Continente Documento - Brennand

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Foto: Helder Ferrer

Continente Nº 20 – Recife – PE, abril / 2004

Documento

Companhia Editora de Pernambuco – CEPE

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No dia 11 de junho de 1927, no Engenho São João, no Recife, vinha ao mundo Francisco de Paula Coimbra de Almeida Brennand. E, já em 1942, aos 15 anos, pas­ sa a acompanhar, para todo o lado, o escultor Abe­lardo da Hora, contratado pelo seu pai, Ricardo Brennand, para dirigir o setor de criação das Cerâmicas São João, empresa da família. Começava ali, na apren­dizagem com Abelardo, a carreira de um dos maiores artistas per­­­nam­bucanos, criador de uma obra ímpar, o Museu/ Oficina Cerâmica Francisco Brennand, situado no Bair­ro da Várzea, no Recife. Porque, apesar de uma vasta e importante obra como desenhista, pintor e muralista, Brennand sobressai pela criação de um parque de escul­ turas que impressiona vivamente a quem o visita, pelo seu caráter mítico e mágico. Foi em 1971 que Brennand visitou as ruínas da Ce­râmica São João. Apaixonado pelo lugar, passou a usá-las como ateliê. E foi ali que ele instalou, nos anos se­guin­tes, a sua obra magna. Hoje, Francisco Brennand é nome conhecido no mundo inteiro. É autor de um parque de esculturas no porto do Recife, em frente à Praça do Marco Zero. Tem painéis cerâmicos em diversas cidades do Brasil e do exterior. Já foi convidado a participar das Bienais de São Paulo e de Veneza. Já expôs na Espanha, em Portugal e na Alemanha. Tem diversos livros publicados sobre sua obra, além de vídeos. Recebeu o Prêmio Inter­ame­rica­no de Cultura Gabriela Mistral, concedido pela O.E.A., em Washington, e o Prêmio por Conjunto da Obra, con­­ cedido pela Associação Brasileira de Críticos de Arte. É, em resumo, um artista consagrado. No próximo mês de junho, Francisco Brennand es­tará completando 77 anos de uma vida dedicada à arte. A Revista Continente Documento aproveita o mo­men­to para homenagear este grande pernambucano.


Uma obra que se expande Construído ao longo de 30 anos, o Museu/Oficina Cerâmica Francisco Brennand é uma obra única no mundo Weydson Barros Leal

Ariano Suassuna conta a visita que fez ao Museu/Oficina Cerâmica Francisco Brennand, acompanhado de Josef David Yaari, “alemão pelo nascimento”, “bra­ sileiro pelo casamento”, mas, como o pintor russo Marc Chagal, um judeu, “fiel até os ossos à sua condição”. De repente, muito pálido, Yaari diz com veemência: “Não vou entrar, não passo daqui”. Ariano insiste, dizendo que ele vai perder de ver o melhor: “Painéis extraordinários, mulheres descabeçadas como Inês de Castro, alanceadas como Prócris, apunhaladas como Lucrecia. Vai deixar de ver um Monólito Central coberto de caracteres cuja decifração nos escapa...” E o ale­ mão: “Não me importa, estou decidido! Já deu para constatar que esta obra é abso­ lutamente singular no panorama da arte do século 20 e é exatamente por isso que eu não vou entrar. Preciso exercer minha liberdade diante desta obra e mostrar que o fascínio e a grandeza deste “horror” não me vencem nem me dobram!” E não entrou de jeito nenhum. O horror de que ele falava é o “horror cósmico” de que trata Joseph Conrad, no livro O Coração das Trevas, que inspirou Francis Ford-Coppola a filmar Apo­ calipse Now. E, de fato, a sensação de estarmos diante algo muito maior que nós, tão fascinante que horroriza, tão carregado de sexualidade – uma sexualidade que contamina todas as formas, até as frutas cheias de carne perfumada e os animais, muitos deles seres fantásticos, desconhecidos da natureza – quanto carregado de morte (já houve quem classificasse o parque de esculturas de Brennand como uma “carnificina”, um campo de guerra após a guerra), chega a um ponto de deixar o visitante com uma sensação opressora.


Foto: Breno Laprovitera O desenhista, pintor, ceramista e escultor Francisco Brennand Na pรกgina ao lado, o Pรกssaro Rocca, guardiรฃo do Museu/Oficina


E mesmo quem, não sendo tão impressionável, não chegue a tanto, sempre perceberá o mistério pagão que paira sobre aquele Templo. Porque é, evidentemente, um templo à sacralidade da arte. À sua beleza às vezes amarga, como a percebeu Rimbaud, às vezes grotesca, às vezes violenta. Aquela profusão de formas fálicas, aqueles seios e nádegas opulentos, aquelas vaginas entreabertas, ao lado de cabeças monstruosas, mulheres estranguladas, pássaros sinistros, animais que mais parecem fetos, misturam no espectador simultaneamente fascinação e inquietação. É como se ali pairasse uma presença invisível, porém palpável. Não há, como, em absoluto, permanecer indiferente. O Museu/Oficina Cerâmica Francisco Brennand, construído ao longo de 30 anos, é uma obra única no mundo. Mas, perante o talento do artista, ainda era incompleta. Faltava o roteiro da gênese. A artesania dos mapas. A delicadeza que se esconde por trás daquelas formas fortes. Faltava ao espectador o acesso à origem de tudo aquilo: o desenho e a pintura de Francisco Brennand que, apesar de exaltado como escultor, insiste em que, acima de tudo, é um pintor. Foi quando ele decidiu criar a Accademia, um grande prédio quase nos fundos do Museu/Oficina, onde agora estão exibidos mais de 200 trabalhos, feitos ao longo de quase 60 anos, e onde o artista se revela um grande colorista, um cultivador do erotismo requintado, um fino captador da psicologia dos retratados (inclusive nos auto-retratos), enfim, um desenhista e pintor de primeira. Lá estão também os esboços de algumas das peças cerâmicas que povoam o pátio do Templo. Lá está, ainda, o percurso do artista, com a passagem pela famosa fase floral, tão abundantemente aproveitada em painéis cerâmicos de grande porte espalhados pelo Brasil e pelo mundo. A partir da década de 70, quando começou a criar seu espaço mágico na Várzea do Capibaribe, no Recife, Francisco Brennand sabia que estava iniciando uma “obra em progresso”, destas que nem o tempo de toda uma vida nos vai permitir terminar. O artista (ou demiurgo?) já tem planos de construir ali uma igreja. E quando a igreja estiver pronta, ele certamente já terá novidades. No espaço, no tempo, na ima­ ginação, o Museu/Oficina Cerâmica Francisco Brennand é um Templo que se expande até o infinito. Como um universo. Foto: Helder Ferrer Símbolo do orixá Oxossi, protetor da flora e da fauna. Está muito presente em todo o Museu/Oficina


Foto: Fred Jordão/IMAGO

A Accademia Brennand decidiu reservar, dentro dos espaços do Museu/Oficina Cerâmica, um espaço exclusivo para sua obra em desenho e pintura

Vista externa da Accademia

Em conversas e entrevistas, mesmo diante da monumentalidade de sua Oficina Cerâmica – onde trabalha há mais de três décadas –, Francisco Bren­nand costuma proclamar-se, antes de tudo, pintor. Tendo começado a vida artística com o exercício da pintura, Brennand chegou a receber prêmios que o levaram, no final da década de 1940, a ser convi­dado por Cícero Dias para um estágio de estudos em Paris, onde o grande pintor pernambucano vivia. Mas, após algum tempo na capital francesa – entre idas e vindas ao Brasil –, Brennand foi para o interior da Itália, onde estagiou numa fábrica de majólicas e descobriu as possibilidades plásticas do barro. E para quem cresceu tão próximo da linha de produção de uma indústria de azulejos e porcelana da família, no Recife, o universo da modelagem rapidamente se fez maior, trans­for­ man­do a práxis e o conhecimento da pintura em alicerces de um plano prioritário: a rea­li­zação de uma obra em cerâmica e a posterior cons­tru­ção de um museu parti­cular, onde a escultura seria o seu centro. Mas, nos últimos anos, Brennand decidiu reser­var, dentro dos espaços do Museu/Oficina Cerâ­mi­ca, um espaço exclusivo para sua obra em desenho e pintura. Em dezembro de 2003, ele inaugurou uma imensa galeria de arte – voltada principalmente para exposição dessa obra – que cha­mou de Accademia. Ali reuniu, sob a curadoria de um expert em organi­zação de exposições e museus – Emanuel Araújo – um conjunto de mais de 200 quadros e papéis (ao lado de painéis e peças cerâmicas) que, pelo primor da organização, integram o novo prédio ao grande par­que de es­culturas. A Accademia procura dar ao descobridor de Brennand a visão do pintor e do desenhista. Continente Documento 7


Interior da Accademia


Foto: Fred Jordão/IMAGO


A nudez do desenho A temática de Brennand, em princípio, não é alegre. Antes, é filosófica, e sua filosofia o conduz às dores da condição humana Fotos: Reprodução

O erotismo da mulher jovem é um tema constante dos quadros do artista

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Certos temas, recorrentes na obra de Brennand, não evocam o erotismo como pode parecer ou se tenta comprovar. Não nos referimos, é claro, àquelas obras em que o assunto é notoriamente outro, mas especificamente àqueles de­senhos em que mesmo a representação do nu feminino não aponta para tal aspecto da sexualidade. A temática de Brennand, em princípio, não é alegre. Antes, é filosófica, e sua filosofia o conduz às dores da condição humana. “Quem disse que o artista pro­ cura fugir do sofrimento?”, ele se pergunta, e cita o axioma de “o artista como um sofredor exemplar”. Pode soar estranha uma tese em que se tente separar a interpretação plástica do corpo nu de sua conotação erótica. Mas um corpo nu pode também ser a metáfora ou a imagem da mais profunda tris­teza; da rendição ou despojamento de todas as vaida­des; do desejo e da consciência de sermos apenas este corpo, cuja nudez é a última vestimenta em nós. Nos desenhos de Brennand, o que a nudez busca é uma absolvição, ou a expiação da culpa, da tristeza, do horror. Em outros momentos, a nudez explícita está apenas no retrato de um rosto – que pode ser um auto-retrato – e o que seu olhar tenta sorver é a nossa piedade, a nossa condescendência, a nossa compre­ensão. Esta nudez, logo, é a degra­ dação que procura o espírito, o pecado que pede sua remissão.


Mulher de Vemelho, 2003, tĂŠcnica mista sobre papel


Fotos: Reprodução

As Mãos, 2001, bastão aquarelado sobre papel

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Quadro de Brennand retratando adolescente lendo Sade. Alguns trabalhos do artista trazem fortes referências literárias

Em incontáveis ocorrências, esses desenhos ex­põem corpos nus ou partes do corpo feminino apenas como pontes que nos instigam à reflexão: seja a con­dição da mulher como centro de nossa huma­ni­da­de, enquanto mater geradora e dolorosa desti­tuída de sua missão, seja a identificação dessa mulher com a própria morte. Antes de qualquer outro moti­vo, esta abor­da­gem já justificaria o fato de Brennand se sentir tão profun­damente um artista do século dezenove. Além disso, uma lista de “rainhas cruéis e das peca­doras fa­mosas” é de tal ordem abundante em sua obra, que por pouco ainda não foram, todas elas, ho­me­nageadas nas esculturas das cabeças degoladas, como as batizou Olí­vio Tavares de Araújo.

Em seu desenho, no entanto, Brennand retoma a abordagem da filosofia a que nos referimos, de forma mais sutil, disfarçada em cores e temas que por vezes fazem pensar numa ótica quase afetiva, se não idealizada, da figura feminina. Aos que se sen­ tirem tentados ou mesmo sucumbirem a esta visão, vale lembrar que, diante do tema da mulher, um dos pintores a balizar o pensamento de Brennand é Bal­ thus, mestre em confundir os seus críticos ante o mis­tério de suas figuras. Na névoa desse mistério, Brennand repete a frase do historiador Arnold Toyn­ bee: “O sexo, mais que a morte, deixa o ho­mem diante de uma perplexidade insanável.” Continente Documento 13


A imagem e a cor Em seus quadros, hĂĄ paisagens, animais, naturezasmortas, personagens circunstanciais e mulheres, muitas mulheres, nuas ou vestidas

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Foto: Reprodução Paisagem Mineira, 2003, técnica mista sobre papel

São centenas de quadros, realizados durante toda a vida – mesmo du­rante os anos em que sua prio­ridade foi a cerâmica – e que estão distribuídos entre familiares, amigos, pouquíssimos colecionadores e, em sua abundante maioria, guardados em salas ou empilhados no ateliê do próprio artista. Agora, parte desse acervo está exposta em sua Accademia, galeria particular destinada principalmente à sua pintura e ao seu desenho. Esses quadros, datados pelo menos desde a década de 1940, apresentam temas variados, como em sua fase floral – reivindicada por alguns como armorial –, ou pin­ turas de paisagens, animais, naturezas-mortas, personagens circuns­tanciais e mu­lheres, muitas mulheres, nuas ou vestidas, mas todas carregadas da aura insinuante ou erótica que fazem “um Brennand”. Continente Documento 15


O Quarteto, 2002, tĂŠcnica mista sobre papel


Fotos: Reprodução

Não obstante o apreço e a dedicação que o próprio artista dedica à manutenção de seus quadros, nos úl­ti­ mos anos sua atenção voltou-se muito mais para a pro­dução de desenhos sobre papel. As razões para isto re­sumem-se a duas ou três. Uma delas está rela­cio­ nada à velocidade da técnica e à rapidez dos resultados con­se­guidos pelo desenhista, diferen­te­mente dos “tem­pos” necessários à secagem das tintas do pintor. Desde seus primeiros trabalhos no Recife, no c­ ­o­ me­ço da década de 1940, o desenho de Brennand so­freu inúmeras modificações. Não foram necessaria­ mente influências de estilo, ainda que a temática, aqui e ali, o aproxime de pintores e desenhistas que abu­sa­ ram do corpo feminino – com ênfase para mulheres jovens e adolescentes – em suas obras. Em seu per­ curso gráfico, Brennand exercitou a caligrafia dos renascentistas, o virtuosismo maneirista, o barro­quismo primitivo, o purismo picassiano e tantas quantas foram as linguagens que seu gênio decidiu experimentar. No fim, e em cada uma delas, o que se percebe é um Brennand único, sempre em busca do que seria ele mesmo. A grande maioria dos quadros e desenhos de Brennand é realizada a partir de fotografias. Alguns poucos, principalmente quando ele está em sua casa de campo, são feitos sur le motif, e familiares e funcionários lhe servem como modelos. No caso dos desenhos, realizados quase em sua totalidade sobre papel, recebem um trata­mento pictórico que, aos olhos leigos, à primeira vista, podem ser confundidos com pintura. À exceção de duas ou três séries feitas em carvão ou sangüínea, os dese­nhos de Brennand são abundantemente coloridos, e como tão bem os definiu o poeta Ferreira Gullar, são “desenhos de pintor”. Em seu processo de composição, essa parte da obra obedece a técnicas fre­ qüentemente utilizadas por Brennand em sua pintura. Enquanto na pintura o processo de raspagem dá ao autor a possibilidade de um infinito palimpsesto, no desenho são as super­posições que permitem ao artista um de seus maiores prazeres. Como, ao retomar um papel, ele ainda não tem a sua solução, as superposições são portas para sua procura. Ele afirma que neste processo “o importante é saber parar. Há que se aproveitar das linhas de força contidas nos desenhos que estão por baixo, que estão sendo engolidos por novos.” E diz: “Quando encontro essas linhas de for­ça, aí encontro o que desejo fazer.”

O Beco (Série), 2002, bastão aquarelado sobre papel

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O Museu/Oficina Francisco Brennand O conjunto de esculturas que integra o Museu/Oficina teve inĂ­cio em 1974


Foto: Reprodução

Halia, uma das mulheres “degoladas”

Foto: Rogério Reis/TYBA

Francisco Brennand, ao lado de Os Quatro Comediantes, na entrada do Museu/Oficina

Os anos de 1970 e 1971 representam, na obra de Brennand, os últimos estágios de uma preparação, talvez consciente, para o grande desenvolvimento de sua arte cerâmica. Até aí, ele ainda dependia da es­tru­ tura de uma fábrica de azulejos da família para pintar e queimar jarros, pratos e painéis cerâmicos, assim como do forno de refratários de uma antiga ola­ria. Por isso, ele per­manentemente buscava uma saída pa­ra o problema: um espaço onde tivesse o seu pró­ prio forno e pudesse de­senvolver uma obra em barro. Como conseqüência de seu desligamento das in­dús­trias da família alguns anos antes, no segundo semestre de 1971 o artista pediu ao pai para instalar numa velha fábrica de telhas e tijolos seu novo ateliê. Dada a per­missão, nos três anos seguintes todo o trabalho voltou-se para a limpeza e recuperação dos espaços que lhe haviam sido cedidos. Até outubro de 1974 – quando lhe foi facultada a compra do imóvel – seu cotidiano foi o de um construtor com desafios diários. No velho forno dessa pequena fábrica, além de queimar jarros, painéis e tapetes cerâmicos des­ti­ nados à venda e aos espaços do próprio edifício, ini­ ciou-se a produção de ladrilhos com os quais – além da comercialização, que também susten­tava o co­me­ ço de sua indústria de pisos – se revestia o chão de terra batida dos primeiros galpões. Ali Bren­nand Continente Documento 19


Foto: Reprodução Ao lado, ruínas da Cerâmica São João Abaixo, visão aérea do Museu/ Oficina Fotos: Breno Laprovitera

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Adão e Eva, duas peças importantes no Museu/Oficina

começou a expor suas primeiras esculturas e instalou um escritório/ateliê. Assim, a primeira escultura que poderíamos consi­ derar como integrante do conjunto que desde então marca a obra de Brennand data de 1974. A partir deste ano, o artista viveu o período de sua mais copiosa pro­ dução. Entre 1975 e 85, os espaços da Oficina são gra­ da­tivamente ocupados por novos volumes, sempre obe­ decendo a estudos preparatórios para as peças ou mu­rais. Pouco a pouco, esses espaços não mais se limi­taram às áreas cobertas pelos velhos galpões. Inicia-se em 1979 a ocupação do que hoje se chama de grande pá­tio. Nele, ladeado por uma muralha assinalada por arcos e pe­destais – mais tarde encimada pelas figuras do Pás­saro Rocca – Brennand construiu o “altar” que, para ele, os­ten­­ta o começo de tudo: O Ovo Cósmico. Pendendo da cúpula azul de uma pequena construção de quatro arcos, o ovo mistifica a geografia do lugar. Continente Documento 21


GalpĂľes onde estĂŁo concentradas as esculturas de Brennand



Fotos: Reprodução

Nos últimos vinte anos, a Oficina/Museu cres­ceu em salas, pátios e jardins povoados por centenas de no­vas esculturas. Parte deste acervo – que segun­do o pró­prio artista não tem um número exato – even­ tualmente desfalca o conjunto, quando segue para exposições no Brasil ou no exterior. E a quan­tidade de esculturas é tanta que, curiosamente, essas ausên­ cias amiúde trans­formam os salões desfalcados em ambientes mais pro­pícios a uma apreciação deta­ lhada. Lotados ou não, pelos átrios e salas do com­ plexo artístico do Mu­seu/Oficina Cerâmica Fran­ cisco Brennand, o visitante terá diante de si – e para sempre na memória – a presença do que terá sido, um dia, a sensação fantástica do que o gênio humano pode realizar como arte, delírio e invenção.

La Tour de Babel

Lara (detalhe)


Palas Atena

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Fotos: Reprodução Auto-retrato, 2002, técnica mista sobre papel

Cronologia do artista Atualmente, Francisco Brennand desenvolve projeto de criar, em um dos galpões do Museu/Oficina, um templo dedicado à Imaculada Conceição

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Francisco Brennand, com um ano de idade

1927 – Em 11 de junho, nasce Francisco de Paula Coimbra de Almeida Brennand, segundo filho de Ricardo de Almeida Brennand e Olímpia Padilha Nunes Coim­ bra, no Engenho São João, no Re­ cife. O casal terá mais dois fi­lhos e duas filhas. 1937 – D. Olímpia vai para o Rio de Janeiro com seus filhos, onde A Cerâmica São João, em 1935

pas­ sa a morar. Francisco e os con­celos, nascida em 12 de feve­ ir­mãos são matriculados no Colé­ reiro de 1927, com quem mais gio Aldridge, na Praia de Bota­ tar­de irá se casar. fogo. 1945 – Amigo de classe, o futuro 1939 – A família volta para o escritor Ariano Suassuna convida Re­cife. Os meninos vão estudar Francisco para ilustrar os textos e co­ mo semi-internos no Colégio poemas que publica no jornal Ma­rista, onde Francisco termi­nará literário do colégio. Brennand o curso ginasial em 1942. co­ nhece o pintor e restaurador Ál­varo Amorim, que começa a ori­ 1942 – O escultor pernambucano en­tá-lo em pintura. Abelardo da Hora é convidado para trabalhar na Cerâmica São 1946 – A convite de Ricardo João, uma das empresas da famí­lia, Bren­­ nand, os pintores Álvaro onde irá dirigir o setor de cria­ção. Amo­ rim, Balthazar da Câmara, Francisco passa a acom­panhá-lo e Má­ rio Nunes e em algumas semanas torna-se, Murilo la Greca informalmente, seu aluno. freqüentam as ter­ ras do Enge­ nho 1943 – Francisco inicia o segundo São João para pin­ ciclo de estudos no Colégio Os­wal­ tar. Fran­­cisco os do Cruz, no Recife. No colégio acom­panha e pinta conhece Débora de Moura Vas­ suas primei­ras pai­ sa­gens. Nes­te ano, refor­ma uma casa aban­donada do en­genho e tem seu pri­meiro ateliê. Co­ meça a estudar pintura com Mu­rilo la Greca e realiza sua pri­ meira escultura em barro, uma ca­beça de Débora.

Cabeça de Débora, primeira escultura de Brennand

1947 – Francisco Brennand envia cinco quadros para o Salão de Arte do Museu do Estado de Pernam­ buco. Obtém o primeiro prêmio de pintura com uma paisagem idea­li­zada a partir das caminhadas Continente Documento 27


no En­genho São João. A obra se Em agosto, visita Basiléia, Genève cha­ ma Segunda Visão da Terra e Lausanne, na Suíça. Santa. 1952 – Em fevereiro, Brennand e 1948 – Envia cinco quadros para o Débora voltam para o Brasil. O Salão de Arte deste ano e recebe o artista convence o pai a lhe ceder a primeiro prêmio e uma menção velha casa do Engenho São Fran­ honrosa. O pintor Cícero Dias, cisco, então em ruínas, para que a que morava em Paris, estava no recupere e transforme em sua resi­ Re­­ cife para uma exposição. dência. Após algum tempo ten­ Brennand lhe mostra seus quadros tando conciliar sua vocação artís­ e os dois con­versam sobre pintura. tica com os negócios da famí­lia, Cícero con­ vence Ricardo sem sucesso, decide ir para a Itália Brennand, pai do jo­vem pintor, a fazer um estágio numa fábrica de mandá-lo para Paris. Antes do cerâmica, onde traba­ lhará com embarque, no fim do ano, Francisco majólicas em processos artesanais. e Débora se ca­sam. Antes de chegar à fá­ brica, na ci­dade de Deruta, passa um mês 1949 – Em Paris, Brennand passa vi­ si­ tando museus do país. Em a maior parte do tempo em visitas no­vembro, descontente e inquieto, a museus. Com problemas de saú­ vai para a Suíça fazer exames de de e deprimido pela perda de uma saúde e de lá volta a Paris, onde gravidez de Débora, em julho o finalmente conhece o pintor Bal­ thus, uma de suas refe­rências a casal decide voltar ao Brasil. par­tir daí. Desde 1946, Brennand 1950 – Brennand envia outro já nutria grande curi­osidade em quadro ao Salão de Arte de Per­ tor­no da obra deste pintor, nascido nambuco e obtém o segundo prê­ em Paris em 1908. Em dezembro, Brennand volta ao Brasil. mio. 1951 – Em março, deixando a pri­ meira filha com os avós, no Recife, Francisco e Débora estão de volta a Paris, agora para uma estadia de onze meses. Vivem no antigo ateliê do artista Francis Picabia. Neste apartamento-ateliê de dois cômo­ dos, Brennand pinta natu­ rezasmor­ tas e cenas de inte­ rior que sempre têm Débora como mo­delo. Além de museus e galerias, visita algumas vezes o ateliê do pintor Fernand Léger, sem no en­tanto ser seu aluno. Inscreve-se no curso de André Lhote, de quem será aluno esporádico. Em julho, visita Madrid e Barcelona, dedi­ cando duas semanas ao Museu do Prado. 28 Continente Documento

1953 – Brennand dedica-se à reforma da Casa do Engenho São Francisco, que mesmo durante sua ausência não fora interrom­ pi­ da. Volta a trabalhar num antigo ateliê, que mantinha na fábrica da famí­lia. Ali executa pratos e jarros ce­ râmicos, decorando-os com mo­ ti­ vos florais, a partir das experiên­ cias italianas. Certas soluções já su­ ge­ rem elementos sexuais, e as­sim ele escreve no seu diário: "Se conseguir canalizar toda essa sen­sua­lidade em direção a um traba­ lho proveitoso, desarmando o es­pí­rito propenso à luxúria, (...) afo­gando assim todas essas forças obs­curas e selvagens

no lugar de onde só pudessem ser retiradas na medida do necessário, poderia en­tão começar a produzir algo de sé­rio e inquebrantável." 1954 – A família Brennand inau­ gura uma fábrica de azulejos, para cuja fachada Francisco realiza seu primeiro grande painel em cerâ­ mica. Em julho deste ano, ele volta à pintura do natural, com paisa­ gens dos engenhos e composições de ateliê. Alguns desses quadros irão para a Bienal Hispano-Ame­ri­ cana de Barcelona, no ano se­guin­ te, e à Exposição da Paisa­ gem Brasileira, no MAM de São Pau­ lo, em 1956. 1957 – Brennand envia cinco pinturas para a IV Bienal de São Paulo, mas são recusadas. 1958 – Realiza seu primeiro painel de cerâmica para um espaço pú­blico, o Aeroporto dos Guara­ra­ pes, no Recife. Participa com de­ senhos e monotipias de uma expo­ sição numa galeria em São Paulo, e de uma exposição


Foto: Reprodução

cerâmicas. Realiza o mural Pri­ mavera, com 300m2, para uma loja de departamentos, no Recife.

internacional de cerâmica, na expõe 76 peças em cerâmica, Bélgica. incluindo pra­tos, placas e painéis. 1959 – Envia cinco telas para a V Bienal de São Paulo. Duas são re­ cu­ sadas e três (com grandes frutos tropicais) são aceitas e ex­ pos­ tas, mas no setor dos primitivos.

1962 – Inicia o projeto de seu maior mural, com temas florais, pa­ra a sede da Bacardi, em Mia­mi, EUA. São 656 m2 de área, utilizando 28.234 azulejos.

1963 – Realiza mural para o 1960 – Exposição individual de Museu do Homem do Nordeste, placas cerâmicas no Museu de no Recife. Em novembro, a con­ Arte Moderna de São Paulo. vite do então governador Miguel Arraes, assume a Casa Civil do verno de Pernambuco, cargo 1961 – Realiza o painel cerâmico Go­ Anchieta, para uma escola em Ita­ no qual permanecerá até o golpe de nhaém, São Paulo, e inicia o pai­nel 1964. Batalha dos Guararapes – um dos maiores e mais impor­tantes de sua 1964 – Recluso em sua casa, no carreira – para um banco, no Engenho São Francisco, o ar­tis­ta Re­ cife. No Museu de Arte retoma a pintura de pai­ sa­ gens, Moderna da Bahia, em Salvador, também pinta no ateliê e continua realizando painéis e mu­rais cerâ­ micos, que começam a ser usados em bancos, hotéis e residências.

Detalhe de um esboço do painel cerâmico A Batalha dos Guararapes

1969 – Faz sua segunda exposição individual na Petite Galerie, no Rio de Janeiro, com apresentações de Ariano Suassuna e Frederico Morais. Também expõe, em São Paulo, pinturas e cerâmicas. 1971 – Realiza mural em cerâmica para a Biblioteca Pública do Es­tado de Pernambuco, no Recife, e participa com 12 grandes quadros (Série Amazônica) da XI Bienal de São Paulo. No Recife, depois de uma visita às ruínas semi-aban­ donadas da Cerâmica São João, de propriedade da família, pede ao pai para instalar ali seu novo ateliê. É o começo do projeto que, de­pois, se tornará Oficina Cerâmica Francisco Bren­nand. Por mais de três anos, o espaço e os fornos ain­ da ativos da olaria serão compar­ti­ lhados com outras atividades do grupo, como a produção de tijolos refratários. Em 1974, recebe a pro­ priedade como parte do que lhe cabe pela saída do grupo, mas a escritura definitiva só é lavrada qua­tro anos mais tarde.

1965 – Primeira exposição indi­ 1974 – As primeiras esculturas vidual no Rio de Janeiro, com pin­ co­me­çam a povoar a Oficina. As turas e cerâmicas, na Petite Ga­lerie. mu­danças e as novas obras come­ çam a ser notadas. Realiza um 1966 – Participa da I Bienal da mu­ral em cerâmica para a sede da Bahia, em Salvador, onde recebe Rede Ferroviária Federal, no uma sala especial. Numa decisão Recife. Entre 1975 e 85, realizará a em comum com a família, Bren­ grande maioria das esculturas que nand vende sua participação acio­ se encontram hoje no que se convencionará chamar de Templo nária no Grupo. das Esculturas. 1968 – Em terras do Engenho São Francisco, o artista constrói um 1980 – Criação do Pássaro Rocca, forno para a queima de suas peças uma das esculturas emblemáticas Continente Documento 29


do templo, descrito por Brennand Sevilla, na Espanha, e participa de como "pássaro guardião da vida". exposição cole­tiva em Zurich, na Suíça. 1981 – Participa da exposição da Coleção Gilberto Chateaubriand, 1993 – Grande retrospectiva no Museu Staatliche Kunsthalle, em no MAM do Rio de Janeiro. Berlim, na Alemanha. Recebe o 1985 – É convidado para parti­ Prêmio Interamericano de Cultu­ra la cipar da XVIII Bienal de São Gabriela Mistral, conferido pe­ Paulo. Cria o obelisco para a O.E.A., em Washington DC, nos Es­ tação Central do Metrô do EUA. Recife. 1995 – Publicação do livro Bren­ 1987 – Publicação do livro Bren­ nand: Mestre dos Sonhos, de Ja­ cob Klintowitz. Participa de nand, de Fernando Monteiro. ex­po­sição coletiva no MASP, em 1989 – Realiza exposições indivi­ São Paulo. duais em Londres e em São Paulo. Participa como convidado da XX 1997 – Publicação do livro Bren­ Bienal de São Paulo e da II Bienal nand, de Olívio Tavares de A­raújo, Internacional de Óbidos, em Weydson Barros Leal e Rô­mulo Fialdini. Portugal.

A­raújo. 1999 – Outra grande exposição retrospectiva, agora no Teatro Na­cional de Brasília, DF. 2000 – Concebe e realiza o projeto do parque de esculturas para o Cais do Porto do Recife. Ali, er­gue o polêmico obelisco que cha­ma de Coluna de Cristal e causa ce­leuma em torno de questões de mo­ra­li­ dade. A convite da Casa Fran­çaBrasil, no Rio de Janeiro, faz a exposição Brennand – Escul­turas e Desenhos. No fim do ano, parte dessa exposição é levada para Manaus, onde fica no Centro Cultural Palácio do Rio Negro.

2001 – Exposição individual na Fundação Júlio Resende – Lugar do Desenho, na Cidade do Porto, 1990 – Integra a representação 1998 – Grande retrospectiva na em Portugal. bra­sileira que vai à 44ª Bienal de Pi­na­coteca do Estado de São Pau­ Veneza. lo. Na ocasião, é exibido o ví­deo 2002 – Inicia a construção da 1992 – Integra a representação Brennand e o Sentimento Trágico Accademia, galeria de arte que irá brasileira que vai à EXPO’92, em do Mun­do, de Olívio Tavares de abrigar, principalmente, sua obra em desenho e pintura. Fachada da Accademia

2003 – É inaugurada a Accade­ mia, com lançamento do livro Brennand Desenhos, de Weydson Barros Leal e Helder Ferrer. Em São Paulo, Olívio Tavares de Araújo publica O Olhar Amoro­so, uma reunião de textos sobre arte brasileira, encerrando o volu­ me com seu ensaio sobre a escultura de Brennand. 2004 – Desenvolve projeto de criar, em um dos galpões da Oficina Cerâmica, um templo dedicado à Imaculada Conceição. Recebe da ABCA (Associação Brasileira de Críticos de Arte) o prêmio por conjunto de obra.

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Um roteiro de visitação No Templo central, cuja cúpula azul turquesa é ornada por um galo de cata-vento, está o Ovo Primordial, emblema da eternidade

É o próprio Francisco Brennand quem indica o roteiro a ser seguido por quem quiser aproveitar ao máximo sua visita ao seu Museu/Oficina. Logo na entrada, o visitante encontra um Quarteto de Co­mediantes. São quatro figuras de saltimbancos, que fa­zem às vezes de recepcionistas, embora sem indicar o caminho ao visitante. Apenas, deixam-no passar. Logo em seguida, a pessoa se depara com um caminho largo e sua atenção é chamada para a direita, onde há um grande mural. Ali, na frente, está escrito, em letras brancas “Mãe Terra” e, no chão, a seta sím­ bolo de Oxossi, o orixá protetor dos seres da flo­resta, animais e árvores. À esquerda, uma bela ins­crição de Ariano Suassuna, sob o título “Pri­mór­dia”, e dois grandes galpões repletos de esculturas. Se o visi­tante optar começar por ali, vai embrenhar-se em ou­tras salas onde há também mais esculturas e painéis. Ao ultrapassar estas criptas ou cavernas, o visitante che­gará a um anfiteatro, cujo piso circular é pintado em forma de “mandala”. As cores sóbrias – marrom, preto e branco – lembram uma sala de banhos romana. No lado de fora o visitante vai encontrar um mural que fala dos “Sete Dias da Criação”. Uma tartaruga ao centro é um símbolo cósmico, lembrando a lentidão e eficácia da natureza. No meio da grande nave há um obelisco com inscrições arcaicas e, novamente, o sím­ bolo de Oxossi. A seguir, há um grande pátio, domi­ nado por um grande paredão, ornado de ins­crições e pequenos murais. No corredor dessa “mu­ralha”, no alto, percebe-se a presença dos Pássaros Rocca, fi­guras totêmicas que guardam o Templo central, cuja cúpula azul turquesa é ornada por um galo de cata-vento. No centro desta cúpula está o Ovo Pri­mor­dial, emblema da eternidade, misturado com animais de toda espécie, alguns dos quais estão saindo das águas lodosas de uma piscina. Ao lado está uma “Vê­nus”, nascida de eras

paleolíticas e mesolíticas, junto a triângulos pubianos e carnudas deusas-mães. Ao centro de tudo o Ovo Cósmico, símbolo do eter­no começo. Ultrapassando-se esse grande pátio, chega-se a um jardim edênico, traçado por Burle Marx, e ladeado por duas inscrições. Uma, de Plotino, lida entre verdes papiros que oscilam ao vento. A outra, de Wittgens­tein, lembra que não pode haver arquitetura onde não há o que glorificar. Um enorme “Pássaro Rocca” bran­co preside a praça central. E, logo adiante, uma escul­tura chamada Seqüestro (Vênus Seqües­trada). De outro lado, há um mural com formas que lem­­ bram lâmpadas, mas também podem ser to­madas co­mo frutas selvagens, em homenagem a Thomas Edison. Mais adiante, ergue-se o prédio da Acca­demia, último recinto a ser visitado, e onde estão os desenhos e pinturas do mestre. Continente Documento 31


Foto: Reprodução Vista parcial do ateliê de Francisco Brennand

O autor Weydson Barros Leal, pernambucano do Recife, é poeta e crítico literário. É autor de cinco livros de poemas e de diversos ensaios e artigos sobre vários artistas brasileiros publicados em livros, catálogos, revistas e jornais. Em 1997 publicou uma bio­grafia de Francisco Brennand e, em dezembro passado, o livro Brennand Desenhos.

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