a logística facilitada por traslados quando necessário. Desta maneira, nossa base no Vale da Cerveja é uma bela e confortável pousada em Blumenau, localizada num ponto tranquilo e ao mesmo tempo próximo da variedade de atrativos que fazem a fama


do destino. O retorno das visitas e degustações à pousada é sempre feito de van, priorizando o conforto e a segurança dos participantes.

presentante do estilo inglês, quanto da

A pedalada começa bem onde convergem todas as águas da região (ou melhor, somente aquelas que não transformaram-se nas maravilhosas cervejas) – o leito do rio Itajaí Açu, nas imediações do município de Ilhota. De curva em curva, vamos nos aproximando da Capital Nacional da Cerveja – mas antes passando pela área rural de Gaspar, uma das bucólicas cidadezinhas que integram o Vale. O grand finale do primeiro dia é a Das Bier, que além de uma ampla variedade de rótulos inova por estar situada numa enorme chácara, com belos lagos e um paisagismo impecável.

experimentamos os ares da parte mais

O segundo dia inicia na mais alemã de todas as cidades brasileiras, Pomerode, de onde pedalamos no rumo da Vila Itoupava - cenário tanto da Container, uma moderna cervejaria com pub re-

Bierland, tradicional cervejaria alemã cujo estilo Viena é um dos mais respeitados do mundo. Já no último dos três dias, preservada da região. A pedalada começa nas imediações do Parque Nacional do Itajaí, na localidade da Nova Rússia. Pelos bairros mais tranquilos da parte sul, entramos em Blumenau tendo como metas a passagem pelo Museu da Cerveja e a conclusão do roteiro na Vila Germânica. No local-sede dos mais famosos eventos da região, como a Oktoberfest e o Festival Brasileiro da Cerveja, celebramos a profusão de obras primas líquidas e gastronômicas do destino: ali, há bares e restaurantes para todos os gostos. A saída inaugural para o Vale da Cerveja acontece na Páscoa (14 a 16/04). Em breve, novas datas estarão no calendário. Tim tim, saúde, Prosit!  EDIÇÃO DIGITAL 04 MARÇO - ABRIL 2017

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CICLOTURISMO

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De Paris a Londres Pedalando da Catedral de Notre-Dame à Catedral de Westminster Texto e Fotos Vera Marques

Viajar de Paris a Londres de carro, de trem ou de ônibus é possível, apesar de a Inglaterra e a França serem separadas por um oceano. Mas você já pensou em ir de bicicleta? Sim, também é possível. 

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Avenue Verte ou Greenway, inaugurada em 2012, deixou Paris e Londres ainda mais próximas. Da capital francesa a Dieppe, pedalei 246 km ao longo do Vale Epte, depois pelas margens arborizadas do Rio Sena, onde Monet pintou seus lírios, e em seguida pedalei pelo Vale Oise, onde a rica paisagem serviu de fonte de inspiração para muitos dos impressionistas, como Daumier, Pissarro, Cézanne e Van Gogh. Em Dieppe, uma balsa – que para mim mais parecia um navio - me levou por quatro horas pelo Canal da Mancha até chegarmos à primeira cidade da Inglaterra, Newhaven; de lá segui 160 km pelas rotas 2, 21 e 20 da National Cycle Network até chegar a Londres. O caminho passa por bosques e seguem os antigos trilhos ferroviários que existiam na região, além de várias cidades. No total, foram 406 km e oito dias de pedal.

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Fiz a viagem sozinha, por não ter arrumado companhia na data escolhida para viajar, e porque não foi possível conciliar o roteiro desejado com as companhias disponíveis. Enfim viajar sozinha não seria problema para mim. Cerquei-me de alguns cuidados e planejei metodicamente minha viajem. Eu sou daquelas que ainda prefere os mapas impressos, então, a primeira coisa que fiz foi comprar os mapas guias disponíveis no site (www. sustrans.org.uk) com bastante antecedência, permitindo que eu os estudasse muito antes de iniciar a viagem. Com isso é possível prever situações e criar um plano B, caso necessário. Outra decisão importante foi levar a minha bike equipada com um bagageiro e um par de alforjes. Hoje é possível em qualquer companhia aérea levá-la sem grandes burocracias (não tive nenhum custo para isso). Quanto à mecânica, aprendi o funcionamento básico de uma bicicleta: regular os freios, trocar pneus, montar as rodas na bicicleta e ajus-

tes simples. Com um pequeno kit de ferramentas é possível fazer a maior parte dos consertos necessários numa viagem. Sei montar guidão, pedal, colocar as rodas, dar uma acertada nas marchas. Eu também tenho noção de primeiros socorros, então, organizei um pequeno kit com tudo que é necessário para uma cicloviagem. Com isso tudo, e o roteiro definido, segui para Paris onde iniciaria o percurso entre as duas capitais mais famosas da Europa. Em Paris, explorei a cidade antes de seguir viagem, mas não sem previamente ter conhecimento sobre o território e o trânsito da cidade: onde virar, quando seguir, onde parar, quais placas são para o ciclista, como os motoristas e motociclistas se comportam, quais as regras etc. Saber quais sinalizações são dedicadas aos ciclistas é um bom instrumento para se pedalar com mais segurança. Na França, é permitido a carros e motos fazerem cruzamentos que nós não vemos nas cidades do Brasil. Ficar atento é importante!


 Saida da Catedral de Notre-Dame

Não tive problemas e consegui chegar a todos os pontos turísticos da cidade pedalando! Descobrir a cidade de bicicleta me fez ter uma perspectiva única e apaixonante por Paris.

Descobrir a cidade de bicicleta me fez ter uma perspectiva unica e apaixonante por Paris

Minha viagem foi planejada em sete etapas, mas devido a atrasos na programação cumpri em oito dias:

1º DIA Paris / Saint-Denis / Nanterre / Le Pecq / Conflans-Sainte-Honorine

Minha viagem começa no coração histórico de Paris, em l'île de la Cité, em frente à Catedral de Notre-Dame. A catedral é impressionante, com sua nave de tirar o fôlego, seus vitrais magníficos e suas gárgulas fantásticas. Mas sair de uma grande cidade pedalando não é tão fácil e exige muita concentração. A sinalização da Avenue Verte na França é uma seta verde com uma bicicleta dentro de um quadro verde, ela é muito similar com as placas de sinalização dos pontos turísticos. Por isso é importante estar atento. Logo que saí da catedral segui em direção à Rue Saint-Denis, uma das ruas

mais antigas de Paris. Sua rota foi colocada pela primeira vez no século I pelos romanos, e depois estendida para o norte, na Idade Média. A rua foi um dos centros da Rebelião de Junho de 1832, imortalizada no romance Os Miseráveis, de Victor Hugo, e que é referido no livro como o "Épico da Rue Saint-Denis". Dali segui margeando o Canal Saint-Denis até chegar à cidade que leva o mesmo nome, "a cidade de reis mortos e pessoas vivas", segundo o poeta Jean Marcenac. Saint-Denis é um livro de história viva, com o seu símbolo mais importante, a Basílica, construída em honra a Saint-Denis, o primeiro bispo de Paris, decapitado em 280 d.C. Considera- 

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de 1998 e da Eurocopa desse ano.

da uma das mais bonitas igrejas da França, a basílica impressiona pela sua arquitetura medieval e pela riqueza das criptas. O local foi usado como mausoléu dos reis da França. O lugar também é famoso pelo moderno Stade de France, estádio que foi palco do Jogo de Abertura e Final da Copa do Mundo

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Explorei um pouco a cidade e no momento de seguir pedalando tive dificuldade de encontrar as sinalizações que me colocariam de volta na rota. Perguntei a várias pessoas e informações desencontradas fizeram com que eu me distanciasse mais e mais do meu objetivo. Muitos não entendiam o que uma mulher sozinha em uma bike carregada estava fazendo ali e me diziam “vá de

trem”; outros quando viam meus mapas diziam: “não, você não pode andar de bike nessa estrada”. Eu já estava ficando confusa e me dei conta de o quanto os locais não conheciam o roteiro “Avenue Verte”. De repente passa por mim um ciclista – o primeiro que havia visto no percurso até então. Ele me perguntou se precisava de ajuda, foi o meu “anjo” do dia. Ele não só me ajudou a sair de Saint-Denis como me contou que em vários trechos até Nanterre haviam reformas e com


Um site bastante explorado por mim antes da viagem foi avenuevertelondonparis.co.uk

alguns desvios, então, ele me acompanhou até o trecho onde eu não teria mais possibilidade de erro. Ele me contou que trabalha em uma organização sem fins lucrativos em vários projetos relacionados à bike - Atelier Vélorution Bastille (velorution.org). Com tudo que aconteceu, houve atraso na minha programação e comecei a me preocupar com o tempo; por isso, decidi não entrar na cidade de Nanterre e segui em direção a Le

Pecq. A viagem continuou ao longo do Rio Sena, com uma atmosfera impressionista óbvia. Depois de atravessar o rio em Maisons-Laffite e atravessar a parte norte da floresta de Saint-Germain, cheguei às 20 h 30 min em Conflans-Sainte-Honorine. Não foi um dia fácil, não pela qualidade do percurso, mas pelas vezes em que fiquei confusa com as sinalizações. O pedal desse trecho normalmente é feito em 48 km, eu percorri 91 km. Claro que eu

entrei em todos os lugares possíveis, o que aumenta a quilometragem, mas me perdi e me encontrei várias vezes. Estava cansada e não queria errar o endereço do B&B onde me hospedaria, então, liguei para confirmar o endereço. O casal proprietário foi simpático e pediu para ficar onde estava e esperar por eles.

2º DIA Conflans-Sainte-Honorine / Vigny / Villarceaux / Giverny

A partir de Conflans-Sainte-Honorine segui pedalando às margens do Rio Oise durante um trecho, seguindo depois por pequenas estradas através da região de Vexin Français, uma grande área verde com vários vilarejos muito pequenos e lindos, que parecem ter saído de um conto de fadas ou 

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dos séculos passados. Passei por Vigny e Villarceaux rapidamente, meu objetivo era chegar a Giverny em tempo de explorar o lugar onde Claude Monet viveu e produziu parte de sua obra. Cheguei e fui direto para a casa onde ele morou por 43 anos, de 1883 a 1926. Além de pintar, Monet era apaixonado por jardinagem, e ali concebeu um grande jardim de flores e um impressionante jardim aquático. São lindos! Caminhando entre eles é impossível imaginar que da morte do pintor, no final do século XIX, até os anos 1970 ele ficou abandonado e se transformou em um pântano. Só após a morte do último filho do artista, em 1970, a Academia de Belas Artes, herdeira desta propriedade de Monet, entregou a dois grandes jardineiros o delicado trabalho de restauração de Giverny. Eles tiveram por objetivo principal reconstruir o jardim que Monet teve diante dos seus olhos enquanto pintava. Para isso se basearam nas telas do mestre, nas fotos e nos textos da época. Fiquei tanto tempo por ali que resolvi me hospedar na pequena cidade.

3º DIA Giverny / Verdon / Bray –et – Lû / Gisors / Gournay-en-Bray

Saindo de Giverny, decidi visitar Verdon. São apenas 7 km e uma ciclovia de muito verde e paisagens belas, sem contar que a cidade é um charme. Verdon pertence à Normandia, região que já presenciou diversas reviravoltas históricas. A mais notável aconteceu quando suas praias foram palco do sangrento desembarque das tropas aliadas, aquele que marcou o início da derrota dos nazistas na Segunda Guerra, em junho de 1944.

Em Verton visitei os principais pontos turísticos, como o Antigo Moinho, que fica ao lado do Rio Sena. Nos anos de 1940 e 1944, o Moinho foi bombardeado durante a Segunda Guerra, mas a prefeitura o restaurou para que não caísse no rio. Atualmente, ele é o símbolo da cidade. No meio da região da Normandia pedalei através do Pays de Bray, chamado de boutonnière (casa do botão) por se tratar de uma abertura de vales verdes e suaves em meio às planícies, casas de fazenda e florestas. De Verdon até Gournay-en- Bray, destino planejado para essa etapa, foram 54 km de paisagens rurais, plantações de maçãs e de campos apinhados por vaquinhas normandas.

4º DIA Gournay-en- Bray / Forges-les-

Eaux

Esse foi o trecho mais curto da viagem, com apenas 33 km até Forges-les-Eaux. Foi uma viagem tranquila e o cenário se repetiu ao longo do percurso. Forges-les-Eaux tornou-se desde o século XVI, graças a suas fontes, um famoso spa. A chegada de Louis XIII e toda a corte real no século XVII fez da pequena vila um destino famoso para a realeza francesa e europeia.

5º DIA Forges-les-Eaux / Neufchatel-

-en-Bray / Mesnières-en-Bray / Arques-la-Bataille/ Dieppe De Forges-les-Eaux pedalei por uma ciclovia que me levou direto ao mar, passando por fazendas que abastecem os mercados normandos e franceses com seus excelentes produtos. Parei em Neufchatel-en-Bray, famosa pelos laticínios 

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produzidos lá. O segredo parece estar no leite da espécie de vacas trazidas pelos vikings no século IX, que se diferenciam pelas manchas ao redor dos olhos, que lembram óculos. Tem até uma estátua enorme da vaquinha na entrada da cidade. Ao longo da segunda metade da rota, a paisagem é tingida de azul através do estuário de Arques, com castelos e antigas cavernas de areia que se tornaram refúgios de pássaros. Logo cheguei a Dieppe, o mais importante balneário francês e favorito de muitos pintores impressionistas. Foi emocionante chegar até ali pedalando. Fiquei um tempo sentada na praia de pedras olhando o mar, até que um senhor se aproximou e disse: “pois é, a Inglaterra está logo ali”. Foi difícil não lembrar de todos aqueles que se lançaram às águas do Canal da Mancha para atravessá-lo a nado. Ali parada pensei em Renata Agondi, primeira brasileira a morrer durante a travessia em 1988, na época então com 25 anos. E ali estava eu, uma mulher de 58 anos sozinha que saiu de Paris com sua bicicleta carregada tentando chegar no solo britânico. Pedalei pela praia até chegar ao centro da cidade. Parei em um dos bares do Porto, pedi o prato típico do lugar (mariscos) e fiquei observando o vai e vem dos barcos e das pessoas.

6º DIA Dieppe / Newhaven / Polegate

/ Heathfield

Na manhã seguinte segui para o Porto onde embarcaria em um ferry para a Inglaterra. Já havia comprado o ticket pelo site www.dfdsseaways.co.uk quando pro-

gramei a viagem. Isso é importante pois o número de bicicletas é limitado. De 01º de maio a 30 de setembro há três partidas – (12 h 30 min, 18 h e 23 h 49 min), no restante do ano apenas duas. O ticket custou 28 libras. Eu escolhi o das 12 h 30 min. Colocar a minha bike no ferry, ir para a proa e fazer toda a travessia (4 horas) olhando para o mar foi indescritível. Depois de cruzar o Canal cheguei a Newhaven e fiquei na dúvida se seguia ou pernoitava ali. Havia chovido e já eram 16 h, apesar da distância programada de 44 km, não queria pedalar com chuva ou no escuro. Havia vários ciclistas no ferry, então, perguntei se alguém seguiria pelo mesmo percurso que eu, mas não, todos estavam indo para a praia (Brighton), o lado oposto. Vendo minha preocupação, um senhor me tranquilizou e disse: “não se preocupe com a chuva, você está na Inglaterra, aqui é possível ter em um só dia as quatro estações do ano”. Realmente, não demorou muito o dia estava lindo e logo depois encontrei um casal de espanhóis que estavam no mesmo trecho que eu. Pedalamos por um tempo juntos, mas logo eles se distanciaram. Segui pedalando ao longo do Vale do Cuckoo com destino a Heathfield. Quase chegando à cidade o tempo mudou e nuvens negras começaram a surgir. A chuva veio e o dia escureceu rapidamente. Estava com os mapas e o endereço do hotel, mas o problema é que nas cidades do interior da Inglaterra não há placas com o nome das ruas e nem número das casas (as casas têm nomes e as ruas números), além disso, estava em uma rua que me possibilitava três escolhas e em todas as esquinas havia  EDIÇÃO DIGITAL 04 MARÇO - ABRIL 2017

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sinalizações da National Cycle Network (nesse trecho da Avenue-Verte as placas mudam). Confusa, parei e fiquei ali - no escuro, chovendo, nenhum lugar aberto, ninguém nas ruas. Já estava resignada, a minha ideia era procurar uma igreja ou a polícia, quando do nada surge um garoto de aproximadamente 13 anos e me pergunta se preciso de ajuda. Eu nem acreditava. Mostrei a ele meu mapa e o endereço do B&B onde me hospedaria, ele me disse que não sabia, mas que eu poderia acompanhá-lo até sua casa para verificarmos no computador (meu celular estava sem sinal). Fomos ate lá e sua mãe me recebeu, e diante do meu estado me colocou para dentro, me ofereceu toalhas, insistiu para que eu jantasse e só permitiu que eu fosse quando a chuva parou. Foi demais! Ela tem dois filhos, o que me ajudou e outro, que tocou piano enquanto conversávamos. Fiquei sabendo que seu esposo é imigrante e viaja a trabalho. Ficamos um tempo conversando sobre o plebiscito que havia ocorrido, decidindo que a Inglaterra saísse da União Europeia. Ela falou sobre sua angústia e incerteza com relação ao futuro dos filhos e de sua vida. Saí dali com uma sensação muito boa, a de ser ajudada e a ter ajudado (ouvindo). Outra descoberta fantástica foi saber que o sonho do garoto que me ajudou é percorrer a rota que eu estava fazendo no sentido contrário (Londres a Paris). Combinei com a família que se o dia continuasse chuvoso ficaria mais um dia e retornaria para visitá-los. Mas o dia amanheceu lindo (essa é a Inglaterra), então, decidi seguir. Voltei na casa

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da família para me despedir, mas não os encontrei, então, deixei para o garoto um dos meus guias (é, eu tinha os dois: Paris/Londres e o Londres/Paris). Descobri naquele momento a razão de ter os dois... Um era para deixar para o garoto. Com o tempo lindo segui pedalando em direção a Crawley.

7º DIA Heathfield / Groombridge / East Grinstead / Crawley

Sai de Heathfield e segui pedalando ao longo da Worth Way, uma trilha pelos bosques que foi construída onde existia uma antiga linha ferroviária que ligava East Grinstead e Three Bridgesate. No caminho, passei por Groombridge Place. Mais uma vez, devo à gentileza dos moradores locais o fato de eu ter encontrado o local. Pedalei por um lindo caminho verde e deserto até chegar ao meu destino. O local serviu de locação para a residência da família Bennet, do filme ”Orgulho e Preconceito”. De Groombridge segui para Crawley através de uma rota belíssima, a Forest Way, plana com muitas árvores e pássaros. Foram quase 20 km pedalados em meio à floresta e o único som que eu ouvia era dos pássaros. Mágico! Deixando a Forest Way, pedalei mais 12 km e cheguei a Crawley, uma cidade dos subúrbios de Londres, localizada próximo ao segundo maior aeroporto do Reino Unido, Gatwick. Já me sentia quase em Londres. Em Crawley me hospedei em uma antiga casa de fazenda do século XVI. A propriedade funciona como uma casa de


hóspedes e tem mobília tradicional, vigas de carvalho, lareiras de granito, pisos inclinados e paredes tortas. Deitada em minha cama em um pequeno quarto, pensava em como teria sida as pessoas que ali viveram séculos atrás.

8º DIA Crawley /Coulsdon / Wimble-

don / Morden / Londres

Chegar até Londres não foi tão fácil como parecia, eu estava hospedada próxima a um grande aeroporto, o trânsito por ali era pesado, tive que pedalar um trecho no acostamento e foi bem

tenso. Mas logo retomei à rota e cheguei a Coulsdon. Ali as sinalizações desaparecem ou ficam confusas. Então, fiz o que mais gosto, que é pedir ajuda, a melhor forma de interagir com os locais. Procurei por uma loja de bike acreditando que lá as pessoas pudessem conhecer bem a rota. Acertei! O mecânico da loja sabia e comentou que realmente a sinalização 


Avenue Verte, por France Vélo Tourisme vimeo.com/43836605

A viagem de Vera Marques, em vídeo e fotos youtu.be/2hSu_rRWti8

por ali é precária. Ele começou a explicar, mas acredito que ele percebeu que eram muitas informações para eu guardar, então, o rapaz (atencioso e gentil) deixou o trabalho e me acompanhou até me colocar na rota. Estava no subúrbio de Londres e em cada trecho o movimento aumentava: muitas cidades, pessoas e carros. Para quem estava a oito dias pedalando em florestas e pequeninas cidades, foi um choque. As sinalizações ficavam cada vez mais confusas e as pessoas me encaminhavam para lugares que não faziam sentido com os meus mapas. Mas segui pedalando e o caminho me levou a Morden. Visitei um parque lindo lá, mas

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eu tinha programado conhecer Wimbledon, que tinha ficado para trás, então, voltei uns oito quilômetros. Considerando o estresse do percurso e uma conversa que tive com uma moradora local me desencorajando de seguir de bike por causa do trânsito caótico, decidi seguir os últimos 14 km de trem. Também não foi fácil, pois o acesso nas estações de trem é, na grande maioria, por longas escadas e nem todo trem permite entrar com a bike montada e carregada. Normalmente nas plataformas ficam pessoas orientando e eu tive que esperar pela autorização dela. Enfim entrei em um trem não tão cheio e o trajeto foi curto, 15 min depois estava na estação Victoria Station, uma das maiores estações de trem de Londres. Foi caótico ter que subir as escadas carregando a bicicleta. A diferença entre grandes metrópoles e as cidades pequenas ficou nítida ali na estação, ninguém me ajudou a subir as escadas. Mas eu estava feliz, estava em Londres! Agora era só seguir em direção à Catedral de Westminster, minha meta. Andei ao redor da estação e encontrei uma loja de bike onde pedi informações a respeito do percurso. O garoto da loja foi atencioso e me deu um mapa da cidade e suas ciclovias maravilhosas. Dali em diante não teve erro, segui por ciclovia até chegar à Catedral Westminster. Finalmente atingi meu objetivo. Foi fantástico! 



© RASTUDIO / DEPOSITPHOTOS

SAÚDE

CICLISMO OBESIDADE Texto Carlos Menezes

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Q

ue a obesidade vem se tornando uma epidemia mundial, não é novidade para ninguém. No Brasil, o IBGE pesquisou no período de 2008 a 2009 e detectou que a obesidade atinge 12,4% dos homens e 16,9% das mulheres com mais de 20 anos, 4,0% dos homens e 5,9% das mulheres entre 10 e 19 anos, 16,6% dos meninos e 11,8% das meninas entre cinco e nove anos. Entre os anos de 1989 e 1997 a obesidade aumentou de 11% para 15% e se manteve razoavelmente estável desde então, sendo maior no sudeste do país e menor no nordeste. O fato se agrava mais quando levamos em consideração aquelas pessoas que estão encaminhando para a obesidade. Na mesma pesquisa foi observado que 32% dos homens e 34,8% das mulheres com mais de 20 anos, 21,7% dos homens e 19,4% das mulheres entre 10 e 19 anos, 50,1% dos meninos e 48,0% das meninas entre cinco e nove anos apresentam sobrepeso. Se por um lado o aumento do poder aquisitivo do brasileiro colaborou para o aumento dessas estatísticas, uma vez que as pessoas passaram a ter mais acesso a alimentos supérfluos ricos em calorias, compra de veículos automotores e eletrodomésticos que facilitam a vida cotidiana, por outro lado esse mesmo aumento do poder aquisitivo tem feito com que mais pessoas se preocupem com a qualidade de vida, buscando praticar exercícios

para a manutenção da saúde. Dentre esses exercícios, a prática esportiva do ciclismo vem despertando o interesse de muitas pessoas como opção de queimar as calorias em excesso, consequentemente perdendo peso. Não é raro ouvirmos depoimentos de pessoas que modificaram completamente sua constituição corporal em função da mudança de hábitos alimentares e esportivos. Para a perda de peso o ciclismo passa a ser uma boa escolha, que junto com o controle da dieta alimentar, culmina em uma excelente perda de peso e fortalecimento muscular. Embora seja comum vermos grupos de ciclistas magérrimos, por outro lado, não é raro nos depararmos com um grupo de ciclistas obesos ou com sobrepeso. É preciso deixar claro que o ciclismo por si só não faz milagres. Perder peso é regra matemática, é preciso gastar mais calorias do que ingerir, para emagrecer. Dessa forma, não basta comprar uma bicicleta, levantar às cinco horas da manhã no domingo, colocar a bike no carro, dirigir até o posto de gasolina na saída da cidade, estacionar o carro, sair pedalando e depois de andar 100 km pelas trilhas e estradas, sentar no restaurante do posto de gasolina com a turma e “bater aquele rodízio” regado a muita cerveja e sobremesas calóricas. Diria que a palavra-chave para a perda de 


 Representação da porcentagem de obesos do sexo masculino e feminino em diferentes faixas etárias

 Representação da porcentagem de pessoas do sexo masculino e feminino com sobrepeso em diferentes faixas etárias

peso com a bicicleta é essencialmente a disciplina. O organismo se adapta ao peso acima do normal e, ao tentar emagrecer, o corpo entende como uma anormalidade e “boicota” a falta de ingestão de calorias levando-o a sofrer do tão famoso efeito sanfona. Por isso é preciso estabelecer algumas regras de rotina como ter dias/horários definidos para pedalar, fazer as refeições nas horas certas, evitar alimentos com alto teor de gordura e/ou calorias. Assim, antes mesmo de comprar a bike, é preciso definir algumas coisas:

QUANTAS VEZES POR SEMANA VOU PEDALAR 88

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Quando se estabelece uma rotina de treinos, com o tempo o seu organismo se adapta à prática esportiva e quando furar a planilha de treinos, seu corpo sentirá falta dos hormônios liberados durante o esporte, despertando em você a vontade de sair para pedalar. Uma sugestão é pedalar três vezes por semana.

QUANTOS QUILÔMETROS PEDALAR A CADA DIA No início, a preocupação deve ser somente em sair de casa para pedalar, cumprindo a frequência de treinos previamente estabelecida. Pedale 5 km em, no máximo, uma hora (essa é a mesma


velocidade com que você caminha). Aos poucos perceberá que estará percorrendo distâncias bem maiores no mesmo tempo. Dois dias da semana percorra distâncias menores e no final de semana percorra de 75% a 100% do que pedalou durante a semana de uma única vez. Exemplo: se você pedala 20 km na terça e 20 km na quinta, pedale entre 30 e 40 km no sábado ou domingo.

ONDE PEDALAR Escolha locais

planos e evite pegar subidas. Outra boa opção é pedalar em ritmo de passeio pelas ruas do bairro ou vá até a escola dos seus filhos, até o seu trabalho, etc. Você vai descobrir um outro olhar pela cidade.

COM QUEM PEDALAR Nada de

iniciar o pedal querendo acompanhar grupos de ciclismo ou trilha. Essas pessoas já pedalam há meses e acontecerá de duas uma: ou eles vão te deixar para trás e você vai se sentir frustrado, fraco e incapaz de pedalar, ou eles ficarão parando para esperálo e você se sentirá um empecilho para o grupo, ambos os pensamentos colaborarão para que você desista de praticar o ciclismo.

Comece pedalando com alguém que também está começando. Mas precisa ser alguém motivado, que o estimule a pedalar. Se for alguém que você tenha

que ficar insistindo, melhor pedalar sozinho.

DO QUE VOU ABRIR MÃO NO MEU DIA A DIA PARA ENCONTRAR TEMPO DE PEDALAR? Se você parar agora para pensar, vai perceber que não tem como inserir uma hora de ciclismo duas vezes por semana e duas horas no final de semana para pedalar. Então, elenque suas prioridades e veja o que é menos importante que possa ser substituído pela bici. Lembre-se de que tudo na vida é questão de prioridade, então, não espere enfartar para tornar o “perder peso” uma prioridade.

COMO DEVO CONCILIAR MINHA ALIMENTAÇÃO? A

alimentação é tão importante quanto a prática esportiva e é importante não estabelecer restrições radicais, pois você não conseguirá se adaptar. É fundamental que procure um nutricionista esportivo para que direcione sua dieta, ajustando seu paladar a alimentos saudáveis ao longo dos anos.

ACOMPANHAMENTO PROFISSIONAL Faça a coisa certa.

Procure um médico e faça os exames mínimos necessários para conhecer como está sua saúde no momento. De posse desses resultados, procure um treinador para orientá-lo nos treinos e  EDIÇÃO DIGITAL 04 MARÇO - ABRIL 2017

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BENEFÍCIOS DA BICICLETA

cobrar que siga a dieta nutricional e que cumpra os treinos ajustando carga e volume de acordo com sua evolução. Nunca encare isso como um gasto, pois todo o dinheiro investido será economizado em planos de saúde e consultas médicas no final da sua vida. Somente depois de ter respondido a todas essas perguntas é que você deve partir para a etapa de comprar uma bike, pois assim você conseguirá conversar com o seu fitter e com o vendedor da loja. Explicando o seu uso e necessidade, será indicada a bicicleta ideal para o início da prática esportiva. A bike que vai comprar nesse momento não é para o resto da vida. À medida que seu condicionamento físico e constituição corporal forem modificando, você vai querer e vai precisar de melhores equipamentos e deverá obrigatoriamente investir em bikes melhores. Para a compra da bike, leve algumas coisas em consideração: Não compre bikes em supermercados ou lojas de departamento. Quando escolher

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sua bike, opte por lojas especializadas. Nada contra os supermercados e lojas de departamento, mas a diferença é que nas lojas do ramo você contará com um leque maior de opções de marcas, modelos e valores, sem falar no conhecimento dos funcionários da loja para ajudá- lo na compra. Leve com você um amigo que já pedala e que conhece nomes e modelos das diferentes marcas para ajudá-lo a resolver as dúvidas.

DICAS IMPORTANTES  Antes de comprar a bicicleta, faça um bike fit para descobrir o tamanho correto do quadro e componentes. Depois de comprar a bike volte para colocá-la no ajuste ideal para poder pedalar com conforto e eficiência evitando lesões.  Opte por bicicletas do tipo Mountain Bike, pois oferecem um posicionamento mais confortável para pedalar dentro da cidade, uma vez que a inclinação do tronco ao solo é maior.


 Escolha um selim mais largo, forrado com gel.  Utilize um posicionamento com a maior abertura de quadril e tronco ao solo possível (consulte um fitter para isso).  Utilize suspensões eficientes e que nas especificações do fabricante descreva indicação para o seu peso atual.  No início, evite bicicletas com suspensão traseira, ao menos que tenha sido prescrita pelo fitter.  Se for pedalar apenas no asfalto, coloque pneus lisos e equipe a bicicleta com pneus de, no mínimo, 2.0 tanto para terra quanto asfalto.  Quanto maior seu peso, maior será a aceleração na descida, portanto, escolha freios eficientes e de marcas conhecidas.  Escolha uma boa relação de marchas com 27 a 30 marchas e com cassete de 36 dentes. Assim, mesmo que esteja em baixa velocidade, mantenha-se pedalando. Para fechar o assunto, lembre-se de que você não engordou da noite para o dia. Esse foi um processo lento e contínuo ao longo dos anos, portanto, não procure milagres. Coloque um objetivo para os próximos anos e não se arrependerá do resultado. 


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NAS LENTES

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A TEMPORADA PERFEITA DE

RACHEL ATHERTON 

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Ela conseguiu o inimaginável. Rachel Atherton, britânica que em 2016 passou a defender a Trek Factory Racing Downhill, venceu todas as etapas da Copa do Mundo UCI e Campeonato Mundial de Downhill do ano passado. É algo realmente impressionante, pois o Donwhill é um esporte com tomada de decisões imediatas e, muitas vezes, as vitórias se

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dão por milissegundos. 


Para vencer em uma pista, o atleta precisa estar em sua melhor forma, executar cada linha de forma perfeita, estar com a bicicleta impecável, ter a concentração em um nível alto... Enfim, são inúmeras variáveis que precisam estar alinhadas. Por isso, vitórias consecutivas neste esporte são notáveis e de certo modo raras. Não para Rachel. Ela venceu as últimas 15 provas que disputou – e provas de peso internacional, disputando contra as melhores do mundo! 

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Este feito nunca havia sido alcançado no Downhill, nem feminino nem masculino, e sua temporada perfeita lhe rendeu o prêmio Laureus 2016 de personalidade de esportes de ação do mundo. Ela superou nomes como o campeão mundial de surf John Florence e o skatista brasileiro Pedro Barros. Sobre o prêmio, Rachel declarou: “quando soube que ganhei este prêmio, fiquei totalmente chocada. Ter uma atleta de MTB Downhill reconhecida desta forma é grandioso não apenas para mim, mas para o esporte. Este prêmio marca o final perfeito para a temporada perfeita”. 




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