Revista Cásper #15

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´ CASPER 15 Maio de 2015

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AQUI E AGORA

O tempo pulsante da arte de Marina Abramovic`

DIREITO À MORADIA O primeiro usucapião coletivo do Brasil

LUIZ LARA

Os caminhos da publicidade no país

SP EM CENA

A empresa pública SP Cine no setor audiovisual



´ CASPER ISSN 2446-4910

FUNDAÇÃO CÁSPER LÍBERO PRESIDENTE Paulo Camarda SUPERINTENDENTE GERAL Sérgio Felipe dos Santos

FACULDADE CÁSPER LÍBERO DIRETOR Carlos Costa VICE-DIRETOR Roberto Chiachiri Filho

REVISTA CÁSPER NÚCLEO EDITORIAL DE REVISTAS COORDENADORA DE ENSINO DE JORNALISMO Helena Jacob EDITORA-CHEFE Bianca Santana EDITOR João Gabriel Hidalgo CONSELHO EDITORIAL Bianca Santana, Dimas Künsch, Helena Jacob, Marcelo Rodrigues, Roberto Chiachiri Filho, Roberto D’Ugo, Sergio Andreucci, Sônia Breitenwieser e Walter Freoa REPORTAGEM Débora Stevaux, João Gabriel Hidalgo, Mariana Gonzalez, Naiara Albuquerque, Nathalia Gorga, Nathalie Provoste EDITORES DE ARTE E FOTOGRAFIA André Valente e Nathalie Provoste PROJETO GRÁFICO Pedro Camargo DIAGRAMAÇÃO Débora Stevaux e Carolina Mikalauskas COLABORADORES Casa Redonda, Cilene Victor, David Dias, Felipe Garcia, Flávia Mantovani, Grupo EmpreZa, Hares Pascoal, Heloísa D’Angelo, Jonne Roriz, Laura Gallotti, Leandro Beguoci, Luciana Brito Galeria, Luís Mauro Sá Martino, Maikon K, Marcio de Moraes, Marco Rolla, Regina Cintra, Sofia Carvalhosa Comunicação, Thaís Helena Reis, Yuri Alexandre, Yuri Andreoli NÚCLEO EDITORIAL DE REVISTAS Avenida Paulista, 900 – 5º andar 01310-940 – São Paulo – SP (11) 3170-5874 revistacasper@casperlibero.edu.br

UMA

HISTÓRIA PARA CONTAR

A

Cásper chega com esse número 15 a seu sexto ano de vida. Cartão de visitas da Faculdade, ela trata de temas da comunicação e da cultura desde a criação, em 2010. Produzida por alunos do curso de Jornalismo, orientados por um professor, estiveram à frente das 14 edições anteriores aprendizes hoje brilhando no mercado, como Aline Magalhães e Danilo Braga, Thiago Tanji e Renan Goulart, Mariana Oliveira, Gabriela Sá Pessoa, Leandro Saioneti, Petrus Lee, Amanda Massuela, Rafaela Malvezi, Mariana Marinho, Júlia Barbon, Ana Beatriz Rosa, entre outros. Deixaram marca na revista os professores Gilberto Maringoni, Ricardo Muniz, Sergio Vilas-Boas. Também fui editor e contribuí com entrevistas como a de Alberto Manguel ou Sonia Bridi. Este número, editado pela professora Bianca Santana e os alunos João Gabriel Hidalgo, Nathalie Provoste e André Valente, segue essa direção. A capa traz a performer Marina Abramović, perfilada pela repórter Débora Stevaux, num trabalho de fôlego. A entrevista com Luiz Lara, da Lew’Lara/TBWA (de campanhas de impacto, como Friboi, Nissan), é o ponto alto. “A publicidade não é uma indústria de commodities, ela está alicerçada na força das ideias e dos talentos”, afirma Lara, palestrante da aula magna do curso de Publicidade e Propaganda — aula de saborosas histórias de sucesso. História de sucesso é a dos moradores do Edifício União, no bairro do Bom Retiro, em São Paulo, primeiros a vencer um processo de usucapião coletivo no Brasil. Ou as narrativas de feminismo e poder, como as da reportagem “Elas no comando”, sobre a complexa relação entre mulheres e cargos de direção no país. Maior evento mundial de tecnologia, a Campus Party é mostrada como a usina de tendências e de inovações de nosso tempo. (E em sua chegada ao Brasil ela passou pelos corredores da Cásper.) Você lerá ainda sobre a recente edição do Lollapalooza e outros festivais de música. E o breve relato da viagem de Cilene Victor, diretora de nosso Centro Interdisciplinar de Pesquisa (CIP) a Sendai, no Japão, representando a Cásper Líbero na Conferência Mundial da ONU sobre a Redução do Risco de Desastres. Boa leitura!

casperlibero.edu.br/a-casper-libero/revista-casper

CAPA © Luciana Brito Galeria CC

BY

Se não houver um © explicitado, você pode copiar, adaptar e distribuir os conteúdos desta revista, desde que atribua créditos

Centro Interdisciplinar de Pesquisa

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CARLOS COSTA Diretor

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SUMÁRIO 06

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EM ABERTO

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São paulo em cena

O debate acerca do exercício da profissão de Relações Públicas

A empresa pública SP Cine foi criada para aumentar a produção audiovisual paulista

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MERCADO DE IDEIAS

Luiz Lara, chairman da Lew’Lara/TBWA, fala sobre o modelo e os desafios da publicidade no Brasil

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ORGULHO E RESISTÊNCIA

A vida no Edifício União, primeira ocupação a conquistar o usucapião coletivo no país

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AQUI e AGORA

` trouxe A “avó da performance”, Marina Abramovic, sua megaexposição para o Sesc Pompéia

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ELAS NO COMANDO

Os desafios das mulheres para exercer cargos de poder na comunicação

40 ENCONTRO DE REDE A cobertura da última Campus Party, o maior evento de tecnologia do mundo


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SINCRONIA DAS MULTIDÕES

Mídia, história e festivais de música: diversidade de contextos e culturas

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UMA MOEDA AUTÔNOMA

A ideologia presente na utilização dos bitcoins e sua influência na economia

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resenha casperianas ENSAIO

HISTÓRIAS AMAZÔNICAS

O fotógrafo Jonne Roriz mostra a exuberância e os conflitos da maior floresta tropical do planeta

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mercado

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aberto O processo de flexibilização de Relações Públicas pode ser entendido por meio de fatos históricos e análise atual do mercado

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Texto por Nathalia Gorga Design e ilustração por André Valente

á um grande debate sobre a abertura da área de Relações Públicas, que atinge também profissionais de outras categorias. Para compreender o que esse cenário representa de fato, é necessário analisá-lo no âmbito legal e saber como diferentes atuantes, ou não, da profissão, se posicionam a respeito. O Conselho Federal de Profissionais de Relações Públicas (CONFERP) tem duas propostas: a primeira seria alterar a Lei nº 5.377, promulgada em 11 de setembro de 1967, que disciplina a profissão por sua privatização (restrição) e especificação de suas atividades. A segunda é a Resolução

Normativa 043/02, que tem a finalidade de legalizar a atuação dos tecnólogos e pós-graduados em RP na área. Andréia Athaydes, presidente do CONFERP, explica que o processo de abertura da profissão já vem acontecendo há mais de duas décadas: “Cada vez que se propõe uma revisão na lei em função de como o mercado de trabalho tem se comportado, alguns segmentos da categoria acabam se mobilizando e dizendo que isso é uma afronta, que não pode acontecer. O Conselho vem trabalhando nisso há mais de vinte anos, quando houve um movimento de desregulamentação da profissão no final dos anos 1980, início dos anos 1990, momento no qual foi instalado o que nós conhecemos como Parlamento Nacional das Relações Públicas”.

O Parlamento Nacional de Relações Públicas, criado pelo CONFERP em 1997 com o objetivo de modernizar a atividade adequando-a às exigências dos novos tempos, nasceu em um contexto histórico no qual a profissão passava por uma crise de identidade. Na década de 70, os cursos de comunicação e administração se espalharam por todo o território brasileiro e muitos desses profissionais, além de contribuírem para a criação de pequenos escritórios e agências, foram para as assessorias de comunicação das organizações. O livro História das Relações Públicas: fragmentos da memória de uma área, organizado por Cláudia Peixoto de Moura, aborda esse momento: “Os RPs que acreditavam que a regulamentação lhes garantiria a empregabilidade, Maio de 2015 | CÁSPER

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© LUIZ CARLOS LEON MUNHOZ

A presidente do CONFERP, Andréia Athaydes, enxerga a flexibilização como fruto de um processo histórico

viram o seu sonho desaparecer diante de um empresário que desconhecia as atividades e vantagens de Relações Públicas e estava encantado pela rapidez de resultados financeiros prometidos pelo Marketing Total, Marketing Estratégico, Endomarketing, Marketing de Guerrilha, entre outros”. O CONFERP não conseguiu mais garantir a fiscalização da profissão e, ainda hoje, as marcas dessa abertura permanecem — talvez até mais profundas. Ronaldo Fernandes Canedo, presidente do Sindicato dos Profissionais Liberais de Relações Públicas no Estado de São Paulo (SINPRORP), fala com pesar sobre essas cicatrizes: “Nos últimos dez anos, não conseguimos assegurar as atividades de Relações Públicas, que constam na Lei, nem fazer com que a fiscalização fosse mais atuante”. Conformado, Canedo diz que “do jeito que está hoje a profissão está desaparecendo do mercado”. 8

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Embora o meio de trabalho tenha sido determinante para a abertura da área, há outro fator de influência: a falta de participação política dos relações públicas. Sidinéia Gomes Freitas, presidente do CONRERP 2ª região, é veemente ao falar sobre a pouca representatividade dos conselhos: “Será que seria conveniente perguntar se esse pessoal quer ou não conselho? Porque, da maneira como os conselhos vêm se empenhando nesses anos todos, nós vemos alguns com cinquenta ou cem registrados, é brincadeira!”. Ela ainda compara com o Conselho Regional de Contabilidade de São Paulo, que têm 142.228 profissionais inscritos.

Questão de opinião

Mesmo a discussão sobre flexibilização sendo atual e levando a categoria a uma polarização de opiniões, há quem não veja necessidade de falar sobre o tema, pois, na prática, a abertura já acontece.

“Apresentar uma bandeira de flexibilização como se fosse novidade hoje é o que eu chamo de factoide, porque o mercado já flexibilizou o dia-a-dia e, dificilmente, as questões ligadas à falta de oportunidade de trabalho são específicas de RP”, afirma Paulo Nassar, diretor presidente da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (ABERJE). Ele complementa sua opinião falando sobre as possibilidades de, hoje, ver muitos profissionais de Relações Públicas tendo ótimas chances, inclusive em cargos de alta gerência e de comunicação e, assim, eles não só convivem com o ambiente de flexibilização, como também o promovem. Já André Freire, secretário geral do Sindicato de Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, diz que o processo de abertura não só é uma questão que precisa ser discutida, como também é um aborrecimento. Freire acredita que a flexibilização de RP em relação aos


A profissão de Relações Públicas deve ser exercida por pessoas com outra formação?

NÃO

SIM

As profissões de comunicação são diferentes e, por isso, uma não deve interferir na outra. Desvalorização do curso de Relações Públicas, pelo fato de os profissionais se apresentarem com diplomas de outras áreas.

profissionais formados em Jornalismo seja um erro: “Nós temos que combater isso tendo consciência e exigir que nós pratiquemos nossa profissão, não devemos exercer a dos outros e nem deixar que outros pratiquem a nossa. Não podemos ser RP em uma empresa nem um Relações Públicas pode ser jornalista. Os papéis são diferentes, são fundamentalmente distintos”. Quando mais jovem, Vanessa Silva, atual conselheira da tesouraria e responsável pela parte de comunicação do CONRERP 2ª região, tinha uma opinião semelhante à de Freire, mas, hoje em dia, ela mudou: “Depois que entrei no Conselho vejo que, na verdade, [a flexibilização de RP] está se tornando um tanto quanto inevitável. No momento sou favorável à valorização da atividade muito mais do que a nossa própria formação. Talvez seja um caminho estratégico para mostrar nosso valor ao mercado”.

Graduados de outras áreas querem atuar em RP. A flexibilização já acontece por meio do mercado e o profissional já se adaptou a ela, conseguindo uma boa posição. Uma possibilidade de valorizar a profissão — mais do que a formação.

O coordenador do curso de Relações Públicas da Faculdade Cásper Líbero, Sergio Andreucci, também opina: “Eu sou a favor da flexibilização por alguns motivos: primeiro porque o mercado brasileiro, de alguns anos para cá, já vem adotando uma política de comunicação integrada, não dividindo muito os muros entre Jornalismo, Propaganda e RP, principalmente na atividade corporativa e na assessoria de imprensa. Há muito tempo nós já compartilhamos com os nossos colegas jornalistas essas atividades e eu não vejo nenhum problema nisso. Sou do velho jargão: ‘quem tem competência se estabelece’”. Andreucci entende que a comunicação não pode ser fragmentada, e que permeá-la por todos os meios e saber de tudo um pouco é importante para o comunicador. Assim como Vanessa, o coordenador também defende a valorização da atividade por meio da flexibilização:

“Na pós-graduação de RP da Cásper Líbero, em uma sala de quarenta alunos eu tenho trinta e três jornalistas. Ou seja, esse profissional está interessado na atividade, isso é muito bom, pois mostra a valorização da área e, além disso, atende à demanda do mercado”. Para ele, a regulamentação e o registro profissional não são necessariamente garantias de emprego: “Quem dita as regras é o mercado”. Nessa variedade de posições, é fundamental ter consciência de que o processo de abertura já está acontecendo e, portanto, adaptar-se a ele é necessário para sobreviver dentro do mercado. No cotidiano, não restam dúvidas sobre a importância de uma formação atualizada, independentemente de quem possa ou não atuar na área. Assim sendo, compreender o que está em jogo na flexibilização em diálogos abertos e aprofundados, é essencial para levar a categoria a um consenso. Maio de 2015 | CÁSPER

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entrevista

MERCADO de

IDEIAS Tecnologias digitais, autorregulamentação e o negócio publicitário brasileiro, segundo Luiz Lara

Texto por João Gabriel Hidalgo Design por Nathalie Provoste e André Valente

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hairman e CEO da Lew’Lara/TBWA, Luiz Lara é um dos maiores nomes da publicidade brasileira. No último 11 de março, compartilhou suas experiências na aula magna de Publicidade e Propaganda da Faculdade Cásper Líbero. No dia seguinte, recebeu nossos repórteres em sua sala envidraçada, bem em frente ao ambiente colorido e sem divisórias da agência que lidera ao lado do publicitário Jacques Lewkowicz. Seguidor da filosofia disruption, criada por Jean-Marie Dru, chairman mundial da TBWA, Lara alia uma combinação de visão estratégica com criatividade. Nesta entrevista, discorre, dentre outros temas, sobre campanhas importantes em sua trajetória e de sua agência, a atual situação do mercado publicitário e a ética na profissão. Como você se tornou um executivo na área? Foi depois da minha experiência na Embratur, onde o João

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Dória foi presidente. Ele era responsável pela promoção do Brasil como destino turístico no exterior e pela ativação do turismo interno e eu tive o privilégio de acompanhá-lo durante um ano e meio como gestor de marketing. Foi uma experiência muito rica. Em 1987, a Embratur era sediada no Rio, mas queria voltar para São Paulo e aí eu ingressei na agência Almap, à convite do Alex Periscinoto e do José Alcântara Machado. Eles cometeram a ousadia de me dar 3% das ações e eu me tornei sócio de uma unidade de ativação e promoções de lá, a Almap Promoções. Fizemos uma série de iniciativas de campanhas promocionais, como o Torneio Kibon de Natação, a Copa Danone de Futebol, algumas ativações para a Volkswagen, como a venda do último Fusca: “Esse Fusca vale ouro”. Foram dois anos muito positivos até quando eu quis evoluir para não ter só uma agência que atuasse na área de ativação promocional, mas também em publicidade, em propaganda. E aí o João Dória já havia deixado a Embratur, retornado à iniciativa privada e junto com ele e o Stalimir Viera, um brilhante


ANDRÉ VALENTE

redator, nós criamos a Dória, Lara & Stalimir. Fizemos uma série de campanhas, como a Aruba, com a premiada “Aruba é do Caribe”, que reverberaram muito bem. Na época, era possível ter uma agência pequena para média no Brasil muito criativa. Mas eu queria crescer. Fui apresentado ao Lew, o Jacques Lewkowicz, e em setembro de 1992 nasceu a Lew’Lara. Queria que você comentasse sobre a disposição arquitetônica aqui na agência. Influencia no trabalho? É uma estrutura desierarquizada. É importante que a gente tenha um ambiente de trabalho absolutamente informal e integrado. Acredito que funciona e acho que o modelo brasileiro de agências de publicidade tem um diferencial grande de ter a mídia dentro do escritório, é outra dinâmica de trabalho. Só de ter debaixo do mesmo teto profissionais de atendimento, planejamento, criação, mídia, produção, finanças, digital, todos juntos, integrados, faz com que a propaganda brasileira seja extremamente criativa.

No período do carnaval, uma marca de cervejas fez uma propaganda de cunho machista, incentivando seus consumidores a “esquecerem o não em casa” durante a festa e o repúdio do público na internet foi imediato. Qual a relevância da ética profissional nesse caso? O mundo é fantástico hoje, porque a reputação de todas as marcas está sempre colocada em risco, 24 horas por dia. A campanha publicitária não pertence a uma marca, ela pertence às pessoas. E se há algo a ser corrigido é feito no ato. Isso é fascinante. O cuidado dos publicitários, ao serem contadores de histórias, sem nunca abrir mão da ousadia criativa, deve ser redobrado com relação ao conteúdo ético das mensagens. A propaganda, por ser a face mais visível do processo de produção, comercialização de produtos e por conquistar a preferência dos consumidores por uma marca, é sempre muito debatida e discutida na hora, porque ela é visível. Nós temos a voz do consumidor hoje como protagonista nas redes sociais. As marcas monitoram sua reputação o tempo Maio de 2015 | CÁSPER

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todo. E temos o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR), desde 1980. Qualquer cidadão que se sinta atingido por uma propaganda que julga abusiva ou mentirosa e acesse o órgão em até 48 horas pode retirá-la do ar, o que é um avanço no respeito aos direitos do consumidor e do cidadão.

A Natura foi uma das contas mais emblemáticas na história de sua agência. Em 2002, durante as negociações com grande concorrência para conquistarem a empresa, a Lew’Lara afirmou que o seu principal diferencial era o de “criar um elo emocional com o consumidor, em relação à postura e atitude da marca”. Aproximar os consumidores emocionalmente é, de fato, o fator que mais influencia nas vendas? Olha, você não pode focar nenhuma estratégia de comunicação só nos atributos racionais de um produto ou de um serviço, tem que construir uma estratégia alicerçada na missão e nos valores de uma empresa. E na Natura de 2002 a 2008, quando nós trabalhamos juntos e tivemos o privilégio de desenvolver a comunicação de uma das marcas mais admiradas do Brasil, de lançar a linha Ekos e de fazer a campanha da linha Chronos, “Não existe idade certa para ser você mesma”, lidamos com conceitos muito, muito, muito emocionais. Porque mais do que comprar um xampu de cabelo seco, oleoso, atributo fundamental na escolha, a consumidora e a consultora que trabalhavam com a linha Ekos escolhiam uma marca que tinha uma relação forte com a ecologia, que ajudava na extração sustentável dos ativos naturais com os quais o xam-

© LEW’LARA/TBWA/FRIBOI

Como você explica a grande repercussão do “É Friboi?”? Eu acho que aí entra a ousadia do cliente, da JBS, em querer criar uma marca numa categoria até então sem marca, que era commodity. O grande desafio da estratégia de comunicação é justamente criar um hábito. É muito difícil criar um hábito, é muito difícil mudá-lo. O driver de compra da carne, seja no açougue ou no supermercado, é ver se a carne é fresquinha, se é vermelhinha. No entanto, nós colocamos a questão de que carne que tem garantia de origem, um processo confiável na sua fabricação, no seu processamento, com condições de higiene, com seriedade, é carne de confiança. E “carne confiável tem nome, é Friboi!”. Usamos uma figura de grande credibilidade, como o Tony Ramos, para surpreender consumidores e consumidoras nos pontos de venda, em situações de escolha, no momento da compra. E colocamos a pergunta na tentativa da criação de um costume: “Essa carne é Friboi?”. Estudos da Universidade de Harvard mostram que você precisa repetir mais de sessenta vezes um hábito para que seja efetivamente incorporado na sua vida. Então, a Friboi em um período curto, graças à ousadia da

JBS que apostou em uma campanha criativa, pertinente, graças à seriedade do processo de fabricação da carne, se tornou um case do qual a gente se orgulha muito. Mas tudo é feito a quatro mãos: anunciantes e agência.

Uma das estratégias de sucesso da propaganda da Friboi foi a aposta na credibilidade do ator Tony Ramos

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© LEW’LARA/TBWA/NISSAN

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A PROPAGANDA DEVE SER DIRECIONADA PARA O PÚBLICO-ALVO ADULTO, PARA OS PAIS Luiz Lara

A campanha dos pôneis malditos para a Nissan se tornou um viral e marcou a história da Lew’Lara/TBWA

pu era feito. A Natura é o exemplo de como uma empresa de cosméticos se transforma em uma empresa de relações, tratando a consumidora como consultora e a consultora como consumidora. É uma empresa que pregava o “bem-estar bem”. A propaganda, na verdade, faz uma conexão das marcas com as pessoas que acabam não se conectando apenas com os atributos racionais, mas também emocionalmente com os valores dessa marca. É o que faz alguém ficar na fila do iPhone 6, porque admira a Apple, é o mesmo que acontece com as consultoras e as consumidoras da Natura. Você participa ativamente de algumas ONGs, sendo uma delas a Childhood Fundation, que atua no combate e na prevenção à exploração sexual infantil. Recentemente, a marca de roupas de um apresentador global utilizou uma modelo mirim para vender uma camiseta escrita “Vem ni mim que to facin”. Quais os maiores dilemas da publicidade infantil hoje? Como esse público-alvo pode ser atingido sem ser influenciado de maneira precoce? Eu acho que o CONAR vem atuando muito bem na questão delicada da publicidade para crianças, com uma série de limitações no nosso código de ética, impedindo o aparecimento de

crianças e respeitando o universo lúdico delas. Quando eu fui presidente, a Associação Brasileira de Agências de Publicidade (Abap) criou um portal com a opinião de psicólogos, psiquiatras, terapeutas e criativos que desenvolvem conteúdos para as crianças, como o Maurício de Souza, mostrando o cuidado redobrado que nós temos que ter na propaganda, a qual eu não digo nem que seja e deve ser direcionada ao público infantil. O nosso código de ética já determina que a propaganda deve ser direcionada para o público-alvo adulto, ou seja, para os pais. Porém, não acredito que na era da comunicação e da informação que nós vivemos você possa coibir ou proibir totalmente a propaganda para as crianças e para os pais, até porque, hoje, a internet é acessada a todo instante. Você tira a propaganda da TV aberta, está na internet, está na mídia indoor. O que a sociedade de forma consciente e participativa tem que fazer é construir cada vez mais um cuidado ético para a propaganda de segmentos mais delicados, como é o caso da que possa falar de produtos voltados para as crianças, mas que deve ser direcionado ao público adulto, propaganda de bebidas e de medicamentos. E isso o CONAR, a Constituição e a Legislação em vigor já estão protegendo. E, se há exageros ou erros, a sociedade Maio de 2015 | CÁSPER

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ANDRÉ VALENTE

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A CRIATIVIDADE BRASILEIRA ESTÁ BATENDO ASAS E CONQUISTANDO TERRENOS. ISSO É MUITO POSITIVO PARA NOSSO NEGÓCIO, O RECICLA, REENERGIZA, COMPARTILHA NUM MUNDO MULTIDIMENSIONAL

combate em tempo real. A Abap, o CONAR, a Associação Brasileira de Anunciantes (Aba) já têm tido uma série de movimentos de grandes marcas que têm tomado muito cuidado com propaganda e com conteúdo desses segmentos mais delicados. Agora a proibição pura e simples é impossível, porque atualmente vivemos inseridos num grande contexto de informações. O que mudou na Lew’Lara com a incorporação da agência internacional TBWA? Foi uma maneira de acompanharem o processo de globalização? Em 2007, quando nos associamos à TBWA e nos tornamos Lew’Lara/TBWA, passamos a atender Nissan, Nivea, Adidas, Gatorade, hoje atendemos a Apple. Mas o namoro com a TBWA durou sete anos, desde 2000. Jean-Marie Dru nos visitava ano após ano, sempre insistindo para que nos associássemos. Já havia uma identificação de valores. Jean-Marie acreditava, como fundador da filosofia do disruption desde 1990, que nós éramos uma agência disruptiva, ou seja, que temos um equilíbrio grande entre a visão estratégica e o trabalho criativo. Foi uma união muito positiva. Desde então, tivemos o privilégio de abrir um horizonte para os talentos de nossa agência trabalharem no mundo inteiro. Hoje o planeta ficou pequeno demais, está integrado, conectado. Até porque, no Brasil, a propaganda é uma indústria criativa de primeiro mundo, é uma indústria de ponta da economia criativa. Os talentos brasileiros mostram ano após ano em Cannes, festival com grandes premiações, que eles não ficam nada a dever. A criatividade brasileira está batendo asas e conquistando terrenos. Isso é muito positivo para nosso negócio, o recicla, reenergiza, compartilha num mundo multidimensional. Na era do conhecimento, da informação, como nós vivemos, isso é muito bom. Como foi exercer o cargo de presidente da Associação Brasileira de Agências de Publicidade, a Abap? Essa experiência te trouxe uma nova perspectiva do mercado?

Foi uma experiência muito marcante. Eu fui vice-presidente durante três mandatos, me tornei presidente já conhecendo bem a Abap, sucedendo o Dalton Pastore. Acredito que ali eu aprendi sobre os três pilares que sustentam, norteiam e alavancam a nossa atividade. O primeiro é que nossa indústria é baseada na força das grandes ideias, nós somos storytellers, contadores de histórias. Em qualquer plataforma de mídia, o segredo do bom publicitário é saber, com pertinência e criatividade, transmitir os valores, a missão, o jeito de ser e de fazer de uma organização, os atributos de produtos e serviços, seja usando a porta do humor, da emoção, de uma forma que realmente impacte, conecte e inicie uma conversa com interatividade, nos dias de hoje permitida pela tecnologia, com as pessoas. Outro pilar importante é o modelo brasileiro de agências de publicidade, regulamentado pelo Conselho Executivo das Normas-Padrão (CENP). O CENP é uma entidade criada por anunciantes, agências e veículos de comunicação que visa harmonizar os legítimos e diversos interesses, criando práticas saudáveis de auto-regulamentação, para que nossa indústria possa preservar ideias e talentos. E não existe talento, criatividade, sem uma remuneração condizente. E o terceiro fator , o mais contemporâneo, é o aspecto da integração digital, o grande desafio que se coloca para nós, publicitários, contadores de história, de integrarmos numa propaganda que evoluiu de ser unidimensional para multidimensional. Há um investimento crescente na área digital, que representa mais de 20% das aplicações. Numa conversa em que você trata marcas como pessoas e com capital e tecnologia fartos os produtos e serviços estão cada vez mais assemelhados. O que os tornam diferentes? O trabalho de posicionamento e de construção de uma marca. A publicidade não é uma indústria de commodities, ela é uma indústria alicerçada na força das ideias e dos talentos. Maio de 2015 | CÁSPER

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cidade

ORGULHO E

RESIS Como vivem os moradores do Edifício União, o primeiro a vencer um processo de usucapião coletivo no Brasil Texto por Mariana Gonzalez Design por Nathalie Provoste

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© HARES PASCOAL

TÊNCIA Maio de 2015 | CÁSPER

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© DAVID DIAS

A entrada e a lateral do Edifício União são espaço de trânsito e convívio entre moradores


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Rua Sólon fica no Bom Retiro, bairro central da capital paulista, famoso pela grande concentração de produção e comércio têxtil. Nela, dividem espaço galpões fabris, lojas de roupa, prédios baixos e sobrados antigos, já desgastados pelo tempo. Durante a semana, o fluxo de pedestres e caminhões é intenso, os motoristas disputam as poucas vagas em frente aos depósitos para carregar e descarregar mercadorias e os carros de passeio não têm vez. Aos domingos, a rua se transforma: o comércio está com as portas fechadas e só circulam por ali moradores da região, sem pressa, alguns a pé, outros de bicicleta. Apertada entre uma empresa fabricante de peças de máquina de costura e um colégio da rede Objetivo, há uma construção de formato bastante curioso: oito andares, dez metros de largura e sessenta de comprimento. Tenho a impressão de que qualquer vento forte é capaz de derrubá-la. Por trás de um portão baixo de ferro, aberto dia e noite, a fachada é colorida por um alaranjado opaco, em que letras de metal dizem: “Ed. União 934”. As laterais não têm pintura e os tijolos estão expostos entre as dezenas de janelas, diferentes umas das outras, com varal externo e roupas coloridas penduradas, em meio a antenas de televisão. Na primeira vez que passei em frente ao edifício, estava de carro, guiada pela professora Maria Ruth Amaral de Sampaio, especialista em habitações populares da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Eu a havia encontrado na Rua Maranhão, em Higienópolis, algumas horas antes, em um dos campus da FAU-USP. Depois de uma conversa sobre sua trajetória profissional, ela

me levou até o Bom Retiro para conhecer seu projeto mais importante: o Edifício União, primeira ocupação popular do Brasil a ser concedida aos moradores por meio de um processo de usucapião coletivo. Segundo o Estatuto da Cidade, um cidadão — ou grupo — tem direito a usucapião quando não possui propriedades e ocupa um imóvel ou terreno por, pelo menos, cinco anos ininterruptos, sem oposição do proprietário. Apesar de cumprir todas as exigências, o processo de usucapião coletivo do Edifício União correu na justiça durante dez anos e só teve um final feliz no último mês de março, com o apoio e a assessoria jurídica do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos. “Nossa advogada falou que um dos fatores que contribuíram para a decisão do juiz foi o empenho de todos os moradores, as reformas que já tínhamos feito e a organização que temos aqui”, explica Alan John, 28 anos, morador do prédio desde os 4, e membro da Associação de Moradores.

O União e o tempo

O prédio tem um aspecto inacabado e, de fato, está. A construção, que deveria ter doze andares, começou a ser erguida nos anos 1970 e, no meio do processo, o dono morreu sem deixar herdeiros. O zelador, então, começou a vender os espaços da obra em andamento para moradores sem-teto da região. Nesse contexto, Rose Mori, estudante de Direito, de 49 anos, chegou ao União: seu pai comprou alguns cômodos e eles foram os primeiros a habitar o quarto andar, na década de 80. “O apartamento só tinha um ponto de água, na lavanderia, e precisávamos tomar banho abaixados para que as pessoas na rua não nos vissem, já que também não tinha janela para fechar”, lembra a antiga moradora. Logo, 72 famílias ocuparam

os apartamentos e passaram a viver ali, no chamado cortiço da rua Sólon. “A confusão era total”, lembra Maria Ruth, ao contar que, quando chegou ao atual Edifício União, se deparou com situações explícitas de prostituição e tráfico de drogas. “Como a obra não estava pronta, os moradores foram dividindo os espaços e levantando paredes de acordo com as necessidades”, explica a professora. Não demorou para que o número de pessoas se tornasse superior ao que a quantidade de apartamentos construídos poderia suportar. Assim, grande parte das famílias vivia em um cômodo, compartilhando o banheiro com os que moravam no quarto ao lado. Maria Ruth conta que o cubículo onde seria instalado o elevador, um espaço de cerca de dez metros quadrados, abrigava uma senhora e alguns filhos.

A resistência

“Teve até ameaça de despejo”, conta a moradora Maria Aparecida, de 64 anos. Depois de alguns minutos de conversa, entendo que o “despejo” não foi ordenado pelo Estado, mas sim, por moradores de uma comunidade próxima. “Um dia nós acordamos e a tropa de choque da Polícia Militar estava aí, mostrando um documento falso e mandando desocupar o prédio em 24 horas”, lembra Rose. “Falei com algumas pessoas com quem trabalhava em um fórum, e soube que não havia nenhuma ordem de despejo. Assim, decidimos enfrentar”, recorda a estudante que, na época, tinha quatro filhos pequenos. Mesmo sem ordem judicial, os policiais invadiram o prédio e realizaram a chamada “operação pente-fino”, que consiste em buscar minuciosamente indícios de atividades ilegais, como armas e drogas. “Eles entraram em casa e mandaram abrir todos os armários, mas foram muito Maio de 2015 | CÁSPER

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© HARES PASCOAL

Alan John foi quem recebeu a equipe e fez a mediação com outros membros da Associação de Moradores

educados, deixaram tudo no lugar”, conta Rose. Já Alan, que nos acompanhava durante a conversa, lembrou que, em sua casa, não teve a mesma sorte: “Deixaram minhas roupas todas para fora e saíram batendo a porta. Eu tinha uns 13 anos, fiquei com muito medo e muita raiva, ao mesmo tempo”. No final da operação, não encontraram nada, “só uma pistola velha, enferrujada e sem carga”, lembra Rose. Durante os quase trinta anos de Edifício União, a estudante de Direito conta três situações de ameaça de despejo, sendo essa a terceira e mais assustadora: “Algumas famílias, no susto, pegaram tudo e abandonaram o apartamento na hora”. Das outras vezes, a ordem não oficial partiu de movimentos de moradia, que queriam desapropriar o imóvel e ocupá-lo. Junto com outras mulheres, a maioria mães solteiras, Rose foi ameaçada por líderes armados desses movimentos, mas não cogitou abandonar sua casa.

A transformação

Para organizar a vida no antigo cortiço, o primeiro passo foi o desadensamento, ou 20

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seja, a redução do número de moradores à quantidade máxima suportada pelo prédio. Com a participação do então secretário municipal de habitação, Paulo Teixeira, atual deputado federal pelo PT-SP, os moradores que aceitaram se mudar receberam uma quantia em dinheiro. Assim, das 72 famílias, trinta deixaram o local. Hoje, o Edifício União abriga 131 pessoas. A primeira experiência de trabalho conjunto entre os moradores foi o mutirão para reforçar as colunas de sustentação do prédio. Maria Ruth notou que os pilares estruturais estavam corroídos porque, quando chove, o subsolo alaga e a umidade afeta o concreto. Com o apoio do professor Paulo Helene, especialista em estruturas da Faculdade Politécnica da USP, os moradores receberam um treinamento de quatro semanas sobre construção civil e se revezaram, aos finais de semana, durante quase dois anos, para realizar a obra. “Em todos os finais de semana e feriados trabalhados, sempre houve um engenheiro ou um técnico de minha equipe presente”, conta Helene, que era recebido pelos moradores com biscoitos e café.

“O professor ensinou e nós fizemos todo o trabalho: aprendi a preparar a massa de concreto, a fazer uma armação, um chumbador”, lembra Alan. Com mão de obra local e matéria-prima doada por uma empresa fabricante de materiais para construção, o edifício hoje é seguro. “Com isso, os moradores ganharam um ofício e desenvolveram uma relação ainda mais forte com o lugar onde moram e seus vizinhos”, explica Maria Ruth. Foi nessa época que o edifício ganhou nome: “Eles disseram ‘depois disso, professora, tem que se chamar União’”. Com o incentivo de Maria Ruth e Paulo Helene, além da boa vontade dos moradores, o prédio perdeu o estigma de cortiço e passou a ser bem aceito pela vizinhança. Assim, o projeto de extensão universitária da professora, em conjunto com os alunos da USP e com os moradores, intitulado “De cortiço da Rua Sólon a Edifício União”, ganhou, em 2008, o Deutsche Bank Urban Age Award, prêmio de U$ 100 mil. “Usamos um pouco para realizar alguns caprichos, como padronizar as janelas da frente”, lembra a


© HARES PASCOAL

COMO A OBRA NÃO ESTAVA PRONTA, OS MORADORES FORAM DIVIDINDO OS ESPAÇOS E LEVANTANDO PAREDES DE ACORDO COM AS NECESSIDADES Maria Ruth Amaral, socióloga especialista em habitações populares

professora. Mas, desse valor, muito pouco foi gasto e o dinheiro está guardado para emergências na conta bancária da Associação de Moradores. Segundo Carla Almeida, professora de Relações Públicas da Faculdade Cásper Líbero, premiações como esta estimulam a consciência social. Ao receber o prêmio, o projeto da FAU ganhou reconhecimento internacional e foi veiculado na mídia (por sinal, com muito mais intensidade do que este ano, ao conquistar o usucapião), carregando consigo a marca Deutsche Bank. “Não necessariamente ações como essa vão render novos clientes ao banco, mas geram reconhecimento em relação a públicos estratégicos de relacionamento e atrai patrocinadores”. Ou seja, além de ter uma imagem positiva no mercado internacional, a empresa torna-se referência para pessoas que talvez nem soubessem de sua existência.

Tijolos adentro

No térreo, muitos moradores entravam e saíam para buscar o pão quente do café da manhã, o jornal do dia ou a mistura

para o almoço. Todos nos cumprimentavam e paravam para saudar a professora com abraços. Alguns faziam o mesmo comigo, como se já me conhecessem. “Eles estão acostumados a receber jornalistas aqui desde que ganhamos o prêmio”, explica Maria Ruth. Durante a primeira visita ao Edifício União, Alan, da Associação de Moradores, contou que nós éramos a terceira equipe de reportagem a procurá-los desde o fim do processo — antes da Revista Cásper, os moradores foram entrevistados pela TV dos Trabalhadores e pela TV Brasil. A professora Maria Ruth conta que, em 2008, quando ganhou o prêmio alemão, alguns grandes jornais de São Paulo noticiaram o caso, mas o fim do processo e a conquista do usucapião coletivo não tiveram a mesma repercussão. Segundo Breno Castro Alves, jornalista ativo em questões de direitos humanos e ocupação dos espaços públicos, “a postura dos grandes veículos de comunicação é sempre muito superficial e focada na propriedade, o viés é sempre econômico, nunca humano”.

A entrada de pedestres é pela lateral direita do portão. Logo vejo um painel com caixas de correio, uma para cada apartamento, e um quadro, com três avisos: o primeiro anunciava uma reunião de condomínio que aconteceria na semana seguinte; o segundo dizia: “Vende-se gelinho caseiro no sexto andar”; o terceiro lembrava os moradores de assistir à entrevista que deram para a TV Brasil, transmitida no último 13 de março. Na segunda visita, um novo cartaz avisava aos moradores sobre a nossa reportagem e pedia que tomassem especial cuidado com o lixo na calçada e nos corredores. Enquanto esperávamos para encontrar Alan, que ia nos receber , conhecemos Marinete dos Santos, moradora maranhense que vive no prédio há 14 anos. De longe, a personagem mais bem-humorada com quem conversei, ela chegou contando sobre alguns problemas que está enfrentando com outra moradora de um andar mais alto (preferiu não dizer qual). Até então, nada havia questionado os valores de boa vizinhança do condomínio, mas, quando pergunto a Marinete Maio de 2015 | CÁSPER

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A POSTURA DOS GRANDES VEÍCULOS DE COMUNICAÇÃO É SEMPRE MUITO SUPERFICIAL E FOCADA NA PROPRIEDADE, O VIÉS NUNCA É HUMANO Breno Castro Alves, jornalista

sobre a relação entre os vizinhos, ela ri e responde: “Existe briga, mas existe união também. Tenho certeza que em outros condomínios acontece a mesma coisa”. Ao nos receber em seu apartamento, na segunda visita ao prédio, Rose definiu: “Alguns moradores se dedicam mais, correm atrás e querem mesmo melhorar o prédio — esses sim são unidos. Mas tem outros afastados, que chegaram aqui em uma época melhor, não viram nossa luta e não costumam colaborar”, lamenta. A moradora faz questão de ressaltar que, quando é necessário organizar um mutirão de limpeza ou reforma, todos ajudam, porém, quando o assunto é burocrático, a realidade é outra: “Documento, cartório, alvará, para essas coisas ninguém se habilita”. Quando Alan chegou, abriu a porta da sala de reuniões, normalmente trancada a chave. “Em geral, aqui é mais arrumadinho, está assim porque eles acabaram de pintar”, explicou Maria Ruth, apesar de o espaço parecer impecável. Além dos medidores de consumo de energia elétrica, o ambiente guarda alguns extintores de incêndio, que serão instalados nos sete andares ocupados e ao longo das escadas. Em um canto, vejo também dezenas de equipamentos de proteção individual para construção civil, como óculos e capacetes, 22

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doados pelo escritório de engenharia do professor Paulo Helene. Toco no assunto usucapião e todos abrem um sorriso largo. “Nós devemos isso ao Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, que prestou assessoria jurídica. Sem eles, a gente não teria nada disso”, ressalta Maria Ruth. Quando pergunto sobre a importância do resultado judicial, a primeira a falar, emocionada, é Maria Aparecida: “Isso aqui foi uma luta da gente. Agora é nosso mesmo, ninguém pode tirar. É o que eu tenho pra deixar para os meus filhos”. Rômulo Bezerra, 32, morador desde os 12, conta que, de tão felizes, ele e os vizinhos deram até uma festa no prédio. “Foi a coisa mais bonita que aconteceu aqui”, completa Marinete.

Escadas acima

Até então, só havíamos circulado pelo solo e subsolo do prédio. Para conhecer

os andares superiores, passamos pelos apartamentos do térreo e chegamos ao hall comum, onde começam as escadas, já que o edifício não conta com elevador. Lá havia algumas sobras de material para construção, que Alan explica: “As pessoas deixam o entulho aqui só aos finais de semana, quando o ecoponto está fechado. Na segunda, o responsável tem que levar para o descarte”. “Prepare-se para subir oito andares!”, alerta Maria Ruth. No Edifício União, um andar é diferente do outro, a cada lance de escada, eles parecem assumir personalidade. Como explicou a professora, as paredes e os apartamentos foram sendo construídos de acordo com a necessidade dos que chegavam, sem nenhuma regularidade. Em geral, os andares abrigam entre duas e cinco moradias. Os apartamentos também se diferenciam muito: as portas e tapetes são combinados de acordo com a possibilidade e o gosto dos donos. Quanto mais alto


© DAVID DIAS

estávamos, mais bonita ficava a vista das janelas, de modo que, no sétimo andar, já era possível avistar o Edifício Altino Arantes, o Banespão, com a bandeira paulista tremulante sob a garoa que começava a cair. Como a obra foi ocupada antes de ser concluída, a estrutura da laje não é totalmente segura. Por isso, os apartamentos do oitavo e último andar estão desocupados desde o desadensamento, em 2002. Em geral, são constituídos por dois quartos, um banheiro e uma cozinha, nem todos têm sala. Não são muito pequenos e parecem comportar uma família de duas ou três pessoas, porém, não podemos desconsiderar que, na época, uma unidade era dividida por, pelo menos, duas famílias. Pedi para conhecer a área demolida do último andar, sem imaginar o que me esperava: uma das paisagens urbanas mais bonitas que já vi. Do alto do Edifício União, sem nenhuma proteção ao redor, era possível avistar, além do Banespa,

entre outras centenas de torres e fábricas abandonadas, parte da cúpula verde da Catedral da Sé. Alan apontou, de longe, alguns prédios em construção e outros recém-inaugurados ao redor: “Três anos atrás só tinha casinha aqui no bairro”. Com esse cenário em mente, desci centenas de degraus e, de volta ao térreo, me despedi do Edifício União e daquelas pessoas, que, com o fim do processo, não podiam conter o orgulho de ter garantido o direito de ficar onde vivem há, pelo menos, treze anos. Antes de ir embora, pergunto o que difere o União de outros condomínios, ao que Rômulo logo responde: “Esse lugar foi construído por todos nós, juntos, tem nosso suor e um pouco do nosso sangue”. Este prédio, explica Maria Ruth, como o primeiro cortiço a ter garantido o direito de permanência de seus moradores, tem como função abrir espaço para outros prédios em situações similares.

A lateral do prédio de oito andares, diferentemente da fachada frontal, tem paredes sem reboque e janelas irregalures

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Livros Gerenciamento de riscos em habitações precárias Patrícia Brant M. Teixeira Mendes


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capa

QUI E GORA

Aos 68 anos, com a criação de seu Instituto e a megaexposição “Terra Comunal (Marina Abramovic` + MAI)”, a “avó da performance” enfatiza sua entrega absoluta à arte: “É meu dever fazer história” Texto e design por Débora Stevaux

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sol do meio dia iluminava o chão de paralelepípedos daquilo que já foi uma fábrica. Minha única certeza era que, enfim, tinha um encontro marcado às oito da noite: veria Marina Abramović. Em seu texto publicado no site da exposição “Terra Comunal (Marina Abramović + MAI)”, ela disse que o Sesc Pompéia democratiza a arte e, de fato, os tijolos vermelhos que formam essa unidade do Serviço Social do Comércio têm algo de democrático. Da imersão retrospectiva de sua car24

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reira, conclui-se que Marina soube lidar com o medo da dor. Ela doía em registros audiovisuais suas catorze performances históricas, exibidas nas telas das TVs de tubo, posicionadas lado a lado. A perplexidade dos que a viam doer pela tela era ínfima comparada à dos que a viram pessoalmente. Ao percorrer as instalações, entre dor e dor: os cristais, a madeira, o ferro, o quartzo negro, o lápis lazúli. Quando me encaminhava para outra instalação, um dos facilitadores do Método Abramović me perguntou se eu queria participar. Numa experiência em que o público é convidado a se inserir no contexto-síntese da performance, na

qual há a troca de papéis típica da atual fase artística de Marina: o limite entre o observador e o observado é superado. O participante é convidado a interagir com a seleção dos chamados Objetos Transitórios (cristais rústicos de tipos variados) em três posturas corporais básicas: deitado, sentado e em pé. Tinha me inscrito para a sessão das cinco, mas havia muitas vagas ociosas, esperando por uma decisão repentina do acaso. Estava me preparando psicologicamente para ficar três horas em total estado de introspecção. Resolvi fazer do inesperado uma oportunidade. “Hi. My name is Marina Abramović”. Foi a primeira frase que ouvi, seguida de


© LUCIANA BRITO GALERIA

uma série de exercícios de respiração e de alongamento, ministrados por Lynsey Peisinger, curadora da mostra no Sesc e integrante do Instituto Marina Abramović, além de performer realizadora de quatro reperformances históricas no “Espaço Entre” da exposição, dedicado à experimentação, colaboração e pesquisa da arte performática, que abrange os campos da espiritualidade, ciência e arte. Por meio dos exercícios, acordamos o corpo, desde a língua, até a extremidade dos pés. Logo depois, os facilitadores deram um fone para cada um. Não havia mais barulho algum, vinte minutos e sequer uma palavra foi dita. O vácuo auditivo, a música que as duas dezenas de

participantes, subdivididos em grupos de quatro pessoas, ouviam era o silêncio. Duas cadeiras estavam dispostas uma de frente para a outra, na minha ânsia por buscar algum tipo de comunicação instintiva, sentei-me. Um insight me fez pensar como teria sido sentar em frente à Marina em sua performance no Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), em 2010. Dez minutos olhando fixamente para os olhos pretos de uma moça de baixa estatura foram o suficiente para que, involuntariamente, a água dos olhares de ambas se sincronizasse, de modo que lágrimas simultâneas caíram dos dois pares de olhos. Depois o sorriso, a familiarização.

Sem relógio, sem celular, sem barulho, meus pés desnudos participaram das atividades propostas pelo Método. Por quase três horas, o único som que ouvi foi o dos meus batimentos cardíacos. Certamente não foram apenas os cristais que acalmaram o meu corpo e me enlevaram a um estado superior de consciência. A vivência do tempo em sua plenitude assusta em um mundo em que fazemos duas, três coisas ao mesmo tempo. Num cenário em que estar perto não significa mais o estar físico, o meu encontro com Marina naquele dia se antecedeu, estive em comunhão com a sinergia de sua presença e seu Método.


© MARINA ABRAMOVIC/LIMA

Cumprindo simbolicamente um autossacrifício pelo Estado comunista, Marina Abramovic ateou fogo em uma estrela de cinco pontas e quase morreu dentro dela, na performance “Ritmo 5” de 1974

Em transe, meus movimentos foram se interiorizando. Estava só, desvencilhada de obrigações diárias e preocupações momentâneas. A epiderme cotidiana, que me força a viver a mil, tinha sido deixada no armário. Estava crua, vivendo o aqui e agora. Mais tarde, quando meus impulsos desacordados entravam no compasso do inevitável encontro no teatro do Sesc Pompéia, eu tinha para mim que, certamente, já havia encontrado Marina anteriormente: o tempo presente fez com que ela estivesse lá. Na relatividade do espaço, nem toda presença é física.

Porta-retratos

Marina é filha de um casal condecorado com honrarias nacionais, Danica Rosić e Vojin Abramović. A mãe, secretária do Comitê Comunista da Saúde do Povo, havia sido combatente, ao lado do pai, da resistência iuguslava liderada pelo marechal Tito durante a invasão nazista, na Segunda Guerra Mundial. A bolsa de Danica rompeu no dia 30 de novembro de 1946, em Belgrado, mas ficou decidido que o 26

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aniversário da filha fosse comemorado em 29 de novembro, no dia da república da Iugoslávia. Foi só com 10 anos que a pequena de cabelo castanho escuro e olhos da mesma cor, mas com um tom esverdeado, descobriu o motivo de nunca ter sido chamada para conhecer Tito ou para alguma honraria nacional (tradição comum para os que vieram ao mundo nesse dia): não havia nascido naquela data. Marina tinha uma saúde muito frágil nos primeiros anos de vida e foi deixada aos cuidados da avó materna, Milica Rosić, e de uma ama, até que completasse cinco anos de idade. Religiosa e sempre presente, os valores da avó contrastavam com a disciplina dos pais que permearam a criação de Abramović e de seu irmão Velimir. Aos 4 anos, sua mãe, que nunca a beijou ou a abraçou por medo de mimá-la, a vestiu de diabo. Era a primeira festa da garota solitária. Já com 60 anos, foi fotografada fantasiada com os dois chifres de satã; segundo a própria, a atitude da mãe foi um dos momentos mais marcantes de sua vida. Os

pesadelos habitavam o inconsciente da jovem aprisionada pelo rigor e disciplina política e social dos pais. Também trouxe consigo a herança materna das crises crônicas de enxaqueca, que sentia pelo menos duas vezes por semana; além do ciclo menstrual desregulado, que só foi se normalizar perto dos vinte anos. O grande amor da vida de Marina foi o também artista Ulay Leisepen, nascido coincidentemente no mesmo dia que ela. Juntos formaram a dupla performática Relation Works, porém, ao passo em que havia uma sinergia na realização do trabalho artístico, o casal se distanciava, cada vez mais, na esfera privada de suas vidas. Na sutileza do desmanche dos doze anos de união, Ulay e Marina se separaram em 1988. A performance “The Lovers: The Great Wall Walk” foi o marco histórico da separação de um casal épico: ela saiu da extremidade oceânica da Muralha da China e ele, partiu da desértica, para que após três meses, o encontro de ambos nesta caminhada marcasse o desencontro das vidas dos amantes: a separação. “Vivemos


© MARCO ANELLI/ACERVO MARINA ABRAMOVIC

A exposição “Marina Abramovic: A artista está presente” levou 750 mil pessoas a prestigiarem a maior retrospectiva de sua carreira, no MoMA, em Nova York. Marina ficou por 736 horas sentada em contato visual com 1 675 pessoas

no campo, com pastores, tirávamos leite de cabras. Foi como se uma vida passada viesse ao meu encontro. Lembro de como havia tanta crença, esperança e inocência no nosso cotidiano. Eu tinha tudo que sempre quis. O homem que eu amava trabalhando comigo, nós sendo radicais e sem termos nenhum compromisso”, declarou Marina no documentário Marina Abramović: A artista está presente.

Afinal, o que é arte?

A “avó da performance”, como é conhecida mundialmente, descobriu o gosto pela arte performática quando tinha apenas 14 anos. Considerada uma alternativa às artes convencionais, a performance surgiu na década de 60. Imaterial, este típico fazer artístico foi pioneiro em sua essência, por trazer à tona o acalorado e inesgotável questionamento: o que, afinal, é arte? Neste caso, o objeto da criação é o próprio corpo do artista. O propósito de Marina com seu Instituto é tornar a performance respeitada antes de sua morte: “É meu dever fazer histó-

ria”. Ela recorda as incontáveis vezes que perguntaram se considerava o que fazia uma expressão artística: “Finalmente entenderam, ou pelo menos fingem”, disse também em seu documentário. O seu legado de valorização do tempo presente foi consolidado com o workshop “Cleaning the House”. Durante quatro dias, dezessete artistas brasileiros que utilizam o próprio corpo como meio de expressão jejuaram e permaneceram calados em um sítio em Juquitiba. Entrevistei seis deles: Ayrson Heraclito, Marco Paulo Rolla, Fernando Ribeiro, Maurício Ianês, Paula Garcia e Rubiane Maia. Cheguei à conclusão de que o adjetivo mais adequado à personalidade de Marina é generosa. O seu estudo experimental é embasado no seguinte tripé: o lugar aqui, o tempo agora e a interação direta com o público. A generosidade da artista está presente na entrega completa que o ser humano precisa para alcançar a interação máxima com o outro: desligar-se do mundo e de todas as distrações diárias que o cotidiano carrega.

Paula Garcia, a curadora e performer na obra “Corpo Ruindo”, explica de qual maneira a mostra “Terra Comunal (Marina Abramović + MAI)” apresenta a parceria entre Abramović e os artistas locais: “É uma exposição enorme, mas de duas vias, a retrospectiva da Marina e a de trabalhar e criar um diálogo com os artistas brasileiros.” Quando estava no workshop, Abramović previu em uma conversa com Paula: “Tenho certeza de que a gente vai fazer história em São Paulo”. E fizeram: o público diverso (idosos, jovens, crianças) do Sesc Pompéia mergulhou nas possibilidades das linguagens convergentes utilizadas na mostra. Ayrson Heraclito, performer convidado para apresentar sua performance “Transmutação da Carne”, na “Terra Comunal (Marina Abramović + MAI)”, revelou a força das memórias daquela experiência: “Nós fizemos o ritual do corpo com um xamã do norte do país, este foi um dos rituais mais marcantes da minha vida. Ali, todos ficamos honestamente impressionados, porque vimos a Marina artista e, ao mesmo tempo, vimos uma presença evocando energias Maio de 2015 | CÁSPER

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© MARCO ANELLI

Marina realizando estudos na Bahia, um dos “lugares de poder” em que foi filmado o documentário A corrente - Marina Abramovic no Brasil, em dezembro de 2012

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e estados de consciência extremamente especiais. Foi um desnudamento coletivo. Você conseguia se surpreender com a força e com a beleza de cada um”. Segundo Rubiane Maia, uma das performers escolhidas, “a arte performática é um modo de olhar e estar na vida, olhar para si mesmo e para o mundo. Nesses percursos, ela se alimenta dos encontros, carrega um tanto de tentativas e erros que não necessitam ser excluídos. Pelo contrário, a errância faz parte, tudo ajuda a compor.” A artista é responsável por cuidar minuciosamente durante dois meses, oito horas por dia, do desenvolvimento das sementes de um jardim situado na área de convivência do Sesc Pompéia. Em um de seus sete encontros com o público promovidos em sua megaexposição “Terra Comunal (Marina Abramović + MAI)”, realizado no dia 26 de março, Abramović refletiu sobre a gênese de sua razão de viver: “A arte não é decoração na parede de alguém para combinar com o o carpete da sala. A arte vai te mudar, ela está ali para te perturbar, para te fazer perguntas, para abrir a ferida, para fazer revolução”. Neste dia, Marina suscitou o debate se a pichação seria um tipo de performance, uma CÁSPER | Maio de 2015

maneira intrépida de buscar a expansão dos conceitos de arte performática atualmente. Pós-graduada pela Academia de Artes Plásticas em Zagreb, em 1972, Abramović foi desacreditada por seus professores, que chegaram a dizer que sua produção não era arte. Seus pais queriam interná-la em um hospício. No livro Quando Marina Abramović morrer: uma biografia, de James Westcott, a performer declara em uma carta datada de 1980, a pequenez do conservadorismo balcânico em subjugar sua obra e o rompimento com sua mãe: “Bastou o tanto que fui ridicularizada pelo estúpido meio social de Belgrado por causa do meu trabalho. E depois de tantas ligações suas tenho cada vez menos desejo de ir a Belgrado. Cuidarei de minha própria existência e não preciso de nada de você. [...] Estou vivendo com o meu trabalho e é a coisa mais importante em minha vida. E você se envergonha dele. É por isso que não temos nada a dizer uma à outra”.

A terra comum a todos

O curador da exposição “Terra Comunal (Marina Abramović + MAI)”, Jochen Volz, pontuou a carreira da artista: “Marina explorou seu próprio corpo por muitos

anos, em performances que ela se apresentava com total dedicação até atingir um momento de perda de consciência ou estados meditativos intensos. Essas explorações foram fundamentais para que ela se sentisse forte o suficiente para superá-las. Hoje, o foco não é mais o seu próprio corpo, mas o do público e as influências energéticas de um ambiente. O corpo se expandiu e se manifesta na interação e na proximidade com o outro”. Minom Pinho, sócia-diretora da Casa Redonda, produtora executiva da exposição e do documentário A Corrente - Marina Abramović no Brasil desvendou o interesse da artista pelo nosso país: “Ela elegeu o Brasil como espaço de pesquisa em 1989. Chegou aqui em busca de cristais e minerais, pois enquanto caminhava por três meses nas muralhas da China, percebeu que a composição do solo onde pisava alterava seu estado mental. Ao concluir a performance ela buscou um lugar abundante em minerais e decidiu vir para cá”. Sincera e direta, na primeira vez que a vi, Marina respondia as perguntas dos jornalistas com uma clareza expressiva impressionante. Toda pergunta parece óbvia para uma mulher que tem uma das rédeas


A ARTE NÃO É DECORAÇÃO NA PAREDE DE ALGUÉM PARA COMBINAR COM O CARPETE DA SALA. A ARTE VAI TE MUDAR, ELA ESTÁ ALI PARA TE PERTURBAR, PARA TE FAZER PERGUNTAS, PARA ABRIR A FERIDA, PARA FAZER REVOLUÇÃO

da arte contemporânea nas mãos por ter tido a coragem de desnudar seu corpo para usá-lo como uma tela em branco. Das estrelas que restringiram a liberdade de Marina outrora, hoje só resta o brilho nos cristais dos Objetos Transitórios. Numa época em que não duvidaram somente do seu trabalho, mas da sua sanidade, a nudez de Marina representa a braveza de seu objetivo de vida (e de morte), a arte no seu aspecto mais humano e ancestral. No dia 26 de março, uma das declarações que mais me marcou naquela noite foi quando Marina disse que havia se curado por meio do teatro. A peça “The Life and Death of Marina Abramović”, de Robert Wilson, inicia-se com a cena de seu velório. Mirando a morte como fator crucial no desenvolvimento do ciclo da vida, Marina já organizou o próprio funeral. Na capa de sua biografia Quando Marina Abramović morrer, consta o último desejo de seu testamento: “Na ocasião de minha morte eu gostaria de receber a seguinte cerimônia em minha homenagem: três ataúdes [caixões]. O primeiro ataúde com o meu corpo real. O segundo ataúde com uma imitação de meu corpo. O terceiro ataúde com outra

Marina Abramovic

imitação de meu corpo. Gostaria de nomear três pessoas para que cuidassem da distribuição dos três ataúdes em três lugares do mundo (América, Europa e Ásia). Instruções especiais serão redigidas, inseridas em envelopes lacrados com seus nomes e as devidas inscrições. A cerimônia será realizada na cidade de Nova York com os três ataúdes presentes e lacrados. Após a cerimônia, as pessoas designadas seguirão minhas instruções para distribuição deles. Meu desejo é que todos os três ataúdes sejam sepultados na terra. Na cerimônia final, todos devem ser instruídos a não se vestirem de preto e qualquer cor será bem-vinda. Desejo que meus antigos alunos [...] criem um programa para a ocasião. Na abertura da cerimônia, desejo que Antony (Hegarty), da banda Antony and the Johnsons, cante a música “My way”, de Frank Sinatra. A cerimônia deverá ser uma celebração à vida e à morte reunidas. Após a cerimônia, haverá um banquete com um grande bolo feito de marzipã, na forma e aparência do meu corpo. Quero que o bolo seja distribuído às pessoas presentes”. No (des)compasso do tempo, Marina se eternizará pela força de sua presença.

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Livro Quando Marina Abramovic morrer James Westcott Documentário A corrente - Marina Abramovic no Brasil Marco Del Fiol (diretor)

Marina Abramovic - A artista está presente Matthew Akers (diretor)

Setembro de 2014 | CÁSPER

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© LAURA GALLOTTI

cinema

A sede da SP Cine ocupa dois andares do prédio da Praça das Artes, no centro da cidade

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á muito acontecendo em termos de trocas culturais na cidade de São Paulo, o que pode ser visto não só na movimentação dos jovens de periferia e nas intervenções urbanas dos artistas de rua, mas também na produção audiovisual paulista. Esta, que até hoje tenta conquistar o seu espaço apesar dos obstáculos existentes desde a fase de produção de um filme até a sua distribuição. E quando se fala em audiovisual, abre-se um amplo leque de possibilidades que não se limita ao ci-

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nema e envereda também pelo campo da televisão e da internet, sendo este último o principal reflexo da mudança de padrão de consumo por parte da população. Munido de um smartphone, qualquer um pode sair caminhando com “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”, como pregava Glauber Rocha, o principal expoente do cinema marginal brasileiro na década de 60. Porém, não é tão simples colocar uma ideia no papel, produzi-la e levá-la até as pessoas se você não quiser ficar confinado apenas no espaço das redes sociais. Isso porque, apesar de o Brasil ter alcançado, em 2014, o décimo lugar no ranking dos maiores mercados de cinema

do mundo, segundo relatório sobre evolução do mercado audiovisual publicado pelo Sindicato da Indústria Audiovisual do Estado de São Paulo (SIAESP), ainda não existe uma cadeia produtiva que sustente todos os processos necessários para esse tipo de produção por aqui. Tendo em vista essa realidade foi criada a SP Cine, empresa pública de cinema e audiovisual do município de São Paulo. Alfredo Manevy, ex-secretário municipal de Cultura durante a gestão do atual ministro, Juca Ferreira, na primeira metade do governo do prefeito Fernando Haddad (PT), está no comando da nova agência que começou a operar em abril


SÃO paulo em cena Como a SP Cine pretende movimentar o mercado audiovisual da cidade Texto por Laura Gallotti Design por Débora Stevaux

de 2014. Ele conta que a empresa é um desejo antigo do cinema da cidade: “A primeira ideia da SP Cine surgiu há uns 15 anos, quando foi criada a Rio Filme, no Rio de Janeiro, e a classe cinematográfica, os realizadores, diretores e criadores passaram a defender que fosse criada em São Paulo também uma agência de apoio ao cinema e à televisão”. A tentativa de formar uma organização parecida com a empresa carioca teria o nome de Sampa Filme. O projeto tomou forma apenas a partir da gestão Haddad, em 2012, quando as políticas públicas culturais tiveram maior destaque entre as pautas do governo. Rubens Rewald, presidente da

Associação Paulista de Cineastas (APACI), atribui a viabilidade da criação da instituição ao novo cenário que se abriu com a disposição da prefeitura em dialogar com os setores culturais. “Logo que o Haddad e o Juca Ferreira assumiram a pasta, foram organizadas várias reuniões com o setor e diversas entidades, inclusive a APACI e o SIAESP, tentando formatar como seria essa gestão política cinematográfica. A melhor solução seria fundar uma empresa que desse conta da complexidade do setor”, revela o diretor e dramaturgo. Apesar da força econômica da cidade, por aqui se investia menos dinheiro em audiovisual do que no Rio

e no Recife, por exemplo. “Era hora de criarmos uma gestão pública e cinematográfica dada a importância do audiovisual, tanto do cinema, quanto da TV e novas mídias”, completa Rewald. A SP Cine foi moldada, então, a partir da iniciativa da prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria de Cultura, em parceria com o Governo do Estado e o Ministério da Cultura, pela figura da Agência Nacional do Cinema (ANCINE). Quem entrar no escritório da empresa verá um espaço clean e organizado, poucas mesas e uma grande janela com vista para o centro da cidade. Com essa sede enxuta, a SP Maio de 2015 | CÁSPER

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© GARAPA/PRODUÇÃO CULTURA NO BRASIL

Alfredo Manevy, presidente da SP Cine, reforça a importância do financiamento público à produção audiovisual

NOVAS SALAS VÃO INTEGRAR UM CIRCUITO DE CINEMA A PREÇOS POPULARES E COM UMA PROGRAMAÇÃO DE QUALIDADE. NA PERIFERIA, VAMOS INCLUIR PESSOAS QUE NÃO TÊM O HÁBITO DE IR AO CINEMA Alfredo Manevy, presidente da SP Cine 32

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Cine pretende atuar como um escritório de desenvolvimento, financiamento e implementação de programas públicos de incentivo ao cinema, televisão, web e games. A ideia é entrar como sócia nos projetos e receber uma participação nos resultados. “É uma forma de que ela não viva só do dinheiro do governo e que possa gerar uma circulação econômica que estimule a viabilidade do cinema no encontro com o público, seja o que compra e vai às salas ou o que compra uma assinatura de TV ou do Netflix”, afirma Manevy. Pelo fato de ser uma empresa, ela nasce com um capital social e um orçamento inicial. Sendo pública, os recursos captados para o primeiro ano de seu funcionamento foram de 25 milhões de reais da prefeitura, 25 milhões do governo do estado e 15 milhões do governo federal. “Esses 65 milhões que temos no primeiro ano já tornam a SP Cine uma das principais empresas de investimento em audiovisual do Brasil”, conta o presidente da instituição. Desse valor, 10% será destinado aos custos internos de manutenção da sede e dos funcionários. “O

valor reduzido para manter a máquina foi proposital para termos algo enxuto, uma empresa moderna que não custe muito e que trabalhe mais com inteligência e eficiência do que com tamanho”, resume. Em 2015, serão redirecionados 30 milhões de reais em editais. Dez milhões para cinema de longa metragem com foco em filmes de grandes lançamentos, 10 milhões para filmes de pequeno e médio porte, e outros 10 milhões para TV, conteúdos de séries, animações e documentário. Um dos editais já abertos focado em curtas-metragens tem parceria com a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e como tema o Plano Diretor. O vencedor receberá 130 mil reais para desenvolver uma série de doze episódios. O modelo da SP Cine facilita o direcionamento de maneira mais focada às suas ações. “Não é como uma Secretaria da Cultura, que tem que dar conta do cinema, do teatro, do hip hop, do circo, da música e da literatura. Quando você tem uma empresa focada no audiovisual, como a SP Cine, ela já sabe quais são as demandas, o calendário, as questões que tem que atacar. Não só com o lançamen-


© COLETIVO CINEMA DIGITAL

Cena do filme Entre Porcos e Homens, produzido pelo Coletivo Cinema Digital

to de editais, mas pensando no circuito, na formação. Você raciocina de uma maneira mais global”, acrescenta Rewald. Seria papel do poder público estimular o audiovisual e o cinema? Segundo Manevy, é necessário ter esse olhar para fortalecer o nosso potencial cultural: “Todos os países que construíram uma atividade cinematográfica forte tiveram um papel do poder público na origem. Foi assim nos EUA, na França, é assim hoje na Índia e na China. Se o Brasil quiser ser não só um consumidor de conteúdo produzido em outros países, mas também produtor e exportador da cultura brasileira, do cinema e da televisão em língua portuguesa, precisa de uma política pública de incentivo a essa atividade”. Mas até que ponto uma empresa criada pelo governo pode estimular o audiovisual sem podar a sua liberdade de cutucar certas feridas? Embora os editais tenham um papel importante no fomento à produção, ainda é preciso discutir a forma como o financiamento é pensado. “Quando um filme é realizado com financiamento público, ele geralmente não toca em assuntos

polêmicos, não faz provocações sobre política. São sempre assuntos culturais sobre o país, porque quem avalia os projetos são comissões patrocinadas pelo Estado”, lembra Sabina Anzuategui, escritora e docente do curso de Rádio, TV e Internet da Faculdade Cásper Líbero. Soma-se a isso a burocracia para participar dos editais e a verba disponibilizada — às vezes insuficiente para a produção de um filme — e surge a necessidade de colocar alternativas ao modelo atual de financiamento. Se os editais não são algo novo no mercado, uma das principais frentes nas quais a SP Cine pretende atuar é a inovação e o acesso. É provavelmente aí que a empresa mostrará o seu poder de força. Foram captados 7 milhões de reais do Ministério das Comunicações para a criação de um laboratório de animação e games, que será uma start-up de jogos eletrônicos, softwares e finalização de efeitos especiais para conteúdo audiovisual. Há o plano de incentivar também o desenvolvimento de roteiros, por meio de um laboratório que auxilie na criação e traga profissionais inseridos no

cenário internacional. “Queremos que os roteiros daqui cheguem ao padrão do cinema argentino, que tem muita qualidade”, explica Manevy, com entusiasmo. Já para a questão do acesso, a agência pretende investir na revitalização de cinemas de rua, com o aparelhamento de projeção de som e imagem digital. Segundo levantamento da SP Cine, a prefeitura tem hoje 82 salas, incluindo Centros Educacionais Unificados (CEUs), museus e cinemas desativados. A reabertura do Cine Belas Artes, em 2014, em parceria com a Caixa Econômica Federal, foi a primeira ação nesse sentido. A criação de um circuito que inclua filmes independentes e leve conteúdos para CEUs e bibliotecas da periferia também está nos planos. “Essas novas salas vão integrar um circuito cinematográfico a preços populares e com uma programação de qualidade. Vamos incluir, certamente, muitas pessoas que não têm o hábito de ir ao cinema”, revela o presidente da SP Cine. “O cinema brasileiro hoje produz mais de cem filmes por ano, o que é muito comparado a um passado recente. ProMaio de 2015 | CÁSPER

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À margem O programa VAI (Valorização de Iniciativas Culturais), criado em 2003, é um dos principais projetos de incentivo à produção independente de jovens por meio de diferentes linguagens artísticas. O objetivo do programa é dar espaço e voz para a periferia. Um dos vencedores do edital é o grupo À margem do Infinito, coletivo formado por sete jovens com o desejo em comum de transformar a literatura marginal em audiovisual.

duzimos muitos filmes, só que eles têm dificuldade de entrar nesse mercado, porque é pequeno. O Brasil tem poucas salas de cinema por habitante”, complementa. Por enquanto, a sétima arte continua sendo reservada somente a algum canto dos shoppings da cidade. O espaço para exibição é um dos maiores entraves para quem faz audiovisual no Brasil. Só em 2014 havia sessenta filmes paulistanos finalizados sem espaço para serem exibidos. Zeca Rodrigues, criador do Coletivo Cinema Digital, conta que ainda hoje é impossível — ele é enfático nessa palavra — exibir uma produção independente no cinema ou na TV. Embora a Lei das Telas (12485/11), sancionada em 2011 e criada com o objetivo de incluir conteúdos brasileiros na TV por assinatura e aberta, tenha feito com que canais como Canal Brasil, Multishow e Telecine comprem produções brasileiras, o acesso à produção nacional ainda é restrito. “Eles apenas compram, não investem na produção desses filmes. Por isso, entrar em um festival é muito importante para ganhar visibilidade”, explica. Enquanto isso não ocorre, os cineastas independentes acabam depen34

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dendo da ação de outros coletivos como o Matilha Cultural e o Cine Guerrilha para exibir suas produções. O Coletivo Cinema Digital está lançando em 2015 o seu primeiro filme, Entre Porcos e Homens. “Acho que a principal questão que precisa ser quebrada é a da burocracia, principalmente se você está lidando com coletivos. Porque a maioria das pessoas não é formada, não têm Atestado de Capacitação Profissional (DRT), as que têm não são cadastradas na Agência Nacional do Cinema (ANCINE), o seu projeto não passou por lá para ser feito. Se você começa a ver a parte burocrática, leva três anos para fazer um curta-metragem”, reflete Zeca. Segundo Manevy, o investimento nas plataformas de Video On Demand (VOD), serviço de vídeo pay per view pela internet, também é um fato que não pode ficar de fora dos planos da empresa. “É um espaço para onde, às vezes, os filmes migram direto. Você tem hoje um projeto que é produzido para essas plataformas, que não quer ir para a tela de cinema ou quer ir junto com a plataforma VOD. Não podemos ignorar essa realidade contemporânea”. Mas, para isso ocorrer, é preciso

investir em capacitação profissional, que atualmente é um dos principais gargalos do setor audiovisual. Zeca Rodrigues sentiu essa lacuna no último ano do curso de cinema: “Tive uma grande decepção, na verdade, porque desde o início a minha intenção era direção e a faculdade não tem uma especialização, você se forma cineasta”, desabafa. Portanto, se a SP Cine quiser mexer nas bases do mercado terá de encarar um diálogo também com as universidades, como sugere Manevy: “Elas formam prioritariamente cineastas e diretores. Nós precisamos também de outros perfis, como produtor executivo, gestor e roteirista. Estamos dialogando no sentido de ver como as universidades podem nos ajudar a de certa maneira formar na graduação e na pós-graduação uma série de quadros que precisamos na atividade”. A criação de laboratórios de formação e incentivo à criatividade se apresenta como a questão mais urgente a ser trabalhada pela instituição. Talvez não seja possível resolver todos os problemas de um mercado feito por poucos e para poucos, mas poderá ser um começo. Se o projeto será fiel à sua proposta, veremos um dia nas telas.


© À MARGEM DO INFINITO

O VAI OFERECE SUBSÍDIO PARA O SEU PROJETO, NÃO PARA SOBREVIVÊNCIA. VOCÊ TEM QUE BATER O CARTÃO, ESTUDAR E AO MESMO TEMPO PRODUZIR. O QUE MOSTRA QUE NÃO BASTA SÓ DINHEIRO Marcelo Vinci, diretor do grupo À margem do Infinito

© À MARGEM DO INFINITO

Só o repasse econômico não é suficiente nos projetos de incentivo ao audiovisual

É UM MEIO PARA QUEM JÁ ESTÁ NA ÁREA. PARA CONSEGUIR ACESSAR TEM QUE ESTAR MUITO ENGAJADO, PORQUE SENÃO VOCÊ ACABA FICANDO PARA TRÁS

Suzana Schulhan, responsável pelo argumento das produçóes no À margem do Infinito Cena do curta Onde jazz meu coração, lançado pelo grupo À margem do Infinito

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sociedade

elas

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COMANDO Mulheres em cargos de poder relatam barreiras e consensos na área da comunicação

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Texto por Naiara Albuquerque Ilustração por Thaís Helena Reis Design por Nathalie Provoste e André Valente

entre as tantas salas do quinto andar da Faculdade Cásper Líbero, há uma, em especial, que abriga a mais nova coordenadora de Cultura Geral, Sônia Breitenwieser. Sempre bem humorada, Sônia ocupa sua mesa e toma um café enquanto começa a contar sua história. Filha caçula e “muito nerd”, como ela se intitula, fala do tempo em que seus pais, por terem pouca condição financeira, tiveram que escolher entre ela e o irmão para pagar a escola particular e, posteriormente, a faculdade privada. “A justificativa que deram na época foi porque ele era homem”, explica. A mais nova coordenadora é a primeira mulher a ocupar este cargo, e foi eleita por unanimidade, com os 32 votos de seus companheiros docentes e representantes discentes. Escolheu a formação em Letras na Universidade de São Paulo — graduação, mestrado e doutorado — onde a 36

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maioria dos alunos é formada por mulheres. Até hoje a atividade de professora é considerada um cargo feminino, desde a época das normalistas no fim do século XIX. “Alguns diziam que letras era o curso ‘espera marido’”, lamenta. Além das dificuldades em cursar a graduação, lembra quando engravidou durante o mestrado e teve que postergar o sonho por um ano. Sônia explica que um dos desafios para a mulher ocupar um cargo de poder é ela mesma não se enxergar na posição: “Não me via no mestrado, doutorado ou agora, onde estou”. O obstáculo da coordenadora não é uma realidade isolada, tem fundamento em estruturas sociais, ou seja, em como as mulheres são pensadas e designadas a trabalhos considerados menores ou que não sejam de destaque. A construção dos papéis femininos ao longo da história pode ser problematizada ao questionarmos quem a escreve. Sendo em sua grande maioria historiadores e intelectuais homens que designaram a ideia do lugar da mulher ao longo do tempo.

No século XVIII, viveu o filósofo iluminista Rousseau, responsável por criar a expressão “anjo do lar”, vista como o papel ideal desempenhado pelas mulheres. Em seu livro Quinto, descreveu: “A rispidez dos deveres relativos a ambos os sexos não é e nem pode ser a mesma”. Além disso, escreveu, na mesma obra, como a mulher deve desempenhar sua função de esposa e cuidar dos filhos, apenas. Para Rousseau, a diferença entre os gêneros é, além de física, racional e natural. Um século depois, Virginia Woolf apontou em seu livro Profissões para mulheres e outros artigos feministas as dificuldades da inserção feminina no mundo profissional e intelectual de sua época, e, em como a expressão “anjo do lar” deve ser reformulada, encarada sem medo pelas mulheres e até aniquilada. “Se eu não a matasse, arrancaria o coração de minha escrita. Na hora em que pus a caneta no papel, percebi que não dá para fazer nem mesmo uma resenha sem ter opinião própria. E, segundo a “anjo do lar”, as mulhe-


res não podem tratar de nenhuma dessas questões com liberdade e franqueza. Ainda sim, é muito mais difícil matar um fantasma do que uma realidade.” Além da perspectiva trazida por Virginia Woolf, existem certos tabus que se perpetuam nos dias atuais, como, por exemplo, a presença de mulheres negras nas redações. Em um trabalho de TCC, compartilhado no portal Observatório da Imprensa, com o título A inserção da jornalista negra nos meios de comunicação da Baixada Santista, teve resultados surpreendentes. Dos duzentos profissionais que trabalham nos doze veículos da região, que responderam à pesquisa, cem são mulheres e apenas 6% delas são negras. O trabalho não foi desenvolvido na capital paulista, mas os números se repetem também nas redações da cidade de São Paulo. Das seis mulheres entrevistadas para esta reportagem, cinco afirmaram ter trabalhado com poucas mulheres negras, tendo presenciado situações de racismo em algumas ocasiões.

Sentido na Academia

Não muito longe da sala da professora Sônia, também na Faculdade Cásper Líbero, Helena Jacob é a mais recente coordenadora do curso de Jornalismo. Formada na Universidade Estadual Paulista (UNESP) no final de 1997, voltou para São Paulo e foi convidada a trabalhar no jornal esportivo Lance!, como diagramadora. Até aquele período, Helena tinha sido a quarta mulher a trabalhar na redação. Sobre a experiência, ela explica: “Ganhei uma dureza trabalhando lá, tive que me impor muito”. Helena já foi vice-coordenadora de Jornalismo em 2013 e ministra aulas na Faculdade desde 2008. Ela afirma que seu novo cargo tem sido um grande desafio por tratar com diversos professores e professoras mais experientes, no entanto, se sente bem acolhida por seus colegas. Apesar do ambiente favorável da Cásper, ressalva que já passou por situações delicadas em ambientes acadêmicos, principalmente após ter tido seu filho, Pedro.

Na época, perguntaram-na: “Nossa, você está aqui a essa hora da tarde? E, então, quem está cuidando do seu filho?”. Helena considerou a pergunta um absurdo e respondeu: “Aposto que se fosse meu marido você não questionaria.” O relato da professora mostra que ainda falta desconstruir muitas questões, mesmo dentro da academia. Entre 2010 e 2014, Helena foi supervisora dos trabalhos de conclusão de curso e conta como temas sociais e de relevância política vêm crescendo entre a escolha dos alunos. A mudança do panorama casperiano, de acordo com a coordenadora, é de responsabilidade do corpo docente da Faculdade, que vem desenvolvendo um trabalho ao longo dos anos de despertar a consciência política do aluno. “Ser jornalista é uma função social, não podemos esquecer”, afirma. O questionamento é o primeiro passo para analisar questões mais a fundo, e assim, pouco a pouco, mudar o cenário, nas redações e na academia. Maio de 2015 | CÁSPER

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AVOZ Delas

MERCADO

mulheres recebem a menos do que homens na mesma funcao

30%

de acordo com dados do Banco Interamericano de Desenvolvimento

O CAMPO TÉCNICO DO AUDIOVISUAL AINDA É DEIXADO NAS MÃOS DOS HOMENS E ADENTRAR ESTE ESPAÇO FOI UM DESAFIO

Elisa Gargiulo Trabalha com produção de documentários e filmes em algumas entidades brasileiras, como a União de Mulheres de São Paulo, fundada por aquelas que sobreviveram à ditadura militar brasileira. Atualmente, possui uma agência audiovisual, a Nosotras, além de ser conhecida como vocalista da banda Dominatrix

QUESTÃO RACIAL

Dentre as seis entrevistadas, cinco afirmaram ter trabalhado com poucas mulheres negras

ENDURECIMENTO © ACERVO PESSOAL

A REALIDADE É QUE TEMOS QUE DEMONSTRAR UMA POSTURA MAIS RÍGIDA NO AMBIENTE DE TRABALHO. É COMO SE SEMPRE PRECISÁSSEMOS PROVAR ALGO

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TATIANA DE MELLO DIAS Já passou pela Istoé, pela Galileu e pelo Estadão. Após as manifestações de 2013, sentiu falta de um veículo em que pudesse mostrar sua opinião de forma clara e aberta. Cerca de um ano depois, foi convidada para ser editora de blogs do Brasil Post, cargo que ocupa hoje

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Dentre as SEIS entrevistadas AFIRMAM SE PORTAR DE FORMA DURA DIANTE DE COLEGAS HOMENS

CINCO

© ACERVO PESSOAL

Foram seis as mulheres entrevistadas para esta reportagem. Todas do ramo da comunicação, em cargos de chefia ou considerados de poder. A seguir, elas formam um rico mosaico para entender questões pontuais, mas que se cruzam nos diversos ambientes de trabalho:


mulheres representam cerca de da forca de trabalho em regioes metropolitanas

© ACERVO PESSOAL

47%

ASSIMETRIA

de acordo com dados do IBGE em fevereiro de 2015

Bia Abramo Passou pela Folha de S.Paulo, Editora Globo e uma série de revistas femininas, como Marie Claire e Criativa. Atualmente, é editora de comunicação digital na Secretaria Municipal de Comunicação de São Paulo

ANTIGAMENTE, TINHA SÓ UMA EDITORA MULHER PARA CADA TRÊS EDITORES HOMENS NAS INSTÂNCIAS SUPERIORES DA REDAÇÃO

TODAS AS ENTREVISTADAS PASSARAM POR ALGUMA SITUAÇÃO MACHISTA DURANTE A CARREIRA

NATHALIE PROVOSTE

VISIBILIDADE

TODO DIA TENTO LUTAR CONTRA O MACHISMO VELADO. UMA DAS CAPAS DA SUPERINTERESSANTE SERÁ SOBRE ESTUPRO, TEMOS QUE DISCUTIR ESTES ASSUNTOS

KARIN HUECK É editora da revista Superinteressante. Já passou pelo Estadão, no setor de economia e esportes. Dentro da Abril trabalhou na Playboy e na VIP, esteve na Placar e também no Guia Quatro Rodas. Chegou a ser a única mulher de todo andar do prédio onde trabalhava

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Livros Profissões para mulheres e outros artigos feministas Virginia Woolf Na internet Observatório da Imprensa http://goo.gl/FiWfeA


tecnologia

eNCONTRO

REDE

DE

A cobertura da 8ª edição da Campus Party no Brasil, o maior evento de tecnologia do mundo

Texto por João Gabriel Hidalgo e Nathalia Gorga

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Design por André Valente

uando o start da 8a edição da Campus Party Brasil foi dado, nas horas derradeiras do dia 3 de fevereiro, não havia mais espaço para resets até o cessar desse mega evento, no dia 7 do mesmo mês. A inovação das startups, os avanços tecnológicos, os surpreendentes 50 Gbps por segundo de banda larga direcionados ao espaço São Paulo Expo — quantidade semelhante à necessária para abastecer a cidade de Belo Horizonte. As bancadas gigantescas que reuniram especialistas, estudantes e curiosos conectados online e offline ao redor de quinze palcos com atividades simultâneas. A atmosfera estava criada. “Pessoas, conteúdos e parceiros”, resu-

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miu a apresentadora MariMoon na abertura da Campus Party sobre o projeto iniciado em dezembro de 1997, na Espanha, e trazido ao Brasil entre 2007 e 2008 pela empresa Futura Networks. Para adequar a proposta do evento à nossa realidade, foram convidados especialistas brasileiros em cultura digital, dentre eles, Sergio Amadeu da Silveira, professor da Universidade Federal do ABC que, na época, era professor da pós-graduação da Faculdade Cásper Líbero. Silveira foi o diretor de conteúdos das três primeiras edições do evento no Brasil e envolveu estudantes e pesquisadores da Faculdade na proposta. Daniela B. Silva, que atualmente trabalha no financiamento de projetos de transparência na Open Society Foundation, em Nova York, estava no último ano do curso de Jornalismo quando foi indicada

pelo professor para trabalhar na Campus Party. A experiência da aluna com eventos de cultura digital ficou evidente no ano de 2007, quando procurou a coordenação da instituição para fazer uma “desconferência” sobre tecnologia na faculdade: o BarCamp Brasil. A primeira edição do evento tinha acontecido na cidade de Florianópolis, como o primeiro encontro de blogueiros e pessoas interessadas em discutir a apropriação social das tecnologias digitais, em 2006. No ano seguinte, o BarCamp São Paulo aconteceu no terceiro andar da Cásper Líbero, com a colaboração de alunos, ex-alunos e professores. “Talvez sem essa experiência anterior, de um evento mais plural, a Campus Party tivesse sido um encontro de nerds e geeks, menos amplo do que é no Brasil. Até hoje tem uma atmosfera BarCamp


YURI ALEXANDRE

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no evento”, disse Daniela. A jornalista lembra que muitas parcerias importantes para a cibercultura brasileira nasceram na FCL: parte do grupo que criou a Casa da Cultura Digital, a Transparência Hacker e a própria Campus Party por aqui. Na abertura da edição de 2015, Juca Ferreira, atual ministro da cultura, explicitou que o evento não diz respeito somente à técnica: “A cultura do século XXI tem muito a ver com o que está havendo na Campus Party: conexão produtiva”. E, ressaltou: “A internet tem a ver com o futuro e com o desenvolvimento cultural do Brasil”. Realmente, as 8 mil pessoas participantes (conhecidas como campuseiros), as mais de 600 horas de conteúdo e a estrutura proporcionada pelo governo municipal e por uma série de empresas patrocinadoras, sustentam a dimensão dessa intensa vivência anual. Entretenimento e trabalho em conjunto aspiram boas ideias no evento e maximizam sua importância no atual cenário nacional. Três grandes áreas formavam a estrutura da Campus Party na São Paulo Expo, que contou com mais de três mil pessoas na organização. A primeira era o espaço aberto ao público, onde não é necessário ter ingresso. Atrações mais voltadas para o marketing de empresas relacionadas à tecnologia, como o Submarino.com, que patrocinou a montagem de uma arena de combate para robôs no local, formavam o ambiente. O segundo era o galpão principal em que a maioria das atividades se desdobrou. Nele, centenas de pessoas plugadas compunham grandes mesas: lugares de exposição de máquinas customizadas, competição de jogos online e até de trabalho remoto, para cumprir a carga horária. Cada um com o seu objetivo criava o espírito ligeiro e repleto de informações da Campus Party Brasil. A terceira grande área foi reservada para o acampamento e banheiros restritos aos acampados. 42

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É POSSÍVEL UTILIZAR A TECNOLOGIA ONDE O PODER PÚBLICO FALHOU. USAR A INFORMAÇÃO PARA GERAR EFICIÊNCIA NOS ESPAÇOS DA CIDADE Ronaldo Lemos, pesquisador e diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio Outro ponto instigante do evento foi a apresentação do Programa Municipal de Inclusão Digital da Prefeitura de São Paulo. Antigos projetos de acessibilidade, como a rede de telecentros iniciada no governo Marta Suplicy, ainda perduram e novas estratégias pareadas com o desenvolvimento do mundo digital foram apresentadas. O Programa Wi-Fi Livre SP e o Redes e Ruas, ambos da gestão Haddad, oferecem acesso e fomento à inovação em cultura digital em 108 praças públicas da cidade. Além deles, a Prefeitura, como patrocinadora da Campus Party, também apresentou seu mais novo projeto na área: a construção de laboratórios de criação digital, os Fablabs. Doze deles, estruturados com tecnologia de ponta, devem ser entregues até o fim do ano. O pesquisador Ronaldo Lemos aposta nas tecnologias digitais para compensar as defasagens na acessibilidade que o governo não consegue suprir: “É possível utilizar a tecnologia onde o poder público falhou. Usar a informa-

ção para gerar eficiência nos espaços da cidade”. Presente no palco Terra, Lemos participou de um debate com o sueco Mikael Ahlström, empreendedor e sócio da Hyper Island, escola voltada para inovação, criatividade e estratégias digitais. Quem mediou a conversa foi o jornalista Zeca Camargo. Ahlström e Lemos ressaltaram o fato de a educação requerer um novo modelo adaptado à tecnologia. Enquanto o primeiro dava exemplos práticos, baseados em sua experiência na Suécia, o segundo enalteceu os contrastes que uma educação falha pode causar à sociedade. “É necessário colocar os alunos em posição de erro para o aprendizado crescer nas aulas”, afirmou Ahlström. Lemos concluiu: “a tecnologia pode aprofundar a desigualdade social a partir do desemprego estrutural. O único antídoto é a educação, a democratização das habilidades”.

Startup 360

Novamente no palco principal, uma apresentação foi muito marcante e


JOÃO GABRIEL HIDALGO

A dinâmica da Campus Party: tecnologia dos palcos às bancadas

aguardada: a do físico Chris Anderson, autor do famoso livro A cauda longa. Considerado um guru da tecnologia, ele concedeu uma palestra, no mínimo, motivadora para os futuros empreendedores presentes. Adepto à filosofia “Do it yourself ” e dono de uma das maiores empresas de fabricação de drones do mundo, Anderson indicou para os brasileiros que a hora para criar é agora e que as produções artesanal e industrial já são uma questão de escolha. Segundo o especialista, “os monopólios industriais estão se desfazendo diante da quebra das barreiras tecnológicas”. Vale lembrar que diversos pesquisadores falam em um novo tipo de controle: o informacional. Seguindo a tendência do “faça você mesmo”, a Campus Party Brasil 2015 criou o projeto Startup 360, proporcionando aos empreendedores iniciantes e ao público uma área exclusiva para as startups, onde os criadores de aplicativos podiam explicar como funcionavam suas ideias na prática. Um estande que

chamou atenção foi o do Namoro Geek, uma rede de relacionamento no qual o usuário responde às perguntas sobre o mundo dos games, por exemplo, e passa a fazer parte de um “universo”, para se enquadrar em um perfil amoroso. De acordo com um dos criadores, Rodolfo Estima Rodrigues, o aplicativo terá a versão gratuita e a premium, que possibilitará visualizar a geolocalização do outro. Para complementar os lucros, ele também visa futuros parceiros, como restaurantes que fazem propaganda dentro de aplicativos, como: “Está namorando? Que tal uma mesa para dois?”. Rodolfo se demitiu do emprego formal para se dedicar inteiramente à ideia, que surgiu há quatro anos, mas ainda não está concretizada. A decoração do estande do aplicativo Freeda coloria o espaço Startup 360. Patrícia Becker, advogada e uma das criadoras do projeto, contou sobre ele: “A Freeda é uma plataforma colaborativa para avaliação e cadastro de estabelecimentos que respeitam a diversidade sexual e a identidade de gênero. Então, por exemplo,

sou da população LGBT+ ou alguém solidário a causa, entro na plataforma e vejo quais são os estabelecimentos que estão sendo bem avaliados pela própria população”. Existe ainda a ideia de criar um selo social, em que as próprias empresas se voluntariem a aderir ao projeto. Diferentemente da startup anterior, a Freeda não tem fins lucrativos, todos os recursos devem acabar no aplicativo. Conectividade, interatividade, entretenimento, relacionamento, informação, conteúdo e criatividade foram as palavras-chave da Campus Party Brasil #8. Estar perto de um universo paradoxalmente tão próximo e distante é aprender com as novidades digitais. Não reduzir a tecnologia nem quem vive ao redor dela a maniqueísmos pode ser importante para conviver com a realidade do século XXI. Por mais que esse universo seja volátil, a dinâmica do compartilhamento está aí para torná-lo cada vez mais coletivo. A Campus Party é a festa do campuseiro, um microcosmos importante para tentar compreender os próximos passos da cibercultura. Maio de 2015 | CÁSPER

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música

SINCRONIA Das

mulTIDões mulTIDÕES Como o poder da mídia tradicional foi decisivo (ou não) nos festivais de música ao longo da história Texto por João Gabriel Hidalgo Design por Débora Stevaux

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© MARQUES/I HATE FLASH

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arque de diversões com direito a montanha-russa, bares bem estruturados, estúdios de maquiagem e música, palcos que levam nomes de grandes marcas e mais de quarenta foodtrucks foram alguns dos suportes midiáticos que contribuíram para a formação do espaço no Lollapalooza Brasil 2015. Distribuídas pelos 600 mil metros quadrados do autódromo de Interlagos, intervenções de merchan tímidas e outras um tanto quanto extravagantes forneceram conteúdo interativo aos frequentadores do evento. A parceria entre patrocínio e organização como a do “Lolla” é um dos fatores primordiais no formato de megafestivais mundo afora

atualmente. A busca de marcas em se alinharem à tendência cool dessas ocasiões para aparecerem melhor no mercado é o que dita a comunicação visual dentro dos shows. Contudo, nem sempre foi assim. A influência —decisiva ou não — dos meios comunicativos afetou de maneira diversa a história dos festivais de música no Brasil.

Era da TV

Foi um sábado, 21 de outubro. Nas calçadas, botecos e lares, cidadãos aguardavam antenados pela final do III Festival de Música Popular Brasileira, da TV Record São Paulo, que teria como palco — na avenida Brigadeiro Luís Antônio, 79 — o mais recente e amplo teatro adquirido pela emissora. Naquela noite de 1967, especificamente às 21h40,

começaram a concorrer compositores como Chico Buarque, Edu Lobo, Nana Caymmi, Geraldo Vandré e Vinicius de Moraes. Porém, duas canções apresentadas tinham uma estética paralela àquilo tudo: “Domingo no parque”, que misturava os arranjos orquestrais de Rogério Duprat, a criatividade de Gilberto Gil e a interpretação elétrica de Os Mutantes e “Alegria, Alegria”, marchinha pop de conteúdo despretensiosamente subversivo, escrita por Caetano Veloso e acompanhada pelos Beat Boys durante a apresentação na final. Embora o fato de ambas não chegarem à vitória no Festival, aquele seria o prenúncio do que hoje se conhece como Tropicália. Indubitavelmente, o acontecimento reflete a influência no cenário musical


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Arnaldo Baptista, um dos poucos tropicalistas na ativa em festivais, durante a apresentação no Psicodália 2015, em Santa Catarina

e na cultura brasileira que esses eventos de música desempenhavam ao longo da década de 60 e nos primeiros anos da de 70 (também devem ser evidenciados os Festivais da TV Excelsior e os Festivais Internacionais da Canção promovidos pelas TVs Rio e Globo). “Os festivais televisivos foram uma loucura. Funcionaram como uma preanunciação de coisas que estavam surgindo no setor da música, mas que ainda estavam adormecidas. Foram um novo jeito de a música se relacionar com a mídia e a TV estava nessa jogada”, recorda o produtor cultural Cláudio Prado. No Brasil, de acordo com o escritor Zuza Homem de Mello em A Era dos Festivais: uma parábola existem duas concepções de festivais: os marcados pela competitividade, como eram os Festivais de Música Popular Brasileira e os categorizados por serem exibições artística-culturais que, em suma, têm como fim o entretenimento durante as exposições. Sobre o primeiro tipo, Cláudio Prado afirma serem uma ideia comercial: “Não é tão diferente do que vemos hoje na televisão, no The Voice, por exemplo. Essa coisa de ter um ganhador e um perdedor atrai público”. 46

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Já do ponto de vista de Arnaldo Baptista, ex-Mutantes, os festivais respaldados na competição de que participou eram experiências desafiadoras para os músicos: “Sempre existia o fator perigo. A gente podia ser vaiado ou aplaudido. Então, entrávamos no palco com aquela sensação de ansiedade, sem saber no que ia resultar”.

Livre e grátis

Enquanto a televisão era a protagonista do que se consumia musicalmente e a ditadura sufocava novas expressões no país, festivais de cunho libertário, ideologicamente baseados no movimento hippie, começavam a eclodir pelo mundo. Paisagem bucólica, acampamento, amor livre, naturismo, muito ácido e extensa programação musical compuseram o formato das vivências que tiveram seu estopim na Inglaterra com o Festival da Ilha de Wight, entre 1968 e 1970, e nos Estados Unidos com o Woodstock, em 1969. Essas ocasiões representavam, além dos palcos ocupados pelos melhores artistas da época, uma visão de mundo paralela à política da direita ou da esquerda. O conceito free, como aponta

Cláudio Prado, que viu de perto o que aconteceu na Ilha de Wight e participou da organização do que viria a ser o Glanstonbury (hoje, o maior festival do mundo) na Inglaterra, era a essência desse modelo, então, recente. “O que fizemos lá foi absolutamente contracultural, free. A palavra free em inglês tem uma dualidade. Free é livre e é de graça ao mesmo tempo. Isso estabelece uma relação extremamente interessante na língua-mor do sistema capitalista. Freedom [liberdade] seria também o estado das coisas grátis em tradução livre”, explica. No fim dos anos 1960, a manifestação do que poderia ser conhecido como a contracultura brasileira foi o já citado tropicalismo, que passava a obter um reconhecimento expressivo no exterior, ao mesmo tempo que os militares exilavam seus percursores. Inclusive, Gil e Caetano, que foram para a Inglaterra, chegaram a se apresentar na Ilha de White e em Glastonbury por intermédio de Cláudio Prado. Tal fato revela a independência desses festivais, que tinham uma estrutura bastante horizontal em suas organizações e um cenário onde a


TODOS ESSES FESTIVAIS TIVERAM SEMPRE OS MESMOS PROBLEMAS: NO FIM, QUANDO TUDO ACABA, TEM UMA QUANTIDADE DE PESSOAS QUE NÃO SABEM MAIS PARA ONDE VÃO Cláudio Prado, produtor cultural

transgressão era possível: “O Woodstock foi um acidente de percurso, não tinha nenhuma pretensão de ser daquele tamanho. Em Glanstonbury a loucura era muito mais sofisticada, tinha até uma pista para aterrisagem de Objetos Voadores Não-Identificados (OVNIs). Nós conseguimos construir um território liberado onde a lei transgredia as normas fora dos muros. Ninguém ia te impedir de andar nu. Podíamos dizer no microfone: ‘Não comprem esse LSD vermelhinho que tão vendendo por aí, porque ele é pilantra. Tem LSD de graça aqui na cantina para quem quiser’. Anunciávamos e a polícia andando por lá. Isso era o sentido libertário, a expressão política de um movimento que buscava um novo mundo possível”, conta o produtor cultural. Toda essa expressão era bem menos palpável para o Brasil do AI-5. Por causa do regime militar, implantado quatro anos depois da primeira edição do Festival de Música Popular Brasileira da TV Record, a possibilidade de uma cadeia de produção organizada na música foi completamente interrompida. E se não houve uma organização autônoma e livre,

não existiu muito espaço fora da exceção para grandes eventos que traduzissem o sentimento contracultural brasileiro. Segundo Cláudio Prado, a própria dinâmica do mercado musical era rígida, de cima para baixo: “Na época da ditadura, que fechou tudo, o lançamento de alguém era no Fantástico. Você lançava no Fantástico, a gravadora da Globo assinava e vendia um milhão de discos”.

Woodstock tupiniquim

Nem mesmo a ordem militar foi capaz de interromper o sonho de um “bichogrilo”. A família de Antonio Cecchinn Jr., o Leivinha, era proprietária da fazenda Santa Virgínia, em Iacanga, interior de São Paulo. Há exatos 40 anos, em 1975, o jovem convenceu seus pais de que aquele lugar era ideal para a empreitada de um festival de música, o Festival das Águas Claras. Talvez eles não soubessem, todavia, das mais de 30 mil pessoas que passariam por lá. Leivinha chegou a assinar um termo de responsabilidade no Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) pelos atos que pudessem acontecer na fazenda. Gente nua, drogas,

camping, o formato conhecido internacionalmente. No palco, Os Mutantes, Jorge Mautner, Moto Perpétuo, O Terço, entre outros. Dez dias de uma realidade até então impensável: “Participei daquele primeiro festival de uma forma intensa e foi fantástico. Na verdade, vieram os malucos beleza de tudo quanto é lugar atrás de maluquice beleza. Teve gente que veio da puta que o pariu andando, de carona...”, lembra Cláudio Prado que ajudou o evento a acontecer. A primeira edição do Festival das Águas Claras se sucedeu sem grandes problemas com o público ou com a repressão militar. Porém, o evento ficou marcado. Por seis anos, Leivinha foi proibido de dar continuidade a ele. Somente em 1981 e, consequentemente, nos anos de 1982, 1983 e 1984, que ele organizou mais quatro edições, consolidando as ocasiões historicamente por juntar o rock’n’roll, como o de Raul Seixas, com a MBP, a exemplo do show de João Gilberto, fechando um ciclo de manifestações culturais que acompanharam o processo de abertura política no país, demarcando a identidade de Maio de 2015 | CÁSPER

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O ponto alto do Tommorowland Brasil foi a decoração exuberante que tornou a experiência em algo além da música

quem via na liberdade um estilo de vida: “Todos esses festivais tiveram sempre os mesmos problemas: no fim, quando tudo acaba, tem uma quantidade de pessoas que não sabem mais para onde vão. Para muita gente mudou a vida e muitos também chegaram em casa, levaram um esporro e foram colocados de volta na linha. Mas aquele momento era uma tentativa de mudar o mundo”, interpreta Cláudio Prado.

“Pro dia nascer feliz”

Graças à Lei de Anistia assinada na manhã de 28 de agosto de 1979 pelo presidente João Figueiredo, nos primórdios dos anos 1980 já era possível reconhecer um cenário político que favorecia o crescimento da cultura jovem no Brasil. Porém, nada se comparou ao que dali demoraria cinco anos para vingar. Em 15 janeiro de 1985, as primeiras eleições para um presidente civil desde João Goulart foram realizadas 48

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no país, o PMDB de Tancredo Neves venceu, enquanto os shows do megafestival Rock in Rio globalizavam a relação do brasileiro com a música. “Tudo mudou depois do Rock in Rio, o festival que parou o país de 11 a 20 de janeiro de 1985 para colocá-lo na rota dos shows internacionais, apresentar um imenso público jovem à sua nação e elevar o pop brasileiro a outro nível de profissionalismo”, escreveu o jornalista Ricardo Alexandre em seu livro Dias de luta: o rock e o Brasil nos anos 80, que analisa uma década inteira de transformação política-cultural por meio da música. Um complexo corporativo de 250 mil metros quadrados formou o espaço conhecido como rockódromo ou a Cidade do Rock. Bandas mundiais como Queen, Iron Maiden, AC/DC, Ozzy Osbourne e Yes, além de artistas nacionais como Ney Matogrosso e Paralamas do Sucesso, fizeram do rock a trilha so-

nora da abertura democrática. O Barão Vermelho, que também se apresentou, e uma canção em particular deles, tiveram um impacto memorável no evento: “Cazuza se enrolou numa bandeira, iniciou um breve discurso inflamável e a banda começou ‘Pro dia nascer feliz’. (...) Na mesma semana, a revista americana Newsweek estamparia em sua capa uma reportagem sobre a eleição de Tancredo Neves com o título “Bom dia, Democracia”. Nunca tais palavras de esperança fizeram tanto sentido”, relata Alexandre.

Mundo novo

A consolidação da vinda de artistas internacionais em apresentações desse porte é refletida hoje com a manutenção do próprio Rock in Rio e de festivais que foram exportados para a América Latina, como é o caso do Lollapalooza. Este, que teve sua quarta edição no Brasil realizada em 2015 também já é uma realidade


DÉBORA STEVAUX

“Amanhã é um mistério” - O Tomorrowland é o maior festival de música eletrônica do mundo. Originado em 2005 na Bélgica, o evento aposta no misticismo como seu conceito-chave, a decoração ousada, as luzes, fantasias e shows pirotécnicos são parte principal do entretenimento. - Com sua primeira edição no Brasil em maio de 2015, o Tomorrowland Brasil aconteceu na cidade de Itú. O mix de música e ambientação agitou cerca de 250 mil pessoas durante três dias. - O evento proporcionou uma área de acampamento chamada Dreamville, nela a proporção de estrangeiros, principalmente da América Latina, e brasileiros foi praticamente a mesma. O chileno Marcos Muñoz Morales veio acompanhado de dez amigos conterrâneos: “Frequentamos festivais de música eletrônica no Chile, mas nada se compara ao Tomorrowland”, afirmou. - Juliana Cabral, de Volta Redonda, Rio de Janeiro, estava extasiada: “O line-up está muito bom. O “Tomorrow” era um sonho distante e de repente temos uma edição no Brasil, estou gostando de tudo”, exclamou.

aguardada ano após ano por frequentadores de megashows. A diferença é que a interação e influência do público para a montagem e até a escolha do line-up (agenda de shows) do “Lolla” faz dele cada vez menos um festival de nicho, que abrange seu público a partir de um princípio: “A gente vê o festival como uma bandeira da música atual. Essa é sempre a preocupação. Não olhamos para o Lollapalooza como um festival de música alternativa”, explica Alexandre Wesley, gerente de shows da Time For Fun, empresa responsável pelo evento aqui. Sobre a comunicação, não só publicitária, para a realização do Lollapalooza, ele não transfere a importância das mídias tradicionais para as digitais, embora concorde com o fator crucial da conexão que estas promovem para a compreensão cada vez maior de seu público-alvo: “É engraçado, porque não é que a mídia mudou de barco, ela só ampliou. A gente acredita

muito na internet e nesse movimento dentro da web, seja ele para anúncio, para escutar o público, informar, vender o peixe, enfim. É a mídia que a gente mais usa. Mas o que falamos não se torna relevante por causa desse meio, se torna relevante porque o rádio continua falando, a imprensa, a televisão, é porque você vai na rua e vê a marca do Lollapalooza. A mídia eletrônica é só — e isso é uma coisa gigante — um desmembramento do que está acontecendo no mundo não virtual. É louco isso. Apesar da força de convencimento, ela é um apêndice. Não se resolve por si só. A matéria no Fantástico tem uma repercussão incrível para um moleque que nem assiste televisão, o jornal também. É uma questão de credibilidade”. Por sua vez, Arnaldo Baptista não consegue omitir a verdadeira faceta ao apresentar sua perspectiva sobre as vivências de festivais: “Eu acho que a gente tem que deixar o lado psicodélico

reger, aconselho a ser o mais psicodélico possível. Ativar o lado da inspiração e deixar a gente livre dos problemas diários, fazer a barba, botar gasolina, trocar pneu. Entramos mais numa coisa de emoção direta com o amor nos festivais. Neles existe uma espécie de comunhão de interesses”, finaliza. Seja para viver o clima paz e amor, para o acompanhamento das tendências ou para curtir com os amigos, os festivais sempre representaram tremendos marcos de excitação cultural no Brasil. Dentro de um sítio ou de um estúdio televisivo, o exercício de matar a fome do espírito com a música sempre atingiu altos picos de satisfação para quem já reservou um tempo para esses eventos. Os festivais de música são memória e anseio, expressam os desejos das gerações e as aproximam pela intenção de felicidade em comum. Sugerem festa, a sincronia das multidões. E os meios de comunicação sabem bem disso. Maio de 2015 | CÁSPER

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inovação

uma

MOEDA

autonoma

Os bitcoins além dos seus impactos econômicos

A

Texto e design por Nathalie Provoste

conta no bar e bicicletaria Las Magrelas somou 50 reais. Em vez de pegar a carteira, o cliente segura o celular, abre um aplicativo, digita nele o valor a ser pago e faz a conversão: 50 reais equivalem a 0,059 bitcoin. Então, é escaneado um QR code (código semelhante ao de barras) na tela do caixa do estabelecimento e pronto: o pagamento é efetuado. Uma operação aparentemente simples na prática, mas complexa como ideia: o que, afinal, é o bitcoin? Em resumo, trata-se de uma moeda digital, ou criptomoeda, que não depende de uma autoridade central para funcionar. Segue a lógica peer to peer, do vendedor direto ao comprador, sem nenhum banco como intermediário. Essa é a grande ideia por trás do bitcoin: ser independente e manter a privacidade de seus usuários por meio do anonimato. O Las Magrelas aceita bitcoins há dois anos e, segundo Talita Noguchi, só50

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cia e proprietária da loja, a criptomoeda não é investimento. “O bitcoin é anárquico, ele quebra toda uma ideologia bancária. A especulação que gira em torno do bitcoin diz respeito a como a sociedade enxerga algo novo, e não a qual é a ideia da moeda, de fato”, considera. Assim como o site WikiLeaks, o projeto do navegador Tor e do site de busca DuckDuckGo, a ideia do bitcoin é manter o anonimato de seus usuários num mundo onde grandes empresas têm cada vez mais acesso a informações pessoais de seus clientes. “Privacidade para os fracos, transparência para os poderosos”, como diz a máxima dos militantes da internet livre. É possível comprar bitcoins com uma moeda comum (como o real) e guardá-los numa conta em um dos variados sites especializados em “carteiras digitais”, que se assemelham a bancos na internet — a não ser pela parte do anonimato. Até há como rastrear as transações de uma conta a outra, mas não há como saber quem são os verdadeiros donos delas.

Os bitcoins são gerados na internet por meio de um programa gratuito chamado Bitcoin Miner (Minerador Bitcoin). Na sequência, mineradores especializados precisam decifrar um código de criptação moderno gerado por esse software, uma tarefa extremamente cara e complexa. Além disso, a criptomoeda pressupõe a escassez (o que a valoriza), e será minerada até atingir a sua quantidade limite, que é de 21 milhões de unidades. O Mercado Bitcoin é um dos principais sites que aproximam compradores de vendedores de bitcoins: eles não mineram a moeda, apenas recebem uma taxa sobre as negociações feitas pelo site. Rodrigo Batista, CEO da empresa, afirma que usar a criptomoeda é semelhante a um banco na internet para quem tem um certo traquejo tecnológico. “Se roubam o internet banking de uma pessoa, ela tem para onde reclamar, mas se roubarem seus bitcoins, a culpa ‘foi dela’”, explica. O bitcoin não é novidade: foi criado em 2009 por programadores anônimos


e, desde então, algumas lojas físicas e online passaram a aceitá-lo como forma de pagamento. Segundo Talita, o difícil não é trabalhar com a moeda, e sim encontrar pessoas que a utilizem no cotidiano. “Ultimamente houve uma queda grande no uso do bitcoin, porque ele acabou gerando especulação demais. Então, as pessoas não querem mais gastá-lo — preferem deixá-lo nos bolsos e ver como ganhar em cima disso”. Afinal: bitcoin é dinheiro ou dá dinheiro? Antes disso, vale discutir a definição de moeda.

Legitimidade

Uma das características da moeda é ser utilizada como meio na troca de bens. Isso o bitcoin faz. No entanto, para alguns economistas ligados às teorias keynesiana e pós-keynesiana, ele não seria uma. Porque, na verdade, tem características de um ativo financeiro qualquer — isto é, alguma coisa que tem valor de troca, mas que não é propriamente dinheiro. Uma moeda precisa dar garantias

para ser aceita e cumprir a função de conservar a sua riqueza ao longo do tempo. Mas, sem regulamentação, não há segurança, e por trás desse investimento, não existe nenhum órgão ou instituição que mantenha o seu valor e continuidade. “O bitcoin pode não dar certo e desaparecer simplesmente porque não o aceitam mais no mercado”, explica Lucilene Morandi, doutora em Economia da Indústria e da Tecnologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O que indica o preço do bitcoin é a sua demanda, determinada pela especulação. É por isso que o preço da criptomoeda flutua tanto. Assim, para Lucilene, se houver uma crise financeira, as pessoas vão correr para moedas comuns, e não para os bitcoins: “Se você tivesse duas opções bem radicais para guardar sua riqueza: ou guarda tudo em bitcoin, ou guarda tudo em real, o que você faria?”, provoca. Assim como, em 1994, era difícil achar alguém para quem enviar um e-mail, porque poucas pessoas tinham

um endereço eletrônico, hoje ainda não é fácil encontrar um lugar que aceite bitcoins. Lucilene Morandi aponta que a questão no mercado é se vai ficar liberado assim ou se será regulamentado. “Há uma grande espera: se a regulação virá, quando será, em que direção irá e como vai ser”, observa. Para Rodrigo Batista, o bitcoin ainda está amadurecendo como tecnologia, e vai demorar um pouco para ser mais presente no nosso dia-a-dia. As empresas que já trabalham com bitcoins e as que ainda vão surgir facilitarão o uso dessa moeda. “A adoção da criptomoeda é linear, e não exponencial como o uso de uma rede social, que, do nada, todo mundo está dentro”, explica. “Vinte anos atrás, ninguém imaginava que a internet chegaria em algo como o Facebook ou o Waze, por exemplo. Com essa inovação a gente pode criar produtos, fazer máquinas, falar entre elas — são muitas opções. Então não dá nem para saber aonde isso vai chegar, mas eu acho que ele tem um futuro garantido”, conclui. Maio de 2015 | CÁSPER

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resenha

ATIVISMO MEDI Sobre olhar o contemporâneo nas mídias digitais Texto por Luís Mauro Sá Martino Design por Nathalie Provoste

E

m um conhecido texto intitulado O que é o contemporâneo?, o filósofo italiano Giorgio Agamben destaca a dificuldade de pensar o tempo no qual se está imerso. A proximidade faz o contemporâneo parecer transparente, simples, quase fácil de ser entendido e interpretado. Mas, para compreender um pouco melhor o que se vive, é necessário fazer um exercício mental mais elaborado. É preciso se deslocar de seu próprio tempo, como se, por um instante, o mundo onde se vive se tornasse estranho. Com essa perspectiva, a atualidade finalmente pode ser mais bem entendida. É esse desafio que Magaly Prado, 52

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jornalista e professora da Faculdade C;asper Líbero, doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, decide enfrentar em Ciberativismo e noticiário: da mídia torpedista às redes sociais. Sua proposta é delinear um panorama das formas contemporâneas de mobilização política em sua relação com o ambiente da internet e das mídias digitais. O livro ajuda a entender as transformações sociais presentes nas propostas e atitudes de cidadãos e cidadãs, pessoas que estão encontrando novas formas de fazer política e a desafiando a se reaprender em um novo ambiente. A ação das mídias nos acontecimentos sociopolíticos de junho de 2013, em várias cidades do Brasil, e em outras datas ao redor do mundo, é uma das portas de entrada escolhidas por Magaly para

estudar a política contemporânea na sua relação com o ciberespaço. A autora resgata vários momentos nos quais as redes sociais foram decisivas, seja na organização de ações, seja na divulgação de informações em uma escala mais ampla do que poderia ser feito com qualquer outro tipo de mídia. Até porque, como destaca, nas redes sociais as mensagens tendem a ser compartilhadas de uma maneira “horizontal”, menos hierárquica do que nas chamadas “mídias tradicionais” — e, por conta disso, com um poder de mobilização diferente e, por que não, mais dinâmico. As situações apresentadas por Magaly para construir sua argumentação não são apenas exemplos, mas objetos de análise pensados à luz de vários autores que se dedicam ao estudo do cibe-


chapéu Na Internet Soundcloud - Ciberativismo soundcloud.com/ciberativismo

+

ADO Ciberativismo e Noticiário - da mídia torpedista às redes sociais Magaly Prado Editora Alta Books, 284 páginas

respaço e das mídias digitais. Com isso, transita com facilidade dos eventos do cotidiano a uma perspectiva teórica mais elaborada, garantindo o interesse e uma diversidade de estilo que faz a leitura fluir com leveza — não parece ser um livro de mais de duzentas páginas. Ao contrário, a variedade de temas, fatos, teorias e situações apresentadas garante um bom ritmo. Há uma bem-vinda opção de, na diagramação do livro, intercalar a argumentação da autora com fotografias, boxes, entrevistas e print screens. Neste último caso, vale inclusive destacar uma nota sobre o método de pesquisa que, entre outros fatores, é responsável pela fruição da obra. Não é possível estudar as redes sociais digitais, afirma Magaly, sem estar

presente nelas, sem viver sua dinâmica, velocidade, possibilidades e limites — bem como seus paradoxos e desafios. Essa vivência pode ser percebida ao longo de toda a leitura: não se fala das redes a partir de uma visão externa, muito menos superior: a autora não oferece respostas prontas nem aponta caminhos para o que vai acontecer, em um exercício arriscado de previsão do futuro. Ao contrário, Magaly joga com uma diversidade de perspectivas que evita, de saída, qualquer possibilidade redutora — o exercício da crítica é também o da pluralidade. Nesse sentido, ao trabalhar o ciberativismo, a autora mostra sua interrelação com o contexto político fora de qualquer relação de “causa e efeito” que reduziria a complexidade das ações hu-

manas a uma linearidade. Com essa opção, Magaly, evita uma dicotomia entre a perspectiva de que a “internet não trouxe nada de novo”, exagero correlato a dizer que “a internet mudou tudo”. O resgate da política, feito por ela, é também uma valorização do humano. O ativismo é potencializado, transformado e repensado no ciberespaço, mas não deixa de ser uma ação, sobretudo humana e social, dependendo de pessoas, não de dispositivos digitais, das máquinas, para acontecer. Luís Mauro Sá Martino é formado em Jornalismo pela Cásper Líbero, fez mestrado e doutorado em Ciências Sociais na PUC-SP. Foi pesquisador na Universidade de East Anglia (Norwich, UK). É autor dos livros Teoria das Mídias Digitais, The Mediatization of Religion, entre outros.

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portfólio

AMA 54

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© JONNE RORIZ

HISTÓRIAS

ZÔNICAS Texto por Jonne Roriz Design por André Valente

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© JONNE RORIZ

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avegar pelo Rio Negro, voar em busca de áreas desmatadas, mergulhar com botos, dormir em aldeias e participar de rituais indígenas. Tudo isso faz parte de minha rotina profissional ao longo de vinte anos de carreira. A Amazônia é meu ponto de parada pelo menos duas vezes ao ano, e o objetivo é sempre o mesmo: contar histórias. Não é difícil agir de forma poética em meio a um cenário tão rico. A beleza da maior biodiversidade do planeta atrai até mesmo os olhares mais viciados e seus personagens multifacetados contagiam a todos. Ao longo desses anos registrei histórias boas e ruins, e a recompensa por ter realizado esses trabalhos não vieram só em forma de prêmios, exposições ou participação em grandes projetos, mas em satisfação pessoal e profissional. A imagem é um dos principais elementos na luta contra o desmatamento ou no combate à extinção de espécies na Amazônia. Como fotojornalista, me sinto na obrigação de contribuir com a preservação desse patrimônio mundial. A melhor forma é transformar essas histórias em públicas e sensibilizar a quem, de fato, pode tornar a solução viável. Uma das fotos desse portfólio é a da jovem indígena Ranieli, de seis anos, da etnia Satere Mawe, que vive na aldeia Ponta Alegre, às margens do Rio Amazonas. A criança cresceu com o seu macaco Guariba e o animal a trata como se fosse sua mãe, protegendo-a e atacando as pessoas que nela encostam. Uma relação surpreendente e curiosa de convivência harmônica do homem com a natureza selvagem. A imagem foi contemplada com o prêmio Prix de la Photographie de Paris em 2008. Por outro lado, participei de projetos e matérias que lutam pela preservação do símbolo da Amazônia: o boto vermelho ou boto rosa, como é popularmente conhecido. O animal está sendo caçado e morto indiscriminadamente por pescadores. Um triste retrato do descaso e um sério risco de colocarmos o Brasil na lista fúnebre de animais extintos do planeta. A Amazônia é uma fonte interminável de boas imagens. Eu espero continuar, ainda por muitos anos, documentando esse território mágico. Jonne Roriz é fotógrafo independente, com mais de trinta prêmios nacionais e internacionais. Contribui com grandes veículos jornalísticos do país, como Veja e O Estado de S. Paulo e atua no mercado publicitário e institucional.

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© JONNE RORIZ

Na foto, comunidade da Aldeia Simão, da etnia Satere Mawe, na região indígena de Andira, a cerca de quatro horas de voadeira da cidade de Parintins, à margem do Rio Amazonas


© JONNE RORIZ

FIZERAM LOGO O PROJETO SEM NINGUÉM TESTEMUNHAR PRÁ O DRAGÃO DE FERRO CORTAR MADEIRA E TODA MATA DERRUBAR [...] E QUEM HABITA ESSA MATA, PRÁ ONDE VAI SE MUDAR? CORRE ÍNDIO, SERINGUEIRO, PREGUIÇA, TAMANDUÁ TARTARUGA: PÉ LIGEIRO, CORRE-CORRE TRIBO DOS KAMAIURA

Trecho da canção “Saga da Amazônia”, de Vital Farias

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© JONNE RORIZ © JONNE RORIZ

Estudantes retornam para casa em uma lancha escolar, próximo à cidade de Melgaço, a cerca de 16 horas de barco da cidade de Belém do Pará. Segundo o IBGE, metade da população de 24 mil habitantes não é alfabetizada

Retrato subaquático do boto vermelho, ou boto rosa, para matéria da revista Veja sobre a matança desses animais na pesca da Piracatinga em municípios da Amazônia. A imagem foi contemplada com o Award of Excellence

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YURI ANDREOLI

casperianas tipo de auxílio”. Na segunda data a aula não foi magna, mas sim “Magda” (referência a uma personagem atrapalhada do programa Sai de Baixo), como a bem-humorada roteirista, Thelma Guedes, definiu. Ela contou sua trajetória e falou sobre suas obras com o intuito de levar os alunos à reflexão acerca do processo criativo para compor roteiros.

Legenda legenda legenda A roteirista Thelma Guedes foi uma das convidadas para a aula magna de RTVI

Palavras de credibilidade Por Nathalia Gorga

As típicas aulas magnas de início do primeiro semestre letivo não deixaram a desejar, tanto no quesito da comunicação integrada, quanto na qualidade dos convidados. Os resultados deixaram o diretor da Faculdade Cásper Líbero, Carlos Costa, satisfeito: “Foi um começo de ano de tirar o chapéu. Como falam os espanhóis: ‘olé’”. O que será do jornalismo? Na aula magna de Jornalismo, os alunos contaram com a presença de três profissionais experientes: André Caramante e Claudia Belfort, idealizadores da Ponte, canal de informação sobre direitos sociais e civis, e Dácio Nitrini, diretor do Jornal da Gazeta. O debate consistiu em analisar os caminhos do jornalismo diante da internet e

de concorrentes, como os dos assessores de imprensa. Para Dácio, o futuro da profissão “está nebuloso, a velocidade das mudanças tecnológicas implicaram em uma mudança cultural no mundo e, consequentemente, no modo de ser jornalista e fazer jornalismo”. Incentivo e criação As aulas magnas de Rádio TV e Internet aconteceram em dois dias. No primeiro, o convidado foi Alfredo Manevy, diretor e presidente da SP Cine. Ele falou sobre sua carreira e ressaltou a importância do apoio governamental para o crescimento do setor audiovisual: “Hollywood só é Hollywood porque houve um planejamento estratégico com política de investimento do Estado, nenhum país do mundo chegou lá sem esse

Sarkovas e Araújo sobre RP No curso de RP, o evento foi realizado com as palestras de Yacoff Sarkovas, sócio e CEO da Edelman Significa, uma das maiores agências de Relações Públicas do mundo, e de Rodolfo Araújo, líder da área de conhecimento, inovação e pesquisa da mesma empresa. Os profissionais passaram as informações sobre o mercado de RP didaticamente. Yacoff deixou um recado importante: “Repertório é tudo. Qualquer profissão, não importa qual seja ela: mais artesanal, mais intelectual, mais física. Não importa o talento, ele sempre pode ser maior se aplicado ao repertório. Quanto mais referências você tiver, mais vai valorizar o seu próprio talento”. Wolton e a liberdade de expressão As culturas nem sempre convivem em harmonia. Um desses exemplos foi o recente ataque à sede do jornal Charlie Hebdo, em Paris. Sobre o fato, Dominique Wolton, diretor de Pesquisa do Centre National de La Recherche Scientifique (C.N.R.S), ministrou sua aula magna dirigida à pós-graduação da Cásper. O pensador francês suscitou questões centrais, como: “Devemos manter ou limitar nosso direito de se expressar? Não podemos mais ofender terroristas?”. A resposta veio em seguida: “Se cedemos, abrimos outras portas para o fim da liberdade de expressão”, levando os convidados a se manifestarem a favor e contra ele no auditório. Além disso, Wolton apontou para um dos usos criminosos da comunicação: “O terrorismo está usando cada vez mais a mídia”. Maio de 2015 | CÁSPER

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Diálogo sobre meio ambiente Por Nathalia Gorga

Pelo segundo ano consecutivo, a Faculdade Cásper Líbero fez parte do Circuito Universitário da Mostra Ecofalante de Cinema Ambiental, que esteve em sua 4ª edição. Os filmes: A Escala Humana, A Crise Global da Água e Amazônia Desconhecida foram exibidos ao longo do dia 10 de março, nos períodos da manhã, tarde e noite. Acessando o site da 4ª Mostra Ecofalante (ecofalante.org.br), é possível saber mais sobre eles. A Profa. Cilene Victor e o cineasta e professor, Ninho Moraes, conversaram sobre os temas abordados na primeira obra (A Escala Humana), como, por exemplo, o da mobilidade urbana, que a professora ressaltou em uma entrevista à produtora experimental da Faculdade, Clact Zoom, não ter a ver somente com a emissão de gases poluentes, mas com qualidade de vida. Além disso, Cilene também destacou a maior contribuição do evento: “A inquie-

tação que ele provoca. Deu para percebê-la por meio das perguntas e olhares dos presentes”. Para ela, os alunos saíram, principalmente, com a percepção de que o futuro profissional de comunicação tem um papel fundamental na gestão de riscos, ou seja, de questões como a falta d’água e uma crise energética se prolongarem. Para encerrar o evento, o filme Amazônia Desconhecida desvendou algumas realidades da “Amazônia cósmica, gigantesca e plural” — palavras de um dos diretores da obra, Eduardo Rajaballi. Em seguida, ele, o jornalista e ativista Ricardo Carvalho, o diretor da mostra, Chico Guariba, e Ninho Moraes discutiram a obra e outras questões ambientais. Ricardo ressaltou: “Tudo vem da natureza, se você olhar aqui [no Teatro] tudo vem dela: a roupa, o tapete, a cadeira”. O ativista também associou o trabalho jornalístico com o meio ambiente: “Você, sendo honesto com o que viu,

está cumprindo o papel de repórter, mas isso não quer dizer que está sendo imparcial, porque, com certeza, a pauta do meio ambiente entrou em você e te torna um soldado dessa causa”. O diretor da Mostra Ecofalante, Ricardo Carvalho, conta sobre o procedimento para a realização do evento: “Estamos aprimorando nossa curadoria de filmes. Hoje assistimos mais de mil para selecionar e trazer quarenta”. De acordo com ele, o diferencial da Mostra é a questão das obras, que não só abordam problemas contemporâneos, mas também são muito boas em termos técnicos. Para o cineasta Ninho Moraes, ser mediador do debate foi um desafio, mas ele alcançou seu objetivo, que era transformar a discussão em algo palatável e agradável. Foi um evento rico em conhecimento e diálogo, a combinação ideal para falar sobre meio ambiente. YURI ANDREOLI

Ninho Moraes, Eduardo Rajaballi, Chico Guariba e Ricardo Carvalho compuseram a mesa final do evento 62

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Como o CIP me ajudou a pensar por mim mesmo Por Leandro Beguoci © TOW KNIGHT

Ganhei uma bolsa do CIP, o Centro Interdisciplinar de Pesquisa da Faculdade Cásper Líbero, em maio de 2002. Lembro bem do dia. Estava no laboratório de redação, fazendo um trabalho para a disciplina de Jornalismo Opinativo, durante meu segundo ano de graduação. Quando terminei, chequei o e-mail: a notícia estava lá. Foi um dos dias mais legais daqueles quatro anos universitários. Minha pesquisa no CIP foi sobre o valor econômico das notícias. Eu tinha várias dúvidas. Por que as pessoas compram jornais? Por que as pessoas leem revistas? Por que as agências de informações econômicas faziam tanto dinheiro com terminais? Eu tinha uma forte formação marxista na época, e não conseguia entender o valor econômico criado pelas notícias. Tudo parecia frágil demais. O processo de pesquisa foi iluminador. O orientador me passou uma bela bibliografia sobre metodologia científica. Depois de assentar as bases, ele sugeriu entrevistas em profundidade com pessoas do mercado financeiro, para entender como elas usavam as notícias. De repente, eu conseguia enxergar um monte de coisas que estavam lá. Foi como abrir uma janela num quarto escuro. Acabei chegando à conclusão de que a escassez de notícias criava muito valor em alguns setores. Se uma empresa ou organização sabia algo antes ou melhor do que a concorrente, tinha uma vantagem comparativa significativa. Ainda me lembro dos elogios quando entreguei o trabalho final: “é o estado da arte nessa área”, disse meu orientador. Obviamente, era generosidade. Mas essa generosidade, dele e do centro, me deu um estímulo gigantesco para continuar ligado à universidade. Aprendi a amar metodologia — e a academia. Depois do CIP, segui uma carreira híbrida. Sou jornalista e professor universitário, trabalhei em redação e fiz mestrado, crio sites jornalísticos e continuo lendo literatura acadêmica. Mas as

Leandro Beguoci conta como o CIP foi a base de sua vida acadêmica

inquietações do Centro Interdisciplinar de Pesquisa continuam lá. Eu ainda sou fascinado pelo valor criado pelo Jornalismo, agora na era da abundância de informação. As perguntas mudaram. O mundo mudou. A internet praticamente inutilizou minhas conclusões de 2002. Mas aquelas primeiras perguntas, que o CIP me permitiu fazer, continuam lá. O centro me ajudou a pensar por mim mesmo, e isso não tem preço nem prazo

de validade. É um dos maiores e melhores presentes que já ganhei na vida. Leandro Beguoci é formado em Jornalismo pela Cásper Líbero e tem mestrado em governança de mídia e comunicações pela London School of Economics and Political Science. É editor-chefe da F451, sócio da OrbitaLAB e membro da Tow-Knight Center for Entrepreneurial Journalism, programa de pós-graduação em jornalismo da City University of New York.

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MRPANYGOFF/WIKIMEDIACOMMONS

A New Bulgarian University abrigou o 12o Congresso Internacional de Semiótica. A delegação brasileira foi a maior do encontro

Casperianos na Bulgária Por Flávia Mantovani e Felipe Garcia

Foi uma experiência diferente de tudo o que tínhamos vivido até então. Participar do 12º Congresso Internacional de Semiótica, com mestres de faculdades renomadas, sermos os mais jovens dos integrantes no evento e compormos a maior delegação entre todas as nações que estavam ali, com certeza, foi um marco extremamente significativo em nossas vidas acadêmicas. Primeiro porque foi um desafio nos inteirarmos em um assunto tão complexo como a semiótica, nos afundarmos nos livros em um período de quase um ano. Depois, chegarmos lá e termos a responsabilidade de fazer uma apresentação à frente de mestres internacionais. Deu certo. A experiência saiu da New Bulgarian University e foi para a vivência nas ruas de Sófia, a capital da Bulgária, junto aos professores da Faculdade que nos acompanharam em todo o trajeto. Os docentes, e aí falamos do Prof. Rodrigo Morais e do Prof. Roberto 64

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Chiachiri, nossos orientadores, foram preponderantes para o desenvolvimento de um trabalho coeso, ético e que nos fez sentir orgulho daquilo que produzimos. Então, recebemos a notícia de que nosso artigo seria apresentado em um Congresso no exterior. Acho que faltam palavras para descrever o que passava por nossa cabeça no momento. O nervosismo foi só aumentando ao comprar as passagens, arrumar a apresentação e as malas. Sabíamos o que esperar de tudo aquilo? Não. Embarcamos rumo a Paris, antes de partirmos direto à Bulgária, onde seria realizado o Congresso Internacional de Semiótica. Primeira viagem ao exterior para ambos: ficamos maravilhados ao entrar em contato com uma nova cultura e com pessoas totalmente diferentes. Novas cores, sabores, aromas... Tudo era novidade Foram dias incríveis na cidade luz! Conhecer lugares só vistos antes nos livros de História da Arte nos encheu os olhos. Mas voltamos à realidade de nosso

propósito e partimos rumo ao compromisso que nos esperava. Fomos recepcionados, na Universidade de Sófia, por uma equipe de estudantes — estudantes como nós, vejam só! — que, por sinal, nos ajudaram a nos encontrar no meio daquele lugar tão diferente. E o grande dia chegou: olhávamos um para o outro sem entender direito o que acontecia ao nosso redor. Todos esperavam, com expectativa, pelas apresentações dos dois estudantes mais novos de todo o Congresso. Respiramos fundo, subimos no palco e apresentamos o trabalho que havíamos produzido e no qual acreditávamos. Foi um sucesso. No final, a semiótica — que permite encontrar novas visões e significados às coisas — nos fez ver tudo com outros olhos. Valeu muito a pena! Flávia Mantovani e Felipe Garcia são alunos da graduação de Publicidade e Propaganda da Faculdade Cásper Líbero.


Pós em debate Por Nathalia Gorga

As discussões que giram em torno da pesquisa são fundamentais não apenas no ambiente acadêmico, mas também para toda sociedade. Aliás, aliar o pensamento científico com sua aplicabilidade social é uma atitude importante. Sendo assim, a pós-graduação da Faculdade Cásper Líbero realizou eventos nos quais participaram alunos da graduação, professores da casa e de fora, apresentando seus projetos e teorias pertinentes aos Grupos de Pesquisa (GP) do programa de mestrado casperiano. Uma dessas ocasiões foi o 6º Seminário Teoria da Comunicação: qual o gênero da teoria?, coordenado pelo Prof. Dr. Luís Sá Martino e realizado pelo GP Teorias e Processos da Comunicação. Para o coordenador “o objetivo do debate é fazer com que os participantes saiam com dúvidas, pois, quando há certeza, costumamos ficar no espaço confortável e com pontos de interrogação, somos convidados a pensar”. Os debates se aprofundaram em pautas como a moda feminina em determinados

cargos e sobre os malefícios do que a falta de discussão sobre gênero nos ambientes acadêmicos pode causar. Já o Grupo de Pesquisa Comunicação, jornalismo e epistemologia da compreensão, coordenado pelo Prof. Dr. Dimas Künsch, organizou o seminário Comunicação, Diálogo e Compreensão, em que o livro homônimo ao encontro foi lançado, reunindo pesquisas sobre o tema. As apresentações exploraram desde aspectos jornalísticos, como gêneros textuais e profissionais marcantes da área relacionados ao conceito da compreensão, até sua aplicação em organizações, no espaço educacional e nas ruas. Dimas abriu o evento com palavras expressivas: “O tema é bonito e desperta muitos sentidos. No pensamento compreensivo devemos evitar dualismos”, o que foi concretizado pelas variadas exposições. Outro GP da pós da Cásper é o Comunicação e Cultura Visual, sob a coordenação da Prof. Dra. Dulcília Buitoni,

proporcionou o seminário Complexidades e Simplicidades da Imagem, no qual até as imagens caricaturais do século XIX e as mídias sociais contemporâneas complementaram-se nas exposições. A primeira mesa do seminário foi a do Prof. Ninho Moraes, do curso de Rádio, TV e Internet: ele analisou o filme de Luis Persona, São Paulo: Sociedade Anônima como um dos clássicos brasileiros: “O longa é uma tragédia em três atos”, disse. Além dessa e de outras apresentações, o evento também contou com a exposição do diretor Carlos Costa sobre a imagem brasileira na perspectiva da obra de Manuel Araújo Porto Alegre, percursor da caricatura no Brasil. Os seminários foram importantes para a discussão da produção científica na Cásper Líbero. Tais eventos dos Grupos de Pesquisa da pós-graduação são um canal aberto para quem se interessa pelos eixos temáticos deles e, certamente, colocam a ciência gerada ao redor da FCL em um patamar mais visível nas trocas de saberes. YURI ANDREOLI

A professora Dulcília Buitoni coordena o Grupo de Pesquisa Comunicação e Cultura Visual, que deu origem a um dos seminários

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Um PASSO EM

SENDAI Texto por Cilene Victor

uando recebi o convite para escrever este texto, sabia que, infelizmente, no intervalo do tempo para entregá-lo, alguma catastrofe de maior ou menor intensidade acometeria algum país, cidade ou comunidade. Diante das estatísticas, não precisamos de uma bola de cristal para saber que um desastre está acontecendo enquanto vocês leem este texto. Pode ser uma inundação na capital maranhense, uma enchente na cidade acreana de Basileia, uma estiagem prolongada em São Paulo ou um terremoto no Nepal. Independentemente do rigor científico e das controvérsias, intrínsecas à ciência, não nos permitirem fazer associações diretas entre mudanças climáticas e desastres, dispomos de séries históricas, inclusive no caso dos grandes sismos no Nepal, inovação tecnológica e conhecimento suficiente para saber que os desastres serão cada vez mais frequentes e intensos. E a intensidade, velha conhecida, é resultado da soma da magnitude do evento que o desencadeou com a vulnerabilidade da população que sofrerá os seus impactos. Tão difícil quanto entender a dinâmica de um abalo sísmico e uma precipitação intensa fora do período chuvoso, é buscar explicações para a ausência de políticas públicas, no mundo, capazes de reduzir os danos das catástrofes sobre as populações menos estruturadas. Em uma infinidade de documentos produzidos por representantes de governos e da ciência é possível encontrar os números que estabelecem a irrefutável associação entre vulnerabi-

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lidade e iniquidade social. As principais vítimas de desastres são as populações de países pobres e em desenvolvimento. Entre elas, está outra categoria de indivíduos ainda mais afetados: mulheres, crianças, idosos e deficientes. Ulrich Beck, o sociólogo alemão que cunhou o termo “sociedade de risco”, em cujas obras imprimiu duras críticas àqueles que insistem em negar a vulnerabilidade como indicador de iniquidade social, morreu dois meses antes de ver um grande passo ser dado em Sendai, no Japão: a Terceira Conferência Mundial da Organização das Nações Unidas para Redução de Riscos de Desastres. Beck talvez não esperasse mais nada dos homens e mulheres da ciência, mas partiria feliz ao ver tantos cadeirantes, deficientes visuais, auditivos, mulheres, crianças e idosos, de todas as partes do mundo, assumindo em Sendai o protagonismo na construção de sua própria resiliência — o que historicamente sempre foi negado e subestimado. Se a ciência conseguir reduzir o abismo que a separa da realidade e reconhecer a importância de dialogar com outros conhecimentos, quem sabe, amanhã, outro passo importante possa ser dado para reduzir as perdas humanas provocadas não por desastres, mas por iniquidade e injustiça social. Cilene Victor é jornalista, doutora em Saúde Pública, com tese na área de Comunicação de Riscos Ambientais e Tecnológicos, mestre em Comunicação Científica e Tecnológica e especialista em Comunicação Aplicada à Saúde. É Professora dos cursos de Jornalismo e Relações Públicas, e coordenadora do Centro Interdisciplinar de Pesquisa da Faculdade Cásper Líbero.

© WARREN ANTIOLA/MONHI UN-CECAR/ CHRISTIAN KADLUBA

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