REVISTA CÁSPER
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Nº30 - JANEIRO, FEVEREIRO, MARÇO E ABRIL DE 2022
a Virando
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´ CASPER Janeiro, fevereiro, março e abril de 2022
´ CASPER Janeiro, fevereiro, março e abril de 2022
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Sua jornada começa aqui. Venha conhecer os cursos da Graduação Desde 194 7, a em Comunic melhor ação
Jornalismo Relações Públicas
Publicidade e Propaganda Rádio, TV e Internet
Qual é a sua Cásper?
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´ CASPER ISSN 2446-4910
FUNDAÇÃO CÁSPER LÍBERO PRESIDENTE Paulo Camarda SUPERINTENDENTE GERAL Sérgio Felipe dos Santos FACULDADE CÁSPER LÍBERO DIRETOR Welington Andrade REVISTA CÁSPER NÚCLEO EDITORIAL DE REVISTAS COORDENADORA DE ENSINO DE JORNALISMO Helena Jacob EDITOR-CHEFE Eduardo Nunomura EDITORES Ana Carolina Navarro, Gabriela Vilela, Renan Lima e Thiago Baba CONSELHO EDITORIAL Adalton Diniz, Eduardo Nunomura, Helena Jacob, Marcelo Rodrigues, Marco Antonio Vale, Marli dos Santos, Sergio Andreucci e Welington Andrade REPORTAGEM Amanda Franco, Ana Carolina Navarro, Gabriela Vilela, Renan Lima e Thiago Baba COLABORADORES Adalton DIniz, Eduardo Nunomura, Helena Jacob, Marco Antonio Vale, Marli Prado, Michelle Prazeres, Rodrigo Ratier, Sergio Andreucci, Sonia Castino e Welington Andrade EDITORAS DE ARTE E FOTOGRAFIA Amanda Franco, Ana Cecília Andolfo e Cintia Miyuki PROJETO GRÁFICO Giulia Gamba
O ESPÍRITO DO TEMPO Uma pandemia atropelou o curso da História. O que virá a seguir é algo que levaremos anos ou décadas para assimilar. Os aprendizados, alguns deles dolorosos, serão muitos. E as perdas, mais que dolorosas, são incontáveis. Na Cásper Líbero, perdemos o presencial, o estar presente, a forma gregária de se reunir e aprender que fazem parte da nossa tradição. Com o ensino remoto, recriamos a forma da educação possível. E constatamos um mundo em súbita transformação que exigiu como nunca a comunicação profissional. Esta virou um item de primeira necessidade. Este é o espírito do nosso tempo, que nos obrigou a reinventar quase tudo. O isolamento adiou nosso reencontro por quase dois anos. Esta edição da CÁSPER foi fechada, no jargão jornalístico, algumas vezes antes. A publicação seria em maio de 2020, desde que houvesse condições sanitárias. Não havia, mas agora há. Assim, decidimos virar a página e refazer boa parte dela. É bom tê-los de volta à “Nossa Casa”. Nesse intervalo de tempo não paramos. A equipe da revista se renovou, como é de praxe, mas é com satisfação que anunciamos que os monitores que iniciaram a confecção desta revista são hoje jornalistas que muito nos orgulham. Uma salva de palmas a eles: Amanda Franco, Ana Carolina Navarro, Gabriela Vilela e Renan Lima. Cintia Miyuki está quase se formando, e logo mais será a vez de Ana Cecília Andolfo e Thiago Baba, atuais editores. Essa aguerrida equipe produziu a newsletter #FicaEmCásper, uma das várias iniciativas que professores e alunos da Faculdade criaram durante a fase de isolamento social. Criamos ainda o podcast 900 Segundos e o perfil @revistacasper, no Instagram. Do jornalismo ao rádio e à TV, das relações públicas à publicidade, todas essas áreas estão em um profundo processo de reaprendizado. E de acolhimento, porque a (boa) comunicação também serve para isso. Quem diria que o streaming, tema de uma de nossas reportagens, poderia um dia ser visto como uma salvação. Ou que mais uma rede social viraria o mundo do avesso desde então. Já somos parte dos livros de História e se não era bem assim que desejávamos, ao menos estamos vendo as transformações ocorrendo diante dos nossos olhos. Profissionais de comunicação são testemunhas do tempo presente.
DIAGRAMAÇÃO Amanda Franco, Ana Cecília Andolfo e Cintia Miyuki REVISÃO Fernanda Almeida e Junior Monte NÚCLEO EDITORIAL DE REVISTAS Avenida Paulista, 900 – 5º andar 01310-940 – São Paulo – SP (11) 3170-5874/5814 revistacasper@casperlibero.edu.br revistacasper.casperlibero.edu.br
CC
BY
Se não houver um © explicitado, você pode copiar, adaptar e distribuir os conteúdos desta revista, desde que atribua créditos
EDUARDO NUNOMURA
Editor-chefe
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30 A VIDA NA TELA Como o streaming ajudou a salvar o mundo durante o confinamento
10 NOSSA CASA Escadão, Bateria, Juca, Atlética, Labs e estúdios, coletivos e CA. A CÁSPER convida você a conhecer a Cásper
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A PANDEMIA :: REPORTAGEM ESPECIAL :: Quatro profissionais da comunicação mostram os desafios do nosso tempo
20 PRATA DA CASA Dez perfis de casperianos que publicaram seus primeiros livros
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:: A VOZ DA CÁSPER Os coordenadores da Faculdade dão boas-vindas ao ano letivo
16 :: POR ONDE ANDA :: O que fazem hoje quatro ex-integrantes do Núcleo Editorial
25 :: BITS & BYTES :: Por que os brasileiros se destacam nas redes sociais
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janeiro • fevereiro • março • abril 2022
26 TIKTOKIZAÇÃO
44 NOTÍCIA QUE SALVA
38 REVISTA ESQUINAS
54 AS IMAGENS DA DOR
O algoritmo que prende sua atenção do primeiro ao último clique
A bem-sucedida migração para o mundo digital
42 GREENWASHING As marcas se dizem sustentáveis. Mas são mesmo? Nem tanto
A dificuldade de cobrir ciência frente ao negacionismo em alta
O difícil trabalho dos profissionais de imagem como Tiago Queiroz
58 :: ANTENADOS :: 60 :: CASPERIANAS ::
DEPOIMENTOS
AS VOZES DA CÁSPER
“O que a crise tem nos ensinado? Que a comunicação precisa estar orientada rumo a um futuro que não nos ameace, ao amparo comunitário, ao debate e às reflexões transpessoais mais abrangentes, aos desejos de que as coisas mudem para melhor. E para todos. Esse é o compromisso dos cursos da Cásper – da graduação ao mestrado. Aproveitem cada minuto da convivência com os amigos, os professores e os funcionários aqui.”
Algumas palavras de boasvindas da Direção e dos coordenadores dos cursos para a retomada das aulas neste ano de 2022 “Aproveitem o máximo possível esse período rico de aprendizado, de experiências na profissão, para arrasarem em suas áreas de atuação no mercado profissional.” MARLI DOS SANTOS, coordenadora da Pós-Graduação
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janeiro janeiro •• fevereiro fevereiro •• março março •• abril abril 2022 2022
WELINGTON ANDRADE, Diretor
“A partir de agora a Cásper Líbero transformará a sua vida. Faça parte desse time e mergulhe em um universo de muitas oportunidades.” SÉRGIO ANDREUCCI, coordenador de Relações Públicas e de Publicidade e Propaganda (interino)
“Que em 2022 sigamos firmes na nossa missão de contribuir para com os valores principais do jornalismo: a defesa da democracia e da saúde pública. E viva a ciência!” HELENA JACOB, coordenadora de Jornalismo
MARCO VALE, coordenador de Rádio, TV e Internet
“Em 2022, os alunos de RTVI vão praticar toda a sua arte, narratividade e criatividade tecnológica, pois contarão suas histórias em imagens de até 4K e com inovador som digital Dante-IP”
“Chegar à faculdade é uma vitória, parabéns! São lindos caminhos, novos desafios que vão exigir de vocês muito trabalho, mas dar-lhes muita satisfação. Pedimos emprestados os versos de Thiago de Mello: ‘Quem não sonha o azul do voo, perde o poder de pássaro. É sonhar, mas cavalgando o sonho e inventando o chão para o sonho florescer.’ 2022 é o ano dos primeiros momentos dessa invenção. Vamos juntos.” ADALTON DINIZ, viicediretor e coordenador de Cultura Geral (interino)
SONIA CASTINO, coordenadora de Cultura Geral (interina)
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C Á SC PE HRA PLÉÍ BUE R O Especial pandemia
BEM-VINDOS
À NOSSA CASA 10 54
janeiro • fevereiro • março • abril 2022 abril • maio • junho • julho 2021
Sejam bem-vindos à minha casa. Logo, ela será sua. Ou nossa, porque darei um jeito de estar sempre presente. Escrevo esta reportagem para poder mostrar cada canto (e os não-cantos) desse prédio fincado na Paulista 900, no qual passei os melhores quatro anos da minha vida. Neles, chorei de alegria, tristeza, raiva e, acima de tudo, senti uma profunda gratidão por ter tido essa oportunidade. Nas próximas linhas, vou mostrar que a Cásper é muito mais do que uma Faculdade. Não pense se tem quatro ou apenas um ano pela frente como casperiano. O que importa é que você está aqui. Só lhe peço um favor: cuide bem da nossa casa. POR GABRIELA VILELA
ESCADÃO Casas têm uma porta de entrada. A nossa, não. Temos uma escada enorme, e ela é uma das mais famosas de São Paulo. Se para muitos representa um ponto turístico, para nós é simplesmente o primeiro lugar em que pisamos ao chegar na Cásper Líbero. É onde podemos dizer “ufa, cheguei” e perceber que outros já estão ali, batendo um papo. Nos intervalos e na saída, muita gente dá uma passada (e até fica) pelo Escadão. É um lugar de confraternização e de pertencimento. Não fosse a pandemia, é onde sempre acontece a calorosa recepção dos calouros, ao som da gloriosa Bateria. Para quem não é casperiano, basta dizer que a São Silvestre, a tradicional corrida de rua que
RAMPA
Os casperianos decidiram repaginar o que era para ser um mero acesso ao teatro do 3º andar. Já vi de tudo um pouco por ali: gente comendo, tirando um cochilo e até um menino que deslocou o joelho e ficou à espera do socorro dos bombeiros. A rampa fica atrás da lanchonete RockCafé e, portanto, parece um pouco escondida. Deve ser por isso que não é improvável encontrar um casal num date romântico e acalorado.
acontece no último dia do ano e é promovida pela TV Gazeta, termina aos seus pés. Foi assim em 2021. Muitos políticos faziam questão de ficar ao lado do Escadão para celebrar uma vitória. Um número incontável de profissionais de comunicação destacados no mercado já pisaram nele. Ela tem história. Há quem afirme que se a Avenida Paulista fosse o palco da vida paulistana, o Escadão seria o seu camarote. Quem não gosta de enfrentar os seus 32 degraus, ou tem medo de escorregar e se espatifar, opta pela entrada lateral, pelo térreo. Mas isso é como entrar e sair pela porta dos fundos, meio sem graça, com o perdão do trocadilho.
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A Faculdade tem alguns segredos, mas só vou dar spoiler de um para não perder a graça dos demais: existe um andar 3 ½. Infelizmente, ele não é uma passagem secreta que vai te levar direto para a formatura. É só um pavimento intermediário, de pé direito baixo, equipado com microondas e geladeiras. Na teoria, bem na teoria, o espaço está disponível apenas para funcionários da Fundação. Ou não, como diria Caetano Veloso.
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ILHAS DE EDIÇÃO É ali, em pleno 4º andar e no meio da Rádio Gazeta, que a magia acontece: a revisão de roteiros, a edição de vídeos, áudios e a finalização de trabalhos que levamos meses para tirar do papel. Pela localização privilegiada, as ilhas são como uma segunda casa dos estudantes de Rádio, TV e Internet. E também dos demais cursos. Mais do que uma pitada de vida real na nossa vida universitária, o espaço conta com equipamentos sempre atualizados e certamente é onde passarão algumas muitas horas de suas vidas. Logo na entrada desse andar, quando a luz do “ao vivo” acende, não se assuste se sentir um friozinho na barriga.
5º ANDAR Se a Cásper é a minha casa, o 5º andar é o meu quarto. Foi ali que passei a maior parte dos meus anos na Cásper e vivi as maiores emoções. Conheci pessoas, tive aulas com professores brilhantes, chorei de saudade de casa, fiz e desfiz amizades e tive medo de não dar conta do semestre. O 5º andar é o “coração da Cásper”, o único dos
A biblioteca Professor José Geraldo Vieira, que intersecciona o 4° e 5° andar, conta com mais de 133.509 exemplares em seu acervo. Ela não é o ambiente mais frequentado pelos estudantes, mas fique à vontade para fazer trabalhos nas salas de estudo em conjunto. Muitos TCCs brotaram ali.
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15 andares da Paulista 900 exclusivo da Faculdade. Estão presentes alguns dos laboratórios, a Secretaria e a Tesouraria, a sala dos Coordenadores, a Direção, uma das entradas da Biblioteca, a sala do 1º Intercom, o espaço dos estágios. Quando cheguei, era um andar só do curso de “Jô”. Mas desde 2020 as salas são mescladas.
O único espaço ao ar livre para casperianos dentro do prédio, o jardim com pinta de rooftop foi um pedido dos estudantes. É no final do vão do 3º andar que se pode tomar um solzinho e bater um papo na hora do intervalo, seja você do diurno ou do noturno.
CLOSED CAPTION O “Cásper Líbero Closed Caption” não é um lugar, mas o lugar para você se sentir acolhido. Ele nada mais é do que um grupo no (velho) Facebook, atualmente com cerca de 6 mil casperianos. Há desde os bixos até pessoas que se formaram há mais de 10 anos. De vez em quando, surgem vagas de estágio, pedidos de contatos, mas o pessoal se diverte
mesmo é com as lendárias “tours” de casperianos brigando por meio de comentários. Com mais de 6 mil membros, o “CC” é uma espécie de máfia dos alunos e egressos. Já ouviu falar que casperiano só contrata casperiano? O Closed Caption serve de elo entre quem saiu faz alguns anos e quem está ali, vivendo a Cásper e procurando estágio.
CENTRO ACADÊMICO A pronúncia é Cave, e o espaço parece mesmo ficar numa caverna. Escondido no 3º andar, o Centro Acadêmico Vladimir Herzog fará parte de sua vida. Ou você se integra ou preferirá ficar distante dele. O CAVH me fez ir a protestos na Paulista ou pintar uma bandeira dizendo “Cásper Líbero Antifascista”. Por causa deles, nós, casperianos, tivemos o privilégio de ouvir a família Herzog falar sobre o jornalista morto na ditadura militar, em 1975. Três anos depois, o centro acadêmico surgiu
como uma reivindicação dos alunos por uma instituição autônoma, sem vínculos burocráticos com a Faculdade. São eles que promovem os debates, discussões e assembleias, semanas culturais e intercâmbios com CAs de outras instituições de ensino. Quando entrei na Cásper, estava sedenta por discutir política, economia, direitos humanos e feminismo. As aulas vão te proporcionar isso, mas é no CAVH que a gente se sente mais à vontade até para questionar o que estamos aprendendo. O CAVH será a memória
afetiva de quem pode refletir sobre o Brasil nos nossos momentos turbulentos, que nunca são poucos. É a segurança de que estamos lutando pelos nossos valores, princípios e nossas profissões. Mas, para mim, o espaço vai sempre representar o conforto de ter memórias com gente que não está mais aqui. É naquela salinha ao lado da Atlética, e onde passei incontáveis tardes deitada em um sofá sujo e suspeito, que tenho vídeos maravilhosos da Dani, uma das minhas melhores amigas que nos deixou em 2020.
FRENTES E COLETIVOS Os coletivos e frentes são os espaços privilegiados para que os casperianos vivenciem a vida universitária. Seus representantes podem falar melhor do que eu:
FRENTE LGBTQ+ CASPERIANA
FRENTE FEMINISTA LISANDRA
COLETIVO AFRICÁSPER
COLETIVO CASPERÁSIA
“Uma casa para todas as pessoas LGBT da Cásper. Quando você entra na Faculdade é uma abertura de autoconhecimento, de busca por diferentes pessoas e caminhos, para se conhecer como pessoa. Temos nos organizado para ser um lugar para conversar sobre a nossa causa e lutar por ela”, diz Pedro Paulo, líder da Frente LGBTQ+ Casperiana.
“É uma organização que busca a igualdade entre os gêneros, uma rede de apoio. Nossa frente dá apoio e informação para todas. Se não tivéssemos uma Frente Feminista, nossa Faculdade não teria tanta igualdade e muitas mulheres poderiam sofrer quietas, além de não terem muita voz”, afirma Lurdis Mendes, coordenadora da Frente Feminista Lisandra.
“O Africásper é o coletivo de pessoas negras da Cásper. É muito importante porque é toda uma rede de apoio interna. Para as pessoas não negras, fazemos rodas de conversa sobre escrita antirracista. É muito importante para ter uma inclusão maior dentro de uma Faculdade que já é majoritariamente branca”, explica Suzana Rodrigues, diretora do Africásper.
“A gente discute o que é ser uma pessoa com ascendência asiática no mundo e na comunicação. Somos uma entidade de acolhimento, porque nossas questões são muito recentes. É importante ter esse espaço para não se sentir sozinho. Saber que outras pessoas passam pelas mesmas coisas que você”, conta Mariana Nakajuni, coordenadora do Casperásia.
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ATLÉTICA É hora de passar 12 horas em pé na festa da Pororoca ou quatro dias dormindo dentro de uma barraca no Juca, de se esbaldar no caminhão-pipa da Dezembeer (o nome é auto-explicativo, certo?), de entrar em quadra para defender a camisa vermelha e se arrepiar quando cantar o seu primeiro “Louco, louco, louco, eu sou da Cásper”. Você vai sentir que seu coração é branco e vermelho. E quem te acompanhará em tudo isso é a Atlética, uma entidade pequena e, ao mesmo tempo, gigante e unida. Se frequenta as festas, vai ao Juca, os jogos universitários, pelo menos uma vez ou treina algum esporte, vai ser fácil perceber o engajamento dos membros da Associação Atlética Acadêmica Jesse Owens (ou “AAA”, como também é chamada, assim como “Homem Pássaro”). O nome é em homenagem ao nadador norte-americano, símbolo de força e respeito. “Jesse Owens foi um atleta que na época do nazismo desafiou Hitler. Ele era um atleta preto que chegou quebrando recordes e mostrando o que era resistência. A gente traz esse nome, o que é um orgulho gigante para a gente, porque está ligado aos nossos ideais”, explicou a primeira presidenta da AAA, Eduarda Bechelli, a Duda.
BATERIA Preparado para se arrepiar da cabeça aos pés, voltar rouco das festas e aprender as músicas da Cásper? Sim, estamos falando da Bateria. Do trote à formatura, a Bateria nos recebe no primeiro dia de Cásper e se despede no último dia como aluno. É como se a Cásper toda estivesse ali dando boas vindas no Escadão em meio a muita tinta e, quatro anos depois, se despedindo com uma bela trilha sonora. Os ensaios da Bateria ocorrem aos domingos, das 11 às 13 horas na Avenida Paulista. Além dos jogos internos, ela ainda participa de campeonatos de baterias universitárias. Haja fôlego, braço e disposição para tocarem juntos tantos “naipes”, como eles chamam os seis tipos de instrumentos.
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JUCA “Os quatro melhores dias do ano”, prometem os veteranos. Até os professores entram nessa e dão uma relaxada nas atividades nas vésperas do Juca, os jogos universitários tão falados desde o primeiro dia de aula. No fim, mais que promessa, eles te entregam muito choro, uma voz rouca e algumas noites sem dormir. O Juca é quase um “must have” na vida de quem passa pela Cásper ou por uma faculdade de comunicação em São Paulo. Ao longo da nossa jornada acadêmica, temos quatro chances de ver nossos amigos jogarem pela Faculdade, de entrar em campo depois de um ano inteiro de treinos e ainda torcer pelos nossos atletas. No feriado da Independência, em setembro, viajamos para uma cidade do interior paulista, dormimos em bar-
racas num alojamento e vivemos intensamente a ideia de ser casperianos. Vai ser vermelho e branco da cabeça aos pés, tinta no rosto e muitas tatuagens que no fim dos jogos ficarão irreconhecíveis. Dos jogos durante o dia às festas que acontecem à noite, a integração com outras faculdades às vezes passa batido. Estamos fechados demais no universo casperiano, que ali é mais gigante do que nunca. A Cásper costuma disputar as primeiras posições em competições como futebol, vôlei, handbol e natação. Mas quem vê resultados não entende que o que vale mesmo no Juca são os choros de alegria, de tristeza, horas sem dormir e um cansaço sem igual, todos movidos, sem uma única exceção, por um único motivo: viver e amar a Cásper Líbero.
PUPPY E ROCKAFÉ O Puppy é só a casa de lanches que fica do outro lado da Paulista 900. Para os matutinos, ele atende pelo nome de pão na chapa… Digo: o “melhor” pão na chapa. Essa é uma daquelas comidas que pelo resto da minha vida terá o gostinho das manhãs cinzentas de São Paulo, dos anos da Faculdade. Para os que estudam à noite, é como
se os casperianos tivessem direito a um happy hour. É parada obrigatória no intervalo, depois da aula ou até para aqueles dias que saiu mais cedo. O Puppy não é um “bar de faculdade”, mas o cenário para histórias de amor (conheci meu namorado enquanto comia um pão na chapa, claro, e ele reparava que meu óculos pairava sempre no meio do
meu nariz), de comemorações após (e antes) as semanas de provas ou a válvula de escape no fim do semestre. Ah, aceita VR. Já o Rockcafé, que fica dentro da Cásper, serve um croissant de chocolate quentinho para dias frios e uma salada de frutas para dias quentes. Mas prepare-se para as longas filas. @
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POR ONDE ANDA
“O futuro é lutar” Jornalista, cartunista, professor universitário e primeiro editor-chefe da CÁSPER, Gilberto Maringoni defende que lutar e mudar as coisas é um projeto de vida
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razida à vida em tinta e papel, a CÁSPER tinha e tem como missão ser uma publicação de dentro para fora, ou seja, uma revista institucional da Faculdade sobre o mundo das comunicações voltada para o público interno e externo. Em junho de 2010, nascia a número #1 com uma capa sobre o peso dos aparelhos tecnológicos na cesta básica dos brasileiros. À frente dessa edição, e pelos dois anos seguintes, estava o editor-chefe Gilberto Maringoni. Era ele quem comandava uma equipe formada por estudantes de Jornalismo, monitores do Núcleo Editorial de Revistas. Naquele ano, a diretora da Cásper Líbero Tereza Cristina Vitali e o coordenador de Jornalismo Carlos Costa confiaram a Maringoni a concepção da nova publicação. Maringoni, que se recorda com um indisfarçável carinho de sua passagem pela revista e dos quatros anos como professor na Faculdade, teve de abrir mão da “quarta filha” quando se tornou docente em Relações Internacionais na Universidade Federal do ABC. Antes da CÁSPER, ele havia sido editor da revista Desafios do Desenvolvimento, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, e da revista Imprensa (uma das inspirações para a CÁSPER), chargista do jornal O Estado de S. Paulo de 1989 a 1996, e também escrito e feito ilustrações para as revistas Cult, Carta Capital e Fórum. Hoje, além de pesquisador da UFABC, ele escreve para o blog Diário do Centro do Mundo. Militante desde a adolescência, Maringoni foi dirigente do PT e candidato ao governo de São Paulo pelo PSol. Aos 61 anos, ele vê com preocupação o momento político brasileiro e defende: “O futuro é lutar. É preciso mudar o País. Não é uma questão de política, mas de sobrevivência de cada brasileiro. E a minha luta está na universidade, pela democracia e pelos serviços públicos.” (Renan Lima)
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O professor Gilberto Maringoni fez ilustrações para a CÁSPER #1 e ajudou a criar seu projeto gráfico original
O editor que apura Com passagem por grandes publicações nacionais, o editor Thiago Tanji gosta é de sujar os sapatos em busca de histórias
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hiago Tanji atribui a sua formação como jornalista à Cásper e à CÁSPER. Para ele, foi na Faculdade que vivenciou aprendizados acadêmicos e na revista, o lado profissional. Estudante que escolheu o Jornalismo porque queria “contar histórias que outras pessoas não podiam”, realizou esse sonho logo no início do curso. Um dos primeiros editores-monitores da CÁSPER, Tanji permaneceu no Núcleo do final de 2009 ao começo de 2012. Lembra de ter entrevistado grandes jornalistas, como Fernando Morais, que estava literalmente em casa. Depois dessa experiência, e ainda na Faculdade, começou a trabalhar na revista Info, da Editora Abril. Era para ser só um frila, mas sua reportagem de estreia lhe rendeu o prêmio Abril em 2013. Já formado, foi contratado e passou a cobrir tecnologia até receber o convite de um antigo chefe
Desde que passou pela CÁSPER, colaborando para as edições de #1 a #6, Tanji sempre trabalhou em revistas
para a revista Galileu, da Editora Globo. Foi nela que aprendeu a fazer política falando de ciência. Recebeu mais dois prêmios: um pela reportagem sobre exploração de mão de obra na indústria da moda (Prêmio MPT de Jornalismo 2016), outro pela edição de uma matéria sobre instituições que “ensinam a ser feliz” (Prêmio Estácio de Jornalismo). Mas seu maior orgulho profissional é reservado ao trabalho de organização do relatório da Comissão da Verdade dos Jornalistas, uma publicação com a biografia de 25 profissionais mortos ou desaparecidos na ditadura militar. Hoje, editor na revista Autoesporte, Tanji produz pautas ligadas à mobilidade urbana, cultura e comportamento, sempre trazendo diferentes vozes à discussão. Mesmo assim, o que ainda deixa o jornalista mais feliz é a apuração: “É sempre a minha parte preferida”. (RL) CÁSPER CÁSPER
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Do impresso ao digital Para Ana Beatriz Rosa, ex-editora da CÁSPER, o futuro do jornalismo está na coprodução com marcas e parceiros
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Ana Bia Rosa, hoje atuando na área de Marketing e Conteúdo, ficou por um ano na equipe da CÁSPER e participou das edições #12, #13 e #14.
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baiana Ana Beatriz Rosa abandonou um curso de Direito no Espírito Santo e veio parar na Avenida Paulista quase por acaso. Encontrou no Jornalismo a possibilidade de se mudar para São Paulo e estar mais perto dos irmãos. Foi na Cásper que se sentiu uma cidadã do mundo. Teve o contato, desde o vestibular, com documentários e livros fora do eixo tradicional, até as mobilizações estudantis, passando pelas vivas memórias das rodas de conversa da Frente Feminista Casperiana Lisandra e da paralisação das aulas para debater o impeachment de Dilma Rousseff, em 2015 e 2016. Entrou para o time de monitores da CÁSPER no primeiro ano de curso e assim vivenciou o fazer jornalístico ainda cedo. Depois partiu para um estágio na Veja. com, mas sentiu falta da perenidade do impresso. Mudou então para a Casa Vogue, e percebeu que o futuro estava no online. E, mais uma vez ao acaso, acabou conhecendo numa banca de TCC na Cásper uma editora do Huffpost Brasil que a chamaria para uma vaga no site britânico. De estagiária à editora do Huff, Bia cobriu as eleições de 2018, foi finalista na 13ª edição do Troféu Mulher Imprensa com uma reportagem sobre assédio sexual no transporte público e liderou o Tamo Junto, um espaço para refletir sobre os dilemas dos 20 e poucos anos. Formada, a casperiana tinha a impressão de que nas redações só havia espaço para temas que impactam a cotação do dólar. Depois de passar pelo posto de especialista de conteúdo na consultoria Questtono e, hoje, no time de Marketing&Content na Alice, uma healthtech, ela vê a importância de diversificar pautas: “É preciso contar histórias que se relacionem com o público”. (Ana Carolina Navarro)
POR ONDE ANDA
Uma jornalista polivalente Depois de atuar como editora e repórter, Nathalie Provoste sonha em trabalhar como documentarista Nathalie Provoste colaborou para o Núcleo Editorial durante seus segundo e terceiro anos no curso de Jornalismo e assinou a diagramação das edições #11 a #15
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primeira experiência profissional de Nathalie Provoste a ensinaria uma constante do jornalismo: é pela versatilidade e capacidade de se adaptar a diversos papéis que os bons profissionais se destacam. Foi como editora de arte da CÁSPER que ela aprendeu a se desdobrar entre apurar reportagens, elaborar diagramações, dominar ferramentas de edição e coordenar a produção de uma revista do começo ao fim. “Isso é uma coisa da Cásper, desde o primeiro ano já te colocam para trabalhar. E eu trabalhei muito. Foi no Núcleo que eu aprendi a ter autonomia”, reflete Nathalie. Ela credita a esses tempos de mão na massa sua entrada na Editora Globo como estagiária para atuar no portal Meus Cinco Minutos e na revista Monet. Em 2015, já formada, conquistou a posição de editora de estilo no Catraca Livre, onde mais tarde agregou a responsabilidade de escrever também para as editorias geek e nerd, cultura, finanças pessoais e tecnologia. Assumiu posteriormente o núcleo de vídeos editoriais do site e produziu pautas, gravou e editou materiais, escreveu textos para acompanhar os conteúdos e ainda monitorou as redes sociais. Sua formação diversa se fez também quando decidiu dar uma pausa do mercado de trabalho e partir para um intercâmbio de quatro meses na França, vontade que trazia desde a época de estudante. Retornou atuando com frilas, até que se tornou assessora de comunicação e designer na Secretaria de Relações Internacionais de São Paulo. Foi funcionária da prefeitura por menos de um ano, até que voltou à sua origem pós-Núcleo Editorial: a Editora Globo. Hoje em dia, Nathalie é repórter da revista Monet. Os assuntos cobertos pela jornalista vão de música, cinema e cultura pop, mas também cuida das métricas do site e da edição impressa da publicação. (ACN)
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L I T E R AT U R A
INÍCIOS
VERDADEIROS Escritores que passaram pela Faculdade contam à CÁSPER sobre suas experiências literárias POR RENAN LIMA
Em 1994, a jornalista e escritora norte-americana Janet Malcolm iria escrever um perfil do artista plástico David Salle para a cultuada revista New Yorker. Primeiro criou uma introdução (o lead, no jargão jornalístico), depois outra e mais outra. No final, fez 41 aberturas diferentes e não precisou de mais nada. Tantas diferentes perspectivas fizeram da somatória desses inícios falsos um belíssimo retrato do perfilado. Inspirada em Janet Malcolm, esta reportagem pensou em dez possíveis inícios para cada casperiano que hoje é um escritor. A um só tempo, prestamos uma homenagem a uma das maiores jornalistas vivas e aos dez escritores formados pela Faculdade Cásper Líbero que se aventuraram pelo universo das letras e merecem, cada um, visões particulares sobre suas obras. 20
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Ariane Abdallah Ariane Abdallah consegue tudo o que quer. E a Companhia das Letras soube disso quando a contratou para ser uma de suas escritoras, em dezembro de 2014. Na época, nem ela, nem a editora tinham ideia para um livro. Coube a Ariane decidir que escreveria a história da maior cervejaria do mundo e como faria isso. Com uma pesquisa de três anos, mais de uma centena de entrevistas, viagens por 14 cidades brasileiras e quatro países diferentes, a jornalista pôs no papel as 448 páginas do De um gole só (selo Portfolio Penguin, 2019). Seu primeiro livro foi escrito junto à criação de uma empresa do zero, o Atelier de Conteúdo, que a fez abandonar uma cadeira de repórter na Época Negócios, onde estava há quase quatro anos. Hoje, o livro está na terceira edição, batendo a casa das milhares de cópias vendidas, e o Atelier só cresce – para ela nunca existiu a possibilidade de não realizar um projeto. Planos para o futuro? “Não tenho. Sempre que tenho algum em mente, já começo a trabalhar para que ele se realize”. Não questiono sua resposta. E, após quase três horas, é Ariane quem encerra a entrevista.
Victor Bonini Se há pouco mais de um ano eu ligasse para Victor Bonini, às 10 horas no horário de Brasília, é provável que ele estivesse pela Grande São Paulo, gravando uma passagem para algum telejornal da Rede Globo. Agora, às 8 da manhã no fuso de Nova York, onde mora, ele tem tempo livre antes das aulas do mestrado em News and Documentary, que está cursando na New York University. Questiono o porquê de ele ter saído, do dia para a noite, da frente das câmeras da maior emissora do País – sonho de muitos colegas de profissão. A resposta é direta: ele queria aprender a escrever roteiros. Está ali posta a intersecção de duas grandes paixões de Bonini: o audiovisual e a escrita. A segunda delas, laureada pelos mais de 110 mil livros vendidos e a vontade de embarcar rumo a novos desafios, vêm mudando sua vida desde que teve sua primeira obra publicada, em 2015. Os best-seller Colega de Quarto, O Casamento e Quando Ela Desaparecer, lançados pela Faro Editorial, fizeram do jornalista um escritor de “ficção de muitíssima qualidade”, segundo Welington Andrade, diretor da Cásper Líbero, ex-professor de Bonini e assumidamente um fã dele. E escrevendo “só quando dava tempo, entre um intervalo e outro do trabalho”, Bonini passou de repórter à revelação da literatura brasileira no gênero romance policial. Uma Agatha Christie dos Trópicos, de 26 anos. E à semelhança da escritora inglesa, em breve também verá uma de suas obras se transformar em seriado para televisão. Tratando-se de Bonini, não há surpresas neste desfecho – o que não se pode dizer dos que ele mesmo escreve.
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Rafael Gobbo — Almoço das 12 às 13 horas. Veja se consegue chegar em ponto para termos o maior tempo possível. Vou levar um exemplar do meu livro, caso queira adquiri-lo, custa 30 reais. Quando cheguei, às 12h01, Rafael Gobbo e seu livro de contos me esperavam. Via-se ali uma relação paternal de três anos, similar a que o autor tem com o filho – ambos, menino e livro, nascidos em 2017. “Mas é claro que não dá pra pôr no mesmo grau de valor”, pondera. Fato é que existe muito de passional entre Gobbo e Pancadas (editora Viseu, 2009), sua publicação de estreia. Orgulha-se de ter dado vida ao projeto, mas também vê nele defeitos, inconsistências e disparidades. “Serviu de aprendizado”, já que o próximo livro está a caminho: A Paixão de Vincent Van Gogh (editora Coralina, 2020), e a pré-venda estava aberta, fui informado. Além de publicar pela segunda vez, mais maduro, o escritor sonha em, quem sabe, ganhar dinheiro com isso. Hoje ele é assistente de processos contratuais e, olha o relógio, precisa voltar ao trabalho que lhe paga as contas. Estava atrasado. Entreguei os 30 reais e o acompanhei até um prédio comercial perto da Praça da República.
FELIPE Bregantini Felipe Bregantini atravessou o deserto e encontrou um “oásis” muitas vezes ao longo de seus 35 anos. Uma dessas travessias foi quando se formou em Relações Públicas, em 2017, e realizou a “utopia do ensino superior”, como define. Fez mais uma vez quando foi morar sozinho, em outubro de 2019. Fez outras tantas vezes quando teve de lutar contra o bullying e o preconceito de muita gente com a sua condição de pessoa com deficiência. Bregantini tem epilepsia. Toda vez que ele vence a discriminação e consegue fazer coisas que pessoas “normais” (“O que é ser normal?”, questiona) fazem, é um deserto que atravessa. E depois de conhecer tão bem essa travessia, ele decidiu escrever sobre isso, e ter em mãos seu próprio O deserto e o oásis (editora Gênio Criador, 2019). É pela escrita que o escritor guia o leitor em sua própria travessia, porque, por maior que seja o deserto, para Bregantini, sempre há um oásis.
Gabriela Soutello A décima de 53 postagens sobre Ninguém vai lembrar de mim no Instagram de Gabriela Soutello mostrava uma autora de 27 anos ainda desacreditada com a sua primeira publicação, contemplada pela 1ª Edição do Edital de Publicação de Livros para Estreantes, da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo. Nos posts há trechos dos contos e fotos do ensaio fotográfico que rendeu a orelha do livro, quase todos permeados pelo vermelho vibrante do projeto gráfico. Uma das poucas exceções é a foto segurando um coelho de prata, troféu do 1º Prêmio Mix Literário para autores LGBTQ+ que venceu apenas quatro meses depois de ser publicada. Em um café modernista no bairro de Santa Cecília, contando sobre seu processo de escrita e sobre a estratégia de divulgação da obra, a jornalista e social media da Netflix no Brasil mostra que sabe como ter a atenção do seu público na palma da mão. Seja em um livro de tinta e papel ou pelo smartphone. Ela domina a linguagem dos dois.
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Filipe Vilicic Quando o jornalista Filipe Vilicic decide escrever um livro é porque ele está obcecado por uma história. E até agora três de suas obsessões estão publicadas: Viva e deixe viver (Editora Matrix, 2012), O clique de um bilhão de dólares (Editora Intrínseca, 2015) e o recente O clube dos youtubers (Editora Autêntica, 2019). Foram pelo menos nove anos investigando e conhecendo a fundo uma instituição de contadores de histórias, o nascimento do Instagram e o fenômeno social das celebridades do YouTube. Mas isso não era o bastante, era preciso contar os bastidores, aquelas histórias que as pessoas não querem contar, “as melhores”, resume. Com isso em mente, ele tinha que estar nos lugares, ir direto à fonte, falar com quantos entrevistados fosse necessário. Fazer jornalismo, em outras palavras. O que inclui experiências pouco românticas, como sentir o cheiro de maconha do camarim de uma cantora, tentar ser manipulado por executivos poderosos e até ser demitido depois de dez anos na mesma empresa. Faz parte das dificuldades e glórias da carreira de jornalista e a de escritor. É o preço de se trabalhar com o que ama e de ser obcecado por isso.
Bia Barros Ninguém nunca contou para Bia Barros que um dia ela sentiria medo da própria mãe diagnosticada com Alzheimer. Ou que, em estado de alucinação, ela a veria revelar as tantas violências que, enquanto mulher, sofreu ao longo da vida. Não fosse Madalena, Alice (Editora Nós,2018), o livro que escreveu em um processo catártico, como uma válvula de escape, a escritora afirma que teria enlouquecido. E, pela sensibilidade em traduzir uma situação tão complexa em nível pessoal, mas também social – mais de 85% dos cuidadores de idosos com Alzheimer no Brasil são mulheres – foi premiada em Portugal. Ganhou uma menção honrosa no Prêmio Literário UCCLA Novos Talentos e Novas Obras em Língua Portuguesa, mas não ganhou dinheiro com a obra. Para ela, ser escritora em um mercado precário é conviver com uma perspectiva cruel: “Você é uma sobrevivente”.
Camilo Gomide “Eu não diria que é terapêutico. Na verdade acho bem difícil escrever. É uma atividade muito mais mundana, uma coisa relacionada a trabalho. Eu preciso me forçar. Porque não é exatamente prazeroso, sabe?”. Gomide revela o árduo processo que o levou a escrever o conto “O corpo”, da coletânea Contos Brutos: 33 textos sobre autoritarismo, publicado pela editora Reformatório, em junho de 2019. Na ficção, um neto lida com a morte do avô e os impactos que ela causa em si mesmo e na família. Na vida real, um tio de Gomide foi torturado na ditadura militar, mas não é um assunto falado abertamente, e hoje alguns de seus parentes defendem o regime e o presidente da República, Jair Bolsonaro. Foi a sua eleição, inclusive, em outubro de 2018, que inspirou o coletivo Escritorxs de Quinta a escrever um livro sobre diferentes facetas do autoritarismo. Assuntos que rendem páginas de um livro e muitas sessões de terapia.
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RODRIGO BARNESCHI Se o Rodrigo Barneshi de 2003 - ano em que o jornalista se formou na Cásper Líbero - encontrasse o de 2021 para tomar um café, certamente sentiria muito orgulho de sua versão 18 anos mais velha. Depois de 12 anos trabalhando como Relações Públicas, o jornalista decidiu colocar em prática os projetos engavetados. Mas a pandemia chegou. Com o trabalho em home office, os filhos em casa e um caos externo, a saída foi dar tudo de si para publicar seu primeiro livro. Forasteiros: Crônicas, vivências e reflexões de um torcedor visitante (Grande Área Editora, 2021) conta algumas histórias que Bardeschi coleciona sobre os mais de mil jogos que já assistiu. Nas 272 páginas, é possível ler sobre a confusão entre Peñarol e Palmeiras na Libertadores de 2017, definida pelo autor como “a situação mais perigosa vivida por uma torcida no exterior” e a “Carta ao Pequeno Campeão”. Publicada pela Revista Piauí em agosto de 2021, a carta conta para o filho do autor sobre a vitória do Palmeiras no Brasileirão de 2018. Ciente de que o menino, com menos de 2 anos, não se lembrará da vitória, Barneschi descreve cada detalhe do dia histórico. Dos jogadores em campo ao cenário político, do começo ao fim, a carta é digna de se arrepiar. (Gabriela Vilela)
GABRIEL CRUZ LIMA Aos 22 anos, Gabriel Cruz Lima, formado jornalista em 2020 pela Cásper, publicou O Último Romântico, seu livro de estreia. A ideia surgiu com o presente de uma ex-namorada (hoje amiga), que lhe deu a edição nº 0. Ali, percebeu que tinha um livro nas mãos e, junto disso, viu a chance de publicá-lo em uma editora independente. Lançado em julho de 2020 pela Bar Editora, um selo independente, o casperiano enfrentou as dificuldades de lançá-lo em meio à pandemia. Dos textos ao cálculo do preço final, Gabriel atuou em tudo, inclusive nas entregas das edições. De casa em casa, acompanhado de dois amigos, deixou o livro na mão de cada pessoa que comprou sua obra inaugural. Para ele, a maior qualidade foi a “coragem de ter feito”. Composto de escritos dos últimos anos feitos por Gabriel, as 75 páginas da obra vão de uma brochada a uma declaração de amor ao São Paulo Futebol Clube. Revisitar textos já escritos, para ele, foi um momento emocionante: “Você vê uma pessoa que você não é mais. É um processo de integração e desintegração entre você mesmo”, conta. É nessa reflexão que reside o mote do livro: a noção da jornada como protagonista e a chegada como coadjuvante. “Não é que todas as coisas acabam bem, mas todas as coisas acabam”, palpita. (Thiago Baba) @
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BITS & BYTES EDUARDO NUNOMURA
As sete social dicas : DADOSE F RA : Pesquisas We Are Social, com dados de janeiro e outubro de 2021, mostram que os brasileiros se destacam no mundo digital. Entenda os motivos:
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No Brasil, há 150 milhões de usuários ativos nas mídias sociais, aponta o estudo #Digital2021, da We Are Social. Apenas 10 milhões de brasileiros optam por estar longe das redes, embora tenham acesso à internet. Em média, os usuários conectados passam 3 horas e 42 minutos por dia interagindo nas mídias sociais, e cada um deles possui 10 perfis. Os dados da pesquisa são de janeiro de 2021.
TRÊS EM CADA DEZ BRASILEIROS OUVEM PODCASTS TODA SEMANA
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Mais da metade (54,9%) dos usuários de redes sociais tem menos de 34 anos. Pessoas entre 35 e 54 anos representam 33%, enquanto os que possuem acima de 55 anos são 11,9%. Outra pesquisa, da Pew Research, mostra que o Instagram alcança um público de 13 a 71 anos. É a rede de maior amplitude etária.
E o ranking de redes sociais no Brasil é: 1. Youtube 96,4% 2. Whatsapp 91,7% 3. Facebook 89,8% 4. Instagram 86,3% 5. Facebook Messenger 68,5% 6. Twitter 51,6% 7. TikTok 47,9%
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O estudo #Digital2021, da We Are Social, indica que os brasileiros passam, em média, 30,3 horas por mês usando o Whatsapp, quase o dobro das 15,6 horas no Facebook. O TikTok já rivaliza com o Instagram, e ambos aparecem com 14 horas mensais de uso. Os tuiteiros passam em média 6,4 horas por mês nessa rede. As plataformas de streaming campeãs de audiência são Youtube (26,3 horas mensais), Netflix (7,9), Youtube Go (5,9) e Amazon Prime Vídeo (3,2).
Um interessante recorte da pesquisa se dá no uso das redes sociais por gênero. As mulheres predominam nos apps do Instagram (58,2%), Facebook (53,5%) e Youtube (52,9%). Já os homens são mais numerosos no Linkedin (52,5%) e Twitter (58,5%). Não foram disponibilizados dados para a plataforma TikTok.
A We Are Social mapeou o comportamento dos internautas durante o isolamento social, com dados de outubro de 2021. Mais de um em cinco usuários, no mundo todo, ouvem podcasts semanalmente. Mas entre os brasileiros, a proporção é de 32,5%, só perdendo para os 33,2% dos mexicanos.
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Um em cada três internautas utilizam redes privadas virtuais (VPNs) para acessar a internet, com os indianos ocupando o primeiro lugar (43,2%). O Brasil está entre os países que menos se recorrem às VPNs para mascarar a sua navegação na internet. @
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TECNOLOGIA
TIC-TOC, TIC-TAC, TIKTOK
Para compreender o fenômeno dessa meteórica rede social, a CÁSPER criou um perfil para observar como o algoritmo consegue prender sua atenção - e talvez jamais devolvê-la POR THIAGO BABA
A rede social do momento chegou a 1 bilhão de usuários em setembro do ano passado. A ascensão meteórica se deu em cinco anos, três a menos do que levaram Facebook e Instagram para atingirem essa marca, separadamente. Foi o aplicativo mais baixado em todos os meses de 2021, com exceção de janeiro (posição ocupada pelo Telegram). O que estaria por trás desse fenômeno? A primeira e mais repetida resposta é o algoritmo, programado para ser altamente personalizado e completamente viciante. Aplicativo de vídeos curtos, muitos deles de 12 a 15 segundos, o Tiktok é como um vórtex programado para prender sua atenção. Ao clicar no aplicativo, é como se você fosse dragado para dentro de um redemoinho e, por mais que tentasse, não conseguiria mais sair dele. Como repórter desta publicação, decidi lançar mão de um experimento imersivo para entender as engrenagens do TikTok. Por duas semanas de novembro de 2021, naveguei cerca de 20 minutos diários pelo aplicativo a partir de um perfil observador (@revistacasper). Agindo como espectador, assim como a maior parte dos usuários, assisti e reagi aos múltiplos vídeos que apareciam na tela. O que lerá nas próximas páginas é um resumo dessa experiência.
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janeiro fevereiro- •março março- •abril abril 2022 janeiro •• fevereiro • 2022
COMO UM BEBÊ que vem ao mundo, cheguei ao TikTok buscando por “rostos” familiares para montar o perfil da @revistacasper: personalidades e páginas dos quatro cantos da comunicação. Inclui veículos de notícia nacionais (Estadão, Folha, Exame, UOL) e internacionais (Washington Post, Vox, Wired), influencers do marketing digital, comunicadores (Tiago Leifert e Celso Portiolli), algumas marcas e famosos (Corinthians, Flamengo, Iza e Emicida) e também dois dos perfis brasileiros mais seguidos na rede
@bellapoarch
(Spider Slack e Whindersson Nunes). Para quem não é íntimo dessa rede, a principal distinção dela é a possibilidade de encontrar coisas que fogem da bolha de pessoas que você segue. O inusitado pode surgir quando menos se espera. “Tem assuntos do meu interesse e eu não preciso seguir a pessoa. Consigo ir atrás, no Instagram eu não tenho essa facilidade”, explica a professora de Relações Públicas e de Jornalismo da Cásper Tânia Teixeira Pinto. O aplicativo é dividido em duas abas principais: a “Seguindo” e a “For You”. Na primeira, encontrei conteúdos relacionados à comunicação, como vídeos sobre marketing digital, notícias, empresas e outras produções audiovisuais, como as postagens do Porta dos Fundos – afinal, também sou humano. Mas é na “For You” que o algoritmo do TikTok diz a que veio. É nessa aba que surgirão conteúdos que parecem escolhidos a dedo. Nos meus primeiros dias de uso, assisti a um turbilhão de vídeos aleatórios. Eles iam de temáticas tristes e dramáticas a dancinhas de casal; de conteúdos humorísticos a receitas para perda de peso. Esse é o exato instante em que o app calibra os meus gostos. Mesmo uma instantânea troca de perfil vale ouro para o algoritmo. O TikTok não surgiu agora, mas passou por um rebranding para se tornar o que é hoje. Originalmente,
@britishpromise.cats
chamado de Musical.ly, era voltado para conteúdos musicais. Em 2017, a empresa de tecnologia chinesa Bytedance comprou o aplicativo e passou a ampliar seu público-alvo. No Brasil, a marca convocou como garotos-propaganda Emicida e Galvão Bueno. Uma estratégia que, no caso do narrador, também colabora para expandir a faixa etária da rede. Aquele meu início na plataforma, marcado pela mistura de conteúdos e aleatoriedades, durou alguns poucos dias e logo passou a incomodar. Como uma feira de rua, tem gritos por todos os lados. Tanto em seu con-
O PRIMEIRO BILHÃO
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Número de usuários (milhões)
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756
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583 508 381 271 85 3/2018
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9/2021
Fonte: APP Annie, CNBC CÁSPER
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@barbaracoura
@charlidamelio
teúdo, quanto nas ações publicitárias externas, a variedade temática é colossal. A rede patrocina programas de culinária, como o Masterchef, passa por festivais de música, como o Rock’n’Rio, e chega a grandes campeonatos de futebol, como a Eurocopa. Nada disso vem de graça, pelo contrário. “A grana entrou pesadíssima. É uma das empresas que mais tiveram investimento e com ele você atua mais em divulgação”, explica a professora da Cásper. Nos dois últimos anos, a plataforma teve a segunda maior valorização no mundo, com um crescimento de 158% no período, segundo o ranking da Kantar de Marcas Globais Mais Valiosas de 2021. Ela ficou atrás da gigante Tesla, do bilionário Elon Musk. O Instagram e o Facebook cresceram 100% e 54%, respectivamente. A “rede das dancinhas” já é precificada em 26,7 bilhões de dólares você precisaria ganhar 425 vezes na MegaSena da Virada de 2021 para poder comprá-la. Para competir com o aplicativo da ByteDance, o Instagram passou a dar preferência e engajamento absurdos aos Reels, que mimetizam o formato do TikTok. Seguindo a tendência do algoritmo chinês, o Instagram também passou a mostrar posts como “recomendações” baseadas nos gostos de cada usuário. Por ter chegado mais tarde, o aplicativo chinês adotou uma postura distinta das antigas redes. Facebook e Instagram, ambas pertencentes a Mark Zuckerberg, só a muito custo iniciaram uma aproximação com empresas jornalísticas, responsáveis por gerar muito conteúdo para as duas redes, mas que não ganham dinheiro por isso. Já o TikTok se mostrou disposto, desde o princípio, a fazer parcerias. “(Eles) são uma das redes mais abertas, que mais
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@spider_slack
dialoga com empresas de comunicação. Foi um esforço que o TikTok fez, pessoalmente, de ir atrás dos jornais”, diz João Abel, social media do Estadão. No meu experimento, passei a curtir alguns vídeos e passar mais tempo em outros. Os reflexos do algoritmo geraram efeitos instantâneos. Durante os primeiros dias, curti alguns vídeos dos perfis que segui, como Galvão Bueno, Tiago Leifert e Gabriella Azevedo (@ briellastudy), influencer que fala sobre marketing digital, além dos veículos de mídia e páginas de comédia. A partir do quinto dia, ficou evidente a aparição mais constante desses conteúdos. No sexto dia, uma surpresa me intrigou. Era um sábado e tinha ido a um passeio com minhas amigas para São Paulo. Na volta, fui cumprir minha cota diária de uso do aplicativo e apareceram vídeos de turismo na capital paulista. Desse dia em diante, decidi brincar mais com o algoritmo. Nada é imutável. Conforme você muda suas preferências, a inteligência artificial do TikTok o acompanhará. Quando
“(Eles) são uma das redes mais abertas, que mais dialoga com empresas de comunicação” - JOÃO ABEL, social media do Estadão
o algoritmo começou a pescar mais coisas do meu interesse, me deram muito conteúdo de marketing digital. Quando saturei do assunto, parei de curtir e, em pouco tempo, a aparição dele se tornou mínima. Com uma pegada mais caseira, a vida de influenciadores, jornalistas, apresentadores, profissionais e marcas passou a ser mais próxima do real para o espectador. O Estadão serve de exemplo. Com uma imagem exterior de algo sisudo e tradicional, ninguém imagina que eles seriam o primeiro veículo de mídia a ingressar na plataforma. O conteúdo produzido pelo jornal centenário é mais leve, bem humorado e descontraído. “Muita gente não lia o Estadão porque não entendia. Tinha que ser formada em economia para conseguir ler. Hoje, ele vai para o TikTok todo moderninho”, analisa a professora da Cásper. Com as redes sociais, um novo
@corinthians
modo de consumir informação se caracteriza por ser mais rápido, lúdico e prático, porém mais superficial. O TikTok foi responsável por consolidar esse novo modo de consumo. Abel, social media do Estadão, acredita que, por mais que a platafor-
@fredziownik_art
ma provoque essa falta de profundidade, o espectador também possui sua responsabilidade. No perfil que comanda, para cada conteúdo produzido, são apresentados modos para o leitor se aprofundar no assunto, via links. Mas poucos vão além dos vídeos em si, produzidos nos próprios celulares dos jornalistas. CONTEÚDOS COM AURA de perfeição parecem fadados ao fracasso. Durante todo o experimento, não vi muitas figuras que forjaram essa imagem e as que apareceram estavam, quase sempre, surfando nas hashtags e músicas que viralizam. Isso faz com que o TikTok não seja uma rede social para todas as empresas. “A marca que precisa da plasticidade não está se dando bem para vender, ninguém vai se identificar e fica aquela coisa engessada”, avalia Teixeira. Já marcas que possuem bases de fãs e consumidores fanáticos se fortalecem. Guaraci Neto, coordenador de conteúdo no Corinthians, diz trabalhar com um público apaixonado. O TikTok chegou a transmitir jogos exclusivos do Brasileirão Feminino e da Copa Nordeste. Os bastidores do clube e o cotidiano dos atletas, antes não muito mostrados, ficaram mais frequentes. Segundo Neto, a barreira entre ver os
atletas apenas no dia do jogo é quebrada e cria-se uma humanização dos jogadores. Segundo o pesquisador especialista em tecnologia Ronaldo Lemos, em artigo para o jornal Folha de S.Paulo, “não somos nós que racionalmente escolhemos os conteúdos que aparecerão nas nossas redes sociais. Esses conteúdos são escolhidos e ordenados por algoritmos”. Lemos diz que nem adianta tentar moldar o algoritmo, pois ele continuará enviando conteúdos que se referem ao seu inconsciente. A novidade do TikTok traz à margem a discussão a respeito dessa nova forma de olhar, ver e consumir informação. Em resumo, a problemática envolve o paradoxo entre “criar a mais rica e plural cultura visual da história, pela democratização dos meios, e cair no limbo da uniformização do olhar”, como contrapõe Giselle
@whinderssonnunes
Beiguelman, em coluna na revista Zum. Nessa linha tênue, o TikTok se provou capaz de sair das telas e adentrar, de maneira profunda, na realidade. Não é algo trivial. @
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AUDIOVISUAL
A VIDA EM
LIVES O streaming se consolida como instrumento de comunicação e ajudou o mundo a enfrentar os desafios do isolamento social. Novo modelo ou moda passageira? POR RENAN LIMA
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NEM UM VISIONÁRIO guru tecnológico poderia prever que uma rápida transição do analógico para o digital seria possível de ocorrer da noite para o dia, quase sem sobressaltos. Já estávamos acostumados a ter quase tudo na palma da mão, no conforto de casa ou na correria de um transporte público, no tempo e no jeito de sua preferência. Mas foi a necessidade de estar junto, mesmo distante, que fez as pessoas aderirem sem pestanejar às telas do computador, da TV ou do celular. Artistas, empresários, profissionais liberais, comerciantes, bancários e operadores do mercado, professores e estudantes, aposentados e crianças, todos passamos a recorrer a plataformas de transmissão de áudio e vídeo para continuar ativos durante a quarentena. O streaming atingiu o status de revolução da
comunicação mundial. E a forma que vem fazendo isso é inundando a oferta de conteúdos. O conteúdo é rei, dizem os publicitários, e a Netflix que o diga. A companhia norte-americana viu a entrada de 15,7 milhões de novos usuários na plataforma só nos quatro primeiros meses de 2020, quando o esperado eram 9 milhões. Seu valor de mercado chegou a 276 bilhões de dólares, em dezembro de 2021. A Netflix virou um cinema remoto, inclusive no sentido de ter novos filmes e séries em cartaz a cada semana. O poder de uma empresa campeã do streaming, com seus atuais 208 milhões de assinantes, é tão grande que outra indústria gigante, a do cinema, incluindo Hollywood, já se dobra a lançamentos feitos pela plataforma. As plataformas de áudio e vídeo permitiram
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transformar diferentes modelos de trabalho, que foi batizado de “teletrabalho”, impactar a oferta e o consumo de produtos e serviços e mudar os hábitos de bilhões de pessoas. A superação de limitações tecnológicas de transmissão de dados possibilitou ao streaming personalizar o consumo e unir gente do mundo todo com os mesmos interesses e necessidades. Obrigado, Zoom, Hangouts, Meets, Skype, Teams e Whatsapp. Este aspecto positivo, contudo, nos empurrou para um outro lado extremamente individualizante. O streaming valoriza o meu jeito de assistir, no meu tempo e no meu aparelho. Os algoritmos de plataformas como Netflix, Amazon e YouTube atuam para personalizar ainda mais a experiência dos usuários. A partir de predileções ali registradas, elas recomendam aquilo que a dona ou o dono da conta irá gostar. As milhares de opções disponíveis, na prática, acabam se reduzindo às que mais têm a ver com o seu gosto. “O streaming está matando a ideia de um mainstream”, resumiu
No futuro ainda fará sentido pensar em uma história coletiva do cinema, da televisão e da música? Ou será o meu cinema, a minha televisão e a minha música?
MAIORES SERVIÇOS DE STREAMING POR USUÁRIOS (ABRIL DE 2021): FONTE: NEWSWEEK
NETFLIX - 208 MILHÕES AMAZON - 200 MILHÕES DISNEY+ - 100 MILHÕES HBO - 44 MILHÕES HULU- 39 MILHÕES
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o jornalista Simon Reynolds, no tradicional jornal britânico The Guardian. Ele defende que, submersos em nossas experiências particulares, é cada vez mais difícil pensar em filmes, séries, músicas ou artistas que sejam “universalmente famosos”. E os que são vieram de era pré-streaming. Daqui a algum tempo, fará sentido pensar em um história coletiva, unificada, do cinema, da televisão e da música? Ou será mais comum a história do meu cinema, da minha televisão e da minha música? Não é equivocado pensar que as pessoas estejam optando por essa comunicação individualizante simplesmente porque ela consegue atender melhor aos interesses de cada um. Os nichos, sem discussão, ajudam a ampliar e diversificar como nunca a grade de conteúdo global. O DAZN, o primeiro serviço de streaming 100% dedicado a esportes no mundo, cresce com essa estratégia. Foi por causa da transmissão exclusiva da série C do Campeonato Brasileiro de Futebol, alijada da programação das grandes emissoras de TV, que a empresa angariou muitos assinantes. O seu app se tornou o mais baixado na categoria esportes na Apple Store e na Google Play. Para Thiago Massari, formado em Relações Públicas pela Cásper Líbero e vice-presidente de comunicações do DAZN no Brasil, as mais de 500 milhões de horas assistidas e os 25 mil eventos ao vivo transmitidos globalmente em 2019, antes da pandemia, só se tornaram possíveis pela existência do streaming. Lançado em maio do ano passado, o serviço do Panflix,
com jornalismo 24 horas por dia, sendo 16 delas ao vivo, e com todos os conteúdos de áudio e vídeo disponíveis no acervo do Grupo Jovem Pan, também avançou exclusivamente pelo streaming. “O conceito é de um lugar onde você consome o que é importante para você”, resume Leonan Oliveira, da equipe de comunicação e marketing do Panflix. O serviço estreou em 1º de abril, sem mentira alguma. Três dias antes, era lançado o UOL Play, streaming do portal UOL em parceria com a plataforma Watch Brasil. Além de um catálogo de séries e filmes, à la Netflix, o serviço oferece acesso ao conteúdo de canais esportivos, como Fox Sports e ESPN, e da MOV, produtora de vídeos do UOL responsável por documentários e entrevistas exclusivas. Os dois novos projetos somam-se a GloboPlay, PlayPlus e Facebook Watch, na esteira das plataformas que oferecem jornalismo e entretenimento. Outras áreas da comunicação que não só o jornalismo, como rádio e TV, também se aproveitam da tecnologia do streaming. Empresas como a Adstream, que atua como um “motoboy digital de materiais publicitários”, conforme define o CEO Celso Vergeiro, usam a transmissão de dados online para otimizar um processo que antes era feito analogicamente. Na publicidade do passado, uma agência ou uma produtora precisava de um motoboy para entregar um arquivo de vídeo de uma nova campanha a um cliente. Com a plataforma Adstream, não só essa entrega é feita via streaming como passa por uma padronização de formato e um controle de qualidade. E é um processo bem mais bara-
A PANDEMIA INSTITUCIONALIZOU A COMUNICAÇÃO PELO STREAMING, QUE JÁ EXISTIA, MAS NÃO ERA DISSEMINADA FONTE: BUSINESS INSIDER
20% E AS LIVES DO INSTAGRAM SALTARAM
FOI O CRESCIMENTO EM MARÇO DE 2020 DOS STREAMINGS DE VÍDEO
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S 4 DA L I S O D RA O B S LIVES20 D SÃO AIORE EM 20 5 M TUBE UBE YOUTE: YOU T FON
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VELOCIDADE MÉDIA DE DOWNLOAD (MBPS) POR PAÍS EM 2020 1ILHAS DE JERSEY (274,3)
6MÔNACO (144,3)
9HOLANDA (107,3)
14ESTADOS UNIDOS (92,4)
17 SUÉCIA (88,9)
34 PORTUGAL (63,0)
68 BRASIL (33,3)
98 MÉXICO (18,8)
223 IÊMEN (0,68)
FONTE: CABLE.CO.UK
to, já que o custo das antigas fitas e da entrega delas não é mais repassado às empresas. A Sambatech, startup brasileira que hospeda e distribui cursos e videoaulas, viu seu serviço se expandir durante os períodos de quarentena. Criada pelo mineiro Gustavo Caetano, a proposta de ser um tipo de YouTube voltado para empresas e instituições de ensino permitiu que muitos processos comunicacionais acontecessem remotamente. Até revistas em quadrinhos ganharam uma nova possibilidade de mercado com a inovadora Social Comics, do paraibano João Paulo Sette. O aplicativo surgiu para distribuir as HQs em formato digital, inspirado pelo sucesso dos streamings de vídeo. Mas para que a adaptação fosse bem-sucedida, o aplicativo teve de encontrar um modelo próprio para mensurar o valor dos produtos e tornar o serviço rentável. “Fomos os primeiros no mundo a fazer isso, então precisávamos ser diferentes e inovadores para que o negócio desse certo”, afirma Sette. Além de permitir que os fãs de HQs não ficassem desamparados, a Social Comics publicou gratuitamente um quadrinho que dava dicas de prevenção ao coronavírus. Em uma análise sobre o cenário musical, os pesquisadores Pedro Henrique Moschetta e Jorge Vieira sugerem
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que a mesma tecnologia que nos empurra para o isolamento também nos aproxima uns dos outros. No artigo Música na era do streaming: curadoria e descoberta musical no Spotify, afirmam que as playlists e estações de rádio do aplicativo “são representações simbólicas de atividades que o utilizador já fazia antes do streaming”. Em vez de novas lógicas de consumo, estaríamos mudando comportamentos já existentes para o contexto digital. Um desses aspectos seria o da migração do consumo de uma esfera pública para uma experiência mais individualizada, potencializada pelo uso massivo de dispositivos móveis. Mas, com as playlists colaborativas e a integração do aplicativo às redes sociais, o Spotify favorece o compartilhamento da experiência musical. Ou seja, o streaming pode ser, ao mesmo tempo, gregário e individualizante. DIANTE DE UMA PANDEMIA que suspendeu festivais, estreias de blockbusters, campeonatos esportivos e qualquer outro tipo de grande aglomeração humana, talvez o aspecto comunitário do streaming ganhe mais força. É nisso que acredita o jornalista Tyler Coates, da revista Wired. Para ele, quando o streaming nos possibilita tocar a vida de casa e continuar engajados online, ele nos encoraja a proteger uns aos outros, sobretudo os mais vulneráveis.
RECEITA DA INDÚSTRIA MUSICAL DOS ESTADOS UNIDOS EM 2021 FONTE: RECORDING INDUSTRY ASSOCIATION OF AMERICA (RIAA)
LICENÇA DE DOWNLOADS SINCRONIZAÇÃO DIGITAIS 2% 5% MÍDIA FÍSICA 10%
STREAMING 84%
“O streaming é mais do que uma Hollywood disruptiva. É uma ferramenta necessária para manter as pessoas sãs e seguras trazendo entretenimento e um senso de comunidade de volta” -TYLER COATES, jornalista da revista Wired
E conclui: “Neste ponto, o streaming é mais do que uma Hollywood disruptiva. É uma ferramenta necessária para manter as pessoas sãs e salvas trazendo entretenimento — e um senso de comunidade — de volta a todos”. Em 8 de abril de 2020, a cantora sertaneja Marília Mendonça encerrava o show mais emblemático de sua carreira. Por mais de três horas, ela cantou 51 músicas e bateu a marca de 3,3 milhões de visualizações simultâneas pelo YouTube. Naquele mês, as buscas por conteúdo ao vivo cresceram 50 vezes no Brasil, segundo dados fornecidos pela plataforma de compartilhamento de vídeos do Google. Se a #LiveLocalMariliaMendonca fosse exibida na TV aberta, teria alcançado 16 pontos de audiência. A cantora havia conquistado esse feito com uma equipe reduzida, direto da sala de sua mansão, cantando e dançando de chinelos (Havaianas, uma das patrocinadoras). Com esses tipos de shows caseiros, músicos e bandas do mundo todo trouxeram um pouco de distração em um período tão desafiador e cheio de incertezas para a Humanidade. Em 5 de novembro do ano passado, a “Rainha da Sofrência” morreu em um acidente aéreo. Mas deixou seu nome gravado entre os principais artistas de lives da história mundial. @
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R E V I S TA C Á S P E R
MUITO ALÉM DO IMPRESSO Com o isolamento social, imprimir uma revista universitária perdeu um pouco de seu sentido. Afinal, sem estudantes, professores e funcionários frequentando os quatro andares da Paulista, 900, quem iria ler os nossos conteúdos? Mas precisávamos falar, nos conectar e retomar a comunicação com essas pessoas que têm na Faculdade um ponto de encontro. A saída foi lançar produtos digitais, como muitos fizeram nas mais diversas áreas. Nestas páginas, mas também na palma da mão de todos, pelos celulares, tablets ou computadores, apresentamos as novas iniciativas da revista CÁSPER.
O @ DA REVISTA CASPER Uma revista no Instagram ou o Instagram de uma revista? As duas definições servem para o @revistacasper. Mais do que uma mera extensão digital para o conteúdo “raiz” da CÁSPER, o perfil nasceu pensado para dialogar com esta rede social. A partir de um projeto editorial que se preocupa com imagens destacadas, feeds organizados e textos curtos, elaboramos um cronograma de postagens. Às segundas-feiras, iniciamos com a divulgação, desde sua estreia, da newsletter #FicaEmCásper (Veja ao lado). No dia seguinte, alternamos entre o recém-estreado #TáBombando, em que analisamos um assunto relevante do momento, e o “Observatório
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da Pandemia”, com colunas escritas por professores sobre os efeitos da pandemia na comunicação. Nas quartas, publicamos o “Por Onde Anda”, com histórias de casperianos egressos que estão se destacando no mercado de trabalho. Às quintas, tem o #TBT para relembrar grandes histórias publicadas na edição impressa. Às sextas, alunos e professores recomendam livros, séries e filmes na seção “Antenados”. Aos domingos, optamos por um revezamento. Ora com a coluna “Domingueira”, com resenhas de produtos culturais, ora com uma prévia do 900 Segundos, o podcast da revista CÁSPER. (Renan Lima)
´ #FICAEM CASPER DE OLHO NA COMUNICAÇÃO Da saudade do pulsante ambiente universitário e da vontade de manter vivo o espírito das intensas trocas na Faculdade, nasceu a newsletter #FicaEmCásper. O nome foi inspirado, claro, na hashtag #FicaEmCasa, que tomou as redes sociais no início da quarentena. A newsletter semanal foi criada para agregar as informações mais relevantes para os comunicadores, dicas culturais e tudo o que está acontecendo nos diferentes departamentos da Faculdade.
Disparamos a primeira edição em 8 de junho a alunos e professores da Cásper. Dali em diante, sempre às segundas-feiras, a #FicaEmCásper trouxe uma curadoria das notícias e dos debates mais quentes da semana. O conteúdo é um radar atento a variadas e seguras fontes informativas, desde um infográfico interativo publicado pelo New York Times ou uma reportagem especial da Wired ao noticiário quente dos portais brasileiros, como G1, Folha e Estadão,
de relatórios de think tanks da área de comunicação ao burburinho das mídias sociais. Nós, da equipe da revista CÁSPER, queríamos compartilhar o conhecimento e nossas descobertas com todos, uma ação que é, em essência, o que os casperianos mais fazem na Paulista 900. Com o retorno das aulas presenciais, o produto #FicaEmCásper terá de ser repensado, uma vez que voltam as trocas nos corredores da instituição. (RL)
OS 900 SEGUNDOS ESSENCIAIS Na CÁSPER, o falar sobre a comunicação nunca tinha sido literalmente falado. Nas revistas, claro, a palavra sempre foi escrita, e as conversas eram restritas às nossas reuniões de pauta e ao dia-adia no Núcleo Editorial. No momento em que esses diálogos passaram a ser intermediados por aparatos tecnológicos, pensamos: “Por que não incluir mais gente no papo?”. E depois de alguns testes, pilotos, discussões sobre o nome e um bocado de inspiração, nasceu o 900 Segundos. O primeiro episódio “Por que
você não aguenta mais notícias’’ se impôs. Afinal, mesmo exaustos com um mar de informação (e desinformação), precisávamos nos manter vigilantes e atentos aos noticiários. A fórmula, falar sobre temas instigantes relacionados à comunicação durante 15 minutos (sim, 900 Segundos equivalem a esse tempo) e uns quebrados, se firmou nos episódios seguintes. Abordamos temas que vão da sinestesia no cinema à ética no consumo, dos vídeos do TikTok à violência contra profissionais da
imprensa. Falamos do Clubehouse, que sumiu tão rápido quanto apareceu. Sempre procuramos por vozes plurais para os debates, tanto de dentro da Cásper, entre alunos e professores, quanto de fora em profissionais renomados no mercado e intelectuais respeitados na academia. Para completar o caldo do 900 Segundos, uma pitada de humor nas trilhas e materiais de apoio, além de tomarmos certa liberdade para passarmos um pouco de vergonha em brincadeiras, sempre que a pauta nos permite, é claro. (RL) @
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ESQUINAS
A VOZ BUSCADA E ENCONTRADA Esquinas, revista-laboratório da Cásper, chega a 2022 com audiência recorde, parcerias com a mídia comercial e mais de 250 reportagens por ano POR RODRIGO RATIER* PODE UM VEÍCULO laboratorial seguir Instagram, as reportagens ganham o Tempos Difíceis: uma conversa com funcionando – e mesmo crescer – durante um inesperado e prolongado período de ensino remoto? A história de Esquinas mostra que sim. O site já existia desde 2018, mas o xodó de professores e alunos seguia sendo a revista impressa. Veio março de 2020 e muitas coisas se tornaram impossíveis – reuniões de pauta presenciais – e desnecessárias – imprimir papel para quem ler, se todos estavam #fiqueemcasa? A resposta não veio de uma vez, mas começou com um impulso: “Vamos tentar migrar para o digital”. O convite inicial arregimentou 15 estudantes do curso de jornalismo, reunidos em uma redação virtual permanente via WhatsApp. O grupo foi crescendo e chegou aos 244 voluntários atuais, alunos de todos os quatro anos da graduação e da pós-graduação. Reuniões de pauta e trocas diárias via aplicativo garantiram o diálogo entre os participantes e a constância no fluxo de reportagens. Debatidas, as sugestões disparam a apuração e, depois, a escrita dos textos, a edição dos alunos-monitores e, quando necessário, a minha supervisão. Ajustes feitos, imagens escolhidas, publicar: via homepage ou pelos perfis no Facebook, Twitter e
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mundo. Deu certo. Em 2020, publicamos 263 reportagens. Em 2021, foram 275. Aos poucos, fomos entendendo o que tínhamos a dizer no ambiente digital. Produções simples e humanizadas surgiam como caminho para o exercício do jornalismo. E passaram a atrair a atenção da grande mídia. Mais de 30 reportagens tiveram publicação simultânea na imprensa comercial. No UOL, maior portal da internet brasileira, foram 10. Também marcamos presença no site Brasil de Fato, rede Brasil Atual, Politize e Guia do Estudante, que passou a avaliar nossa pauta semanalmente. E para quem curte podcasts, nossa parceria com a webradio Quintal chegou ao episódio 60 no fim do ano passado. Parcerias potencializaram o alcance de Esquinas. Com a Rádio Gazeta ON, foram 69 lives sobre os bastidores das reportagens; com o Centro Interdisciplinar de Pesquisa (CIP), 12 lives sobre o futuro da comunicação. A área de Cultura Geral disse “presente” com a iniciativa Cultura Alive. E a própria revista-laboratório transmitiu sua série: “Saúde Mental em
universitários”, conjunto de 5 lives no perfil no Instagram. Sem falar nas três temporadas do podcast Papo de Esquina, pioneira experiência em radiojornalismo em nossa revista-laboratório.
O DIÁLOGO com diversas áreas da Cásper preparou o caminho para uma das iniciativas mais ousadas do Núcleo Editorial – responsável pela publicação da revista CÁSPER e de Esquinas: por que não levar o conhecimento que estamos cultivando sobre jornalismo para quem deseja conhecer mais sobre a área? Nascia, assim, o Redação Aberta, um programa pioneiro de oficinas “mão na massa”. Durante 15 dias, vestibulandos e alunos de escolas do ensino médio têm aulas teóricas e práticas com professores da Cásper e com os monitores do Núcleo. Ao longo desse período, encaram o desafio de fazer uma reportagem de verdade – e publicá-la para valer!
O resultado nos encheu de alegria. A procura foi tanta que realizamos não uma, mas duas edicões, a primeira em maio e a segunda em setembro. Ao todo, 79 alunos fizeram o curso do início ao fim. Nossa maior surpresa veio alguns meses depois: 24 participantes do Redação Aberta passaram no vestibular e se tornaram alunos de jornalismo da Cásper! Quem sabe você que está lendo agora não é um deles? Nos dois últimos anos, mais de 200 mil pessoas visitaram nosso site – crescimento de 827% em relação ao período 2018-2019. De volta ao presencial, seguimos produzindo, agora com a rica aprendizagem do período remoto. Junte-se a nós. Encontramos uma voz, e não vamos parar. @
* Rodrigo Ratier é professor, editor-chefe de Esquinas e vice-coordenador do curso de Jornalismo
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EDUCAÇÃO
A CÁSPER EM MOVIMENTO Nos últimos dois anos, os cursos da Faculdade desenvolveram iniciativas que são um retrato das transformações do mundo da comunicação POR THIAGO BABA
NA 14ª EFFIE AWARDS BRASIL, a melhor da história do evento com recorde de inscrições, estavam presentes agências de publicidade, como VMLY&R, AlmapBBDO, DPZ&T. Wunderman Thompson, FCB e Africa. E foi nesse evento que “a Faculdade Cásper Líbero se destacou”, conquistando dois prêmios da categoria “college”. Em 3 de novembro, os casperianos Júlia Lyz Ranaldi de Toledo Nassif, Sara De Souza, Mariana Salmen, Nathalia Pereira, João Pedro Camargo, Lucas Dini Figueiredo, Samantha Cavíquia e Sophia Miná Demarchi, todos sob tutoria da professora Lye Renata Prando, receberam a premiação no Hotel Unique, em São Paulo. O desafio do Effie era criar campanhas de comunicação para conhecidas marcas do mercado. Júlia, Sara, Mariana e Nathalia apresentaram o projeto “Minha Essência é Avon”, em que sugeriram estratégias como ativações físicas e mídia OOH (Out of Home) para que a empresa aumentasse sua venda de perfumes. Já João, Lucas, Samantha e Sophia replicaram em “#HousedosBIScoiteiros” a ideia de criar uma casa de conteúdo baseada em uma competição para a marca de chocolate, girando em torno do TikTok e com a participação de influenciadores.
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O reconhecimento é ainda maior levando em conta que os alunos não puderam visitar as empresas ou conhecer os clientes. Tudo foi produzido como há dois anos tem sido feito no mundo da comunicação: remotamente, mas com muita criatividade e inovação. Nos últimos dois anos, o curso de Publicidade e Propaganda deu continuidade a ações pré-pandemia, como o projeto Knockout, criado em junho de 2019. No começo, ele estimulava grupos de primeiros e segundos anos da graduação a produzirem uma campanha para a W3haus. A melhor campanha ganhava uma experiência imersiva na agência. A divulgação era feita pelo @knockout. pp, um perfil no Instagram. Com a pandemia, o perfil do Knockout se tornou um ambiente para compartilhamento de referências, ideias, trabalhos de casperianos, cases e experiências. Em 2021, surgiu a iniciativa “Crossfit”, na qual 13 casperianos já formados e atuantes no mercado foram convidados para dar workshops online gratuitos aos atuais discentes. O espírito de competição, muito natural no ambiente publicitário, permeou as aulas de PP da Cásper mesmo na pandemia. Novas ações, como o MixConcept, um projeto para desenvolver produtos do zero com base em tendências do Euromonitor 2021, ocorreram a todo vapor.
O curso de PP não está sozinho nessa jornada de inovação. O setor de Relações Públicas foi muito impactado pela pandemia, principalmente nas áreas de eventos de turismo, esporte, cultura, entretenimento, ações sociais e empresariais. O que fazer diante desse novo cenário? Estimular os futuros profissionais a se atentarem às novidades e reconfigurações da sociedade passou a ser essencial. Em 2021, a coordenadoria de RP realizou o 9º Praticom - Encontro Cásper Líbero de Práticas de Comunicação, promovido em parceria com a Associação Brasileira de Agências de Comunicação (Abracom). Sob o título “Uma nova Comunicação interna em um Mundo em Transformação”, o evento abordou diversidade, saúde mental no trabalho, qualidade de vida e liderança remota. Tudo a partir de cases das principais agências de Relações Públicas do país, unindo teoria e prática. EM UM MUNDO DO AVESSO, e com o agravamento de problemas sociais e humanitários, estudantes e docentes do curso de RP perceberam que o trabalho de um profissional não pode ser dissociado de sua importância para a sociedade. Em 2020, um trabalho feito por alunos do terceiro ano do curso, por exemplo, buscou ajudar
Produção de conteúdos pelos graduandos continuou ativa na pandemia e rendeu prêmios como o da Effie Awards
no beneficiamento de entidades do Terceiro Setor. A “Mostra de Comunicação” atendeu a 23 organizações não-governamentais (ONGs). “Trabalhar com a transformação social despertou o meu processo de transformação como futuro relações-públicas. Foi com esse trabalho que eu identifiquei o meu propósito profissional de contribuir para a mudança social”, relata o estudante Vitor Dumont. No curso de Rádio, TV e Internet, agora dotado de estúdios com equipamentos de última geração, 19 vestibulandos tiveram a oportunidade de co-
nhecer um pouco da profissão, antes de se decidir pelo curso de graduação. Em 2021, a coordenadoria responsável pelo curso realizou a “Oficina de Programa de TV On Line: Contando Histórias através do Audiovisual”. Durante duas semanas, os inscritos desenvolveram um trabalho prático de narrativa audiovisual, tiveram contato teórico e técnico sobre fundamentos da profissão e produziram um programa de TV completo: da apresentação ao roteiro, da produção de quadros ficcionais a entrevistas com professores e profissionais.
No ano passado, o retorno presencial aos estúdios da Faculdade foi possível, ainda que aos poucos e seguindo os protocolos de segurança sanitária. Desde setembro, os estudantes puderam retornar aos estúdios para realizar atividades voluntárias. Foi durante a pandemia que o novo estúdio de TV foi repaginado. Agora, ele possui equipamentos em Ultra-HD, o que permitiu a primeira transmissão ao vivo no Youtube e as primeiras gravações em 4K-Ultra HD. Em outubro, ocorreram encontros presenciais entre professores e estudantes de RTVI. Apesar de tanta movimentação de todos os cursos da Cásper, como nos poucos exemplos acima, a vida em tela criou um sentimento de exaustão generalizado - e compreensível. Os respiros, mais que necessários, também foram pensados para os casperianos. Ainda no primeiro ano da pandemia, a coordenadoria de Cultura Geral criou o projeto “Cultura Alive”. Um dos destaques foi o festival “Um minuto de arte na quarentena”, criado pelo professor de História da Arte, Jorge Paulino. A proposta era que cada estudante apresentasse um vídeo cantando, dançando, recitando ou mostrando algum desenho ou pintura. Para o professor, além de um momento para reflexão, a ação permitiu um registro histórico e afetivo do planeta. @
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EXTINCTION REBELLION
PESQUISA
SUA MARCA É O QUE PARECE? Revista Communicare investiga se as empresas se aproveitam da comunicação de causas para converter os públicos engajados POR MICHELLE PRAZERES E ENZO VOLPE*
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Manifestantes ironizam a “lavagem verde” em evento na Inglaterra, dias antes da COP26
DE QUE LUGAR uma marca fala e que ideais ela defende? Os consumidores contemporâneos vêm adotando um perfil cada vez mais engajado em causas sociais. As empresas estão conectadas com esta tendência e se relacionam cada vez mais por meio da adesão a temas relevantes para seus públicos. Mas elas estariam, de fato, comprometidas com essas bandeiras ou usando a comunicação interessadas em conquistar mais clientes? Brandwashing, greenwashing e, mais recentemente, causewashing são termos que ajudam
a entender as relações entre marcas, públicos e causas. A Communicare, revista multimídia de divulgação científica da Cásper Líbero, investigou como algumas marcas têm comunicado causas, mas não colocam em prática aquilo que dizem defender (brandwashing). O objetivo era entender essas ações pela perspectiva das pesquisas em comunicação. Um levantamento da consultoria Edelman Earned Brand, divulgado em novembro de 2021, revela que 56% dos brasileiros dizem consumir ou boicotar marcas de acordo com o posicionamento público delas diante das principais questões sociais. Em um mundo em rede, as empresas precisam entender o que importa para seus públicos para se posicionarem diante de todo tipo de situação. “É vital ser uma marca coerente com o discurso, porque os consumidores, no contemporâneo, têm acesso às informações e não são facilmente enganados”, afirma Ana Paula de Miranda, professora e pesquisadora da Faculdade de Administração e Ciências Contábeis da UFRJ e autora dos livros Consumo de Ativismo e Consumo de Moda. O CAUSEWASHING, quando uma marca se apropria de lutas que ela não defende na prática, “funciona como um pedido de desculpas com atos além de palavras” e “o público precisa averiguar se as pautas são preocupações reais da empresa ou apenas de fachada”, diz a pesquisadora Miranda. A professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco e do Núcleo de Design e Comunicação, Izabela Domingues, acrescenta que esse público não age como um “monolito” e que a transformação em curso vem exigindo novas posturas corporativas. “É importante que as empresas tragam a mudança não somente no discurso, mas também nas práticas”, diz. A publicitária Carolina Tonussi, mestra em Comunicação pela Cásper
“É vital ser uma marca coerente com o discurso”, diz Ana Miranda Líbero e consultora de Pesquisa e Mercado, explica que a representatividade nas marcas “sempre foi uma inquietação”. Tonussi acrescenta que ações afirmativas podem não solucionar um problema estrutural, mas geram debate e inspiração para que outras marcas repensem sua cultura interna. O risco é quando as empresas adotam de forma superficial o incentivo à diversidade (diversity washing), alerta Thalita Gelenske, CEO da Blend Edu. Essas discussões fazem parte do último dossiê da Communicare, iniciativa da Cásper Líbero no âmbito da divulgação das pesquisas científicas. O tema é candente e tomou conta das várias discussões na última Cúpula do Clima da ONU, a COP26. Em Glasgow, o termo greenwashing (algo como “lavagem verde”) foi utilizado para exemplificar ações que parecem sustentáveis contra o aquecimento global, mas não são na prática.
A Communicare é uma publicação coordenada pelo Centro Interdisciplinar de Pesquisa (CIP), por meio do qual a Cásper apoia estudos acadêmicos de docentes e graduandos. Em parceria com o Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Cásper e a Rádio Gazeta Online, o CIP produziu também a segunda temporada do podcast PesquisAR, que foi ao ar em setembro. Com 11 episódios, o programa trata de temas relevantes do universo da comunicação a partir de pesquisas realizadas por alunos e alunas de Iniciação Científica e do Mestrado. A diversidade dos episódios reflete o volume de co- nhecimento que vem sendo produzido dentro da instituição. As pautas vão desde os jogos eletrônicos, os branded podcasts, o jorna- lismo e as redes sociais até a representação das mulheres na comunicação. @
* Michelle Prazeres é professora do Mestrado e da Graduação em Jornalismo, é coordenadora do Centro Interdisciplinar de Pesquisa da Cásper
* Enzo Volpe é aluno de Jornalismo e editor do dossiê Causewashing EXTINCTION REBELLION
Protesto da Extinction Rebellion questiona o marketing verde de fachada.
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JORNALISMO CIENTÍFICO
A PALAVRA DA CIÊNCIA Como o jornalismo científico foi vital para enfrentar o negacionismo na cobertura da pandemia POR ANA CAROLINA NAVARRO HISTORIADORES DO FUTURO escavarão informações que circularam em meio à pandemia da covid-19 em busca de respostas para uma questão central: por que fracassamos? Dias após dias, o noticiário foi inundado de números de infectados e mortos, gráficos e estudos de renomadas instituições. O jornalismo científico nunca teve tanto espaço na mídia. Pesquisadores, médicos e profissionais de saúde foram saudados como nossa última esperança. Mas, mesmo assim, parte da Humanidade preferiu ignorar todos esses avisos e o fracasso foi global. Como em uma experiência científica, ainda será preciso testar diversas hipóteses para entender a pandemia de ignorância que levou muitos a darem de ombros para as instruções de ficar em casa e menosprezar os riscos da avassaladora doença. Mas uma dessas hipóteses certamente será a circulação desenfreada das chamadas fake news. “Nessa crise do coronavírus, quanta besteira acaba sendo escrita, quanto preconceito aparece, coisas mal explicadas”, surpreende-se o ex-reitor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Marcelo Knobel. Vencedor do 39º Prêmio José Reis de Divulgação Científica, Knobel aponta que as universidades precisam melhorar a comunicação com a sociedade: “No momento em que a ciência sofre ataques, é necessário mostrar a sua importância. É preciso não só comunicar adequadamente, mas também combater as fake news”.
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O isolamento social foi sabotado no Brasil pelo próprio presidente da República, repetidas vezes. Em abril de 2020, quando já havia mais de 20 milhões de infectados no mundo, sendo mais de 107 mil brasileiros, ele chegou a afirmar que a pandemia não passava de uma “gripezinha”. Jair Bolsonaro criou o falso embate economia versus saúde e divulgou a cloroquina como uma panaceia, o remédio para todos os males, quando não era. “E daí?”, debochou sobre os mortos. E daí que a britânica The Lancet, uma das mais conceituadas publicações médicas, afirmou em maio de dois anos atrás que Bolsonaro era a “maior ameaça” à luta contra o covid-19 no Brasil. Quando as próprias autoridades desacreditam a ciência abertamente, o valor das instituições científicas é ameaçado. Em março de 2020, um levantamento da Edelman indicava que 85% dos brasileiros tinham medo das fake news sobre a Sars-CoV-2 que se espalharam em grupos de Whatsapp ou do Facebook. “O coronavírus envolve só
“O YouTube é um dos grandes caldeirões da pseudociência”, critica Reinaldo José Lopes
ciência e é o grande assunto. Vai ser responsável por reeleições, mas ninguém sabe nem de onde vem o nome corona”, aponta, criticamente, o editor-chefe da Superinteressante, Alexandre Versignassi. Descrito em 1965, o coronavírus é um grupo de vírus que, visto com um microscópico, se parece com o formato de uma coroa. Em 2019, São Paulo registrou uma de suas campanhas de vacinação contra o sarampo mais mal-sucedidas da história. Muitos pais e tutores abriram mão de vacinar seus filhos, muito por conta da desinformação. O resultado foi um grave surto: dezenas de pessoas morreram por uma doença que havia sido erradicada dez anos atrás. “Se não vacino meu filho, eu ameaço o seu também, então viro um problema de saúde pública. O movimento antivacina coloca a sociedade em risco com base numa teoria completamente descabida”, alerta Versignassi. Para ele, o surgimento de movimentos negacionistas são fruto de uma grande confusão entre fato
ITAMAR CRISPIM/AGÊNCIA BRASIL
Comunicar sobre ciência requer uma profundidade que o jornalista muitas vezes não dispõe
e opinião. E os próprios comunicadores não conseguiram combatê-la.
NO NOTICIÁRIO GERAL, privilegiam-se pautas de política e economia em detrimento das de ciência. E estas, quando abordadas, nem sempre são transmitidas de forma clara, afirma Versignassi. Isso porque é comum o uso abusivo de jargões e especialistas que não esclarecem o impacto da ciência. Bernardo Esteves, repórter de ciência da revista Piauí, defende que é preciso aumentar a integração da área com o resto do noticiário: “Tem ciência nas notícias internacionais, de cotidiano e até de esporte e cultura, mas nem sempre essas relações são feitas”. O desafio do jornalismo científico é, historicamente, romper o senso comum de que esse universo é hermético demais. Colunista da Folha de S.Paulo e repórter de ciência há duas décadas, Reinaldo José Lopes publicou em 2019 o livro Darwin sem Frescura, coescrito com o paleontólogo Paulo
Miranda Nascimento, dono do Canal do Pirula do YouTube. Sua intenção era “abrasileirar” o tema do evolucionismo. Para os dois, a teoria do cientista britânico Charles Darwin é abordada em livros com referências sofisticadas e uma visão europeizada. “As pessoas não têm a mais vaga ideia de como a ciência funciona. Pouquíssima gente tem acesso e a grande maioria tende a desconfiar”, diz. Mas o escritor afirma que sem um ambiente que favoreça um debate baseado em fatos, só disseminar informação não é suficiente. Iniciada em 2013, o YouTube Edu agregava aconteúdos científicos voltados para as escolas. A plataforma com 469 mil inscritos tem curadoria de cientistas como Marcelo Knobel, da Unicamp, e reúne canais parceiros numa espécie de selo de qualidade. Mas a iniciativa parou de divulgar conteúdos novos no meio da pandemia, o que é uma pena. Era uma forma da difusão científica que disputava a audiência em um espaço
ocupado por terraplanistas, teóricos da conspiração e até entre quem propagandeou que o coronavírus foi criado pela China. “O YouTube é um dos grandes caldeirões da pseudociência e do lixo que as pessoas consomem. Todo mundo está perdido e suando para as pessoas conseguirem lhe ouvir em vez dos charlatões”, critica José Lopes. Essa rede social pode popularizar o jornalismo científico, mas não de forma tão simples e imediata. Comunicar sobre ciência requer uma profundidade que o jornalista muitas vezes não dispõe. “Quando escrevemos sobre uma descoberta, conseguimos explorar em que medida ela se assenta em pesquisas anteriores e se soma a ‘escada de conhecimento’, mostrando que aquela novidade não é o último degrau, outras virão”, diz Esteves, da Piauí. “Esse pessoal tende a ser bons interlocutores. À nós [jornalistas], cabe ser ainda melhores. Se você não mostrar o que tem de fascinante na ciência e onde está a magia das coisas, não dá certo”, sugere Versignassi. Os entrevistados atribuem a descrença na ciência às falhas da educação no País. Mas este é um fenômeno global. Não é preciso esperar uma nova pandemia para saber que voltaremos a enfrentar o mesmo quadro crítico e mortal da desinformação. E não se pode perder de vista que a ciência tem seus interesses econômicos e políticos. José Lopes lembra que só há pouco tempo a sociedade acordou para as desigualdades do mundo científico, como a falta de mulheres e minorias nas bancadas dos laboratórios. Sem enfrentar essa questão é provável que o jornalismo científico e a ciência continuem de braços atados diante de um novo vírus – o coronavírus, como revelam os números, dizimou sobretudo as minorias que não possuem acesso à boa medicina e ao conhecimento científico.
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R E P O R TA G E M E S P E C I A L
OS DIAS
Especial pandemia
EM QUE
Como quatro profissionais de comunicação viveram os primeiros meses de quarentena pela pandemia do novo coronavírus e o desafio de comunicar em meio a condições desafiadoras de trabalho remoto, instabilidade mundial e a preservação da própria saúde
A TERRA
PAROU
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POR VOLTA DAS 11 HORAS da quar- anas”. Mas uma repórter investigativa tarias estaduais de saúde e a Prefeitura ta-feira 26 de fevereiro de 2020, a jornalista Letícia Arcoverde caminhava para a redação do Nexo Jornal, no bairro da República. Não muito longe dali, na Rua da Consolação, Juliana Brito, coordenadora da Pandora Filmes e diretora de programação do cinema Petra Belas Artes, encerrava uma reunião com desenvolvedores. A repórter especial do Estadão Renata Cafardo fechava um texto para seu blog, enquanto Paulo José, executivo de comunicação da Leroy Merlin no Brasil, revisava uma apresentação ao lado de um colega. Leticia, Juliana, Renata, Paulo, você e todos nós poderíamos não imaginar que nossas vidas começavam a mudar para sempre a partir daquela data. Pela manhã, o laudo médico de um homem de 61 anos, internado no hospital Sancta Maggiore, anunciava o primeiro caso do novo coronavírus no Brasil. A covid-19 estava entre nós, e pelos meses seguintes, o mundo parou por causa dela. Ainda não sabemos se e quando voltaremos ao ritmo de antes. A pandemia, dois anos depois, continua entre nós. Mas as lições e os desafios enfrentados por quatro reputados profissionais, acompanhados pela revista CÁSPER durante todo esse período, nos permitem compreender a dimensão e a importância da comunicação nesse novo cenário. Este relato é um pedaço da História.
❉ A sexta-feira 13 de março de 2020 chegava agridoce à vida de Renata Cafardo. Formada em Jornalismo pela Cásper Líbero há 22 anos e especializada na cobertura de educação, ela ouviu a informação de uma fonte do governo estadual: “Não vamos fechar as escolas tão cedo. Temos pelo menos duas sem-
como ela não se daria por contente. Autora do livro O Roubo do Enem (Record, 2017), fruto de um furo jornalístico pelo Estadão que resultou no cancelamento do exame nacional em 2009, Renata voou até o WhatsApp. Instantes depois, foi uma das primeiras a noticiar: João Doria, Luiz Henrique Mandetta (então ministro da Saúde) e Rossieli Soares (secretário de Educação) estavam reunidos e as escolas iriam ser isoladas por decreto estadual no mesmo dia, com um fechamento gradual até 20 de março. O Ministério da Saúde informava que a doença se encontrava em transmissão comunitária – quando não dá mais para identificar o paciente-origem – em São Paulo. O fechamento das escolas impactaria 4,5 milhões de alunos da rede pública. Redes particulares já adotavam medidas similares. Passada a adrenalina da repórter, a mãe Renata encarava a nova realidade: como é que eu vou fazer com a escolinha da Estela e do Antônio? E até quando? Na redação do Nexo, 45 profissionais se reuniam para ouvir Paula Miraglia, cofundadora e diretora do jornal: “A partir de amanhã, todo mundo vai para casa”. Menos parte da equipe de editores. Antonio Mammi, Conrado Corsalette e Letícia Arcoverde, editora-assistente desde 2019, são responsáveis pelo programa Extratos da Semana e pelo podcast Durma com Essa. Eles teriam de continuar gravando no estúdio da redação. De dois em dois, Letícia e seus colegas se revezariam para ir à rua Araújo, no centro de São Paulo, até a redação ser fechada de vez e o anúncio da Paula passou a valer para todos, em 17 de março. Naquele dia, os noticiários anunciaram a primeira morte pela covid-19 em São Paulo. Havia 301 casos do novo vírus confirmados pelas secre-
decretou estado de emergência.
❉ O jornal Estadão organizou uma escala de trabalho remoto quinzenal que permitia o menor número possível de jornalistas na redação. O esquema não durou uma semana: logo todos foram para casa. Na manhã daquele 17 de março, Renata levou os filhos à escola, mas só encontrou outras três crianças. Ela passou na redação no bairro do Limão, pegou um bloco de notas, o notebook e um tubo de álcool gel. “Não dá, eu preciso estar em casa”, preocupava-se Renata, que já não poderia mais dispor da ajuda da mãe e da sogra. Idosos, eles estavam no grupo de risco. Letícia precisou adaptar o apartamento onde mora na Bela Vista para torná-lo uma das dezenas de redações do Nexo pelo Brasil. A mesa de jantar virou a mesa de trabalho; a escrivaninha, a mesa de jantar; e o guarda-roupas, o novo estúdio de gravação. “Uma acústica ‘quase’ perfeita”, ri. No novo ambiente de trabalho, a única companhia é Lila, a cachorrinha adotada no final de março, que passa o dia deitada ao seu lado. Letícia é uma fluminense de 31 anos radicada em Santa Catarina que mora em São Paulo. Quarentenada com Lila, descobriu um sentimento novo, uma espécie de maternidade millennial. “A parte mais assustadora de adotar uma cachorra são todas as vezes em que me percebo falando com ela do mesmo jeito que minha mãe fala comigo”, confessou no Twitter. O Belas Artes foi um dos primeiros cinemas a fechar, também naquele 17 de março, três dias antes do decreto
Dez dias após a 1ª morte, o número de óbitos pela doença chega a 92 no País
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estadual. Lançamentos pela distribuidora Pandora tiveram de ser adiados. Mas isso ajudou Juliana Brito a focar no streaming, o Belas Artes À La Carte. A experiência do acervo online de filmes cult lançado em 2019 vinha agradando o público, e a demanda exigia inovação. Na língua dos negócios, uma opção “mais responsiva e que facilitasse a utilização do usuário”, explicou Juliana. A atualização que estava prevista para o fim de abril acabou antecipada para o primeiro dia do mês e isso significou trabalhar dobrado em março. Mas, com a pandemia, investir o tempo no trabalho significaria mais do que realização profissional para muitos. Juliana luta para garantir a sobrevivência do cinema. A partir de 20 de março de 2020, 117 mil estabelecimentos paulistas de atividades não-essenciais, entre eles o Belas Artes, entraram numa quarentena forçada, sem data para acabar (só em 17 de agosto de 2021, o governador tucano João Doria encerraria as restrições de horários e público no estado paulista). A principal fonte de renda de distribuidoras e produtoras foi comprometida. “Pode ser que mesmo depois disso tudo as pessoas não queiram mais entrar em uma sala de cinema”, refletia. Usar a criatividade para pensar em modelos rentáveis de
negócio significava evitar cortes de salário e a demissão de funcionários. Em seu quarto, na companhia da gata Mia, Juliana tem menos interrupções do que no escritório, e o apartamento que divide com a mãe na Vila Mariana é confortável e silencioso. Muitos dos longas tiveram de estrear no À La Carte. Parasita (2019), filme coreano que recebeu quatro estatuetas no Oscar de 2020 e foi distribuído pela Pandora, estreou em fevereiro, quando ainda era permitido se aglomerar. Já Tel Aviv em Chamas (2018) saiu pelo streaming em caráter de pré-estréia. O ingresso virtual garantia também uma poltrona na estreia real. “Esperamos que tudo vá voltar um dia”, torcia Juliana.
❉ Depois de se flagrar almoçando durante uma videochamada às 17 horas, empatia se tornou lei para Paulo José. Com o escritório em quarentena, o diretor de comunicação da Leroy Merlin fez questão de estabelecer com sua equipe de sete pessoas os “juramentos em tempos de covid”. Um deles foi inserir atividades pessoais na agenda profissional. “Não estava conseguindo ter nem vida profissional ou pessoal”, desabafou. Isso permitiu que ele assumisse, sem culpa, que das 8 às 9 horas seria o período de fazer exercícios, e não
de atender telefone. “É importante as pessoas entenderem que tá tudo bem. Não tem problema. Ninguém sabe como lidar com essa nova rotina.” A varejista francesa já praticava o home office com a adoção das ferramentas digitais Slack, Hangouts, Google Docs e Google Sheets. No modelo tradicional, o funcionário que está longe tem a sua disposição uma empresa funcionando, mas agora boa parte do pessoal está de casa e o escritório está vazio. Para Paulo, o momento exigia exercitar um novo olhar sobre como nos relacionamos por meio das telas. “Quantos calls por dia devo fazer com minha equipe? É importante ver se está tudo bem, se alguém está com algum problema em casa”, inquietava-se. Às 20 horas da terça-feira 24 de março, Leticia finalizava as edições do dia quando o celular pisca com uma mensagem: “Gente, vocês viram o pronunciamento do Bolsonaro?”. A homepage do Nexo, cujo paywall havia sido liberado semanas antes, precisava ser atualizada com a notícia assombrosa do discurso negacionista do presidente, que chamou a covid-19 de “gripe- zinha”. Leticia e o redator de política Guilherme Henrique apuraram a informação, transcreveram o áudio e acionaram um especialista em
Bolsonaro diz ter testado positivo para a covid-19. Sem mostrar o exame ou indicar o médico que o tratou, declara estar com “saúde de atleta” por causa da cloroquina
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saúde pública. Por volta das 22 horas, o texto estava pronto. Na manhã seguinte, o conteúdo ia sendo compartilhado nas redes sociais, e Letícia descansava com Lila por perto.
❉ Na casa de Renata, marido e mulher são jornalistas e se desdobram entre gravações, entrevistas e entradas ao vivo. Ela é casada com Fábio Takahashi, editor da Folha de S.Paulo. Os novos “colegas de trabalho”, os dois filhos do casal, não paravam de perguntar o que ela estava fazendo ou o que tinha no almoço. “Estou procurando cinco minutos para poder respirar. Ficar sozinha e respirar”, dizia Renata entre uma reunião e outra, entre um ‘Antônio, deixa a Estela em paz’ e outro. A jornalista cobre a pandemia, produz o podcast Fique em Casa com Estadão e ainda tem uma coluna na Rádio Eldorado. Em uma live sobre o coronavírus na TV Estadão, uma ouvinte chegou a escrever “cale suas crianças”,
por se irritar com as brincadeiras dos filhos de Renata. Ela engoliu a seco. Outro problema a preocupava mais. Semanas antes, ela esteve em Brasília representando a Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca), fundada e dirigida por ela, num evento cancelado depois do segundo dia: a presidente da ONG Todos Pela Educação, que promovia o encontro, estava com suspeita de contágio pela covid-19. Renata ficou mal por 12 dias. Sentiu febre, tosse, coriza, calafrios e dor de garganta. Afastou-se dos filhos. No isolamento, a angústia presa no peito fugiu pelas lágrimas. “Eu chorei por sentir falta de acolhimento”, revelou. Ela procurou atendimento médico, fez uma série de exames, menos o de covid-19. O veredito foi de infecção viral. Mas Renata escreveu sobre a experiência e seu artigo ganhou as redes sociais. Paulo viu a covid-19 se aproximar com relatos de pessoas conhecidas. Por sorte, nenhuma vítima fatal. Isso o fez defender que a Leroy Merlin se posicionasse de forma clara: a favor da vida
e da população. O bricolab – espaços de marcenaria e bricolagem dentro do home center – da unidade na Marginal Tietê passou a produzir máscaras de proteção em parceria com o Movimento Brasil Contra o Vírus para serem doadas a hospitais. Unindo-se ao principal concorrente, Telha Norte, promoveu a ampliação de leitos de terapia intensiva da Santa Casa, em São Paulo. Alguns estacionamentos da rede foram cedidos para higienização de veículos e motoristas parceiros da 99 Taxi.
❉ A diretora de programação do Belas Artes sabia que a vida em tela havia aumentado como nunca. Tanto que ela e sua equipe do serviço À La Carte decidiram ampliar a gratuidade até 29 de abril. Trabalhando muito e precisando se entreter fora das telas, Juliana passou a fazer palavras cruzadas e a dormir muito mais. “Não aguento mais olhar para o meu celular”, confessava. A Páscoa para Juliana sempre teve
País ultrapassa a marca de 5 milhões de pessoas infectadas e quase 150 mil mortos pelo novo coronavírus
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No último dia de 2020 foi identificada pela primeira vez no País a variante alfa, surgida no Reino Unido
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mais a ver com a avó materna. Católica, dona Ida aproveita a ocasião para um grande almoço em família. Alguém teve a ideia de organizar um encontro no dia 12 de abril. Mas logo mudaram de ideia. O momento era de se amar de longe. Uma tia organizou um delivery de bacalhau. Juliana, já dando sinais de cansaço pelo isolamento social, sentiu o carinho que chegou até sua casa em forma de comida. Estava precisando. Depois de participar do programa Roda Viva, da TV Cultura, no dia 13 de abril, Renata foi para o sítio da família em Mairinque. Na família, todos estavam quarentenados havia semanas e ninguém teve coragem de privar as crianças de brincarem de caça ao tesouro com os ovos de Páscoa. Enquanto fazia os cartões para a brincadeira, de plantão remotamente, ela seguia atenta às notícias. Um estudo da Universidade de São Paulo e das Universidades Federal de Minas Gerais e do Rio
Grande do Sul mapeou os sonhos dos brasileiros na pandemia. Os de Leticia renderiam uma boa contribuição. Na noite de 28 de abril de 2020, depois de escrever um roteiro sobre isolamento social para seu podcast, ela sonhou que estava furando a quarentena e não conseguia mais voltar para casa. Ouvir vizinhos em aglomerações desperta na profissional uma raiva que classifica como “mood de quarentena”. Na linha do #FicaEmCasa, restou a Letícia as lembranças de seus últimos encontros antes da pandemia. Um deles foi quando, voltando da praia sob a luz do fim de tarde de verão, realizou “o sonho florianopolitano de atravessar a ponte Hercílio Luz” a pé, relembrava saudosa.
❉ Paulo e a mulher, numa ida ao mercado, se chocaram ao ver uma fila de pessoas sem máscara. “É surreal ver que para muita gente ainda não caiu a ficha”, lamentava. Acostumado a pen-
sar em estratégias de comunicação, o executivo da Leroy Merlin comentava sobre os episódios envolvendo Gabriela Pugliesi. Em 25 de abril de 2020, a influencer promoveu uma festa particular para celebrar ter se curado da covid-19, que contraiu um mês antes no casamento da irmã em Itacaré, na Bahia. Essa festa foi considerada um evento inaugural de contaminação cruzada do coronavírus no Brasil. Muitos outros aconteceram desde então, revelando faces de uma sociedade que em outros tempos envergonharia a qualquer um. “Nessa ação ela rompeu com uma onda que toda a sociedade está seguindo. Se as pessoas por trás também entendem esse movimento, elas não querem sua marca associada a isso”, avaliava o publicitário. Na Leroy Merlin, as estratégias de comunicação contam com dois embaixadores nas redes sociais (@acasadobeto e @gabygarciia). Durante a pandemia, a equipe de Paulo investiu em lives com influencers e especialistas, tutoriais de bricolagem
A enfermeira Monica Calazans é a primeira pessoa a receber a vacina contra a covid-19 no Brasil
Brasil bate recorde no número de mortes diárias: em um único dia, foram registradas 4.249 mortes pelo novo coronavírus GOVERNO SP
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e dicas de decoração no Instagram. ”Nesse momento nosso foco não é fazer varejo e sim ajudar as pessoas a conseguirem passar melhor e com maior qualidade este período de quarentena em suas casas”, explicou.
❉ O distanciamento social em São Paulo nunca atingiu os 70%, tendo alcançado 47% no dia 7 de maio de 2020, véspera da terceira prorrogação da quarentena. O País caminhava para as 10 mil mortes pela covid-19, batendo recordes diários. Parecia o caos, mas não era. Nos próximos meses, os brasileiros puderam ver a curva das infecções por Sars-CoV-2 se achatar no pico, caso único no mundo, para depois, no primeiro semestre de 2021, dar picos sem precedentes e levar o Brasil a superar as mais de 600 mil mortes. No primeiro ano da pandemia, a vacina era, então, só uma promessa distante e ainda incerta, e custou a chegar por
sucessivos erros do governo federal. E Juliana, perdida em meio a tantos fatos e informações desencontradas, não sabia mais em quem acreditar. Ela viu ainda a doença se aproximar de seu círculo social, infectando amigos de amigos. Por isso, fazia questão de manter contato. “Conversar um pouco e ver se a cabeça está boa”, resumia. Pela primeira vez, está tentando abrir mão de planejar e viver um dia por vez. No trabalho, a vida de Juliana mantinha um ritmo alucinante. Com o fim da campanha de gratuidade no streaming, era hora de pensar fora da caixa de novo. Apostar no modelo de drive-in sempre foi uma possibilidade para o Belas Artes. Essa ideia concebida em março recebera o aval do governo para o início das projeções no Memorial da América Latina em junho de 2020. Juliana foi pessoalmente acompanhar os testes técnicos e supervisionou os três primeiros dias de operação. Para Renata Cafardo, o 20 de maio de 2020 pode ser definido como “o
caos”. Nesse dia, o adiamento do Enem foi anunciado. A repórter precisaria, em tese, trabalhar menos para respeitar o banco de horas extras. Mas diante daquela notícia tinha de colaborar com a manchete do jornal, coordenando repórteres à distância. A reportagem fechou às 21 horas. Os filhos a chamam o tempo todo. Renata estava ali ao lado das crianças, mas não estava presente. “É muito difícil para eles entenderem isso. Também estou aprendendo.” A essa altura, Letícia já tinha percebido que, ainda por um bom tempo, as reuniões da equipe do Nexo Jornal continuariam sendo pelo Zoom. Que escrever os roteiros do podcast Durma com Essa seguiria sem a interrupção de barulhos da redação. Que a caminhada para o almoço se resumiria a poucos passos da cozinha. No final de maio de 2020, a quarentena em São Paulo foi prorrogada mais uma vez, prevendo a reabertura parcial de shoppings, concessionárias, imobiliárias e escritórios. A capital
Brasil ultrapassa a marca de 500 mil mortes por covid-19
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paulista registrava um cenário desolador, com uma média de 100 mortes por dia e mais de 178 mil infectados pela pandemia. Mas outra notícia, feliz, alegrou a casa de Paulo: ele seria pai de uma menina. Embora empregado por uma varejista de bricolagem, o executivo trabalhava sob uma mesa improvisada com um gaveteiro empilhado e uma prateleira emprestada do armário. “Gambiarra total, mas está funcionando”. Paulo nunca quis investir em um home office – para ele a casa é para se conectar com a vida pessoal e desligar do trabalho. Ele se esforça para que sua filha cresça num mundo em que esse seja o único normal. Em 8 de junho de 2020, G1, O Globo, Extra, Estadão, Folha e UOL formaram um inédito consórcio de veículos de comunicação como resposta à decisão do governo Jair Bolsonaro de restringir o acesso a dados sobre a pandemia de covid-19. Foi uma das mais importantes ferramentas contra a máquina de desinformação.
❉ Sem a pandemia, Juliana pensaria duas vezes antes de apostar que estacionar o carro e sintonizar o áudio de um filme na rádio FM seria um dos programas favoritos dos paulistanos. Mas já em 20 de junho de 2020, depois de mais de 150 dias de confinamento, os ingressos para o drive-in do Petra Belas Artes tinham se esgotado para o restante do mês. Em junho, Tel Aviv em Chamas, que Juliana sonhava em ver no cinema, entrou na programação dessa inesperada empreitada. Renata estranharia se em janeiro de 2020 uma fonte lhe dissesse que ficaríamos quase um mês sem um ministro da Educação e que o Enem que ela tanto conhece corria riscos. Em 18
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de junho, Abraham Weintraub deixou a pasta (que só voltou a ter ministro em 17 de julho) e o blog da Renata publicou o adiamento do Enem para 2021 em 7 de julho. Em fevereiro de 2021, a jornalista faria parte do time de profissionais da comunicação, atores e personalidades que participaram da campanha “Vacina, Sim”, de conscientização da população. Precavido, Paulo assinou, no início do confinamento, jornais italiano, espanhol e francês para acompanhar o noticiário internacional. Sentia como se estivesse lendo sobre seu futuro. Em julho de 2020, essa sensação passou. Nem nas piores projeções Paulo imaginou que o Brasil chegaria a mais de 100 mil mortos pelo coronavírus como registrava aquele 8 de agosto. Quase o mesmo número de vidas perdidas na Itália, Espanha e França, em igual período. Para Letícia, a normalização incômoda de ver os números absurdos da tragédia brasileira todos os dias, na própria impotência e na banalidade do cotidiano era uma das faces mais tristes da pandemia. Mas, em meio à desesperança e ao peso de comunicar notícias ruins, ela encontrava refúgio nas brincadeiras e nos GIFs enviados entre os colegas de trabalho. Ou nas taças de vinho das sextas-feiras e nas conversas com amigos por vídeo, nas maratonas de séries, no Twitter ou na companhia da cachorra Lila.
❉ MAIS DE UM ANO DEPOIS... Já na metade de dezembro de 2021, 140 milhões de brasileiros completaram o esquema vacinal contra a Covid-19, o que corresponde a 66% da população brasileira. No início da apuração desta reportagem especial, o fim da pan-
demia parecia ser uma questão de tempo. Semanas, talvez, para que o retorno presencial acontecesse. Mas a crise sanitária estava envolta em tantas dúvidas, muitas delas persistentes até hoje, que não é de se espantar que mais de um ano depois a volta à rotina ainda esteja longe de ser uma promessa. Mas a melhora de cenário levou à abertura de diversos estabelecimentos, como as salas de cinema, já no fim de 2021. Em janeiro deste ano, Juliana Brito adianta à CÁSPER que a recuperação do Petras Belas Artes acontece de “pouquinho em pouquinho”, muito apoiada por grandes lançamentos, inclusive o longa nacional Marighella, dirigido por Wagner Moura, e que retrata o histórico guerrilheiro comunista estrelado por Seu Jorge. Como muitos outros profissionais, a diretora de programação encerrou sua rotina de home office e voltou 100% presencialmente. O retorno em agosto garantiu a ela e à sua equipe “uma qualidade de trabalho muito melhor”. Circulando pelas ruas com mais frequência e vendo o movimento das pessoas, ela já não acredita no “novo normal”. Sobre seu ramo, muito afetado pela onda de streaming e do digital, Juliana é esperançosa: “A ida ao cinema sempre vai ser um evento diferenciado”. Paulo José viu o home office virar quase padrão, não tendo mais tantas reuniões presenciais na Leroy Merlin. Nesta nova realidade, as novas métricas de produtividade envolvem entregas, mais do que apenas presença física. “Trabalhem de onde e como acharem melhor”, virou o novo mantra corporativo. Vale trabalhar de modo presencial, remoto e até fora do País. Na visão do executivo, isso repercutirá na própria forma que as pessoas conviverão socialmente. Elas, agora, vão preferir viajar o mundo em vez de ficarem em casa.
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Fator que nos tornará “reais nômades digitais”, como caracterizou ele. Apesar do avanço na vacinação, a variante ômicron já gerou expectativas confusas em relação aos próximos meses na maioria das empresas e dos profissionais. Renata Cafardo completou um ano em que voltou às ruas e agora pode entrevistar as fontes presencialmente. Mas ela ainda não retornou à redação do jornal Estadão. Um processo que será feito de modo gradual, como prefere, para evitar uma mudança brusca na rotina de seus filhos pequenos. Em um final de ano cansativo, a jornalista se esquivava de prever o que está por vir em um 2022 de eleição presidencial: “A gente não sabe como vai ser o futuro próximo. Terminamos mais um ano com incerteza”. Sentimento que, apesar de recorrente nos últimos dois anos, tem um contraponto que a faz ter certeza de que é hora de persistir. “É meu amor ao jornalismo e a certeza de que ele é importantíssimo nesse momento”, respon-
A gente não sabe como vai ser o futuro próximo. Terminamos mais um ano com incerteza. - RENATA CAFARDO, jornalista deu Renata. Em uma visão “realista, que acaba sendo mais pessimista”, Letícia Arcoverde relembra casos recentes de perda para o jornalismo. O jornal Agora, do Grupo Folha, teve sua última impressão realizada em 28 de novembro de 2021. Menos de um mês depois, o site El País Brasil encerrava, em 14 de dezembro, sua operação brasileira. “Talvez não seja a última notícia do tipo que a gente vai
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ouvir e temos que estar preparados.” Mas a podcaster do Nexo também faz questão de lembrar de como o jornalismo se mostrou forte e importante durante a pior crise mundial do último século. Sobretudo com um governo brasileiro “extremamente ausente, quando não ativamente prejudicial para o combate da pandemia”. Para ela, este fator gerou um vácuo que foi, em parte, ocupado pela imprensa. “Gostaria de imaginar que isso se traduza em mais valorização do produto jornalístico para gerar mais sustentabilidade para o mercado”, avaliou. Juliana, Renata, Paulo, Letícia, você e todos nós podemos guardar sentimentos de que, há meses, a Terra parou. O novo coronavírus já ficou velho, e não só enquanto notícia. A pandemia devastou vidas, famílias, fez revelar muito do que somos e daquilo que antes nem desconfiávamos do que éramos. Na comunicação, paralisou ou adiou eventos, encontros, projetos, planos e histórias. Mas nunca a História: o mundo continuou dando voltas. A quarentena há de ser lembrada como mais um capítulo. E, nós, uma geração eternizada por compartilhar desses tempos tristes e desafiadores. (Colaborou Thiago Baba) @
A variante ômicron fez explodir a média de casos no Brasil. Em janeiro de 2022, chegou a quase 230 mil novos infectados por dia.
O indígena Davi Seremramiwe Xavante, de 8 anos, foi vacinado dia 14 de janeiro de 2022
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A PANDEMIA EM IMAGENS Fotojornalistas como Tiago Queiroz se arriscaram nas ruas para fazer um registro histórico POR ANA CAROLINA NAVARRO
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“QUANDO TUDO COMEÇOU, chegaram fotos impressionantes da Europa, de pessoas vestidas como astronautas. Parecia algo muito distante, e de repente essa realidade bateu à nossa porta”, lembra Tiago Queiroz. Nem mesmo os quatro dias que passou em um contêiner militar no Haiti, enquanto cobria os dias após o terremoto de 2009, se equiparam, para ele, com a cobertura da pandemia de coronavírus. O repórter fotográfico do Estadão afirma que os últimos anos têm sido os mais memoráveis
e impactantes de sua carreira. “Tive medo nas primeiras semanas, mas a minha vontade de cobrir era tanta que fui assim mesmo”, assume o fotojornalista, ciente de que participava de um momento histórico. Tiago chega a fazer de cinco a seis pautas por semana, na rua, ao contrário de grande parte da redação e mesmo dos repórteres de texto que trabalham em home office durante o isolamento. Só assim, como um flâneur, consegue captar os recortes da vida cotidiana. “A câmera
Na página ao lado, registro de uma visita no Hospital Premier. Acima, parente leva em saco plástico os pertences de uma vítima fatal da covid-19 e abaixo equipe médica do hospital de campanha do Anhembi.
sempre foi um meio de ir a lugares que nunca teria ido não fosse pela fotografia”, explica. Esta curiosidade o levou a ir por conta própria fotografar no cemitério da Vila Formosa, o maior da América Latina. Ele não fora pautado pelo jornal, mas sabia que ali estava a notícia. Em abril de 2020, o cemitério chegou a enterrar 75 vítimas da covid-19 por dia. “Eu queria era ter ficado um dia inteiro no Vila Formosa, acompa- nhando os coveiros”, lembra. Também naquele mês, passou quase 15 horas dentro do
Hospital São Luiz clicando os desafios da equipe médica e de pacientes. A maior motivação de Tiago na profissão é poder estar perto de realidades inacessíveis para a maioria da população. E também conhecer e poder contar as histórias de pessoas anônimas. Na pandemia, isso significou se deparar com cenas difíceis de ver e enquadrar. Como a de uma mulher humilde que partia do hospital de campanha no Anhembi levando os pertences de um parente falecido dentro de um saco plástico.
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Era impossível não se emocionar, porque ali estava resumido os duros efeitos da doença. Com sensibilidade, ele optou por registrar a mulher partindo. “É o tipo de imagem que eu não preciso estar mostrando o rosto dela. É uma imagem símbolo: não mostrando um rosto, mostramos muito mais”, ensina. Na UTI do Hospital Emílio Ribas, repetiu a técnica ao presenciar uma das enfermeiras examinando um paciente: “Consegui esconder seu rosto e pegar só a enfermeira com o pé do paciente. A luz natural que entrava pela janela estava muito bonita”. Com mais de 20 anos por trás das lentes, Tiago se mantém atento à composição da luz para comandar seu equipamento com rapidez. De março a agosto do primeiro ano da pandemia, ele estampou mais de dez capas do Estadão.
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Foi nesse jornal que ele começou como freelancer em 1998, sendo efetivado quatro anos depois. Cobriu eventos importantes na capital como o acidente da TAM no aeroporto de Congonhas em 2007 e as intensas manifestações que “não eram só pelos 20 centavos” em 2013. Viajou pelo Brasil em 2015 cobrindo o surto de microcefalia e o rompimento da barragem de Mariana – e também a tragédia anunciada do mesmo evento infame em Brumadinho em 2019. Mas numa pandemia, com seus altos e baixos, a cobertura reivindica um olhar ainda mais humanizado. Em uma rede de hospitais particulares, o fotógrafo se encontrou com o primeiro admitido com covid-19, um senhor de 70 e poucos anos que, quando percebeu que estava sendo filmado, começou a cantar Esperando na Janela, de Gilberto Gil. O
Ao perceber a luz natural na UTI do Hospital Emílio Ribas, em São Paulo, Tiago Queiroz flagrou a enfermeira cuidando de uma paciente, uma dura rotina que marcou o País.
Em destaque, registro da entrega de cestas básicas na Associação de Moradores de Paraisópolis. Abaixo, à direita, socorrista em atendimento à comunidade de Paraisópolis, e à esquerda, um sepultamento no cemitério da Vila Formosa.
registro capturado foi do paciente se despedindo da mulher como se estivesse dentro de um vagão de trem. A imagem foi compartilhada no Twitter do Estadão e chegou até ao conhecimento do cantor baiano. “Para mim foram tantos aprendizados e passagens fortes, coisas que não estão nas fotos, mas que vivenciei por estar ali fotografando”, diz. Tiago chegou a ficar doente. Apresentou falta de ar, tosse e uma grande dor de cabeça. Mas, apesar de ter cumprido quarentena preventiva por ter se arriscado em ambientes de
alto contágio, não foi diagnosticado com o novo coronavírus. O trabalho não terminou e ele continua nas ruas, não só fotografando, mas também escrevendo. Foi o que fez num ensaio de pessoas com suas diferentes máscaras de proteção. Vira e mexe ele se questiona se as próximas gerações um dia vão pesquisar sobre a pandemia e encontrarão suas fotos. “O fotojornalismo te dá um passaporte para lugares que pouca gente tem acesso. Esse sentimento te deixa orgulhoso em ter contribuído de alguma forma”, finaliza. @
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ANTEN DOS Anna Matsuda (Ryoko Yonekura) é uma veterana repórter que investiga políticos do alto escalão no governo japonês
A LUTA CONTRA OS CORRUPTOS A Jornalista. Na Netflix Histórias de jornalistas pipocam de tempos em tempos na indústria cinematográfica. Histórias de jornalistas-salvadores-da-pátria também, bastando citar Todos os Homens do Presidente (1976), Spotlight – Segredos Revelados (2015) e The Post – A Guerra Secreta (2017). A sugestão de A Jornalista, série japonesa que estreou em 2022 na Netflix, pode parecer, assim, parcialíssima vinda por parte deste autor: jornalista e descendente de japoneses. Mas convém dar uma chance à produção. Anna Matsuda (Ryoko Yonekura) é uma veterana repórter do jornal Touto que desconfia de uma venda, a preços módicos, de um terreno negociado pelo primeiro-ministro e pela primeira-dama. A imprensa desconfia e começa a investigar o caso, até que funcionários do alto escalão iniciam a o- peração-abafa, incluindo a falsificação de documentos oficiais. Como um jornalista deve fazer, Anna não desiste fácil de uma pauta e insiste na história mesmo à revelia de seus chefes e dos vários “nãos” que recebe das fontes. Não demorará para que ela encontre
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funcionários honestos, mas que se vêem obrigados a participar desse jogo de acobertamento da verdade. O trabalho será convencê-los a tornar públicos os fatos. A série, como se vê, contempla vários conteúdos presentes em aulas de Epistemologia do Jornalismo: opi-nião pública, objetividade, agendamento, seleção de notícias, independência, entre outros. Em cada um dos seis episódios, e sem que se faça menção a esses conteúdos, o público passa a compreender como a imprensa tem uma missão a cumprir, mas nem sempre isso será possível. “Dar voz a quem não tem voz”, define a sua profissão Anna Matsuda. A visão heróica faz parte da série da Netflix, mas ela vai além disso. Personagens secundários, pessoas boas e comuns, e distantes dos escândalos políticos acompanham à distância a revelação dos fatos, e nem desconfiam que elas são as mais principais vítimas de políticos e empresas corruptas. Parece óbvio, mas o óbvio nem sempre é noticiado. (Eduardo Nunomura)
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O JORNALISMO COMO DEVE SER
O PLANETA DO AVESSO
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O sociólogo português Boaventura de Sousa Santos escreveu O futuro começa agora (Boitempo, 2021) sentindo-se como um “tradutor do novo coronavírus”, durante o ano de 2020. Mesmo que acostumado a refletir a quente sobre questões como globalização, democracia e direitos humanos, ele tinha ciência do desafio de escrever sobre um fenômeno em pleno curso. “O livro termina, a pandemia não”, anota. Escrito entre “o medo e a esperança”, Boaventura principia esta obra afirmando que o século 21 começou agora, com a pandemia, e não antes. O que vivíamos até o ano passado era o século anterior, recauchutado, e marcado por exclusões produzidas pelo capitalismo, pelo colonialismo, pelo patriarcado. E deu no que deu. A partir de sua teoria descolonizadora, que nos obrigará a reinventar o mundo, um otimista Boaventura invoca a imaginação de todos em prol de um novo modelo civilizacio-
nal. Significa dizer que a pandemia não terá sido em vão, mas um obstáculo necessário. Ele cita, como exemplo, as organizações e os movimentos sociais que não deixaram de mostrar vitalidade e criatividade para proteger a vida. Diante das ausências, sobretudo as do Estado e as do capitalismo, a ciência assumiu uma centralidade e esta realidade é, segundo ele, um caminho sem volta. “O maior desafio continua a ser como aprender e colaborar com outros sistemas de saberes”, aconselha. (EN)
Convém prestar atenção ao que o jornalista Fareed Zakaria fala. Em junho de 2017, ele fez a seguinte previsão na CNN: “Patógenos mortais, sejam artificiais ou naturais, poderiam desencadear uma crise sanitária global (...) Quando a crise chegar, desejaremos ter mais financiamento e mais cooperação global. Mas então será tarde demais”. Como apresentador do principal programa de assuntos internacionais da CNN e colunista do Washington Post, Zakaria
ancora sua opinião em dados e fatos. O livro Dez lições para o mundo pós-pandemia (Intrínseca, 2021) nos faz ver que a globalização não só não morreu, como ela tem provocado uma bipolarização sem precedentes, numa briga que oporá Estados Unidos e China. Sobrará farpas para todos os lados. Para o jornalista, a atual pandemia é um sintoma, e não só a causadora das nossas atuais e futuras incertezas. Zakaria lembra que por conta da Covid-19 o mundo se digitalizou da noite para o dia, o que é bom, mas terá como decorrência a extinção de alguns empregos, o aumento da produtividade e a concentração de riqueza, o que é péssimo. Em outras palavras, o mundo se acelerou demais e colocou os ecossistemas em risco. Isso já aconteceu no passado, nos anos 1920, após uma guerra mundial e uma pandemia. As decisões tomadas no período seguinte levaram a um “estado de coisas muito sombrio nos anos 1930” e mais não é preciso escrever… (EN)
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Dez lições para o mundo pós-pandemia. Fareed Zakaria. Rio de Janeiro: Intrínseca, 288 págs., 2021.
O futuro começa agora. Boaventura de Sousa Santos, São Paulo: Boitempo, 432 págs., 2021.
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Duas leituras recentes interpretam as transformações da sociedade com mensagens entre otimistas e pessimistas sobre o futuro pós-pandêmico
A GAMIFICAÇÃO O que Pokemón Go tem a ver com Jacques Lacan? Ou o que os filósofos Frederic Jameson ou Slavoj Žižek diriam de Stardew Valley, um jogo de simulador agrícola? Quem arrisca responder é Alfie Bown, professor de Arte e Mídia na Royal Holloway de Londres, que teve seu primeiro livro lançado no Brasil: Política, desejos e videogame (Edições Sesc). Na obra, Bown está interessado em investigar como as relações humanas se alteram a partir das tecnologias digitais. Com uma abordagem psicanalítica, o autor defende que o universo dos gamers oferece a mesma sensação que um inglês teria ao entrar em uma loja de departamentos no século 19. Isso porque os videogames abrem espaço para “sonhos a serem sonhados”, e é isso o que faz com que mais de 3 bilhões de pessoas sejam fascinadas por eles. No caso de Pokémon Go, Lacan o chamaria de um objeto de desejo, fetichizado, e que jamais conseguiríamos alcançá-lo. Já Jameson ou Žižek diriam que jogos como Stardew Valley promovem a perigosa ideia de que nos futuros distópicos “apenas o capitalismo nos separa de um deserto árido. (EN)
Política, Desejos e videogame. Alfie Bown. São Paulo: Edições Sesc, 144 págs., 2021.
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ASPERIANAS
A herança de Cásper Líbero Livro de Dácio Nitrini conta a história do jornalista e empresário da comunicação que deixou a educação como legado POR ANA CAROLINA NAVARRO
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ARQUIVO FCL
m 11 de março de 2020, dias antes da quarentena imposta pelo novo coronavírus, o jornalista Dácio Nitrini proferia uma aula magna para o curso de Jornalismo. Casperiano da turma de 1982 com passagem pelas redações do SBT, da Folha de S.Paulo e da TV Gazeta, onde foi diretor de jornalismo, ele falou aos alunos sobre a complexidade da figura humana que deu vida à Faculdade, que neste ano completa 75 anos. Nitrini é autor da biografia Cásper Líbero: Jornalista que fez escola, lançado pela Editora Terceiro Nome. Para a revista CÁSPER, o jornalista compartilhou as descobertas e reflexões que teve ao escrever o livro sobre o empresário.
A notícia da morte de Cásper Líbero na capa do jornal A Gazeta em 1943.
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O que lhe motivou a escrever sobre Cásper Líbero? Dácio Nitrini: Cresci próximo à Avenida Cásper Líbero, antiga Rua da Conceição, e todos os dias ouvia a sirene da Gazeta. Tinha uma ligação quase afetiva com o Cásper. Quando entrei na Faculdade e futuramente na TV Gazeta, percebi que aquela era uma figura idolatrada como patrono da Fundação, mas com histórias contraditórias e sempre o comparando com o perfil de seus equivalentes, como Samuel Wainer, Assis Chateaubriand e Roberto Marinho. Por curiosidade pura e simples de repórter, comecei a pesquisar sobre sua vida. Fui descobrindo uma personalidade muito especial, complexa, de uma pessoa com um grande poder de realização e um líder carismático, e decidi tratar a pesquisa como algo profissional.
Quais foram as dif iculdades para pesquisar a vida de Cásper? DN: Foi como um quebra-cabeças de 200 mil peças, em que você vai juntando e separando o que é contraditório, verdadeiro ou falso. Cásper morreu em 1943 e ele não tem contemporâneos vivos. Muitos de seus arquivos pessoais e familiares se perderam no tempo, então tive que pesquisar arquivos digitalizados e físicos de jornais da época como Estadão, Correio Paulistano, O Globo e Diário da Noite, rastreando todas as referências a ele, a sua companheira Maggie e A Gazeta. Fui constituindo a história a partir de notícias de seus negócios, colunas sociais e noticiários de política. Embora não fosse ele pessoalmente um candidato, Cásper era um grande articulador dos bastidores do Partido Republicano Paulista e um reconhecido líder da Revolução Constitucionalista de 1932.
VÍTOR ZOCARATO
Dácio Nitrini no lançamento de Cásper Líbero: Jornalista que fez escola, na Livraria da Vila em São Paulo
O que motivou Cásper a deixar em testamento o desejo de criar uma fundação mantenedora dos veículos de comunicação por ele criados e de uma escola de Jornalismo? DN: A partir de um espírito aberto e de viagens aos Estados Unidos, onde passou a ter contato com jornalistas modernos e com a escola de jornalismo que existia em Nova York, Cásper viu que os milionários americanos se preocupavam com o ensino criando fundações e fazendo doações. Como empresário, Cásper já vinha discutindo publicamente a necessidade de um curso para a formação da mão de obra de jornalistas com mais qualidade. Ele via os jornais como negócios que precisavam melhorar não só tecnicamente, com maquinários modernos, mas profissionalmente. E isso só uma escola com método poderia dar. Ele foi o único grande articulador desse
cenário que concretizou a fundação de uma escola. Por outro lado, ele também não teve filhos, o que também é algo determinante. O que o empreendedorismo de Cásper pode nos ensinar? DN: Qualquer jornalista tem que ter iniciativa. Para trabalhar com informação, você precisa obter a informação. Cásper era uma pessoa extremamente ativa, que tinha objetivos, diferentes ao longo da vida, mas sempre teve um pensamento de melhorar a sociedade de alguma maneira. Esse ponto determina tudo na profissão de um jornalista. É preciso ter senso crítico, altivez, independência e princípios éticos. No meio da revolução digital que estamos vivendo, o que prevalece é a informação correta. A informação correta hoje salva vidas e ela só pode ser feita por profissionais.
“Cásper foi o único de seus contemporâneos que concretizou a fundação de uma escola”
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PARA ENTENDER MAIS
O mundo do avesso
:: RADAR CIENTÍFICO :: Antes de compartilhar, cheque a informação
NEGAR O NEGACIONISMO Para combater a disseminação de mentiras sobre a covid-19, obsessão dos negacionistas, a série documental A Corrida das Vacinas (Globoplay) mostra os bastidores da criação, em tempo recorde, da vacina contra a Covid-19. Em reportagem interativa, a CNN (coronavirus-pandemic-cnnphotos) selecionou as fotos que definem a pandemia pelo mundo. As cidades de São Paulo e Manaus fazem parte.
DESINFORMAÇÃO NAS REDES Na série investigativa “The Facebook Files”, o Wall Street Journal mostra como a gigante tecnológica corrobora para a desinformação e a disseminação de discursos de ódio. Em outra investigação jornalística, aponta como o TikTok pode ser foco de fake news.
NOVOS GIGANTES O grupo de pesquisa Influcom, da Faculdade Cásper Líbero, mapeou 10 tendências da comunicação, influência e dados para 2022. Aborda a tiktokização de conteúdos, os influenciadores, o Metaverso e a vida baseada em dados.
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