OSEVENTOSGRANDES
Três grandes eventos se concentraram no fim deste ano de 2022: o Bicentenário da Independência do Brasil, as eleições pre sidenciais e a Copa do Mundo. Um deles já seria suficiente para dar o tom de uma publicação. Mas se três é demais, como diz o ditado popular, a revista CÁSPER ousou introduzir um quarto tema: a desinformação. O universo das chamadas “fake news” se tornou um fenômeno de escala global. Uma reportagem especial, assinada pelo editor Gaba Serpa, mostra como e por que alguns conteúdos, por mais duvidosos que sejam, acabam sendo com partilhados sem um mínimo de checagem. Aprender a desarmar esse gatilho talvez seja a nossa única saída para enfrentar esse problema urgente.
As eleições de outubro já nascem sob o fantasma da desinfor mação rondando o ambiente político. O horário eleitoral gratuito serviria de antídoto, mas em 2018 a influência dele foi drastica mente reduzida, como mostra reportagem de Anna Casiraghi. No portfólio, as imagens da fotojornalista Gabriela Biló nos fazem relembrar como foram os últimos conturbados anos em Brasília. Já o mote do Bicentenário nos provoca a pensar sobre o que é ser independente nos dias de hoje. A revista foi atrás desse tema e descobriu que independência é uma palavra particularmente cara para as áreas do jornalismo e do audiovisual.
Quase fechando o ano, 2022 nos reserva a Copa do Mundo, o megaevento esportivo que mobiliza bilhões de pessoas a cada quatro anos. É nesse campo, o da bola, que os casperianos tam bém se destacam. Muitos formandos, hoje profissionais atuantes em diferentes e diversos veículos, se especializaram na cobertura esportiva. Como bons boleiros que são, deram um pitaco sobre o inédito Mundial no Catar para o editor Thiago Baba. Como uma dica final, não deixem de ler o perfil do jornalista e sociólogo Mu niz Sodré. Um dos maiores comunicólogos brasileiros celebrou 80 anos, uma vitória e tanto para quem lutou bravamente contra a Covid-19, no primeiro ano da pandemia. Parafraseando o escri Gabriel Garcia Marquez, Muniz viveu para contar.
Boa
HÁ 200 ANOS
Como a Imprensa Régia noticiou os pri meiros anos do Brasil independente
:: BITS & BYTES ::
A ONDA DO PAY WALL
Jornais cobram dos leitores para garantir a sustentabilidade de seus negócios
A DESINFORMAÇÃO
Por que as pessoas continuam a compartilhar as “fake news” mesmo sendo alertadas da mentira
10 ANOS DA LAI
A Lei de Acesso à Informação sofre ameaças por obrigar os governantes a serem transparentes
MARKETING POLÍTICO
O que fará diferença na campanha política de 2022: as redes sociais ou o horário eleitoral?
O INTELECTUAL 8.0
CASPERIANOS EM CAMPO
Jornalistas formados pela Cásper mostram que entendem de bola e muito mais
PORTFÓLIO ONDE ANDA CARIMBADO
Maurício Oliveira já cobriu dois Mundiais e conta como é essa experiência tão desejada ESPORTIVA
Como os esportes têm sido usados para “limpar” a imagem de países e empresas
O sociológo Muniz Sodré completa 80 anos fazendo ioga e praticando artes marciais ANTENADOS :: CASPERIANAS ::
CORREÇÃO
Daniela Giuntini é formada em Jornalismo e não RP, como pu blicado na reportagem “Entre teoria e prática” da edição 31.
No jornalismo e no audiovisual, veículos independentes se destacam por produzirem conteúdos relevantes e necessários, mas ainda lutam para disputar a grande audiência
PORESCOLHEMOS E PAGAMOS pe los alimentos. O mesmo vale para a educação. Também pagamos pelo streaming que garante a diversão nos finais de semana. Por que ain da se resiste tanto à ideia de pagar pelo conteúdo jornalístico que nos mantém informados diariamente? “Jornalismo de qualidade depende de recursos”, resume Maia Fortes, secretária-executiva da Associação de Jornalismo Digital (Ajor).
Para que as iniciativas autôno mas possam preservar a tão sonha da liberdade editorial e o alto nível profissional, é necessário educar o público quanto à máxima de que não existe almoço grátis. Sem perder de vista, é claro, o outro lado da balan ça: produzir conteúdo acessível ao maior número de pessoas.
Joana Suarez, curadora de ve ículos do Nordeste na Cajueira Newsletter e gerente de jornalismo
figuras influentes da política, pode -se dar nome às coisas sem “rabo preso”. Esse modelo privilegia que sejam esmiuçadas e denunciadas as histórias de violência. Além disso, o fortalecimento de iniciativas digi tais, locais ou periféricas, “é essen cial para que tenhamos um ecossis tema de comunicação mais plural e diverso”, arremata a secretária-exe cutiva da Ajor.
ASSINATURAS, SUBVENÇÕES, crowdfunding, diversas formas de arrecadação vêm sendo testadas no ambiente digital. Não bastasse a di ficuldade de convencer o público a consumir — isto é, pagar por — con teúdo jornalístico, o pano de fundo que encontra quem ousa seguir pela via da independência editorial é de
A disputa estabelecida no campo investigativo e de denúncia parece favorecer o jornalismo independente em detrimento da mídia mainstream, ou profissional, como os grandes veí culos de comunicação costumam se autodefinir. Dois exemplos trazidos por Joana ilustram essa percepção: o caso da criança de 11 anos, estuprada e desencorajada pela juíza a realizar um procedimento de aborto, em San ta Catarina; e o caso de Samuel Klein, dono das Casas Bahia, acusado de ex ploração sexual. “No caso da garota de 11 anos, os jornais deram depois. Foi revelado pelo Portal Catarinas, um veículo do sul e feminista, em parceria com The Intercept No caso do dono das Casas Bahia, a Agência Pública fez a denúncia de estupro e pedofilia”, lembra a jornalista. Ela ainda questiona a forma com que o jornalismo tradicional mantém sua independência. “Você vê as Casas Bahia anunciando nos grandes jor nais, televisões. Como esses veículos vão denunciar?”
JORNA
no Azmina, comenta o momento vivido por muitos veículos inde pendentes: “Fizemos a transição para a internet, e o papel não é mais o meio principal para comu nicar. O modelo ainda não é sus tentável, mas sou entusiasta do jornalismo
Diversasindependente”.razõeslevamos jorna listas a migrarem de veículos tradi cionais para os autônomos. “Uma delas é a crise no modelo de negó cios tradicional e as consequentes demissões em grandes jornais e re vistas”, explica Maia.
A isso, somam-se as incontá veis possibilidades que o ambiente digital proporciona a quem deixou — ou se viu obrigado a deixar — as estruturas dos jornalões. Rompi das as amarras com empresas ou
Da esquerda pra direita: Joana Suarez, Jayanne Rodrigues, Nayara Felizardo e Mariama Correia. As realizadoras e idealizadora da Cajueira se encontraram no 17º Congresso de Jornalismo Investigativo da Abraji em agosto deste anoinstabilidade e ataques, que podem vir do alto do poder político.
Maia e Joana concordam quan to à arrecadação e administração dos fundos: “É importante que um veículo nativo digital tenha estru turas administrativas que incluam profissionais dedicados a pensar na sustentabilidade do negócio”, ressal ta Maia. “Não dá para fazer os dois. O primeiro passo é ter alguém no grupo que possa se dedicar só para captação de recursos”, explica Joana.
Para iniciativas autônomas de jornalismo, pode ser mais com plexo pensar na manutenção da independência. “São vários nichos e tem público para tudo. Tem que pensar em quem queremos chegar, e não só em quantidade de pesso as”, afirma Joana.
Outra dificuldade é enfrentar a lógica atual, onde ter engajamento virou moeda corrente. “A história do
independentesVeículos de jornalismo buscam a tão independênciasonhada editorial e financeira
LISMO
estupro da garota catarinense e da juíza viralizou. Não foi só pela par ticipação do The Intercept”, avalia a curadora da Cajueira. Porém, nem tudo que é de interesse público vira liza, assim como muito do que virali za não é de interesse público. Assim, jornalistas independentes também se vêem obrigados a traçar estraté gias de divulgação que fujam dessa lógica. A Cajueira elaborou o Caju zap — um resumo da newsletter em áudios de até três minutos no What sapp: “Por lá, temos acesso ao públi co sem interferência de algoritmo ou intermediador, e trazemos as vozes e o sotaque. Email não é acessível para muita gente”, diz Joana.
Em meio às muitas contradições do ambiente digital, uma parece so bressair às demais para quem pensa
na sobrevivência do jornalismo e de sua independência: os algoritmos. Permanecer no jogo envolve repen sar a maneira como plataformas e mídias sociais vêm se relacionando com as informações no ambiente online — e alimentando a lucrativa nêmesis do bom jornalismo.
Google, Meta, Twitter, quem domina o espaço digital deve ter compromisso com o combate à desinformação. Fomentar esse de bate também é responsabilidade de jornalistas e profissionais da comunicação. Sem rediscutir os fatores que atrasam o desenvolvi mento das iniciativas autônomas de jornalismo, tardaremos cada vez mais em soltar da garganta o brado retumbante de independên cia, há muito esperado.
PESSOALACERVO UNSPLASHNEIDINHA SURUÍ há quase 50 anos atua na defesa dos povos indígenas e do meio ambiente e não seria por um convite sedutor que ela abriria mão de sua história. A ideia era que ela participasse de um filme para contar a luta do povo Uru-Eu-Wau-Wau. A liderança disse que sim, desde que os indígenas fossem capacitados para fazer as filmagens de modo profissio nal. Nada de filmar pelo celular ou com “maquininha pereba”, revelou à revista CÁSPER.
As filmagens do longa começaram em dezembro de 2018 e duraram três anos, ao longo dos quais a comunida de realizou todas as imagens de den tro da aldeia, uma especialização que hoje permite melhorar as denúncias dos ataques sofridos. Dirigido por Alex Pritz, o premiado documentário O Território tem coprodução dos Uru -Eu-Wau-Wau e carrega a potência de fortalecer a identidade indígena para
AUDIO
o resto do mundo. “É um olhar deles, de como eles são, como atuam e de que forma querem ser vistos”, expli cou a ambientalista. Para ela, o Brasil ainda não é independente de fato e oferecer equipamentos e treinamen tos para os Uru-Eu-Wau-Wau é “fazer a descolonização”.
O Território é uma legítima e original produção independente. O financiamento foi feito aos poucos por meio de editais internacionais. Gabriel Uchida, um dos produtores do filme, contou à CÁSPER ter tira do dinheiro do bolso para continuar as viagens e gravações para depois ser reembolsado: “Não dava para fi car parado”. O filme não contou com nenhum centavo brasileiro, incluin do nessa lista recursos da Ancine, do Proac ou da Lei Rouanet. “A gente
entendia o momento político no Bra sil e o das instituições que fomentam o cinema brasileiro”, disse Uchida. Sob o governo Bolsonaro, diversas produções sofreram censura por par te da Ancine e demais instituições, como Marighella, dirigido por Wag ner Moura, que aborda a ditadura ci vil-militar e a vida de um dos maiores opositores do regime, um tema caro ao presidente.Seumaprodução independente feita nas grandes cidades urbaniza das custa caro, o gasto para aden trar os meandros da Amazônia com equipe e instrumentos é ainda maior. O começo da produção foi lenta e dependia diretamente dos recursos obtidos para fazer os grandes deslo camentos e garantir a segurança da equipe, mesmo que pequena.
“Se tivesse com recurso do governo, esse filme não teria saído da forma que saiu, porque é uma grande denúncia do que acontece aqui”, afirmou Neidi nha. A falta de recursos abre margem para alguns riscos, principalmente ao se tratar de uma área de conflito. O povo Uru-Eu-Wau-Wau vive na Amazônia e trava uma luta constante contra grileiros e colonos pela manu tenção dos quase 1.867.117 hectares de terras demarcadas na floresta tropical. Em abril de 2020, durante as filma gens, a grande liderança Ari Uru-Eu -Wau-Wau foi assassinado. Ele fazia parte da patrulha Guardiões, que re gistra e denuncia invasões na Terra In dígena. Somente após dois anos e três meses de investigação, a Polícia Fede ral cumpriu o mandado de prisão do assassino, que não teve o nome divul
DIVULGAÇÃO Neidinha Suruí em cena do documentário “O Território”gado, mas já cumpria prisão por ou tro crime. Apesar dos contratempos, Neidinha assegurou: “Nada paga a li berdade de fazer uma produção livre”.
O filme viajou diferentes paí ses e passou por grandes festivais, trajetória que resultou em 14 prê mios internacionais, como o de Prêmio do Público de Documentá rio na categoria internacional e o Prêmio Especial do Júri de Obra Documental no Festival Sundance de Cinema.
FORA DO ASFALTO , o Coletivo Quilombarte produz arte em Pa raisópolis, segunda maior favela de São Paulo. Ellie Sasi atua no teatro e no audiovisual. Chegou a fazer vídeos para a internet, inclusive, mas foi pela falta de oportunidade no mercado que ela e seu melhor amigo, Arthur Araújo, fundaram o coletivo. O primeiro projeto foi
financiado pelo programa VAI (Va lorização de Iniciativas Culturais) da cidade de São Paulo. A série documental Five-lados contou a história e as vivências de cinco per sonagens de Paraisópolis represen tativas de minorias sociais.
Produzido apenas pelos criado res do coletivo, a série fez sucesso na comunidade. Engatando a segunda, partiram para uma nova produção, o curta de humor Blogueira da Fa vela. Já com mais integrantes no projeto, o casting teve a participa ção de 116 pessoas da comunidade. Também financiado pelo VAI, o projeto ficou entre os 150 seleciona dos, de 800 candidatos.
O filme mostra o dia-a-dia de uma jovem e carrega consigo o po der de ser algo independente sobre Paraisópolis, feito na comunidade e por moradores dela.
Segundo Ellie, essa característica
é latente na produção e foi um dos objetivos do Coletivo, pois gera re presentatividade. “Aqui a gente per cebe que o pessoal não tem muita au toestima física e intelectual, porque a gente não foi ensinado que isso era possível”, relatou Sasi que evidencia como é essencial ter pessoas negras da comunidade ocupando funções no audiovisual, um mercado predomi nantemente branco.
Os moradores de Paraisópolis formam o público-alvo de Blogueira da Favela. “A tia que chega do traba lho e está cansada e quer se distrair, o adolescente que vem da escola e não está querendo parar para ver uma problematização”, comentou Sasi, que destaca o sucesso da pro posta. Com um mês de lançamento em julho, o projeto alcançou 12 mil visualizações no Youtube e foi capaz de mobilizar Paraisópolis, que já es pera pelo próximo casting. @
VISUAL
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Equipe do Coletivo Quilombarte e cena de bastidores do curta “Blogueira da Favela”
Dom Pedro I proclamou a Independência às margens do rio Ipiranga, em São Paulo, quando, por todo o Brasil, a imprensa já debatia o iminente processo de emancipação política da colônia
POR NATHALIA JESUSERA 7 DE SETEMBRO DE 1822 quando o jornal começou a circular com uma nota no seguinte tom: “Inimigos da Li berdade Brasileira! Tremei. Os Pernambucanos tornam a ser hum Povo de Heroes, de irmãos, de justos. Já não reina a divisam. Evaporarão-se os partidos. Os Immortal Príncipe, O Brasileiro Frederico reina em todos os corassoens. Tremei, inimigos da Liberdade Brasileira!” (mantida a grafia original).
Bem longe das margens do rio Ipiranga, mais exata mente em Recife, os leitores recebiam a edição número 4 de O Marimbondo, jornal escrito pelo padre José Marinho Falcão Padilha, participante da Revolução Pernambucana de 1817. A um custo de 80 réis, o impresso era defensor de Dom Pedro I, mas defendia uma Constituinte brasileira como um derradeiro esforço para preservar a já abalada união entre Brasil e Portugal.
Já na edição seguinte, de 1º de outubro, O Marimbondo se despedia, criticando o desfecho do 7 de setembro: “Em huma Província, onde as armas têm o império das Leis, e onde se procura sustentar partidos a custo do sangue de seus conter râneos, nem he possível que se possa escrever com liberdade, e por isso participamos ao Público ser o derradeiro número do nossoPeriódicosperiódico”.de vida curta como O Marimbondo (disponível na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin) fizeram par te da chamada Imprensa Régia brasileira. Ela só se tornou possível com a vinda da família Real Portuguesa, em 1808, trazendo de sua fuga de Portugal grandes prensas para impri mir jornais e revistas. A publicação pernambucana teve vida curta, com apenas cinco edições, a primeira a partir de 25 de julho de 1822. Mas a imprensa à época vivia sob censura antes do famoso brado “Independência ou morte”, de Dom Pedro.
O Príncipe Regente escrevia com frequência na Imprensa Nacional, dando ordens explícitas. No dia 18 de setembro, ele se dirigia aos “dissidentes da Grande Causa da Independência Política” concedendo uma “amnistia geral para todas as pas sadas opiniões políticas até a data deste Meu Real Decreto”. Nele, obrigava que “todo o Portuguez Europeo, ou o Brasilei ro, que abraçar o actual systema do Brasil, e estiver prompto a defende-lo usará por distincção da flor verde dentro do angu lo de oiro no braço esquerdo, com a legenda INDEPENDÊN CIA OU MORTE”. E dava um prazo de quatro meses para o cumprimento daquele decreto, sob pena de expulsão para aqueles que não cumprissem.
“A imprensa foi fundamental para que o país encontrasse um caminho nesse caos de tendências”, definiu o jornalista Matías M. Molina, autor de História dos Jornais no Brasil, lançado em 2015 pela Companhia das Letras e cujo volume 1 aborda desde a Era Colonial até a Regência (1500-1840). Numa pesquisa de fôlego, Molina descobriu que o custo para lançar jornais no Brasil pré-Independência era baixo: basta vam um ou dois redatores, que tinham outra fonte de renda. A circulação raramente passava das centenas de cópias e tinha em torno de quatro páginas.
Molina ainda ressalta que, sempre que um jornal morria, nascia outro para ocupar seu lugar. E que por terem artigos
não-assinados, muitos com pseudônimos (inclusive Dom Pedro recorreu a esse expediente), a linguagem era ousada e ofensiva, não raras vezes com diatribes. Os artigos tinham um caráter doutrinário e, com frequência buscavam polemizar com outras publicações, como se hoje a Folha falasse mal do Estadão e vice-versa.
Dois jornais inauguraram o jornalismo brasileiro. Em 1808, com a instauração da Imprensa Régia, surgia a Gazeta do Rio de Janeiro, chapa-branca. Em Londres, Hipólito José da Costa começou a escrever e editar o Correio Braziliense, tido como o primeiro independente do Brasil. Este começou a circular em junho de 1808 e foi publicado mensalmente até dezembro de 1822, três meses depois de proclamada a Inde pendência do Brasil. Cada edição tinha cerca de 200 páginas.
“Tínhamos dois tipos de impressos: as gazetas, que tinham uma certa relação com a questão de informação, e os jornais, que era essa coisa de levar às luzes. Eles tinham um formato de livro e tratavam de diversos assuntos”, comenta Marialva Barbosa, professora de Comunicação Social na UFRJ.
Os dois impressos pioneiros foram responsáveis por levar para o público questões políticas que envolviam não só a Cor te portuguesa, mas a relação entre a sua elite e os interesses das oligarquias brasileiras. Temática que incluía a apreensão sobre o movimento separatista do Brasil, principalmente, depois da Revolução dos Portos, em 1821. Formar opiniões, moldar pensamentos e escancarar discrepâncias ideológicas e sistêmicas sempre fizeram parte da agenda do jornalismo.
O gosto pelo noticiário se espalhou rapidamente. Há registros de diários impressos naquele período por todo o País, formando uma rede tecnológica e comunicacional que, segundo Barbosa, pode ser comparada com as redes sociais contemporâneas.
Folha do jornal liberal “A Malagueta”, crítico da Corte RealNo século 19, a influência da imprensa era notável, mas também ela própria fazia questão de se auto junto propagan dear. No artigo “O Redactor ao Público”, publicado no Correio do Rio de Janeiro em 1822, o jornal se enxergava no papel de mobilizador das causas políticas da época. Além disso, é pos sível reparar no espaço dado à causa da “liberdade”, sendo os redatores conscientes de suas “responsabilidades”.
EM 1822, AS IDEIAS SOBRE emancipação já consumiam as elites brasileiras e todos aqueles que tinham acesso às discus sões públicas. O objetivo era elitista: a “nata” da sociedade deveria ser a principal orientadora na luta pela liberdade e construção de uma nova nação.
“Imprensa se escreve com “i” de Independência”. A frase presente no livro Insultos impressos: a guerra dos jornalistas na Independência, 1821-1823 (Companhia das Letras, 2000), de Isabel Lustosa, elucida a forma como comunicação e polí tica sempre andaram de mãos dadas, ainda que por diferentes formas e concepções.
O jornal A Malagueta, de Luís Augusto May, foi um dos mais combativos e polemistas do período. Na edição de 8 de maio de 1822, alguns meses antes da proclamação da Inde pendência, o jornalista May cravava: “Todo mundo sabe bella mente que no estado em que se acha o Brasil, he da última importância não depender-se, se não aonde não houver outro remédio, dos recursos da Europa”.
A Malagueta ousou ser um pouco mais independente, porque se valia de uma gráfica particular, a Impressão de Sil va Porto & Cia. Custava cem réis, e era escrito em primeira pessoa. Para Molina, o periódico “implorava ao mesmo tempo que agredia. Batia e se colocava como vítima”. E, de fato, che
gou a perturbar Dom Pedro, que escreveu, de forma anônima, uma longa carta publicada no jornal O Espelho, em janeiro de 1823, com críticas ao diário A Malagueta.
Apesar da força do movimento separatista e do desgaste na relação colonos-colonizadores, a população composta por brancos pobres e negros escravizados ou libertos não parti cipou do processo de independência. Tampouco tinham jor nais para expressar suas ideias. Após o 7 de Setembro, eles tiveram de travar uma nova luta. “Não pela consciência so bre a independência da nação, mas pela luta de sua própria independência”, pontua a doutora em História pela UFRJ, Fabíola Tomé, que evidencia a batalha desse grupo pela cir culação dos ideais de liberdade e autonomia na sociedade pós-independência.Adualidadecentral do Bicentenário da Independên cia é que, mesmo após 200 anos de um país livre, liberda de não é exatamente o termo que define o povo brasileiro. A própria abolição da escravatura só virou Lei em 1888, mas dentro de um processo no mínimo imperfeito que deixa sequelas até os dias atuais. A própria imprensa nes se período pré-República foi palco de debates acalorados sobre a escravidão.
Nos anos em torno da Independência, a imprensa brasi leira não era livre, tampouco soberana. Apresentava alguns lampejos de liberdade. Ainda que quase artesanal, segundo a pesquisa de Molina, muitos periódicos estavam atrelados à elite liberal ou não. A política era vista, assim, como uma forma de disputa pelo poder. “São muitas famílias midiáticas que controlam os impérios jornalísticos no Brasil. Isso tam bém cerceia a capacidade de autonomização do jornalismo”, explica Marialva Barbosa. @
Decreto Real que concedeu perdão a críticos do Império em 18 de setembro de 1822 Imprensa Régia foi palco de inúmeras disputas políticasA ONLINEHISTÓRIA
O MAIS ANTIGO MUSEU de São Paulo vai virar high-tech Dentro e fora dele. Depois de quase uma década fechada, essa instituição cultural paulistana passou por uma refor ma nos últimos três anos estimada em 211 milhões de re ais, na maior captação já obtida junto à iniciativa privada pela Lei Rouanet. O Museu Paulista praticamente dobrou de tamanho e ganhou novos espaços expositivos. O im ponente óleo sobre tela Independência ou Morte (1888), de Pedro Américo, resistiu à reforma. Exposto ao público pela primeira vez em 7 de setembro de 1895, na inaugura ção do museu, o quadro também foi restaurado.
POR THIAGO BABAPara ficar como novo em folha, houve o restauro do Edifício-Monumento, com a limpeza dos 7,6 mil metros quadrados de fachada, dos 1,5 mil metros quadrados dos pisos de ladrilho hidráulico franco-alemão e também do imponente Jardim Francês. Mais de 3 mil objetos do acervo passaram ou ainda vão passar por restauro. A maquete construída por Tommaso Gaudencio Bezzi, arquiteto responsável pelo projeto do museu, foi res taurado. A peça tem 5 metros de largura e retrata a São
Previsão da fachada do Museu Paulista após revitalizaçãoPaulo de 1841. Foi realizada uma escavação na área de esplanada do prédio, que retirou o equivalente a 2 mil caminhões de terra, ampliando em 6,8 mil metros qua drados o tamanho do museu. O novo espaço abrigará bi lheteria, café, loja, auditório, salas educativas e uma sala de exposições temporárias, com 900 metros quadrados. Com a instalação de ar condicionado, será possível rece ber acervos de outras instituições.
O Museu do Ipiranga, apelido adotado pela popula ção, é ligado à Universidade de São Paulo (USP) e terá 12 exposições na reabertura. A capacidade prevista é de re ceber até 1 milhão de visitantes por ano, rivalizando com outras instituições do gênero, como o Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro. Mas para atingir esse público ele vai apostar numa modernização que em nada lembra as car ruagens, os figurinos, os aposentos reais e os documentos históricos que caracterizavam a antiga instituição.
UMA DAS PRINCIPAIS MUDANÇAS está ligada à cul tura digital. Hoje, cerca de 450 mil itens que vão dos miligramas de um selo aos kilos de uma carruagem já foram digitalizados. Em 2017, sob a gestão de Solange Lima, diretora do Museu Paulista de 2016 a 2020 e hoje curadora de algumas das futuras exposições, o acervo digital migrou para um novo software, chamado Taina can. “Agora vamos de fato ter uma comunicação com o público a partir da nossa base de dados”, relata Lima que segue no museu como docente e presidente da comissão de cultura e extensão.
O software livre foi desenvolvido no âmbito da uni versidade pública por uma demanda do Ministério da Cultura em 2014. A ideia era construir uma ferramenta de baixo custo e de fácil acesso e implantação. “Sistemati zar essa produção de uma forma que fique acessível é um valor cultural inestimável”, diz Dalton Martins, coorde nador do projeto e doutor em Ciência da Informação pela ECA-USP, em acervos digitais.
Para aumentar ainda mais a visibilidade do Museu do Ipiranga, Lima ressalta a parceria com a Wikipedia, também em 2017, para disponibilizar os acervos ao grande público. O professor da Cásper Líbero e coor denador do Wiki Movimento Brasil, João Peschanski, atuou nesse projeto. “Abriu um universo fantástico. Nossos acervos passaram a ser vistos e ficam na média de 3 milhões de visualizações”, relata ela, evidenciando a participação da comunidade wikipedista na melhoria dos dados do acervo. Alunos casperianos ajudaram a fazer áudio-descrições do acervo.
Com o avanço da cultura digital, as redes sociais Fa cebook, Instagram, TikTok e Twitter também ganharam funções instrumentais. “O museu está instalado num edi fício histórico, mas é como se tivesse mil tentáculos que adentrassem pelo Brasil afora, pelo mundo afora”, analisa Lima. Outro plano, ainda incipiente, é a elaboração de ex posições em um museu 3D. A curadora diz ser um traba
lho para estender a experiência presencial, sem reprodu zir o que já está dado fisicamente. Apesar dos benefícios da imersão online, Lima atesta: “Não acho que os museus físicos vão ser substituídos pelos digitais. Assim como o cinema não foi substituído pelo streaming”. O argumento da curadora se torna mais evidente quando se pensa nas novas exposições multissensoriais que envolvem o tato, cheiros e sons, que se proliferam não só em museus, mas em espaços como shopping centers.
Por meio de todas as suas novas formas de comunicar – seja no local físico, ou digital –, o Museu do Ipiranga chega aos seus 127 anos procurando abordar problemas contemporâneos com uma perspectiva histórica. Foram 30 anos de esforço para mudar o perfil do museu. O seu lugar no consciente coletivo é difuso. “É um museu de his tória, o que está lá não é só o objeto do rico. A história não se faz de personalidades, é como uma andorinha que não faz verão”, explica Solange Lima.
O Museu não tem só a grande tela do Pedro Américo, mas também itens encontrados nas casas das pessoas, como um conjunto de brinquedos de criança. Antes o edifício acomodava todos os setores da instituição, da reserva técnica ao administrativo. A reforma feita por 54 profissionais vai resultar num espaço totalmente desti nado às exposições que estão por vir. Elas ocupam 49 salas, mais que o quádruplo das existentes em 2013. O objetivo é fazer com que o museu seja incluído no co tidiano da população como “um lugar para, no final da tarde, tomar um café”. @
DIVULGAÇÃO Projeção do novo saguão do Museu PaulistaSÓ
PAYWALL:
A proliferação dos paywalls lança dilemas e incertezas quanto à presença do jornalismo no ambiente digital
POR JULIANO GALISI
NA EXPECTATIVA DE ler algo, o usuário clica em um link e o tex to, subitamente, some da tela. Um anúncio aparece e fala da necessida de de uma assinatura para ter aces so ao conteúdo. Não raras vezes, em vez de ganhar um leitor, o site per deu um. Os paywalls se tornaram o principal meio que alguns veículos encontraram para manter a susten tabilidade dos negócios no mundo digital. Mas se a internet é “de gra ça”, por que deveria pagar por notí cias? Esse raciocínio é mais comum do que se imagina.
O Wall Street Journal foi o respon sável por inaugurar a modalidade de financiamento, em sua versão online, em 1996. Foi o único entre os grandes veículos da imprensa norte-america na a manter um sistema de paywall Em 2011, o New York Times aderiu ao muro de pagamentos virtuais. No ano seguinte, a então ombudsman da Fo lha de S.Paulo, Suzana Singer, anun ciava que o paywall chegava em terras brasileiras. Exigência que logo passa ria a compor o plano de negócios de outras empresas, como o grupo Globo, Valor Econômico e Veja.
Há duas categorias de paywall predominantes: o soft paywall, que permite a quebra do bloqueio a par tir das configurações na interface do usuário; e o hard paywall, que
conta com segurança mais sofistica da — tranca o conteúdo do site por completo. Boa parte dos grandes jor nais do mundo opta pela versão hard. No Brasil, os bloqueios de Folha e O Globo, por serem menos complexos, frequentemente são “driblados” pelos leitores. O Valor, por sua vez, adere ao modelo de “muro inquebrável”.
O cientista da computação Ro drigo Orem conta que, quando ainda era vestibulando, em 2016, precisava consumir notícias enquanto se pre parava para as provas de atualidade. Diante da impossibilidade de assi nar cada uma das publicações, pas sou a usar ferramentas do navegador para burlar os bloqueios. Elas são disponibilizadas para qualquer um, mas só os programadores costumam acessá-las. Com o tempo, o jovem criou uma aplicação, batizada de Burlesco, que automatiza o proces so e a liberou para download. Assim nasceu o que se tornou o mais popu lar programa para romper paywalls do Brasil, mantido desde 2016 por Rodrigo e um amigo. “Sou um de fensor da web aberta. A internet é a praça pública do debate social e o acesso à informação permite maior qualidade nessas discussões. Quan do as empresas fecham o acesso às notícias, perdem a capacidade de atingir mais pessoas”, afirma Orem.
A implementação de paywalls (o famoso “Só para assinantes”) im plica uma série de questionamentos éticos. Se uma das características que definem o jornalismo é o inte resse público, como trancar infor mações de relevância para toda a so ciedade? Em março de 2020, a Fo lha e outros veículos de comunica ção liberaram o acesso a conteúdos relacionados à Covid-19. Em certa medida, reconheceu que há conteú dos que não podem ser privados de se tornarem do conhecimento de to dos. Outros temas que poderiam se encaixar nessa condição podem ser mais difíceis de definir.
As empresas que aderem ao mo delo soft sabem que a barreira esco lhida é fraca — e que provavelmen te será “derrubada”. Por que não aumentam a guarda, então? A res posta está na desvantagem que isso acarretaria: a indexação. Modificar a programação da página de modo tão significativo prejudica o ranque amento do site em mecanismos de busca. Com a concorrência cada vez maior, não faz sentido perder terre no. O grande desafio do jornalismo de plataformas é trazer usuários das redes sociais para os domínios do veículo. Se o leitor dá de cara com o bloqueio do paywall, isso irá impe dir sua permanência na página.
SÓ
ASSINANTESPARA
O mecanismo dos muros de paga mento surgiu diante da necessidade que veículos de jornalismo tinham, e seguem tendo, de pagar a conta. O modelo, contudo, está longe de se tornar consenso. Mesmo entre quem o adotou. O Times já havia experi mentado, em forma de teste, o uso de paywall entre 2005 e 2007, antes de retomá-lo em 2011. Na ocasião, as ex pectativas por mais assinaturas aca baram frustradas. A revista literária The Atlantic Monthly Review tam bém adotou a política e teve de aban doná-la. Talvez pese o fato de que há veículos que fecham suas contas sem partirem para o bloqueio de conteú dos. O exemplo internacional mais emblemático é o jornal britânico The Guardian. No Brasil, o Intercept se
destaca por não exigir cobrança — ainda que atue numa modalidade cara do jornalismo. O bom jornalis mo, sim, é custoso.
O tema do financiamento é sen sível e traz suas contradições. Surge na página da aplicação criada por Rodrigo, de forma curiosa. Antes de baixarem o script que derruba o blo queio, os usuários são encorajados a desabilitar bloqueadores de anúncio — os adblockers. A justificativa? “O financiamento dos jornais precisa vir de algum lugar.” Orem lembra que a experiência do paywall é recente e ou tras alternativas devem ser avaliadas: “O Guardian oferece planos de assi natura com algumas vantagens para assinantes, mas o acesso à informação é livre para todos. Há um modelo pou
co experimentado até lá fora, que é a assinatura conjunta. Foi o que salvou a indústria da música da pirataria. Spotify e outros streamings provaram que o usuário está disposto a pagar por conteúdo online”.
O paywall se encontra num limiar de possibilidades e perspectivas para o jornalismo digital. Na contramão do que vive hoje a indústria do entreteni mento com os streamings de música e audiovisual, parece que o jornalis mo ainda não se localizou em uma fórmula consistente de subsistência na web. Há contradições e pontos de estrangulamento notáveis no bloqueio de conteúdo, mas os jornais só sairão de cima do muro quando um novo mecanismo de financiamento para a internet for consolidado. @
Por que e como chegamos ao ponto de ignorar séculos de conhecimentos e avanços para acreditar mais naquilo que nos convém? A ciência se debruça sobre o tema das ‘fake news’ e começa a desmontar essa armadilha
POR GABA SERPARESPONDA RÁPIDO: se estiver disputando uma corrida e passar a pessoa em segundo lugar, em que posição você está? Se pensou “primeiro lugar”, saiba que a resposta é intuitiva, mas está incorreta. O certo seria na segunda po sição, afinal o seu oponente acabou de assumir a liderança da prova. Essa questão é uma pegadinha, mas ela vem sen do testada em pesquisas científicas para compreender por que as pessoas acreditam tanto nas “fake news”. Estudos indicam que aqueles que responderam a essa questão cor retamente têm mais chance de distinguir uma manchete falsa de outra verdadeira, independente de a notícia estar alinhada à sua ideologia política.
Ainda sobre a questão anterior, entre aqueles que dis seram “primeiro lugar”, muitos devem ter respondido com base em suas próprias convicções. Deve-se também pon derar que há uma ambiguidade na pergunta, o que a torna altamente contestável. Some esses dois fatores e já dá para ter uma ideia de como a desinformação se prolifera como um rastilho de pólvora. Quem errou — e não fique mal por isso — se deixou levar pelo que os pesquisadores identificam como “pensamento preguiçoso”, que é até mais poderoso que as visões de mundo que cada um constrói ao longo da vida. As “fake news” nadam de braçada nesse oceano de in formações baseadas na intuição.
Os pesquisadores Gordon Pennycook e David G. Randa, da Universidade de Yale, fizeram um estudo com quase 3,5 mil pessoas para desvendar se elas são mais facilmente enga nadas por notícias falsas em função de suas preferências par tidárias ou pela falta de raciocínio diante da desinformação. “Indivíduos mais analíticos eram, no mínimo, mais propensos a pensar que notícias legítimas (“reais”) eram precisas”, escre veram em artigo publicado na revista científica Cognition.
Aparentemente, a solução para combater as “fake news” está posta: basta oferecer informação de qualidade que esse problema acaba. Mas um grupo de pesquisadores liderados pelo psicólogo Ullrich K. H. Ecker, da University of Western Australia, afirma que não é bem assim. Em artigo publicado na prestigiosa revista Nature, eles elencam fatores que levam à desinformação. Entre eles estão o pensamento preguiçoso, as falhas de formação (incluindo a educacional), certos es tados emocionais, a visão de mundo, as verdades ilusórias que as pessoas criam sobre si mesmas e a convivência com grupos que pensam de forma semelhante.
“Crenças falsas geralmente surgem por meio dos mes mos mecanismos que estabelecem crenças acuradas. Ao decidir o que é verdade, as pessoas muitas vezes são tenden ciosas a acreditar na validade da informação e ‘seguem seus instintos’ e intuições em vez de deliberar”, escrevem Ecker e demaisDurantepesquisadores.osdoisanos mais intensos da pandemia, não era preciso mais que um minuto de pesquisa para encontrar tex tos, áudios e vídeos relacionando vacinas ao autismo. Outros acusavam os imunizantes de modificarem o código genético de quem os tomasse. E havia quem jurasse que as vacinas chi nesas poderiam implantar uma espécie de chip em quem as
Essa Rio Grande
“As pessoas muitas vezes são tendenciosas a acreditar na validade da informação e ‘seguem seus instintos’ e intuições em vez de deliberar” (Ulrich Ecker)
recebesse. O absurdo dessas desinformações leva a crer que a população foi contaminada por um pensamento preguiçoso interplanetário — e viral. O que causa es tranheza, senão revolta, é pensar por que as big techs, companhias como Alpha (Google), Meta (Facebook, Instagram e Whatsapp) e Twitter, demoraram tanto para interromper esse fluxo de inverdades na sociedade.
No Brasil, esse tipo de desinformação foi difundida pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) em mais de uma ocasião. Em uma de suas lives de 2020, ele se baseou em “fake news” para incitar uma caça a leitos vazios com o objetivo de propagar que não havia uma pande mia. “Tem um hospital de campanha perto de você. Ar ranja uma maneira de entrar e filmar”, disse. Ao menos São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia registraram invasões a hospitais públicos e de campanha. Esse conteúdo foi transmitido ao vivo pelo Facebook e permaneceu aces sível para usuários da plataforma por muito tempo.
Decisões como essa levantam debates sobre o im pacto dos algoritmos e da inteligência artificial nas de mocracias modernas. Até que ponto essas ferramentas incentivam a produção e disseminação de conteúdos enganosos? Primeiro é preciso lembrar que os algorit mos agrupam e distribuem os conteúdos para grupos de pessoas que têm afinidade entre si. Se alguns real mente acreditam em “fake news”, as redes sociais tra tam de aproximá-las de seus pares. Forma-se, assim, um ninho “protegido” de criadores e consumidores de desinformação. Os algoritmos também nutrem sim patia pelas desinformações porque favorecem o en gajamento: são sensacionalistas e bombásticas. Isto é, geram cliques. A legião de pessoas munidas de desin formação já pode alçar voos maiores.
IMAGINE-SE EM MEIO a uma tempestade de areia: a poeira soprada voa em todas as direções. Algo seme lhante ocorre quanto ao fluxo de dados nas redes. Com tantos facilitadores, uma quantidade jamais vista de (des)informação é transmitida com rapidez ímpar, dia riamente. Somos estimulados o tempo todo por elas. Um dos problemas é assimilar e digerir o volume de in formação. Pode ser que você nem sinta, mas esse pro cesso de exposição contínua a conteúdos gera desgaste e efeitos colaterais: “Nossa pesquisa identificou que se consumiu mais notícias no começo da pandemia. Em seguida, as pessoas ficaram saturadas de tanta infor mação e pararam de se informar”, conta Rafael Akao, gerente sênior de comunicação da Kaspersky, empresa especializada em segurança na internet.
Desinformação é um termo amplo — e fenômeno antigo. São informações erradas, distorcidas ou mes mo boatos, que confundem e levam as pessoas a acre ditarem em conteúdos mirabolantes, ou coisa pior. A história ensina que é um engano subestimar o poder que as mentiras têm de corroer as bases sociais e vi
Protesto contra a Rede Globo em São“Nesse sentido, phishing e ‘ fake news ’ se assemelham. Dependem da lábia de quem as elabora” (Rafael Akao)
rar do avesso valores consolidados. No Brasil de Getúlio Vargas, um documento falso foi usado para justificar o golpe do Estado Novo — o Plano Cohen, criação do então capitão do Exército Olímpio Mourão Filho. No episódio que ficou conhecido como “caso da bruxa do Guarujá”, Fabiane Maria de Jesus foi morta após linchamento pú blico. Em 2014, a barbárie se baseou em postagens no Facebook sobre uma sequestradora misteriosa que sacri ficava crianças em rituais satânicos. “Se é boato ou não, devemos ficar alertas”, dizia uma das publicações. Fabia ne eraNainocente.política,o
“pensamento preguiçoso” da vez é a de fesa pelo voto impresso. Mas essa desconfiança eleitoral no Brasil, ventilada aos quatro cantos por Bolsonaro, foi plantada antes mesmo de ele ser eleito. Em 2014, depois da vitória de Dilma Rousseff (PT), Aécio Neves (PSDB) cogitou a hipótese de fraude nas urnas e pediu reconta gem dos votos. O ato do tucano serve hoje de combustível para peças de desinformação que dizem que as eleições de 2022 também estão em risco. Voto impresso, ataque hacker, sala secreta de apuração e impossibilidade de auditoria: não faltam hipóteses, boatos e soluções para problemas inexistentes.
O ímpeto de propagar “fake news” que se vê atualmen te na política brasileira floresce justamente para semear o ressentimento e o revanchismo na sociedade. Neste ano, a Justiça Eleitoral tem tentado lutar contra esse tipo de de sinformação. Fala-se em combater os “ditadores de toga”, os ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Supre mo Tribunal Federal, que manipulam a corrida pelo Palácio do Planalto. O problema dessa disseminação é que ela acon tece de forma desenfreada na internet, sem que se tenha encontrado um meio, tecnológico ou não, de combatê-las.
As big techs oferecem na palma da mão de bilhões de pessoas as ágoras digitais, os espaços de discussão pública da modernidade. Desde o início dos anos 2000, as redes sociais seguem pela via de proporcionar interatividade e participação crescentes aos usuários. Aquela que era uma atividade restrita à seção de comentários de fóruns e blogs foi transformada na capacidade de enviar e receber mensa gens instantâneas, permitindo ainda esboçar reações com rostinhos e outros emojis comportamentais. Não está sa tisfeito? Quase qualquer um é produtor ou editor de conte údo — verdadeiros ou falsos — nos mais diversos formatos de mídia e em níveis tecnológicos jamais imaginados.
Graças à inteligência artificial, até nos aplicativos mais comuns, é possível manipular expressões faciais. Uma conta no TikTok publicou, ainda em 2021, vídeos do ator Tom Cruise em situações inusitadas e cotidia nas. Mas havia um detalhe: não era ele. Nem um dublê. A fraude já fez vítimas como o casal Obama, a cantora Anitta e o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, cujo país é massacrado pela Rússia, sob o comando do presidente Vladimir Putin. Estabelecer limites e obriga ções a essas corporações seria parte da estratégia de com
bate à desinformação. Não basta uma tarja acanhada, aqui e ali, sugerindo que usuários visitem a página do TSE, quando uma publicação notadamente falsa é compartilhada.
“Não é a inteligência artificial que tem culpa. O que o humano imputa ao algoritmo é determinante para que a má quina trabalhe sozinha depois”, alerta Magaly Prado, doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Porém, alerta a pesquisadora, demonizar a tecnologia nos distancia do diag nóstico preciso do problema. Autora do livro Fake news e in teligência artificial, publicado em julho de 2022, Magaly ad verte que “também não é culpa do programador, que recebe ordens. Quem colheu os dados que são imputados? Quem fez a pesquisa desses dados?” Algoritmo pode não ter responsa bilidade social, mas as empresas detentoras dos dados têm.
SÃO MUITAS AS MEDIDAS a serem tomadas pelo pú blico: investir em letramento e na educação midiática, verificar informações em múltiplas fontes, ter atenção e pé atrás com manchetes estrondosas. Mas e quando usu ários optam por trocar o jornalismo profissional pela in formação obtida sem apuração? Um exemplo são grupos de Telegram e Whatsapp, nos quais métodos de checagem são como uma Coca-Cola no deserto. A resposta para o comportamento pode estar no reforço de crenças e ideias que esses ambientes proporcionam. “A pessoa não quer se aborrecer. Só quer saber do que ela gosta de ouvir”, cons tata Magaly ao tratar do descrédito e ataques a jornalistas.
Ofertas generosas e salários astronômicos chegam to dos os dias nos celulares de milhões de pessoas via men sagens de SMS. No corpo da mensagem, um link suspei to. O número? Desconhecido. Estratégias como essas são golpes chamados de phishing. “Nesse sentido, phishing e ‘fake news’ se assemelham. Dependem da lábia de quem as elabora. O primeiro precisa convencer de que são ofertas
reais. As segundas, de que são notícias legítimas”, arremata o gerente sênior da Kaspersky, Rafael Akao.
No entanto, o efeito residual do phishing é bem menor que o das “fake news”. Roubados os dados e consolidado o golpe, a vítima passa a saber que foi enganada. A probabi lidade de que seja tapeada do mesmo jeito é pequena. No caso das notícias falsas, não é assim. O conteúdo enganoso de hoje tende a se relacionar com o do dia seguinte. Formam uma cadeia de mentiras e distorções que contribuem para moldar visões de mundo e interpretações da realidade — se é que podemos chamá-la assim.
Faz parte do repertório psíquico das pessoas tentar evi tar a fadiga sempre que se deparam com fatos que as contra riam. Pode não ser tarefa simples aceitar a hipótese de que se enganam ou fazem escolhas ruins, ainda que evidenciem o erro delas. “Isso gera um desconforto que leva a quando nos deparamos com o diferente. Com ideias que contradi zem aquilo que acreditamos”, explica a psicóloga Danusa Machado, mestre em Saúde Coletiva pela Unesp e doutora em Ciências pela Unifesp. O desconforto a que se refere é esmiuçado pela Teoria da Dissonância Cognitiva, elaborada pelo psicólogo Leon Festinger.
Em tempos de desinformação, especialistas perdem es que pessoas justificativas ou desculpas que expliquem erros anteriores, mesmo que não sentido” (Danusa
paço e dão lugar a influenciadores, celebridades ou políti cos. Figuras que sabem utilizar a máquina de informações convertem seguidores em uma legião de obcecados. “Essas figuras criam narrativas que são vistas como verdade agora. É aí que entra a dissonância cognitiva. A informação pode fazer sentido, ou não, a depender do sistema de crença de cada um”, aponta a psicóloga.
Entender erros e mudar de ideia são condutas perfei tamente possíveis, mas não são simples de se fazer. Isso porque os seres humanos aprendem, inclusive, a maneira como pensam. Talvez o mais desafiador dos aspectos seja a ausência da racionalidade nesta equação. “Sistemas de crença e valores são construídos desde a infância. Uma vez formado, é difícil romper esse núcleo de ideias mesmo com argumentos. É preciso ensinar a abrir mão das certe zas e isso passa pelo amadurecimento de toda sociedade”, ressalta Danusa.
Se para uma massa de pessoas o jornalismo profissional se tornou fonte de desconforto, é razoável questionar se uma parcela não se acomodou na poltrona da desinformação. Se guindo o raciocínio, Danusa Machado alerta para a inten sificação do autoengano: “É possível que pessoas busquem justificativas ou desculpas que expliquem erros anteriores, mesmo que racionalmente não façam sentido”. Ou seja, a “fake news” que não se concretizou hoje pode vir a ser expli cada pela de amanhã. Exagero? Meses após a vitória de Joe Biden, nos EUA, apoiadores de Donald Trump ainda acre ditavam numa reviravolta triunfal. Antes disso, invadiram o Capitólio numa tentativa de golpe, estimulada pelo ex-presi dente americano, que acusava fraude nos votos pelo correio.
Em 2016, o Dicionário Oxford definiu “pós-verdade” como a palavra do ano e apresentou uma definição: “Rela tiva ou denotando circunstâncias em que fatos objetivos são
menos influentes na formação da opinião pública do que apelos à emoção e às crenças pessoais”. Os pesquisadores da Universidade de Yale na conclusão do artigo Lazy, not biased (Preguiçoso, não tendencioso, em português) afir mam que o pensamento analítico desempenha um papel duradouro para “vacinar” as pessoas em um mundo mar cado pela pós-verdade. “Nossas evidências indicam que as pessoas caem nas ‘fake news’ porque não conseguem pensar e não porque eles pensam de uma forma motivada ou por autoproteção. Isso sugere que as intervenções direcionadas a tornar o público consumidor mais consciente da mídia de notícias podem ser promissoras”, sugerem.
O nó da questão é que a internet e o deslocamento da vida para as redes sociais podem estar exacerbando uma tendência generalizada de desconfiar justamente da infor mação de qualidade oferecida pelos veículos de comunica ção. O jornalismo brasileiro passa por campanhas de difa mação, ataques vindos do alto escalão político-militar e sofre com violências contra a vida de profissionais, por exemplo.
Não ajuda muito saber que o oligopólio da tecnologia, que vive do rastreamento e da extração de dados de todo planeta, acumula poder de barganha sem precedentes e enfraquece o jornalismo. Na prática, dá de ombros para a adoção de medidas efetivas que impeçam conteúdos enga nosos de continuarem gerando rentáveis cliques. No lado da sociedade, atores políticos seguem jogando com a lógica dos algoritmos, alimentando o fanatismo de suas bolhas infor macionais e instigando violência contra o regime democráti co. Usuários, entre excesso de informação de baixa qualida de e radicalização, se fecham em suas próprias certezas e se tornam alvos frequentes de fraudes que povoam o ambiente digital. Que ninguém duvide que a democracia é a próxima a ser cancelada. @
A luta pelos direitos das mulhe res nos remete a tempos anteriores ao da Constituição Federal de 1988 e à redemocratização do País. Ao longo desse percurso, destacam-se nomes como o da norte riogranden se Nísia Floresta, da pernambucana Josefina Álvares de Azevedo e da paulista Bertha Lutz que historica mente estiveram em diversos mo mentos à frente da luta pela aco lhida do voto feminino em 1932, no governo de Getúlio Vargas.
Em 2022, o voto feminino, um dos vários direitos políticos conquis tados pelas mulheres, completa 90 anos. Ele confirma uma solidez, que apesar de recente, tem possibilitado a abertura de novos caminhos para uma sociedade democrática mais re presentativa e pautada também pe las perspectivas das diversas mulhe res. Sendo assim, refletimos sobre o que atualmente o governo federal vem considerando como voto femi nino e quais ferramentas as mulhe res têm utilizado para alcançar seus objetivos políticos dentro da demo craciaEmbrasileira.abrilde2018, o Tribunal Su perior Eleitoral (TSE) passou a asse gurar o direito de inclusão de nome social no cadastro eleitoral. Tal me dida, que ampara mulheres e homens trans e travestis, foi resultado da con sulta da então senadora Fátima Be zerra (PT-RN) sobre as cotas de gêne ro para os candidatos registrados. O posicionamento foi firmado na Porta ria Conjunta TSE nº 1 de 17 de abril de 2018, tendo aplicação já naquele ano e alcançando também a presença do nome social no título de eleitor.
A proposição de candidaturas coletivas tem sido uma ferramenta importante para o agrupamento de mulheres e pautas feministas no le gislativo. O ministro Edson Fachin afirmou que a medida é uma óti ma forma de dar destaque aos en gajamentos sociais das candidatas, aproximando movimentos sociais e candidaturas. É importante ressal tar, no entanto, que o ministro Car los Horbach é enfático ao afirmar que juridicamente inexiste candi datura coletiva, tendo em vista que uma candidata titular é a efetiva responsável pelo coletivo. De toda forma, os debates prévios à propo sição da candidatura, a presença de mais mulheres na propaganda elei toral e a própria tomada de decisões compartilhadas parecem apontar um caminho mais diverso, não ape nas para mulheres, mas também para candidatos pertencentes aos grupos minorizados que disputam as eleições brasileiras.
A aproximação de movimen tos sociais da política institucional a partir de candidaturas coletivas, a inclusão dos nomes sociais em títu los eleitorais, além de candidaturas de pessoas trans nas eleições nacio nais demonstram que a disputa das mulheres pelo exercício de direitos políticos continua atual e necessá ria. Além disso, em um momento tão sensível de polarização política e in visibilização de grupos minorizados no país, ouvir vozes mais plurais de monstra-se fundamental, bem como corrobora a consolidação do objetivo da democracia brasileira de uma pá tria livre da discriminação.
EMULHERESOVOTO
* Victor Varcelly, professor de Ética e Legislação
A inclusão diversidadedana política
leva ao advento de uma sociedade mais democrática
QUEM TEM MEDO DA LAI
Depois de dez anos de sua implementação, a Lei de Acesso à Informação sofre ataques de governantes que estão impondo sigilo de 100 anos sobre dados públicos
POR THIAGO BABA
QUER SABER SE Jair Bolsonaro to mou a vacina contra a Covid-19? Ou quem ele recebe nas visitas no Palácio do Alvorada? E quer dar uma olha da nos documentos sobre o caso das “rachadinhas”, envolvendo o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ)? Gostaria de ser informado quanto ao salário do ex-policial militar Ronnie Lessa, preso pelos assassinatos de Marielle Franco e Anderson Gomes? Curioso sobre a lista de reuniões de pastores evangé licos no Ministério da Educação? E os dados dos custos de obras do Metrô, da Sabesp, da Polícia Militar e até dos presídios de São Paulo? A resposta a todas essas perguntas é uma só: daqui a 100 anos saberemos.
Em agosto, durante entrevista ao programa Flow Podcast, Bolsonaro respondeu sobre o sigilo de 100 anos que impôs sobre dados dele e de seu governo: “Eu não devo satisfação a ninguém”. No Brasil, não só o presi dente como qualquer autoridade pú blica deve, sim, satisfação e isso é um direito garantido na Constituição de 1988. Mas foi apenas em 2011, com a criação da Lei 12.527, ou Lei de Acesso à Informação (LAI), é que os governos se viram obrigados a adotar um pro cesso de transparência. É com medo da LAI que governantes estão decre tando os sigilos de 100 anos.
A falta de conhecimento sobre as ações dos governantes, as discussões em questão e as causas de determi nadas decisões revela um sistema destituído de participação popular efetiva. E, portanto, uma democracia falha. A LAI exerce o papel de forçar com que os governantes institucio nalizem processos claros e objetivos para a publicização de informações da máquina pública. O Brasil conti nua figurando entre os 30 melhores países nesse quesito, segundo o RTI, ranking internacional de legislações de acesso à informação no mundo.
Mas o futuro é incerto se essa posi ção será mantida, já que o que está no papel não garante a sua prática. “Reco nhecer esses avanços não é dizer que está tudo bem”, aponta Danielle Bello, coordenadora de Advocacy e Pesquisa da Open Knowledge Brasil. Na verda de, longe de estar tudo bem. O proces so para se fazer um pedido de infor mação não é simplificado, as respostas são demoradas e em muitos casos há o descumprimento da legislação.
“A LAI é uma lei muito elitista, ainda é pouco efetiva. Tanto na di vulgação, quanto na própria forma como a lei é aplicada. As respostas normalmente são muito burocráti cas”, ressalta Luiz Fernando Toledo, co-fundador da Fiquem Sabendo,
agência de dados especializada em Acesso à Informação, e diretor da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji). A situação evi dencia outra falha: a falta de infraes trutura e regulamentação nas meno res instâncias federativas (Estados e municípios). Na maioria das vezes, uma pessoa que pede informações por meio da LAI raramente persiste o necessário para conseguir algo além do básico. Ao fim, abre mão de exer cer mais um direito constitucional. Em maio, a LAI completou dez anos desde que entrou em vigor. Como um marco da data, a Fiquem Sabendo criou a WikiLAI. Na página é possível encontrar dados, informa ções e o histórico da LAI no Brasil. Além, é claro, de como realizar um pedido de acesso à informação nas diferentes instâncias do poder pú blico. Para Toledo, para a legislação avançar, é preciso do apoio do gover no federal para a regulação nas cida des brasileiras. “Se o município não consegue nem ter o próprio serviço público funcionando bem, como que vai ter transparência sobre o serviço?
Vai ser o 15° ponto da lista de priori dades deles”, afirma Toledo. E por que é importante que o cida dão, qualquer um de nós, possa solici tar dados públicos? “É quando posso
A busca verdadepela
Foi realizado o 1º Seminário Internacional sobre Direito de Acesso a Informações Públicas. O evento resultou na criação de um Fórum com mesmo nome, hoje composto por 24 entidades da sociedade civil e é coordenado pela Transparência Brasil
A Controladoria-Geral da União (CGU) situa em 2005 o início das discussões sobre a LAI no Conselho de Transparência do governo federal. No ano seguinte, a CGU apresentou o primeiro anteprojeto sobre acesso à informação ao Conselho de Transparência
A Casa Civil da Presidência da República enviou à Câmara dos Deputados o PL 5228/2009, que deu início ao processo legislativo para a aprovação da Lei de Acesso à Informação
Brasil foi condenado na Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso da Guerrilha do Araguaia. A decisão impulsionou a criação da LAI
O Senado aprovou o projeto da Lei de Acesso à Informação. A LAI foi sancionada em novembro de 2011 e passou a vigorar em maio do ano seguinte
me debruçar e fazer análises que vão para além daquilo que o governo diz”, afirma a coordenadora da Open Kno wledge. A LAI tem sido amplamente usada por pesquisadores e jornalistas, o que não deixa de ser uma forma in direta do uso da lei pela população.
NA PANDEMIA, o fluxo de pedi dos de acesso à informação foi inten sificado, mas os gestores públicos não estavam preparados para atender a essa demanda. O Índice de Transpa rência da Covid-19, do qual Bello foi coordenadora de pesquisa, seguiu esta toada. Nele foi avaliada a transparên cia do governo federal e Estados do início de 2020 até outubro de 2021, “Num contexto de crise como esse, es tamos falando de dados que poderiam salvar vidas”, assegura Danielle Bello.
Nos últimos anos, a LAI tem sofrido ataques diretos do governo federal. Em 2019, o vice-presidente Hamilton Mou rão tentou mudar a lei por meio de de creto. Em 2020, uma Medida Provisó ria suspendeu prazos estabelecidos pela LAI. Ambos os casos foram suspen didos após pressão de parlamentares e da sociedade civil. Restou a solução, inconstitucional para os defensores da LAI, de impor sigilos de 100 anos.
Entre as desculpas para não cum prir a LAI está a implementação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), regulamentada em 2018. Sob o argu mento de proteção de dados pessoais, os órgãos públicos deixam de atender aos pedidos por meio da LAI. Os rela tórios de multas ambientais divulga dos pelo Ibama são citados por Toledo como um desses casos. Na declaração do órgão ambiental consta apenas da dos gerais, sem especificidades de cada caso, informações obtidas somente nos documentos, que dizem estar em sigilo por conter informações pesso ais. Sobre isso, o jornalista contesta: “quem tem que se adequar à LGPD é o órgão responsável, não podem usar isso para não dar a informação.” Para Danielle Bello, a LAI e a LGPD são complementares, não opostas. Elas tratam de dimensões relacionadas, ou seja, a governança de dados. @
Antes de ser posta em vigor, a Lei de Acesso à Informação passou por um processo de quase 10 anos entre debates
Em junho de 2020, Gabriela Biló já acumulava imagens marcantes para o fotojornalismo brasileiro. Um feito e tanto para quem, àquela altura, só tinha oito anos de formada em jornalismo pela Pontifícia Universidade Católi ca. Naquele mês, Brasília já vivia dias turbulentos. Para os profissionais de imprensa, significava ter de redobrar a atenção contra o cerco de apoiadores de Jair DaBolsonaro.redação
do jornal O Estado de S. Paulo, ela recebeu a missão de co brir uma ação da Polícia Federal (PF) na casa da militante bolsonarista Sara Giromini (Sara Winter), que havia sido intimada para depor no inquérito das “fake news”. A fotojornalista foi agre dida verbalmente pela militante e por Oswaldo Eustáquio, bolsonarista que foi preso três vezes no curso das inves tigações de milícias digitais e atos anti democráticos. Não bastasse a agressão, Biló teve seus dados pessoais vazados. A tropa digital bolsonarista expôs as informações de seu documento de iden tidade, CPF e endereço de sua família em São Paulo. “Vão atrás de uma pessoa que está trabalhando e querem destruir a vida da pessoa”, afirma, em entrevista exclusiva à revista CÁSPER.
Biló fez não uma, mas várias “des forras” contra seus perseguidores. Para fotojornalistas como ela o troco vem em forma de um bom trabalho. Exemplo disso é a clássica imagem que retrata Bolsonaro com sua arminha de mão apontada para o cabisbaixo ex-ministro da Justiça Sérgio Moro. No dia 15 de outubro de 2020, ela dividia com Dida Sampaio, falecido em 25 de fevereiro de 2022, a cobertura de uma cerimônia burocrática de hasteamento da bandei ra no Palácio da Alvorada. Biló sempre procura estar muito bem informada sobre o contexto. Naquele dia, a sede do PSL, partido de Bolsonaro à época, ha via sido alvo de buscas da PF.
Assim que avistaram o presidente se aproximando dos ministros Paulo Guedes e Sérgio Moro, os fotojornalistas se posicionaram na frente da Bandeira Nacional, para que tudo ficasse enqua drado. Mas uma profissional como Biló está sempre interessada em um ângulo diferente. Munida de uma câmera com lente de 400 milímetros, sabia que podia
captar outras cenas se permanecesse na lateral, ainda que bem distante dos per sonagens. “Não conseguia ouvir, mas vi Bolsonaro fechando os punhos. Quando vi que ele começou a gesticular, comecei a clicar antes da foto acontecer. Porque se vê a foto no visor, você já perdeu. Não existe voltar no tempo”, aconselhou ela ao podcast Vida de Jornalista, do jorna lista Rodrigo Alves. A imagem foi man chete do jornal e viralizou na web.
Gabriela Biló começou a fotografar em 2012 com uma Canon Rebel Xti e, no ano seguinte, cobriu as manifesta ções que pediam a diminuição do preço da passagem de ônibus. Sob o governo de Dilma Rousseff, a população tomou
as ruas e foi quando surgiram o Vem pra Rua e o Movimento Passe Livre. A co bertura dos protestos em São Paulo ser via de passaporte para ela receber o con vite para a cobiçada sucursal da capital federal. “Fazia sentido Brasília para fa lar das causas e soluções dos problemas já que eu fotografava as consequências”, relata sobre sua ida à capital brasileira, onde encontrou o coração da política e a raiz do social.
O que pode parecer uma mudança brusca de ambiente de trabalho, da in tensidade das ruas para o clima oficiales co dos Três Poderes, não altera o ofício de Biló. “É a mesma dinâmica”, explica. Dentro de suas produções, as figuras de linguagem, sátiras, críticas e até piadas se destacam. A imagem de Bolsonaro tossindo, de forma escatológica em um evento público transcende uma leitura simples. Biló afirma que seus registros fotográficos trazem muito de si.
Com 10 anos de carreira, Biló já teve passagens pela Agência Futura
pessoas“Muitas não sabem ler, mas elas podem ver uma imagem”“Na mira”, foto finalista do 42º Prêmio Vladimir Herzog
Press e Estadão, antes de ser convidada pela Folha de S.Paulo, neste ano. Ven cedora dos prêmios Vladimir Herzog, IREE e finalista do prêmio internacio nal Loba, da Leica, ela já conquistou dez ‘Prêmios Estadão’. Por dois anos, levou o Troféu Mulher Imprensa de Fo tografia (2020 e 2021).
Por meio de seu olhar, Gabriela acre dita que a importância de seu trabalho está na possibilidade de aproximar a política das pessoas. “Muitas pessoas não sabem ler, mas elas podem ver uma imagem”, afirma a fotojornalista que destaca o papel da fotografia dentro de um contexto em que o visual ganha cada vez mais força comunicacional.
Biló afirma que ainda treme quando sabe que tem uma boa foto e admite que se sente viciada por essa sensação. Em outras situações, como na cobertura de manifestações, nas quais já sofreu amea ças, confessa que sente uma palpitação: “Um gelado na mão”. Biló diz ter senti do medo apenas uma vez em que virou uma esquina errada, se posicionou mal e, então, recuou. “Eu ouvi meu medo, ele capta coisas na atmosfera que às vezes o consciente não capta”, relata ela, que
aponta como ser “destemido” pode arris car seus colegas e a si mesmo, se aproxi mando da imprudência. “O medo é um aliado, lembro de ter tido medo e toda vez que eu tiver, espero ter a sabedoria de ouvi-lo.”Hojeem Brasília, a fotojornalista considera a fotografia um centro de sua vida e uma missão: “É uma forma de per tencer, de me colocar no mundo”. Sob seu olhar, a política brasileira ganhou ima gens que traduzem as diferentes nuan ces desse jogo. Quem a vê fotografando, talvez não repare no fone de ouvido, seu companheiro de trabalho. Muitas vezes escuta a canção Schizophrenia, da banda de rock alternativo norte-americana So nic Youth. Ironicamente, um dos versos da sua música preferida diz “meu futuro é estático”. Biló é capaz de fazer uma ima gem se movimentar mundo afora.
Em suas redes sociais, Gabriela Biló aborda a questão de gênero dentro da sua profissão. Em um reels postado no Instagram, ela ironiza situações co tidianas que vive por não ser um foto jornalista homem. “Não é nada disso. Fotojornalismo é olhar, raciocínio e perspicácia”, gosta de retrucar. Para a fotógrafa, as situações vividas no Pla nalto Central não se diferenciam das experienciadas por outras mulheres em outras áreas de cobertura.
Ainda assim, Biló acredita na inter net como um modo de elucidação da so ciedade e que a série de violências vividas por jornalistas não passa de um momen to. Mas também não deixa de se preocu par com o cenário atual: “É um ataque à democracia, mas ao mesmo tempo tenho esperança de que isso seja passageiro”. @
“O medo é um aliado, lembro de ter tido medo e toda vez que eu tiver, espero ter a sabedoria de ouvi-lo”Ato do Movimento Passe Livre contra o aumento da tarifa, São Paulo, junho de
As redes sociais tornaram-se estratégicas para os candidatos, mas ainda não é certo se elas farão do Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE) um produto obsoleto
POR ANNA CASIRAGHIO INFOGRÁFICO DA página ao lado pode parecer estranho à primeira vis ta. Por que Jair Bolsonaro aparece em primeiro, com números muito supe riores ao “segundo” na lista, o então candidato Ciro Gomes, em 2018? Por que nas últimas eleições presidenciais ocorreu um fato inédito. Um candi dato “nanico” em termos de tempo no horário eleitoral venceu a disputa com muito mais votos por segundo de cam panha televisiva do que seus adversá rios no primeiro turno. Na verdade, se essa mesma proporção for projetada nos pleitos desde 1989, o atual presi dente passou por cima de todos.
Quatro anos se passaram e uma pergunta permanece no ar: como o Brasil elegeu Bolsonaro? Foram as redes sociais? A facada? A não-par ticipação nos debates? O eleitorado evangélico? A insatisfação generaliza da com a política? O desgate do PT?
A Lava-Jato? A campanha midiática contra a corrupção? Essas pergun tas são sempre elencadas por muitos. Mas poucos somam mais uma, que até anos atrás era considerada muito relevante: o horário eleitoral elegeu Bolsonaro? Para quem teve 8 segun dos de Horário Gratuito de Propagan da Eleitoral (HGPE), a resposta para a última questão seria um sonoro “não”. Mas convém não ser tão taxativo.
Em campanhas, falar e ser falado se
tornaram prioridade. Isso fez com que a propaganda política, cuja fonte prin cipal era o HGPE até há poucos anos, começasse a ser trabalhada dentro da lógica do marketing digital. É como se um candidato fosse uma mercadoria a ser vendida, mesmo que sob o em brulho de dancinhas vergonhosas do TikTok. Nos tempos atuais, influencia dores e personalidades transitam com mais facilidade. Já os políticos ainda são como crianças que vão a um parquinho pela primeira vez: ficam maravilhados com o que vêem, mas não dominam a linguagem das redes sociais - salvo algu masOexceções.presidenciável Luiz Inácio Lula da Silva está na política desde 1982, ainda no período da ditadura, quando se candidatou ao cargo de governa dor de São Paulo. No HPGE daquele ano, ele se apresentava como “Lula da Silva”, dizia que tinha sido preso pela ditadura e era líder grevista do ABC. Ficou em quarto lugar, numa eleição vencida por Franco Montoro (PMDB). Apesar de a vida política brasileira se confundir com a de Lula e mesmo com tantos anos na política, o ex-metalúrgico não é um campeão da internet.Foipreciso que uma cantora pop como Anitta publicasse uma foto com uma roupa vermelha, o símbolo do Partido dos Trabalhadores (PT), e
IMPORTA?AINDA2022
a posição dos braços formando o “L” do candidato para que as interações em torno de Lula saltassem 66% nas redes sociais. Curiosamente, essa mesma postagem gerou mais enga jamento nos perfis de Bolsonaro, que mobilizou a fúria dos que não gosta vam do petista, de Anitta ou dos dois.
Até os anos 2000, antes do fortale cimento da internet, o HGPE reinou de forma absoluta e era a principal forma de se fazer propaganda política no País. Neste ano, ele deve coexistir com as redes sociais. “O horário eleitoral serve como um catálogo, em que é mostrado todo o leque de opções disponíveis, e depois acessamos maiores informações em outros espaços”, explica Michele Massuchin, vice-presidenta da Asso ciação Brasileira de Pesquisadores em Comunicação e Política (Compolítica).
“Há 60 anos, as pessoas assis tem o horário eleitoral, ele é familiar, além de ser regulamentado. As pro pagandas são fiscalizadas e, por isso, ele se torna uma forma de ratificar as informações que circulam no mundo online”, acrescenta Michele. Apesar dos desafios enfrentados, o HGPE continua ocupando um local de des taque nas campanhas políticas. Seja pela propaganda em bloco, que vei culam pela parte da tarde e da noite na TV aberta, ou nas inserções de 30 segundos nos comerciais de novelas,
jornais e jogos de futebol.
“As propagandas eleitorais não são exclusivas da televisão, elas vão chegar até os telefones e, em algum momento, você vai ser esbarrado por elas”, acrescenta Felipe Borba, professor-adjunto do Departamento de Estudos Políticos e coordenador do Programa de Pós-graduação em Ciência Política (PPGCP) da Unirio. “O espaço se modifica porque os par tidos e candidatos passam a ter maior autonomia para se comunicar.”
DESDE A CRIAÇÃO DOS BLOGS de políticos até a consolidação de estra tégias de campanha pelo Whatsapp, as redes sociais foram ganhando um maior espaço dentro das disputas eleitorais por possibilitar a comunicação direta entre o político e seu eleitorado, além de gerar um engajamento orgânico. E nem sempre é preciso de rios de dinheiro para disseminar conteúdos nas plata formas digitais: o natural, o espontâneo, a autenticidade têm alto poder viral.
Por não ser regulamentado pelo Tri bunal Superior Eleitoral, como o horá rio eleitoral, as redes sociais possibilitam aos candidatos discutir ideias, temas e propostas com o seu público fora do período estabelecido por lei. Lula será o candidato à Presidência com maior tempo no horário eleitoral e, até 29 de setembro, terá 1 hora e 30 minutos para se comunicar com o eleitorado. Já seus perfis digitais permitem um contato di reto com o seu público 24 horas por dia.
Os pesquisadores Michele Mas suchin e Felipe Borba são categóricos em afirmar que o ambiente digital não enfraquece o horário eleitoral. “Ainda hoje, a maior parte dos gastos das cam panhas são com comunicação e produ ção de conteúdo audiovisual. Se não é importante, por que gastam tanto as sim?”, indaga Massuchin. Em 2018, a audiência do horário eleitoral cresceu 14% em comparação a 2014, fato que Borba atribui à onda de desinformação que o Brasil enfrenta. Se somado ao aumento da desconfiança dos conteú dos que circulam no ambiente digital, o HGPE passa a ser visto como uma fonte segura para o eleitor. @
FONTE: TRIBUNAL FOTOS POR: ISAC NÓBREGA/PR, PEDRO DIMITROW, TALITA OLIVEIRA, LULA MARQUES, AGÊNCIA BRASIL, GEORGE GIANNI, RICARDO STUCKERTMUNIZ 8.0
Recuperado da Covid-19, o jornalista e sociólogo Muniz Sodré completa 80 anos em plena atividade: além de praticar artes marciais e ioga, ele se prepara para lançar neste ano o 37º livro de uma carreira consagrada
POR GABA SERPAAOS 80 ANOS, Muniz Sodré pratica artes marciais duas vezes por sema na, faz ioga e cogita retomar o estudo de mandarim — interrompido pela pandemia. É isso mesmo, nada pa rece inalcançável para o sociólogo da comunicação e professor, que ficou internado por mais de um mês devi do à Covid-19, em 2020. Quem o co nhece por entrevistas em rádios e TVs é apresentado ao acadêmico de fala cantada e pensamento crítico, bastan te sofisticado. Mas entrevistá-lo já são outros quinhentos. O discurso, cheio de dança, permanece o mesmo. O que diferencia é que sobram elementos humanos, como se Muniz fosse um avô bem humorado e cheio de “cau sos” para contar aos netinhos.
Ao entrar na sala de reunião re mota, Muniz Sodré pergunta, incer to: “Consegue me ver?”. A câmera do professor parece coberta por um pedaço de pano alaranjado — certa mente um bug da plataforma. Após instantes de análise do impasse di
gital, Muniz opta por outro disposi tivo. “E agora, me vê?”, diz, cheio de melodia. Apoiando a cabeça em um de seus punhos, sinaliza para que a entrevista comece: “Pode perguntar à vontade”. Lançou um baita desafio — sem ter, talvez, tomado ciência disso.
Todos sabem que é impossível fa lar de Sodré sem abordar temas tão amplos quanto comunicação, socio logia e filosofia. Mas há algo que ele domina, que antecede qualquer uma dessas áreas. Além de se aventurar pelo segundo idioma mais falado do mundo, Muniz soma a seu repertó rio poliglota outras oito línguas. Fala inglês, francês, iorubá, alemão, ita liano, árabe, russo e o dialeto crioulo cabo-verdiano. A quantidade só não causa mais espanto do que seu auto didatismo. Conta com naturalidade que nunca fez cursos: “Tudo na prá tica, na experiência”. Com modéstia, faz ressalvas a uma ou outra, que tal vez tenha “mais facilidade só para ler” e “alguma dificuldade para falar”.
Desde criança, Muniz Sodré ti nha vontade de sair da Bahia. Desejo que justifica o interesse que sempre teve por aprendê-las: “A língua é um passaporte e sempre fui CDF. Mas tinha que trabalhar para viver”. O “CDF” de Muniz deve ser lido como “cérebro de ferro”, certamente. Ca poeirista, ninguém jamais ousou “fazer bullying” com o professor, “porque era briguento”. Sua devoção aos estudos, combinada à ânsia por conhecer outros lugares, resultaria no mestrado em Sociologia da Co municação que fez na prestigiada Sorbonne, a Universidade de Paris, em 1967. O “francês com sotaque baiano” lhe garantiu uma bolsa de estudos para ser aluno de ninguém menos que o semiólogo e filósofo RolandMunizBarthes.Sodré é do interior. Nas ceu em São Gonçalo dos Campos e se mudou ainda pequeno para Feira de Santana, a pouco mais de 20 quilôme tros de sua cidade natal. Mas nem São
Gonçalo, nem Feira o veriam comple tar a maioridade. As datas exatas fo gem à memória de Muniz, mas entre os 14 e 15 anos ele foi para o litoral. Ar rumou trabalho na Superintendência de Turismo da Bahia, na capital, Sal vador — falar línguas começava a lhe render o primeiro de muitos frutos.
Em terras soteropolitanas, também cruzaria seus caminhos com o jorna lismo, “meio que na mesma época”. Aprendeu o ofício no Jornal da Bahia, “um diário de esquerda, moderno e com grandes jornalistas”. Foi nesse veículo que conheceu João Ubaldo Ribeiro. Sodré atribui ao escritor e conterrâneo o título de “brasileiro que conheci que mais sabia inglês”. Ele se diverte ao lembrar do já falecido ami go que “imitava muito bem” o sotaque sulista dos Estados Unidos.
Graduado em Direito pela Uni versidade Federal da Bahia, fez o mes trado na Sorbonne e doutorado pela Universidade Federal do Rio de Janei ro (UFRJ). Continua lecionando na UFRJ, onde é professor emérito. Suas aulas são disputadíssimas. Autor de cerca de 40 livros nas áreas de Comu nicação e Cultura, já foi presidente da Biblioteca Nacional entre 2005 e 2011. Seu ingresso na vida profissional se deu como tradutor no Jornal da Bahia, ao lado de Ubaldo e Glauber Rocha.
Hoje, revela jamais ter tido um plano de longo prazo para a perma nência nos jornais. “Não gosto tanto assim”, disfarça. Além de assinar uma coluna na Folha de S. Paulo, publicada aos domingos, é consumidor voraz de conteúdo jornalístico. É fã dos textos de Elio Gaspari e Dorrit Harazim. Nas suas participações em programas jor nalísticos, aflora um pouco de seu lado acadêmico e de palestrante de seminá rios e conferências, como da Compós. Muniz Sodré descreve a atividade dos jornalistas como “objeto da sociologia”. Mais ainda: “Verdade historiográfica cotidiana”. Explicita o peso que ela tem ao comparar grandes artigos do New York Times e do Le Monde a escritos sociológicos: “A diferença é quem vali da o discurso. O do jornalismo é vali dado pelo consumidor. Pelo mercado”.
Mas o jornalista é das antigas, lê de tudo. “Até os da direita democrática. Discordo muito, mas gosto do (Car los) Andreazza”, explica o professor ao tratar da “inteligência” entre liberais e conservadores. “Alceu Amoroso Lima, Roberto Campos, José Guilherme Merquior de quem fui amigo… a direi ta sempre existiu. Desprezo é a estupi dez da extrema-direita.”
O simples exercício da discordân
cia há muito perdeu seus contornos de civilidade no Brasil. Resgatá-lo talvez requeira diálogo e autocrítica, mas o sociólogo começa pelo próprio quintal: “A esquerda se sentiu de sobrigada de escutar diretamente o povo. Existe um buraco negro social e a direita sabe mais dele”. Como era de se esperar, o professor engancha a conversa nos acontecimentos da polí tica nacional. Inevitável para alguém
“A esquerda se sentiu desobrigada de diretamenteescutar o povo. Existe um buraco negro social e a direita sabe mais dele”
que há décadas se propõe a discutir e rediscutir a sociedade brasileira, tão desigual e racista, assumindo “com vi gor a condição negra”.
Crítico de um certo elitismo inte lectual de setores da esquerda, Muniz não poupa as alas que tomaram outro rumo que não o da participação po pular, no Brasil: “Tínhamos sujeitos coletivos que aprendiam com a luta sindical e com o trabalho. Quando a esquerda se dissocia dos sindicatos, ela se intelectualiza. Passa a achar que ler Marx é a solução. Livros também podem ser alienantes”. Ao expor as escolhas do pensamento progressis ta brasileiro, acaba ensinando sobre a importância da comunicação e dos efeitos que produz quando ela é mal estabelecida: “Por que esse discurso altamente intelectualizado que nem a classe média entende? Tem que descer do sapato alto e se aproximar das pes soas. Conversar na feira, nos terreiros e auscultar, como faz o médico.”
Muniz se mostra otimista quanto ao futuro do jornalismo, apesar dos vários “obituários” que a sociedade já aplacou ao ofício. Em algum momen to, diz ele, pode ter confundido o jor nal de papel com a atividade do jor nalista em si. “Foi um erro. O papel está limitado e vai continuar como uma forma ‘museificada’ da prática
jornalística”. Enfatiza o fortalecimen to do jornalismo nos últimos anos e declara sua importância: “É o outro lado da sociedade liberal e democrá tica. É mais importante do que nun ca que ele se reinvente e tenho visto ele florescer na internet”. Arroubos autoritários incontidos, banalizados nos últimos anos em “uma sociedade incivilizada”, como descreveu em seu último livro, não foram capazes de conter o amadurecimento desse ofí cio essencial nas democracias.
AMANTE DE SAMBA, jazz e blues; devoto e praticante na igreja de “São Coltrane”; e violeiro esporá dico, Muniz Sodré não se acanha quanto às suas habilidades musi cais. “Tenho voz de taquara racha da”, ri de si mesmo. E prossegue: “Me dê um samba e um violão que sai alguma coisa, porque gosto de tocar”. Considera a música “a maior forma de comunicar de todas”. Di ferente das línguas, não é autodi data no instrumento. Teve “zilhões de professores”, mas toca de vez em quando. Não ache que pode subes timá-lo — nem o ícone tropicalista e amigo Gilberto Gil o intimidou: “Falo, logo canto. Disse isso ao Gil. Só não canto como ele”. A audá cia o faz cair na risada. Também é amigo de João Bosco, a quem não poupa elogios: “violonista extraor dinário”. Na casa do amigo, conhe ceu Yamandu Costa, outro de seus admirados. Mas seu maior ídolo é o saxofonista: John Coltrane: “É um absurdo! O homem desceu do céu, pegou o sax e começou a tocar.”
O atual otimismo, informalida de e serenidade para falar de forma tão desabrida de temas tão variados parecem resultado da batalha que o jornalista e sociólogo travou contra sérias complicações de saúde. Ele chegou a ir para a UTI, entre maio e junho de 2020, respirando com o auxílio de ventilação. Recuperado, Muniz afirma que sua motivação hoje é viver e se doar. “Eu descobri que a vida que recebemos dos pais é biológica. Mas a continuidade dela é
doação da comunidade: dos amigos, conhecidos, alunos, tanto de quem está próximo, quanto distante. Eu a recebi e sou grato. Sobrevivi com esse afeto”, Determinadoagradece.edireto ao ponto, não parece disposto a parar tão cedo. Muito pelo contrário: conta, à revis ta CÁSPER sobre suas próximas em preitadas: “Você deve ser o primeiro a saber: acabo de entregar à editora Vozes meu mais novo livro. O título é ‘O fascismo da cor’”. A obra, que pro mete ser uma radiografia do racismo brasileiro, deve ser publicada até o final de 2022. Finaliza reiterando todo seu vigor e energia vital de oc togenário capoeirista e membro da hierarquia do candomblé: “Estou ativo, dou palestras, escrevo minha coluna toda semana. Muniz Sodré é isso: o negro moderno que foi, não foi, e está pensando”. @
Sodré foi presidente da Biblioteca Nacional Muniz é livre-docente em Comunicação pela UFRJBASTA OBSERVAR UMA TURMA de Jornalismo para, inevitavelmente, en contrar um grupo de interessados em cobrir o mundo da bola. Eles costu mam ocupar o fundo da sala, são mui to enturmados e sempre guardam um comentário na ponta da língua para falar de algum jogo da rodada ou da polêmica da vez. A “turma dos bolei ros” já é uma tradição da Cásper. Eles já chegam determinados a atuar num campo pelo qual são apaixonados.
“Desde que me conheço por gen te, eu assistia aos jogos com meu pai e meu irmão”; “tive aquele sonho de todo jornalista esportivo, ou a maio ria deles, de ser jogador de futebol”; “tudo me levou para o esporte, pri meiro praticando, depois assistindo e agora trabalhando”. Essas respos tas foram dadas por Renata Men donça, Emanoel Araujo e Dayana Natale, que se formaram na Paulista 900 e hoje atuam na cobertura es
portiva. A revista CÁSPER foi atrás dos boleiros para saber como tem sido conciliar a paixão pelo futebol com a Quemprofissão.sonha com esse mercado deve saber que é preciso mais do que apenas gostar e entender “tu-do” de fu tebol. “É uma área muito difícil. Todo mundo fala que quer, mas acaba sendo um campo muito pequeno”, aponta a estudante da pós-graduação da Cásper, Luiza Boareto, que completou um ano
Jornalistas que se formaram na Cásper contam suas experiências cobrindo o esporte que é paixão nacional e o que esperam da Copa do Mundo de 2022
na ESPN. Para vários dos boleiros da Cásper, o início se deu no quarto an dar da Faculdade. Hoje chamada de Gazeta Online, a Gazeta AM foi o ber ço de jornalistas e narradores. Renan do Couto e Sergio Arenillas tiveram trajetórias semelhantes. Ambos par ticiparam, ainda na graduação, dos programas No Vestiário, Nordeste FC e Jornadas Esportivas. Agora nas te las do Grupo Globo, Arenillas afirma: “A rádio foi meu grande espaço labo ratorial e escola prática na Faculdade, mesmo nunca tendo sido uma pessoa do rádio”.Estar pronto para informar so bre tudo que acontece dentro e fora das quatro linhas exige conhecimento prévio. “São horas e horas de estudo para estar o mais preparado possível”, relata Renan do Couto. Para além de entender de futebol, é necessário ter a capacidade de buscar e contar histórias que possuam um diferencial e lembrar que cada campeonato é uma história diferente. Falar sobre o machucado de um atleta, ou dos favoritos “soa chato demais” para Lucas Hanashiro, que desde o tempo de Mochileiros da Bola, outro programa da Gazeta, busca aná lises táticas e estatísticas para dar um diferencial no conteúdo que produz. Já Vinicius Rodrigues procura segurar os telespectadores na tela com “referên cias da cultura popular, com o que está bem nas redes sociais, músicas, perso nagens e celebridades”.
A Copa do Mundo de 2014, as Olimpíadas de 2016, a Copa do Mun do Feminina de 2019 e grandes entre vistas figuram entre as experiências mais notáveis para os casperianos que cobrem a paixão nacional. Mostrar conquistas, celebrar vitórias e narrar alegrias muitas vezes unem o profissio nal e o pessoal. O jogo de despedida do Rogério Ceni em 2015 foi especial para Bruno Grossi: “Se cheguei para ser jor nalista era porque gostava muito de
esporte, de futebol e do São Paulo”. Gui lherme Goya, hoje setorista do Palmei ras, relembra o recente jogo das quartas de final da Libertadores da América, quando o time palestrino avançou na competição na disputa de pênaltis sob o olhar atento de mais de 40 mil pessoas. “Cheguei às 4 da manhã, mas satisfeito e até honrado de documentar um mo mento histórico como esse para tanta gente”, relata Goya, ainda no início de carreira.Trabalhar com a paixão de milhões de pessoas envolve ter de lidar com a dicotomia desse sentimento, que vai do amor ao ódio. “Muita gente não entende que o que é paixão para eles, para mim é paixão, mas também é trabalho”, expli ca Lívia Laranjeira. Ofensas, violências e ataques fazem parte do dia a dia na beira do campo e, sobretudo, quando você é uma pessoa pertencente a algu ma minoria social (mulheres, negros, LGBTQ+). Renata Mendonça, criadora do portal Dibradoras, atesta que o erro de uma mulher pesa mil vezes mais do que o de um homem. “Muitas vezes, pelo fato de todos estarem sempre du vidando de você, você mesma passa a se questionar se é ou não capaz de estar ali”, relata Mendonça. Emanoel Araújo relembra passagens pelo Sul do país, onde chegou a ser alertado por cole gas sobre o ódio à Globo que, somado à presença de um corpo preto em um lugar onde era um estranho, gerou um ambiente nocivo. “Minha tática foi colo car meus fones e aumentar o retorno no máximo”, expõe Araújo, que em jogos na região passou a não olhar mais para a arquibancada. Algo “terrível”, já que tudo é história para ser contada.
Da geração que assistia ao Tiago Leifert no Globo Esporte, Dayana Natale aponta como a falta de repre sentatividade impactou sua confian ça para fazer o que sonhava. “Para mim era muito difícil me ver, porque não via mulheres pretas trabalhando
com isso”, relembra ela, que hoje, assim como Araújo, enxerga a im portância de ser uma pessoa negra cobrindo esporte no vídeo. “As mu lheres pretas ainda são minoria da minoria. É difícil, tem que abrir seu espaço e ir lutando.”
SOBRE O CATAR, Luiza Boareto tem uma opinião categórica: “É uma Copa que não deveria acontecer”. Isso porque o país do Oriente Médio possui inúme ras restrições aos direitos das mulheres e condena à morte pessoas LGBTQ+. “O Catar tem culturalmente muito pou co a oferecer, socialmente muito para evoluir e, esportivamente, uma contri buição nula pro futebol”, argumenta Arenillas, que também coloca em xeque a decisão da Fifa sobre a realização do torneio nesse Pensandopaís.dentro das quatro li nhas, as expectativas para a competição mundial envolvem muitas questões, dentre elas seu período de realização. Quase uníssonos, os jornalistas cas perianos apontam o vigor físico dos atletas, já que ocorrerá no meio da temporada de clubes. O favoritismo do campeonato, segundo eles, vai para a Verde-e-amarela, mas também para Argentina, Espanha, França e Portugal. No quadro abaixo, você confere o placar com os palpites dos nossos casperianos em campo e nas páginas seguintes pode saber quem são os boleiros da Cásper.
BOLSÃO DE APOSTAS
VINICIUS RODRIGUES
“O principal desafio é tornar uma transmis são esportiva agradável porque hoje competi mos com outras plataformas. O comunicador que cobre futebol tem que sair do básico.”
Vinicius Rodrigues se formou em 2016 na graduação, mas voltou em 2020 para con cluir uma pós na Cásper. Passou pela Record TV, TV Gazeta e NSports como narrador, função que ocupa hoje na Rede Globo. MISTA
“Vai ser uma Copa diferente. É uma Copa para resgatar a identidade do brasileiro. A Copa tem muito disso, é futebol, mas também é um fenômeno cultural.”
Dayana Natale se formou em 2021 e tem passa gem pelo GE, hoje é produtora na NWB e apre sentadora da Copa Libertadores da América.
DAYANA NATALE
“Continua sendo um ambiente majoritaria mente masculino, machista e homofóbico. Ao mes mo tempo, essas são as motivações que tenho para tornar a cobertura esportiva um pouco melhor para a geração futura.”
Lucas Hanashiro se formou em 2016. Depois da participação na Gazeta AM, passou pela Rádio Bra desco FM, da Band. De lá, foi para a ESPN como estagiário, onde atua hoje como produtor.
LÍVIA LARANJEIRA
SERGIO ARENILLAS
“É muito triste falar isso. A gente precisa desenvolver ferramentas para lidar com o machis mo. Quando estou num campo de futebol, aumen to meu retorno para não ouvir os gritos que vêm da arquibancada.”
Lívia Laranjeira se formou em 2012. Com passa gens pela Época São Paulo, Quem Acontece, Criati va e Glamour Brasil, está há oito anos no SporTV.
“O ambiente todo é muito agressivo, imaturo. Não existe um respeito e distancia mento crítico de quem acompanha. Homens se comportam como bichos e a rede social só amplifica essas vozes desrespeitosas.”
Sergio Arenillas se formou em 2016. Da Ga zeta AM foi direto para a Rede Globo, onde hoje atua como narrador.
LUCAS HANASHIRO“Como torcedora quero falar que o Neymar vai chegar e destruir. Mas vai ser uma Copa chata, porque vai ser no Catar. Acho que a Fifa escolheu muito errado o país sede. Já começo com o pé atrás por ser onde vai ser.”
Luiza Boareto se forma este ano na pós-gra duação lato sensu. Ela era repórter da CBN no interior de São Paulo e desde 2021 com põe o time da ESPN.
RENAN DO COUTO
“Descobrir uma história nova, diferente para contar numa transmissão, seja lendo uma reportagem, um livro ou fazendo uma entrevista é das coisas mais legais dessa nossa profissão.”
Formado em 2015, Renan do Couto passou pela Gazeta AM e hoje é narrador na ESPN.
“Essa vai ser a Copa com os influenciadores do futebol mais consolidados, sendo convi dados pelas marcas para estar lá. Mostran do essa mudança dos rumos da comunica ção e a forma como se consome o futebol.”
Formado em 2014, Bruno Grossi passou pela Gazeta Esportiva, pelo Lance! e UOL. Hoje continua no esporte como coordenador de talentos da NWB.
RENATALUIZAMENDONÇABOARETO
BRUNO
“Eram comentários que não eram baseados no meu trabalho do dia a dia. Afinal, eu nunca tinha cometido erros bizarros assim. A falta de confiança vinha pura e simples mente por eu ser mulher.”
Renata Mendonça se formou em 2012 e tem passagens pela ESPN, BBC e Rede Globo. Fundou o portal Dibradoras, voltado à visibi lidade das mulheres no esporte.
GUILHERMEGROSSI
“A dificuldade é a distância que aumenta a cada movimento do futebol. O futebol ne gócio faz com que você fique cada vez mais profissional, mas cada vez mais fechado, como uma empresa privada.”
Emanoel Araújo foi atleticano e se formou em 2011. Passou pelo Lance!, Grupo Bandei rantes, ESPN, Yahoo e hoje é editor de espor tes na Rede Globo.
GOYA
“A Copa já é um evento prioritariamente político. Uma Copa em um país onde não faltam denúncias de trabalho escravo, que reprime minorias.”
Guilherme Goya se formou em 2020. Ainda estudante, foi estagiário na TV Gazeta. Em 2022 retornou ao prédio da Cásper como se torista do Palmeiras.
EMANOEL ARAUJONO GRAMADO
Ex-casperiano, Maurício Oliveira conta histórias de bastidores vividas nas coberturas do maior evento futebolístico do planeta
QUE JORNALISTA ESPORTIVO nun ca sonhou em cobrir eventos como uma Copa do Mundo? Maurício Oli veira já realizou esse sonho, duas ve zes. Formado em Jornalismo pela Cás per Líbero, ele começou na redação do jornal Lance! de 1997 a 2015. Hoje, é produtor de reportagem do GE. Além do cobiçado Mundial, ele participou de coberturas de pré-Olímpico, Copa das Confederações, Libertadores da América e Mundial de Clubes.
Antes de cobrir os Mundiais da Alemanha, em 2006, e do Brasil, em 2014, ele atuou como setorista nos grandes clubes da capital paulista
— o Trio de Ferro (Corinthians, Pal meiras e São Paulo). E, ainda na gra duação, ele trabalhou em Esquinas, a revista laboratorial da faculdade. Veja a seguir a “resenha” em que ele lem bra, para a revista CÁSPER, a longa trajetória na editoria de esporte.
Como é o dia a dia com os atletas e com a Seleção? Existe proximidade? Existe. São coberturas longas. Às ve zes, duram até 40 dias. Você chega 15 dias antes da Copa começar para fazer a preparação da Seleção, como foi em 2006. O contato com os joga dores existe e eles vêem a gente todos
os dias. Treino, entrevista coletiva… Você fica próximo do gramado e tem esse contato direto, sim. Às vezes, te conhecem e até chamam pelo nome.
É possível ter uma relação mais pró xima com jogadores da Seleção? Já foi mais possível. Os jogadores dos anos 1990 e início dos 2000 eram mais acessíveis. Com o passar dos anos, foi ficando restrito à as sessoria de imprensa e até agentes dos jogadores. Eu tenho mais proxi midade com jogadores que já encer raram a carreira: Vampeta, Luizão, Júnior. E com integrantes da comis
POR GABA SERPA Equipe do Lance! na final da Copa de 2014, entre Alemanha e Argentina, no Maracanã PESSOALACERVOsão técnica, preparadores físicos, médicos, fisiologistas. Esses, sim, há mais abertura para falar direta mente, buscar bastidores, aquelas informações em off
Você diria que os jogadores estão blindados atualmente?
Totalmente. Quando eu comecei a carreira no Lance!, a gente cobria os treinos ao lado do campo de São Pau lo, Palmeiras e Corinthians. Quando acabava o treino, podia chamar um jogador no canto. Esse contato dire to foi se escasseando até não existir mais. Hoje, acaba o treino, o jogador é escolhido para dar entrevista co letiva e é aquela coisa mais pasteu rizada. Com a pandemia, os treinos ficaram fechados para a imprensa. Depois que ela arrefeceu, os treinos não voltaram a ser abertos.
Qual das duas coberturas de Copa do Mundo foi mais marcante? Do Brasil, certamente. Foi uma inva são cultural. Você pegava metrô no dia da abertura, tinha gente de todos os países que estavam participando. Festa colombiana, o jeito do mexica no de comemorar. Foi o evento mais marcante para mim. O pré-olímpico no Chile, em 2004, também marcou, porque foi minha primeira grande cobertura internacional. Era aque la Seleção de Robinho e Diego, que acabou não se classificando para as Olimpíadas de Atenas.
Como era a cobertura na época em que a internet ainda engatinhava?
A prioridade era única e exclusi vamente o jornal diário. A gente mandava a matéria, e as notícias daquele dia seriam publicadas no dia seguinte. Tínhamos que ter ma terial original, como chamavam no Lance! . Os sites praticamente não existiam. Mas lembro de um caso especial. Em 2006, o Ronaldo se apresentou muito acima do peso. Numa videoconferência do Lula com os jogadores da Seleção, o ex -presidente perguntou sobre o peso do Ronaldo. Isso ficou marcado. A
CBF blindou a informação. Só que a comissão técnica tinha um inte grante que eu conhecia desde os tempos em que cobria o São Paulo. Depois de um treino, fiquei batendo papo e ele destacou a evolução do Ronaldo. “Hoje, ele está com peso tal, na última semana perdeu tan to…” Descobri que foram 12 quilos a mais. Essa notícia foi tão forte, que a chefia em São Paulo resolveu publicar no site. Foi uma bomba. Já existia a noção de que notícias im portantes não poderiam ser guarda das para o dia seguinte.
Como repórter, a cobertura da traumática Copa de 2014 deixou alguma lição?
Na redação do Lance!, sempre bus camos a perspectiva positiva da coi sa. Mas em algumas ocasiões não tem como fugir do senso crítico. Os gols da Alemanha foram saindo, e eu só me toquei do que estava acon tecendo no intervalo. Semifinal da Copa do Mundo — até ali, cinco a zero! No telão, apareciam torcedores chocados, gente chorando. Foi uma grande discussão como seria a capa do Lance! no dia seguinte. Fizemos reunião no Mineirão mesmo. Foi a maior frustração, mas como torce dor já tive outras. O 7 a 1 foi chocan te, mas profissionalmente não me abalou. Faz parte. Tem que ter ma turidade e cumprir sua função.
Qual a sua expectativa para a Copa do Catar?
É uma Copa bem atípica. Por ser um país muito pequeno, os jogos ocor rem num raio de 200 quilômetros. Viagens curtas, provavelmente feitas de carro. Sobre a Seleção, não tenho confiança. Se você me perguntar as três favoritas: França, Espanha e Ar gentina. Mas o Guilherme Pereira, nosso repórter que cobre a Seleção, contou que recentemente pergun tou ao Neymar: “E o hexa? Vai trazer pra gente?” O Neymar ficou sério e falou: “Pode escrever aí: Brasil será hexacampeão mundial”. Acho que ele decidiu se preparar para essa Copa. E tem a participação do Tite, por esta ser a segunda dele. Chega mais pre parado, e a Seleção mais madura.
Para finalizar, você foi de Esquinas quando estava na Cásper.
Foi uma baita experiência. Uma das matérias que mais gostei de fazer na minha vida foi para Esquinas Guardo a edição até hoje. Peguei uma pauta sobre os albergues em São Paulo. Visitei alguns e descobri uma família que havia sido dividida. A mãe, no feminino. O pai, no mas culino. Os filhos, no albergue para crianças, onde os pais deixavam, ao anoitecer, e iam buscar durante o dia. Acho que o título foi “Família institucionalizada”. Uma das maté rias que mais me deu orgulho. @
produtorOliveira,Maurício doreportagemdeGE
PESSOALACERVOESPORTIVALAVAGEM
A Copa do Mundo no Catar suscita questões sobre o uso dos eventos esportivos para desviar a atenção da opinião pública de violações de direitos promovidas por países e corporações
POR PEDRO MOREIRAQUANDO A BOLA rolar no gramado do estádio al-Bayt, em 20 de novembro, na abertura da Copa do Mundo 2022, o Catar deveria receber um cartão ver melho. A poderosa Fifa, organizadora do Mundial, também. E, por que não, os torcedores em todo o mundo que vão, mais uma vez, fingir que o que importa é apenas se divertir com o torneio, pela primeira vez realizado no Oriente Mé dio. Na lavagem esportiva, o dinheiro fala mais alto. “O Catar não respeita di reitos trabalhistas, homossexuais, mu lheres. Fazem Copa do Mundo em um país que não respeita os ideais que a Fifa diz defender. É totalmente contraditó rio. A decisão é econômica e política”, critica o jornalista Maurício Oliveira, produtor de reportagem do GE.
O Catar, com o tamanho de uma Manaus (11,5 mil quilômetros quadra dos) e uma população de Belo Hori zonte (2,881 milhões de habitantes), conseguiu mobilizar mão-de-obra e tec nologia necessárias para sediar um dos torneios mais midiáticos do mundo. A esperança das autoridades do Catar não
reside exatamente nos jogadores de sua seleção, mas em promover uma limpe za na imagem que o país tem. Esse é o verdadeiro sentido da palavra sportswa shing, que se refere ao uso de grandes eventos esportivos para lustrar alguma imagem pública suja ou arranhada.
Na edição 30, a CÁSPER publicou uma reportagem sobre o greenwashing, também conhecido como “lavagem ver de” ou “maquiagem verde”. Empresas, em sua maioria, se promovem como sendo sustentáveis, mas apenas da boca para fora. No caso do sportswashing, a estratégia é a mesma, porém aplicada a esportes que, naturalmente, mobilizam a agenda pública local e mundial.
“Chamar atenção para esses even tos esportivos é uma jogada, com o perdão do trocadilho, turística. Os que conseguem o direito de sediá-los são sempre regimes endinheirados”, ex plica Vanessa Bortulucce, historiadora da Unicamp e professora da Cásper Líbero. E qual é o interesse imediato dos governos em promover a lavagem esportiva? O primeiro é desviar um
pouco da atenção. Notícias relaciona das a esses governos costumam não ser positivas. Mas isso é revertido em even tos de grande visibilidade.
O jornalista Marcelo Mariano Nu nes, formado na pós lato sensu da Cás per Líbero, publicou o livro Introdução ao Oriente Médio (2021), em que mos tra como o chamado soft power (poder brando) tem servido aos interesses do Catar. Nunes lembra que, para ganhar uma projeção internacional, o diminu to país do Oriente Médio criou a emis sora de televisão Al Jazeera, que nasceu com o objetivo de se contrapor à narra tiva da global CNN. Em 2011, o fundo de investimentos Qatar Investment Authority se tornou dona do clube de futebol francês PSG e, em sua maior e mais ousada cartada, o país obteve o direito de sediar o Mundial deste ano — que, diga-se, chegou a ser investi gado sob a acusação de ter subornado funcionários da Fifa. A entidade supre ma do futebol engavetou as denúncias.
O sportswashing (junção das pala vras esportes e lavagem, em inglês) não
é uma novidade. Em 1934, o fascista italiano Benito Mussolini viu a Copa do Mundo de 1934, realizada na Itália, como um valioso instrumento de propa ganda. No Mundial seguinte, na França, a seleção azzurra venceu novamente o torneio, para deleite do ditador. Nessa mesma época, outro tirano se aprovei tou dos esportes para tentar promo ver uma boa imagem junto à opinião pública. Em 1936, Adolf Hitler sediou o que hoje é conhecido como a maior propaganda autoritária em forma de Jogos Olímpicos da história. No Estádio Olímpico de Berlim, registros fotográfi cos de bandeiras com a suástica nazista circularam o mundo.
“Um ano antes dos jogos olímpicos, quem ganhou o Prêmio Nobel da Paz foi Carl von Ossietzky, um sujeito que criti cou muito a política hitleriana. Então a Olimpíada também foi usada como um contrapeso a isso. Tem-se um prêmio Nobel que ataca a Alemanha nazista e, logo depois, um evento esportivo que serve de vitrine do poder de Hitler”, ex plica Vanessa Bortulucce.
Em junho de 2015, o Azerbaijão sediou a 1ª edição dos Jogos Europeus, motivando o movimento Sports for Ri ghts a reagir contra o autoritário regime de Ilham Allyey. “O Azerbaijão está en gajado na lavagem esportiva: tentando desviar a atenção de seu histórico de di reitos humanos com patrocínio de pres tígio e realização de eventos, incluindo o Grande Prêmio da Europa 2016, partidas do Campeonato Europeu de Futebol de 2020 e os Jogos Europeus, denunciou a entidade. Naquele ano de 2015, o Clube Atlético de Madrid tinha como principal patrocinador do unifor me, localizado no centro do torso, “Azer baijão, Terra do Fogo”. Exemplos de sportswashing não faltam. Em 2003, o Chelsea foi com prado pelo empresário russo Roman Abramovich. Segundo a jornalista Catherine Belton, autora de Putin’s People (2020), Abramovich era testa -de-ferro do presidente Vladimir Pu tin. Cinco anos depois, o sheik Man sou bin Zayer Al-Nahyan, da família real de Abu Dhabi, comprou o Man
chester City, um time pequeno que se modernizou e, com os milionários recursos, pode encerrar o jejum de 44 anos sem títulos.
Mas por que ainda se vê tantos exemplos de sportswashing? Não é de mais lembrar que eventos milionários são possíveis por meio de grandes pa trocinadores. “E não só os patrocinado res do evento em si, mas todas as equi pes automobilísticas, os clubes, é quase como uma caixa dentro de outra. Quem são os donos das equipes? Que interes ses comerciais eles têm?”, indaga Bor tulucce, que ainda emenda: “A Fórmula 1 é um ótimo exemplo disso também, com etapas na Arábia Saudita, Azerbai jão, Abu Dhabi e Bahrein”.
Desde 2011, mais de 6,5 mil traba lhadores imigrantes morreram no Ca tar, muitos deles operários dos estádios e de outras instalações para a Copa do Mundo. A Anistia Internacional e a Human Rights Watch denunciaram abusos e exploração de trabalhadores, fato sempre negado com veemência pelo governo do Catar. @
Uniforme do Atlético de Madrid com patrocínio “Azerbaijan, Land of Fire” Hitler entrando no Estádio Olímpico de Berlim nas Olimpíadas de 1936 ARCHIVEFEDERALGERMANPatrícia
Salutti acredita que “tudo começou na Cásper”. Já no seu primeiro ano, foi monitora na coor denadoria de Publicidade e Propaganda. Era responsável por processos administrativos e pela orga nização de eventos do curso. Esta última função era a sua preferida, tanto que destaca a primeira organização da Semana de Publicidade e Propaganda como um de seus momentos mais especiais na Faculdade. Após dois anos, Salutti estagiou na área de Marketing no Grupo Pão de Açúcar (GPA). Du rante quatro anos, a profissional se desenvolveu nas áreas de varejo, trade e construção de marcas. Nessa jornada, a publicitária também adquiriu resiliência, um valor que julga necessário dentro da comunicação. Foi no GPA que realizou um de seus projetos mais marcantes: a campanha com o Extra para os 200 anos da marca Johnnie Walker. No seu próximo emprego, na BRF, empresa da indústria alimentícia, aprendeu como funciona a cadeia de produção e como comunicar sobre produtos perecíveis. Hoje, ela compõe o time de trade da Campari. Tornou-se expert em combinar marketing, trade, varejo e mixologia. Formada em 2018, a publicitária destaca que o estágio rende muitos aprendizados: “Fuja daquelas vagas malucas que pedem experiência, afinal você acabou de começar a sua vida profissional”. Saluti defende que trabalhar com o que gosta faz grande diferença e, para isso, é preciso ter resiliência para testar, errar e testar de novo, quantas vezes forem necessárias. (Thiago Baba)
Patrícia comerempresasporáreaencontrarpersistiuSaluttiparasuaejápassoudiferentesdoebeberApublicitária resilienteOS TEMASGRANDES
Da história à política, do entretenimento ao futebol, confira as dicas culturais dos professores da Cásper Líbero
ASDOHISTÓRIASBRASIL
Mais do que uma comemoração em homenagem ao Bicentenário da Independência, proponho a reflexão de reler e traduzir criticamente, para o contexto atual, os dois séculos da Independência do Brasil, jogando luz sobre os significados e simbolismos que esta data representa.
Diversas atividades ocorrerão em torno da reabertu ra do Museu do Ipiranga e do Parque da Independência, como o Vozes do Ipiranga, intervenção artística permanen te, uma experiência cênica imersiva em áudio, tornando o público “personagem” da obra, numa visita a história oficial e dissidente. Estava prevista para a reabertura, também no Parque da Independência, um espetáculo apoteótico, Vozes da Independência. Ele revisita a história do Grito do Ipiranga, com narrativas diversas e multiculturais de outros gritos de Independência, questionando o que persiste e o que se transformou desde esse marco nacional. Um gran de elenco interpreta personagens de nossa história como Machado de Assis, Anita Garibaldi, Chico Mendes, Maria da Penha, Zumbi dos Palmares, Chaguinhas, Sepé Tiaraju en tre outras.
No Masp, a dica é a mostra coletiva Histórias brasileiras que fica em cartaz até 30 de outubro. A partir da cultura vi sual, envolvendo tanto a ficção como a não ficção, a exposi ção traz diversas e plurais narrativas sobre a história do Bra sil, dando relevo para as perspectivas sociais e políticas. Mas não recai numa visão totalizante ou canônica, expressando mais a polifonia e fragmentação desse país continental.
Ainda com a temática das exposições, sugiro a visita ao Museu das Culturas Indígenas, localizado ao lado do Par que da Água Branca, na Barra Funda. Lá, é possível travar um diálogo plural e intercultural, em que entramos em contato não apenas com a memória e a ancestralidade de diversos povos originários, mas também com as nossas próprias histórias de Brasil, instigando olhares decoloniais que envolvem os territórios das comunidades indígenas, espaços urbanos e periféricos, destacando a resistência como elemento central da arte. (Alex Hilsenbeck, professor de Cultura Brasileira)
Zeferina, obra de Dalton Paula em exposição no MaspRAZÕES ANTIPOLÍTICADA
Na política brasileira atual, expõe-se sem pudor e com requintes de crueldade o ódio à democracia. A expressão remete ao pensamento do filósofo Jacques Rancière, em livro homônimo (O ódio à democracia, trad. Mariana Echa lar, Boitempo Editorial, 2014), segundo o qual as reivindica ções radicalmente igualitárias – inerentes à consolidação dos valores democráticos e centrais a quem se mobiliza pela consolidação dos direitos sociais – são cada vez mais percebidas como uma ameaça aos interesses da elite. Até recentemente, as camadas poderosas viam na democracia um mero sistema procedimental de legitimação de seu governo; constituída, portanto, como um estado de direito oligárquico. A luta pela universalização cidadã é recebida pela elite, definida por Rancière como os grupos deten tores de títulos e credenciais (nascimento, riqueza, forma ção), como desordem e um risco à estabilidade social, a ser desreconhecida politicamente, uma ação de párias. Essa manifestação desenvergonhada do ódio de classes evolui para situações críticas e estratégias patológicas, como a de extermínio do outro.
O pensamento de Rancière é expandido na recente obra Lacan e a democracia: clínica e crítica em tempos som brios (Boitempo, 2022), do psicanalista Christian Dunker. O autor identifica mecanismos sociais que institucionalizam o ódio à democracia no Brasil. Há, por exemplo, a valoriza ção extrema do indivíduo espetacularizado, a quem se atri bui um sucesso excepcional, antagonizado à massa sem distinção, tornada medíocre pelos limiares uniformizantes dos direitos. Outro exemplo é o desenvolvimento de uma lógica cultural do condomínio: “A expansão do muro como estratégia de segregação da diferença social, a consequen te invisibilidade e redução do convívio social heterogêneo, associadas a um tipo cínico de autoridade moral, conhecido como síndico”. A reação antidemocrática – que faz pairar so bre o Brasil atual o risco da interrupção do Estado de Direito – é uma prática delegativa, de fetichizar o adversário como o responsável pela crise do pacto social. A política das elites é, assim, uma não-solução social às ansiedades do tempo
presente, a vingança como prática do mal-estar na relação com os outros.
A antipolítica consolida-se em nosso contexto com a aversão ao espaço público e à participação política ampla, diz Dunker. A democracia torna-se para o pensamento eli tista, em que privilégio e direito não se diferenciam, o prin cipal inimigo cultural. Nessa lógica, é inaceitável – do ponto de vista dos valores e da prática social – que o discurso e as relações de igualdade do sujeito democrático existam. O ódio à democracia, nas feições brasileiras, sustenta-se tecnologicamente apenas como um estado de frenesi per sistente, onipresente, de alucinação e atos de violência au tojustificados pela luta do bem contra o mal, acentuando o princípio básico da ascensão do neoliberalismo: a deso brigação do pensamento construtivo coletivo em prol do individualismo exacerbado. Por isso, Lacan e a democracia é finalmente o diagnóstico de nosso tempo – e uma refe rência inescapável para a análise de nossos dilemas atuais.
(João Alexandre Peschanski, professor de Ciência Políti ca e Laboratório Multimídia)
Lacan e a demo cracia: clínica e crítica em tempos sombrios.
De Dunker.ChristianSão
Paulo: Boitempo Editorial, 2022
AS VEIAS ABERTAS DO FUTEBOL
Em ano de Copa, todo mundo descobre que futebol existe. Boa oportunidade para descobrir, também, a exis tência de livros, não necessariamente sobre o assunto, mas que ao menos utilizem esse popularíssimo esporte como pano (nem sempre) de fundo. Uma dessas obras — talvez, até, a melhor de todas em todos os tempos — é Futebol ao Sol e à Sombra, do jornalista e escritor uruguaio Eduardo Galeano (1940-2015).
Nela, o autor de As Veias Abertas da América Latina, e de cerca de 40 outros livros traduzidos para os mais diversos idiomas, teve “a intenção de escrever algo que fosse digno dessa grande missa pagã, que é capaz de falar tantas lingua gens diferentes e pode desencadear tão universais paixões”.
E como conseguiu isso, o danado do Galeano! Tudo bem a seu estilo, misturando narração e ensaio, poesia e crônica. Desde a doce dedicatória em forma de epígrafe re tirada do que cantavam aqueles meninos que há anos cru zaram com ele em Calella da Costa, após jogar uma pelada (“Ganamos, perdimos, igual nos divertimos”). Até a carta do autor que fecha o livro, intitulada “O fim da partida”, escri ta em Montevidéu e datada do verão de 1995, em que ele, entre outras coisas, alerta para o fato de que “[...] O futebol profissional faz todo o possível para castrar essa energia e felicidade, mas ela sobrevive apesar de todos os pesares”.
No meio disso tudo, textos curtos, cada um ocupando não mais que cada uma das 241 páginas restantes, dão uma ideia de seu lirismo a partir de títulos tão inspirados quanto o conteúdo: A guerra dançada. Da mutilação à ple nitude. As fontes da desgraça. Talismãs e esconjuros. O bei jo perfeito que quer ser único. O homem que transformou o ferro em vento. Uma terapia de vínculo. As lágrimas não vêm do lenço. Os cânticos do desprezo.
O que frases tão bem elaboradas, que por si poderiam inspirar obras à parte, têm a ver com futebol? Só mesmo dando uma chance ao tema, e lendo, para saber. Mas já dei xo aqui um spoiler: para além desse esporte e sua principal competição em nível internacional, o livro de Galeano fala da vida e do tempo em que vivemos. Ao sol, à sombra e à flor da pele.
P.S.: Ah, sim, existe um outro livro de Eduardo Galeano sobre futebol e as Copas que é tão bom quanto este, até porque se trata de uma espécie de continuação publicada postumamente. Chama-se Fechado por Motivo de Fute bol, título inspirado no cartaz que ele pendurava na porta de sua casa para não ser incomodado, desde o começo e durante todo o tempo em que cada Copa do Mundo era disputada. Mas sobre esse outro livro eu deixo para falar da qui a quatro anos. Antes do próximo Mundial e quando o futebol for febre novamente. (Celso Unzelte, professor de Laboratório de Jornalismo)
Futebol ao Sol e à Sombra. De Eduardo Galeano. Porto Alegre: L&PM Editora, 2014.
AS SÉRIES FAN-TASTIC!
Quem é fã de fantasia não pode deixar de assistir às sé ries House of the Dragon, que estreou na HBO e Os Anéis do Poder, da Prime Video. Ambas fazem parte de grandes universos fantásticos já bem conhecidos por quem aprecia o gênero e prometem ser produções de tirar o fôlego.
Baseada nas obras Fogo & Sangue e O Mundo de Gelo & Fogo, de George R. R. Martim, a série House of the Dra gon (ou Casa do Dragão – tradução livre) estreou em agos to nos canais HBO. Ela mantém o já consagrado modelo da franquia prometendo muita intriga, jogos políticos, sangue, guerra e, claro, dragões!
A história, um spin-off de Game of Thrones, se passa 300 anos antes e contará a saga da família Targaryen na sucessão do Trono de Ferro até a saída de Westeros. Quem gosta de dragões poderá curtir 9 dos 17 dragões explorados na trama, já na primeira temporada.
Aos aficionados por leitura – como eu – que queiram apreciar todos os detalhes do universo criado por George R. R. Martim, sugiro iniciar pela saga Crônicas de Gelo e Fogo A obra é composta por seis livros (o último ainda em finali zação) que trazem a história detalhada de todos os aconte cimentos da guerra dos tronos que envolve a sucessão do trono em Westeros por nove grandes casas: Stark, Lannister, Baratheon, Targaryen, Tyrell, Martell, Arryn, Tully e Bolton. Depois pode-se partir para as outras obras que compõem o universo, como Contos de Dunk e Egg, publicados no Brasil
com o título O Cavaleiro dos Sete Reinos.
Na mesma linha das adaptações de sagas da literatu ra fantástica, a Prime Video estreou, em 2 de setembro, Os Anéis do Poder. A série compõe o grupo de grandes pro duções e adaptações cinematográficas da obra de J. R. R. Tolkien e promete ser uma narrativa épica da Segunda Era da Terra Média. Procurando manter a fidelidade e o compro metimento com a obra de Tolkien, a Amazon Prime contra tou como consultor o escritor, e neto do autor, Simon Tolkien.
Para se aprofundar no legado fantástico de Tolkien, vale começar a leitura por sua obra mais famosa: O Senhor dos Anéis, composta por A Sociedade do Anel, As Duas Torres e O Retorno do Rei. A obra mais completa de todas vai lhe co locar dentro do universo da Terra Média com seus diferentes habitantes, lugares, biomas, crenças e culturas. Na sequên cia, leia O Hobbit que, apesar de a aventura de Bilbo Bolseiro se passar anteriormente, ganha muito mais sentido quando lida depois, pois permite apreciar detalhes que passariam despercebidos. Para finalizar, siga com Silmarillion, que é a gênese da Terra Média, além de outros contos publicados que compõem a obra.
O melhor de tudo é, depois de mergulhar nesses uni versos fantásticos criados por Martin e Tolkien, poder ver na telinha seus personagens favoritos e as paisagens deslum brantes que ilustram as histórias. (Maria Lourdes Balbinot, professora de Marketing)
House of the Dragon
CÁSPER SOCIAL
Entre discussões acaloradas e de bates institucionalizados, a comuni cação é um dos pilares para mudan ças dentro de uma sociedade. Mas e quando esses problemas já começam a fazer parte do cotidiano e, aos pou cos, são normalizados? É possível en contrar soluções criativas por meio da comunicação para problemas reais, ainda que eles já tenham sido natu ralizados pela sociedade? Esse é o de safio proposto por três alunas de Rela ções Públicas da Cásper.
“Partiu de uma vontade particular de me envolver em algum projeto social e contribuir para a minimização de pro
blemas que a gente convive e às vezes nem nos damos conta”, afirma a aluna do 2º ano de RP Antonia Oliveira, uma das idealizadoras do projeto. A ideia de Antonia foi compartilhada com as co legas Helena Mello e Giovanna Garcia, que vislumbraram algo inovador. “So mamos forças e fomos nos desenvol vendo com apoio da Faculdade e das experiências externas que vivenciamos nessa fase de formação.”
Essa é a certidão de nascimento da aceleradora Cásper Social, um projeto abri gado pelo Laboratório de Opinião Pública da Faculdade Cásper Líbero, coordenado pela professora Renata Albuquerque.
Aceleradora Cásper Social nasceu da ideia de três alunas de RPOliveiraAntonia SocialdalançamentonoCásper
A Cásper Social pretende reunir colaborações de diferentes frentes da comunicação para buscar novas so luções de problemas que envolvem a Avenida Paulista e seus arredores. A ideia é que essas soluções sejam colo cadas em prática de dois a quatro me ses após a proposta ser encaminhada para o projeto. Os temas que serão tra tados a partir de agosto são as eleições e a apropriação cultural.
Por meio de workshops de capacita ção exclusivos e possibilidade de amplia ção da rede de contatos (networking), o projeto pretende atingir um grande nú mero de adesões. Nessa primeira etapa,
o número de interessados chegou a 100 alunos, de acordo com a idealizado ra. Antonia também compartilha que a iniciativa foi sempre bem recebida pe los órgãos do curso: “Desde o primeiro momento, nossa ideia foi abrigada pelo Laboratório de Relações Públicas e Opi nião Pública e o nosso contato foi mui to importante para amadurecer a ideia sobre a entidade. A Renata, supervisora, foi uma pessoa essencial para a elabo ração da Cásper Social e nós criamos um ótimo relacionamento. Além disso, vários professores dos cursos se interes saram pela ideia e ofereceram ajudas específicas”. (Nathalia Jesus)
MINGORANCINICOLEFOTOS:O “COMUNICÓLOGO” BYUNG-CHUL HAN
A obra do filósofo sul-coreano Byung-Chul Han ater rissou no primeiro evento da série “Diálogos Emergentes na Comunicação”, promovido pelo Mestrado da Cásper Lí bero. Pesquisadores da Faculdade e de outras instituições de ensino se reuniram remotamente para discutir como as reflexões do filósofo têm conseguido romper a barreira do campo intelectual e ganham repercussão em diferentes camadas da sociedade.
“Pessoas comuns estão acessando essas obras e elas tratam de temas absolutamente importantes para a co municação”, constata Michelle Prazeres, uma das organi zadoras do evento e professora do Mestrado. Na mesa da qual fez parte, a pesquisadora relacionou obras Sociedade do Cansaço, Sociedade da Transparência, A Agonia de Eros e Favor Fechar os Olhos com um de seus principais temas de pesquisa, a aceleração social do tempo.
O evento foi realizado no YouTube da Cásper. No pri meiro dia do evento em 21 de junho, a mesa teve como palestrantes os professores casperianos Carolina Terra, Michelle Prazeres e Carlos Eduardo. Na segunda noite, Carlos Eduardo voltou a estar presente ao lado de Eliza beth Saad Corrêa, Daniela Osvald, as uas da USP, e Liráu
cio Girardi Junior, também professor da Faculdade.
A aproximação de autores e pensadores de forma, di gamos, não-tradicional não é de hoje. Prazeres citou, por exemplo, Paulo Freire como um caso semelhante. O pa trono da educação brasileira é colocado na “prateleira” da pedagogia, mesmo sendo muito relevante para o campo comunicacional. Ao fim, uma suposta hesitação do público com o nome do sul-coreano resultou em receptividade.
O pós-evento também vale ser destacado. Com a ex planação de ideias e relações estabelecidas a partir de Byung-Chul Han, os palestrantes foram convidados a es crever artigos sobre a contribuição do autor para a comu nicação. A discussão aflorou ao ponto de ser aberta uma chamada para receber outros textos de pesquisadores, sem se restringir aos convidados do evento. Prazeres conta que até o final do ano todos os trabalhos serão reunidos no e-book “Byung-Chul Han e a Hipercomunicação”.
Byung-Chul Han foi o primeiro autor escolhido para os “Diálogos Emergentes na Comunicação”. O futuro do even to anseia por mais autores e autoras no cenário contempo râneo, afinal, como afirma Prazeres, “estamos olhando para frente e não vivendo só de clássicos.” (Thiago Baba)
O filósofo Byung-Chul Han rompeu a barreira do campo intelectual DIVULGAÇÃOMINHA 1ª REPORTAGEM
A primeira reportagem a gen te nunca esquece. Ainda mais se ela for publicada antes mesmo de se ingressar numa faculdade. Essa oportunidade é oferecida no curso Redação Aberta, uma atividade de imersão de duas semanas oferecida pela Cásper Líbero desde 2021 a alu nos do ensino médio.
“Foi um curso que me ajudou muito e me mostrou o caminho pro fissional que queria seguir”, resume o agora casperiano Diogo Coelho Bra ga. Em setembro de 2021, já naquele período tenso de conclusão do ensino médio e vestibulares, Diogo pensou que nem iria concluir o Redação Aber ta. Eram muitos desafios para publicar sua primeira história jornalística. “Mas, quando terminei, foi uma alegria tre menda, até por ter conseguido entre
vistar uma atleta olímpica. Foi muito marcante”, diz ele.
Como Diogo, outros 24 partici pantes do Redação Aberta se torna ram alunos da Cásper. Mas o curso é livre para qualquer um que queira experimentar a vivência de uma re dação jornalística, segundo o núme ro de vagas disponíveis. Nas três tur mas já realizadas, participaram cerca de 150 jovens de escolas públicas e privadas e 72 reportagens foram pu blicadas no site de Esquinas, a maior publicação laboratorial dos cursos de Jornalismo do Brasil.
“O Redação Aberta é uma opor tunidade de apresentar à sociedade uma prática de extensão do que fa zemos e como é o DNA do jornalismo ensinado na Cásper Líbero”, afirma a coordenadora do curso, Helena Jacob.
EM UM ESTÚDIO 4K DE ÚLTIMA GERAÇÃO
Uma das novidades da Cásper Líbero, em 2022, foi a entrega do es túdio 4K. Com os equipamentos de alta tecnologia, os alunos podem de senvolver projetos e trabalhos como se estivessem, de fato, em um estú dio de TV. Essa experiência única está sendo ofertada também a secun daristas indecisos sobre a opção do curso de Rádio, TV e Internet (RTVI), oferecido pela Faculdade.
Em agosto, alunos do ensino mé dio puderam se inscrever para dois workshops, com aulas expositivas e práticas presenciais na Avenida Pau
lista 900. O primeiro simulava como funciona um estúdio de televisão profissional. Já o segundo foi voltado para a criação de storyboards e pho toboards, etapas necessárias para a produção de um conteúdo audiovi sual de qualidade.
De acordo com Marco Vale, co ordenador do curso de RTVI, essas oficinas oferecem uma breve experi ência de como é a sensação de tra balhar na TV. “E também o trabalho de pré-visualização de concepção de uma narrativa audiovisual feita com o auxílio de fotografias”, completa.
Os alunos-monitores do Núcleo Editorial são responsáveis por orien tar os alunos, sempre acompanha dos de professores que dão aulas introdutórias. Nas duas semanas, o estudante vai adquirir uma visão pa norâmica sobre as etapas da produ ção de uma reportagem.
Chico Stefanelli, também calou ro neste ano, decidiu dar uma gui nada em sua carreira, antes voltada para o setor bancário. “Mais madu ro, calejado e menos deslumbrado”, como costuma dizer, aproveitou para já fazer a transição sonhada para a área de comunicação. “A minha experiência e a reportagem produzida no Redação Aberta fo ram cruciais para obter um estágio em jornalismo com apenas 3 meses cursados na graduação”, afirma.
Liberdade, liberdade!
:: COMPARTILHAMENTO :: No século 21, a comunicação se tornou vital para a defesa da democracia
MUSEU DO IPIRANGA
Devido à ação do tempo, o quadro Indepen dência ou Morte (1888) começou a apresentar sinais de desgaste. Quer saber como foi res taurada a obra de Pedro Américo? O Ciclo 22, da USP, conta tudo.
HORÁRIO ELEITORAL
Interessado em saber mais sobre as pesquisas realizadas por Felipe Borba e Michele Massuchin sobre o horário elei toral e a formação da opinião pública nas eleições de 2018? Vai no SciELO.
DESINFORMAÇÃO
Peças de desinformação, como notícias falsas e deepfakes, têm feito vítimas por toda internet. Para compreender a maneira como as pessoas são levadas ao engano por essa realidade men tirosa, a Nature e a ScienceDirect explicam.
FUTEBOL
Quer levar adiante a boleiragem e chegar afiado para a “resenha” depois do “futebas”? Duas dicas: a série Entre Copas e Copas, produ zida por ex-casperianos, no portal Última Divisão; e o site de estatísti cas futebolísticas SofaScore.