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APRESENTAÇÃO
from Coletivos juvenis na universidade e práticas formativas – Política, educação, cultura e religião
Luís Antonio Groppo1
A universidade pública pesquisada, localizada no interior de Minas Gerais, mais do que um campo ou espaço de coletivos, possui, na verdade, uma verdadeira galáxia de organizações juvenis. A diversidade das organizações juvenis reflete a diversidade das e dos estudantes, de suas origens sociais, das características dos seus cursos e das carreiras onde pretendem ingressar. Nosso livro foca um de seus espaços, que chamamos de “micro-espaço público”, onde ocorre a parte mais marcante da política estudantil e onde também podem atuar coletivos voltados formados para agir em outras frentes, como o cursinho popular, o grupo de maracatu e até mesmo o grupo evangélico.
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Deve se reconhecer, entretanto, que essa universidade - assim como as demais Instituições de Educação Superior (IES) - possui outros espaços juvenis, vários dos quais se cruzam ou mesmo se chocam com o micro-espaço público da política estudantil: o espaço mais festivo, esportivo e tradicional das atléticas; o espaço mais acadêmico e corporativo das ligas estudantis; os programas e projetos de extensão universitária (dos quais o grupo de maracatu e o cursinho popular, formalmente, fazem parte); o mundo das festas e dos “rolês” em repúblicas estudantis, eventos, bares, botecos e esquinas; e um mais esquivo e reservado espaço da religiosidade juvenil, onde o grupo evangélico parece ser uma exceção, por sua maior visibilidade e presença na vida política estudantil.
Contudo, o interesse da pesquisa nos levou a, mesmo reconhecendo a complexidade dessa galáxia juvenil, a delimitar um de seus espaços, justamente aquele que mais chamou a atenção do
1 Professor da Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL-MG). Pesquisador do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Grupo de Estudos sobre a Juventude da Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL-MG), por ter melhor revelado o caráter formativo dos coletivos juvenis na universidade: o espaço ou micro-espaço público estudantil, onde a disputa pelo Diretório Central Estudantil (DCE) ou por eleger delegações ao Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE) aglutina coletivos e jovens que, para além da clássica política estudantil, trazem pautas e lutas cada vez mais ricas e desafiadoras, como o feminismo, a luta contra o racismo e o machismo, a denúncia da LGBTTfobia2 e a proposição de políticas de permanência de estudantes pobres.
A noção de micro-espaço público da universidade foi proposta por nosso Grupo, influenciada pela interpretação de Regina Novaes (2012) acerca da complexificação do espaço público contemporâneo, em que instituições e rotinas políticas tradicionais passam a conviver com dinâmicas, sujeitos e organizações aparentemente não políticas, como as comunidades religiosas e os grupos culturais. Assim, no micro-espaço público da universidade, disputam o lugar da aparência e ajudam a tecer coletividades, não apenas as clássicas entidades do chamado “movimento estudantil” (DCE, Centros Acadêmicos [CAs] e os coletivos propriamente políticos), mas também coletivos religiosos e culturais. Ainda mais, demandas de coletivos identitários, referentes a gênero, diversidade sexual e raça, passam a integrar as pautas dos coletivos do “movimento estudantil”.
Este livro registra os resultados da pesquisa “A dimensão educativa das organizações juvenis: Estudo dos processos educativos não formais e da formação política no interior de organizações juvenis de uma universidade pública do interior de Minas Gerais”, coordenada pelo autor principal deste livro, desenvolvida entre março de 2016 e fevereiro de 2019, amparada por Bolsa de Produtividade em Pesquisa pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O CNPq, ao
2 Termo referente ao ódio e preconceito contra Lésbicas, Gays, Travestis,
Transexuais e Transgêneros.
lado da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), também apoiou a pesquisa por meio de Bolsas de Iniciação Científica (IC) e Iniciação Científica Júnior (IC-Jr) a estudantes de graduação e Ensino Médio. Também, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) apoiou, com recursos destinados ao Programa de Pós-graduação em Educação da UNIFAL-MG e bolsas de mestrado, esta pesquisa.
Esta pesquisa teve como tema os processos educativos não formais e a formação política no interior de organizações juvenis de uma universidade pública do interior de Minas Gerais. O objetivo da pesquisa era compreender e interpretar como se organizam e ocorrem os processos de formação social e política dos jovens estudantes de uma universidade do interior de Minas Gerais que participam de organizações ou coletivos juvenis.
A pesquisa previa a observação de ações coletivas, caso ocorressem durante sua vigência, o que efetivamente aconteceu, a saber, a ocupação da universidade durante 56 dias entre outubro e dezembro de 2016, gerando diversas análises e abrindo o Grupo de Estudos sobre a Juventude também para a investigação das ocupações secundaristas no Sul de Minas Gerais. Graças ao movimento das ocupações, o Grupo de Estudos sobre a Juventude realizou outros trabalhos, dentro da pesquisa “A dimensão educativa das organizações juvenis”, que trataram especificamente das ocupações estudantis no Sul de Minas Gerais em 2016. Destacam-se a coletânea “O movimento de ocupações secundaristas no Brasil”, organizada em parceria com Adriana Alves Fernandes Costa (docente da Universidade Rural do Rio de Janeiro) (COSTA; GROPPO, 2018) e os artigos “Ocupações no Sul de Minas gerais: autogestão, formação política e diálogo intergeracional” (GROPPO et al., 2017) e “Extensão, pesquisa e engajamento: aprendizado de lutas e dores no Seminário Memorial das Ocupações estudantis” (GROPPO; ROSSATO; COSTA, 2019).
Como metodologia, a pesquisa, primeiro, realizou uma revisão bibliográfica sobre os temas formação política, socialização política, subjetivação política e organizações juvenis. A seguir,
levantou dados sobre as organizações juvenis da universidade pesquisada, a partir de contato com seus integrantes e coleta de material que a organização disponibiliza publicamente. Realizou 23 entrevistas de caráter semiestruturado com jovens estudantes que participam das organizações juvenis da universidade, que foram analisadas neste livro. Também, realizou outras 8 entrevistas com estudantes que participaram da ocupação da universidade, durante a própria ocupação, no segundo semestre de 2016, que foram usadas nos trabalhos citados acima. Fez a observação de ações de caráter público promovidas pelas organizações juvenis (como palestras, seminários, reuniões, manifestações, apresentações culturais etc.) e fez a observação participante em eventos externos à universidade, destacando o Encontro Nacional de Negras e Negros (em 2016) e o Congresso da União Nacional dos Estudantes (em 2017).
Finalmente, a pesquisa propunha a integração com atividades de extensão universitária, como forma de debater com os coletivos juvenis os resultados preliminares da pesquisa, tanto quanto apoiar o trabalho social e político dessas organizações perante a comunidade universitária. Isso foi feito com o Seminário da Juventude: Reinvenção da Cidadania (em 2016) e com o Seminário: Memorial das ocupações estudantis (em 2017), ambos organizados pelo Grupo de Estudos sobre a Juventude da UNIFAL-MG.
O livro está estruturado em cinco partes. A Parte I: “A pesquisa”, escrita por mim, apresenta de modo mais sistemático a metodologia e os principais resultados da pesquisa bibliográfica. Tem como objetivo apresentar os referenciais metodológicos e teóricos desta pesquisa, a saber, uma metodologia largamente qualitativa e uma concepção teórica calcada na capacidade criativa e auto-formativa de jovens estudantes, com base na noção de educação não formal e no conceito de subjetivação política. Artigo contendo alguns destes resultados foi publicado com o título “Juventudes universitárias: participação política e processos
educativos em uma universidade do interior de Minas Gerais”, na revista Educativa3
A Parte II: “Coletivos políticos” , escrita com Mariana Ramos Pereira, Júnior Roberto Faria Trevisan, Guilherme Abraão e Isabella Batista Silveira, descreve a configuração daquele microespaço público dos coletivos políticos estudantis na universidade federal do interior de Minas Gerais que foi pesquisada, destacandose a dinâmica de três desses coletivos nos últimos anos, diante da ascensão e o descenso de um ciclo de lutas coletivas juvenis no Brasil: o Juntos!, o Levante Popular da Juventude e o Quilombo. Os coletivos, de caráter político esquerdista, foram acompanhados durante o ciclo que envolveu sua organização, ascensão, auge e relativa decadência. Procura-se compreender como se viveu cotidianamente, em um movimento específico, o estudantil, em uma universidade interiorana, o ciclo de protestos juvenis iniciado no Brasil em 2013. Destaca-se o reconhecimento da importância dos processos de auto-formação e co-formação propiciada por esses coletivos juvenis de caráter político na universidade. Versão preliminar e resumida foi publicada como artigo com o título “Coletivos juvenis políticos em uma universidade pública mineira: microespaço público e experiências de participação no movimento estudantil”, na revista Práxis Educativa4 . Alguns resultados presentes neste Ensaio, com diferente tratamento, fundamentaram o capítulo de livro: Luís Antonio Groppo. Formative practices of student collectives in a public university5 .
A Parte III: “Cursinho popular” , escrito com Ana Rosa Garcia de Oliveira e Fabiana Mara de Oliveira, trata de um núcleo da Rede Emancipa Movimento Social de Cursinhos Populares, formado por estudantes da universidade pesquisada. Antecede a discussão
3 Goiânia, v. 19, n. 1, p. 838-859, 2016, disponível em <seer.pucgoias.edu.br/index.php/educativa/article/viewFile/5440/3012>, acesso em 15/maio/2019. 4 Ponta Grossa, v. 14, n. 3, 2019, disponível em http://www.revistas2.uepg.br/index.php/praxiseducativa/article/view/13428, acesso em 15 jul. 2019. 5 In: Cláudia Pereira (ed.). Brazilian Youth: Global Trends and Local Perspectives.
London: Routledge, 2020, p. 24-36.
sobre os resultados da pesquisa de campo, pesquisa bibliográfica que fundamenta a análise do campo dos cursinhos populares no Brasil, constatando um dilema que lhe é constitutivo: a conciliação entre o objetivo de preparar para os exames e a intenção de ser um instrumento de luta popular pela democratização da Educação Superior pública. A investigação sobre o núcleo da Rede Emancipa busca compreender como tais dilemas são aí vividos. Os principais resultados registram a grande relevância deste coletivo autogerido por estudantes para sua formação docente, incluindo importantes componentes políticos voltados à mobilização popular pela ampliação dos direitos sociais. Versão preliminar condensada foi publicada na forma de artigo como “Cursinho popular por estudantes da universidade: práticas político-pedagógicas e formação docente” na Revista Brasileira de Educação6
A Parte IV: “Grupo percussivo de Maracatu” , redigida com Giovana Generoso Monteiro, trata das práticas culturais juvenis e os processos formativos de um grupo percussivo de Maracatu formado por estudantes da universidade investigada. Busca-se conhecer as práticas de formação política e cultural vividas pelo grupo, por meio do cultivo de tradições oriundas do Maracatu Nação pernambucano. São debatidos os dilemas enfrentados pelo grupo, diante de questões de gênero e das relações com a tradição e a religiosidade. Apresentam-se ricas práticas auto-formativas e autogestionárias do grupo universitário, constituindo processos de subjetivação de grande potência cultural e política. Versão preliminar foi publicada na forma de artigo como “Grupo de Maracatu na universidade: práticas culturais juvenis e autoformação“, na RELACult – Revista Latino-Americana de Estudos em Cultura e Sociedade"7 .
6 v. 24, 2019, disponível em <http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v24/1809-449Xrbedu-24-e240031.pdf>, acesso em 14 nov. 2019. 7 v. 05, n. 03, p. 1-26, 2019. Disponível em: <http://periodicos.claec.org/index.php/relacult/article/view/1648/1126, acesso em 10 fev. 2020.
Finalmente, a Parte V: “Grupo evangélico” , escrita em parceria com Lívia Furtado Borges, trata da atuação de um grupo evangélico de estudantes na universidade mineira, pertencente à rede Aliança Bíblica Universitária (ABU). Dados do campo, cotejados à bibliografia sobre juventude, religião e universidade no Brasil atual, demonstram que a religião é uma importante forma de socialização e sociabilidade para parte de estudantes da Educação Superior, assim como a participação no grupo evangélico tem importantes efeitos na relação de jovens estudantes com a esfera pública e na sua participação política. A ABU pesquisada tem sido bem-sucedida por valorizar uma dimensão mais pessoal e participativa da religiosidade evangélica, colaborando com a permanência de estudantes na universidade e estabelecendo pontes entre a cultura religiosa e a cultura acadêmica, propiciando a manutenção da identidade religiosa constituída antes do ingresso na educação superior. A pesquisa de campo ilustra algumas das tensões vividas no grupo evangélico do ponto de vista da participação política, derivadas da contraposição entre, de um lado, a horizontalidade e certas tendências progressistas vividas no cotidiano do grupo, e, por outro, a centralização e as tendências conservadoras das lideranças evangélicas. Versão preliminar foi publicada como “Grupo evangélico na universidade: práticas formativas, identidade religiosa e relações políticas” na Revista Religião & Sociedade8 .
8 v. 38, n. 3, p. 173-196, 2018, disponível em <http://www.scielo.br/pdf/rs/v38n3/0100-8587-rs-38-3-00173.pdf>, acesso em 10 maio 2019.
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