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# 202
LEONILSON Catálogo reúne em três volumes a obra do artista
POLAROID A revolução da fotografia instantânea
ano XVII • #202 • out/2017 • r$ 13,00
9 77180 8 75500
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Anim... AÇÃO! O cinema de animação faz 100 anos no Brasil, repleto de criatividade e desafios
Um futuro melhor começa pela educação. Em Pernambuco, ele já começou. Educação de qualidade é prioridade em Pernambuco. E os investimentos realizados no ensino público estadual trazem novas conquistas a cada ano. O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica de Pernambuco – IDEPE 2016 apresentou média de 4,1, superando os 3,9 da edição anterior. A avaliação utiliza os mesmos critérios do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB, onde a média nacional é de 3,5. Pelo quarto ano consecutivo, temos a menor taxa de abandono escolar do Ensino Médio no Brasil*. E duas escolas da rede pública garantiram vaga na etapa nacional da Olimpíada Brasileira de Robótica: a EREM Porto Digital e a EREM José de Alencar, tricampeã da etapa estadual. Essas e outras conquistas são frutos de um trabalho constante. Dia após dia, estamos construindo um futuro melhor para os nossos estudantes e para o nosso estado. * Fonte : IN EP/MEC .
CO N T I N E N T E A B R I L 2 0 1 0 | 1
Nesta Edição Cinema de animação, 100 anos O ano zero foi 1917, com um filminho chamado O Kaiser, sobre os conflitos em curso na Europa. Dele, só restou um – um mesmo! – quadro, que é uma espécie de relíquia. Na verdade, tratava-se de uma charge animada. Ali, naquele pequeno gesto, cravava-se o início da história do cinema de animação no Brasil, que, de acordo com quem sabe, “nasceu bem-humorado, ágil e como instrumento de contestação. Herdeiro direto da sátira política”. De onde deduzimos a paternidade: a animação brasileira é filha da charge, do cartum, da caricatura – numa só expressão, do humor gráfico! Para contar essa história, convidamos o designer Marcos Buccini, que é professor do Núcleo de Design e Comunicação da UFPE e também produtor e diretor de animações. Então, leitor, você tem em mãos, nesta edição, uma detalhada trajetória deste segmento cultural que batalha pra existir e mantém uma fiel audiência (ainda que esteja longe, quantitativamente, de comparar-se aos arrasa- quarteirões das grandes produtoras norteamericanas). Mas bem que nós temos nossos heróis… Outro assunto de caráter histórico que nos mobiliza nesta edição é a criação da Polaroid, há sete décadas. Aquela câmera que expulsava por uma pequena abertura uma imagem já ampliada foi a precursora de uma cultura de instantaneidade tão propagada em nossos dias. Num ensaio saboroso, o professor universitário e pesquisador José Afonso Jr. nos conta como “Em um mundo de crescente aceleração da experiência do tempo atravessando nossas dinâmicas do dia a dia, pensar o surgimento da Polaroid é quase um triunfalismo tecnológico para compreender a fotografia atual. Digital, móvel, em redes, compartilhada e, obviamente, instantânea”. E, para os amantes da obra de Leonilson, uma notícia luxuosa: acaba de sair uma publicação que compila toda sua obra (são 3.400 registros, catalogados pelo Projeto Leonilson até o momento), incluindo esboços, ilustrações para jornais, publicações do início da carreira e fortuna crítica. O catálogo, como explica o curador Carlos Bitú Cassudé, em texto que produziu para a revista, é dividido em três volumes, organizados em ordem cronológica. Uma obra que exigiu 22 anos de pesquisa. Nossa capa: Ilustração de Rodrigo Gafa
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4 Entrevista Alexandre Dal Farra
Autor da trilogia Abnegação, dramaturgo comenta seu modo político de criar textos teatrais
10 Curtas Filmagens
Marcelo Lordello roda o longa-metragem Paterno no Recife, filme que discute as crises da meia-idade
16 Portfólio Marina Rheingantz
Pinturas da artista paulista se estruturam na ambivalência entre o figurativo e a abstração
24 Reportagem Animação brasileira
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Há 100 anos, charge animada O Kaiser inaugurava a história do cinema de animação no país
44 Ensaio Polaroid
A criação da fotografia instantânea, em 1947, cria elo entre o registro analógico e o digital
52 Perfil Tulio Feliciano
Pernambucano, que fez carreira no Rio, tornou-se o produtor musical dos maiores sambistas nacionais
58 Resenha Leonilson
Catálogo, que levou duas décadas para ser realizado, reúne toda a obra do artista cearense
65 Lançamento Aluízio Falcão
Jornalista apresenta crônicas sob temas variados em Contos da era das canções e outros escritos
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73 Crônica Alerta de spoiler Victor Heringer
76 Artigo Rolling Stone
Há 50 anos, surgia a revista que se tornaria a voz da contracultura norte-americana
84 Indicações Sugestões de leituras, espetáculos teatrais, exposições e séries de TV disponíveis para fruição este mês
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Online + Cartas + Expediente
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Entrevista ALEXANDRE DAL FARRA
“A CENA SERVE COMO UM LUGAR DE EXPIAÇÃO” O escritor, diretor e dramaturgo conta um pouco da sua trajetória, fala do seu modo de encarar o teatro e de como o palco é o lugar ideal para expor tudo aquilo que escondemos TEXTO ERIKA MUNIZ
Quando entrou para a faculdade de Música, em 2002, por achar que aquele caminho “pulsava mais”, Alexandre Dal Farra não imaginava que se tornaria dramaturgo. O mergulho naquele universo lhe rendeu o convite para fazer direção musical do grupo teatral Tablado de Arruar. Por conta de um exercício de trocas de funções na equipe, acabou escrevendo sua primeira cena. Pela reação do público, já pensou: “Isso é muito mais legal do que as músicas que eu estava fazendo”. E, assim, enveredou pela dramaturgia desde o início de 2005. Atua como dramaturgo, escritor e diretor teatral. Atualmente, mantém projetos também fora do Tablado, desenvolvendo uma linguagem teatral de abordagem bastante peculiar. É autor dos espetáculos O filho (2015), para o Teatro da Vertigem, indicado ao APCA de melhor texto; da trilogia Abnegação (2014–2016), em que constrói uma narrativa ficcional a partir de
vários pontos de vista sobre o lugar da esquerda brasileira na atualidade, dando ênfase à trajetória do Partido dos Trabalhadores; Mateus, 10 (2012), que lhe rendeu o 25º Prêmio Shell de melhor autor; Conversas com meu pai, do Grupo XIX, a partir do material autobiográfico da atriz – e esposa – Janaína Leite; Teorema XXI (2016), também com o Grupo XIX, baseado na obra de Pasolini; e do polêmico Branco: o cheiro do lírio e do formol (2017), cuja estreia este ano na MITsp colecionou críticas. Nele, Dal Farra traz uma perspectiva sobre o lugar do branco em uma sociedade racista. Sempre em torno de temas delicados e suscetíveis a controvérsias, como religião, política e racismo, sua proposta dramatúrgica seria a de apresentar um teatro de provocação, como ele mesmo afirma. A experiência de assistir a um espetáculo do paulistano sugere fazermos crítica a nós mesmos, refletirmos sobre nossas ações
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e atentarmos para que somos organismos vivos nesta sociedade e, por isso, capazes de modificá-la. Isso, porque o teatro de Dal Farra gera certo incômodo. Reconhecerse pode causar estranhamento. Numa noite de agosto, no Teatro Arraial, depois de ensaio para espetáculo feito em parceria com o diretor pernambucano Pedro Vilela, Dal Farra conversou com a Continente. O título, então provisório, era Fogo no altar, e resultava de pesquisas feitas pela dupla sobre a questão da fé na igreja neopentecostal. Mais uma vez, o dramaturgo pretendia tensionar a sociedade, desta vez, com enfoque na religião. A estreia do espetáculo ocorre este mês, no Teatro Capiba. CONTINENTE Depois de ver e ler a trilogia Abnegação, surge a curiosidade de como alguém consegue dormir escrevendo aquelas cenas?
FLORA NEGRI
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Entrevista JENNIFER GLASS
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Na trilogia Abnegação (2014–2016), ele constrói uma narrativa ficcional sobre o lugar da esquerda brasileira hoje
ALEXANDRE DAL FARRA Ah… A primeira resposta que me ocorre, mas talvez seja um pouquinho forçada, é de que justamente por isso, por escrever. Porque também a escrita tem um lugar de colocar em cena uma coisa que identifico em mim, no mundo, que vejo no mundo e me incomoda. Uma sensação de injustiça absurda. E a cena, no caso de Abnegação II, por exemplo, serve muito mais como um lugar de expurgo, de expiação disso, do que de um lugar de tentativa de solução desses tipos de questões. O foco da função da cena é muito mais de um lugar que permite que essas coisas saiam do que uma tentativa de resolvê-las. Eu me lembro de Os mestres loucos (1955), um filme do Jean Rouch, documentarista francês, que filma um tipo de candomblé, um ritual que eles fazem no fim de semana na Nigéria, eu acho. Ele encontra esse lugar em que são recebidos santos, mas estes que eles recebem são todos os coronéis, os comandantes. Ficam recebendo aqueles
caras e depois começam a andar como se eles fossem comandantes europeus. Os seus algozes. Eles meio que usam aquele espaço para expurgar essas coisas que vivem no dia a dia. E todo sábado vão lá, é superforte, comem uns cachorros vivos, matam e, ao mesmo tempo, ficam andando como se fossem os caras que os oprimem o tempo todo. A relação não é a mesma, mas, para mim, tem muito o palco como um lugar que quer expiar. Não quer colocar coisas no mundo, quer tirar coisas do mundo. Sinto que, no Brasil, a gente tem uma tendência já histórica, gigantesca, de um teatro de pregação que vem desde Anchieta. Um teatro construtivo, um teatro que quer ensinar. Então, as pessoas sempre veem o que você faz como se estivesse querendo colocar aquilo no mundo. Como se aquilo fosse uma coisa que você defende. E daí vem um pouco essa sensação de “esse cara é mau”, “ele quer que isso aconteça” e, na verdade, é o contrário. Eu quero justamente que isso não aconteça. O palco é justamente o lugar onde isso pode acontecer, para que não aconteça no mundo.
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CONTINENTE Seria como mostrar para o espectador o que pode acontecer ou o que acontece? ALEXANDRE DAL FARRA Não! Ele já sabe que isso acontece, já sabe que isso pode acontecer e já sabe que isso não deve acontecer. Todo mundo já sabe. Agora, todo mundo tem em si o germe desse mal, de alguma maneira isso nos estrutura. Meu ponto de partida é: viver em uma sociedade escravista, ditatorial, altamente desigual, totalmente opressora; você não sai ileso disso, não sai tranquilo, você não é um santinho. Alguma coisa em você também é isso de alguma forma. Ou você foi brutalmente oprimido, ou oprimiu-se brutalmente, ou os dois. Possivelmente os dois, na maioria dos casos. Livrar-se disso não é tão fácil, nem a gente quer pensar: “Eu sou legal, não tenho nada a ver com isso”. Não, tem algum lado seu que você está reprimindo, que está escondendo porque está em contato com isso. Então, desse tipo de teatro que quer se limpar disso tudo, eu não gosto. O que me interessa é o teatro que quer justamente colocar isso em cena, porque a cena tem que ser o lugar onde as coisas que
Meu ponto de partida é: viver em uma sociedade ditatorial, escravista, desigual, opressora; você não sai ileso disso, não sai tranquilo, você não é um santinho a gente esconde, não quer ver e que a gente tira do nosso caminho, elas possam estar aqui. Acredito que tudo que você reprime, tudo o que você tira da sua frente, continua lá. E vai voltar de alguma maneira. CONTINENTE Seu pai trabalhava com música e teatro. Seria por isso a escolha da linguagem teatral para expurgar essas questões? ALEXANDRE DAL FARRA O teatro… Mais ou menos acabei caindo no teatro. Ia dizer que o teatro me escolheu, mas achei que ia ficar brega (risos). E não tanto por causa do meu pai (o músico e professor do departamento de Artes Cênicas da USP Zebba Dal Farra), porque ele me levou muito pra música, fiz muita coisa de música com ele, toquei com ele. Fui sendo um pouco criado nesse lugar, sabe? Mas comecei a embarcar mais na música e fui vendo que eu era meio ruim, não era muito bom. Eu tocava até bem, tinha jeito, ritmo e tal, mas nunca tive a verdadeira vocação para ser instrumentista, porque você tem que estudar oito horas por dia, um exercício igual, todo dia. Eu não aguentava nem uma hora, era
insuportável. Instrumentista já não ia ser, tentei virar compositor, que foi a faculdade que fiz, mas tudo que fazia era meio merda. Demorou para eu conseguir aceitar isso. Sinto que tinha uma certa dificuldade com a música, uma coisa meio rígida, estranha. Talvez por conta da relação com meu pai, era mais difícil, saca? A sombra dele estava muito mais para mim na música. Acabou que caí no Tablado de Arruar, que me chamou em 2000. Estava saindo do colégio e as atrizes falaram: “A gente vai criar um grupo de teatro de rua e queria que você fizesse a direção musical”. Aí entrei nesse lugar. Mas, na verdade, antes disso eu já estava interessado em teatro. Fiz um ano de curso como ator, no segundo colegial, uma peça que era conclusão do curso: Sete gatinhos. Nela, eu era o Seu Noronha. Até fiz umas aulas com a Myrian Muniz, parceira do meu pai. Mas acabei não dando muito certo lá, porque na aula dela você chegava e ela: “Fala um palavrão”. Aí você começava a falar uns palavrões e ela achava aquilo incrível. Lá, no Tablado eu entrei mesmo no teatro. Nunca tinha
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escrito nada, nem poema. Em 2005, a gente fez um esquema colaborativo em que as pessoas iam mudar de funções e o cara que ia assumir a dramaturgia teve um problema e o pessoal virou pra mim e “Meu, a gente acha que você deve escrever bem, você usa óculos”. “Tá, mas tem que dobrar meu cachê”, foi a primeira coisa que eu falei pra eles (risos). Entrei, e a primeira cena que escrevi mostrei para minha namorada na época. Ela leu e começou a chorar. Era um negócio com filho, não sei quê e ela tinha acabado de ter o meu primeiro filho. Depois, levei ao grupo e a Alexandra (Tavares, atriz do Tablado de Arruar) se montou lá com figurino e já fez a cena na Praça do Patriarca. A galera adorou e eu falei: “Isso é muito mais legal do que essas porras de música que eu tava fazendo”. E foi assim que eu virei dramaturgo. CONTINENTE Na sua última visita ao Recife no Trema!, algumas pessoas da plateia da trilogia Abnegação, principalmente no segundo espetáculo, saíram reclamando. Você tem medo das críticas do público? ALEXANDRE DAL FARRA Não, acho que sou bem tranquilo com a crítica. Sempre me interessei por saber as críticas negativas, tentar entender em que medida elas fazem sentido. Escutar e ver: “Isso que o cara está falando, eu não concordo, mas tem uma parte que tem razão”. Demorou um tempo para eu conseguir ir moldando, entendendo. Hoje em dia, depois do Branco, tudo ficou tranquilo. Qualquer coisa que me aconteça é incomparável com o que aconteceu em relação ao Branco. Cheguei a um patamar de mais olhares discordantes em relação ao meu trabalho, uma postura violenta. Lá em São Paulo, o Abnegação II já tinha gerado um pouco disso para algumas pessoas muito conectadas ao PT. Um pouco porque é como as pessoas leem a peça, é o jeito de elas lerem, eu discordo. Mas são pessoas que sempre acham que quando você nega algo, você está pondo alguma outra coisa no lugar. Esse é um dos grandes xis da questão, algumas leituras que não são a leitura que eu faço, das minhas peças em geral e, principalmente, o Abnegação II e o Branco. É uma leitura que vê como se aquilo fosse uma afirmação, como se eu tivesse de alguma maneira defendendo
Entrevista
algo. Como se sempre que você vai contra alguma coisa, tivesse outro intuito, uma estratégia. Tudo é lido com a força da destruição de negação, é lido como se tivesse alguma outra coisa que você está pondo no lugar disso, sabe? Se você está criticando um aspecto do PT, é porque você está defendendo o outro lado. E, no meu caso, não é uma defesa do outro lado, é só uma crítica realmente contundente de um aspecto que eu acho muito complicado. E daí sempre teve na história do PT uma dificuldade muito grande de lidar com as críticas dentro do próprio partido, né? Eu era do PCB, no PCB tinha muito essa ideia leninista, que se chama centralismo democrático. E é o quê? Dentro do partido, você fala o que você quiser: critica, briga, faz o caralho. Fora do partido, tem uma unidade de ação, uma estratégia. Depois da briga toda, você tira qual a postura, qual o discurso que tem que ter pra não deixar vazar nada das tretas internas. No PT, não se instaurou o centralismo democrático porque se tinha uma crítica muito grande ao PCB, criticava-se o centralismo democrático como uma coisa autoritária. Então, esse papo de “ai, gente, vocês estão fazendo essa peça no momento errado. Não é o momento de fazer crítica. Vocês vão dar munição pra direita”. Mas todos os momentos da história não foram momentos de fazer críticas. Não existe isso, você tem que ser capaz de fazer a crítica. CONTINENTE Abnegação atravessa dois momentos distintos da história recente do país. Antes do impeachment de Dilma, a recepção era uma, depois, você acha que é diferente? ALEXANDRE DAL FARRA Curiosamente, acho que não mudou tanto. As críticas que se fizeram foram parecidas. O Abnegação II foi a peça mais vista, com que o público mais se envolveu. Foi o Antunes Filho (dramaturgo e um dos principais nomes do teatro no país), todo mundo foi ver. Mas não saiu nenhuma crítica, porque ela tinha uma delicadeza absurda de se colocar perante a peça. Se você falava a favor, era uma coisa. Se você falava contra, era censor. Então ninguém falou nada. E a peça não apareceu pra ninguém nesse sentido, mas ela foi a mais vista. Na época, já tinha uma galera que falava:
O que me interessa é um teatro que olha para nossas estruturas difíceis de romper, que não se nega a olhar para essas coisas que fazem a gente ser quem a gente é “Não é a hora. Vocês vão fazer isso agora que o PT está nesse momento delicado?” E eu: “Nunca foi a hora, nem nunca vai ser”. CONTINENTE Como você vê o teatro contemporâneo? ALEXANDRE DAL FARRA O que vejo hoje em dia do teatro está rolando em São Paulo, vejo que tem uma certa tendência. Tem a ver com o que eu estava falando. Estamos muito acuados. Perdemos em todos os níveis. Sinto que as peças estão voltando para esse lugar que elas já tinham antes, que é também pedagógico. Um pouco assim: “Vamos falar a coisa certa. Vamos mostrar do que a gente discorda no mundo, vamos dizer que a gente não está de acordo com a opressão, que a gente não está de acordo com o racismo”. Um monte de obviedades que todo mundo já sabe. Nós já sabemos sobre nós mesmos, mas gostamos de ir ao teatro para escutar isso de novo, para ficar confirmando essas posições que já tínhamos desde antes. O teatro está virando isso. Ele está num momento muito frágil, muito
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complicado. Deixou-se de olhar e de suportar a ideia de um teatro que em algum momento foi possível, e não estou falando só do meu, que é um teatro de provocação. Um teatro que procura olhar para as coisas de maneira diferente e alterar o olhar que a gente já tem. O que me interessa, justamente, é um teatro que olha para nossas estruturas que são difíceis de romper, que não se nega a olhar para essas coisas que fazem a gente ser quem a gente é. Também acho que tem uma questão – que estudo no meu doutorado –, a da performatividade, entrando um pouco na ideia do contemporâneo, que cai nisso. Acho que ela nasceu como um movimento disruptivo, de violência, de tentativa de desestruturar certos ambientes, certas convenções. Atualmente, ela foi invertida e se transformou numa afirmação. Hoje em dia, tem a ver com falar em meu nome. Quando eu coloco lá performativamente, quase sempre estou falando por mim, não posso falar por mais ninguém. Essa ideia de estar ali, sendo quem você é e não fingindo que é outra coisa. Você
FLORA NEGRI
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lexandre Dal Farra esteve no Recife A em agosto para acertar os detalhes da montagem de Fogo no altar, parceria sua com Pedro Vilela
pega o bicho e começa a jogar. Com o novelo de lã é o mesmo gesto de morte e ele transforma em jogo. Não tem finalidade nenhuma, ele não vai comer. Nesse processo tem algo de libertador, porque aquilo que você tem e que estava muito atrelado a algo com uma finalidade específica; de repente pegála e botar no palco, aquilo não serve pra nada. Então, isso dá um prazer.
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realmente faz coisas em cena, não finge que faz. Por isso que cozinhar é um chavão da performatividade, porque você não finge que está cozinhando, você cozinha mesmo. O tempo do cozimento é o tempo real, ou seja, o palco é invadido pela realidade em si. Hoje, isso está sendo quase sempre lido como: “Estou aqui mesmo para afirmar o que eu sou” e não como uma força disruptiva do real que desestrutura um ambiente de linguagem. Esse ambiente já está estabelecido, já existe espaço para a performatividade. A minha relação com o Branco e algumas divergências que tenho com algumas leituras do espetáculo têm a ver com isso. A performatividade que o espetáculo coloca não é afirmativa. Quando se lê que necessariamente haver brancos em cena é uma afirmação de que brancos devem estar em cena, aí a peça não é legível do jeito que acho que ela deveria ser, porque colocar brancos em cena talvez tenha a ver com destruir o lugar do branco e não com construir. Mas esse olhar que é muito afirmativo impede de ler a destrutividade.
CONTINENTE É possível fazer teatro sem falar de política? ALEXANDRE DAL FARRA Acho que o teatro é político, mas ele não é uma arena de defesa de posições políticas, é um outro espaço. O de um deputado, o de um jornal ou sei lá o quê, você está divulgando suas posições pra conseguir ganhar espaços. Não acho que o teatro seja um lugar de divulgação de posições. Isso é reduzir ao máximo a potência que ele tem, que é justamente a de problematizar e pegar coisas, que não são para você ficar falando lá fora. CONTINENTE Para você, escrever é um processo terapêutico, doloroso, tranquilo… ALEXANDRE DAL FARRA Não é doloroso. Acho que é uma expressão de coisas dolorosas, mas tem o prazer justamente de brincar com isso de uma maneira que não é a mesma. Não deixálas paradas no mesmo lugar como um tipo de tabu. Me atrever a pegar nisso. O Agamben tem uma imagem que acho muito boa sobre quando o gato brinca com o novelo de lã. Na verdade, ele está pegando um instinto dele, que é de matar. Porque o gato, quando caça,
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CONTINENTE O que vem a ser Fogo no altar, essa parceria com Pedro Vilela, na qual vocês têm como ponto de partida as igrejas neopentecostais? ALEXANDRE DAL FARRA Eu vim ao Recife, fiquei um pouco, a gente conversou, demos um rolê, fomos ao culto… Conheci o Pedro e um pouco do que ele estava pensando, os cultos que ele conhecia e voltei para São Paulo. De lá, escrevi umas coisas, mandei para ele. Tira isso, bota isso aqui e escrevia de novo. Depois, ele foi para lá e a gente trocou ideias. Só agora voltamos a nos encontrar e fomos para a cena, depois de um ano e meio. Então, foi esse processo sui generis. Fazer uma peça sobre pastor, sobre igreja pra em cena ficar descendo o pau nesses caras? O ponto de partida é essa estrutura de mau caratismo e enganação, mas tem um território que é o da fé. Essas pessoas estão indo lá por fé. Elas investem naquilo como se fosse sagrado, têm essa capacidade de alguma maneira de investir a fé deles em alguma coisa. Você pode ler isso simplesmente com superioridade. Não é isso, o ópio é o que te faz ficar inerte, o que te permite também suportar a vida. Por outro lado, não tendo religião, o que a gente tem? Uma grande vida na imanência, de pensar no direito que eu tenho, na comida que tenho que fazer, na minha mulher, na conta que tenho que pagar. CONTINENTE Você disse que é “fé zero”. Mas então, o que o ajuda a seguir a vida? ALEXANDRE DAL FARRA Psicanálise! (risos) Eu sou muito otimista na vida, é muito diferente do teatro. ERIKA MUNIZ, formada em Letras, estudante de Jornalismo e estagiária da Continente.
HELDER TAVARES/DIVULGAÇÃO
Curtas
PATERNO
Novo filme de Lordello trata de crise da meia-idade Numa manhã de sexta-feira de setembro, havia alguns operários com jaleco cinza em meio aos pedreiros, eletricistas e armadores circulando pelas obras de dois edifícios em construção numa rua em Boa Viagem, zona sul do Recife. No uniforme deles, aparecia a logomarca da Bittencourt Ramos, a empresa fictícia de Paterno, novo longa-metragem que o cineasta pernambucano Marcelo Lordello está a rodar. O fato de a construtora ter nome e sobrenome não é por acaso, como, aliás, não o é a presença de diversos profissionais que trabalharam em Eles voltam (2012), o primeiro longa desse diretor que é um dos vértices da produtora Trincheira Filmes. Porque Paterno não surge de modo aleatório na carreira de Lordello. “Penso no filme como parte de uma tetralogia que olha um momento específico nas fases da vida. Eles voltam era sobre a adolescência, Paterno é sobre uma crise da meia-idade. Sempre fui fã de François Truffaut e de como ele criou um personagem, Antoine Doinel, e nos fez acompanhá-lo por todas as fases. Paterno tem a ver, também, com questões pertinentes que surgiram para mim depois que virei pai”, comenta. No roteiro, escrito por ele e por Fábio Meira, diretor de As duas Irenes, Sérgio (Marco Ricca) é um arquiteto
que chefia a empreiteira familiar fundada por seu pai. Quando o patriarca adoece, o filho passa a questionar as escolhas que o levaram até ali. Na filmagem acompanhada por jornalistas, a cena se dá na cobertura de mais um arranha-céu em edificação na ficção e na realidade do Recife, e Sérgio conversa com Eudes (o ator paraibano Beto Quirino), o mestre de obras da construtora. “São dois homens que se conhecem há muito tempo e entre eles há uma relação de amizade verdadeira”, observa Quirino, em sua primeira participação em produções pernambucanas. Dois guinchos servem de elevador para os operários e equipe percorrerem a distância de 38 andares; entretanto, naquele dia, só um funcionava, de modo que as obras dos edifícios Jardim das Tulipas e Jardim das Acácias estavam atreladas aos movimentos de Paterno. Era a oitava diária de filmagem de um longa com cerca de 80 pessoas na equipe, entre técnica e elenco, e um orçamento “BO do BO”, nas palavras da produtora executiva Mannu Costa. “BO” é a corruptela para “baixo orçamento”, o conceito que define boa parte dos filmes rodados no Brasil. Há 10 anos, “BO” era um longa rodado com até R$ 1 milhão; hoje, o edital do Ministério da Cultura destina até R$ 1,25 milhão e “o
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T rama gira em torno do personagem de Marco Ricca (dir.), um dono de construtora
orçamento total de cada um deles não pode ultrapassar R$ 1,8 milhão”, como explica o site do MinC. Uma produção da Trincheira Filmes e da Plano 9, com coprodução da francesa Caravan Pass, Paterno está sendo feito com cerca de R$ 1,25 milhão, parte captada via edital do audiovisual do Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura/Funcultura, e a outra parte justamente recebida através do edital do MinC. “O primeiro prêmio, o do Funcultura, saiu em 2013. Passamos dois anos burilando o roteiro, participando de laboratórios e de programas como o
Ventana Sur, na Argentina, e, embora tenhamos ganhado o edital do MinC em janeiro de 2016, tivemos que esperar um ano para que os recursos fossem liberados”, detalha Costa, da Plano 9, que também produziu Eles voltam. Termina a cena da cobertura e Marco Ricca e Marcelo Lordello chegam à sala de um apartamento no primeiro andar, o piso de porcelanato já devidamente instalado, para falar à imprensa. O diretor conta que a ideia de convidar Ricca veio de Fábio Meira, que escalara o ator para viver Tonico, o pai d’As duas Irenes: “Eu tinha uma lembrança forte daquela sessão memorável de O invasor no Cine PE de 2002, aquele filmaço de Beto Brant em que Ricca está excelente. Mas achava que ele era inacessível.
Daí, Fábio sugeriu. Entrei em contato, enviei o roteiro e, logo, logo, estava ele me mandando uma mensagem do WhatsApp”. Mannu Costa emenda: “Quando eu soube de Marco Ricca, pensei logo: ‘Com esse orçamento?’”. Ricca adorou o roteiro e se comprometeu com o papel de Sérgio. Chegou ao Recife poucos dias antes do início das filmagens, mas já havia começado seu trabalho de apropriação do personagem ainda no Rio. “Ele é compulsivo. Terminamos as filmagens de um dia e ainda vamos ensaiar as sequências do dia seguinte, o que nos dá liberdade para chegar ao set com as cenas já maturadas”, revela Lordello, sem esconder a satisfação com a aplicação do seu ator principal.
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A atuação em As duas Irenes rendeu o prêmio de melhor ator no 45º Festival de Gramado a Marco Ricca, que compara a elaboração de seus dois personagens. “Sérgio é um cara da burguesia, herdeiro de uma empresa, enquanto Tonico vinha de uma cidade do interior. Eles são socialmente distantes e, portanto, possuem uma visão de mundo bem distinta. Sérgio está naquele momento de repensar a vida, de olhar para as escolhas que fez e que o levaram até aqui”, observa o ator, que brinca com o próprio sotaque. “Sou paulista, né? Mas, em vez de forçar um sotaque nordestino (imita a prosódia recorrente das telenovelas brasileiras que retratam personagens da região), optamos por atenuar um
Curtas HELDER TAVARES/DIVULGAÇÃO
LANÇAMENTO
Aninha Martins apresenta o álbum Esquartejada
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pouco o sotaque paulista e buscar a musicalidade local”, acrescenta. Lordello defende que a presença de Ricca dá ainda mais credibilidade a essa jornada de Sérgio. “Ele não é um herói clássico, a empatia com ele vai se dar em outra esfera, inclusive a partir de tudo que sacrificou e que, com a iminência de morte do pai, passa em revisão. Vinte e cinco anos depois, o que pode ser reinventado?”, indaga o diretor. Chega a hora de terminar a conversa com os jornalistas e Lordello e Rica seguem para o almoço. No refeitório improvisado, a diretora de fotografia, a argentina Barbara Alvarez, está sentada em uma mesa com a diretora de produção Dedete Parente Costa – sim, há muitas mulheres exercendo funções de chefia em Paterno. Reservada, Barbara não havia participado da pequena coletiva com a imprensa, porém, a sua presença vislumbra um apuro técnico e uma sofisticação na composição imagética, vide sua colaboração em produções nacionais recentes, como Que horas ela volta? (2015), de Anna Muylaert, e Boa sorte (2014), de Carolina Jabor, e o seu próprio currículo, em que figuram o uruguaio Whisky (2004), de Juan Pablo Rebella e Pablo Stoll, e A mulher sem cabeça (2008), de Lucrecia Martel.
2 À frente de Paterno, Marcelo Lordello também dirigiu Eles voltam (2012)
“Ela tem uma dramaturgia própria, uma forma de se aproximar de personagens para criar uma autenticidade. A viagem dela é muito parecida com a minha: quando lemos juntos o roteiro, ela já foi pensando nos enquadramentos, no tipo de luz… Ela tem uma vontade de imersão e de elaboração antes, para todos nós nos sentirmos seguros no set, para termos uma estrutura de linguagem já assentada. É uma fotógrafa que decupa”, elogia Lordello. Seu longa-metragem já tem distribuição assegurada, via Art House, de Marcello Ludwig Maia, a mesma que lançou A história da eternidade (2014), de Camilo Cavalcante, e Big Jato (2015), de Cláudio Assis. Estimar uma data de estreia é loteria, ainda mais quando se pensa no circuito de festivais (Eles voltam foi premiado em Brasília em 2012, mas só entrou em cartaz um ano e quatro meses depois). Porém, há um sentido de urgência palpável na atmosfera de Paterno. “Estamos rodando e Edu Serrano já está trabalhando na montagem do filme”, entrega o diretor. LUCIANA VERAS
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Em agosto de 2013, foi comum o compartilhamento nas redes sociais, pelos frequentadores da cena cultural pernambucana, do vídeo do Youtube Faz ideia, vigorosa interpretação da cantora Aninha Martins. Gravado pela produtora pernambucana Ostra Monstra, foi uma das primeiras apresentações solo da pernambucana, que também integrava a banda Sabiá Sensível, Malvados Azuis, D Mingus e Grupo Varal. “O show começou de um convite de Juvenil Silva para eu fazer o festival Desbunde Elétrico. No começo, não acreditei muito nessa história, mas rolou e gostei do resultado”, relembra a artista. Na ocasião, estavam alguns produtores da cidade, o que colaborou para a visibilidade de seu talento entre público local, tanto é que um dos shows seguintes já foi no palco do festival Recbeat. Depois de vários shows – entre eles, a participação do projeto Dois Sons, organizado pela revista Outros Críticos em 2014, no qual dividia o palco com a cantora Isaar –, Aninha sentiu necessidade de reorganizar e trabalhar os sons que queria fazer, sempre com repertório em torno de metal, anos 1970 e MPB. Foi aí que a ideia de gravar um disco surgiu e, tempos depois, a alternativa de croudfunding. “No princípio, eu achei que poderia criar memória a partir do espetáculo mesmo. Só que, para música, hoje em dia, acho que é importante datar a história, até para mudar de fase”, explica Aninha, em entrevista à Continente. As primeiras gravações foram no estúdio Casona, em Candeias, e depois no estúdio Base. “Só que ele foi assaltado e levaram metade das coisas da gente. Tivemos que regravar tudo.” Com a campanha de financiamento coletivo através da plataforma Benfeitoria, a colaboração do público – finalizada no início de setembro – foi bem-sucedida, chegando à quantia necessária para o lançamento do disco Esquartejada ainda este ano. Aninha conta que vem fechando
BETO EIRAS/DIVULGAÇÃO
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apresentações em outros estados para o próximo ano. Sobre o título do trabalho, sugerido para o show pelo jornalista Queops Negrão, a cantora confessa: “Fiquei em dúvida, porque é um nome muito pesado, mas reorganizei-o. Entendi a energia de fragmentações como mulher, negra e as dificuldades de nossa comunicação. Na verdade, cada música do show representa uma micropotência que trago no meu corpo. A grande energia do título é a junção dessas coisas, as conexões que fazem com que as potências se tornem um corpo”. Dona de uma voz visceral, a presença cênica de Martins é inesquecível. Suas apresentações carregam muito da linguagem do teatro e da performance para a música, ou seja, não há como dissociar sua voz de seu corpo. Buscando prepará-lo, fez Contato e Improvisação (CI), além de frequentar a oficina Arte do Presente, com o grupo teatral Magiluth. “Isso me trouxe a (ideia de uma) presença cênica que é ser você mesmo, mas também poder ser outras pessoas ao mesmo tempo. Tenho uma partitura, pensada para o que vou executar
3-4 Aninha Martins traz
para seu disco solo o caráter performático de suas apresentações
a cada música, só que nunca é da mesma forma, está aberta para o tempo estabelecido e para que o acontecimento viva dentro desse curto espaço de tempo que é cada show”, explica. O disco Esquartejada conta com arranjos desenvolvidos em conjunto pela banda que é formada por Hugo Coutinho (teclado e voz), Victor Giovanni (baixo), Iezu Kaeru (bateria), Aline Borba (flauta) e Rodrigo Padrão (guitarra). As participações são de Vinícius Paes, Isadora Lubambo, Natália Meira Lins e Jonathas Onofre, todos na voz. Com referências pré-estabelecidas, contudo sem tanta rigidez, eles foram construindo a sonoridade. Contam que parceria e afetividade regeram os caminhos da produção. “Muitas vezes, Padrão chegou com um arranjo totalmente diferente do que eu pensava e acabei gostando. É um coletivo que se autoproduziu. Iezu é melhor comunicador. Hugo trabalha com vídeo, Padrão ficou mais com os arranjos e eu
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mais com a voz e em tentar conciliar esse relacionamento amoroso entre nós todos”, afirma a cantora. A capa tem design assinado por Moacyr Campelo e foto de Diogo Condé. “Quando ele mostrou, me emocionei muito. Fiz um curso de voz e movimento num tempo em que perguntavam qual era a idade da nossa voz. No dia em que eu tinha respondido a isso, Moca chegou com uma pedra vulcânica na capa. Minha voz é da Idade da Pedra. Meu corpo é limitado, mas a voz se perpetua em várias encarnações.” ERIKA MUNIZ
Curtas MAUMAU
LIA LETÍCIA/DIVULGAÇÃO
Coletivo abre série de oficinas e exposições Arte e afeto unem o coletivo Maumau. Acreditando na interação entre as diferentes linguagens da arte, como igualmente nos laços de amizade vinculados à produção artística, a Maumau Laboratório chega ao seu segundo ano promovendo oficinas experimentais de produção e prática artesanal durante todo o mês de outubro e meados de novembro. Tudo oferecido gratuitamente, com as inscrições podendo ser feitas pelo e-mail maumaugaleria@ gmail.com . Os laboratórios se iniciam no dia 9 de outubro e se encerrarão no dia 11 de novembro. Este ano, serão três oficinas. A primeira delas, A ferro e fogo, ministrada por Clélio Freitas, pretende unir os conhecimentos técnicos da fundição com um trabalho mais sensível. A ideia do laboratório é ensinar o básico sobre técnicas de fundição em alumínio, transitante entre o “utilitário e o artístico”, no entanto, sem abandonar as próprias referências e sensibilidades dos participantes. A segunda, Macete certo, por sua vez, propõe-se a praticar a marcenaria e, ao mesmo tempo, refletir sobre essa prática. Com Romildo Roma, a ideia é empoderar os participantes em suas criações. Por fim, o último laboratório pretende utilizar a bicicleta como ferramenta de expressão, seja política ou artística. A Radio Bike, ministrada por Fabiana Tubino – da Bicicletaria Mapuche, uma ação já existente dentro da Maumau – e com colaboração de Vitor Maciel e Fábio Moura, discutirá as questões de mobilidade urbana, ações ciclísticas, mesclando-as com as linguagens artísticas. A customização, automecânica, gambiarra, serão a prática da reflexão acerca do urbano, da mobilidade, do ativismo. Segundo Lia Letícia, coordenadora da Maumau junto com Irma Brown,
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a ideia da mobilidade urbana está intrinsecamente ligada à vivência, assim sendo, a vivência também nos proporciona as referências para todo e qualquer tipo de trabalho. “Uma das coisas que tentamos com o laboratório é divulgar em escolas públicas, a gente precisa oxigenar esses locais. É bem difícil, nesse momento político do país, com retrocesso para a arte. É preciso chegar a camadas que normalmente não conseguimos chegar”, explica Lia Letícia, em entrevista à Continente. Para ela, a interação entre as diferentes linguagens de arte é algo já existente, porém, no Recife, existe uma dificuldade de espaço para abranger obras e artistas híbridos. A proposta da Maumau, também enquanto galeria, é de promover justamente um espaço integrado,
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5 Com seus projetos, coletivo estimula o aprendizado pela interação de linguagens artísticas
em que as diferentes expressões se unam e conversem. Usando o próprio exemplo de Lia, “o público que vai sabe que encontrará um trabalho mais integrado, não somente um quadro ou pintura na parede”. Além das oficinas, a galeria abrirá para exposição de artistas que, segundo a coordenadora, “nunca fizeram uma exposição individual e nem encontraram espaço para isso”, através do edital Lançamento de Artista. A Residência Verde, outra ação embarcada na Maumau, é uma convocatória para artistas internacionais que mesclam, em suas criações, obras que dialogam com o meio ambiente e a ecologia. EDUARDO MONTENEGRO
RAMON RIBEIRO/DIVULGAÇÃO
RAP
Batalha da Escadaria vai ao Coquetel Molotov “Quarenta e cinco segundos pra cada um, a emoção que bate nunca foi nada comum (…) Na Rua do Hospício, a loucura é fazer rima, a alma da calçada, o vício da esquina. No vaivém da Conde da Boa Vista, se junta grafiteiro, pichador e esqueitista.” (Mixtape Batalha da Escadaria, vol. 1) Há oito anos, em toda primeira sextafeira do mês, a Batalha da Escadaria ocupa a Conde da Boa Vista, na esquina com a Rua do Hospício, com muito estilo, suingue e malandragem. A batalha da rima improvisada surgiu a partir da vontade do DJ e produtor cultural Luiz Carlos Ferrer, conhecido como Du ou Durap, de incentivar e divulgar a cena do hip-hop e do rap no Recife, que já contava com grupos importantes como Sistema S, Faces do Subúrbio e Inquilinos,
reconhecidos nacionalmente. Em quase 10 anos de atuação, a batalha tem levado Pernambuco para competições em outros estados, como a nacional Duelo de MCs, em Belo Horizonte. “Quando criamos a Batalha da Escadaria, a gente quis chamar a atenção da cidade, ocupar. Chegar a uma esquina e ocupar. Muitos rappers de outros estados aparecem lá na batalha, quando estão na cidade”, conta Du, em entrevista à Continente, à época conhecido na cena por integrar o grupo Inquilinos, extinto em 2010. “Atualmente, a Batalha da Escadaria é a mais antiga de MCs em atividade no Brasil. Digo isso porque são oito anos de atividade ininterrupta, enquanto batalhas mais antigas pararam por alguns anos e voltaram. Desde que foi fundada, ela nunca parou, estamos em vários lugares. Participamos de shows de Criolo, Devotos, Mundo Livre S/A, Faces do Subúrbio e de vários festivais da cidade. Hoje, somos um símbolo no Brasil, inspirando outras batalhas. Estamos não só na rua, mas em vários lugares.”
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T odas as noites de sexta-feira, MCs duelam no Centro do Recife. Disputa no festival é inédita
Entre as iniciativas encabeçadas pela competição recifense, está um mixtape, lançado em 2015 e disponível na internet, que reúne oito faixas com rimas de MCs Rodrix, Tai, Long, Rimocrata, Doug e outros, sendo o primeiro disco que leva o nome de uma batalha de rap. Este ano, a disputa subirá pela primeira vez as escadas do festival No Ar Coquetel Molotov. Os MCs Reis, Pitchula, Street, Ed Black, HB, Yego, Acuca e Glauber duelarão suas rimas no espaço Som na Rural, acompanhados por DJs e pelos mestres de cerimônia Du e Tai MC. “Pernambuco está vivendo um momento muito especial no movimento hip-hop e queremos mostrar um pouco disso para o público do Coquetel”, afirma Ana Garcia, produtora do festival, que acontece no dia 21 de outubro. SOFIA LUCCHESI
EDUARDO ORTEGA/CORTESIA FORTES D’ALOIA & GABRIEL
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Portfรณlio CONTINENTE OUTUBRO 2017 | 17
FOTOS: EDUARDO ORTEGA/CORTESIA FORTES D’ALOIA & GABRIEL
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Portfólio Marina Rheingantz
AMBIGUIDADES ENTRE FIGURATIVO E ABSTRATO
1 Malha viária
com piscina, óleo sobre tela, 180 x 250 cm, 2010
2 T erra líquida,
óleo sobre tela 290 x 430 cm, 2016
3H ippopotamus,
óleo sobre tela, 200 x 300 cm, 2016
4-5 Piauí, tapeçaria, 30 x 25 cm, 2015
TEXTO Bárbara Buril
LEMBRANÇA 1
Nem tudo o que é texto ou imagem conta uma história. Há escritos que, com suas palavras de múltiplos significados, parecem evocar impressões sentidas estranhamente, de maneira similar, por quem é humano (como se houvesse uma certa universalidade da linguagem e dos sentimentos), sem que necessariamente nos ofereça uma narrativa. Também existem imagens que não nos mostram o que passou, passa ou passará, mas que nos oferecem elementos capazes de se comunicarem muito bem com uma espécie de memória compartilhada. É quando a imagem sai da imagem e chega à lembrança, sem que esse salto para fora da imagem se faça a partir de uma contação. Nem todo lapso se liga por um fio. As pinturas de Marina Rheingantz não nos contam uma história, mas, como uma história, levam-nos continuamente para fora dela mesma. Há estradas, carros, barquinhos, luz artificial, mas também montanhas, terra, mar, água, coqueiro e vento. A figuração identificável nesses elementos pode se confundir, em uma mesma obra, com a abstração dos fundos e, inclusive, com a ambivalência abstrata de si mesma. Tratase do que escreveu o curador e crítico Rodrigo Moura sobre uma sutil ambivalência na obra da artista: “A ambiguidade sintática entre estilemas
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FOTOS: EDUARDO ORTEGA/CORTESIA FORTES D’ALOIA & GABRIEL
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Portfólio da pintura (como se dissesse: isso não é uma montanha, é uma pincelada) e a construção de um espaço representado (como se dissesse: isso não é um escorrido, é uma montanha pintada) é a chave para entender essa inconclusão”. Essa ambiguidade, que nos coloca na situação inquieta de não saber exatamente se vemos uma montanha ou pincelada ou se o que se nos depara é mar ou fundo de tela, acaba nos levando para a memória. Nas pinturas de Rheingantz, não há história, mas evocação. Na obra Hippopotamus, por exemplo, não se vê um acontecimento, nem uma paisagem extraída da realidade, mas um fragmento de memória, como se a pintura em questão tivesse saído de
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Autobahn, óleo sobre tela, 24 x 30 cm, 2008
7 Seven sisters,
óleo sobre tela, 160 x 180 cm, 2008
um sonho. A imensidão cor de chumbo pode ser fundo de tela ou mar. Os elementos de cor branca espalhados pelo oceano podem ser apenas detalhes disformes, blocos de mármore ou talvez, se seguirmos as indicações do título da obra, as costas de vários hipopótamos que mergulham na água. Mais ao fundo, no canto esquerdo superior, vemos alusões a ocupações humanas, como também é possível observar no primeiro plano. Mais do que uma cena coerente e organizada, o que se vê é uma conjunção de memórias não necessariamente ligadas por um fio. Um conjunto de lapsos, como são as imagens mentais. Como escreve Rodrigo Moura: “Onde a representação falha, a pintura encontra sua maior força”.
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Na pintura Malha viária com piscina, também vemos a junção de elementos que nos parecem inconciliáveis: entre várias estradas entrecortadas, há uma piscina suspensa de dimensões desproporcionais. Trata-se de um absurdo, concebível apenas nas malhas do inconsciente. Ao mesmo tempo em que essa pintura parece nos trazer uma inegável estranheza, ela nos lembra as casas do interior que vemos ostentar, da janela do avião, piscinas e áreas gourmets, embora estejam situadas na localização precária de uma beira de estrada. É como se frames de memória de Marina tivessem sido agrupados na pintura e é, então, na obra, que esse caleidoscópio pessoal se comunica com o nosso.
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O próprio processo criativo da artista denuncia uma pintura que parece se formar como memória em shuttle. Ela não pinta ao ar livre, diante de uma paisagem, para só modificar em seguida no ateliê, nem parte de uma fotografia para depois ir à tela. Sem muito planejamento, a pintora se põe diante da tela e vai pintando, até que vão surgindo imagens na mente que não necessariamente possuem conexão umas com as outras. Da maneira mais básica e intuitiva, as lembranças vêm e a mão obedece.
LEMBRANÇA 2
Enquanto evocação, a pintura de Marina Rheingantz chama, de volta para o presente, os tempos da infância em
Araraquara, interior de São Paulo, onde nasceu. Os elementos mais figurativos nos remetem para uma paisagem do interior de São Paulo, em contato sempre estreito com construtos humanos. Tem montanha, mas também carro; tem vento e estrada. A paisagem idílica do interior passa longe dessas pinturas. Além disso, os tons usados por Marina são crus, como se viessem da terra, de argila. Ela admite que tem dificuldades para usar cores mais abertas. “Quando eu era pequena, gostava muito de mexer em terra molhada. Acho que, quando pinto, me volto um pouco para aqueles momentos”, conta a artista em seu ateliê, em São Paulo, espaço onde os móveis também têm as cores cruas de suas pinturas. Da terra molhada
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da fazenda onde cresceu em Araraquara, veio a tinta espessa que vai para a tela. É como se a tinta a óleo usada pela pintora fosse a sua lama de adulta. A sua terra líquida, como metaforiza Rodrigo Moura no livro Marina Rheingantz – Terra líquida, publicado no ano passado pela Editora Cobogó. Na obra, encontra-se um panorama da produção de Marina, cujas pinturas, como escreveu o crítico de arte Tiago Mesquita, “são pesadas, fissuradas, incompletas. Tudo pode se desfazer”. Basta jogar água. O processo é tão íntimo e familiar, que, embora a artista tenha uma produção que já poderia contar com a presença de um assistente devido às exigências inclusive físicas de pinturas, que chegam a ultrapassar os dois metros,
IMAGENS: EDUARDO ORTEGA/CORTESIA FORTES D’ALOIA & GABRIEL
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Portfólio ela prefere trabalhar sozinha. “Já cheguei a contratar assistentes para trabalhar comigo, mas percebi que passávamos o dia conversando, porque eu não sabia o que pedir para eles fazerem. Eu não sei o que vai vir, o que eu quero colocar na tela… Só sei quando eu pego no pincel. Percebi que o meu processo é solitário mesmo”, diz a artista. Não só a cor tem o tom de cru, mas o labor de Marina parece requisitar a nudez que só a solidão oferece. Não dá para terceirizar lembrança, afinal.
LEMBRANÇA 3
“Você vê a sua pintura como uma pintura de paisagens?”, pergunto. “Não”, Marina responde e ri. Quando vejo as pinturas da artista, antes
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Apiario, óleo e cera sobre linho, 33 x 42 cm, 2009
9 Tormenta, óleo sobre
tela, 180 x 230 cm, 2010
de paisagens, me encontro com lembranças. A paisagem parece ser um acidente da memória. Alguns minutos depois, a artista me leva para a parte mais interna do ateliê, de pé direito alto, onde estão as obras ainda inconclusas e fala um pouco sobre cada uma. Em determinado momento, assume: “É, acaba que sempre há paisagens mesmo”, como quem não se preocupa muito com definições. De fato, a partir de um curto passeio pelo seu ateliê, fica claro que, embora a obra de Marina Rheingantz tenha uma inegável vocação paisagística, as suas pinturas ultrapassam (e muito) o gênero paisagem. Vê-se, em um conjunto de obras mais recente, um flerte com a tapeçaria, como fruto de uma residência
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10 Lechuga, óleo sobre
linho, 33 x 42 cm, 2009
artística que a artista realizou em Londres em 2015. “Como não havia um ateliê onde a pessoa pudesse trabalhar, passei grande parte do meu tempo no museu Victoria & Albert, em contato com o acervo de tapeçaria deles”, relata. Quando voltou ao Brasil, começou a criar telas inspiradas nessa arte decorativa, com a crueza inconclusa já encontrada em suas pinturas. Apesar de existir uma relação mais próxima entre alguns trabalhos do que entre outros, a artista não cria a partir de séries. Também não concebe muitos conceitos para justificar as próprias criações. Nesse sentido, é uma grandeza para um trabalho que se insere de maneira privilegiada no circuito de arte contemporânea no mundo, tão
dependente de justificativas conceituais. Além de ter feito exposições individuais em Tóquio e Nova York, tem obras em coleções americanas, japonesas e portuguesas. Em novembro, expõe na Galeria Zeno X, na Antuérpia (Bélgica), que representa artistas como Raoul de Keyser, Luc Tuymans e Michaël Borremans, cujos trabalhos a pintora acompanha e admira antes mesmo que a sua trajetória se consolidasse no circuito da arte. No início de 2018, a pintora ainda vai expor na Galeria Bortolami, em Nova York. A maturidade precoce do trabalho de Marina pode ser identificada, como analisa o crítico Rodrigo Moura, na mudança do uso de algumas estratégias: as edificações se destacavam nas pinturas, em contraste com fundos chapados; as cores não eram tão sobrepostas e misturadas; os limites de uma cena respeitavam os limites do quadro. É o caso, por exemplo, de Autobahn e Seven sisters, de 2008, e Apiário, de 2009. Com o tempo, como escreve Moura, “a separação rígida entre figura e fundo, de início tão importante, dá lugar ao desejo de ocupar mais espaço”. É em Tormenta, de 2010, que podem ser vistas misturas de cores, fundos não chapados e uma certa perspectiva chamando para o fundo do quadro. No entanto, permanece presente, em suas obras, a vocação paisagística, uma figuração que não abandona completamente a abstração, os tons rebaixados e a tensão constantemente renovada entre natureza e cultura.
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LEMBRANÇA 4
Depois que escrevi alguns fragmentos sobre a obra de Marina, lembrei-me de que o primeiro texto que escrevi sobre arte também foi sobre o trabalho da pintora paulista, cuja obra Lechuga integrava uma exposição coletiva na então existente Galeria Mariana Moura. O escrito de três pequenos parágrafos foi o exercício para uma disciplina de História da Arte da graduação em Jornalismo. Após ter escrito cerca de seis mil caracteres para este texto, resolvi consultar aquele do passado, para ver se o caminho que seguia agora tinha alguma semelhança com o percorrido. Curiosamente, a questão da memória na obra da artista, que me captou à época, permanece sendo
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uma armadilha. Há num trecho, essa observação: “Ao representar, em Lechuga, objetos que soam familiares ao homem, como cama, vento e flores, Marina obtém o sucesso de dar continuidade à formação identitária de suas produções, reconhecidas pelos tons rebaixados e pelas tentativas de representação dos lugares e objetos construídos pela memória humana”. De algum modo, essa repetição não intencional me faz pensar sobre se é
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possível falar de artistas que, ainda que mudem suas estratégias de expressão, carregam para qualquer lugar as suas obsessões, manifestadas em obras que mais parecem arcabouços de repetições. Ou se seria mais adequado falar, nesse caso, de uma obsessão pessoal do crítico, que vê uma mesma questão onde, na verdade, há muitas outras. BÁRBARA BURIL, jornalista, mestre em Filosofia pela UFPE.
ILUSTRAÇÃO: RODRIGO GAFA
Reportagem
100 ANOS DA ANIMAÇÃO BRASILEIRA A trajetória deste gênero no país é marcada pelo esforço quixotesco dos pioneiros, que possibilitou o seu avanço e o atual reconhecimento e admiração de nossas produções em todo o mundo TEXTO MARCOS BUCCINI
DE ONDE VIEMOS…
A animação brasileira completa agora 100 anos de uma história pouco conhecida e reconhecida, que surgiu e se desenvolveu às margens do esquema industrial dos grandes centros, mas que, a partir de um esforço quixotesco de alguns poucos intrépidos profissionais, vem ganhando nos últimos anos o respeito e a admiração do mundo. Tudo começou em 1917, na cidade do Rio de Janeiro, quando o chargista Álvaro Marins, também conhecido como Seth, produziu uma charge animada chamada O Kaiser, sobre a situação bélica na Europa. O filme, que estreou no Cine Pathé e também foi exibido nos Estados Unidos, mostrava o imperador Guilherme II sendo engolido por um globo terrestre. Segundo Arnaldo Galvão, um dos mais experientes animadores do Brasil, “O Cinema de Animação no Brasil
nasceu bem-humorado, ágil e como instrumento de contestação. Herdeiro direto da sátira política”. Dessa primeira obra, o que nos restou foi apenas um quadro. No mesmo ano, no Cine Haddock Lobo, localizado na Tijuca, no Rio de Janeiro, estreia o curta Traquinices de Chiquinho e seu inseparável amigo Jagunço, com uma narrativa baseada nas histórias em quadrinhos da revista Tico-Tico. Ao contrário do filme de Álvaro Marins, esse curta mostrava situações tipicamente brasileiras, por isso teve uma boa aceitação do público. Não há crédito de animadores, apenas da produtora Kirs Filme. No ano seguinte, o desenhista Eugênio Fonseca Filho lança As Aventuras de Bille e Bolle, com personagens baseados nos quadrinhos Mutt and Jeff, do americano Budd Fishet. A história mostra os dois personagens descendo de um avião no Viaduto do Chá e criando muitas
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trapalhadas nas casas comerciais de São Paulo. Assim como O Kaiser, as cópias dos dois filmes citados anteriormente estão desaparecidas. As primeiras experiências brasileiras na animação aconteceram apenas nove anos depois da exibição inaugural de um desenho animado, utilizando-se um projetor de cinema, em 1908, quando o diretor francês Émile Cohl lançou Fantasmagorie no Théâtre du Gymnase, em Paris. Ou seja, a animação no Brasil começou bastante cedo em relação ao restante do mundo. Porém, o seu desenvolvimento foi lento, cheio de percalços, típico das produções marginais, com longos períodos que oscilam entre a pouca ou total ausência de realizações na área. Por exemplo, somente 11 anos depois de As Aventuras de Bille e Bolle, o Brasil produz uma nova animação, Macaco feio, macaco bonito (1929), de Luiz Seel e João Stamato. Com forte
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Reportagem IMAGENS: REPRODUÇÃO
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influência do trabalho do estúdio americano dos Irmãos Fleischer, o filme conta as aventuras de um macaco que foge do zoológico. Essa é a animação mais antiga de que se tem uma cópia preservada. Em 1930, Luiz Seel produziu mais uma película, Frivolitá, que conta a história de uma moça que enfrenta um despertador, um gramofone e um bando de gatos para poder dormir até mais tarde. A animação esteve perdida durante 70 anos, foi restaurada em 2013 e reestreou em 2014. Outra lacuna se estabelece até o fim da década de 1930, quando o cearense Luiz Sá, radicado em São Paulo, produz, com pouquíssimo aparato técnico, o curta As aventuras de Virgulino (1939). O filme teve problemas para ser distribuído, uma cópia foi vendida como sucata, depois de a película ter sido lavada com ácido. Outro rolo foi vendido para o dono de uma loja de projetores, que cortou o filme em diversos pedacinhos e os oferecia para quem comprava um projetor. Acreditava-se estar perdido para sempre, porém uma versão da obra
foi encontrada em estado avançado de deterioração, mas foi recuperada em laboratório. Em 1941, durante a famosa visita de Walt Disney ao Brasil, Luiz Sá tentou exibir para ele As aventuras de Virgulino, porém, foi impedido pelo DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda do Estado Novo de Getúlio Vargas, por considerar que o filme não tinha qualidade suficiente para ser mostrado a Disney.
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O primeiro longa-metragem da história da animação mundial também está fazendo 100 anos. El Oposto, feito na Argentina, por Quirino Cristiani, em 1917. Walt Disney só estrearia no formato de longa 20 anos depois, com Branca de Neve e os sete anões (1937). Já o Brasil só teria seu primeiro longa 16 anos depois de Disney. Afinal, se produzir curtasmetragens no Brasil era uma aventura para poucos corajosos, a confecção de um longa-metragem, então, era uma insanidade. O responsável por essa “loucura” foi Anélio Lattini Filho, que, após uma jornada quixotesca
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de seis anos de trabalho, apresenta Sinfonia amazônica, em 1953. O filme é um pout-pourri de sete histórias folclóricas da Região Norte, com forte influência estética de Disney. Trabalhando exaustivamente, muitas vezes dia e noite, Lattini criou técnicas próprias e produziu sozinho mais de 500 mil desenhos. O autor chegava ao estúdio às oito da manhã e trabalhava até as quatro horas do dia seguinte. O filme foi lançado e teve um grande sucesso de público, ganhando vários prêmios. Porém, segundo o próprio Lattini, em depoimento a Antônio Moreno, no livro A experiência brasileira no cinema de animação, de 1978, ele não recebeu integralmente sua parte da renda das bilheterias, ficando o lucro com os distribuidores e donos de cinema. “Além de todos os descontos com publicidade e promoção do filme, ainda existia o roubo. Eu fui tremendamente roubado. Vinham relatórios incríveis. Eles me mostraram uma carta forjada da exibição no Paraná, dizendo que o filme era uma bomba, logo, isso
1O Kaiser, realizada
em 1917, pelo chargista Álvaro Marins, é considerada a primeira animação brasileira
2-3 Macaco feio,
macaco bonito (1929), de Luiz Seel e João Stamato, conta as aventuras de um macaco que foge do zoológico
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seria a pseudorrazão da baixa renda naquele estado. O interessante é que eu recebi, na época, várias cartas de pessoas que haviam assistido ao filme dizendo que estava sendo um sucesso tremendo”, relatou o autor. Decepcionado, depois de Sinfonia Amazônica Lattini nunca mais fez outra animação autoral, dedicando-
se a projetos publicitários e pintura de quadros. Em 1977, ele tentou relançar o filme. Porém os exibidores não se interessaram, pois, pela lei de proteção ao cinema nacional da época, que estabelecia cotas para filmes nacionais nos cinemas, após cinco anos da primeira censura, o filme já não podia ser beneficiado.
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Na década de 1960, surge o Centro Experimental de Ribeirão Preto (Cerp), fundado por Rubens Lucchetti e Bassano Vaccarini, com a participação de Roberto Miller, que tinha acabado de voltar de um período de seis meses no National Film Board do Canadá, onde teve contato com as técnicas desenvolvidas pelo mestre Norman McLaren. Miller se tornou, no Brasil, um dos precursores da animação abstrata e experimental. Vários trabalhos do Cerp estiveram presentes no I Festival Internacional de Cinema de Animação no Brasil, em 1965. Em 1967, foi fundado, no Rio de Janeiro, o Centro de Estudos de Cinema de Animação (Ceca). No entanto, o centro não sobreviveu à censura do período militar. Com a sua dissolução, foi montado um novo grupo de animação experimental, o Fotograma, que contava com a participação de Rui Oliveira, Pedro Ernesto Stilpen ‘Stil’, Carlos Alberto Pacheco, Antônio Moreno e do pernambucano Jô Oliveira. Entre os principais filmes do grupo estão O coelhinho sabido (1967), O palhaço domador (1967), O Cristo procurado (1980), A pantera negra (1968) e Status quo (1968). O grupo se desfez em 1969, porém, o trabalho do Fotograma possibilitou a
Reportagem IMAGENS: REPRODUÇÃO
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4-5 S infonia
amazônica (1953), de Anélio Lattini Filho, foi o primeiro longa de animação brasileiro
6 O terceiro longa
brasileiro, Piconzé, dirigido por Yppê Nakashima, levou seis anos para ser concluído, sendo lançado em 1972
criação de uma animação em 35mm, Batuque (1969), dirigida por Stil, uma das poucas feitas durante a década de 1970. O Fotograma promovia diversas mostras no Museu de Arte Moderna e ainda mantinha um programa sobre animação no Canal 9 do Rio de Janeiro.
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O segundo longa brasileiro, primeiro colorido, foi lançado em 1971. Presente de Natal foi realizado inteiramente em animação tradicional pelo quadrinista amazonense Álvaro Henrique Gonçalves. Morando em São Paulo, ele produziu o filme sozinho, durante seis anos, sem incentivo de nenhuma empresa ou governo. Com o filme pronto, Álvaro tentou negociá-lo em São Paulo, mas fracassou, pois só conseguiu uma exibição, na cidade de Santos. Quando lançado em Manaus, Presente de Natal foi um sucesso, porém restrito àquela cidade. O filme permanece praticamente desconhecido até hoje. Piconzé, de 1972, dirigido pelo japonês radicado no Brasil Yppê Nakashima, é o terceiro longa brasileiro. O filme
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conta a história de um menino que teve a namorada sequestrada e passará por diversas aventuras para reencontrá-la. No caminho, ele encontra várias figuras do nosso folclore, como a caipora e o saci-pererê. O filme começou a ser realizado em 1966 e levou seis anos para ser concluído, com uma equipe de 30 animadores, todos descendentes de japoneses. Os cenários foram todos feitos de recortes de fotografias, o que dava uma sensação de profundidade, e os personagens, desenhados em acetato. A obra obteve um certo sucesso nas bilheterias. Porém, esse foi o único longa de Nakashima, também responsável por diversos curtas. Podemos notar pela experiência dos três primeiros filmes em longametragem do Brasil que, mesmo contando com uma boa aceitação de público, o problema, além da óbvia falta de estrutura e recursos para a produção, estava na parte de distribuição e comercialização das obras. Não era vantajoso para os exibidores e distribuidores um produto comercial que lhes custava mais do que aqueles vindos de fora, especialmente dos Estados Unidos.
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Por décadas, os filmes publicitários foram responsáveis por manter a animação brasileira viva, uma vez que os curtas não rendiam o suficiente e os longas eram muito caros e trabalhosos, além da dificuldade de distribuição. “A Animação Brasileira embora tenha começado prematuramente, em 1917, levou muitas décadas até se firmar com uma produção consistente. A partir de 1960, sugiram estúdios que produziram trabalhos importantes voltados, principalmente, para publicidade. De fato, a difusão animada brasileira ganhou uma excelente repercussão nesse período. Entretanto, esse era um mercado restrito a poucos estúdios e profissionais”, afirma César Coelho, animador e um dos fundadores do Anima Mundi. Na verdade, até os anos 2000, as propagandas para a TV eram a fonte de renda certa para os estúdios e os animadores brasileiros. Uma das principais produtoras foi a Lynxfilm, fundada em 1958 por César Mêmolo Júnior e Ruy Perotti Barbosa,
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famosos pelos comerciais da Varig. Outra importante produtora foi a Start Anima, fundada em 1966 pelo animador Walbercy Ribas, que fez, entre outras, a propaganda da FaberCastell com a música Aquarela e criou o homenzinho azul para a linha de cotonetes da Johnson’s, que faturou o Leão de Bronze em Cannes. Na década de 1980, temos um verdadeiro divisor de águas na animação brasileira: Meow (1981), de Marcos Magalhães, considerado um dos filmes mais importantes da nossa filmografia. Pela primeira vez, um curta animado brasileiro era reconhecido em um importantíssimo festival internacional, ganhando o Prêmio Especial do Júri do Festival em Cannes. Segundo Cesar Coelho, Meow prova que “em animação, o talento e engenhosidade superam qualquer barreira tecnológica ou orçamentária”. Impulsionado por esse bom momento vivido pela animação brasileira, e por seu próprio trabalho, quatro anos depois, Magalhães coordenou, em parceria com profissionais canadenses do National Film Board, um curso que se tornou referência na história da animação brasileira.
BRASIL E CANADÁ
Na década de 1970, o Brasil compra o satélite BrasilSat do consócio canadense Spar/Aerospace. Como contrapartida, deveria ser firmado um acordo de transferência de tecnologia entre os países. Uma das ações foi uma coprodução entre o Brasil e o Canadá para formar um centro de excelência em audiovisual. Marcos Magalhães, que havia realizado uma especialização na National Film Board (NFB) do Canadá em 1982/1983, ficou responsável por intermediar esse acordo cultural e tecnológico. Dessa parceria, surge o Centro Técnico Audiovisual (CTAv), que nascia para apoiar o desenvolvimento da produção cinematográfica no Brasil e promover a formação, capacitação e aperfeiçoamento de pessoal técnico necessário à atividade. Foi montada uma estrutura na cidade do Rio de Janeiro com equipamentos doados pelo NFB. Uma das ações iniciais do programa foi o primeiro curso profissional de animação do Brasil,
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Meow (1981), de
Marcos Magalhães, é considerado um dos filmes de animação mais importantes da nossa filmografia
8 Na década de 1980, as
histórias em quadrinhos da Turma da Mônica ganharam as telas
“A Animação Brasileira embora tenha começado prematuramente, em 1917, levou muitas décadas até se firmar com uma produção consistente”, afirma o animador César Coelho CONTINENTE OUTUBRO 2017 | 31
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que seria coordenado por Marcos Magalhães e teria aulas ministradas, na sede do CTAv, por professores vindos da NFB, os animadores Jean-Thomas Bedard e Pierre Veilleux. Dez pessoas de diversas partes do país foram selecionadas para a primeira fase. Entre elas, a pernambucana Patrícia Alves Dias. “Foi um trabalho de formação que passava por várias técnicas e também por discussões teóricas, conceituais e de conteúdo. O trabalho de conclusão de curso era um filme, cada um fez um curta, mas um influenciava o curta do outro”, afirma Patrícia. A ideia era que os alunos retornassem às suas cidades de origem e montassem núcleos regionais de animação, com o intuito de disseminar o conhecimento adquirido. É possível afirmar que só após o acordo de cooperação entre o Brasil e o National Film Board do Canadá a animação brasileira passou a ganhar força e manter uma produção mais consistente. Da parceria, surgiram três núcleos de produção em animação, em Belo Horizonte, Porto Alegre e Fortaleza.
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Um dos mercados mais prolíferos para a animação é o segmento de séries de TV. Mas, na década de 1980, não havia espaço para produções nacionais, visto que a grade das TVs brasileiras era predominantemente ocupada por produções hollywoodianas. Porém, houve uma tentativa de quebrar essa hegemonia. Maurício de Sousa já era famoso por suas histórias em quadrinhos e buscou implantar a série televisiva da Turma da Mônica, usando sua influência e contatos. Foi a primeira experiência de se produzir animação em termos industriais no país, empregando cerca de 250 profissionais, além de contar com a ajuda de outras produtoras espalhadas pelo país. Porém, a série teve dificuldades de entrar nas grades de programação da TV e acabou indo diretamente para o mercado de vídeo doméstico ou reunida em um só filme e lançada no cinema. Segundo Arnaldo Galvão, “Maurício de Sousa é o ponto fora da curva. Sucesso com quadrinhos e uma força sem igual também na produção
audiovisual. Dos 50 filmes de longa metragem de animação produzidos em 100 anos de história, 20 foram produzidos por ele”. A produção é interrompida na década de 1990 por conta da crise da produção audiovisual brasileira, na Era Collor, e só retorna em 2004, com o longa Cine Gibi. Mesmo com toda a dificuldade, o estúdio Maurício de Sousa foi responsável por 20 dos cerca de 50 longas nacionais lançados até hoje. É também dele a maior bilheteria de um filme nacional de animação, a única que bateu a marca de um milhão de espectadores. As aventuras da Turma da Mônica (1982) levou 1.172.020 pessoas aos cinemas nos anos de 1982 e 1983. A década de 1980 viu também o lançamento do primeiro longa de animação nordestino, Boi Aruá, de 1985, realizado pelo artista plástico e animador baiano Francisco Liberato, que manteve uma produção praticamente isolada com seus filmes Anti-strofe (1972), Caipora (1974), Eram-se opostos (1977), Carnaval (1986), entre outros. Nas palavras de Arnaldo Galvão, “nosso quinto longa-
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Boi Aruá (1985) é o primeiro longa de animação nordestino
10 Os criadores do
Anima Mundi: Léa Zagury, César Coelho, Aída Queiroz e Marcos Magalhães
metragem, e o primeiro produzido fora do eixo Rio-São Paulo, nasce do que o Brasil tem de mais profundo e mitológico. Usando como ponto de partida a linguagem da literatura de cordel, mas com o domínio gráfico adquirido ao longo de anos, e a trilha sonora que mistura o regional com o clássico, o resultado é uma obra-prima que funciona como um farol para gerações de realizadores”. Em 2014, Liberato lançou o seu segundo longa (e também o segundo longa nordestino) Ritos de passagem. “Nos dois longas que fizemos, Boi Aruá e Ritos de passagem, as duas histórias abordam cenários e personagens sob uma perspectiva humanista como ainda encontramos no sertão nordestino pela cultura popular do cordel. O desenho utilizado na representação daquele cenário, vem com um conteúdo de vigor muito forte pela estética da cultura brasileira
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bem evidente e sempre renovada na riqueza expressional do povo, incluindo a música que na nossa obra ocupa um lugar de destaque. Tal é a importância de conduzir nossa obra no sentido pioneiro aqui atribuído”, explica o autor.
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Apesar do crescimento da animação na década de 1980, faltava uma oportunidade para que os profissionais se reunissem e discutissem o futuro do segmento no país. O I Encontro de Cinema de Animação se deu em Olinda, no ano de 1987, organizado pelo pioneiro animador pernambucano Lula Gonzaga e sua esposa Silvana Delácio. Houve mostras de filmes com o depoimento de vários animadores, a realização de quatro filmes coletivos e um fórum que deu origem à Carta de Olinda, a qual continha diversas reivindicações dos animadores, devidamente enviada à Embrafilme. Segundo o professor e pesquisador Antônio Moreno, em texto publicado na época, “O encontro foi um evento de extrema importância para o cinema
de animação brasileiro, não só pela oportunidade de comprovar sua vitalidade, como colocar em debate e encaminhar sugestões à Embrafilme e ao Ministério da Cultura, para a solução de problemas primordiais”. Mais dois encontros foram realizados, no ano seguinte, em 1988, na cidade de São Paulo, e, quatro anos depois, em 1992, um terceiro encontro aconteceu em João Pessoa. Eles foram muito importantes para um fortalecimento político dos animadores, que podiam, além de se conhecer, trocar ideias e expor as dificuldades e as demandas da classe. Sobre o I Encontro de Cinema de Animação, Marcos Magalhães, um dos articuladores mais importantes para o desenvolvimento da animação brasileira, e que estava presente no evento, afirma: “Acho que este ambiente de união e participação política certamente deu frutos e favoreceu a criação de uma classe (os animadores brasileiros) extremamente unida e solidária. Anos mais tarde, o festival Anima Mundi de certa forma deu continuidade
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a este ambiente de integração e diálogo entre os animadores”. Sentindo a necessidade de criar um evento regular que servisse como base para o encontro dos animadores de todo o Brasil, os animadores Marcos Magalhães, Aída Queiroz, César Coelho e Léa Zagury criaram, em 1993, o Festival Anima Mundi, hoje considerado um dos maiores do mundo. “O festival teve como um dos seus principais desafios e metas revelar as múltiplas formas que a arte de animação poderia assumir. Dar acesso ao público brasileiro à riqueza formal, temática e plural da produção agora cada vez mais espalhada pelo planeta. Paralelamente, buscava-se também ampliar as possibilidades da produção nacional criando intercâmbios, referências, quebrando barreiras e promovendo a organização do setor”, diz César Coelho. Para Arnaldo Galvão, “o Anima Mundi é o carnaval de quem trabalha com animação. A hora de fugir com o circo. (…) Desde 1993 essa mistura de filmes, oficinas e troca de experiências funcionam como uma plataforma sólida para sonhos e realizações”.
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11-12 A rnaldo Galvão e Marcelo Marão apontam a importânica do Anima Mundi no cenário da animação brasileira
13 Uma coprodução entre a
brasileira 2DLab com a Breakthrough Animation, do Canadá, possibilita a produção da série infantil Meu amigãozão
eram cinco filmes brasileiros; no ano seguinte, foram 20; no outro foram 40 e depois 100, e depois 200. E o festival foi, e é, fundamental para a formação profissional dos animadores no Brasil”, depõe Marão.
ONDE ESTAMOS…
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O Anima Mundi vem cumprindo esse papel de reunir os animadores, formar público e ser uma vitrine para os filmes estrangeiros e brasileiros, visto que, especialmente na década de 1990, os escassos filmes que eram produzidos no país conseguiam, no festival, uma janela para serem exibidos a um grande público. Além disso, boa parte dos animadores profissionais do Brasil descobriu sua vocação ao assistir às mostras ou participar de oficinas e palestras do festival, como é o caso do animador carioca Marcelo Marão.
“Dentro do festival, a gente – a minha geração e a seguinte – conseguiu conhecer técnicas diferentes, estéticas diferentes, muito mais amplo do que a animação feita só para o público infantil. Eu fiz meu primeiro filme instigado pelo que vi nos primeiros cinco anos do festival e pela janela. Você saber que tem uma tela para essa quantidade de gente que vai assistir a sua animação, e isso foi acontecendo com mais pessoas. Em 1996, quando eu participei com meu primeiro filme, As cebolas são azuis,
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São 100 anos de animação nacional, mas podemos dizer que a maior parte dessa produção foi realizada nos últimos 20 anos. Marcelo Marão aponta que, além do Anima Mundi, que “fomentou a gana de produzir dos brasileiros”, os motivos do aumento da produção se dão também pela “organização dos profissionais de animação como classe”, com a fundação da ABCA – Associação Brasileira de Cinema de Animação, em 2003. “Pela primeira vez, a gente podia conversar com entidades públicas e privadas, com o Ministério da Cultura, para a criação de editais específicos para animação, edital de curta, desenvolvimento de longas, pilotos para TV”, afirma Marão. Entretanto, o fenômeno do aumento de produções animadas, especialmente a partir de meados da década de 1990, não é exclusividade do Brasil. Na verdade, é uma tendência mundial. Isso por conta do advento da computação gráfica, que tornou os meios de produções animados mais acessíveis e baratos. O acesso a um computador mediano e programas como o Macromedia Flash foram fundamentais para que curiosos e profissionais tivesse as mesmas oportunidades de realizar um filme animado, sem a necessidade de materiais e equipamentos caros, como câmeras, trucas, acetato e a finalização em película. “Era o início de uma nova era, quando a tecnologia abria as portas da produção de animação, tornando
A chamada Lei da TV Paga, que determina a exibição de uma cota de produções brasileiras independentes nos canais a cabo, fez crescer a demanda por séries animadas nacionais cada vez mais acessíveis os meios de produzi-la”, declara César Coelho. Porém, mesmo com o aumento no número de produções e de profissionais da animação, a última década do século XX e a primeira do século XXI foram um período de dificuldades e amadurecimento para a animação no Brasil. A maior
parte do que se fazia ainda estava restrito ao segmento de motion graphics e publicidade. A produção autoral e artística estava praticamente limitada ao cinema de curtas-metragens, um mercado tão árido e hostil, que dificilmente se sustentaria sem o esforço heroico de alguns artistas e o fomento de órgãos governamentais.
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A partir do final da primeira década dos anos 2000, outros modelos de negócios começam a surgir e a fazer sucesso no mercado de animação do Brasil, além da publicidade, sempre presente. A internet, por exemplo, criou demandas voltadas à educação a distância, animação para websites, e jogos online. Mas a reviravolta no mercado da animação se deu com o implemento da Lei 12.485, que determinou a exibição de uma cota de produções brasileiras independentes dentro da programação dos canais a cabo, a chamada Lei da TV Paga. A demanda por produções animadas, especialmente séries, cresceu como nunca se viu no país. Estúdios de animação começam a se estruturar, especialmente no Rio de Janeiro e em São Paulo. Coproduções para realização de séries são estabelecidas com empresas estrangeiras, como é o caso da série infantil Meu amigãozão, feita pela 2DLab em parceria com a Breakthrough Animation, do Canadá. “As séries são importantes no sentido de gerar trabalho contínuo e fonte de renda principal para muitos profissionais, além de defender uma propriedade intelectual local, que se converte em ativos culturais”, defende Andrés Lieban, criador de Meu amigãozão.
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14-15 O menino e o mundo,
de Alê Abreu, foi a primeira animação brasileira a concorrer a um Oscar e foi comercializado em mais de 85 países
16 U ma história de amor e fúria
recebeu prêmio no Festival de Annecy (FR), considerado o mais importante da animação mundial
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Ações governamentais começaram a ser implantadas. A mais importante delas foi o AnimaTV, que, nas palavras de Arnaldo Galvão, foi “uma das mais fecundas iniciativas envolvendo o MinC – Secretaria do Audiovisual, TV Brasil, TV Cultura e ABCA”. O programa ofereceu oficinas em várias cidades brasileiras para orientar as produtoras sobre como montar um projeto para uma série de TV animada. Foram enviados 257 projetos inéditos de 17 estados brasileiros. Desses, 17 foram selecionados para produzir um piloto. Por fim, dois pilotos, Tromba trem e Carrapatos e catapultas, foram escolhidos para virar séries. Um edital de incentivo como o AnimaTV vai além das duas séries finalistas. Vários dos 257 projetos iniciais acabaram conseguindo viabilizar sua produção no futuro, como por exemplo Zica e os camaleões, Historietas assombradas e Vivi Viravento. “A produção brasileira de animação avançou muito além dos redutos da publicidade e de iniciativas isoladas de filmes autorais. Hoje, podemos dizer que existe uma indústria, ainda muito jovem, mas que já apresenta
resultados significativos na produção de animação comercial”, afirma Aída Queiroz, animadora e produtora do Anima Mundi. Atualmente, são cerca de 50 séries brasileiras no ar. Algumas bem-conhecidas do público, que não imagina serem elas um produto originalmente brasileiro, como: Historietas assombradas, O irmão de Jorel, Peixonauta e a pernambucana Mundo Bita. Algumas dessas séries já extrapolaram o limite geográfico do país, sendo distribuídas para mais de 100 países. “O Brasil está sendo visto como um país que respeita prazos de produção, tem padrão de qualidade internacional e uma grande originalidade/diversidade estética”, afirma Andrés Lieban, criador da série Meu Amigãozão.
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Se as séries para TV estão conseguindo um retorno em termos de reconhecimento financeiro, o mesmo não pode ser dito dos longasmetragens, que não conseguem um retorno satisfatório nas bilheterias. Porém, em termos de reconhecimento, os nossos filmes vêm demonstrando
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que estamos no caminho certo. Por dois anos consecutivos, o país levou o principal prêmio no Festival de Annecy (FR), considerado o mais importante da animação mundial. O primeiro foi em 2013, com o filme Uma história de amor e fúria; o segundo, no ano seguinte, em 2014, com O menino e o mundo, de Alê Abreu (isso sem contar que em 2015, Guida, de Rosana Urbes, ganhou o prêmio de melhor curta-metragem). O filme de Alê também foi a primeira animação brasileira a concorrer a um Oscar e foi comercializado em mais de 85 países. “Longas estão com uma produtividade inédita, temos 25 filmes em produção. Prêmios como os de Annecy para História de amor e fúria e O menino e o mundo são fundamentais para consolidar o estímulo a essa produção, apesar de o mercado nacional ainda não receber bem o filme brasileiro e, internacionalmente, o lançamento dos nossos títulos se reduzir a exceções”, confirma Andrés Lieban. Segundo Marão, o problema das bilheterias dentro do Brasil se deve à distribuição. “No cinema, a gente continua nessa luta bem grande de distribuir um longa-metragem de animação brasileiro. Então, cada vez que a gente consegue avançar, é uma dificuldade nova pela frente.” Essa situação muito se deve ao domínio que os filmes comerciais americanos ainda exercem nas salas de cinema, deixando as animações nacionais com pouco espaço e horários reduzidos de exibição. Para Liesban, “O market share das salas brasileiras é majoritariamente de filmes pra família, com grande destaque para os de animação, que fazem bilheterias enormes. No entanto, a participação brasileira nessa fatia é irrisória”. Um exemplo recente de como um longa de animação brasileiro pode conseguir êxito nas bilheterias é o filme Lino, de Rafael Ribas, produzido pela StartAnima e distribuído pela Fox Film do Brasil, que atingiu mais de 115 mil espectadores, alcançando cerca de R$ 2
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milhões em bilheteria, a maior abertura de uma animação nacional até hoje. Porém, esse número ainda está longe de lançamentos internacionais como Emoji movie, que arrecadou no final de semana de estreia 5,9 milhões de reais e vendeu 374 mil ingressos. É importante destacar um aspecto muito positivo da animação brasileira, como um todo. Enquanto vários países como China, Coreia, Filipinas e Índia funcionam como mão de obra (barata) para produções dos grandes centros, o Brasil vem conquistando um papel de player no mercado internacional. Ou seja, o conteúdo que produzimos aqui é um conteúdo nosso, são nossas histórias, nossas ideias e nossos valores. “O Brasil nunca topou ser service, ser um braço de trabalho do mercado mundial. Nós nascemos com essa vontade de ser autores”, afirma Alê Abreu, diretor do aclamado O menino e o mundo. César Coelho corrobora essa ideia: “Essa é uma distinção importantíssima, pois, além de criamos e exportarmos conteúdos de animação, estamos criando e estabelecendo no mercado propriedade intelectual brasileira. As
crianças de hoje já poderão, quando adultas, lembrar seus heróis de infância sabendo que eles são brasileiros”. Talvez a maior dificuldade que a animação do país enfrente hoje é a falta de uma mão de obra especializada, especialmente quando falamos de produção de séries para TV. Esse é um problema bem característico de um mercado ainda em crescimento. Pois existe uma produção, que não é grande, mas cresceu o suficiente para precisar de mais trabalhadores. Porém, não se pode formar profissionais em excesso sem uma garantia de que existirá demandas futuras. Sobre esse aspecto, Marão aponta que “a formação é o problema maior e deve acontecer concomitantemente ao fomento de novas produções. Temos de formar pessoas de um modo mais acadêmico e menos autodidata”. Para isso, é necessário um planejamento de fomento e formação através de editais públicos que entendam as necessidades do mercado de animação, que exige maiores investimentos e prazos mais longos. “A dificuldade seguinte é fazer os órgãos públicos compreenderem as
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17 Lino, de Rafael Ribas, foi
sucesso de bilheteria no Brasil
18 Em 2018, o Festival de Annecy, na França, homenageará a animação brasileira
especificidades da produção de uma animação em relação a uma ficção e documentário”, completa Marão.
PARA ONDE VAMOS?
Em 2018, o Festival de Annecy homenageará a animação brasileira. Há o que comemorar, mas ainda mais para construir, pois o Brasil vive os dilemas e as dificuldades de um país periférico, lutando para formar uma indústria que sustente uma produção intensa e constante. Os números comprovam que a animação no Brasil avançou mais na última década do que nos 90 anos anteriores, tanto em termos quantitativos (número de filmes) quanto em qualitativos (número de participações e prêmios em festivais internacionais). Para a próxima década, espera-se o aperfeiçoamento dos programas e incentivos vindos do governo e de outras instituições. Na opinião
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de Arnaldo Galvão, “avançamos e ganhamos muitas batalhas, mas precisamos de ajustes constantes para continuar competindo: uma burocracia leve que entenda rápido os acordos de coprodução e liberação de recursos. Precisamos ter acesso a equipamentos e softwares com preços mais competitivos. Precisamos de uma distribuidora estruturada que fure o bloqueio aos longas de animação brasileiros, dentro do próprio país. E precisamos de leis ágeis que entendam a velocidade das transformações do mercado”. Os realizadores dependem basicamente de financiamentos vindos do governo para produzir. “A maioria dos países que possuem um audiovisual forte tiveram um investimento muito grande do governo inicialmente, seja de fomento, seja de proteção ao que é produzido nacionalmente. Esses países entenderam que o cultural também está muito vinculado ao econômico”, afirma Marão. Assim, fazem-se necessárias estratégias para preparar de maneira adequada os profissionais, potencializar a produção, divulgar e comercializar
os produtos nacionais. E tudo isso passa por resoluções governamentais. O nosso mercado evoluiu tanto nos últimos anos, não se pode deixar que esse progresso se perca por uma visão míope de quem está no poder. Como disse Aída Queiroz, ao ser perguntada sobre o futuro da animação brasileira: “Vai depender do futuro do Brasil”.
FEITOS EM PERNAMBUCO
Se a animação brasileira está comemorando 100 anos, o cinema animado feito em Pernambuco existe há menos de meio século. As primeiras menções a um filme de animação local foram publicadas em outubro de 1968 no Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro, em três reportagens que mencionavam o IV Festival Brasileiro de Cinema Amador. Entre os concorrentes estava A luta, de Sérgio Bezerra Pinheiro, realizado com a técnica de pintura direta na película 35mm, e identificada como sendo uma obra pernambucana. Foi contemplada com o troféu de melhor animação no festival, porém, dentro da historiografia pernambucana, não existe menção ao filme ou ao seu realizador.
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Em 1972, no início do Ciclo do Super 8, o cineasta Fernando Spencer juntou-se ao animador Lula Gonzaga para realizar Vendo/ouvindo, um experimento que, nas palavras de Lula, é uma “crítica simbólica à censura imposta pela ditadura militar”. Realizado em poucos dias, de forma simples e utilizando acetatos usados, o filme mostra um rosto que tenta falar, mas, quando finalmente abre a boca, surge uma tarja onde está escrito ‘FIM’. Ainda em 1972, outras quatro animações foram produzidas no Recife. Todas utilizando a técnica de intervenção direta sobre a película, entre as quais Puf no Cosmo das Cores – realizada pelo cineasta Osman Godoy com canetas de retroprojetor sobre a película virgem – e a série Dinâmica dos traços I, II e III, do artista plástico Ypiranga Filho, que raspou a película velada com lâminas de barbear, lixas e palha de aço sobre um espelho. O Ciclo do Super 8 rendeu mais oito animações, cinco delas realizadas em 1975 por Walderes Soares (PIX-PGE 1, 2 e 3, PIX-Close e O Homem que punha a mão para fora). Spencer foi autor do primeiro stop motion do estado, As corocas
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19 O cineasta Fernando
Spencer juntou-se ao animador Lula Gonzaga para realizar Vendo/ ouvindo, em 1972
20 A animação
pernambucana em 3D Até o sol raiá (2007)ganhou o prêmio principal do Anima Mundi
Teixeira, e Cotidiano (1980), uma refilmagem de sua primeira animação, Vendo/ouvindo. Depois de um estágio na Escola de Zagreb, na Croácia, ele dedicou-se a ministrar oficinas itinerantes de animação artesanal. Na década de 1980, as principais produções se deveram à Patrícia Alves Dias, que participou de um curso de formação no Rio de Janeiro, fruto de uma parceria entre a Embrafilme e o National Film Board do Canadá, onde realizou Presepe (1986). Dois anos depois, Patrícia, em conjunto com a TV Viva, lançaria O pavão misterioso (1988), uma animação stop motion gravada com vídeo U-matic.
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se divertem (1977), usando bonecas de pano compradas em uma feira de artesanato. E, por fim, o artista plástico Paulo Brusky produziu dois filmes baseados em suas experiências com arte xerox: Xeroperformace e LMNUWZ, fogo!, ambas de 1980. O Ciclo do Super 8 foi o primeiro boom da animação pernambucana. Isso se deveu à facilidade de aquisição e manuseio do equipamento. Porém, com exceção de Lula Gonzaga, nenhum outro diretor do Ciclo voltaria a fazer um filme animado. Sendo assim, as décadas de 1980 e 1990 foram
quase nulas em relação ao cinema de animação em Pernambuco. Um fator determinante também foi a substituição da película Super 8 pelo vídeo analógico. Esse equipamento não possuía a função quadro a quadro, o que dificultava muito a confecção de um filme animado. Nessa entressafra, podemos destacar filmes feitos por pernambucanos no Rio de Janeiro. No fim da década de 1970, Lula Gonzaga lançou dois curtas em 35mm: A saga da asa branca (1979), homenagem operística à música Asa branca, de Luiz Gonzaga e Humberto
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O fim da década de 1990 e início dos anos 2000 foram marcados por uma revolução tecnológica que teve um impacto enorme na produção animada por conta das plataformas digitais, que não só facilitaram o processo de produção, mas também tornaram acessível a qualquer entusiasta realizar um filme animado. O marco inicial dessa nova fase é o filme Ontem x hoje (1999), de André Rodrigues, que trata exatamente das tecnologias antigas versus as novas, ao mostrar a luta entre um boneco 2D, desenhado em papel, e um boneco 3D. O filme foi feito por ex-alunos de Lula Gonzaga, que viriam a se tornar uma nova geração de animadores pernambucanos, ao fundar a Quadro a Quadro, primeira empresa do Recife a ter como foco inicial a animação. No início da década de 2000, a produção foi de certa forma tímida, porém constante. A partir de 1999, só o ano de 2003 não registra o lançamento de uma animação. Os destaques dessa retomada são O bicho (2000), de Antero Assis; Transportes (2001), de Daniel Lopes; A árvore do dinheiro (2002), de Marcos Buccini e Diego Credidio, ganhadora do prêmio do cyberjuri do Anima Mundi Web. Em 2005, aconteceu o maior boom, até então, de animações pernambucanas: 14 filmes. Foi o ano da fundação do Núcleo de
No início dos anos 2000, a animação em Pernambuco ainda não era um mercado atraente e muitos dos diretores não passaram dos primeiros filmes. Muitos desistiram e outros tantos inseriramse na publicidade CONTINENTE OUTUBRO 2017 | 41
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Animação da AESO, que, durante o final da década, foi responsável por alguns dos mais importantes filmes do estado, como A morte do Rei de Barro (2005); Na corda bamba (2006); O jumento santo e a cidade que acabou antes de começar (2007); e Voltage (2008). Outro destaque é a animação 3D Até o sol raiá (2007), ganhadora do prêmio principal do Anima Mundi. A primeira década dos anos 2000 foi um período de crescimento quantitativo e consolidação de uma produção de qualidade suficiente para concorrer em grandes festivais do país. Porém, a maior parte dos filmes lançados ainda eram amadores e, na maioria das vezes, bancados com recursos próprios. A animação em Pernambuco ainda não era um mercado atraente e alguns diretores não passaram dos primeiros filmes. Muitos desistiram e outros tantos acabaram se inserindo na publicidade ou nas empresas de jogos eletrônicos. De 2010 em diante, esse contexto muda com o crescimento dos editais de fomento, em especial o Funcultura Audiovisual, possibilitando que alguns
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21 A série
pernambucana Mundo Bita conseguiu ser finalizada e comercializada para além dos limites do estado
22-23 A produtora
Carnaval está com duas séries animadas na agulha: Dó ré mi fadas e Bia desenha
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animadores continuem produzindo conteúdo autoral. É o caso de Nara Normande, que em 2011 lança o Dia estrelado. Iniciativas como as oficinas do Cine Sesi e os festivais de cinema permitem que os animadores tenham uma fonte extra de renda e possam dedicar-se aos seus projetos pessoais. Por falar no Cine Sesi, outra questão importante a se destacar é o crescimento do número de animações em decorrência de vários filmes originários de oficinas, projetos de graduação ou mesmo disciplinas de cursos superiores. Na maioria das vezes, esses filmes têm um propósito
de servir como exercício para alunos iniciantes e não têm a mesma ‘força’ de um filme feito por um animador experiente, ou um viés mais autoral e artístico. Porém, o grande número de filmes de formação pode indicar um futuro promissor para a animação local.
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Uma nova realidade para a animação brasileira começa a surgir com a Lei da TV Paga, a 12.485, promulgada em 2011, que determinou a exibição de uma cota de produções brasileiras independentes dentro da programação dos canais a cabo. Essa lei estimulou
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a criação de séries animadas no país, mas esse florescimento ficou restrito ao eixo Sul – Sudeste. Em Pernambuco, o que sentimos foi uma evasão de mão de obra para os grandes centros. Porém, a demanda acabou crescendo, junto com a visão dos gestores dos editas estaduais, que começaram a apostar em séries para TV. E, apesar de alguns esforços anteriores, somente em 2013 surgiu uma série pernambucana que conseguiu ser finalizada e comercializada para além dos limites do estado: O Mundo Bita. O personagem, criado por Chaps Melo, tinha o objetivo inicial de ilustrar aplicativos e e-books, porém, o clipe musical fez um grande sucesso no Youtube e a empresa Mr. Plot, da qual Chaps é sócio, resolveu investir em uma série musical com o Bita. Após o sucesso com a venda de DVDs, distribuídos pela Sony, e com a comercialização de interprogramas em canais infantis e plataformas de streaming, a Mr. Plot aposta em uma nova série com o Bita, que investe mais na dramaturgia. Com o sucesso do Bita e com o financiamento dos governos estaduais e federais, várias outras séries têm surgido em Pernambuco. Talvez a produtora que mais se destaca nesse cenário seja a Viu Cine, que acabou de
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finalizar a primeira temporada da série Além da lenda, patrocinada pela Ancine, e que já teve o projeto de um longa baseado na série aprovado em edital. A Viu Cine está com mais três séries em pré-produção ou com financiamento já garantido: Pedrinho e a chuteira da sorte, com patrocínio do Funcultura e previsão de lançamento para 2018; Iuri Udi, aprovada no edital Prodav 04 da Ancine, e Zoopedia, também com recursos do Funcultura. Com isso, a Viu Cine é a produtora que mais está contratando mão de obra no estado. Este ano, a produtora Z4 finalizou a série Bela Criativa em 3D, indicada a melhor série de animação no ComKids Festival Prix Jeunesse Iberoamericano, que aconteceu em São Paulo. Já a produtora Carnaval está produzindo Bia desenha, em 2D. Outros quatro projetos de seriados animados foram aprovados pelo Funcultura. Também da Carnaval, Dó ré mi fadas, baseada na dupla musical infantil Fadas Magrinhas, que já está com o piloto pronto e os roteiros de 13 episódios. O próximo passo, segundo a produtora Nara Aragão, é conseguir “um canal para coproduzir ou para pré-licenciar e tentar um financiamento via Fundo Setorial do Audiovisual”. Estórias extraordinárias, com direção de Olímpio Costa, está na fase
de pré-produção, e, segundo o autor, trata de “como se deu o fantástico na periferia da periferia do capitalismo”. E Pipo e Fifi, baseado em um premiado livro infantil da autora Caroline Arcari, que trata da prevenção da violência sexual na infância, que também está na fase de pré-produção. As aventuras do menino pontilhado, lançado em 2016 como curta, hoje busca financiamento para os episódios. A maior parte das séries produzidas no país tem como público-alvo as crianças; em Pernambuco, não é diferente. Porém, a Produções Ordinária investe em séries e filmes para adultos, com humor nonsense, sempre dialogando com a cultura regional, e, em plena era digital, utilizando a técnica de recorte analógico, ou seja, imagens de papel recortadas e animadas quadro a quadro. Entre as principais obras, estão Noisé, que disseca expressões locais como “pirangueiro” e “fuleiro”; e a série Lá vem, que desconstrói figuras mitológicas locais, como a Perna Cabeluda, a Comadre Fulozinha e a LaUrsa. A Produções Ordinária acabou de lançar seu primeiro curta-metragem, Fazenda Rosa. Assim como na conjuntura nacional, a animação pernambucana nunca esteve tão produtiva. Olhando
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para a frente, as perspectivas são muito positivas. Pernambuco tem um dos melhores editais de fomento do Brasil, além de um riquíssimo repertório cultural a ser explorado. De 2010 até o momento, já se produziram mais filmes do que em toda a década passada, então podemos esperar muito da produção pernambucana nos próximos anos. O desafio agora é fomentar mais o mercado para manter os bons profissionais no estado e possibilitar que eles se dediquem integralmente à área de animação. É preciso formar melhores animadores, mais especializados e capacitados, e elevar o nível das animações, tanto tecnicamente quanto conceitualmente. A superação desses desafios poderá transformar a animação periférica pernambucana em um dos principais centros produtores do país. MARCOS BUCCINI, é designer, doutor em Comunicação pela UFPE e professor do Núcleo de Design e Comunicação da mesma instituição. Desde 2002, trabalha com cinema de animação, produziu e dirigiu diversos curtas-metragens, que somam mais de 50 prêmios. Em novembro de 2017, Buccini lançará o livro Trajetória do cinema de animação em Pernambuco.
POLAROID, OS 70 ANOS DA FOTOGRAFIA INSTANTÂNEA
REPRODUÇÃO
TEXTO JOSÉ AFONSO JR.
Ensaio
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urante as décadas D de 1970-80, Andy Warhol fez vários instantâneos de artistas e personalidades que depois inspirariam pinturas e gravuras 1
Em um dia de férias, em 1943, uma
garotinha de três anos perguntou ao seu pai por que ela não poderia ver as fotografias na hora, assim que eram tiradas. O pai, Edwin Robert Land, egresso da Universidade de Harvard, tinha à época uma empresa de plásticos polarizados, úteis para a fabricação de certos tipos de lentes como, por exemplo, máscaras submarinas, óculos de aviadores e aplicações científicas. A pergunta da filha deve ter ecoado de modo forte na cabeça do pai. Então, Land empreendeu todo o processo de desenvolvimento da tecnologia de impressão direta de um positivo em papel. Em breves termos, pois o processo todo é extremamente complexo, ele compactou todos os estágios de sensibilização do filme e de revelação em camadas sobrepostas de químicos que, cada um ao seu turno, registravam, revelavam e fixavam a imagem final. Tudo isso
empacotado em um envelope fino, que dava a impressão de ser uma chapa fotográfica única e flexível. O processo acontecia no momento em que o envelope fosse removido da câmera. Em 1947, foi apresentado o primeiro modelo da Polaroid, o Land Model 95. Lançada comercialmente em 1948, a câmera respondia à pergunta da filha e inaugurava um capítulo na história da fotografia: a imagem instantânea. Em um certo sentido, a invenção da fotografia instantânea apresentada pela Polaroid atua como um elo entre a fotografia analógica e a digital, no que toca à visualização imediata. Pensemos da seguinte forma: como era fotografar em 1947? Naquele momento do pós-guerra, os maiores avanços da tecnologia da imagem abordavam também a questão da velocidade. Lentes mais luminosas e mais rápidas, filmes mais sensíveis, também, processos de revelação mais ágeis. Câmeras com
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ajuste de exposição e avanço de filmes automáticos, rapidez, velocidade. Aqui é o ponto de ruptura entre toda fotografia da época e o pensamento de Edwin Land: enquanto a indústria da fotografia procurava comprimir as etapas de produção, reduzindo intervalos, compactando e automatizando processos, ganhando migalhas de segundos a cada inovação, Land pensava o processo dentro de outro eixo: o da instantaneidade. Era uma concepção sobre a fotografia totalmente radical. A quebra que acontecia era uma relação particular entre a fotografia e o tempo. A fronteira inicial da imagem instantânea como elemento da estética das experiências visuais. Pensar o instante não como um ato de sucessão entre o que se vê, o que se fotografa e se vê novamente em modo de imagem, mas como um ato de sobreposição, no qual a visualização é simulação e está colada ao momento em que a fotografia é feita.
Passados 70 anos, a assimilação desse quadro é tal, que, provavelmente o estranho é perguntar e conceber imagens que não sejam instantâneas. O anacrônico é não ver na hora, a espera foi suprimida. A expectativa entre entregar as fotos no laboratório e receber o resultado dias ou horas depois era algo recheado de algum tipo de ansiedade ingênua e divertida, que perdeu seu lugar de ser na cultura da fotografia. Em um mundo de crescente aceleração da experiência do tempo atravessando nossas dinâmicas do dia a dia, pensar o surgimento da Polaroid é quase um triunfalismo tecnológico para compreender a fotografia atual. Digital, móvel, em redes, compartilhada e, obviamente, instantânea. Isso é tão verdadeiro, que a associação entre as palavras Polaroid e fotografia formam uma imagem conceitual única. E você, que está lendo aqui, sabe qual é.
Temos, com a fotografia contemporânea, quase uma obrigatoriedade de a mesma circular praticamente no mesmo momento em que é produzida. Isso aponta para um sintoma mais amplo, na nossa relação com as imagens e a forma de vivenciar a assimilação do tempo que a fotografia permite. A Polaroid, certamente, não inventou esse projeto. Mas o que permite que justamente isso seja o modo atual de experienciar a fotografia foi, sim, uma abertura de cenário acontecida há 70 anos.
CLIQUE ÍNTIMO
No entanto, a importância e relevância da Polaroid não se restringem à redução entre o tempo da tomada da imagem e sua visualização. O argumento de Edwin Land era que, idealmente, tudo o que seria necessário para ter uma boa fotografia era, simplesmente, tirar a fotografia. Isso envolvia até
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dispensar o trabalho de enviar o filme para o laboratório para ser revelado. Os desdobramentos desse aparente processo de simplificação para o usuário são diversos e vão além da questão do instante. Rapidamente, logo após a sua comercialização inicial e superação dos primeiros problemas técnicos (sim, a Polaroid teve que fazer vários recalls para ajustes no sistema da câmera e dos filmes que usava, pois os primeiros exemplares geravam fotografias que esmaeciam e se apagavam em poucas semanas após serem tiradas), surgiram então usos gerados pela refuncionalização feita pelos usuários. Exemplo? O fato de nenhum olhar estranho ter acesso ao conteúdo da imagem – mesmo no momento de processamento de um filme no laboratório – fez da Polaroid o dispositivo padrão, antes do digital, dos experimentalismos do clique
Ensaio DIVULGAÇÃO
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íntimo, feito da porta do quarto para dentro, entre fotógrafo e fotografado. A instantaneidade da impressão na hora não gerava cópias. O sistema não funcionava no binômio clássico do negativo único/vários positivos para geração de cópias impressas. Assim, cada imagem era essencialmente original, pertencente a um momento e ao dono de uma Polaroid. Para além da alcova da fotografia, a Polaroid se mostrou particularmente útil em cruzamento com outras áreas. No cinema, seu uso foi fundamental para o aperfeiçoamento e precisão do trabalho dos continuístas; na moda, como registro das experiências na elaboração de coleções; na fotopublicidade, como obtenção da imagem prévia antes do clique definitivo; nos usos de investigação forense, registrando cenas de crime; em usos científicos e um sem fim de aplicações. A cópia única e original, aliada à simplicidade de uso e ao controle
sobre o material obtido, rapidamente atraiu também a atenção de um grupo específico de gente ligada à ideia de autenticidade da obra: fotógrafos e artistas visuais interessados nas possibilidades expressivas da Polaroid. Já nos anos 1950, Edwin Land se aproximou do renomado fotógrafo Ansel Adams, o que redundou na contratação deste como consultor da empresa. Adams produziu para a companhia toda uma série de instantâneos que hoje está abrigada na International Polaroid Collection, no Musée de L’Elyseé em Lausanne, Suíça. Além dessa coleção, duas outras são de referência para a história do formato: a Polaroid Collection de Amsterdam e a sua homônima de Cambridge, EUA. Adams era um entusiasta e permaneceu como consultor, testando todos os filmes e câmeras da companhia até o seu falecimento, em 1984. Ora, se até Ansel Adams, gênio da fotografia de grande formato em alta qualidade usa a Polaroid, por
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que eu não vou usar? Essa pergunta retórica fez com que vários fotógrafos e/ou artistas visuais perdessem um certo pudor ou purismo em relação ao dispositivo, meio com jeito de brinquedo, e lançassem mão de experimentar a “coisa” das imagens instantâneas. Num passar de olhos sobre os catálogos da International Polaroid Collection, deparamo-nos com trabalhos de André Kertész, Robert Mapplethorpe, Helmut Newton, Robert Rauschenberg, Andy Warhol, David Hockney, Jeanloup Sieff, Ralph Gibson, Ullay e Marina Abramovitch, Stephen Shore, Arnold Newman. Também os brasileiros Vik Muniz, Cássio Vasconcellos, Gal Opido, Armando Prato, Luis Achutti, e tantos outros que flertaram, produziram e usaram a Polaroid como meio expressivo. O óbvio é que a Polaroid não se constituiu apenas em um sistema de fotografia. Com os usos cotidianos, dos artistas e fotógrafos, pouco a pouco foi se criando uma cultura da fotografia
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E m 1947, o criador da Polaroid, Edwin Land, lançou o primeiro modelo da câmera, o Land Model 95 avid Hockney D realizou vasta obra em mosaicos complexos de instantâneos
instantânea. Em parte, isso se deu pelo branding da marca, criando uma ideia de estilo de vida fotográfico, descolado, fácil, mágico e simplificado; e, em parte, devido à astúcia do seu inventor em resguardar a propriedade intelectual e criativa do seu produto. Foram várias as câmeras lançadas no mercado. De Polaroid para crianças até modelos de grande formato para fotografia em fine-art. O apogeu da marca se deu nos anos 1970. O maior clássico, sem dúvida, a câmera SX70, lançada em 1972 e que causou inveja na poderosa Kodak. O motivo? A foto já saía da câmera pronta, sem nenhuma necessidade de manipulação por parte do usuário. Esse modelo gerou uma guerra jurídica entre a Polaroid e a Kodak, só resolvida em 1978, em favor da Polaroid. A questão era que, como a Polaroid era dona, naquele momento, de um mercado mundial de um bilhão de fotos por ano, ela não tinha como suprir toda a demanda de suas linhas de produção com suas próprias matériasprimas. Um acordo, ainda dos anos 1950, assegurava a compra desses insumos justamente da… Kodak! Ou seja, a rival via a Polaroid crescer com matéria-prima que ela fornecia por força de contrato. Ao mesmo tempo, não tinha como entrar no mercado com um produto concorrente porque Land patenteava absolutamente tudo de modo a proteger a sua companhia.
Com isso, monopolizou a comercialização da fotografia instantânea por décadas. Nem outros gigantes do setor, como Nikon, Canon e Fuji, conseguiram entrar nesse nicho de mercado, ao menos até a queda compulsória do registro, após 50 anos.
AGENTE DE CULTURA
Como se vê, Edwin Land era um caso de inventor que acumulava habilidades nos negócios. Entre as décadas de 1950 a 1970, a Polaroid foi considerada a mais inovadora empresa de tecnologia do mundo, só possuindo menos patentes que Thomas Edison. Não por acaso, Steve Jobs, assumia abertamente ter várias vezes visitado Edwin Land e usado a Polaroid como modelo para criar a Apple, aliando qualidade com simplicidade de uso. Certamente, buscando caminhos para criar para a sisuda indústria dos computadores o que seu ídolo tinha criado para a indústria da fotografia: um ícone pop. Não só uma fábrica de máquinas, mas um agente da cultura visual massificada. Verdadeiramente, o aspecto de inovação ajuda a compreender o marco simbólico construído pela Polaroid. É interessante observar como em diferentes áreas o conceito da fotografia instantânea é ressignificado para além dos limites dos modelos de negócios e mesmo da fotografia. Hoje, a fotografia instantânea do tipo Polaroid foi ultrapassada pela disponibilidade de bilhões de dispositivos de fazer imagem como celulares, computadores e até câmeras fotográficas. Nada pode ser mais instantâneo no mundo atual que o estilo de vida digital, atravessado totalmente pela lógica do
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Ensaio IMAGENS: REPRODUÇÃO
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4-7 Noturnos São Paulo é série desenvolvida com instantâneos por Cássio Vasconcelos entre 1998-2002
8 Da janela do seu
apartamento, em Nova York, André Kertész realizou uma série experimental de singelos instantâneos
aqui e agora. Talvez essa aceleração seja tal, que podemos perceber que a própria ideia de instante foi sendo encolhida, compactada, para uma fração de segundo que se ajusta a um tempo automatizado, que não dá brecha para pegar ar e contemplar, a tal ponto que temos, ironicamente, mais tempo para fotografar do que para ver as imagens. A fotografia digital incorpora a instantaneidade, mas isso vem de antes. A história da Polaroid e, depois, dos seus clones e sistemas derivados, nos mostra claramente que é possível pensar, dentro dos percursos da fotografia, uma outra história da concepção da imagem que pode ser vista na hora em que é tomada. Com os diversos revezes que sofreu com a generalização da fotografia digital, e a sua dificuldade de se adaptar à era das imagens em formato de bits e megapixels, em 2008 saiu da sua última linha de
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Com os diversos reveses que sofreu em decorrência da aceleração da digitalização, em 2008 saiu a última leva de cartuchos de filmes da Polaroid montagem o último cartucho de filme instantâneo da empresa. Vale conferir o documentário Time zero, the last year of Polaroid film (inédito e sem tradução para o português), de 2012. Que acompanha o último ano de produção dos filmes instantâneos e é construído a partir dos depoimentos de exempregados da firma e de fotógrafos
fanáticos pelo formato. O resultado na tela é de cortar o coração. Outros sistemas ainda existem, de modo vestigial, ou como um hobby, pertencentes a outras empresas. Há iniciativas como a do austríaco Florian Kaps, que lançou com relativo sucesso – para fissurados em fotografia – o Impossible Project. Este consistiu
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em recuperar uma das fábricas da Polaroid, em Enschede, na Holanda, convocar antigos funcionários e reativar a linha de montagem de filmes instantâneos. Porém, o projeto esbarra em obstáculos como a baixa escala de produção, o custo alto, as patentes registradas e a ausência de produtos químicos que não existem mais no mercado, o que de certo modo dificulta que os filmes do Impossible Project se equivalham em resultados e em qualidade aos obtidos pela Polaroid. Todavia, a cultura da fotografia instantânea se firma não somente nas assimilações operacionais da fotografia digital, mas também se adapta a esta. São incontáveis, neste sentido, os aplicativos, atual coqueluche do mundo digital, que se voltam para a fotografia e, o mais interessante, transcodificando para os efeitos programados as respostas visuais que correspondem exatamente ao tipo de imagem entregue pela Polaroid e congêneres. O que é, sob o ponto de vista dos filtros e ajustes, o Instagram, senão vários estilos de texturas, cores e acabamentos que eram comuns à Polaroid? – memória plástica. Mais que isso, agregação de valor simbólico. O próprio nome Instagram apela ao conceito da imagem instantânea produzida com simplicidade e ao sabor do acaso.
Ensaio IMAGENS: REPRODUÇÃO
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9-11 O fotógrafo alemão
Helmut Newton usou os instantâneos também como testes de composição e luz
12 Walker Evans trouxe
seu interesse pelo episódico significativo para suas Polaroids
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ATRAVESSADOS PELO TEMPO
A força simbólica da marca agregada à ideia de instantaneidade foi além da fotografia, tendo inspirado, no terreno da ficção, filmes nos quais a compreensão da imagem em modo Polaroid é essencial ao enredo. Vale conferir, por exemplo, Amnésia (Memento, 2000), escrito e dirigido por Christopher Nolan e cujo enredo é sobre um homem que sofre de distúrbios de memória recente e tem crises de apagamento das recordações a cada cinco minutos. O personagem, então, lança mão de várias estratégias
para encontrar segurança diante dos desdobramentos da trama, já que não tem a memória natural. Um deles, além das tatuagens e anotações de caneta no corpo, é justamente o uso de Polaroids para criar esse lugar de referência. Poucos filmes exprimiram de modo mais preciso a relação entre fotografia e memória no momento em que a cultura substitui as imagens analógicas pelas digitais, e alterando os contratos entre as fotografias e a elaboração do nosso pertencimento a este mundo. Há ainda o filme de terror Morte instantânea (Polaroid, 2017), que está
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prestes a ser lançado, cuja trama ronda uma câmera Polaroid SX70 mal-assombrada e achada dentro de uma caixa em que há uma inscrição ao lado do botão do clique: “Não clique”! Obviamente, adolescentes não resistem a esse tipo de aviso. E, obviamente também, aqui não é lugar para dar spoiller. Há, no mundo, diversas ações em que a fotografia instantânea está no cerne do processo. É o caso do Projeto Lambe-Lambe, uma ação de diversos fotógrafos que tem lugar no carnaval do Recife há mais de 20 anos. Não é feito com Polaroid, mas com outra marca de filmes instantâneos. O resultado, com publicações, constituise num rico registro dos personagens carnavalescos das últimas décadas. Mais que isso, ao fotografar e devolver imediatamente às pessoas a própria imagem impressa, elabora-se uma mescla que envolve a fotografia como brincadeira de carnaval, uma peça de afeto e recordação e um pertencimento à festa. Há duas questões que podem ser formuladas e que abrigam o percurso da Polaroid no mundo da fotografia. A primeira, que vem lá dos anos 1940, perguntava o porquê das imagens não serem vistas na hora. A segunda, contemporânea, que corresponde ao seu ocaso somado ao da fotografia analógica, é justamente a antípoda: por que as imagens têm que ser
instantâneas? O interessante é que a Polaroid fez toda essa transição e responde às duas perguntas. Mas as questões da fotografia não dizem respeito somente ao fotográfico. É sempre uma questão de como práticas se tornam também fenômenos culturais. E a cultura assimila e reflete como nós somos atravessados pelo tempo. Tirando fotografias, construindo representações, memórias e sentidos, apropriamo-nos do mundo à nossa volta. A fotografia tem a capacidade de trazer, coladas a cada imagem, as condições que as tornaram possíveis. Seja 70 anos atrás, hoje ou no futuro, o que não foi nem será menos excitante ou importante é a nossa relação com o tempo das fotografias. Aquele tempo da memória, mas também o ciclo que nos permite conceber e reconhecer as imagens que fazemos. Nesse sentido, olhar para a história da Polaroid como uma experiência ultra-analógica de imagem instantânea não pode ser feito como sendo algo anacrônico ou mesmo atrasado para os nossos dias. É exatamente o contrário: é perceber, ainda nos anos 1940, os primeiros vestígios da aceleração da experiência do tempo que agora presenciamos. Mais: é perceber a gênese do fenômeno da fotografia como performance no preciso momento em que é elaborada. Setenta anos atrás, poucas coisas poderiam apresentar ao mundo uma ruptura como esta, de modo mais radical, inusitado, inimaginável e, obviamente, instantâneo. JOSÉ AFONSO JR é professor da UFPE e pesquisador.
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LEO CALDAS
TULIO FELICIANO E O SAMBA Produtor musical e diretor pernambucano, que trabalhou com os principais nomes da MPB, tornou-se um dos profissionais mais requisitados pelos sambistas nacionais TEXTO CLEODON COELHO
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Perfil FOTOS: ARQUIVO PESSOAL
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1-2 N o início dos anos
1970, o pernambucano morava e circulava pela Europa
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Quando fala de sua vida, Tulio Feliciano costuma dividi-la em lado A e lado B. Exatamente como tantos discos que ajudou a tornar clássicos. Nascido em Timbaúba, ele cresceu no Recife dos anos 1950, com passagens pelos colégios Nóbrega e Marista. Diretor e produtor musical que trabalhou com praticamente todos os artistas que importam na MPB, principalmente dentro do samba, o pernambucano sempre deu um jeitinho de colocar uma luz local em seu trabalho. De volta ao Recife após mais de 40 anos vivendo no Rio de Janeiro, fez do Bairro de Setúbal o seu quartel-general. “A mudança foi só pessoal. Continuo atuando no Rio, desenvolvendo projetos e realizando produções. Do Recife, fico em contato
permanente com o mundo”, situa, em entrevista à Continente. Na família de Tulio, todo mundo tinha que estudar música. Fazia parte da formação intelectual, como aprender português ou alguma língua estrangeira. “Com cinco anos, comecei no piano. E fui o único que levou essa carreira mais longe. A obrigação era tocar bem, mas como músico amador.” Estudar para virar doutor era o que sua família sonhava para o tal lado A. Os pais nem imaginavam que o instrumento, destinado ao lado B, o ajudaria a desenhar seu futuro. “Minha infância teve muitas histórias engraçadas. Sou canhoto, tentaram me obrigar a escrever com a mão direita. Foram sessões de tortura.”
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3 Nascido em Timbaúba,
passou a infância no Recife da década de 1950
Ainda criança, Tulio deixou Timbaúba com destino ao Recife. Passou o resto da infância e a adolescência em Casa Forte, em um meio intelectual. Seu avô, o poeta Balthazar de Oliveira, promovia rodas de poesia no bairro. Desde pequeno, Tulio o acompanhava nos saraus, nos quais conheceu pessoas como Carlos Pena Filho e Mauro Motta, uma geração de ouro. “Ficava fascinado vendo o meu avô declamar. Ainda mais sabendo que tinha tanta gente importante no mesmo ambiente”, conta. A arte alcançava outras ramificações de sua árvore genealógica. Sobrinho do pintor Montez Magno, ele viu nascer o movimento de ateliês em Olinda. “Meu tio é outra pessoa importante na minha vida. Todo aquele ambiente artístico era muito instigante”. Mas o piano não saiu de cena. Tulio teve aulas com Waldemar de Almeida – pai do maestro Cussy de Almeida –, considerado o melhor professor da cidade. “Apesar do sonho da minha família, sempre fui estimulado a ouvir música de câmara, ir a concertos. Isso foi primordial para o meu futuro.” A turma de teatro também atraía as atenções do rapaz. “A partir de um momento, passei a viver no TPN, o Teatro Popular do Nordeste, convivendo com Benjamin Santos, Hermilo Borba Filho, Leda Alves, Lúcia Neunschwander. Acompanhava os ensaios, via a mesma peça dezenas de
A sua atuação na militância também trouxe outras consequências. Uma lei que obrigava as universidades a fecharem a matrícula de todos os alunos “subversivos” virou seu calcanhar de Aquiles, já que a primeira cidade a colocá-la em prática foi o Recife. Tulio Feliciano, o mesmo nome que estaria no topo das fichas técnicas de tantos momentos antológicos da MPB, foi incluído na lista dos 13 “perigosos” estudantes que inauguravam a lei. E o pior: ele não poderia mais estudar em nenhuma universidade do Brasil.
O RIO E A EUROPA
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4 A trajetória de
Beth Carvalho está totalmente relacionada à de Túlio Feliciano
5 O produtor se inseriu
no universo do samba e trabalhava com artistas como Zeca Pagodinho
vezes… Tudo aquilo me alimentava.” O que ele não imaginava eram os tempos sombrios que estavam por vir. “Quando veio a ditadura, fomos quase que compelidos a assumir um papel. Virei militante político, entrei para uma organização clandestina, sabendo que poderia sofrer de tudo. Vários amigos meus desapareceram, como Duda Collier, Fernando Santa Cruz, pessoas que sumiram para nunca mais voltar. Toda a euforia que eu vivia se transformou rapidamente numa atmosfera pesada.”
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Com 19 anos, Tulio foi preso, passando três meses detido no Quartel do Derby. “Quando me pegaram, eu estava com uma amiga. Coincidentemente, o delegado tinha sido colega de sala do pai dela e amigo de farra do meu avô. Então, ele nos deu uma certa proteção. Mas vivemos todos os sustos pelos quais alguém que está trancafiado passa, sem saber o que pode acontecer nos próximos minutos.” O trauma da experiência deixou sequelas. Depois de ganhar a liberdade, Tulio ficou com medo de andar na rua. “Ninguém estava livre, de fato. Se acontecesse qualquer coisa, a gente tinha que se esconder, pois iam correndo buscar quem eles quisessem. Graças a Deus, nunca foram me buscar.”
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Há tempos, o pernambucano já pensava em se mudar para o Rio de Janeiro. A decepção apressou a decisão. Saíam de cena as ruas ainda bucólicas de Casa Forte, com suas acácias-amarelas, o sabor da galinha de cabidela e da sinfonia marítima, as rodas de violão no Parque 13 de Maio e no Seminário de Olinda, que lhe abriram os ouvidos para a música brasileira, os olhos de Madalena Freire, filha do educador Paulo Freire e musa de sua geração… Aquele Recife que formatou sua personalidade artística não lhe pertencia mais. Chegando ao Rio, Tulio conseguiu respirar aliviado. “Foi uma redenção. Mesmo com a ditadura, a cidade fervia. A resistência se manifestava nas artes. O teatro que se fazia, a música que se ouvia, era tudo de muita qualidade. Também pude viver minha sexualidade com mais liberdade.” Depois de dois anos, partiu para a Europa. E foi lá que enterrou de vez o desejo da família de vê-lo doutor. “Fiquei quase dois anos em Londres, depois mais quatro em Paris. Estamos falando da virada dos anos 1960 para 1970, uma época de desbunde, das comunidades, do movimento hippie”, situa. Na capital francesa, estudou Semiologia da Arte na École Pratique de Hautes Etudes e fez um estágio no Magic Circus, com o icônico Jerôme Savary. Sem falar que viu tudo o que podia em termos de espetáculos, de Annie Girardot a Françoise Hardy. Entre tantas histórias, até apresentou os discos da estrela Josephine Baker para uma jovem modelo jamaicana que sonhava em ser cantora. O nome dela? Grace Jones.
Perfil ARQUIVO PESSOAL
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A rlindo Cruz, Wagner Tiso e Dona Zica são artistas/músicos fundamentais na trajetória de Túlio Feliciano
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Ao retornar ao Brasil, na segunda metade dos anos 1970, Tulio escolheu novamente o Rio, que – mesmo tendo lá vivido por tão pouco tempo – virou sua referência nesses anos de Europa. “Na verdade, fui perdendo o contato com a cultura pernambucana.” Reinstalado, pensou até em fazer uma tese sobre música brasileira para levar de volta para a França. A tese, claro, nunca saiu. E ele foi ficando, ficando… “Viajei várias vezes para Paris, mas nunca mais morei lá.” Em pleno verão carioca de 1978, arranjou um bico de fotógrafo, uma das tantas atividades que fazia para se manter. Após uma bem-sucedida temporada com Dominguinhos no Projeto Seis e Meia, Nara Leão resolveu estender a parceria, lançando um novo espetáculo. Por intermédio de Wellington Luís, que produziria o show, Tulio foi até a casa da cantora, para fazer as fotos de divulgação. Os dois se entenderam de cara e, entre uma pose e outra, o papo fluiu como se fossem velhos amigos se reencontrando. Nara gostou de suas observações sobre música, quis saber como tinha sido sua passagem por Paris, onde também morou… Em pouco tempo, ele estava assinando a direção do show da cantora. No palco, Nara e Dominguinhos eram acompanhados pelo grupo Ritmos Nordestinos e pelos Carioquinhas, que tinha entre seus integrantes Raphael Rabello e Maurício Carrilho, ambos começando a carreira. O sucesso atravessou o ano, percorrendo todo o Brasil. Tulio começava sua vitoriosa trajetória, recebendo elogios de críticos como a severa Maria Helena Dutra, que escreveu em seu comentário no Jornal do Brasil que o espetáculo receberia “tranquilamente, e sob qualquer tipo de júri, nota 10 em harmonia e evolução”. Tinha até uma sequência de frevos no final que deixava a cantora soltinha em cena. A cumplicidade entre os dois seguiu firme até a musa da bossa nova sair (prematuramente) de cena, aos 47 anos, em 1989. “Eu nem lembrava que a gente tinha se conhecido fazendo as fotos. Foi uma forma engraçada que o destino escolheu. Hoje, não sei mais nada de fotografia”, diz ele.
Tulio acabou tragado pelo gênero. “Esse universo virou minha vida. Não me tornei exclusivo, mas o samba tem uma marca indelével na minha história” O burburinho em torno do show chamou a atenção de outros músicos. “Quando o meu nome começou a aparecer, todo mundo quis me conhecer.” Logo, Tulio estava dirigindo o MPB 4 e o Quarteto em Cy no espetáculo Cobra de vidro, mais um campeão de bilheteria. Artistas como Elizeth Cardoso, Marlene, Cauby Peixoto e Emílio Santiago foram ajudando a encorpar seu currículo. Mas o grande salto para transformá-lo em referência do samba veio com um show em homenagem a Silas de Oliveira, autor de Os cinco bailes da história do Rio. No palco, juntou Dona Ivone Lara e o recém-estourado Fundo de Quintal para contar Os cinco bailes da história de Silas, o que o levou a figurar em todas as listas de melhores do ano. Tulio acabou tragado pelo gênero. “Esse universo virou minha vida. Não me tornei exclusivo, mas o samba tem uma marca indelével na minha história.” Beth Carvalho é um dos nomes cuja trajetória se confunde com a dele. Desde que viu Os cinco bailes…, a cantora carioca não abre mão de ter o pernambucano assinando seus trabalhos. Com Zeca Pagodinho, a parceria também é longa. O ritmo o levou de volta à Europa e, ainda, aos Estados Unidos
e ao Japão. “Já produzi 10 shows diferentes para o público japonês.” Surpresas não faltam na história de Tulio. A formação erudita, cultivada desde a infância, aproximou-o das orquestras sinfônicas. Ao lado do maestro Wagner Tiso, desenvolveu uma vitoriosa série que mistura jazz e MPB. “Eu sei ler música. Isso é um diferencial importante”, frisa. Wagner e sua ex-mulher Gisele Goldoni viraram família. Ela é, até hoje, uma de suas principais parceiras de trabalho.
PERÍODO SABÁTICO
Mas, apesar de estar sempre cercado de nomes estrelados, Tulio nunca se deixou enfeitiçar pelo glamour. “Trabalhar com arte é muito bom, mas cansa, causa estresse.” Há cerca de dois anos, sofreu uma depressão profunda e foi aconselhado pelos médicos a tirar um período sabático. “Eu não estava gostando de nada do que fazia, não sentia entusiasmo”, revela. Foi quando seus irmãos sugeriram que voltasse para o Recife. Mas o pedaço da cidade que escolheu agora era outro, bem longe de Casa Forte, local que o viu crescer. “Para mim, Boa Viagem acabava na pracinha. Nem sabia que existia isso aqui.” No novo bairro, começou a caminhar e a fazer amizades. Aos poucos, voltou
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a trabalhar (“meu prazo sabático durou poucos meses”). Com a ajuda da tecnologia, preenche a agenda com videoconferências, desenvolvendo suas ideias e organizando espetáculos. Tudo como era antes. Mas a vida não é só trabalho e ele ainda sentia falta de um refúgio. Até que descobriu um quiosque, em uma rua atrás de seu prédio, que logo transformou em seu “quintal”. A recuperação estava completa. “Ele gosta de pedir um vinho ou uma cachacinha, sempre com bastante água. Adora carne de sol e charque desfiada, puxada na manteiga de garrafa. Todo dia, depois das 20h, ele aparece por aqui”, entrega o proprietário Ruy Novaes, que acabou virando amigo. Lá, durante esses momentos de relax, foi formando novos laços. O delegado Roberto Wanderley e a atriz Hermila Guedes, casados há cinco anos, conheceram Tulio em uma tarde de farra. “Ele não fica contando vantagem, dizendo o que fez ou deixou de fazer. O que nos aproximou foi a paixão por Manuel Bandeira e as experiências em Paris”, conta Roberto. O cantor Romero Ferro também se impressiona com a simplicidade do produtor. “Quando eu disse que era músico, ele se mostrou genuinamente interessado no som que eu fazia. Poucos dias depois, estávamos indicados ao Prêmio da Música Brasileira. Eu, como cantor popular. Ele, como produtor do grupo Galocantô. Foi uma bela coincidência.” Livre da depressão, Tulio segue sua vida dividido entre o Recife e o Rio de Janeiro. “Aqui, o dia dura muito, consigo fazer um monte de coisas. No Rio, eu acordo e já é de noite”, brinca. Claro que a ligação estreita com o samba, vez por outra, acaba provocando cobranças dos conterrâneos. “Não precisam nem se preocupar. O frevo, para mim, é uma coisa celestial. Está acima de tudo. Vassourinhas, Fogão, Madeira que cupim não rói, tudo isso faz parte do meu repertório sentimental”, avisa. Aos 70 anos, recém-completados, continua cheio de planos, provando que seu lado B estava mesmo, desde sempre, destinado a ser o lado A. CLEODON COELHO, jornalista e produtor da TV Globo.
Resenha
TODO LEONILSON Catálogo em três volumes dedicado a toda obra do artista cearense, morto em 1993, levou duas décadas para ficar pronto, trazendo 3.400 registros dos variados meios utilizados por ele TEXTO BITU CASSUNDÉ
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O artista José Leonilson (1957–1993), um dos principais nomes da arte contemporânea brasileira, ganha mais um reconhecimento: uma publicação de seu trabalho em catálogo raisonné (edição que compila toda a obra de um artista). A obra é resultado de um profundo estudo acerca de seu processo poético, que exigiu mais de 22 anos de pesquisa, catalogação e conservação. O trabalho foi capitaneado pela equipe que integra o Projeto Leonilson e contou com a colaboração de alguns pesquisadores: quatro no Brasil — Fortaleza, São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte — e cinco no exterior, que realizaram o estudo em sete países — Alemanha, Espanha, Estados Unidos, França, Holanda, Itália e Viena. Gabriela Dias, uma das coordenadoras editoriais, indica detalhes do processo técnico que estruturou a edição: “A ideia do raisonné é realmente apresentar ao público o processo de criação do artista através de sua obra. Esse
assunto foi justamente tema de uma mesa-redonda que fizemos no MAM–SP em dezembro de 2015, intitulada Como catalogar uma obra de arte contemporânea de um artista já falecido. O evento foi mediado por Ana Lenice e Ricardo Resende e teve como participantes Eduardo Brandão, Felipe Chaimovich, Leda Catunda, Lisette Lagnado, Margarida Sant’Anna, Pedro Mastrobuono e Pierina Camargo”. O catálogo raisonné teve o patrocínio da Fundação Edson Queiroz — que também apresentou recentemente, no seu espaço cultural, como parte da programação do lançamento, a exposição Leonilson – Arquivo e memória vivos, com curadoria de Ricardo Resende. A mostra é resultado dessa vasta investigação e selecionou 120 obras pouco ou nunca vistas do artista cearense, que faleceu precocemente aos 36 anos em São Paulo. Dividida em três volumes de uma edição bilíngue (português/ inglês), a publicação apresenta a obra catalogada pelo Projeto Leonilson até o momento. São 3.400 registros, entre obras e estudos. Não segmentados por
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suportes ou linguagens, os volumes revelam interessantes possibilidades de cruzamentos de informações, tais como dados técnicos e fortuna crítica. Gabriela Dias afirma: “Para o catálogo raisonné criamos, junto com a museóloga Pierina Camargo, uma padronização de técnicas e informações sobre a obra. A partir disso, todas as obras já catalogadas foram revistas de acordo com as fichas originais de catalogação e as informações pesquisadas no arquivo pessoal e fornecidas por museus, galeristas, leiloeiros e colecionadores. Não foi feita revisão de obras com visita aos colecionadores, com exceção das novas. A maior dificuldade para a edição do catálogo raisonné é a localização de ‘novas’ obras, as quais não estavam catalogadas em nosso banco de dados. Leonilson teve uma produção intensa e numerosa. Quando vivo, presenteou muitos amigos e familiares e trocou bastantes obras com amigos artistas, isso sem contar com aquelas comercializadas pelos galeristas nas exposições individuais. Dentro desse cenário,
RONALDO MIRANDA /PROJETO LEONILSON/ARQUIVO PESSOAL
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Resenha IMAGENS: RUBENS CHIRI/PROJETO LEONILSON
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temos duas situações: obras que apresentam apenas o título (ou descrição), citado pelo artista em arquivo pessoal ou mencionado em documentação das galerias e que, em sua maioria, não puderam ser identificadas e ficaram de fora do raisonné. A segunda situação é que a pesquisa conseguiu identificar fotos de obras novas. Como temos as imagens, optamos por catalogá-las, mesmo que não tivéssemos muitas informações de dados técnicos. No fim de cada respectivo ano, elas entrarão no catálogo junto com a imagem de referência e os dados parciais. Quem sabe assim conseguiremos localizar o paradeiro da obra e realizar a catalogação. Uma das etapas do processo de produção do raisonné foi um dia de expertise para análise de obras novas de Leonilson sobre as quais não tínhamos informações suficientes para reconhecimento. Formamos um grupo composto por técnicos, curadores, advogado, artistas e amigos que conviveram com Leonilson, com o objetivo de analisá-las e decidirmos se seriam incluídas no catálogo”.
Esse é o primeiro catálogo raissonné de um artista contemporâneo brasileiro. A publicação percorre sua rápida e pontual trajetória e, a partir desse intenso processo de imersão na sua produção, já que o artista é bastante pesquisado na academia e participa frequentemente de mostras, Gabriela indica a diversidade de informações que compõe os volumes: “Uma outra boa surpresa com a pesquisa no raisonné foram os novos registros de exposições e a bibliografia. Quando iniciamos a pesquisa e a revisão para o raisonné, achávamos que quase tudo sobre o artista já havia sido catalogado, e, no decorrer da pesquisa, foram localizadas cerca de 70 novas exposições e quase 1.000 registros de bibliografia relacionada”.
2.0
O primeiro volume compreende a produção do artista entre os anos de 1971 e 1980 e conta com textos institucionais do patrocinador; do Projeto Leonilson/família; do curador Ricardo Resende, que apresenta
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o processo e as escolhas tomadas diante de uma obra tão complexa; da pesquisadora Margarida Sant’Anna, que estrutura a natureza técnica da publicação, a metodologia utilizada e suas ferramentas; além de um glossário de técnicas adotadas. É um volume de extrema importância para se conhecer a instância processual da construção poética do artista. Reúnem-se ali, na sua maioria, exercícios acadêmicos plásticos, pinturas iniciais, assim como a utilização de diferentes técnicas – colagem, gravura, assemblage etc. Foi um período de intensas experimentações, um percurso curioso que nos conduz a inúmeros estudos de fachadas e plantas arquitetônicas, a referências dos quadrinhos, aos fanzines Zé e Vogue Ideal e ao divertido conjunto de personagens em desenhos (Neuza, Rosycrair, Crestyana, Rita de Cássia, Silvete, Carla Frederica, Dinorreia e Kika). Mesmo nos estudos iniciais ou nos primeiros trabalhos, há uma constante presença do signo verbal. Exemplo disso é um desenho de 1980, intitulado Viver amigos, no qual é
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Este é o primeiro catálogo raissoné de um artista contemporâneo brasileiro, percorrendo sua rápida e pontual trajetória, a partir de intenso processo de imersão na sua obra CONTINENTE OUTUBRO 2017 | 61
em título, 1980, S aquarela sobre papel, 16,5 x 28 cm ntem eu vi um O assalto, 1980, aquarela, nanquim e lápis de cor sobre papel , 23 x 31 cm
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possível perceber um diálogo fluente entre texto e imagem que evidencia a questão da amizade, outro índice que compõem sua poética. “(…) e ter a emoção de ver/ de conter as lágrimas/ e lacrimejar como um rio ao ponto de molhar todo o espírito vizinho/ ser tudo dentro do limite em que tudo pode ser uma simples coisa/ tão pequena, que circularia nos vasos sanguíneos mais estreitos/ mas que carregam vida.” O segundo volume compreende o período de maior produção do artista (1981–1989). As fases processuais de algumas obras e estudos até chegar à obra finalizada nos permitem observar o caminho tomado, as modificações naqueles que eram espaços de experimento em distintos suportes e técnicas. Há um dado interessante para pesquisadores, que é a sistematização de informações – isso ajuda a encontrar referências, textos, inscrições, informações técnicas, locais onde as obras foram exibidas e excertos de textos. A produção está dividida por anos, o que facilita
Resenha IMAGENS: EDOUARD FRAIPONT/PROJETO LEONILSON
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aquinho, 1992, linha S e fio de cobre sobre voile, 15,5 x 15,5 com l Puerto, 1992, E linha sobre tecido de algodão listrado, prego, fio de cobre e tinta acrílica sobre moldura de espelho, 23 x 16 x 2,5 com ão Paulo não é S nenhuma Brastemp, 1992, tinta de caneta permanente sobre papel, 21 x 14,8 cm divinhe quem vem A para ser jantado?, 1991, tinta de caneta permanente e nanquim sobre papel, 18 x 13 cm
a realização de pesquisas do que foi produzido a partir de datas específicas. No entanto, é um trabalho que não se finda com a publicação do raisonné, como observa Gabriela: “Costumamos dizer, aqui, que o trabalho de catalogação de obra e bibliografia relacionada do Leonilson é infinito. Estamos sempre em busca de novas informações, de dados complementares, de obras não cadastradas. Também achamos que, com a publicação do raisonné, novas informações e obras devem aparecer. Esse trabalho vai sempre existir. Uma vez publicado o catálogo, vamos começar a catalogação do arquivo pessoal do artista. Temos, sob a guarda do Projeto Leonilson, um vasto e rico arquivo pessoal composto por textos, correspondências, objetos e coleção de obras de outros artistas, material de trabalho, agendas e cadernos, documentos, fotografias e livros. Para a produção do catálogo raisonné, esse acervo foi pesquisado, porém não catalogado”. O terceiro volume abrange o período principal da produção do Leonilson (1990–1993). Nele, encontramos as obras icônicas, bastante apresentadas em exposições e aclamadas pela crítica de arte. No entanto, há dois pontos importantes a serem evidenciados nesse volume: a parte em que os projetos e matrizes são expostos: projetos para cartazes das exposições, identidades visuais das suas mostras, adesivos, convites, projetos de layout para exposições, projetos de catálogos – tudo minuciosamente pensado e estruturado pelo artista –, além de matrizes de algumas séries de gravuras e serigrafias. Outro ponto relevante da publicação é que os volumes não se limitam à catalogação da obra, o que a tornaria burocrática e enfadonha. Assim, a presença de textos, além de enriquecer o catálogo, contextualiza aqueles que terão acesso a ele — importa observar que um dos capítulos da edição conta com a valorosa contribuição textual de Lisette Lagnado e Jan Fjeld.
3.0
É curioso observarmos esses procedimentos técnicos e o caminho tomado pela edição dos volumes para chegarmos a questões confluentes
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IMAGENS: EDUARDO ORTEGA/PROJETO LEONILSON
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entre a poética do artista e alguns eixos que conduzem o seu processo. A obra de Leonilson apresenta dispositivos taxonômicos, tais como listas, números, estruturas sequenciais, furos, categorias, palavras, signos recorrentes, linhas, pontos etc. Esses dados fluem através de uma carga subjetiva que percorre toda sua produção, aliada a um expressivo exercício ficcional, ou seja, arquiva-se ali uma vida, no entanto, uma vida conjugada pela ficção e suas artimanhas. É um arquivo geracional sem precedentes, que atravessa um dos mais complexos períodos políticos, sociais, sexuais do nosso tempo e resguarda um posicionamento que é extremamente sofisticado e desconcertante: uma voz masculina regendo suas fragilidades/ desejos/utopias entre os dissabores de um espírito romântico que insiste no exercício de conjugar o “nós”. Em tempos políticos e sociais complexos, revisitar um conjunto tão significativo é adentrar-se em entranhas que perpassam camadas da nossa recente história e nos
fazem repensar acerca de questões pertinentes para o hoje. Atravessamos um espantoso momento da rigidez das verdades absolutas e posicionamentos radicais acerca de nós e do outro que revela uma grande dificuldade em aceitar a diferença; aceitar aqueles que não comungam com as nossas crenças ou que conosco não dividem territórios. A poética de Leonilson nos faz refletir sobre essa nossa incapacidade de operacionalizar sintaxes que, a princípio, seriam simples, mas que, na verdade, apresentam-se complexas e repletas de meandros. Por isso, é fundamental que o Projeto Leonilson viabilize a publicação de inúmeros materiais que necessitam ser revisitados, como os registros fotográficos de algumas ações; as agendas pessoais, que possuem relevância para investigar o processo poético do artista; as correspondências e os escritos; a relação do seu trabalho com outras linguagens, visto que diversos espetáculos, sobretudo de teatro e dança, articulam-se a partir de referências do artista; e,
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finalmente, revisitar as fitas que o artista deixou gravadas e o Frescoe Ulisses, documento geracional de extrema relevância para refletirmos o hoje. Uma forma interessante de possibilitar acesso a pesquisadores e interessados na obra do artista é fortalecer o site com o conteúdo presente no catálogo raisonné ou disponibilizar os volumes em alguma plataforma digital. Sabemos da dificuldade de operacionalizar tamanho desafio, principalmente num país em que se negligenciam arquivos e memórias, porém é necessário fazer um esforço para encontrar parcerias, desejos e ousadias. Há muito material a ser pesquisado, e a publicação desse catálogo é um momento ímpar de conseguir fôlego para dar os próximos passos, que são desafiadores e instigantes. CARLOS BITU CASSUNDÉ, pesquisador, atualmente curador do MAC–CE e coordenador do Laboratório de Artes Visuais do Porto Iracema das Artes (CE).
Ministério da Cultura, Governo do Estado de Pernambuco, Secretaria de Cultura de Pernambuco, Fundarpe, Museu do Estado de Pernambuco e Santander apresentam:
PROGRAMAÇÃO
setembro e outubro
Ouvindo Música no Museu do Estado de Pernambuco
2017
A programação do Ouvindo e Fazendo Música no MEPE (Museu do Estado de Pernambuco) nos meses de setembro e outubro será de múltiplos estilos musicais.
ALEXANDRE RODRIGUES 02/09 • SÁBADO • 17h
OFICINA DE RITMOS BRASILEIROS PARA VIOLINO E VIOLONCELO 09/09 • SÁBADO • 15h
AFLUENCIAS - PAULA BUJES E PEDRO HUFF 09/09 • SÁBADO • 17h
SOLON FISHBONE 16/09 • SÁBADO • 17h
FLAIRA FERRO 23/09 • SÁBADO • 17h
RABECADO 30/09 • SÁBADO • 17h
ALINE FRAZAO 07/10 • SÁBADO • 17h
LIVIA NERY 14/10 • SÁBADO • 17h
LULA QUEIROGA 21/10 • SÁBADO • 17h
HARMONICA HINDS 28/10 • SÁBADO • 17h
PATROCÍNIO
PRODUÇÃO
SÁBADOS COM MAIS MÚSICA NO RECIFE
APOIO
Ouvindo Música no Museu do Estado de Pernambuco. INGRESSOS Programação regular: R$6,00 Pessoas acima de 60 anos e estudantes: R$ 3,00
MUSEU DO ESTADO DE PERNAMBUCO Av. Rui Barbosa, 960 Graças Recife – Pernambuco – Brasil – 52011-040 Telefone: 81 3184.3174 / 3170 E-mail: museu.mepe@gmail.com Agendamento para visita guiada: 81 3184.3174 Horário de funcionamento Ter a sex 9h às 17h Sáb e dom 14h às 17h
REALIZAÇÃO
SECRETARIA DE CULTURA
MINISTÉRIO DA CULTURA
Lançamento
Biografias de canções e outras palavras FUTEBOL, FILOSOFIA, LIVROS, SHOWBIZZ, TV, BOEMIA... E, CLARO, MÚSICA, SÃO OS TEMAS DOS CONTOS DA ERA DAS CANÇÕES E OUTROS ESCRITOS, DO JORNALISTA ALUÍZIO FALCÃO. LEIA AQUI ALGUNS TRECHOS DO LIVRO QUE A CEPE EDITORA LANÇARÁ EM NOVEMBRO. CONTINENTE OUTUBRO 2017 | 65
Lançamento FOTOS: REPRODUÇÃO
PRIMEIRA PARTE
Contos da era das canções Águas de março Ao cair da tarde, em março de 1972, no sítio Poço Fundo, Antonio Carlos Jobim ouve uma pergunta difícil de responder. Testemunha, naquele refúgio, do nascimento de muitas de suas canções, a irmã Helena quer saber dele como fazia para criar tantas belezas. Talvez recomeçasse naquele momento, pela enésima vez, uma especulação em torno do chamado processo criativo. Mas o irmão ficou em silêncio por alguns minutos, contemplando a natureza ao redor. E, quando falou, não ofereceu nenhuma explicação racional ou didática. Apontou o infinito, as águas do rio, o horizonte. E disse apenas: “Está tudo lá. A gente vai buscar...” Essa conversa aconteceu quando Tom estava trabalhando a composição de Águas de março, que muitos considerariam depois o seu trabalho máximo. Na noite anterior ele acordara Helena e o marido. Trazia escritos, em papel de embrulho, os primeiros versos dessa canção, encaixados em vários trechos da melodia já bem-adiantada: “É pau, é pedra, é o fim do caminho... (...) é o projeto da casa (...) é peroba do campo, é o nó da madeira (...) é o tijolo chegando...” A melodia de Águas de março, como de todas as músicas até então feitas no sítio, foi iniciada ao violão, pois na casa ainda não havia um piano. Depois, as harmonias e tudo o mais foram trabalhados no Rio. A canção foi gravada pela primeira vez na coleção Discos de Bolso do Pasquim. De um lado, um compositor jovem, estreante, João Bosco, gravou Agnus sei, dele com Aldir Blanc; de outro, esse clássico de Tom Jobim que iniciava uma trajetória de impacto mundial. A primeira gravação, portanto, foi para promover um colega iniciante e talentoso. Só depois Águas de março ganhou o mundo, em versão para o inglês que o próprio Tom escreveu. O crítico Leonard Feather, um dos mais respeitados nos Estados Unidos, carimbou: “É uma das dez músicas mais
Para muitos, o trabalho máximo de Tom Jobim é a composição Águas de março
belas do século”. No Brasil, Chico Buarque não deixou por menos: “Ás vezes acho que Águas de março é o samba mais bonito do mundo”. Escrevendo a tradução da letra para o inglês, o próprio Tom Jobim teve algumas dificuldades, que ele explicou de forma bem-humorada: “Um dia, eu estava meditando em cima do verso ‘é um espinho na mão, é um corte no pé’ e percebi tudo. Como é que um americano iria cortar o pé, se ele não anda descalço?” Mas a versão foi completada e por muitos vista como uma das mais fortes letras em língua inglesa. Leonard Feather voltou a elogiar: “À primeira vista, parece um catálogo de substantivos monossilábicos. Adiante, seu efeito poético nos golpeia”.
O LIVRO
O AUTOR
CONTOS DA ERA DAS CANÇÕES E OUTROS ESCRITOS mescla textos inéditos e outros publicados na imprensa. O intenso relacionamento profissional e pessoal com compositores, músicos, cantores e outros personagens da cena cultural permitiu ao autor escrever, de um ponto de vista privilegiado, biografias de eternas canções, entre outras crônicas de seu repertório.
ALUÍZIO FALCÃO nasceu em Caruaru e veio para o Recife na década de 1950, onde começou sua carreira como jornalista. Em São Paulo desde 1964, atuou como publicitário e diretor de programação da Rádio Eldorado e produtor da gravadora Eldorado. Em 1998, lançou a coletânea Crônicas da vida boêmia, pela Ateliê Editorial.
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Em Construção, Chico Buarque faz uma crítica social com um formato inovador
Construção
do com a riqueza poética de Construção declarou que Chico fizera aquela letra como um “cavalo” a receber o espírito de entidade superior. As linhas construtivas da canção terminam, todas, com proparoxítonas. Mas, acreditem, sem uma única rima, que todos consideravam o seu forte. Formando um desenho lógico, a ser desconstruído mais adiante, sem perder a beleza e arriscando-se como delírio, Chico lançava-se a um processo que exigia perfeição, e cumpria esse propósito. Imitando seu personagem, atirava-se no espaço, sem perder o fio narrativo. Na primeira parte da história, o pedreiro-personagem, o lar, a mulher, os filhos, a saída para o trabalho. Na segunda parte, a rua e a chegada ao prédio em obras. Na terceira parte, o trabalho, o almoço, os pensamentos, o desapego, o voo para a morte. Tudo em 41 versos certeiros, mostrando que a letra soaria lógica em qualquer diapasão. Exemplo, entre muitos: “Dançou e gargalhou como se ouvisse música” e depois “E tropeçou no céu como se ouvisse música”. Ou “Beijou sua mulher como se fosse a última”, que se tornaria “Beijou sua mulher como se fosse a única”. Depois do enorme sucesso, convidado a explicar-se, apenas uma frase: “Mexi nos versos como se fossem peças de um jogo no tabuleiro”. Simples assim, nenhuma sombra de exibicionismo. O mesmo sentido de modéstia risonha que usou uma vez, na Rádio Eldorado, quando anunciado como “um compositor genial e um centroavante esforçado”, ele disse: “Preferia ser anunciado como um centroavante genial e um compositor esforçado”.
João e Maria
Foi na abertura dos Jogos Olímpicos do Rio, em 2016. Imagens filmadas e movimentos de dança combinavam-se, no chão do Maracanã, para contar ao mundo a história do Brasil. Sucederam-se, em cenas da realidade momentânea, as florestas, os pássaros, o mar, os habitantes, desde o descobrimento até o nosso tempo. Para ilustrar o surgimento das grandes cidades, prédios brotavam magicamente do chão e eram escalados por bailarinos que representavam os operários da construção. A trilha sonora, em arranjo orquestral, arrepiava. Era Construção, de Chico Buarque, mostrando pela vez primeira sua cara melódica, instrumental, ocultando a letra famosa. O tratamento sinfônico evidenciava, sem qualquer acréscimo, a extraordinária beleza do seu tema reiterativo, como nas peças clássicas. E como surgiu essa canção? Ela veio para inaugurar, em 1971, quatro anos depois de A banda, a fase madura da obra de um compositor que chegava, aos 27 anos, à condição de “unanimidade nacional”. A letra retomava a crítica social iniciada com Pedro Pedreiro, mas agora em novo e revolucionário formato. Em 1969, em Rosa dos ventos, gravada por Bethania, já fora experimentado o uso sequencial de proparoxítonas, mas dessa vez Chico transpunha todos os limites, embaralhando a letra inteira. Caetano Veloso deslumbrou-se e usou a frase “hiperestesia Buarque”, ou seja, o auge da sensibilidade estética. E Tom Jobim, abisma-
A história dessa valsa com melodia de Sivuca e letra de Chico Buarque começa em 1947, quando Chico tinha apenas três anos de idade. Como assim? Bem, Sivuca já era então um sanfoneiro de fama, grande músico e respeitado compositor. Criou a melodia e mostrou a vários colegas, dentre eles Ruy Morais e Silva, compositor pernambucano e já famoso, antes, com o hit Casaca de Couro, gravado por Jackson do Pandeiro. Ruy fez uma letra com o título de Amanhecendo e deu para uma cantora local, Nadja Maria, que imediatamente a incluiu em disco, sem repercussão. Trinta anos depois, já mundialmente famoso e radicado no sul do País, Sivuca encontrou Chico e entregou a mesma melodia para que recebesse uma letra. No ano seguinte, 1978, o consagrado Buarque decidiu cobrir de versos aquela valsa de Sivuca. Ao escutá-la em solo de acordeom, logo veio a ideia de um menino e uma menina brincando de faroeste. O primeiro verso foi rápido: “Agora eu era herói / E o meu cavalo só falava inglês”. A melodia, linda e bem-executada, estimulava a criação, e logo brotaram outros versos que se destinavam ao sucesso do próprio letrista e também de Nara Leão. Antes da gravação, Chico, até achando graça da ideia de um cavalo em filme americano “falar inglês”, foi consultar alguns amigos sobre este versinho surreal: “o meu cavalo só falava inglês”. Francis Hime fez este comentário: “Acho que é um cavalo muito educado”.
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Lançamento FOTOS: REPRODUÇÃO
A canção João e Maria é uma valsa de Sivuca que ganhou letra de Chico Buarque
Peninha se aproximou de Caetano Veloso quando o baiano gravou Sonhos
O sucesso da valsa foi bem grande, e, uma noite, encerrado um show no Nordeste, Chico recebeu a visita de uma senhora, com um gravador na mão. Tocou para ele a valsa Amanhecendo, de Sivuca e Ruy Morais e Silva, que ela gravara em 1948, trinta anos antes. “Reconhece essa melodia?”. Chico, encabulado, respondeu que a recebera numa gravação enviada por Sivuca para letrar e desconhecia a gravação anterior. Tudo acabou sem briga. O próprio Ruy Morais e Silva, um sujeito de boa paz e harmonia, sabendo da nova letra de Chico, reagiu: “Está em boas mãos”. E Chico, encontrando Sivuca, brincou: “Poxa, Sivuca, que sacanagem! Você me deu música ‘usada’”... Mas quem saiu ganhando foi a canção brasileira. Essa melodia cumpriu assim o destino de receber, 30 anos depois de nascida, uma letra de Chico Buarque de Holanda.
milhões de ouvintes maravilhados, estava um cidadão chamado Caetano Veloso, que imediatamente decidiu gravá-la em seu próximo disco. Caetano tem esse dom de perceber o ouro contido no vulgar, ou seja, toda a beleza popular daquilo que o pedantismo crítico aponta e despreza como “brega”. Bem, estamos falando de Sonhos, aquela excelente canção que começou dizendo “tudo foi apenas uma brincadeira / e foi crescendo, crescendo, me absorvendo / E eu fiquei assim, completamente seu” e termina com “certamente eu vou ser mais feliz”. A gravação de Caetano estourou nas emissoras FM, o que significa dizer no estrato B do consumo, classe média alta. Peninha, sensibilizado, queria retribuir a gentileza do colega. O produtor do seu novo disco, Antonio Carvalho, foi ao encontro de Caetano, contou a história e pediu uma composição dele para incluir no disco de Peninha. Bingo. Caetano se pôs a trabalhar, compôs Tá combinado e mandou para o autor de Sonhos, que gravou essa obra-prima e a fez chegar ao segmento mais popular do mercado. Houve outras gravações, de Gal e Bethânia, excelentes. Mas conviria escutar a versão de Peninha, com um arranjo bem ao gosto do seu público e no mesmo estilo vocal que emocionou Caetano ao ouvir Sonhos pela primeira vez. A moral dessa história de fraternidade entre dois artistas de formação distinta pode ser uma frase lapidar do escritor Gabriel Garcia Marquez, grande apaixonado por boleros e outras pérolas do cancioneiro brega. Ele escreveu em sua autobiografia: “Precisei de muito anos para não fazer distinções entre música boa e música ruim”.
Tá combinado e Sonhos Estas duas canções, Tá combinado e Sonhos, destacam-se no repertório de Caetano Veloso. Uma como autor e outra como intérprete. Como ficará demonstrado, elas têm dois enredos que se cruzam numa só história. Sonhos foi criada por Peninha, um compositor de grande sucesso nas emissoras AM voltadas para o chamado segmento brega. Ele a compôs em 1977, numa noite de insônia. Gravada por ele mesmo, o disco vendeu 400 mil cópias e estourou nas periferias do Brasil. Entre os seus
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SEGUNDA PARTE
Outros escritos Reminiscência de um certo Capitão Virgulino (8/4/2006) Neste mês de abril, faz 80 anos que Virgulino Ferreira, o cangaceiro, ganhou patente de capitão redigida pela santa mão do Padre Cícero e assinada pelo doutor Pedro Uchoa, agrônomo do Ministério da Agricultura em Juazeiro, Ceará. Pedro era o mais alto representante do governo federal naqueles cafundós. A íntegra do diploma, com o seu teor de absurdo e singeleza, é um retrato da época: (...) “Nomeio ao posto de Capitão o cidadão Virgulino Ferreira da Silva, a 1º tenente Antônio Ferreira da Silva, a 2º tenente Sabino Barbosa de Melo, que deverão entrar no exercício de suas funções logo que deste documento se apossarem. Reconheço ao senhor Capitão Virgulino Ferreira da Silva o direito de se locomover livremente, transpondo as fronteiras de qualquer Estado com os patriotas. Dado e passado no Quartel das Forças Legais do Juazeiro, Batalhão Patriota, sediado em Campos Salles. Publique-se e cumpra-se. Juazeiro, 12 de abril de 1926”. O tal Batalhão Patriota, a que se incorporava o novo oficial, era um anexo das Forças Legais com a tarefa de guerrear a Coluna Prestes, igualmente embrenhada nos grotões do Nordeste. Lampião mandou fazer uniforme para festejar a nomeação: túnica de brim cáqui, as platinas enfeitadas com três galões, botas, chapéu de feltro, cartucheira, munição do governo e boldrié chapeado. Tirou retrato com os parentes, envergando o fardamento de gala. Estamos tratando de um evento singular na história social do Brasil. Um padre, mitificado pela extrema devoção popular e obediente ao caudilho cearense Floro Bartolomeu, foi levado a transformar bandidos em militares graduados, com direito a livre trânsito. A contrapartida era matar ou prender verdadeiros oficiais do Exército, comandados por Luiz Carlos Prestes, um rebelado contra a ordem vigente. Virgulino Ferreira não cumpriu o trato, mas a “patente” recebida valeu para sempre. Ainda hoje o chamamos respeitosamente de “capitão”. O taumaturgo Cícero Romão, por seu lado, jamais perdeu a veneração dos seus romeiros, com direito a uma estátua gigantesca e ao tratamento de “padrinho”. A contradição decorre da ambivalência dos líderes, que se dividiram entre o respeito às classes dominantes locais e uma inegável compaixão pelos humildes. Em Juazeiro, Virgulino foi entrevistado pelo médico e jornalista Otacílio Macedo, que publicou sua matéria no jornal
Os poetas do sertão viram em Lampião traços generosos associados à imagem feroz
O Ceará, de Fortaleza. Percebe-se que o repórter enfeitou a rude linguagem do entrevistado, mas o texto repercutiu intensamente. Foi levado ao cordel de João Martins de Athayde e registrado pelo escritor Nertan Macedo, um dos principais biógrafos do bandoleiro. Depois de contabilizar em mais de 200 os seus embates até 1926 com os “macacos” (soldados), Virgulino definiu claramente a sua visão de sociedade: “Gosto geralmente de todas as classes. Aprecio de preferência as classes conservadoras – agricultores, fazendeiros, comerciantes etc. – por serem os homens de trabalho. Tenho veneração e respeito pelos padres, porque sou católico. Sou amigo dos telegrafistas porque alguns já me têm salvo de grandes perigos. Acato os juízes porque são homens da lei e não atiram em ninguém. Só uma classe eu detesto: é a dos soldados, que são os meus constantes perseguidores.” Não teve ele o mínimo remorso dos atos praticados. A outro doutor pernambucano que o aconselhava a ouvir a voz da consciência e mudar de profissão, respondeu secamente: “Olhe doutor, há muito tempo eu comi a minha consciência com farinha”. Lampião foi um justiceiro? Certamente, não, a menos que consideremos episódios isolados, como a farta distribuição de dinheiro a mendigos de Juazeiro e atos de proteção aos miseráveis da caatinga que o ajudavam a despistar as forças volantes. E. J. Hobsbawm exclui Virgulino da categoria de “bandidos sociais” (linhagem de Robin Hood), mas reconhece que os poetas populares do sertão viram nele traços
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Cila, que foi cangaceira dos 14 aos 17 anos, presenciou a morte de Lampião em Angicos
generosos associados à imagem feroz. O historiador cita um verso: “Matava de brincadeira / por pura perversidade / alimentava os famintos / com amor e caridade”. Segundo Hobsbawm, os poetas populares admiravam o capitão porque ele provou que os fracos podem ser terríveis, quando humilhados e ofendidos. Faz sentido. Em 2005, na França, vimos o que aconteceu. Sabemos que o vaqueiro Virgulino declarou sua guerra para vingar a morte do pai. Desiludido com as forças da ordem, que favoreciam os assassinos endinheirados, jamais depôs as armas. Arrebanhou para o seu bando centenas de jovens necessitados e sem perspectiva. Fernando Portela fez uma comparação para elucidar os seus leitores a respeito das causas do cangaço: em 1912, um camponês nordestino ganhava 500 réis por 11 horas de trabalho diário, enquanto 1 quilo de carne custava 800 réis e 1 quilo de feijão 400 réis. O cangaço está definitivamente caracterizado como fenômeno social, embora o seu combatente mais famoso jamais tenha sido propriamente um defensor dos oprimidos. Ele não foi um herói nobre, mas foi herói. Tosco e vingativo, mas herói, mesmo sem caber na estirpe de Giuseppe Garibaldi ou Che Guevara. Jamais lhe faltaram bravura e carisma para fazer-se líder da mais duradoura guerrilha de todos os tempos. No auge da fama do bandoleiro, o sertanejo Graciliano Ramos afirmava que Lampião nascera há muitos anos, em todos os cantos do Nordeste. Não se referia ao indivíduo Virgulino, que obviamente não poderia ter vindo ao mundo em múltiplos lugares, mas ao flagelo da miséria, comum a todos os estados da região. Sobre os métodos e hábitos do
No auge da fama do bandoleiro, o sertanejo Graciliano Ramos afirmava que Lampião nascera há muitos anos, em todos os cantos do Nordeste bandido, escreveu: “Lampião é cruel. Naturalmente. Se ele não se poupa, como pouparia os inimigos que lhe cai entre as garras?” O romancista lembrou as marchas infinitas do cangaceiro, longas horas de fome e sede, o sono curto, a delação que o vigiava noite e dia. O poeta Carlos Pena Filho desenhou sua figura em redondilhas: “Teus olhos apenas viam/ fogo, sol, lâmina, fumo/ e apetrechos de emboscada/ em vez de chapéu possuías/ um céu de couro à cabeça/ com três estrelas fincadas”. A traição abateu Virgulino aos 40 anos, em plena força da idade. Foi surpreendido pela Força Volante orientada por um delator. Fez-se um cerco fatal ao esconderijo do bando na gruta de Angicos, estado de Sergipe, em 1938. Vários cangaceiros foram mortos à bala e depois decapitados, incluindo Virgulino e Maria Bonita, sua lendária companheira. Alguns conseguiram fugir milagrosamente, dentre eles o casal Zé Sereno e Hilda Gomes de Souza (Cila). Em 1984, entrevistei a ex-cangaceira na Rádio Eldorado. Cila era uma senhora bonita e grisalha, de quase 70 anos. Ela disse que esteve no cangaço dos 14 aos 17 anos. A sua beleza adolescente inspirava os violeiros do sertão: “De Sereno quero a Cila/ de Lampião a Maria”. Fez uma comovida referência à memória do capitão morto, sem chances de lutar. Depois de narrar uma conversa com Maria Bonita (que, na véspera do massacre, confundiu lanternas de soldados com vaga-lumes) e dizer que Lampião era homem de grande fé religiosa, Cila deu sua versão do trágico amanhecer em Angicos: (...) “Ele não pôde brigar, o primeiro tiro já atingiu sua cabeça. Lembro árvores caindo, xique-xique, mandacaru,
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Zelda Fitzgerald teve uma vida intensa. Sofria de esquizofrenia e morreu aos 48 anos
facheiro, aquelas plantas caindo, caindo, porque os tiros cortavam tudo. Quando cheguei mais na frente, vi muitos soldados. Eu me deitei atrás de uma pedra, e eles atirando, atirando. Quando me levantei estava perto de Enedina. Acertaram na cabeça de Enedina e os miolos da cabeça dela caíram por cima de mim… Muita coisa me emocionou no tempo do cangaço. Por exemplo, ter um filho sem poder criar. E a morte de Lampião, porque ele morreu sem brigar. Um homem como ele tinha o direito de morrer lutando. Isso foi a emoção maior que eu tive, e também por ele morrer sem dar uma palavra com a gente”.
Em busca de Zelda Fitzgerald (10/12/2005) Quando completei 18 anos, ganhei de presente uma loira do Alabama. Na farra de aniversário, um amigo mais lido e mais vivido contou-me as aventuras de Zelda, mulher cuja beleza e desvairada sensibilidade incorporei, de pronto, ao meu imaginário de rapaz. O que mais me impressionou foi o escândalo que ela teria dado num bar de Nova York, durante a chamada era do jazz. Era uma versão arrebatadora. No tal bar, havia pequena caixa envidraçada que guardava um botão de alarme. Era
Scott gosta de exibir Zelda e também de mostrar o dinheiro vivo que traz no bolso do paletó bem-cortado. Acende cigarros com notas de cinco dólares para ser quebrada e acionada em caso de incêndio. Pois me contou o amigo que Zelda quebrou o vidro com o punho e apertou o botão. Minutos depois chegaram os bombeiros correndo, perguntando onde estava o fogo. E Zelda, batendo com a mão ensanguentada no peito: “O fogo está aqui!”. A realidade não chegou a tanto. Lendo pela vida afora quase tudo que se escreveu sobre essa mulher fascinante, sua vida com Scott, livros dele, poucos contos e até um livro dela, jamais encontrei a história do incêndio no coração. Tantas e tamanhas foram as lendas a respeito dela e do marido, que um de seus biógrafos, J.R.Mellow, deu ao texto que produziu o título sugestivo de Vida inventadas. Houve meia dúzia de relatos sérios, em livro, sobre o grande romancista Francis Scott Fitzgerald; Zelda, mesmo sem ter publicado uma obra significativa, foi biografada três vezes, além de ser uma forte presença nas biografias de Scott, principalmente aquela escrita por Jeffrey Meyers. Ela viveu apenas 48 anos, quatro a mais que o companheiro. Sobreviveu à morte dele quase uma década. Talvez a circunstância dramática do seu fim – um incêndio no manicômio onde vivia – tenha inspirado a mentira contada sobre aquele escândalo em Nova York. As andanças pelo mundo de papel em busca de Zelda começaram na cidadezinha de Montgomery, quieta província do Alabama, que a ninfeta inflamava com os seus procedimentos sexuais abertamente livres e um incrível poder de sedução. Formavam-se filas nos bailes para uma valsa com ela. Jovens aviadores do vizinho Camp Sheridan arriscavam a vida em piruetas sobre a casa em que mora-
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va. Há registro de dois aeroplanos que se espatifaram no solo. Admiradores da Universidade de Auburn, também próxima, fundaram uma espécie de fã-clube com as suas iniciais. Em 1919, quando Scott entrou em sua vida, Zelda não fazia outra coisa que não fosse despertar o tesão dos rapazes locais e visitantes. Fingindo um pouco de ciúme, ele na verdade se orgulhava daquela namorada flapper, tão dona de si e dos outros. Deu-se o noivado, logo interrompido entre lágrimas, porque o noivo ainda era apenas um romancista inédito, com 23 anos. Em 26 de março de 1920, sai finalmente This side of paradise, que empolga crítica e leitores, vendendo no primeiro ano 50 mil exemplares – o que na época é estrondoso. Casam-se e rumam juntos para uma aventura enlouquecida, que dura exatamente duas décadas: a primeira, feita de viagens, festas, gastança, brigas e reconciliações; e a segunda, um longo martírio compartilhado, ele mergulhando no alcoolismo e ela numa incurável esquizofrenia, com algumas tentativas de suicídio. No tempo de Zelda, não havia Prozac, e sua doença, hoje absolutamente controlável, empurrou-a para a loucura intermitente que a consumiu. Conta Kyra Stromberg que a jovem magnetiza e flerta livremente com todos ao redor, enquanto Scott parece lisonjeado com isso, porque “tudo o que ela é ou faz pertence a ele”. Todas as personagens femininas de sua obra ficcional, de um jeito ou de outro, inspiram-se em Zelda. Dólares não faltam para o desfrute de uma vida luxuosa e barulhenta, em perfeita sintonia com os roaring twenties. Scott gosta de exibir Zelda e também de mostrar o dinheiro vivo que traz no bolso interno do paletó bem-cortado. Acende cigarros com notas de cinco dólares. As somas exorbitantes que recebe do editor vão se dissolvendo e ele não se cansa de pedir novos adiantamentos. Gira velozmente, com as próprias mãos, o implacável carrossel de dívidas que jamais consegue deter. Publicado o segundo romance, The beautiful and damned, o casal recolhe-se para infindáveis conversas noturnas, em que se alternam recriminações, confidências e uma incontrolável autoexaltação: “Ninguém tem o direito de viver fora de nós, e eles (os outros) destroem nosso mundo” – escreve Zelda. Ela foi bailarina, pintora, contista e respeitada conselheira do marido, quando este enfrenta os habituais impasses de romancista. Dele ouve, sem qualquer submissão intelectual, alvitres de boas leituras e opções estéticas. Em pouco tempo, forma e amplia juízos próprios. Não se sabe como, pois gasta a maior parte da juventude em dissipações com Scott ou declarado apego ao luxo e a uma dispendiosa frivolidade. Mesmo assim acontece a pausa de nove meses para a gestação de Scotie, filha única do casal e marca viva dos seus tempos felizes. No futuro, a herdeira firmaria um testemunho definitivo: “Nunca pude aceitar essa ideia de
que foi o alcoolismo de meu pai que levou minha mãe ao manicômio. Assim como também não acho que foi ela quem o levou a beber”. O comportamento bipolar de Zelda, indício do grave distúrbio mental que ocorreria depois, gerou contradições no julgamento de sua personalidade. Foi anjo ou demônio, conforme seus humores em mudança constante e depoimentos de quem testemunhou, para o bem ou para o mal de sua reputação, uma dessas fases de conduta. Pode ser que encontremos a verdadeira Zelda nas cartas que escreveu de seu exílio do mundo (as internações) a partir dos anos 1930. Para surpresa dos que valorizam mais os excessos nos bares e festas, nota-se em quase todos esses escritos pessoais de Zelda (e alguns de Scott) o que Jackson Bryer e Cathy Bark chamaram de “ética do trabalho”. Neles, o casal não se cansa de comentar o que está produzindo e sonha produzir. Fiz uma viagem pouco frutífera, desde Montgomery, passando por Nova York e Paris, quando a vida era uma festa contínua para Zelda. A verdadeira história dessa mulher incomum não está nos ensaios ou biografias, mas nas cartas que partiram dos sete hospitais psiquiátricos em que esteve internada por 10 anos. Cartas que ela enviou a Scott, o seu parceiro de tantos erros e de tanto amor: (...) haverá domingos e segundas-feiras de novo, que são dias diferentes um do outro, haverá Natal, lareira no inverno e coisas agradáveis em que pensar quando formos dormir – não passarei a vida nas escadas dos fundos dos teatros de revista e você não arrastará a sua pelas sarjetas parisienses – quem sabe tudo dá certo e eu me mantenha sensata... (...) “Quero que seja feliz – se houvesse justiça, você seria feliz –, talvez ainda venha a ser”. (...) “Felizes, felizes, para todo o sempre – da melhor forma que deu”. (...) “Por que você não vai para Tryon? Poderíamos ter um verão muito feliz, nesse caso – você vai gostar de lá, e eu sirvo umas canções de passarinho e umas nuvens de verão muito boas, de café da manhã”. (...) “As manhãs resguardadas me fazem lembrar de 25 anos atrás, quando a vida estava tão cheia de promessas quanto agora está de lembranças”. Das respostas dele, que mostram queixas indecisas, um só trecho resume tudo: “Ah, Zelda, era para ter sido uma carta de extrema frieza, mas não me sinto assim em relação a você. Um dia já fomos uma única pessoa e sempre será um pouco dessa forma”. Estão juntos hoje no cemitério da St. Mary’s Church. Na lápide, por iniciativa da filha, as últimas palavras de O grande Gatsby, que resumem a sua busca (inútil) de felicidade: “Assim, continuaremos a remar, opondo-nos à corrente – e flutuando, sem descanso, em direção ao passado”.
Confira outros títulos de nosso catálogo em www.editora.cepe.com.br CONTINENTE OUTUBRO 2017 | 72
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Crônica
ALERTA DE SPOILER TEXTO VICTOR HERINGER
Reinaldo, de Grande sertão: veredas, é
mulher. Bruce Willis é um fantasma em O sexto sentido. Jesus Cristo morre no final. O fluxo descontrolado de informações no contemporâneo fez brotar, como efeito colateral, uma curiosa espinha na testa da mente humana: o medo do spoiler, que pode chegar a níveis patológicos, a ponto de causar desavenças entre pessoas até então consideradas razoáveis. O spoiler, mais do que a mera divulgação de aspectos de um enredo, é a revelação capaz de estragar a apreciação de uma obra. “To spoil” significa justamente “arruinar”, “apodrecer” ou, por extensão, mimar alguém, sobretudo crianças. Édipo mata o próprio pai e se casa com a mãe; ao descobrir o que fez, fura os olhos em desespero. Para o purista, um spoiler pode ter consequências similares. Muitas vezes, a revelação de um ponto importante da trama faz com que se perca totalmente o interesse na obra. Charles Curkin, em um texto publicado na Paris Review, intitulado The rise of the spoiler alert, afirma que “já não vemos filmes ou lemos livros
pela gestalt”, hoje o poder da arte está diretamente ligado às emoções que é capaz de suscitar. Ou seja, sem a surpresa, acaba a graça. Mas talvez o impacto mais ou menos nefasto da revelação dependa da qualidade da arte. Afinal, o oráculo de Delfos – o maior spoiler da Antiguidade – diz a Édipo que ele vai matar o pai e se casar com a mãe. Mesmo sabendo, Édipo vai ao encontro de seu destino. E nós o acompanhamos com um frio na espinha. Alguém deixaria de assistir a uma montagem de Édipo Rei porque já conhece o fim? A ascensão do spoiler é relativamente recente e chama a atenção de artistas contemporâneos. Para o músico e escritor Dimitri Rebello, a “spoilerfobia” indicaria que “o interesse da obra reside somente no seu aspecto factual – como se a obra fosse a sua trama e não o tratamento dado a esta”. De certa maneira, a atenção desmedida ao spoiler revelaria que grande parte dos produtos culturais, ou o modo como os consumimos, se baseia numa concepção empobrecida de narratividade.
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Talvez por isso, como explica o cineasta e poeta Frederico Klumb, o fenômeno seja mais visível nas redes sociais e esteja relacionado com mais força ao mundo das séries, “estruturadas em temporadas e com trama vinculada de um episódio para outro”, ou aos filmes de super-heróis. O escritor Daniel Galera se refere a “um certo fetiche da surpresa” no contemporâneo, mas concede que a virada de trama é um dispositivo narrativo importante. Segundo o autor, “em suas piores versões, ele se torna uma muleta para histórias fracas e malcontadas. Nas melhores versões, enriquecem histórias mais exigentes, complexas, e que são genuinamente inesperadas”. Entende-se sem dificuldade como os golpes de enredo podem se tornar muletas para uma obra de qualidade duvidosa – quantas histórias de detetive não nos fizeram suportar um desenvolvimento penoso simplesmente com a promessa da revelação final? Quem é o assassino? Era o mordomo. Contudo, como diz Klumb, “o espectador não é um cavalo ou um
MARIA JÚLIA MOREIRA
burro tentando alcançar uma cenoura”. A necessidade de resolução e do clímax “nos foi empurrada garganta abaixo por um cinema de mercado muitas vezes alienante”, uma herança negativa do audiovisual americano. Para ele, é preciso “fugir o quanto for possível do lugarcomum. Não com revelações diretas, mas com a forma”. No caso de peças complexas, a virada de trama “genuinamente inesperada” nos sugere um curioso paradoxo. Ao lermos Grande sertão: veredas sem saber que Reinaldo/Diadorim é mulher, recebemos o impacto da revelação. Era inesperado. Ao reler o livro conhecendo o enredo, o impacto não é o mesmo, mas adquiriu uma camada a mais: de certa forma, potencializouse. Sentimos a surpresa e o amor do protagonista Riobaldo genuinamente, porque não estamos ali só para satisfazer o impulso de chegar ao fim. É uma virada de trama cuja potência não se degenera com a repetição. Uma hipótese: não existe spoiler de obra boa porque o conhecimento do enredo magicamente a enriquece. Para os que acessaram a obra-prima de Guimarães
Rosa pela minissérie que foi ao ar na Rede Globo em 1985, esse paradoxo estava encarnado na figura de Bruna Lombardi, que fez o papel de Reinaldo/ Diadorim. Poderíamos, portanto, batizá-lo de “paradoxo Lombardi”. Isso não quer dizer que não haja prazer em adentrar uma obra carregando somente a bagagem cultural acumulada, para preservar os primeiros arroubos. “Se eu preferia entrar totalmente ingênuo em uma obra? Talvez”, diz Rebello, mas descarta a existência de um receptor absolutamente ignorante. Mal ou bem, sabemos muitas coisas do mundo, dos livros, filmes etc. Ou seja, entramos com bagagem, nunca só com a roupa do corpo ou, como querem os puristas, nus. Deslocar a atenção para outras formas artísticas talvez ajude a aclarar a questão. Por exemplo, existe spoiler na música? Para Rebello, a música em grande medida depende do spoiler: há um acordo tácito entre músico e ouvinte que estabelece uma expectativa em relação ao gênero musical, ao sistema tonal, às repetições, aos ritmos, às melodias e às rimas.
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“Entramos na música já sabendo o que deve acontecer; em geral, é isso mesmo que acontece. E ainda assim a música pode nos oferecer não só a satisfação da familiaridade, mas nos surpreender pelo modo como aquela obra específica lida com elementos e regras já tão conhecidos”, explica. Dito de outra maneira, a música vive do paradoxo de Lombardi. Se uma canção se atém ao já ouvido de forma muito próxima, nós nos desinteressamos. Se é boa, o que nos pega é a competência em jogar com o que já se conhece. A música pop é mestra nesse jogo. Uma das reações à hiperinformação é o medo de ficar sabendo, essa espécie de ansiedade que se revela na aversão ao spoiler, mas desce a camadas mais profundas, que não podemos escavar completamente em poucas páginas. Uma questão que se pode levantar, entretanto, é o papel da crítica neste contexto. “Se estamos falando de crítica propriamente dita”, diz Galera, “essa que procura analisar obras de arte e produtos culturais à luz de suas ideias, conceitos, linguagens, formas, ramificações e contextos diversos, o pudor do spoiler tem um custo imenso”. Não lidar com a obra em sua integridade por temor a revelar pormenores do enredo tornaria o debate menos fértil. De fato, é algo a se pensar. A crítica não judicativa (isto é, aquela que não se limita a conceder estrelinhas a um trabalho) se propõe a incrementar a bagagem do receptor. Se ele se recusa a entrar nas obras paramentado, a crítica perde sua relevância, alimentando um ciclo vicioso que terminaria na nudez total. Um final pouco feliz. A questão, enfim, parece estar relacionada ao conhecimento. Saber é mais fértil do que não saber, porque o conhecimento se alimenta de si próprio para se alastrar. E, no fim das contas, a arte que interessa, como diz Klumb, é aquela “que tenta ser fiel a uma imensa carga de aleatoriedade da vida”. Essa aleatoriedade da vida não é uma surpresa, mas é o nosso espanto maior. VICTOR HERINGER, escritor e artista visual carioca, autor dos romances O amor dos homens avulsos e Glória (prêmio Jabuti 2013), da plaquete de fotos O escritor Victor Heringer, entre outros.
Artigo
A PORTA-VOZ DA CONTRACULTURA Criada em São Francisco, com dinheiro emprestado da sogra por um editor visionário, a revista Rolling Stone chega aos 50 anos como um negócio de grandes tiragens, franqueado em 20 países TEXTO MARCELO ABREU
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Quando a revista Rolling Stone foi às
bancas pela primeira vez, em outubro de 1967, o mundo cultural havia presenciado, nos meses recentes, uma série de eventos que ajudariam a marcar o século XX. O Festival Monterey Pop, na Califórnia, havia revelado a um público amplo nomes da nova música, como Jimi Hendrix e Janis Joplin. A cultura hippie explodia no chamado Verão do Amor. No interior do estado de Nova York, num vilarejo ainda pouco conhecido chamado Woodstock, Bob Dylan dava novas direções à sua carreira gravando com The Band. Na Inglaterra, os Beatles tinham lançado o Sargeant Pepper’s Lonely Hearts Club Band e o Pink Floyd o seu primeiro LP, The piper at the gates of dawn. Uma nova forma de arte emergia: o rock, que agora, além de música jovem, era um fenômeno social e político, símbolo de energia e da procura por novos caminhos. Alguém
precisava abordar isso no jornalismo. A bola estava quicando na área e foi um rapaz de 21 anos quem primeiro chutou. Jann Wenner pegou 7 mil dólares emprestados da sogra e fundou uma revista. Cinquenta anos depois, a Rolling Stone é parte de um império avaliado em milhões de dólares. Uma revista com edições em 20 países e uma circulação de mais de um milhão de exemplares quinzenais. Uma empresa de mídia que nessas cinco décadas investiu em cinema, video games, internet, restaurante, fundou títulos, comprou e vendeu tantos outros, perdeu e ganhou muito dinheiro. Mas, sobretudo, no processo, revolucionou o jornalismo com uma publicação quase sempre inovadora, provocante e influente. Até 1967, a cobertura do rock na imprensa era feita em revistas para adolescentes que se dedicavam a pequenas fofocas superficiais. Como disse certa vez
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F oto do casal Jonh Lennon e Yoko Ono, tirada por Annie Leibovitz no dia do assassinato do ex-Beatle, em 1980
o cantor Mick Jagger, os repórteres “perguntavam que meias nós usávamos, de que comida gostávamos. De repente, a Rolling Stone inventou a entrevista longa e tivemos que opinar sobre a guerra do Vietnã”. No início, era somente “um jornalzinho de rock and roll de São Francisco”, como gostava de dizer Jann Wenner. Tirando a dose de autodepreciação, a Rolling Stone circulava nos primeiros anos realmente num formato de jornal tabloide, mas já com um conteúdo de revista. Ao lado de Wenner, foi fundamental nos primeiros tempos a figura de Ralph Gleason. Num ambiente cultural que desconfiava de quem tinha “mais de 30”, Gleason, já com 54 anos, não se intimidou. Especialista em jazz, enxergou rapidamente nas casas de show de São Francisco a cultura psicodélica que surgia e que era ignorada pela grande imprensa.
REPRODUÇÃO
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Artigo IMAGENS: REPRODUÇÃO
Jann Wenner tinha abandonado o curso de Letras na Universidade de Berkeley e era um jovem repórter ávido por encontrar gente famosa, divertir-se e curtir a boca livre que sua ligação com a imprensa lhe proporcionava. Escrevia resenhas de discos e shows para a edição de domingo da revista Ramparts. Quando ficou desempregado, um amigo chamou-o para fazer parte de um grupo que ia fundar uma revista dedicada às tribos de hippies que ocupavam a área de HaightAshbury. Wenner gostou da ideia, participou de algumas reuniões, mas depois desistiu. Revistas para hippies já existiam mais de 20, só em São Francisco. “Danem-se as tribos, Jann pensou. A garotada se comunica é através da música”, escreve Robert Draper no livro Rolling Stone – The uncensored history, que detalha os primeiros anos da revista. Decidiu fundar uma somente dele. Pegou algumas ideias de que gostava – e descartou as que não gostava – de publicações como o Melody Maker, de Londres, e das norte-americanas Crawdaddy! e Mojo-Navigator. Como diz a frase de Wenner tantas vezes repetida, “A Rolling Stone não é somente sobre música, mas sobre as coisas e os comportamentos que a música abarca”. Para colocar sua revista para circular, alugou uma pequena sala na Rua Brannan, numa área decadente de São Francisco entre o porto e a área hippie de Haight-Ashbury. Para o nome da publicação, inspirou-se no velho blues Rollin’ stone, cantado por Muddy Waters, cujo verso principal diz que “a rolling stone gathers no moss” (uma pedra que rola não acumula musgo), frase que se tornaria recorrente no mundo do rock com a banda inglesa (fundada em 1962), a canção de Bob Dylan, Like a rolling stone (de 1965), e a própria revista, dois anos depois. A grande questão era a quem agradar no tumultuado contexto do final dos anos 1960: à nova esquerda, aos hippies, aos alternativos de vários matizes ou aos amantes da música? Wenner elegeu esses últimos como seu público preferencial. Tinha firme convicção de que era a música que
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unia a sua geração, e fazia dela mais forte. Através do rock viriam outros tipos de leitores. O importante, para ele, era seguir os parâmetros do jornalismo profissional com uma pauta diferente sobre a nova cultura. A primeira capa trazia uma matéria sobre o Festival de Monterrey e uma foto de John Lennon vestido de soldado, atuando no filme Como ganhei a guerra, que estava para ser lançado. Muitos anos depois, o editor diria que “é uma capa reveladora porque junta música, cinema e política” na mesma foto. Wenner chegou a afirmar de brincadeira que fundou a revista para poder falar com ídolos como Mick Jagger, John Lennon e Bob Dylan. Dono de um sorriso cativante,
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nos primeiros anos, tinha um comportamento que misturava a euforia e energia de um fã das bandas de rock com o ímpeto de uma raposa do jornalismo marrom. Contraía dívidas, apostava alto no sucesso da revista e seguia sem mapa num território desconhecido. Quem o visse em ação, o tomaria por um misto de aventureiro, picareta e também idealista. A ideia básica – a “grande sacada”, como se dizia na época – era cobrir a música e os aspectos relativos à contracultura com a mesma seriedade, profissionalismo e espírito crítico com que o New Tork Times cobria a Casa Branca. Em outras palavras, entrevistar um músico como John Lennon como quem entrevista o
2-3 Jann Wenner
tinha 21 anos quando fez circular a primeira edição da revista que, na verdade, teve formato inicial de jornal
Isso foi fundamental, sobretudo em assuntos extramusicais e resultou, ao longo dos anos, em algumas coberturas antológicas da revista: o fracasso de um show dos Stones no autódromo de Altamont, na Califórnia, que terminou em confusão envolvendo os motoqueiros conhecidos como Hells’s Angels; o crime planejado pelo psicopata Charles Manson contra a atriz Sharon Tate e seus amigos; o massacre de estudantes na universidade de Kent State, em Ohio; o sequestro de Patricia Hearst, herdeira do magnata da imprensa William Randolph Hearst, que aderiu ao Exército Simbionês de Libertação, que a havia raptado; a morte misteriosa de Karen Silkwood, líder sindical que denunciou irregularidades em uma usina nuclear. Em cinco anos, o prestígio da revista no mundo do jornalismo sério já era inegável.
O FURACÃO THOMPSON
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secretário de estado Herry Kissinger. Formalmente, a revista prezava a qualidade do texto, um projeto gráfico sem maiores firulas, como era comum nas publicações alternativas. Em uma frase: a Rolling Stone tratava de sexo, drogas e sobretudo rock’n’roll, mas estava a anos-luz de um fanzine. Rapidamente, a revista foi notada pelas gravadoras e contou com a simpatia das bandas. John Lennon, especialmente, viu na Rolling Stone uma porta-voz do seu lado mais rebelde e deu longas entrevistas. Mick Jagger ficou tão próximo, que chegou a entrar numa sociedade para uma edição inglesa da Rolling Stone – que acabou fracassando. Bob Dylan rompeu sua fase de reclusão, em 1969, dando uma
longa entrevista exclusiva à revista – que custou meses para ser negociada, através de cartas entre ele e Wenner. Em meio ao tumulto contracultural do final dos anos 1960 e começo dos anos 1960, a Rolling Stone estava em posição privilegiada para cobrir os acontecimentos. A grande imprensa via os hippies como cabeludos desertores da convocação para a Guerra do Vietnã. A cobertura da nova música ainda era feita de terno e gravata. Os repórteres da Rolling Stone, por outro lado, eram da turma. Apesar de muitos terem já respeitadas carreiras como jornalistas “do sistema”, tinham trajetórias pessoais que os credenciavam a cobrir os acontecimentos de dentro, com outra percepção do mundo.
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Em 1970, entrou em cena a figura de Hunter S. Thompson. O jornalista já era conhecido pelo seu livroreportagem Uma saga estranha e terrível sobre os Hell’s Angels. Mas foi na Rolling Stone que começou a fazer suas matérias mais emblemáticas. Em 1970, estreou escrevendo sobre sua própria candidatura ao posto de xerife de Aspen, no Colorado. No ano seguinte, veio seu texto mais famoso, Medo e delírio em Las Vegas – Uma viagem selvagem ao coração do sonho americano, cuja pauta inicial era cobrir uma corrida de motocicletas. Com essa matéria, inaugurou o chamado jornalismo gonzo, num texto que depois virou livro e filme. Thompson costumava partir com uma pauta em busca de uma boa história, turbinado por álcool e drogas, e se tornava, ele mesmo, o tema principal – às vezes único, da história, esquecendo a pauta inicial e misturando fatos com alucinações. Não respeitava prazos, estourava orçamentos, enlouquecia os editores. Tudo contribuía para o caos genial que daí resultava. No ano seguinte, escreveu Medo e delírio na trilha da campanha de 72, que cobre as eleições primárias do Partido Democrata que terminou derrotado novamente por
REPRODUÇÃO
Richard Nixon, político detestado por Thompson. No contexto da época, suas longas matérias fizeram enorme sucesso, conquistaram leitores para a revista e transformaram-no numa celebridade. Ele inspirou até o personagem Tio Duke, da tirinha Doonesbury, de Gary Trudeau. Além de Thompson, a revista investiu pesado no chamado new journalism, que, na verdade, era o velho jornalismo literário com um viés mais pop e experimental. Apuração exaustiva e demorada, e textos longos, onde se usavam – apenas na forma, não no conteúdo – recursos da literatura de ficção. Tom Wolfe, que já era uma estrela em revistas como Esquire e Harper’s, publicou na Rolling Stone, em capítulos, seu livroreportagem Os eleitos, sobre o programa espacial norte-americano. Em 1984, Wolfe voltaria à carga, dessa vez com o romance A fogueira das vaidades, publicado em 23 capítulos. Os livros mais recentes também apareceram em versões serializadas na revista, como foi o caso de Emboscada no Fort Bragg (de 1996), Um homem por inteiro de (1998), e Eu sou Charlotte Simmons, de 2004.
RETRATOS DE UMA ÉPOCA
Na área de fotografia, a revista se destacou pelos portraits que Annie Leibovitz fez com as estrelas do mundo do rock, do cinema e da política. A foto mais famosa foi a do casal Lennon e Yoko Ono, tirada no dia do assassinato do ex-Beatle, em 1980. Mas houve muitas outras notáveis como a do presidente Jimmy Carter numa plantação de amendoins (em 1976), a do guitarrista Keith Richards arriado no chão, em 1972, nocauteado após mais uma farra, e a dos fuzileiros navais recolhendo um tapete vermelho nos jardins da Casa Branca enquanto o helicóptero com Nixon decolava pela última vez, com o presidente que acabava de renunciar (em 1974) depois do escândalo Watergate. O pianista Liberace, superkitsch, aparece ao lado de um chofer e de sua limusine em 1981, uma figura extemporânea que compõe, junto com os outros, o vasto painel da vida norteamericana captado por Leibovitz. Outros grandes fotógrafos emprestaram suas lentes à revista,
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como Baron Wolman, com fotos antológicas de Jimi Hendrix e sua guitarra, em 1968, e da banda Greatful Dead, símbolo da cultura hippie, em frente de casa na Rua Haight, em São Francisco, em 1967. Outro grande fotógrafo, Richard Avedon, publicou retratos de famosos como os cantores Prince, em 1983, e Cindy Lauper no ano seguinte. São imagens que transcenderam o público da revista e entraram no inconsciente coletivo internacional.
VIRADA COMERCIAL
A Rolling Stone ficou grande demais para São Francisco e o ambicioso Jann Wenner, o antigo fã de rock que, a essa altura, já tinha se tornado, ele próprio, uma figura cortejada no jet set internacional, decidiu mudar a revista para Nova York, em 1977. E não foi para qualquer endereço. Alugou alguns andares no número 745 da Quinta Avenida, em frente ao Hotel Plaza, com vista para o Central Park. Do vigésimo terceiro andar, Wenner contemplava o que começava a parecer um império. A
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4 Hunter S. Thompson
inaugurou o jornalismo gonzo nas páginas da Rolling Stone
5 Tornou-se antológica
a cobertura fotográfica de Annie Leibovitz para a revista, como os registros de turnês da banda Rolling Stones
empresa começou a se expandir para outros negócios, a criar revistas. Após fundar a Outside, em 1984, Wenner comprou a revista Us Weekly, sobre celebridades. Perdeu dinheiro inicialmente, demitiu editores, contratou novos, impetuoso como sempre. Em 1985, a Rolling Stone atingiu a circulação de um milhão de exemplares. Mas até então sua receita com publicidade não correspondia ao prestígio e à sua tiragem. Foi quando foi contratada uma agência para tentar reverter a situação. A empresa criou uma campanha que trabalhava com o eixo percepção versus realidade. Em anúncios de página dupla, tentava convencer o mercado publicitário de que a imagem que tinham do leitor da Rolling Stone, como um hippie que morava numa cabana e rejeitava o consumismo, estava errada. Na verdade, o exhippie de 1967, 20 anos depois, já era uma pessoa de quase 40 anos que
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tinha um bom emprego e poder aquisitivo. A campanha desagradou imensamente à redação, que acusou o patrão de se vender ao sistema. Do ponto de vista comercial, a campanha foi um sucesso. Os anúncios da indústria da moda, por exemplo, saltaram de 20 páginas anuais, em 1984, para 500 páginas dois anos depois. Para atrair mais anúncios, foi adotada a estratégia de edições especiais – com foco em um tema como moda, faculdades, carros. Em cada caso, uma crise: protestos da redação, jornalistas mais antigos pediram demissão e Jann Wenner passava como um trator em cima dos antigos valores contraculturais. Na revista, a relação com o setor comercial sempre foi complicada, mais do que em qualquer outra publicação, já que a Rolling Stone incorporava o espírito antissistema que o rock tinha na década de 1960. Mesmo assim, ao longo dos anos, os interesses comerciais foram tomando espaço do conteúdo editorial. A decisão de aceitar anúncios das Forças Armadas foi talvez o rompimento
mais significativo para uma revista nascida no meio da contestação à Guerra do Vietnã e sua denúncia do chamado complexo industrial militar.
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GLAMOUR
Quando a revista tornou-se a mídia perfeita para anunciar carros, produtos de beleza, bebidas, cigarro e aparelhos de som, vieram as mudanças de formato. O tabloide dos primeiros anos, com papel de jornal e apenas uma cor por edição, além do preto, já havia mudado em 1973 com a utilização de mais cores. Em 1980, assumiu o papel e o formato de uma grande revista (30 cm x 25 cm). E passou a dedicar cada vez mais espaço para falar de cinema e televisão. Os astros do programa humorístico Saturday Night Live, como John Belushi e Bill Murray estavam sempre na capa. A moda passou a ser cada vez mais presente. As propagandas de perfume, às vezes com amostras olfativas, davam à revista um aspecto distante do clima dos anos 1960 – um claro contraste com o cheiro de incenso e patchuli, e do radicalismo político de um Abbie Hoffman, por exemplo.
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6-8 Edições da década de 1980, quando a publicação atingiu circulação de um milhão de exemplares
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REPRODUÇÃO
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9 P. J. O’Rourke, com seu humor característico, assinou reportagens importantes, como a das eleições na Rússia em 1996
10 Por conta da capa estampada com o rosto de
Dzhokhar Tsarnaev, um dos responsáveis pelo ataque terrorista na Maratona de Boston, em 2013, a revista foi acusada de glamorizar o terrorismo
11-12 Em 1971, a revista ganhou uma versão
brasileira que seguiu até janeiro de 1973. Em 2006, ela voltou a ter uma edição nacional, agora num esquema mais profissional
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Tudo fazia crer, numa primeira olhada, que a revista estava priorizando o estilo em detrimento do conteúdo. Mas uma leitura mais atenta mostra que, apesar de todo o brilho e charme recentes, ainda estava presente, como até hoje, a fórmula original: a seção de cartas, anacronicamente intitulada Correspondence, love letters and advice (correspondência, cartas de amor e conselhos), a coluna Random notes (notas fortuitas), com notícias pequenas sobre o rock, as grandes reportagens investigativas sobre temas os mais diversos – de indústria musical ao mercado financeiro, de cultura praieira da Califórnia à Casa Branca –, as grandes entrevistas, as resenhas de discos e filmes, as listagens da parada de sucessos. Com Hunter Thompson precocemente aposentado, vivendo então em um rancho no Colorado, outros nomes importantes surgiram. Entre eles, P. J. O’Rourke, um exhippie transformado em conservador que escreve a sério, mas com muito humor, suas reportagens pelo mundo,
enviado para cobrir eventos como a presença das tropas norte-americanas na Arábia Saudita, em 1991 (Nada de sexo, nada de drogas, só rock’n’roll); a crise política no Haiti, em 1994 (Outras férias no inferno) e eleições na Rússia, em 1996 (P. J. invade a Rússia). Apesar de, relutantemente, abrir espaço para novidades como o hiphop e o os astros do rhythm and blues contemporâneo, a revista continua um depositário da cultura sessentista, o lugar ao qual se vai quando se quer uma opinião abalizada sobre o novo disco de um velho astro ou uma entrevista rara de Bob Dylan. Com o tempo, a revista passou a ser cada vez mais criticada pelas famosas listas que faz, periodicamente, de melhores canções, melhores discos, melhores guitarristas. As principais posições são sempre ocupadas pelos grandes nomes dos anos 1960. Os críticos mais jovens acusam Wenner de manipular os resultados e favorecer sua geração. Do outro lado, alguns alegam que a música viveu mesmo uma época de ouro nos anos 1960 e 1970 e as listas refletem isso. Wenner não parece preocupado.
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Defende seus ídolos, hoje também seus amigos e, com seu tradicional sorriso de menino travesso, segue como um trator que não tem muito que explicar nada a ninguém.
EDIÇÕES POLÊMICAS
No jornalismo, já no século XXI, novos nomes foram surgindo. Entre eles, Matt Taibbi, que se destacou por matérias sobre o escândalo financeiro da empresa Goldman Sachs, descrita por ele como “um grande sanguessuga”, e Michael Hastings, cujas matérias investigativas levaram à renúncia do general Stanley McChrystal, comandante das forças armadas norteamericanas no Afeganistão. Uma das capas mais polêmicas dos últimos anos foi a que mostrava, em primeiro plano, uma foto de Dzhokhar Tsarnaev, um dos responsáveis pelo ataque terrorista na Maratona de Boston, em 2013. A revista foi acusada de glamorizar o terrorismo. No meio da polêmica, muitas redes de supermercados, farmácias e lojas de conveniência decidiram suspender a venda. A mesma foto já havia sido publicada na
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primeira página do New York Times, mas, colocada na capa da Rolling Stone, o peso cultural era outro, ganhava uma outra dimensão, apesar de a matéria ser, evidentemente, contra o ato terrorista. Outra grande polêmica foi a matéria intitulada Um estupro no campus, sobre um grupo que assediaria mulheres na Universidade da Virgínia, em 2014. Após destruir reputações, ficou provado que a denúncia não tinha base nos fatos. Em meio a uma grande polêmica, que foi acompanhada por outros órgãos de imprensa, a revista se desculpou, foi processada, o editor-executivo se demitiu. Mas, pior, o caso se tornou a principal mancha da revista nessas cinco décadas.
NO BRASIL
Com o sucesso nos Estados Unidos, alguns países começaram a ter edições da Rolling Stone. Em novembro de 1971, a revista passou a ter uma edição brasileira, editada em um casarão em Botafogo, no Rio de Janeiro. O primeiro número trazia o guitarrista Santana na capa e Caetano Veloso envolto em plumas na contracapa. A versão
brasileira teve ao todo 36 edições, até janeiro de 1973. Sua redação era comandada por Luiz Carlos Maciel, que já vinha do Pasquim, no qual escrevia a coluna Underground e era considerado “o papa da contracultura” no Brasil. Pela edição brasileira, passaram nomes depois conhecidos como Ana Maria Bahiana, Ezequiel Neves e Okky de Souza. Como colaboradores eventuais, estavam Jorge Mautner e Paulo Coelho. Traduzia o material em inglês e mesclava com reportagens a intensa cena musical brasileira da época. No disco O A e o Z, os Mutantes fizeram uma música chamada Rolling Stone, em que cantam: “Estava lendo a Rolling Stone/ veio um cara que abriu a cabeça/ fui correndo e tropecei num arco-íris”. Um anúncio nos classificados da revista revela bem o clima da época: “Vendo uma luz negra de 125 watts ou transo a lâmpada por discos ou ainda por um macacão Lee novo ou em bom estado. Procurar Paulo César”. Em 2006, agora num esquema mais profissional, a revista voltou a ter uma edição brasileira, publicada em São
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Paulo, seguindo os moldes da edição americana, já em outro contexto histórico bem distinto. A primeira capa, com a modelo Gisele Bündchen, já dizia tudo: os tempos tinham mudado muito. Nos Estados Unidos, agora aos 71 anos, Jann Wenner apareceu recentemente na cerimônia anual do Rock and Roll Hall of Fame homenageando grandes nomes de rock. Vendeu a revista Us Weekly, mas mantém a Men’s Journal e investe num site de games chamado Glixel, tocado pelo herdeiro e provável sucessor, o filho Gus Wenner. Quanto à Rolling Stone, em 2008, reduziu o tamanho da revista para o formato atual. Há um ano, associou-se a uma start-up de Cingapura dedicada a música, chamada Bandlab, mas mantém o controle acionário e todas as decisões editoriais. Com o sorriso de satisfação de sempre, diz que a revista segue sendo a razão de sua vida, ao lado da paixão pelo rock’n’roll. MARCELO ABREU, jornalista, autor de livros como De Londres a Kathmandu: Aventuras na estrada do Oriente.
Indicações Série
O nevoeiro
Ohtake na Caixa Cultural Nascida em Kyoto, no Japão, Tomie Ohtake chegou ao Brasil aos 23 anos. Mas só iniciou sua carreira artística aos 40. Apesar de ter começado tarde, teve uma longa carreira. Trabalhou até falecer aos 101 anos, em 2015. É um recorte do trabalho dessa artista que está em em exibição na mostra Tomie Ohtake – Cor e corpo, na Caixa Cultural Recife. Estão reunidas 40 gravuras, cinco pinturas e três esculturas pertencentes ao acervo da artista. As obras percorrem as diversas fases do seu trabalho, usualmente associado ao informalismo e à abstração. Entretanto, suas formas não são tão duras, e nos remetem a elementos da natureza, têm movimento e organicidade. A exploração das cores também é outra característica de suas obras, que podem ser vistas no Recife até 19 de novembro.
FOTOS: DIVULGAÇÃO
Além de It: a coisa, outra produção audiovisual adaptada a partir das obras de Stephen King estreou no Brasil, dessa vez, na plataforma Netflix. Todos os 10 episódios da primeira temporada já se encontram disponíveis para quem quiser “maratonar”. O mesmo conto foi adaptado para o cinema em 2007 por Frank Darabont; já a nova produção é dirigida por Christian Torpe. A série trata da chegada misteriosa de uma densa neblina, que encobre toda a cidade, provocando mortes misteriosas e violentas para quem entrar em contato com ela. Fanatismo religioso, medo e pânico se espalham entre os cidadãos, presos em igrejas, shoppings e hospitais.
Exposição
Infantil
Teatro
A crise dos refugiados é uma das questões mais proeminentes no mundo e tem se aproximado cada vez mais da realidade brasileira. Assistimos à chegada de milhares de migrantes que fogem da situação de caos instalada em seu país em alguns estados do Norte. Sentindo a urgência de levar essa discussão ao público infantojuvenil, a escritora Ana Dantas lançou (com sucesso) uma campanha de crowdfunding para produzir e editar o livro Deixando para trás – Uma história de esperança e futuro para uma criança refugiada. A obra trabalha conceitos como diferença, xenofobia e buylling de modo cativante, mostrando aos pequenos como a empatia, a amizade e a solidariedade são valores fundamentais para a solução de conflitos.
A importância de preservar os locais de fomento às artes cênicas – e outras linguagens – tem mobilizado artistas e apreciadores no Recife, haja vista o movimento #OcupeParque (na foto acima), que busca a restauração e o retorno das atividades culturais do Teatro do Parque, sem programação há sete anos. Em busca de contribuir para a resistência de espaços como esse, reverência ao fazer criativo e formação do público local, é que a segunda edição da mostra Outubro ou Nada de teatro alternativo do Recife acontece entre os dias 2 e 14 de outubro. Este ano, o festival homenageia o ator, dramaturgo e ícone do Vivencial Henrique Celibi. Além de espetáculos teatrais, a programação traz experimentos cênicos, performances, oficinas e leituras dramatizadas distribuídos nos 10 espaços alternativos. Entre as estreias, um dos destaques é o monólogo Solo de guerra, do ator Cleyton Cabral.
História de refugiados para crianças Outubro ou Nada
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Fotografia
Crônicas
Chicos
O ato de tirar a roupa, ver-se nu ou deixar ser visto despido, é algo que ainda causa insegurança. Compreendendo a nudez e sua necessidade de libertação, os mineiros Roberto Laderia e Fábio Rumier criaram o projeto Chicos, em que entrevistam e fotografam rapazes gays, que retiram suas vestes à medida que contam suas histórias de aceitação. Sejam eles magros, gordos, altos, baixos, negros, brancos, é a partir das diferentes formas de fotografar que a diversidade é evidenciada. O projeto reuniu 130 personagens num livro que pode ser comprado pelo site www.chicos.cc. Os registros e as histórias, no entanto, continuam tanto no site, quanto nas redes sociais do projeto.
Não me deixe aqui rindo sozinho André Laurentino publicou, durante quase uma década, crônicas no jornal O Estado de S. Paulo. Selecionou algumas delas para figurar neste Não me deixe aqui rindo sozinho (Realejo Livros). São textos bem característicos do gênero: leves, subjetivos e com capacidade de retirar do pequeno do cotidiano a beleza e o espanto, tudo isso com brevidade. Entre os exemplares deste livro, O dentista faz boa figura, ele já começa bem: “Todo dentista é um Hamlet. Diferentemente do taxista, que é um entusiasta do diálogo, o dentista tem vocação inescapável para o monólogo. Embora ele dê as pausas reservadas às réplicas, como se estivesse num diálogo (que nós, boquiabertos, não conseguimos manter), sua forma é, por excelência, monológica”. Alma de publicitário, o autor sabe fisgar os leitores.
Exposição
Os arrombados Durante um ano, os artistas Daniel Santiago, José Paulo, Joelson, Renato Valle, Dantas Suassuna, Maurício Castro e Rinaldo se reuniam sempre às quartas-feiras com a artista Christina Machado, em seu ateliê no Bairro da Torre, para experimentações com argila. Material especial para a escultora e pintora, Chris desenvolveu sua própria massa: a chrimassa, uma combinação de barro e outros componentes. O resultado dessa troca entre os oito artistas, o Ocupe Chris, pode ser conferido na exposição Os arrombados – na concepção dos artistas, “umas pessoas de arromba” –, em cartaz até 17 de dezembro no próprio ateliê onde foram produzidos desenhos, pinturas, esculturas e instalações. O espaço fica na Rua Águas Belas, nº 53, Torre, Recife, e fica aberto para visitação às quartas, das 9h às 17h, e aos sábados e domingos, das 16h às 20h. A entrada é gratuita.
Lendas
Personagens do folclore nacional O Abecedário de Personagens do Folclore Brasileiro traz 141 elementos originários de várias tradições nacionais, como a indígena, africana, europeia e oriental. A autora, Januária Cristina Alves, estabeleceu critérios de organização do volume, como primar pela diversidade de tipos e localizações geográficas e dividir os personagens em categorias dos humanos, bichos e seres fantásticos. Ela também pretendeu ter liberdade de recontar essas histórias, algumas já fixadas no imaginário nacional. A edição Sesc/FTD é caprichada, bela e bem-cuidada, e um dos itens que favorece demais a sua beleza são as vibrantes ilustrações de Berje, que dialogam primorosamente com os textos de Januária.
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Continente Online
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ALCIONE FERREIRA
ANIMAÇÃO Confira trechos de algumas animações brasileiras marcantes. Sinfonia Amazônica (1953), de Anélio Lattini Filho; Meow (1981), de Marcos Magalhães; e O menino e o mundo, de Alê Abreu – a primeira animação brasileira a concorrer ao Oscar.
MAIS LEONILSON Assista ao vídeo que registrou o seminário Projeto Leonilson e a Internacionalização da Obra, com a participação de Ana Lenice Dias, Lisette Lagnado, Paulo Herkenhoff e Ricardo Resende, no Itaú Cultural, realizado em 2011.
BORDADO PERNAMBUCANO HOJE Em outubro, no nosso site, teremos um rico material sobre a produção de bordados em Pernambuco. A ideia é apresentar a prática do bordado em sua amplitude, valorizando tanto a forma tradicional de fazê-lo quanto a mais contemporânea, estabelecendo uma relação entre a chegada das máquinas e a produção cada vez menor de peças feitas manualmente. Para entender esse cenário, a reportagem da Continente foi até Passira, terra do bordado manual, cidade-referência nessa prática. Lá entrevistou artistas como Clara Nogueira e Luiza Romão, que, a despeito da presença das máquinas, têm preferido seguir bordando com as próprias mãos.
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SOM PERNAMBUCANO No nosso site, antecipamos duas faixas do disco Esquartejada, de Aninha Martins, que será lançado ainda este ano, e que foi produzido por meio de croudfunding. Assista ainda à vigorosa interpretação da cantora da música Faz ideia.
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GOVERNO DO ESTADO DE PERNAMBUCO GOVERNADOR Paulo Henrique Saraiva Câmara SECRETÁRIO DA CASA CIVIL Antônio Carlos Figueira COMPANHIA EDITORA DE PERNAMBUCO – CEPE PRESIDENTE Ricardo Leitão DIRETOR DE PRODUÇÃO E EDIÇÃO Ricardo Melo DIRETOR ADMINISTRATIVO E FINANCEIRO Bráulio Mendonça Meneses
A revista Continente é uma publicação da Companhia Editora de Pernambuco - Cepe SUPERINTENDÊNCIA DE PRODUÇÃO EDITORIAL Luiz Arrais REDAÇÃO Adriana Dória Matos (editora) Mariana Oliveira (editora assistente) Débora Nascimento e Luciana Veras (repórteres especiais)
FICÇÃO Uma insuspeita e saborosa carta nos chegou à redação em setembro. Trata-se de uma correspondência com carimbo postal registrado na Alemanha, em 1935, enviada por um certo Sr. W. K. von Doren, protagonista da Ficção criada especialmente pelo escritor Fernando Monteiro para a nossa edição 201. Essa figura enigmática, Von Doren, teria chegado no Recife naquele ano de 1935, transportado pelo Graf Zeppelin e, assim como muitos estrangeiros, teria vivido uma experiência de repulsão e atração nos trópicos. Muito nos alegrou receber a carta desse personagem que já se encontra na casa dos mais de 100 anos, não apenas por sua longevidade e disposição ao elogio (ele parabenizou a iniciativa de publicarmos essa bela narrativa; sim! O Zeppelin resiste!), mas porque sua existência nos confirma a indivisibilidade do tempo – passado, presente e futuro – e a indistinção entre realidade e ficção. Obrigada, W. K. von Doren!
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Olívia Mindêlo (Continente Online) Janio Santos (diagramação)
Excelente leitura! Sempre.
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DOCUMENTA Análise maravilhosa de Bárbara Buril. Muito bemapontado o cinismo, curioso. Felizmente, ainda vemos alguns artistas cumprindo seu papel, revelando ao mundo da arte suas mazelas e abrindo algumas janelas. Super, hiperrecomendo. CAROL MARIM
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MELLO é cartunista e chargista autodidata.
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Um futuro melhor começa pela educação. Em Pernambuco, ele já começou. Educação de qualidade é prioridade em Pernambuco. E os investimentos realizados no ensino público estadual trazem novas conquistas a cada ano. O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica de Pernambuco – IDEPE 2016 apresentou média de 4,1, superando os 3,9 da edição anterior. A avaliação utiliza os mesmos critérios do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB, onde a média nacional é de 3,5. Pelo quarto ano consecutivo, temos a menor taxa de abandono escolar do Ensino Médio no Brasil*. E duas escolas da rede pública garantiram vaga na etapa nacional da Olimpíada Brasileira de Robótica: a EREM Porto Digital e a EREM José de Alencar, tricampeã da etapa estadual. Essas e outras conquistas são frutos de um trabalho constante. Dia após dia, estamos construindo um futuro melhor para os nossos estudantes e para o nosso estado. * Fonte : IN EP/MEC .
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