A Capitania Duartina Em março de 1534, o rei D. João III delimitou a Capitania de Pernambuco e doou-a a Duarte Coelho “Carta Foral” de Olinda Duarte Coelho, Fidalgo da Casa de El Rei Nosso Senhor, Capitão e Governador destas terras da Nova Lusitânia por El Rei Nosso Senhor etc. Faço saber a quantos esta minha carta de doação virem, que no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, de 1550 anos, aos 17 dias do mês de março do dito ano, a requerimento dos Vereadores e Procurador do Concelho desta Vila de Olinda foi mandado tirar do livro do tombo e matrícula da carta de doação das cousas que ele dito Senhor Governador tinha dado a esta vila e moradores e povoadores dela, as quais foram dadas pelo dito Senhor Governador na era de 1537, as quais cou sas e dadas são as seguintes. No ano de 1537 deu e doou o Senhor Governador a esta sua vila de Olinda e para seu serviço e de todo seu povo, moradores e povoadores dela, as cousas seguintes: Os assentos deste monte e fraldas dele para casarias e vivendas dos ditos moradores e povoadores, as quais lhes dá livres forros e isentos de todo o direito para sempre, e as várzeas das vacas e a de Beberibe e as que vão pelo caminho que vai para o paço do Governador, e isto para os que não têm onde (sic) pastem (sic) os seus gados, e isto será nos capins para paçigo, que as reboleiras dos matos para roças a quem o Conselho as arrendar que estava dos capins para o lagadiço e para os mangues com quem confinam as terras dadas a Rodrigo Álvares e outras pessoas. O rossio que está defronte da vila para o sul até o ribeiro, e do ribeiro até a lombada do monte que jaz para os mangues do Rio Beberibe, onde se ora faz o varadouro em que se carregou a galeota, porque da lombada para baixo, o qual o dito Senhor Governador alimpou para sua feitoria e assento dela que é do montinho que está sobre o rio até o caminho do varadouro e daí para cima todo o alto da lombada para os mangues será para casas e assentos de feitorias até um pedaço de mato que deu a Bartolomeu Rodrigues, que está abaixo do caminho que vai para Todos os Santos.
O território que constituiu a primitiva Capi tania de Pernambuco foi estabelecido quando da doação feita por D. João III a Duarte Coelho Pereira, em l0 de março de 1534, e compreendia: Sessenta léguas de terra... as quais começarão no Rio São Francisco [...] e acabarão no rio que cerca em redondo toda Ilha de Itamaracá, ao qual ora novamente ponho nome Rio Santa Cruz ... e ficará com o dito Duarte Coelho a terra da banda Sul, e o dito rio onde Cristóvão Jacques fez a primeira casa de minha feitoria e a cinqüenta passos da dita casa da feitoria pelo rio adentro ao longo da praia se porá um padrão de minhas armas, e do dito padrão se lançará uma linha ao Oeste pela terra firme adentro e a terra da dita linha para o Sul será do dito Duarte Coelho, e do dito padrão pelo rio abaixo para a barra e mar, ficará assim mesmo com ele Duarte Coelho a metade do dito rio de Santa Cruz para a banda do Sul e assim en trará na dita terra e demarcação dela todo o dito Rio de São Francisco e a metade do Rio de Santa Cruz pela demarcação sobredita, pelos quais rios ele dará serventia aos vizinhos dele, de uma parte e da outra, e havendo na fronteira da dita demarcação algumas ilhas, hei por bem que sejam do dito Duarte Coelho, e anexar a esta sua capitania sendo as tais ilhas até dez léguas ao mar na frontaria da dita demarcação pela linha Leste, a qual linha se
A ribeira do mar até o Arrecife dos Navios com suas praias até o varadouro da galeota, subindo pelo rio Beberibe arriba até onde se faz um esteiro que está detrás da roça de Brás Pires, con junta com outra de Rodrigo Alves, tudo isto será para serviço da vila e povo até cinqüenta braças do rio para dentro para desembarcar e embarcar todo o serviço da vila e povo dela, onde diz cinqüenta braças se entenda de largo e daí para arriba tudo o que puder ser de mais dos mangues pela várzea e pelo rio, arriba é da serventia do Concelho. Outrossim, dali mesmo do Varadouro rodeando pela praia ao longo do mar, até onde sai o ribeiro de Val de Fontes todo o mato dessa dita praia até cinqüenta braças a dentro da terra, tudo será serventia e para serventia da dita vila e povo, reservando que se não pode dar a pessoa alguma. E da dita ribeira sainte de Val de Fontes até o rio Doce, que se chama Paratibe, tudo será para serventia do povo e vila até as várzeas que serão pouco mais ou menos duzentas braças de largo. Da praia para dentro das várzeas, e porque do rio Doce para a banda do Norte fica com o termo de Santa Cruz outro tanto ao longo do mar duzentas braças pela terra dentro de arvoredo para madeira e lenha do povo da vila de Santa Cruz assim como atrás conteúdo é para a Vila de Olinda. O monte de Nossa Senhora do Monte águas vertentes para toda a parte, tudo será para serviço da vila e povo dela, tirando aquilo que se achar ser da casa de Nossa Senhora do Monte que é cem braças da casa ao redor de toda a parte, e assim o valinho que é da banda do norte e rodeia todo o Monte pelo pé até o caminho que vai da dita vila para Val de Fontes para o curral velho das vacas, que isto é da dita casa de Nossa Senhora do Monte. E por detrás do dito montinho onde há de fazer o Senhor Governador a sua feitoria, ao varadouro da galeota e a se de abrir o rio Beberibe e lançar ao mar por entre as duas pontas das pedras como tem assentado o Senhor Governador, entre o dito rio lançado novamente e as roças da banda de riba a de Paio Corrêa e a da Senhora Dona Brites e o mato que está diante que ora é do Senhor Hierônimo de Albuquerque, que há de ir uma rua de serventia ao longo do dito rio novo, para serventia do povo, de que se possa servir de carros, que será de cinco ou seis braças de largo e rodeará pelo pé do montinho até o varadouro da galeota. Todas as fontes e ribeiros ao redor desta vila dois tiros de besta são para serviço da dita vila e povo dela, fa-las-á o povo alimpar e carregar às suas custas. Todos os mangues o redor desta vila que estão ao longo do rio Beberibe assim para baixo como para cima até onde estiver terra de arvoredo de roças ou fazendas pelo Senhor Governador, todos os ditos mangues serão para serviço da dita vila e povo, e assim os do rio dos Cedros e ilha do porto dos navios. Os varadouros que estão dentro do Recife dos Navios e os que estiverem pelo rio arriba dos Cedros e do Beberibe e todo o outro varadouro que se achar ao redor da vila e termo dela será (sic) para serviço seu e de seu povo. Isto foi assim dado e assentado pelo dito Governador e man dado a mim escrivão que disto fizesse assento e foi assinado pelo dito Governador a 12 de março de 1537 anos. E assim hei por bem de lhe dar e confirmar para sempre, e assim mando que todo o povo se sirva e logre dos ditos matos, lenhas e madeiras para casas, tirando fazer roças que não farão, e assim árvores de palmo e meio de testa, e daí para riba não cor tarão sem minha licença ou dos meus oficiais que por mim o cargo tiverem porque as tais árvores são para outras cousas de maior sustância em especial sob pena posta em meu regimento e assim resguardarão todas as madeiras e matos que estão ao redor de ribeiros e fontes, a qual carta foi tirada do livro e matrícula do livro do tombo e terras dela que o Governador mandou fazer quando chegou a esta terra na era de 35 a nove de março do dito ano que
estenderá do meio da barra do dito Rio de Santa Cruz, cortando de largo ao longo da costa, e entrarão na mesma largura pelo sertão e terra firme adentro, tanto, quanto poderem entrar e for de minha conquista... A metade da barra Sul do canal de Itamaracá – que o rei D. João III denominou de “rio” de Santa Cruz –, até cinqüenta passos além do local on de existira a primitiva feitoria de Cristóvão Jacques, demarcava o limite Norte de Pernambuco; ao Sul, o limite da capitania era o Rio São Francisco, em toda sua largura e extensão, incluindo todas as suas ilhas da foz até a sua nascen te. Assim, o território da Ca pitania de Per nambuco infletia para o Sudoeste, a acom panhar o curso do rio, alcançando suas nascentes no hoje Estado das Minas Gerais. Ao Norte, o Rei estabeleceu o traçado de uma linha para o Oeste, por terra adentro, até os limites da sua conquista; ou seja, os defi nidos pelo Tratado de Tor desilhas (1493), isto é, as terras situadas além das 370 léguas ao Oeste das ilhas do Cabo Verde. As fronteiras da Capitania Duartina, desse modo, abrangiam todo o atual Estado das Ala goas e terminavam ao Sul, no Rio São Imagens: Reprodução
Navio que trouxe as primeiras mudas de cana para o Brasil
Francisco, fazendo fronteira com o atual Estado das Minas Gerais. Graças à posse deste importante curso d'água, em toda sua extensão e largura, o território de Per nam buco crescia na orientação Sudoeste, ultrapassando na sua largura em muito as 60 léguas estabelecidas na carta de doação. Na observação de F. A. Varnhagen, possuía a capitania de Duarte Coelho 12 mil léguas quadradas, constituindo-se na maior área ter ritorial entre todas que foram distribuídas pelo Rei D. João III. Chegando à Feitoria de Pernambuco, em 9 de março de 1535, Duarte Coelho fez-se acompanhar de sua mulher, Brites de Albuquerque, do seu
cunhado, Jerônimo de Albuquerque, e de algumas famílias do norte de Portugal que vinham tentar a sorte no desenvolvimento da agroindústria canavieira. Coube a esse “fundador de nação” a implantação, de forma sistemática, das bases da agroindústria açu careira. Trouxe consigo, além de uma alentada paren tela, novas técnicas de fabrico do açúcar, com a vinda dos engenhos e dos mestres especializados da Ilha da Madeira e, sobretudo, da importação de capital judeu para o financiamento do empreendimento. Fixando a sede de sua capitania em Olinda, ele passou a distribuir áreas de terras em sesmarias, visando a implantação dos engenhos de açúcar,
tomou posse destas terras e Governança delas, jurisdições e liberdades privilégios e alvarás de Sua Alteza dos ditos privilégios e doações Foral que do dito Senhor tem para si e seus herdeiros e moradores e povoadores delas conforme as ditas doações Foral e alvarás, a qual foi tirada a requerimento dos ditos vereadores e por mandado do dito Senhor Governador aos 17 dias do mês de março do ano de 1550 anos. Gaspar de Barros a fez dia, mês e era atrás, escrito em ausência de Bartolomeu Dias escrivão das dadas por mandado do dito Governador dia, mês e era atrás, escrito de 1550 anos, a qual é assinada pelo dito Senhor Governador e selada do seu selo de suas armas. Duarte Coelho. Pagou com nota trezentos réis, ao selo nove réis. Registrado no livro dos registos de El Rei Nosso Senhor em que manda que se registem todas as cartas de sesmarias e dadas das terras desta Capitania por mim Heitor Carvalho, escrivão da Fazenda de Sua Alteza nesta Capitania a folha 166 e folha 167 e folha 168 a requerimento de Simão Paes Procurador do Concelho desta Vila de Olinda. Aos quatro dias do mês de setembro ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1557 anos. Heitor Carvalho. Pagou cinqüenta reis. Foi consertada com a própria que está na caixa da Câmara por mim Duarte de Sá escrivão dela com o tabelião abaixo assinado bem e fielmente com a entrelinhas que dizem arriba, rodeará seu porque se fez na verdade. Em Olinda a trinta de agosto de 1553 anos. Consertado por mim escrivão Duarte de Sá e comigo tabelião Antônio Lopes. A qual data e doação eu Baltasar Aranha de Araújo tabelião público do judicial e notas nesta Vila de Olinda e seu termo por Sua Alteza etc., fiz trasladar bem e fielmente da mesma data e doação que foi tirada do livro dos registos a que me reporto e com ela este conferi, subescrevi e assinei e consertei com outro oficial abaixo assinado e a dita data e doação tornei a entregar ao Padre Dom Abade do Convento de São Bento desta Vila Frei Francisco da Madalena que no-la apresentou, a qual doação certificamos ser muito verdadeira e está limpa, sem dúvida alguma e de como a recebeu se assinou aqui neste dito Convento dê São Bento aos 31 dias do mês de março de 1672 anos. E nos assinamos ao diante de nossos sinais costumados em dia, mês e ano atrás declarados. Baltazar Aranha de Araújo. Consertado com a mesma data que se tirou dos registos por mim Tabelião Baltasar Aranha de Araújo. E comigo Tabelião Francisco Barbosa Rego. Frei Francisco da Madalena Dom Abade // O qual instrumento e traslado nele inserto eu Antônio Soares Tabelião público do judicial e notas da vila de Olinda e seu termo Capitania dePernambuco por Sua Alteza, que Deus guarde, fiz fazer bem e fielmente do papel que me foi apresentado pelo Procurador do Concelho do Senado da Câmara desta dita vila, a quem a tornei a entregar e de seu recibo assinou a que me reporto em todo e por todo, com o qual e com o tabelião ao diante nomeado este instrumento conferi e consertei e vai na verdade, sem cousa que dúvida faça. Subscrevi ê assinei de meus sinais público e raso seguintes nesta dita vila aos 28 dias do mês de junho dê 1675 anos. Consertado por mim Tabelião (Sinal) Antônio Soares em fé da verdade Antônio Soares. E comigo Tabelião Diogo Rodrigues Pereira.
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espa lhados pelas várzeas dos rios Capibaribe, Beberibe, Jaboatão e Una. Com tal providência, a Capitania Duartina viu florescer a Civilização do Açúcar, fonte da riqueza responsável pela construção de todo um patrimônio artístico e cultural ainda hoje presente em suas fronteiras. Os capitães donatários recebiam, quando da doa ção das terras no Brasil, um foral cuja função era o de reger a relação entre o donatário e o rei, definir suas responsabilidades perante a Coroa no tocante aos seus direitos políticos e rendas que lhe eram reservados, ou seja, direitos, foros e tributos devidos ao rei e ao capitão-governador.
Assim, o “Foral de Olinda”, no qual Duarte Coelho fez doação de terras ao Conselho ou Câmara que criara na vila de Olinda em 1537, foi impropriamente chamado pelo donatário de “foral”, uma vez que não tinha a conotação do diploma que era concedido na época, no qual eram disciplinados direitos e deveres entre outorgante e outorgado. Mesmo assim, constituise o “Foral de Olinda” um documento de importância por ser o mais antigo com relação ao município e por ele ter sido feita doação de terras para o patrimônio da Câmara, para uso e serviço dos moradores e povoadores da vila. É mais propriamente uma “carta de doação” do patrimônio do Conselho.
Reprodução
O Rio São Francisco, Frans Post, 1638, óleo sobre tela, 62 x 95cm
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Engenho de açúcar, História Naturalis Brasilliae, Leiden, 1664
Foi o açúcar o grande impulsionador econô mico dessas conquistas; açúcar que, em 1583, era produzido por 66 engenhos. A situação econômica da capitania, no início do século 17 era, no dizer do frei Vicente do Salvador (c. 1564 – c. 163639), das melhores, com o porto mais freqüentado do Brasil e uma renda de 20 mil cruzados, “afora o pau-brasil e dos direitos sobre o açúcar”. O crescente aumento do número de engenhos em Pernambuco é confirmado pelas narrativas dos primeiros anos: 23 em 1570 (Gândavo), 66 em 1583 (Cardim) e 77 em 1608 (Campos Moreno). O preço da arroba do açúcar branco em Lisboa passou de 1$400 em 1570 para 2$020 em 1610 (Simonsen). Imagens: Reprodução
Cana-deaçúcar, segundo Zacarias Wagner
Tal riqueza já fora observada por Gabriel Soares de Sousa (1540-1591), em seu Tratado Descritivo do Brasil, em 1587, no qual relata possuir Per nambuco “mais de 100 homens que têm até cinco mil cruzados de renda, e alguns até oito, 10 mil cruzados”. A vida religiosa da Capitania tinha como centro a Matriz do Salvador do Mundo, sendo ela, em to do século 16, a segunda igreja em importância da América Portuguesa, depois da Sé da Bahia. O grande templo foi parcialmente concluído em 1540, apresentando-se com três naves, tendo em sua porta principal duas colunas geminadas. O padre Fernão Cardim assim o descreve em 1584: “uma formosa igreja matriz,
de três naves, com muitas capelas ao redor, e que acabada ficaria uma boa obra”. Matriz colegiada, a Igreja do Salvador do Mundo era dirigida por um pároco, trazido de Portugal pelo primeiro donatário, juntamente com o seu corpo de auxiliares, constituído de um coadjutor e quatro capelães, que recitavam o ofício divino e celebravam missa solene em comum. Preocupou-se o primeiro donatário não so men te com a implantação da agroindústria açucareira, mas também com a educação da juventude e, mui to par ticularmente, com a catequese dos indígenas, tendo para isso entregue aos padres da Companhia de Jesus, em 1551, a
ermida de Nossa Senhora da Graça, por ele construída na mais alta elevação da vila de Olinda. Coube aos padres Manoel da Nóbrega e Antônio Pires dirigir o nivelamento do terreno e nele iniciar a construção, junto à primitiva igreja, do edifício do Colégio de Olinda, obras estas que se prolongaram por toda a segunda metade do século 16, e de um Horto Botânico destinado à aclima tação das plantas exóticas que eram transportadas da Europa e do Oriente para Pernambuco. Também as ordens religiosas procuraram esta belecer os seus conventos em terras da nova Capi tania. Inicialmente, como já vimos, foram os Jesuí tas (1551), seguindo-se dos Franciscanos (1585), Carmelitas (1588) e Beneditinos (1592).
Engenho de Açúcar, Nicolau Vischer, 1630
Cidade Maurícia e Recife, Frans Post, óleo sobre tela
O Brasil Holandês
Interesses comerciais, visando principalmente à produção de açúcar, levaram os holandeses a dominar Pernambuco por 24 anos
A importância do porto de Pernambuco, nas relações comerciais com o norte da Europa, é ressaltada em grande parte dos documentos do século 16 e início do século 17, graças à importância do açúcar que passara de gênero de alto luxo a produto acessível às classes de menor poder aquisitivo. Tal riqueza despertou a cobiça dos piratas e corsários, tornando as caravelas (navios pequenos e mal-armados), em presas fáceis. Informa K. R. Andrews que, entre 1589 e 1591, Portugal perdeu para corsários ingleses nada menos que 34 navios, em sua maioria procedentes dos portos de Pernambuco e da Bahia. Em 1589, segundo fonte jesuítica, num período de nove meses, foram apreendidos por ingleses e franceses 73 navios carregados. Na primeira metade do século 17, a riqueza da Capitania de Pernambuco, bem conhecida em todos os portos da Europa, veio despertar as atenções dos Países Baixos que, em guerra com a Espanha, sob cuja coroa estava Portugal e suas colônias, necessitava de todo açúcar produzido no Brasil para suas refinarias (26 só em Amsterdam). Com o insucesso da invasão da Bahia (1624), onde permaneceram por um ano, mas com o valioso apoio de Isabel da Inglaterra e Henrique IV da França, rancorosos inimigos da Es pa nha, a Holanda, através da 10 Continente Documento
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Companhia das Índias Ocidentais, formada pela fusão de pequenas associações, em 1621, cujo capital elevara-se, em pouco tempo, a 7 milhões de florins, voltou o seu interesse para Pernambuco. A Vila de Olinda, uma das mais abastadas da América Portuguesa, cujo fausto era comparado com Lisboa e Coimbra, do mi nava a paisagem, com seus quatro mosteiros, a Igreja do Salvador do Mundo e o casario pintado de branco, construído em pedra e cal, colorido pelo verde do coqueiral que lhe proporcionava um clima ameno. Nas ruas, os seus habitantes, aproveitando as festas pelo nascimento do herdeiro do trono de Espanha, vestiam seda e damasco, montavam em garbosos cavalos ajaezados em prata, com o som de suas cascavéis a chamar a atenção de sua passagem. A produção de 121 engenhos de açúcar, “correntes e moentes” no dizer de van der Dussen, viria a despertar a sede de riqueza dos diretores da Companhia, que armou uma formidável esquadra sob o comando do almirante Hendrick Corneliszoon Lonck, que, com 65 embarcações e 7.280 homens, apresentou-se nas costas de Pernambuco em 14 de feve reiro de 1630, iniciando assim a história do Brasil Holandês. Senhores da terra, os holandeses escolheram o Recife como sede dos seus domínios no Brasil, por ter nesta praça a segurança que não dis punham em Olinda, “por ser aberta por muitas partes e incapaz de defesa”, na observação de Diogo Lopes Santiago (História da Guerra de Pernambuco). Na noite de 25 de novembro de 1631, resolveram os chefes holandeses pôr fogo na sede da Capitania de Pernambuco, “a infeliz vila de Olinda tão afamada por suas riquezas e nobres edifícios, arderam seus templos tão famosos, e casas que custaram tantos mil cruzados em se fazerem” (Santiago). A dominação flamenga prolongou-se por 24 anos, passando o Recife de simples porto de Olinda a capital da nova ordem.
Canhão de bronze utilizado pelos holandeses
Insatisfeitos com a administração do Bra sil Holandês, o Conselho dos XIX da Companhia das Índias Ocidentais resolve convidar para ocu par a função de Governador-Geral um jovem coronel do exército da União, Conde João Maurício de NassauSiegen. Alemão, nascido em Dillenburgo a 17 de junho de 1604, João Maurício era o filho primogênito do Conde João VII e de sua segunda esposa Margarida von Helstein-Soderborg, uma parente da família real da Dinamarca. Quando o Conde João Maurício de Nassau apor tou em Pernambuco, na qualidade de Governador do Brasil Holandês, em 23 de janeiro de 1637, trazia em sua comitiva não um exército, à moda dos colo niza dores de então, mas uma verdadeira missão científica que ainda hoje desperta as atenções dos estudiosos daquele período. Com trinta e três anos de idade, o conde fez-se acompanhar do latinista e poeta Franciscus Plante, do médico e naturalista Willem Piso, do astrônomo e naturalista George Marcgrave, dos pintores Frans Post e Albert Eckhout, do médico Willem van Milaenen, além de outros nomes. Durante o seu governo pôde ainda contar com os serviços de outros
nomes de relevo, como o do humanista Elias Herckmans, dos cartógrafos Cornelis Bastianszoon Golijath e Johannes Vingboons, do desenhista Gaspar Schmalkalden, do pintor Zacharias Wagener e do arquiteto Pieter Post, que vieram a se integrar em datas posteriores a esta missão de cientistas. Na administração de João Maurício de Nassau, (um surto) de progresso tomou conta do Brasil Holandês, cujas fronteiras foram estabelecidas do Maranhão à foz do Rio São Francisco. O Recife, “coração dos espíritos de Pernambuco” na observação de Francisco de Brito Freyre, veio a sofrer inúmeros melhoramentos e testemunhar vários pioneirismos, como a instalação do primeiro observatório astronômico das Américas. Uma nova cidade veio a ser construída na ilha de Antônio Vaz, onde os franciscanos haviam estabelecido, em 1606, o Con vento de Santo Antônio. A nova urbe, projetada por Pieter Post, um dos principais representantes, ao lado de Jacob van Campen, do classicismo arquitetônico nos Países Baixos, veio a receber a denominação de Cidade Maurícia, em 17 de dezembro de 1639, a Maurits Stadt dos holandeses; cujos mapas, aspectos e panorama (94 x 63 cm) aparecem na obra de Gaspar Barlaeus, publicada em Amsterdam (1647), e em outras produções artísticas de sua época. Aos melhoramentos urbanísticos, inclusive a cons trução dos palácios de Friburgo (conhecido popularmente como Palácio das Torres) e a casa da Boa Vista, de um horto zoobotânico, de um segundo
Uma missão de artistas e cientistas Ao invés do exército, Maurício de Nassau desembarcou no Estado trazendo uma comitiva de cientistas e artistas 12 Continente Documento
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obser vatório astronômico, situado no Palácio de Friburgo, de canais e viveiros, a construção do templo dos calvinistas franceses, a instalação de duas pontes em grandes dimensões, a primeira ligando o Recife à Maurícia (a nova cidade erguida na ilha de Antônio Vaz) e a outra ligando esta ao continente, vieram juntar-se os trabalhos dos artistas que faziam parte da comitiva. Uma intensa produção de uma arquitetura não reli giosa, de pinturas e desenhos documentando a paisagem, urbana e rural, retratos, figuras humanas e de animais, naturezas mortas, serviram para documentar e divulgar esta parte do Brasil em todo o mundo. Estudos sobre a flora, fauna, a medicina e os naturais da terra, bem como observações astronômicas e um detalhado levantamento cartográfico da região, dizem da importância da presença do conde João Maurício de Nassau à frente dos destinos do Brasil Holandês. Ainda no seu tempo, João Maurício de Nassau, “temeroso das represálias do Governo-Geral do Brasil Português, na Bahia, pelos incêndios lançados aos engenhos do Recôncavo pelos holandeses em maio e junho de 1640” (Gonsalves de Mello), resolve convocar uma Assembléia Geral de 27 de agosto a 4 de setembro daquele ano, com a participação de 56 luso-brasileiros, moradores especialmente eleitos de todas as freguesias das capitanias de Pernambuco, Itamaracá e Paraíba. Essa primeira Assembléia, proclamada por Oliveira Lima como legislativa e “a primeira da América do Sul”, no que não concorda José Antônio Gonsalves de Mello, veio a ser realizada em Maurícia, sob a presidência do Conde de Nassau, que conclamou na sessão de encerramento os agricultores a abandonar a monocultura da cana-deaçúcar em favor das chamadas especiarias orientais e a produção do algodão e do anil, sonhando ainda com a fundação de uma universidade e com a ins talação de uma tipografia. A estada do Conde João Maurício de Nassau em terras brasileiras prolonga-se até maio de 1644, tempo bastante para uma impressionante produção científica e artística dos membros de sua missão. Poucos dias antes de sua partida, comparece perante o Conselho do Recife, e lê uma longa carta na qual deixa expressas as suas recomendações para com o futuro da colônia. Por decisão do Conselho, assumiu o comando geral do exército Henrique van Haus, capitão da
Cocos, Albert Eckhout, 90 x 90 cm
guar da do Conde, homem dotado das virtudes exigidas para um general. Ele já tinha servido em diversas províncias, robusto de corpo e de engenho, cauteloso, ponderado e perito na arte militar. Segundo Gaspar Barlaeus, “distribuída e orga niza da a milícia, Nassau transmitiu também aos conselheiros, a pedido deles, uma norma do que cumpria fazer e, desta forma, aquele a quem tinham visto governando pessoalmente e com sabedoria, esse mesmo, ausente, continuaria no futuro a guiá-los com os seus conselhos, e com o mesmo espírito com o qual ele animara o grande corpo do Brasil, com esse mesmo espírito eles o sustentariam”. O Conde João Maurício de Nassau-Siegen retor nou aos Países Baixos em maio de 1644, após sete anos em terras brasileiras. Voltando a estabelecer-se na Haia, contratou o conhecido humanista Gaspar van Baerle ou, como veio a ser conhecido, Gaspar Barlaeus (1584-1648), professor do “Athaeneum Illustre” de Amsterdam, para escrever na Holanda a história dos oito anos do seu governo no Brasil. Assim produziu ele um dos mais belos livros já editados sobre o Brasil, com descrições de regiões da África e um mapa do Chile (não numerado), cujas cópias foram presenteadas a diversas personalidades da época. As encadernações originais foram elabora das em pergaminho, com ilustrações feitas por gra vuras em cobre,existindo,ainda,cópias com gravações em ouro e outras aquareladas. A produção científica do médico Willem Piso (1611-1678) e do naturalista George Marcgrave (1610-1644) aparece em 1648 quando da Continente Documento 13
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publicação da obra Historia naturalis Brasiliae etc., impressa em Amsterdam, no formato 38 cm x 35 cm por Elzevier. O Recife veio a exercer um fascínio todo especial sobre o conde João Maurício de Nassau, que passou a ser conhecido pelo apelido de “O Brasileiro”, que, ao regressar à Holanda, levou consigo, além de um mobiliário talhado em marfim, em Pernambuco, um apreciável acervo de móveis e obras-de-arte assinadas pelos artistas de sua comitiva. No seu último ano de vida, João Maurício, já recolhido em sua propriedade nos arredores de Cleve, demonstrando saudades do Brasil, solicitou, em carta datada de 26 de junho de 1679, a intervenção do representante dos Países Baixos junto à Corte do Rei da Dinamarca, Jacob le Maire, junto ao novo Rei, Cristiano V, no sentido de obter para si cópias dos 26 quadros, 23 dos quais pintados por Albert Eckhout, que ele houvera, anos antes, presenteado ao Rei Fre derico III, genitor do novo monarca. O Príncipe João Maurício de Nassau-Siegen veio a falecer nos arredores de Cleve (Alemanha), na sua propriedade rural, denominada Berg und Tal, a 20 de dezembro de 1679, cercado de lembranças e recordações do Brasil.
Retrato de Maurício de Nassau, Johannes de Baen, 1665
Vila de Igarassu, segunda gravura de Frans Post, 1645
A Insurreição Pernambucana Um ano depois da partida de Nassau, a dominação holandesa começa a ruir com o início das batalhas no Monte das Tabocas e no Monte Guararapes Durou pouco a presença holandesa a partir da retirada do Conde de Nassau. Um ano após, em junho de 1645, sob a liderança dos senhores de enge nho, capitaneados por João Fernandes Vieira e André Vidal de Negreiros, surgiu na Várzea do Capibaribe uma verdadeira guerra de origem religiosa, em que pelejavam católicos romanos contra calvinistas, mo vimento então denominado de Insur reição Pernambucana que, após as batalhas dos Montes das Tabocas, da Casa Forte e do Pontal de Nazaré (Cabo), sitiaram o Recife e passaram a dominar todo o interior. O golpe de misericórdia, porém, aconteceria mais tarde, quando das duas batalhas dos Montes Guararapes (1648 e 1649), onde as perdas holandesas superaram a mais de 1.559 mortos. Após a primeira Batalha dos Montes Guararapes, travada em 19 de abril de 1649, foram encontradas no campo da batalha, 33 bandeiras e estandartes, duas peças de artilharia em bronze, armas das mais diver sas, muita pólvora, cunhetes de balas, alfaias, animais domésticos, algemas e grilhões diversos, uma grande quantidade de moedas em ouro, mantimentos e até uma sortida farmácia.
Carta Testamento de Maurício de Nassau Tereis de governar, disse ele, três classes de homens, assim portugueses como holandeses: militares, comerciantes e cidadãos em geral. E também tríplice a divisão do governo: civil, eclesiástico e militar. Quanto a este, aplicai-vos a que os soldados, propensos ao pior, julguem bem de vós: obedeçam-vos espontãneamente como a dignos de obediência e não sejam forçados a esta por homens indignos de ser obedecidos. Com o desejo das virtudes, supri a veneração que não podeis obter pelo brilho de vossa fa mília ou pelo fulgor de vossa linhagem, se bem sois de nascimento honrado, a fim de merecerdes o favor dos soldados, que se ganha mal com a largueza e a indulgência. Atendei-lhes prontamente aos pedidos, evitando delongas, para que não se agastem, impa cien tes, com inútil demora, e não maquinem depois, em conciliábulos, traições, deserções ou violências contra os cidadãos, o que no Brasil é comum e fácil de acontecer, por causa da vizinhança dos inimigos, das quadrilhas de ladrões e dos esconderijos dos criminosos. Tende conta em pagar os soldos mormente os dos coman dantes : nada provoca tanto a desobediência dos soldados ou lhes impõe a necessidade de delinqüir, quanto a penúria. Sem músculos não andam os homens, nem têm eles resistência para a guerra sem dinheiro e sem mantimento: com estas duas cousas são eficazes as armas, as quais a miséria torna sem vigor. Dei a maior atenção a este mal, tanto mais quanto vários se inquietam pouco com ele. Na punição dos militares aconselharia mais a severidade que a clemência. Vivem no meio da barbárie, onde os vícios não têm medida, e pelo trato quotidiano com os bárbaros peca-se pelo exemplo, e, por mais belos que julguem os nomes das virtudes, são muitos os
Soldado holandês, estilização sobre gravura de época
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que, entre selvagens, se descuidam da própria honestidade. É verdade antiga que a impunidade é negaça para o pecado, e que os maus se corrigem com o castigo e o temor. Descansareis de puni-los, se eles descansarem das faltas: estas serão mais raras, se eliminardes a indigência, causa de se insurgirem eles contra vós. Recomendarei para com os comandantes benignidade, polidez e afabilidade, contanto que isto não diminua a autoridade. É raríssimo serem respeitados os superiores por aqueles com os quais tenham vivido mais familiarmente. Acreditai num experimentado os chefes de estado devem ser pouco acatados e até perderão valia, com a sua contínua presença e conversação. Alheios de qualquer ódio ou favor, conferi aos mais merecedores os prêmios dos postos militares. Guardai igualdade em relação aqueles que na guerra são iguais em bravura e fidelidade: se sofrerem injustiça, tentarão as piores cousas. E sinal de estar corrompidíssima uma república, se nela são venais as honras militares ou se, por intercessão de amigos, são para elas preferidos os inidoneos. Quando se dá aos valorosos a devida recompensa, tor nam-se mais valorosos, e crescem a fidelidade, a dedicação, a obediência, e, no caso contrário, languecem e se extinguem estas poderosíssimas virtudes. Diligenciai seria men te que os soldados não molestem os colonos e lavrador. É este um mal familiar ao Brasil, resultante da penúria quotidiana do sustento, e daí a contumácia, a desdenhosa recusa de obediência, a violência, os agravos contra os súditos. Onde não há disto, eles toleram com paciência os encargos que se lhes impõem, ainda que pesados. E os senhores de engenho receiam estes males mais em tempo de paz que de guerra : esta aconselha o trabalho, aquela a ociosidade, da ociosidade nasce a intemperança e a petulância. Penso que se devem atar a nós, com agrados e promessas liberais, e reservar-se para conversações mais secretas uns tantos portugueses, que me recem dos seus firme confiança, a fim de conhecerdes as forças as maquinações dos inimigos. Devem esses tais simular ódio à nossa gente e dissimular o seu amor a ela para gozarem de crédito. Os mais capazes desses artifícios são os eclesiásticos, porque, senhores de todos os segredos, seu ministério sagrado os põe acima de qualquer suspeita. Não se deve tampouco acreditar facilmente em populares que não têm critério nem verdade : julgam e anunciam quase tudo segundo opinião preconcebida, misturando o falso e o duvidoso com o verdadeiro, por precipitação e temeridade, conforme o sentimento que os domina. Não possuindo riquezas, invejam aos ricos, odeiam tudo quanto é antigo e buscam novidades, desejosos de mudar tudo, premidos pela estreiteza do seu patrimônio. Além disso, para agradarem aos mais poderosos, rejubilam-se, por um mau sentimento, com os perigos e danos alheios. Assim, dão por averiguado o que ouvem eo enganam os crédulos com exagerar tudo. Esperai narrações e denúncias verídicas e sérias dos mais distintos, nem há mister muitos delatores, mas apenas um ou dois de boa fama e merecedores de maior fé. Devem receber-se tais delações com cautela, sendo bastante saberem-nas os governadores para não ser nocivo o ignorarem-nas. De modo algum desejaria que se levassem tais cousas as outras Câmaras, não só pelas discussões freqüentes e longas que suscitam, mas também porque, entre diversos, elas se divulgam. Conformai-vos com que incumba somente a vós o investigá-las. Habituei-me a proceder assim com ótimo resultado. Tende por suspeita a credi bili dade dos trânsfugas: gostam de
Nas baixas do exército holandês, figuravam 523 feridos e 515 outros, entre mortos e prisioneiros, dos quais 46 oficiais. No confronto perderam as vidas os coronéis Hendrick van Haus, Cornelis van Elst e Servaes Carpentier, ficando feridos o general van Schkoppe e coronel Guilherme Houthain. O coronel Pedro Keerweer que sucedera o coronel Carpentier, fora dado por desaparecido nos relatórios holandeses, muito embora, na verdade, se encontrava como prisioneiro de João Fernandes Vieira. Na segunda batalha dos Montes Guararapes (1649), o fracasso ainda foi mais avassalador para os exércitos holandeses. Enquanto as perdas do lado luso-brasileiro foram computadas em 47 mortos e 200 feridos, do lado holandês perderam a vida o coman dante geral, Tenente General Johan van den Brincken, o Vice-Almirante Giesseling e 101 outros oficiais que, somados as demais perdas, perfaziam um total de 1.044 mortos e mais de 500 feridos. Quase cinco anos depois, vendo-se sitiado no Recife e em Maurícia,o Governo do Brasil Holandês resolve enviar embaixada que se encontrou com os nossos às 9 horas do dia 24 de janeiro de 1654, com as condições de rendição que, após apreciadas pelo Alto Comando do Mestre de Campo João Fernandes Vieira e André Vidal de Negreiros, com assistência de dois teólogos, fizeram os necessários acréscimos e as devolveram aos chefes holandeses no domingo 25 de janeiro.
Detalhe do mural Batalha dos Guararapes, Francisco Brennand, 1961/1962
O Governo do Brasil Holandês, tendo a frente o General Sigmund von Schkoppe, resolveu capitular na noite de 26 de janeiro de 1654, após negociações que tiveram 62 horas de duração. No documento de rendição, comprometia-se a entregar o Recife, Maurícia e de todas as fortalezas em poder dos holandeses no Brasil, com suas peças de artilharia e munições; rendição de 1.200 soldados da guarnição com honras militares, devendo posterior
mente embarcar livremente para a Holanda com seus bens móveis e provisões para viagem; anistiar os por tugueses e judeus que se encontravam do lado dos invasores, anistiar os negros em igual condição e liber dade para os holandeses que preferissem se estabelecer em Pernambuco. Segundo bem demonstra José Antônio Gonsalves de Mello, o texto final com os artigos referentes aos judeus, índios, como as “condições
falar ao paladar dos comandantes. Não recomendo muito as tor turas: com elas extorquireis tanto verdades como falsidades, e não somente sujeitareis inocentes à suspeita. mas também os perdereis. DAS CONSTRUÇÕES: Cumpre revistarem-se mais amiúde as fortalezas que defendem todo o Brasil, para que, arruinando-se pela inércia, não fi quem expostas às ciladas dos inimigos. Provei-as de man ti mentos, armas, guarnições para que possam sustentar a demora de um cerco. E quando os seus fossos ficam secos em razão do solo arenoso e são por isso protegidos de estacadas, deve-se velar sempre não atraiam estas o inimigo por se acharem abertas e estragadas pelo tempo. É de alta importância que o parque de Friburgo e os viveiros de peixes a ele adjacentes sejam vossos e permaneçam em vosso poder, porque, em ocasiões muito difíceis, são vantajosos aos nos sos para o abastecimento de água, a qual, rebentando guerras, bus careis não sem grande risco em outras partes. Examinai também se não será útil fortificardes com um reduto a ponte da Boa-Vista, na margem de lá, a fim de não se franquear um caminho seguro para Várzea. Não é menos importante defender-se a ponte que liga o Recife com a ilha de Antonio Vaz, não só em atenção a utilidade dos que vão e vêm diariamente por ela e do rendimento dos direitos que se cobram por isso, mas também para que, comunicando-se entre si a ilha e o Recife, prestem-se mútumente um como auxílio suplementar, se alguma vez apertar a necessidade da guerra. Aprendemos por experiência, quando ainda não se
havia lançado a ponte, que o Recife quasi sucumbiu por falta de socorros, varando na areia e nos mangues, durante o refluxo, as embarcações que conduziam as forças auxiliares. Convém ainda ter-se diligentemente em conta a mata de corte e os campos que se estendem na margem citerior do rio, entre o forte do Brum e o das Cinco Pontas, visto como deste lado é o Recife exposto a ciladas, já tendo sido várias vezes atacado com estratagemas . DAS RELAÇÕES COM OS PORTUGUESES: Não aconselho que se moleste sem razão o governador da Baía de Todos os Santos, nem que, estando ele em paz, se lhe dêem ocasiões de guerra. A nação lusitana deseja muito seja ele tratado cortesmente. Não ignorais a quantos danos e calamidades estão sujeitas as nossas possessões, quanto lhe é fácil espalhar batalhões de soldados em nosso território e excitar, à sua vontade, a ferocidade e as armas dos indígenas. É a severidade o remédio mais eficaz contra os portugueses conven cidos de rebelião e além disso cúm plices de crimes atrozes: pela expe riência se tornou manifesto que nestes casos ela é preferível à misericórdia e que é mais salutar não que brá-la por nenhuma indulgência. Se os delitos permitirem pena mais branda, tenha lugar a
Abaixo, João Fernandes Vieira, Reynaldo Fonseca, 1993, óleo sobre tela, 0,70 x 0,50cm
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Batalha dos Guararapes (detalhe), Victor Meirelles, 1872
sobre a milícia e cousas tocantes a ela...”, veio a ser assinado, na campanha do Taborda, às 11 horas da noite do dia 26 de janeiro de 1654. O local da rendição foi identificado pelo mesmo autor como sendo a Porta Sul de Maurícia, a Porta de Santo Antônio dos documentos portugueses, localizada nas proximidades da atual igreja do Divino Espírito Santo. Ao ocupar, na mesma noite, a cidade Maurícia e o Recife, João Fernandes Vieira recebeu a rendição das tropas holandesas, recolhendo todo armamento aos armazéns, ficando de posse das 73 chaves, no testemunho de Diogo Lopes Santiago, que vieram a ser entregues ao General Francisco Barreto de Menezes após a sua entrada triunfal no Recife, na tarde do dia 28, quando fora recebido com todas as honras pelo comandante holandês Sigismundo van Schkoppe. Com esta capitulação, foram entregues pelos ho lan deses não somente as praças do Recife e Maurícia, mas todos os redutos até então ocupados na Ilha de Itamaracá, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará, rendição definida pelo Barão do Rio Branco “como a mais importante que registra a História Militar na América do Sul”. O comportamento exemplar do general Fran cisco Barreto, quando da rendição dos holandeses
clemência, e contentai-vos com o castigo mais leve ou com o arrependimento do inculpado. Gosto de que se temperem estas virtudes umas com as outras, e, assim como não é possível cederem só a clemência todas as outras virtudes – a prudência, a justiça, o amor dos súditos e dos semelhantes –, assim também seria tirânico e de suma imprudência nunca ceder à severidade a clemência. É pernicioso a nossa gente exacerbar os portugueses com injúrias e contumélias. Deve ter-se o mais diligente cuidado em que isto não se verifique, principalmente por parte dos soldados. Se tal acontecer, periclita a república, e não será fácil reprimir uma sedição promovida por desesperados, porque eles julgam o desprezo dos perigos e a ousadia o remédio dos males presentes Não reputeis colocada nos castelos e fortificações a cidadela da dominação, mas sim onde habita a coragem, nem penseis que a verdadeira grandeza e potência dos reinos se mede pela sua extensão e latifúndios, mas sim pela fidelidade, benevolência e respeito dos súditos. Não quero amontoar razões para provar isto, pois fomos ensinados, pelos recentes exemplos da África, do Maranhão e do Ceara, que não é diuturno um poderio odiado. Olhai também que não seja permitido a todos indistintamente o porte de armas. Eu o permiti, mediante autorização por mim assinada, aos ho landeses, a alguns franceses e ingleses, aos que têm de freqüentar o campo para cobrar as suas dívidas, e bem assim aos portugueses que habitam em moradas esparsas e insuladas e têm de lutar não somente com os ladrões e salteadores, mas também com a ferocidade de animais bravios e das onças. É realmente cousa perigosa que um povo, divergindo de outro nos costumes, nacionalidade, religião, prevaleça nas armas e se torne temível. É razoável tirar as forças a um povo hostil, que nos havia de castigar de modo pior, se pudesse. PASSANDO A TRATAR DE ASSUNTOS CIVIS, seria útil que tantas e tão várias petições não fossem despachadas pelo Conselho todo, em vista do grande número delas e da demora das deliberações. Aconselharia, porém, que se escolhessem uns poucos para decidirem as causas menos importantes, afim de que não suportem todos o ódio suscitado pelas decisões. Tratando-se mais brandamente os portugueses, obede cem facilmente; mas se forem tratados mais duramente, serão refractários e semelhantes a cobras no meio de nós. Mais de uma vez observei que os anima e contenta mais o mostrar-selhes honrosa estima do que a esperança de riqueza. Acreditai com reserva nos depoimentos de holandeses contra eles, porque os odeiam e por isso hão de querer-lhes a perdição, e sobretudo nos depoimentos dos militares, os quais, indignando-se de serem pobres, e de serem ricos os portugueses, desejam que os mais opulentos sejam condena dos para fazerem eles presa. É incrível o poder que tem nos ouvidos do vulgo para provocar tumultos a palavra áspera – TRIBUTOS. Se os impostos são velhos e recebidos, não os aumenteis, nem mesmo quando se exigem para resgatar uma dívida pública. Não imponhais também novos tributos às províncias: eles perturbam a paz dos súditos mais pela cobiça dos exatores do que pela relutância daqueles em obedecer Se forem de todo necessários, degustai apenas, mas não devoreis as riquezas; tosquiai, mas não esfoleis este rebanho, porquanto ele é dotado de razão, e com estas demasias se torna turbulento e feroz. Quando se inflama, despreza varões gravíssimos pelo patriotismo e serviços, e aterroriza aqueles a quem deveria temer. Não deixeis sair numerário das províncias, nem trans portar-se por mar para outras partes: sem ele são fracos o
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mercador e o soldado. Necessitam de reforma os negócios forenses e os juízos inferiores. E' preciso refrear a ganância dos advogados, procuradores, tabeliães, escreventes, legu leios e meirinhos, mal a que se deve por cobro, assim como as procrastinações das demandas. Cumpre obedecer reli giosamente as decisões dos diretores da Companhia, até onde convier serem elas observadas. Quando, porém, pare cem prejudiciais por haverem mudado as circunstâncias, pre feriria eu não observá-las. Em geral, a grande distância dos lugares e a incerteza dos acontecimentos fazem que no Brasil sejam tidas por inconvenientes providências que pareciam vantajosas na Holanda, e desta sorte se executariam aqui imprudentemente cousas prudentemente resolvidas noutra parte. Sempre que tiverdes negócios com a nossa gente, não lhe toqueis nos bens, como se fossem cousas sagradas. São homens tais que preferem sofrer dano na vida a sofrê-la na fazenda: esta é para eles mais cara que a menina dos olhos. Depois de perderem, por ofendidos, o respeito, odeiam hos tilmente aos que tinham acatado servilmente. E porque são compatriotas dos governadores, julgam assaz iníquo sujeitálos as mesmas leis a que se sujeitam os outros. Nada execram tanto os portugueses quanto as extorsões quotidianas dos escultetos nas províncias, praticadas sob color de direito, e com as quais esfolam o povo além da contribuição devida. 0 remédio para isso será abolirem-se as penas dos delitos leves e várias leis, salvas aquelas com as quais se reprimem os crimes graves. Privados, assim, estes grilos e sanguessugas dos nomes de tantas multas, se escravizariam menos ao seu ganho ou satisfariam menos a sua insaciável cobiça. Além disso, conviria entregar estas funções somente aos mais conceituados, afas tando-se delas os ladrões, que como Geriões (352), vão arrebatar o alheio com seis mãos. E do interesse público punirem-se com o maior rigor os duelos e os homicídios deliberados, sem se ter em conta a condição das pessoas. Não são, porém, de punir aqueles que são imperados por uma ira cega ou uma justa dor. COBRAI escrupulosamente o dinheiro devido à Com panhia. São tenazes as mãos dos mercadores, e mais depressa arrancaríeis a clava a Hércules do que o dinheiro a eles. Con sideram lucros todas as moratórias que obtiverem. Além dis so, elevam os seus cabedais ao triplo ou ao quádruplo com os bens a eles confiados pela Companhia, preocupando-se mais com que artes hão de transferir para outros os seus débitos do que com o pagar aos administradores da Companhia o que a ela devem. A demasiada facilidade do ganho e os prazos longos para os pagamentos aumentam estes males. Acon selho, entretanto, que se tratem mais moderadamente os senhores de engenhos em atenção as incertezas da safra, a qual as vezes lhes engana a expectativa. Não desejaria que se ten tassem medidas extremas contra eles, a ponto de se embargarem os próprios bois, instrumentos dos trabalhos, depois as terras, e em seguida prender-se o devedor. Ao assumirdes a república, é da maior importância sejam bem agoirados os inícios do vosso governo. Se-lo-ão, se o povo o aplaudir; aplaudi-lo-á, se vos dispuserdes a ganhar fama de clemência. Deste modo, cobrarão os súditos vigor e ânimo, e tudo será para os governantes risonho e feliz. Portanto, é necessário comunicar a minha partida aos dire tores das províncias e declarar-lhes que toda a autoridade estará doravante em vossas mãos; cassar as penas impostas por decretos anteriores; conceder perdão das infrações cometidas antes; condenar os abusos dos escultetos e cercear-lhes as faltas e os pretextos de delinqüirem; haver para todos libérrima apelação para vós da improbidade deles; abrirem-se fáceis. os ouvidos dos Conselheiros as queixas, para se dar a cada um o
Padre Antônio Vieira
em Pernambuco, é exaltado por todas as fontes holandesas consultadas, em particular o tratamento por ele dispensado à comunidade judaica do Recife, “que mais do que qualquer outra tinha razões para temer a reconquista portuguesa, e não poderia esperar qualquer consideração da parte dos católicos-romanos fanáticos”. No depoimento da época, escrito pelo rabino Saul Levy Mortera, sob o título, Providencia de Dios com Ysrael y Verdad y Eternidad de la Ley de Moseh y Nulidad de los demais Leys, a retidão daquele general é exaltada: Proibiu aquele governador que se tocasse ou molestasse qualquer pessoa pertencente à nação hebraica, estabelecendo castigos severos para os que infligissem essa proibição. E não ficou nisso, pois permitiu que os judeus vendessem as suas mercadorias e embarcassem para a Holanda mais de seiscentas pessoas de nossa nacionalidade, que ali se achavam presentes. Perante as novas gerações da Holanda, a rendição do Recife marca o início do declínio da idade de ouro da expansão colonial holandesa, iniciada em 1619 com a fundação de Batávia por Jan Pieterszoon Coen, no lugar em que se situava a Jacatra dos javaneses: “Na antiga Jacatra começou a vitória, / Na conquista do Recife a derrocada”. No dizer do padre Antônio Vieira, o mesmo que aconselhara a D. João IV a desistir de Continente Documento 19
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Pernambuco, deixando o Nordeste do Brasil na posse definitiva da Holanda, “pelejando só as relíquias dos per nam buca nos com toda Nova Holanda, defendida e presidida com 19 fortes reais, a venceram toda de Norte a Sul e de cabo a cabo, reconquistando em dois dias tanta terra quanta se não podia andar a bom passo em quatro meses” (Sermões, v. XIV, p. 253-254). É do mesmo padre Antônio Vieira, em sua História do Futuro (Lisboa 1976,2 v.),este comentário: “Após uma aventura que lhe custara apenas sobres saltos, eis que o Rei de Portugal se vê presenteado com três cidades, oito vilas, catorze fortalezas, quatro capitanias, trezentas léguas de costa e lhe desafogaram o Brasil, franquearam seus portos e mares, libertaram seus comércios e seguraram seus tesouros”. que é seu, o que é a-suprema regra da justiça. Cumpre não mitigar, nem diferir as penas contra os ladrões e saqueadores de fazendas e lavouras, para que essa misericórdia não se converta em miséria. São eles inimigos do gênero humano e da salvação pública, havendo interesse em escarmentá-los com suplício mais rigoroso para não arruinarem toda a fortuna do povo. Nem pode haver crueldade em se punir a atrocidade de tamanhos crimes. Aprendei dos portugueses os melhores meios de apanhar esses criminosos. Aponto dois : a impunidade de alguns e as recompensas para as delações. Concedei perdão aos próprios celerados, se denunciarem os companheiros, pois não exterminareis melhor esses malfeitores do que por meio de seus parceiros no crime. De feito, quando uns desconfiarem dos outros, terão receio de se associarem para o delito, a fim de não serem traídos pelos sabedores dele. Suspeitando-se a deslealdade de alguns e aplicando-se cada uni de per si ao mal, se dispersarão pela inutilidade dos esforços. Prometei prêmios e dai-os. Vereis que se tem de correr perigos e de se empregar trabalho naquilo de que se esperam vantagens, NA ADMINISTRAÇÃO DAS COUSAS DIVINAS e dos negócios eclesiásticos, deve-se usar aqui no Brasil a mesma moderação que em qualquer outra parte. E não obstante desejar-se que todos aceitem e professem a mesma religião que vós, todavia é preferível tolerardes com ânimo sereno os dissidentes a ser a repú blica agitada por tumulto maior. Considerai as circunstâncias, as quais sabem às mais prudentes que devem obedecer. É de melhor aviso deixar as opiniões inveteradas do que tornar-se público que vós quereis proibir aquilo cuja proibição não sois capazes de efetivar. Nada é mais perigoso que um remédio intempestivo para erros medrados e arraigados: cada qual ama a religião que bebeu em tenros anos, e se aferra a ela. Se resistirdes, ser-vos-á oposta a contumácia, e assim é melhor fechar os olhos do que, com alvitres imprudentes e in tem pestivos, extinguir essa chama sagrada. Portanto não aprovaria que vos ingerísseis muito com a religião dos portugueses ou que os coagísseis a se habituarem com o nosso culto e cerimônias. Conservem os seus sacerdotes e o governo da Igreja que receberam dos seus antepassados. Discerni os facciosos dos moderados. Reprimi ou afastai aqueles e retende
Francisco Barreto de Menezes, Restaurador de Pernambuco
estes para não parecer que vos irais contra uma classe, mas só contra indi víduos. Assim serão os vossos atos recebidos sem malquerença, e se apagarão os ódios nos ânimos. Pensa a nação portuguesa ser abusivo e de mau costume intrometerem-se os seculares nos negócios eclesiásticos e confundirem-se as cousas profanas com as sagradas. Nada move mais eficazmente os portugueses que a autoridade dos seus sacerdotes, e aqui no Brasil é imprudente e arriscado abrir contra eles devassa mais rigorosa. Não deis demasiada atenção às acusações e queixas dos homens da nossa religião: quer cada um que seja de todos a fé que abraçou, e que, sob o mesmo céu e o mesmo governador, tenham todos a mesma crença. Daí os ódios contra os dissidentes, as invectivas contra os dogmas e artigos da fé, os exílios, cadeias, cárceres e penas capitais. Atendei mais à tranqüilidade de muitos do que ao fanatismo e ao zelo exagerado de poucos. Assim vencereis as situações difíceis, e reinará a paz. E não me terão por dissidente aqueles que julgam ser necessário coibir com castigo a insolência dos que insultam a fé alheia e o culto público dos portugueses e que- lhes atacam a religião e os ministros com motejos e palavras ultrajantes. ales, com isso, ficam mais irritados e amam, com mais veemente preconceito, as cousas desprezadas pelos adversários. Examinai o que aconselha a firmeza da república e a própria piedade. Parece-me ter-vos já exposto o que eu quis fosse a norma dos meus atos e que desejaria fosse também a dos vossos. Com este modo de proceder, alcancei segurança para o império, favor e boa fama para mim na pátria e fora dela. Não permitais nada venal, nada acessível mediante dádivas. Guardai o caminho da honesti dade: não se abram as vossas portas a cobiça para vos maculardes, nem a lisonja para perderdes os bens. Temendo mais a conciência do que a opinião, oponde uma virtude constante e inquebrantável aos maus conselhos e as calúnias. Talvez pareçam à primeira vista mais belos os conselhos de outros: achei, porém, estes meus melhores pela experiência. Acu se quem quiser esta benevolência e brandura ínsita ao meu caráter, uma vez que não me arrependo dela e espero que o mesmo acontecerá a vós.