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SEM MEDO DE viver
A caminho dos 90 anos, Mario Gargiulo evoca memórias de tempos bons, mas tem os pés fincados no presente. Sente-se realizado, mas segue trabalhando para se manter ativo, aposta nos bons relacionamentos como base de uma vida saudável e ensina que nunca é tarde demais para sonhar.
CHEGO À MARIO´S MOTOR no Parque São George e pergunto pelo proprietário, senhor Mário Gargiulo. Um dos funcionários me aponta para o fundo da oficina cheia de carros, superorganizada. Continuo caminhando e me deparo com um senhor lépido e faceiro, que parece estar no final dos 60 anos, alto (vou saber depois que tem 1m80), cabelos grisalhos e olhos claros. Ele me convida para sentar na cadeira à frente de sua mesa.
Pergunto sobre sua ascendência. Seu Mário engata uma conversa animada, dizendo que seus pais vieram de Tramutola, na Itália. Sua memória se vitaliza como um motor bem aquecido. Nascido em 20 de maio de 1934, os pais vieram da mesma cidade pequena ao sul de Nápoles, mas se conheceram aqui, no reduto italiano da Bela Vista.
Com um curso técnico na bagagem em 1957, Mário vai para os Estados Unidos. Era a “época dos cartões perfurados” e ele trabalha como programador de sistemas da Organização dos Estados Americanos (OEA). Depois, iria trabalhar na IBM de lá.
“Foram momentos bons da vida. Naquele tempo imigrante nos Estados Unidos com a idade de 22 anos, tinha de cumprir a lei, me apresentar e eu preferi fazer o exército. Tava na época da Guerra Fria e me mandaram para o exterior”.
Foi nos Estados Unidos que conheceu a primeira esposa, a americana Kathleen, que também trabalhava na OEA. Já estava realizado trabalhando, com três filhos, tinha casa, automóvel e barco – “coisas comuns por lá”. “Mas minha senhora quis voltar para o Brasil. Ela dizia que sentia falta da feira”.
Retorna ao país no final dos anos 1970. Foi o terceiro morador do Recanto Inpla, “quando a Granja era Granja”. “Fui um dos pioneiros e conheço como a palma da minha mão. Cheguei aqui e não tinha ninguém, era uma beleza. [A Granja] me trouxe grandes amigos. Meus filhos se criaram aqui. Era um lugar diferente de São Paulo”.
Havia descoberto que gostava muito de mecânica nos Estados Unidos e, na volta, resolve montar uma oficina no Itaim com o irmão. Diz que trouxe a oficina completa dos EUA, com equipamentos que não tinham aqui no Brasil. Nela trabalharam por 12 anos até os locadores pedirem o prédio. Como o irmão-sócio não queria comprar o local, “abri em 1992 a Mario´s Motor aqui do lado” - diz, apontando com o braço direito em direção ao pronto atendimento do Parque São George. “Depois só mudei de porta”, diz, apontando para o local atual. Já se vão 31 anos.
Conforme o papo avança, vou ficando cada vez mais curiosa com a história de Mário. E pergunto: e se ele tivesse ficado nos EUA? Bem pragmático, como se já tivesse ponderado muito a questão, responde: “Eu teria tido uma vida diferente. A aposentadoria é melhor nos EUA, porque onde eu trabalhava tinha um sistema de pecúlio que tirava 7% de seu ordenado e colocava 14% que ia para o fundo, rendia um jurinhos que lá são muito baixos, 1-2% por ano. Mas dava para ir vivendo bem na Flórida ou outro lugar quente, como os aposentados de lá fazem”. Mas não se arrepende de ter regressado.
Apesar de falar dos bons anos de sua vida, uma pergunta me atravessa e a faço: ele se arrepende de não ter feito algo? “Eu acredito que não, que eu fiz tudo que gostaria de ter feito.
Seu certificado do curso realizado nos EUA, em 1959
O capacete da foto acima
Com 17 anos
Seu Mario, na oficina do Itaim
A família cresceu, cada um foi para seu lado. Após o falecimento de minha senhora, estou com uma mulher muito boa, que vale ouro, a Lia. Estamos há mais de 10 anos juntos. É uma vida muito boa”. Fico curiosa de saber mais sobre o segredo de sua evidente saúde. “Acho que o segredo é não beber, não fumar e não se meter na vida dos outros. Podendo, fazer o bem”. É, penso, talvez não seja uma recomendação tão difícil de seguir.
Aí ele para e continua respondendo: “outra coisa importante: meus amigos são todos mais jovens do que eu. Eles têm 40, 50 anos de idade. Tomo café com eles todos os dias, a gente bate o maior papo. Tempos atrás eu corria de automóvel e motocicleta, fiz muita subida de montanha e gosto de carro antigo. Então, tenho um bom grupo de conhecidos. Nunca fui colecionador, mas cheguei a ter quatro carros. Ah, os clientes viram amigos também”. Penso no famoso estudo de longevidade da Harvard Medical School, que acompanha homens há 85 anos – começou quatro depois do nascimento de Mário. A descoberta mais consistente da pesquisa é que são os relacionamentos positivos que nos mantêm mais felizes, saudáveis e nos ajudam a viver mais. Não a carreira, o dinheiro, exercícios ou uma dieta saudável [Aliás, vale a pena ver a palestra adorável do coordenador atual do estudo, Robert Waldinger, no Ted.com] Menciono o aumento de gente centenária no mundo e pergunto se ele gostaria de chegar aos 100. “Não sei” e reflete: “enquanto estou podendo me mexer, tudo bem. Chegou a hora, me leva. Triste uma pessoa não poder fazer o que gosta”. Falar sobre a finitude evoca reflexões. “Não tenho medo de morrer”, prossegue. “Sou muito realista, acho que quando chegar a hora a gente vai e pronto. Na verdade, eu acho que vivi bastante e bem. Se eu for agora, para mim tudo bem. É ruim para os outros que a gente deixa”.
Por Monica Martinez, jornalista, psicanalista junguiana e escritora.
CANAL CIRCUITO
Leia o bate-papo completo em revistacircuito.com/a-caminhodos-90-anos-granjeiro-mario-gargiuloevoca-memorias-de-tempos-bons/